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Filosofia Genética
Diga-se de passagem, a teoria da sexualidade freudiana pode ser vista como uma das
facetas dessa minha antiga “filosofia genética”, pois a sexualidade desempenha um
importante papel instintivo e, era de se esperar que, por exemplo, uma violenta
repressão nestes instintos pudessem provocar sofrimentos ou distúrbios variados.
Posteriormente, por volta de 1990, ainda intrigado com a natureza biológica do homem,
li o fantástico livro O Gene Egoísta, de Richard Dawkins. O livro mostrava claramente
que todos os seres vivos, sem exceção, evoluíram por seleção natural "para"
perpetuarem seus genes. O "para" está entre aspas porque se trata de uma notação
metafórica: os organismos não têm, na verdade, um objetivo consciente de perpetuarem
seus genes. Eles agem desta maneira, instintivamente, por impulsos ou reações pré-
codificadas em seu sistema nervoso, que podem ser até bastante complexas, porque
apenas os organismos (tomados como um conjunto de genes) que conseguem transmitir
seus genes às gerações futuras permanecem no pool genético da população. Os que não
o fazem, ou não conseguem fazê-lo por algum motivo, não têm estes genes preservados,
e portanto suas características são também eliminadas. Então, tudo se passa como se
houvesse uma intenção dos organismos vivos em agirem em conformidade com a sua
perpetuação genética.
Devemos notar que o valor instintivo à vida, isto é, a própria sobrevivência, nada mais é
do que um dos muitos fatores da preservação genética. Antes que o leitor pense, como
muitos que tomam contato com a doutrina pela primeira vez, que o genismo se resume a
filhos, devo dizer que isso é uma simplificação grosseira. Lembrar que nossos genes não
estão apenas em nossos corpos, como veremos, fará toda a diferença do mundo.
No livro, talvez por prudência, Dawkins não utilizava exemplos humanos para
demonstrar este ponto de vista e, na verdade, para minha própria sorte, ele declarava
justamente que deveríamos ir contra nossos genes! Em suas palavras:
Isso acontece porque, como já dissemos, a natureza biológica dos seres vivos está
centrada na perpetuação dos genes do organismo compartilhados, e não da
sobrevivência de seus organismos individuais. Se o paradigma biológico fosse apenas a
sobrevivência, pura e simples, nenhuma fêmea arriscaria sua vida para salvar seus
filhotes do perigo, os animais, em momentos de fome, caçariam e comeriam os de sua
espécie e até mesmo suas próprias crias. Mas isso raramente acontece. O que ocorre é
que os animais ditos “selvagens”, seguem seus genes mais de perto do que nós
humanos. Nós humanos possuímos a consciência e um poderoso cérebro capaz de,
inclusive e infelizmente, trair nossos genes. E isso ocorre não apenas através de guerras
contra nossos semelhantes, utilizando-se das famosas "armas de destruição em massa",
mas também contra nós mesmos e, como conseqüência, com o comprometimento de
nossa própria felicidade.
Assim, a minha antiga "filosofia genética" evoluiu para o genismo algum tempo depois
de eu ter lido O Gene Egoísta e percebido que deveríamos evitar agir contra nossos
genes, mas agir a favor deles. Claro que deveríamos estar restritos a algum domínio
ético, mas, ainda assim, teríamos um amplo campo de ação que minimizaria nossos
sofrimentos, dar-nos-ia um sentido à vida, e uma nova forma de imortalidade, não mais
baseada em ilusões, mas em entidades reais: os genes.
O genismo nesta fase que, posso dizer, durou de 1990 a abril de 2003, estabelecia que
deveríamos assumir culturalmente nossa condição biológica de "Máquinas
Perpetuadoras de Genes" e agir no sentido de perpetuá-los. Como resultado de tais
ações, que chamei de ações gene-perpetuativas, maximizaríamos nossa felicidade, pois
reduziríamos ao mínimo os conflitos cultura x instinto e integraríamos nossa cultura
com nossa essência biológica mais profunda.
É muito importante frisar, novamente, que nossos genes não estão apenas em nossos
corpos individuais, mas espalhados pela humanidade, assim como entre outras espécies.
Partilhamos a maior parte de nossos genes com nossos descendentes e parentes, mas a
diferença com outros membros da mesma espécie não é tão grande assim.
Compartilhamos cerca de 86% de genes idênticos (não de cromossomos) com nossos
filhos, e cerca de 68% de genes, também idênticos, com outra pessoa qualquer da
mesma espécie.
"Deus não existe, e o único modo de transcender à morte é através dos genes".
O genismo leva o indivíduo a valorizar os seus genes e faze-lo agir de forma a querer,
conscientemente, a perpetuá-los. É "para isso" que fomos evoluídos, e o genismo
reforça dizendo que é para isso também que devemos viver. O genismo transforma,
assim, uma meta biológica numa meta cultural. Unifica cultura e biologia. Esta nova
forma de vermos a nós mesmos faz com que nos integremos à nossa essência imutável
que é a nossa programação genética.
Em abril de 2003, o genismo deu mais um passo evolutivo: vinha se tornando cada vez
mais claro para mim que a nossa consciência não era a nossa essência, e sim nossos
genes. Antes, o genismo fazia um tratamento por demais diferenciado entre o ‘nós’ e
‘nossos genes’. Tratávamos nossos genes como "eles". Deveríamos servi-los, e viver em
função deles. Implicitamente estávamos privilegiando a nossa consciência como nosso
verdadeiro "eu". A partir desta data, não mais. A nossa consciência, assim como nossos
braços, estômagos, olhos e unhas devem ser vistos como apêndices de nosso verdadeiro
eu: nossos genes.
Embora nossa consciência tenha, aparentemente [2], o controle de nossas ações, ela é
resultado de uma pequena parte do processamento cerebral. Talvez, quem sabe, até de
uma diminuta área de nossos cérebros. Assim, até fisicamente é mais razoável
pensarmos que somos nossos genes, já que, diferentemente da consciência, eles
permeiam praticamente todas as células de nosso corpo: dos dedos dos pés ao núcleo de
cada um de nossos neurônios.
Entretanto, a ditadura da consciência fez suas raízes bastante profundas. Ainda vai
levar tempo para que este novo paradigma se reflita em nossa linguagem coloquial, e
por isso deveremos ser compreensivos quando ainda tratarmos os genes como "eles" e
nossa consciência como "nós", mesmo porque também não seríamos entendidos por
quem não conhece o genismo. Mas o genista saberá que quando falarmos que estamos
batalhando para perpetuar nossos genes, devemos entender que estamos trabalhando
para a nossa própria imortalidade.
Existe mais de uma maneira de se chegar ao genismo. Uma delas é através da Meta-
Ética-Científica (MEC): a felicidade é maximizada nos centros de prazeres do cérebro
que a produzem quando o organismo age de acordo com sua programação evolutiva,
isto é, age no sentido de perpetuar seus genes. Outra maneira é através do estudo da
evolução da vida. O texto a seguir, um dos primeiros que fiz a respeito deste novo
paradigma, mostra como o genismo pode ser entendido através do estudo
neodarwiniano da evolução da vida.
O Genismo hierarquizado
Pela teoria da evolução, e o processo de seleção natural, sabemos que os seres vivos
foram evoluídos *como* se tivessem o objetivo inconsciente e instintivo de
perpetuarem seus genes, ou seja: de maximizarem sua “gene-perpetuação”.
Não existe nenhuma razão transcendental para os seres vivos agirem assim. Isso ocorre
porque os genes que estão presentes hoje foram justamente aqueles que conseguiram
adaptar seus portadores a preservá-los até o momento presente.
Os genes que não levaram seus portadores a perpetuá-los, isto é, não conseguiram fazer
com que os organismos (fenótipos) que os portassem os levassem às próximas gerações,
pereceram. Estes genes não mais se encontram entre nós. Somos todos, portanto,
descendentes vivos do primeiro replicante (“o gene primordial”), que deu origem à vida
a cerca de quatro bilhões de anos atrás, e que tiveram sucesso em sobreviver através dos
tempos [2].
Por esta razão, a base da psicologia evolucionista, a ciência que estuda o
comportamento e a estrutura social dos seres vivos, está alicerçada no paradigma “gene-
perpetuativo”.
Mas como os genes fazem seus portadores (nós) agirmos “para” perpetuá-los?
Evolução e Consciência
Desta forma, por exemplo, uma planta não precisa pensar nem mesmo sentir que
precisa voltar suas folhas ao Sol para receber luz. Mecanismos internos viram as folhas
na direção da captação da luz solar. Mecanismos internos fazem este trabalho
automaticamente. A frutificação ou o lançamento de sementes também é feito de
maneira automática pela regulação genética da planta, sem nenhum auxilio de algum
sistema nervoso.
4- mecanismos de recompensa.
Mecanismos de recompensa são estudados por uma área da ciência conhecida por
behaviorismo. Estes mecanismos internos fazem com que o organismo aprenda, (com a
utilização da memória), através da dor (ou do prazer) que uma ação é prejudicial aos
genes (ou benéfica a eles). Por exemplo: colocar a mão no fogo provoca dor, isto é um
sinal, e uma forma de aprendizado, que colocar a mão no fogo é prejudicial aos genes.
Comer substâncias doces é sentida como agradável porque, em geral, fornece energia ao
corpo, e isso é, em geral, benéfico aos genes.
5- Regras Epigenéticas
Com esta nova camada cerebral humana, quase todos os estímulos, que outrora
disparavam instintos que faziam o corpo agir imediatamente, agora já não fazem mais.
As ações instintivas são bloqueadas, e antes de serem disparadas, passam por uma
avaliação racional/ambiental: a consciência.
Claro, que os genes que criaram esta camada cerebral só sobreviveram porque esta
estratégia foi mais eficiente na forma de perpetuar os genes do organismo. Por quê?
Porque estamos aqui!
Com este novo aparato neurológico no cérebro surge um novo nível de gene-
perpetuação:
6- absorção de memes.
Prazer Ideológico
O Prazer ideológico é o prazer que se sente quando agimos em acordo com a ideologia
(meme) que acreditamos ser verdadeira. Provavelmente ele se originou da necessidade
de coesão em disputas territoriais e guerras tribais de nosso passado evolutivo. Por
exemplo, se pertencemos a um time de futebol, a uma religião, a um clube, a uma
cidade, país etc., então deveremos sentir prazer quando agirmos em beneficio do grupo
ou da instituição a que pertencemos. Este prazer está alicerçado no fato de que pessoas
próximas, que compartilham interesses comuns, devem também partilhar mais genes
semelhantes, e assim, ajudá-las também é uma forma de ajudarmos nossos genes que,
provavelmente, compartilhamos mais com elas do que com desconhecidos.
Genes e Felicidade
É importante notar que a utilização dos instintos, das regras epigenéticas, e da própria
razão tiveram um “propósito” [4]: estes mecanismos evoluíram enquanto beneficiavam
a gene-perpetuação. Mas os organismos não estão (a rigor, na verdade, nem os genes!),
de fato, interessados na gene-perpetuação! Os organismos querem mesmo apenas mais e
mais prazer e menos sofrimento e dor. Então toda utilização destes mecanismos internos
cerebrais para a solução de problemas significa tão somente formas mais sofisticadas de
se resolver problemas para aumentar o prazer e diminuir a dor pelo maior tempo
possível, ou seja: São formas de se tentar maximizar a felicidade!
Traição
Entretanto, os genes “não sabiam” que tal poder racional e capacidade de controle por
parte de algo tão flexível como a consciência que criaram, e seus subsistemas neuronais
associados, pudessem também se voltar contra eles próprios. A consciência, apesar de
resolver com maestria problemas técnicos de forma a evitar a dor e conseguir prazer,
também permitiu que memes nocivos à perpetuação genética (como, p ex., entre outros,
o consumismo e o VM2F) e também à felicidade (como o budismo, o celibatarismo
etc.) surgissem.
Claro, ainda estamos em evolução, e a seleção natural também continua atuando, de
forma que, no médio ou longo prazo, estes memes deverão encontrar barreiras, se não
meméticas, ao menos barreiras genéticas contra a sua proliferação. Uma das formas dos
genes se livrarem do VM2F, por exemplo, é fazendo com que o organismo tenha filho
antes que o meme se instale em suas mentes, isto deve explicar o aumento do índice de
gravidez na adolescência [3].
Hierarquização de Prioridades
Uma das coisas que o genismo sugere é a de que devemos seguir nossos genes. Mas o
que significa isso?
Basicamente significa que devemos agir em acordo com o que os “genes querem”.
Uma forma dos genes sinalizarem o que querem é através de vontades e desejos. Por
exemplo, se o organismo sente necessidade de água, mecanismos genéticos sinalizam
com a sede. Se o organismo saciar a sede ele estará agindo de acordo com a vontade dos
genes que criaram o mecanismo de sede. Mas podem existir vontades conflitantes
também. Eu posso ter vontade de comer um doce, e, ao mesmo tempo, ter vontade de
emagrecer e ser saudável. Como priorizar isso? E se uma ação gene-perpetuativa for
antiética?
1-A Meta Ética Cientifica deve ser a regra de maior valor hierárquico.
Dessa forma nem mesmo ações gene-perpetuativas são permitidas se por acaso
infringirem a MEC.
Maximização da Felicidade
Com esta hierarquização de prioridades fica fácil perceber que a meta do genismo, por
definição, em primeiro lugar é a maximização da felicidade, uma vez que a MEC tem a
maximização da felicidade como postulado básico:
“A Meta-Ética-Científica postula que uma ação é melhor, ou mais justa que outra quando o
nível de felicidade geral proporcionada por ela, computada no maior período de tempo
possível, for superior ao nível de felicidade proporcionada no mesmo período.” [5]
Por outro lado os não genistas, particularmente os que não estão interessados na gene-
perpetuação, não irão seguir sempre um caminho gene-perpetuativo, e quase sempre um
desvio desse caminho fará com que a pessoa sofra ou ao menos não tenha tanta
felicidade quanto se o seguisse.
Neste caso a pessoa deve seguir o que lhe dá mais prazer, quero dizer, ela seguirá seus
instintos e vontades visando à felicidade, o que é mais ou menos o pilar genistas que diz
que devemos seguir os nossos genes. É mais ou menos como que voltar às nossas
origens primitivas, mas dentro de um ambiente moderno. O que pode levar, com certa
probabilidade, a uma trilha gene-perpetuativa, mas não necessariamente!
Como, por hipótese, estas filosofias ou ideologias não são o genismo, então a pessoa
terá que restringir ou agir de acordo com uma ideologia que não vai a favor do genes, e
por esta razão, deverá, em algum momento, reprimir seu genes, o que levará à perda de
felicidade. Por exemplo: Algumas religiões promovem o sacrifício físico, como
chibatadas, e rezas enfadonhas, para agradar a Deus. Mas estes sacrifícios diminuem o
prazer físico, e, portanto, também a felicidade, embora possam dar um bom prazer
ideológico.
Agora, um genista tem o prazer ideológico sem ter que sair da rota gene-perpetuativa.
Dessa forma ele teria uma felicidade maior que um não genista sem ideologia, ou do
que um não genista com ideologia, de forma que assim demonstramos que seguir o
genismo produz mais felicidade do que não segui-lo.
O Caso Matrix
Suponha que uma pessoa queira maximizar sua felicidade pessoal e entre num casulo
matrixiano onde eletrodos são implantados em seu cérebro, e onde receberá alimentação
intravenosa, de modo a passar o resto de sua vida nessa máquina maximizadora de
felicidade.
A máquina por definição irá maximizar sua felicidade do modo máximo suportado por
seu cérebro. Sua felicidade será maximizada como jamais seria no mundo real. Ele não
perpetuara nenhum gene e ainda por cima consumirá muitos recursos do ambiente para
poder permanecer nesta máquina por anos a fio.
Agora eu faço uma difícil pergunto ao leitor: Você entraria neta máquina matrixiana se
lhe fosse oferecido gratuitamente? E se não, por quê?
Referências