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Este documento foi realizado no âmbito do relatório de estágio em Gestão do

Património que decorreu na Casa da Animação, espaço dedicado ao cinema de


animação no Porto.

Discente: Márcia Pinto

Docente: Profª. Orientadora Arqª. Margarida Coelho

Porto, Julho 2005


CAPÍTULO UM – CINEMA

1. Os primórdios do Cinema

Desde que a lanterna mágica surgiu, os artífices delas empenharam-se em dar


uma ilusão de movimento às imagens no ecrã. “Um desenho da autoria de Christiaan
Huygens, datado de cerca de 1660, sugere que o próprio inventor da lanterna mágica
efectuou experiências com o intuito de pôr um esqueleto luminoso a dançar, para
encanto dos espectadores.”1 Ao longo dos cerca de duzentos anos que se seguiram,
foram concebidos mecanismos cada vez mais elaborados para dar movimento às
imagens pintadas nos diapositivos das lanternas. Alguns desses diapositivos, no século
XIX, deram origem a uma técnica bastante inovadora e original de imprimir movimento
às imagens, técnica essa que permanece o princípio básico segundo o qual o cinema
funciona. A ilusão depende de um fenómeno fisiológico vulgarmente denominado
“persistência da visão”. Ou seja, aparentemente vemos qualquer imagem colocada
perante os nossos olhos durante uma fracção de segundo após o próprio estímulo ser
eliminado. Os pioneiros ao observar e investigar o fenómeno supunham que havia uma
imagem que permanecia momentaneamente impressa na retina. Hoje, sabe-se que o
efeito se deve ao sistema nervoso e ao cérebro, e que se trata de uma complexa
combinação de fenómenos ópticos, químicos e cerebrais. “Este fenómeno foi observado
desde a Antiguidade. Aristóteles, Lucrécio, Ptolemeu e Al-Hazen reflectiram sobre
ele.”2 No século XVIII, alguns investigadores propuseram medir a duração dos efeitos
da persistência visual, tais como: Johannes Segner (1704-1777), Chevalier Patrice
d’Arcy (1725-1779), Michael Faraday e Plateau, John Murray, Mark Roget, François
Magendie e o anatomista escocês Sir Charles Bell, cujo tratado The Nervous Systems of
the Human Body surgiu em 1830. Nesta obra, Bell confirmou a presença de filamentos
especiais nos feixes nervosos, que têm por função a transmissão de impressões
provenientes da periferia do corpo ao sensório. “Citando Bell, Roget reconhece, já em
1834, que as impressões na retina são “transmitidas ao sensório” e de uma imagem que

1
CARVALHOSA, Leonor (coord. ed.) - A Magia da Imagem – A Arqueologia do Cinema através das
colecções do Museo Nazionale del Cinema di Torino. MTF – Gabinete de Publicidade, Lda., 1996, pp.
123
2
Idem, pp. 124
permanece “presente na mente durante muito tempo, como se a sua luz continuasse a
agir sobre a retina””.3

Um divertido “brinquedo filosófico”, Taumatrópio, permitiu demonstrar o


fenómeno da persistência da visão, aparecendo à venda em Londres em 1825. O
Taumatrópio consistia num pequeno disco de cartão, em cujas faces eram impressas
imagens complementares (numa um pássaro e noutra uma gaiola) por exemplo.
Prendiam-se uns fios de cada lado, permitindo assim que o disco girasse rapidamente
para que as duas faces fossem vistas numa rápida sucessão. O efeito de “persistência da
visão” tornava as duas imagens visíveis em simultâneo, parecendo estar sobrepostas.

O Taumatrópio foi uma invenção do médico John Ayrton Paris propondo mais
tarde aperfeiçoamentos ao mesmo. Poderia obter-se um efeito de transformação da
imagem, por exemplo, dispondo os fios para que o eixo de revolução fosse alterado
enquanto o disco se encontrasse em movimento. “Outros mecanismos posteriores mais
sofisticados, tal como o Pedemascópio, do Reverendo Richard Pilkington, de 1869,
criavam efeitos físicos de movimento alternando as fases de uma única acção nas duas
faces do disco.”4

Em 1827, Joseph-Antoin Ferdinand Plateau (1801-1883) retomou as pesquisas


iniciadas por Chevalier d’Arcy e determinou definitivamente que a duração da imagem
persistente varia de acordo com a cor do estímulo, e que a impressão luminosa não
desaparece instantaneamente, diminuindo gradualmente. Em 1829 na sua tese de
doutoramento incluía outras observações, tais como: o cálculo do “tempo médio de
duração das impressões como sendo de um terço de segundo”.5 Plateau observou ainda
que, se duas rodas com dentes equidistantes em torno das extremidades rodassem
rapidamente sobre o mesmo eixo, mas em sentido oposto, umas das rodas, observada
dos espaços existentes entre os dentes da outra, parecia estar imóvel. Se rodassem sobre
eixos diferentes, o fenómeno de distorção, observação por John Murray e Roget,
tornava-se evidente. Plateau também realizou experiências com um conjunto de
roldanas colocadas numa plataforma, que permitiam fazer rodar rapidamente, em planos
paralelos, dois arames curvilíneos claramente iluminados, que se moviam em sentidos

3
Idem, pp. 126
4
CARVALHOSA, Leonor (coord. ed.) - A Magia da Imagem – A Arqueologia do Cinema através das
colecções do Museo Nazionale del Cinema di Torino. MTF – Gabinete de Publicidade, Lda., 1996, pp.
126
5
Idem, pp. 127
opostos e a velocidades diferentes. “Esta experiência levou Plateau a conceber um
dispositivo que explorava e demonstrava os dois fenómenos relacionados: a roda
aparentemente imóvel e a distorção da imagem.”6 Quando a máquina começava a
funcionar, e vistas através das ranhuras do obturador em movimento, as imagens
distorcidas pareciam imóveis e até corrigidas para formas reconhecíveis. O processo de
distorção era invertido. Plateau chamou ao seu dispositivo Anorthoscope.

Michael Faraday, desconhecendo as investigações de Plateau, seguiu vias de


investigação semelhantes e construindo um mecanismo muito semelhante ao de Plateau
em que regista numerosas e complexas experiências e observações num documento.

Por conseguinte, efectuou várias séries de abertura no disco observado, dispostas


em círculos concêntricos, e verificou que se o número de aberturas fosse o mesmo que o
número de espaços entre os dentes da roda, as mesmas pareciam estar imóveis, se
fossem em maior número, pareciam mover-se lentamente para trás; se fossem em menor
número pareciam avançar. Mais tarde veio a denominar-se “efeito de estroboscópio”

Quando Farady teve conhecimento das publicações de Plateau, reconheceu


cortezmente a prioridade do físico belga. Por seu lado, Plateau, substituindo os dentes
da roda de Farady por estreitas ranhuras, explicou com clareza o fenómeno do disco
giratório que parecia estar imóvel:

“ Sempre que uma ranhura passa à frente dos olhos, permite ao observador ver a
imagem do círculo no espelho; mas, dada a largura diminuta das ranhuras, a imagem
surge apenas durante uma parte ínfima de uma volta, de tal modo que é quase como se
surgisse, nesse breve instante, a imagem de um círculo imóvel [...] se a velocidade for
suficiente, essas imagens idênticas ligar-se-ão entre si, apresentando à vista uma
imagem uniforme que será necessariamente a de um círculo completamente imóvel...”7

Plateau reconheceu que o efeito seria muito mais impressionante, “se, em vez de
dividir o círculo em faixas concêntricas, como Faraday; se desenhasse numa das partes
uma figura qualquer, repetindo essa figura sempre na mesma posição em cada uma das
outras partes; seria óbvio que quando se submetesse o círculo à experiência do espelho,

6
Idem, pp. 127-128
7
CARVALHOSA, Leonor (coord. ed.) - A Magia da Imagem – A Arqueologia do Cinema através das
colecções do Museo Nazionale del Cinema di Torino. MTF – Gabinete de Publicidade, Lda., 1996, pp.
128
distinguir-se-iam todas essas pequenas figuras perfeitamente imóveis (…) [Isto porque]
se em vez de ter apenas figuras idênticas, se procedesse de forma a que, seguindo a série
de figuras ou posição para outra, é evidente que cada uma das partes, cuja imagem
ocuparia sucessivamente no espelho o mesmo lugar relativamente ao olhar, conteria
uma figura que seria ligeiramente diferente da anterior; de forma que, se a velocidade
fosse suficientemente grande para que todas as imagens sucessivas se ligassem entre si,
mas não excessiva de modo a confundi-las; ver-se-ia cada uma das pequenas figuras
mudar gradualmente de estado. Imagina-se imediatamente os efeitos curiosos que se
podem criar com base neste princípio.”8

Um dos consequentes efeitos curiosos seria, obviamente, o Cinema. Um


fenómeno impressionante que ocorreu frequentemente ao longo da extensa evolução de
Cinema, foi o facto de vários investigadores terem tido a mesma ideia ao mesmo tempo,
trabalhando em completa ignorância mútua. Por exemplo, Peter Mark Roget, Simon
Stampfer em conjunto com Mathias Trentsensky, Faraday...

Stampfer, revelando uma antevisão ainda mais surpreendente tendo em conta


que, tanto ele, como Plateau e os seus sucessores imediatos se encontravam limitados à
animação de acções suficientemente breves para serem reduzidas às vinte fases ou
menos que podiam caber na circunferência de um disco, previu:

“Deste modo, será possível não só representar os diversos movimentos de um ser


humano ou de um animal, mas também de máquinas em funcionamento, ou até acções
de maior duração, representações teatrais ou cenas da natureza.”9

Stampfer sugeriu uma forma alternativa ao seu dispositivo. Em vez de serem


impressas num disco e observadas num espelho, as imagens podiam ser dispostas ao
longo de uma tira de papel, que seria colocada no interior de um tambor de cartão ou
metal, e vistas directamente através de ranhuras feitas na parte lateral do cilindro.
William George Horner (1786-1837) propôs um dispositivo semelhante, a que deu o
nome de Daedeleum, em 1834.

8
CARVALHOSA, Leonor (coord. ed.) - A Magia da Imagem – A Arqueologia do Cinema através das
colecções do Museo Nazionale del Cinema di Torino. MTF – Gabinete de Publicidade, Lda., 1996, pp.
129
9
Idem, pp. 132
A proposta parece contudo ter sido esquecida até 1860, altura em que Peter
Hubert Desvignes incluiu um Zootrópio numa patente. No entanto, o Zootrópio só
começou a ser produzido comercialmente a partir de 1867.

Uma diferença importante entre o Fenacistiscópio e o Zootrópio é o facto de, no


primeiro, as imagens se moverem na mesma direcção que as ranhuras de visão e no
Zootrópio, o movimento ser invertido. Em ambos os casos a imagem é distorcida, mas
enquanto que a imagem do Fenacistiscópio parece alongar-se em sentido horizontal, a
imagem observada no Zootrópio parece estar comprimida. Em 1869, Sir James Clerk-
Marwell propôs uma solução para esse defeito, substituindo as ranhuras de visão por
lentes côncavas de comprimento focal idêntico ao diâmetro do cilindro. Deste modo, a
imagem virtual do desenho parecia a meio caminho entre a lente e a imagem, sem
qualquer distorção.

Geralmente, o número de ranhuras era treze: analogamente, os desenhos


animados eram constituídos por treze fases, excepto quando uma imagem deveria ser
representada movendo-se ao longo e para fora da “moldura”, sendo nesse caso apenas
doze. Para além disso, os desenhos animados podiam ser impressos em discos
colocados no fundo do tambor.

Estes foram os primeiros objectos ópticos a surgir e daqui ao cinema foi um


passo. Conhecer as origens do cinema permite-nos abordar não só o cinema em geral,
mas especialmente o Cinema de Animação, numa perspectiva mais técnica e
compreender a sua produção no conjunto.

2. Resenha Histórica do Cinema em Portugal

No domínio do cinema, o Porto esteve praticamente a par da Europa. O


nascimento da própria arte das imagens em movimento dá-se um ano depois da estreia
do cinematógrafo dos Lumiére no Café de La Paix, em Paris, a 12 de Dezembro de
1895. Aurélio da Paz dos Reis promoveu uma sessão idêntica com o seu Kinetógrafo
Portuguez na noite de 12 de Novembro de 1896, no então Teatro do Príncipe Real
(actual Sá da Bandeira). Na “mesma sala que a 18 de Julho desse ano tinha já acolhido a
primeira sessão de cinema no Porto, essa organizada por um operador estrangeiro, o
“electricista húngaro” Edwin Rousby.”10

O pioneiro portuense registou alguns momentos instantâneos da vida na sua


cidade, chegando até nós fitas com os títulos: “Saída do Pessoal Operário da Fábrica
Confiança” e “Feira de Gado na Corujeira”.

Depois da sessão inaugural no Porto, Paz dos Reis levou o seu Kinetógrafo a
Braga e, no início de 1897, viajou com ele até ao Rio de Janeiro, não tendo em
nenhumas das cidades alcançado grande sucesso com o novo invento.

O impulso das imagens em movimento só viria a ressurgir no final da primeira


década do século XX, primeiro em Lisboa com a produção de duas primeiras ficções
cinematográficas: “O Rapto de uma Actriz” (1907), assinada por Lino Ferreira e “Os
Crimes de Diogo Alves” (1909) um projecto do mesmo autor.

O Porto só viu os seus primeiros “entrechos” cinematográficos subir o ecrã dez


anos depois.

Ao compararmos com a França, que depois de Lumiére, tinha já reforçado o seu


pioneirismo na nova indústria de entretenimento com as magias de Georges Méliès, o
Film d’Art e as séries de Aventuras de Louis Feuillade; a América tinha Edwin S. Porter
e o grand David W. Griffith; o Reino Unido a Escola de Brighton; e os Países
Escandinavos as paixões da actriz dinamarquesa Asta Sjöstrom. “Tudo isto eram fitas a
que os portuenses iam tendo acesso nas suas salas, seja nos velhos teatros onde o
cinematógrafo ia ganhando cada vez maior espaço no alinhamento dos programas de
variedades, seja nos cinemas que esses anos iam surgindo na cidade.”11 Há que ter em
atenção o facto de o Porto na viragem da primeira para a segunda década do século XX
o Porto apresentava já uma boa dúzia de salas também dedicadas ao novo espectáculo
cinematográfico.

Um dos empresários dessas casas de espectáculo era Alfredo Nunes de matos,


gerente do Jardim Passos Manuel. Este, por sua vez, percebendo que o cinematógrafo
estava a criar um público novo e que era preciso explorar esse potencial decidiu lançar-
se à aventura da produção.

10
in ANDRADE, Sérgio C. - Tripé da Imagem – O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora,
2002, pp. 55
11
in ANDRADE, Sérgio C. - Tripé da Imagem – O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora,
2002, pp. 56
Em 1910 funda uma empresa produtora que regista dois anos depois com a
designação “Nunes de Matos & Cia.”. Começou por se dedicar à produção de “filmes
panorâmicos” e documentais com atenção especial para os eventos “mediáticos” da
época.

Em 1917 o empresário aposta num projecto que haveria de marcar toda a história
do nosso cinema. Criou uma nova empresa, designada “Invicta Film, Lda.”, uma
ambiciosa produtora de cinema com a qual se propunha colocar o nosso país a par do
que então se fazia na Europa.

O principal instrumento da actividade da produtora seria um estúdio dotado dos


mais modernos equipamentos mas também de técnicos com a preparação adequada. A
Invicta Film propunha-se a levar ao grande ecrã histórias portuguesas, filmadas com
actores e paisagens do nosso país. Filmes como “Os Fidalgos da Casa Mourisca”
(1920), “O Amor Fatal” (1920) e “Amor de Perdição” (1921) registaram bom
acolhimento do público e da crítica tornando-se êxitos da época.

No entanto, várias transformações ao nível do grupo de trabalho se verificaram,


mudança de técnicos e realizadores. Porém, não impediam que as produções fossem
bem sucedidas.

O ano de 1923 assinala uma viragem na política de produção da Invicta. A


ausência de uma estratégia de distribuição nacional e internacional dos seus filmes
levou a produtora portuense a registar resultados bastante aquém dos esperados levando
à mudança de orientação. Nesta fase produziram-se filmes que conseguiram ultrapassar
com algum sucesso as fronteiras portuguesas, por exemplo “Claudia” de Pallu. Mesmo
assim não conseguiu alterar o rumo descendente da produtora portuense que caminhava
irremediavelmente para tempos difíceis.

Em 1924 os técnicos da Invicta Film pulverizaram-se por diferentes lugares e os


estúdios da Prelada ficaram ainda alguns anos a funcionar em regime de aluguer. A
extinção definitiva deu-se apenas em 1931, com um leilão do recheio da produtora.

A efervescência do meio cinematográfico portuense no início dos anos 20 não se


ficou pela acção da Invicta Film. Outras produtoras foram surgindo por exemplo:
Caldevilla Film, Iberia Filme, Lupo Film, Repórter X Film, Lda. Todas estas produtoras
contribuíram, uma mais consideravelmente outras nem tanto, para o Cinema Portuense.
Se analisarmos os anos compreendidos entre 1918 e 1929, deparámo-nos “com
26 longas-metragens”12 produzidas no Porto. Estas significam um terço do que viria a
ser produção e realização na cidade ao cabo do primeiro século do cinema. Estes
números revelam-nos a importância desta década do cinema portuense, “com um
esforço de produção que não viria a ter paralelo na história cinematográfica da cidade e
que dificilmente foi repetida mesmo a nível nacional.”13 Contudo, a cidade que viu
nascer o cinema português acabaria por atravessar praticamente toda esta prolífera
década de 20 quase sem ter subido ao ecrã como “personagem” ou sequer elemento
dramático de ficção. Quando muito, o Porto representa a cidade vista como oposição ao
mundo rural.

Nos filmes da Invicta, o Porto figura-se não apenas como a grande cidade, por
contraposição com o campo, mas representa-se a si própria.

Mais tarde com António Lopes Ribeiro, o Porto surge apenas representado no
casario que Simão Botelho vê da sua cela na Cadeia da Relação, e depois na Ribeira
aquando do embarque dos degredados e na saída do barco na barra do Douro.

Já no filme publicitário de Caldevilla, “Um Chã nas Nuvens”, a Torre dos


Clérigos “ganha alguma presença dramática ao funcionar como desafio à aventura dos
acrobatas Puertollanos...”14

Em 1931 surge o cinema sonoro no nosso país, com “Severa”, de Leitão Barros.
O Porto teria, no entanto, de esperar alguns anos para que uma equipa de rodagem se
deslocasse ao de Lisboa para aí filmar uns escassos planos. Este facto deveu-se a
António Lopes Ribeiro, com a “Revolução de Maio” (1937), rodado no ano anterior
para celebrar o 10º aniversário do 26 de Maio que esteve na origem do Estado Novo.
Nesse filme, António Lopes Ribeiro, realizador “oficial” do Salazarismo e que se tornou
no mais produtivo 15 cineasta da história do cinema nacional, associa uma pueril e quase
indigente ficção à celebração dos feitos e da bondade do regime liderado por Salazar.
Em “Revolução de Maio”, o Porto é apenas um lugar de episódica passagem dos
protagonistas.

12
in ANDRADE, Sérgio C. - Tripé da Imagem – O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora,
2002, pp. 65
13
Idem, ibidem.
14
in ANDRADE, Sérgio C. - Tripé da Imagem – O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora,
2002, pp.67
15
Nota: No conjunto dos filmes de ficção e dos documentários de propaganda do regime
Lopes Ribeiro inscreve a paisagem portuguesa em mais dois filmes: “As Festas
do Duplo Centenário” mais uma fita celebrativa onde o Porto surge penas como palco
da reconstituição de um auto medieval. O outro filme é “Amor de Perdição” no qual o
Porto tem uma passageira função denotativa e documental.

No elenco de “A Rosa do Adro”, surge o nome de Arthur Duarte como director


de produção. Caber-lhe-ia, na década seguinte e no intervalo da sua aventura espanhola,
a realização de dois filmes cuja acção passa pelo Porto. O Primeiro deles, “O Hóspede
do Quarto 13” (1946) e o segundo “O Leão da Estrela” (1947) sendo esta uma espécie
de canto do cisne daquele “género” tipicamente lisboeta.

Os filmes da década de 40, tais como: “O Pai Tirano (1941) e “A Vizinha do


Lado” (1945), etc. “ajudaram os portugueses a esquecer a guerra que então envolvia
toda a Europa e se estendia ao resto do Mundo, elegeram Lisboa e os seus “pátios
alfacinhas” como principal “décor””16. Era aí que se viviam essas pequenas e anódinas
histórias de bairro, em que os dramas do quotidiano eram substituídos por trocadilhos
de palavras e situações, mas servidos sempre por um naipe invulgar de bons actores e
outros tantos argumentistas. No Porto, um jovem cineasta filmava “Aniki-Bóbo”, um
filme que, no seu enredo aparentemente infantil, não deixava reflectir à distância, sobre
os males que então atormentavam o mundo.

A presença do Porto no cinema português da década de 40 completar-se-ia com


dois títulos: “Viela, Rua Sem Sol” (1947), uma co-produção luso-espanhola assinada
por um realizador húngaro, Ladislao Vajda; e “Não Há Rapazes Maus” (1948) assinado
pelo espanhol Eduardo Garcia Maroto, numa evocação da obra do Padre Américo.

Na segunda metade da década de 50, a cidade voltaria a irromper em plenitude


no grande ecrã pela mão de Manoel de Oliveira em “O Pintor e a Cidade” (1956). E
depois em “A Costureirinha da Sé” resulta num marcante documento histórico e
sociológico sobre a vida quotidiana e o imaginário do Porto da época. Em certo sentido,
“A Costureirinha da Sé” é a resposta portuense, pela via da opereta, à comédia
alfacinha. Só que a moda já tinha passado e os anos da ressaca do pós-guerra não se
compadeciam já com historietas, por muito coloridas ou cantadas que elas fossem.

16
in ANDRADE, Sérgio C. - Tripé da Imagem – O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora,
2002, pp. 73
Nos anos 60, o Porto voltou a afastar-se do grande ecrã. E não fora o regresso à
realização de Manoel de Oliveira e, noutra vertente, a actividade do Cineclube do Porto,
a cidade não teria sequer direito a referência na história do cinema da década. Manoel
de Oliveira vê finalmente aprovado um seu projecto e realiza, a partir da sua cidade,
dois filmes de uma assentada: “O Acto da Primavera” (1962) e “A Caça” (1963) a que
se seguirá “As Pinturas do Meu Irmão Júlio” (1965). Em paralelo com estes trabalhos, o
Cineclube do Porto, na altura o mais importante do país, aventura-se na produção. Filma
o “Autor de Floripes” (1960), sob a direcção de Lopes Fernandes à frente da equipa da
secção de Cinema Experimental do Cineclube. É ainda o Cineclube do Porto, por
iniciativa do seu sócio-dirigente mais activo, Henrique Alves Costa, que em 1967
promove a Semana do Novo Cinema Português, iniciativa que iria ajudar a mudar o
rumo e as condições da produção cinematográfica no nosso país.

O Porto é que nada aproveitou das mudanças da década, já que a única longa-
metragem a que a cidade surge associada é “Sarilho de Fraldas” (1966), de Constantino
Esteves, nova tentativa de captação do público por via da incorporação no ecrã dos
artistas da canção. A cidade nada ganha com este filme que é expressão de um cinema
novo.

E até ao 25 de Abril de 1974 o único filme onde o nome da cidade aparece


creditado na ficha é “Eusébio, a Pantera Negra” (1974), uma co-produção luso-
espanhola assinada por Juan de Orduna, que documenta a carreira do mais famoso
futebolista português revisitando as suas prestações em vários estádios de futebol do
nosso país e do mundo.

“Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, o cinema português acompanhou o


ar dos tempos e saiu para a rua.”17 Os realizadores abandonaram as futilidades das
construções dramáticas e decidiram-se acompanhar as movimentações populares e
captar a espontaneidade desse insólito frenesim quotidiano. Um filme revelador dessa
tendência é “As Armas e o Povo” (1975), sobre os acontecimentos decorridos entre o 25
de Abril e o 1 de Maio do ano da Revolução e realizado por um colectivo de cineastas
que reunia praticamente todos os nomes associados ao Centro Português de Cinema e
ainda o brasileiro Glauber Rocha. Outros filmes realizados por outras equipas,

17
in ANDRADE, Sérgio C. - Tripé da Imagem – O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora,
2002, pp. 81
normalmente reunidas em cooperativas, iam captando outros momentos desse período
conturbado mas rico de imagens novas e utopias.

Lisboa era o principal cenário dos eventos que as câmaras iam registando, em
paralelo com algumas incursões ao Alentejo, a terra das mais radicais experiências de
poder popular. Já o Porto acompanhava os grandes eventos da história do país de uma
forma diferida. Apenas registou aventuras do teatro independente, sendo as imagens de
“O Outro Teatro” (1976) fixadas por António de Macedo; Luís Gaspar filmou o
concerto “25 Canções de Abril” (1977) no Coliseu; e Eugénio de Andrade participa na
Produção da Secretaria de Estado da Emigração designada: “Provas para um Retrato em
Corpo Inteiro” (1978). Surgem também alguns registos documentais de eventos
políticos.

Manoel de Oliveira e António Reis, os dois maiores cineastas do Porto, optaram


por viver esses momentos conturbados do pós-25 de Abril numa espécie de “fuga” para
ficções menos efémeras. Reis e a sua companheira filmam em 1976 “Trás-os-Montes” e
Oliveira recolheu-se nos estúdios da Tobis a rodar o seu “Benilde ou Virgem-Mãe”
(1974, a partir da obra homónima de Régio, e pouco tempo depois, filma “Amor de
Perdição”(1978) – terceira adaptação cinematográfica desta obra.
Só em 1978 é que regressam as filmagens às ruas portuenses, sendo a primeira
“Alexandre e Rosa”, curta-metragem de co-assinada por João Botelho e Jorge Alves da
Silva. Ambos se propõem a experimentar uma espécie de cinema realista. Este desejo de
um cinema construído a partir do real está também patente numa longa-metragem feita
logo no ano seguinte, “Mudas, Mudanças” (1979), primeiro trabalho de Saguenail18.
“O registo documental e experimental, em que a figuração da cidade se sobrepõe
a qualquer ficção, continua patente em “O Chico Fininho” (1981), filme de estreia de
Sério Fernandes.”19 O filme vale, sobretudo, e à imagem dos dois anteriores, como
documento histórico-sociológico sobre o perfil e o quotidiano de uma cidade que, tanto
política como cinematograficamente, ficou sempre um pouco à margem da Revolução
do 25 de Abril de 1974.
Ao longo da década de 80, caberia a Saguenail mantém-se fiel à cidade,
filmando “Mourir un Peru” (1986) e “Amour en Latin” (1988). A primeira, é o “tour de

18
Pseudónimo de Serge Abramovici, cineasta francês que por esses anos decidira radicar-se no Porto,
depois de ter sido atraído até ao nosso país pela Revolução de 1974.
19
in ANDRADE, Sérgio C. - Tripé da Imagem – O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora,
2002, pp. 82
force” da reconstituição do imaginário da aventura marítima e colonial portuguesa a
partir da “ordenação das imagens” que a cidade ostenta, principalmente nos nomes e na
decoração dos sues cafés, mas também na desconstrução de figuras míticas da nossa
História, como Vasco da Gama ou Camões. O filme “Amour en Latin” aborda a vida
nocturna na cidade, encenam as suas fantasias e os seus amores sonhados e trocados.
Para além destes filmes, o Porto limitou-se a ser ponto de passagem de outras
aventuras vindas de fora. O Porto aparece apenas como referência nos filmes, pequenas
cenas e muito poucas imagens da cidade surgem nos filmes desta década.
Foi preciso esperar pelo fim de século para que o Porto regressasse ao primeiro
plano do grande ecrã. Primeiro, com o filme de Manoel de Oliveira, “Inquietude”
(1998). Depois, com “O Rio do Ouro” (1998), que marca o retorno de Paulo Rocha à
sua cidade natal.
Mas será com “Jaime” (1999), de António-Pedro Vasconcelos, que o Porto e as
duas margens ribeirinhas do Douro reemergem como principal “décor” dramático de um
filme. Tendo como tema a exploração infantil e assumindo o ponto de vista do
quotidiano das crianças vítimas desse negócio. “Jaime” leva o espectador até à parte
mais sombria e escondida das estreitas ruas da Ribeira. Este filme “é o Porto em ferida
aberta. Mas é ao mesmo tempo um lugar onde se sobrevive; onde tem de se
sobreviver.”20
Os últimos anos do século XX foram ainda assinalados pela emergência, mesmo
que ténue, na cidade, de alguns realizadores duma nova geração contaminada pela
linguagem do vídeo e pela estática do videoclip - e cujo principal objectivo pareceu
ficar-se pelo registo dos nomes no catálogo do Fantasporto assim surgiram três longas-
metragens que nada acrescentaram ao perfil cinematográfico do Porto: “Kuzz” (1999),
“Ballas & Bolinhos” (2000) e “Alaska” (2000).
Na viragem do século, cinematização da cidade vai passar mais pelas curtas-
metragens do que pelas longas-metragens.
Na história da imagem cinematográfica do Porto, há que referir o papel
importantíssimo que desempenharam as curtas-metragens de Manoel, mas esta ficaria
incompleta sem uma referência às produções da Secção de Cinema Experimental do
Cineclube do Porto, à actividade dos alunos do Curso de Cine-Vídeo da ESAP – Escola
Superior Artística do Porto e, principalmente, à obra de cinema de animação de Abi

20
Idem, pp. 85
Feijó e à produção do seu estúdio Filmógrafo. Além do conjunto de curtas-metragens
produzidas pelo pelouro do cinema e audiovisual da Capital Europeia da Cultura – Porto
2001.
Os trabalhos do Cineclube do Porto desenvolveram-se com uma certa
irregularidade até à actualidade. Na década de 90, os trabalhos em película foram sendo
realizados em paralelo com outros em vídeo, tecnologia que nos últimos anos foi
ganhando algum ascendente. Por sua vez, a ESAP iniciou em 1991 uma actividade
produtiva regular, sob orientação de Sério Fernandes.
Porém, é com os trabalhos de Abi Feijó e com o Filmógrafo que a cidade
inscreveria o seu nome no panorama europeu do cinema de animação. Criado em 1897,
este estúdio criou uma importante reputação no domínio da animação de autor. “E
esteve na base do Projecto Casa da Animação – entretanto assumido pela Câmara
Municipal do Porto como pelos responsáveis pela Capital Europeia da Cultura – que se
propõe a criar uma estrutura sólida de produção do cinema animado.”21 O Filmógrafo
conquista uma lista de prémios nacionais e internacionais, tais como: Prémio Especial
do Júri do Cartoon d’Or que “Os Salteadores” (1993), de Abi Feijó conquistou no
Fórum Cartoon dos Açores (1994), e a nomeação para o Cartoon d’OR do filme Pedro
Serrazina “Estória do Gato e da Lua” (1995). Nesta obra é possível reconhecer o recorte
único da Ribeira portuense, é sobre a silhueta das suas casas que um gato preto decide
esperar que a lua venha ter com ele a embalá-lo.
Pedro Serrazina, nascido em Lisboa mas que viveu grande parte da sua
juventude no Porto, voltaria àquele “décor” com o seu filme misto de animação e
imagem real, “Uma Canção Distante”, que integrou a série “Estórias de Duas Cidades:
Porto e Roterdão. Serrazina utiliza mesmo as duas cidades como cenário da sua história.
Outro cineasta nascido em Lisboa, Sandro Aguilar, assinou “Corpo e Meio”,
uma curta-metragem da mesma série. O Porto filmado por Aguilar é uma cidade húmida
e sombria, um lugar virado para dentro, para o interior das casas e das personagens,
onde se sofre em silêncio e recolhimento. Outros filmes de animação vão surgindo: “As
Sereias” de Paulo Rocha; “O Rio do Ouro” de Tiago Guedes e Frederico Serra.
Fernando Lopes é outro nome importante na história do Cinema no Porto, este
celebra com o filme ”Cinema” a memória das antigas sessões e da magia do

21
ANDRADE, Sérgio C. - Tripé da Imagem – O Porto na História do Cinema. Porto: Porto Editora,
2002, pp. 91
cinematógrafo, a partir do poema “Cinema” de Carlos de Oliveira, dito por Isabel Ruth.
No final, deixa o ecrã em branco – aberto para o cinema que há-de vir.
Para finalizar, e não esquecendo o nome de João Botelho, cita-se o filme “Mãos
na Pedra, Olhos no Céu” que mostra notoriamente o desejo de homenagear “Douro,
Faina Fluvial”. Pretende criar um jogo de reflexos numa cidade em trânsito entre o
velho e o novo.
Outros nomes ficarão ligados ao cinema de animação e ao Porto, especialmente
à Casa da Animação que hoje desempenha um papel importante não só na produção de
cinema de animação mas na formação e exibição criando actividades paralelas, como
exposições e ateliers intimamente ligados ao cinema de animação e às artes em geral.
CAPÍTULO DOIS – CINEMA DE ANIMAÇÃO

1. Origens do Cinema de Animação Português

Ao abordar a história do Cinema de Animação português, somos confrontados


com várias questões que, ainda hoje, não encontramos respostas exactas. Alguns dos
historiadores da Sétima Arte dedicaram-se a pesquisar e a reconstituir a história do
Cinema de Animação português, põe exemplo, José Matos-Cruz e António Gaio. Aliás,
uma dos raros livro que abordam a história da Animação em Portugal é da autoria de
António Gaio. Através dos documentos editados pelos dois autores, são nos dadas
algumas pistas que nos permitem identificar os pioneiros da Animação, películas, datas
e locais de exibição e ainda outros pormenores que aqui serão abordados. No entanto, e
por falta de atenção e de não se dar o devido valor na época, não há registos completos
que nos permitam, hoje, clarificar as dúvidas que se levantam.
Em 1920, é notícia “o primeiro filme publicitário internacional, curta-metragem
produzida por Nunes & Quintão, em que o cãozinho da “His Master’s Voice” ganharia
(?) movimentos, deixando a quietude serena e estática do bom ouvinte do disco.” 22
“Em Novembro de 1988, numa entrevista ao semanário O Independente, Luís
Nunes creditou tal experiência, reforçando que tinha então treze anos, e ela fora filmada
pelo operador Manuel Luís Vieira. Destinada aos cinemas de Lisboa, renderia uma
“vultuosa quantia” a Nunes, que a vendeu em Inglaterra e “acabei por perder o quinto
ano de liceu. Fui para a China, fui para a Rússia, para toda a parte. Enquanto durou o
dinheiro, nunca mais voltei a Portugal.”23
Manuel Luís Vieira era fotógrafo de profissão nasceu no Funchal em 1885, e no
que respeita às informações sobre a sua actividade “na animatografia, remontam a
1925”. Nesse mesmo ano, fundou, na madeira, a Empresa Cinegráfica Atlântida, vindo
em 1929 “radicar-se no Continente. Sendo assim, com base no contraste de datas,
apenas uma deslocação ou incumbência esporádica, dariam viabilidade ao testemunho
em causa – é uma hipótese que se encontra em aberto na história do Cinema de
Animação Português.
O catálogo “Exposição Cinemanimação – 80 Anos do Cinema de Animação em
Portugal” refere que a “primeira animação portuguesa terá sido O Pesadelo do António

22
in GAIO, António – História do Cinema Português de Animação *Contributos. Espinho: Nascente –
Cooperativa Acção Cultural, 2001, pp. 11.
23
Idem, ibidem.
Maria.”24 Esta animação foi realizada em 1923 por Joaquim Guerreiro, onde foi
integrado num quadro da revista “Tiro ao Alvo”, cujo poderá ser considerado o primeiro
espectáculo português de multimédia. “Numa época da Primeira República marcada
pela agitação política, o pequeno filme com cerca de dois minutos, é uma caricatura
animada da figura de António Maria da Silva, então Primeiro Ministro.”25
A versão deste filme foi reconstituída em 2001 por Paulo Cambraia da
MegaToon e o responsável pela banda sonora é o Fernando Rocha da AuraStudio com o
acompanhamento de António Victorino d’Almeida. Embora se tenha perdido o filme
original, foram recuperados 159 desenhos originais, “adquiridos pelo coleccionador
Ricon Peres”, que passados vários anos foram identificados por António Gaio, director
do Cinanima.26
Pela primeira vez, esta reconstituição foi apresentada em Lisboa, de seguida em
Portalegre, abriu o Festival Internacional do Cinema do Algarve em 2003, encerrou os
Caminhos do Cinema Português X e foi ainda exibido na Comemoração dos 80 anos do
Cinema de Animação em Portugal. Em Janeiro de 2005, foi exibida no Programa
Acontece da RTP2, e a convite do Fantasporto, a Casa da Animação apresentou este
filme no programa de Cinema de Animação exibido no 25º Festival Internacional do
Cinema do Porto – Fantasporto.
“O Pesadelo de António Maria” original foi exibido pela primeira vez no Teatro
Éden-Teatro de Lisboa foi “anunciado como um filme cómico da mais flagrante
actualidade”27, em que se caricatura um dos vultos políticos da época. Inserido no novo
quadro “Fitas Faladas” da Revista “Tiro ao Alvo”. Em Fevereiro de 1923, foi
apresentado no “Águia-Douro”, no Porto, sendo o actor Manuel Santos Carvalho. Este,
por sua vez, interpretava o “Fiteiro” provavelmente também foi quem deu voz a este
mudo, cheio de intenção política. O seu realizador, Joaquim Guerreiro, era desenhador
no “O Século”, “Ilustração Portuguesa”, “A Tribuna”, “O Zé”, e “A Sátira” de que foi
director. No “Jornal dos Cinemas” foi mencionado como “a primeira película
portuguesa de desenhos animados.”28

24
in CENTRO NACIONAL DE BANDA DESENHADA E IMAGEM – Exposição Cinemanimação: 80
Anos de Cinema de Animação em Portugal. Amadora: Câmara Municipal da Amadora, 2003, pp.12
25
Idem, ibidem.
26
Festival Internacional do Cinema de Animação em Espinho
27
in GAIO, António – História do Cinema Português de Animação. Espinho: Cooperativa de Acção
Cultural, 2001, pp. 12
28
Idem, ibidem.
E no percurso do Cinema de Animação português, outras dúvidas se levantam
devido à falta de testemunhos concretos sobre determinadas películas. Como é o caso de
uma “pequena experiência”, TIP-TOP, projectada no Salão Central, em 1925 como
aparece referido na revista “Cinéfilo”, a 1 de Junho de 1929. Esta nota aprece numa
entrevista com Fred Netto, em que o jornalista o apresenta como realizador do referido
filme. Além de retratar Fred Netto, e o seu filme TIP-TOP também apresentou o
projecto que estava em curso, “Uma Viagem à Lua”, “pequena caricatura do livro de
Júlio Verne – (…) anunciando ainda que preparava mas dois filmes, “Nidelungos” e “A
Caçada Célebre”.”29 Uma vez que nada restou desses projectos, à excepção dos cartazes
a publicitar as fitas de cinema, ficam as dúvidas quanto à concretização.
Em 1930, a 11 de Novembro, O Cinema Lys apresentou, como primeiro filme
português de desenhos animados: “Uma história de Camelos” ou “Os Camelos”
realizados por João Rodrigues Alves, ilustrador e mestre na Escola António Arroio, com
fotografia de Vitorino Abreu. Este filme com a duração de pouco mais de 6 minutos…

Por motivos de saúde, António Cunhal não chegaria a concluir o projecto ao


lado de Raul Faria. Mas com o apoio de Nunes das Neves que alugou o barracão no
Campo Grande, as dificuldades foram vencidas e, finalmente, o filme foi distribuído
pela Sociedade Universal de Super-Filmes – SUS. Porém, em 1933, João Carlos na
revista Movimento declara que já tinha realizado um filme de silhuetas, a primeira que
se fez em Portugal. Este é um pormenor desagradável que caracteriza os meios de
comunicação do meio artístico daquela época.
Em Janeiro de 1934, no “Cinéfilo” é publicado o filme de Hernâni Tavares
(Seravat) e de Tavares Fonseca, o primeiro filme português de desenhos animados.
Segundo António Gaio, “A história de “Semi-Fusas” baseava-se na caricatura duma
popular artista de teatro e cinema, com argumento do jornalista Armando Tavares, e
parecia destinada a agradar ao público, com um acompanhamento musical adequado, já
que a fita era muda.”30 Contudo, desconhece-se até hoje o paradeiro e estreia de referida
fita.

29
Idem, pp. 14
30
in GAIO, António – História do Cinema Português de Animação. Espinho: Cooperativa de Acção
Cultural, 2001, pp. 18
Em 1941-42, Sérgi Luiz decidiu fazer um desenho animado de “O Boneco
Rebelde”, sua criação original em banda desenhada. “Dotado de imaginação prodigiosa
e de um espírito enciclopédico (…) Até as radiografias que tinha por causa da
tuberculose renal serviram para as transparências do filme.”31 As primeiras imagens
animadas do Boneco Rebelde surgiram nos cinemas de Lisboa, Jardim Cinema e
Europa. Infelizmente, Sérgio Luiz faleceu aos 21 anos, a 24 de Janeiro de 1943. A irmã
guardou o espólio e em 1983 entregou à Cinemateca Portuguesa o que restava dos rolos
de filmes em nitrato. Com o seu restauro, conseguiu-se um pequeno filme de 30 metros,
em 35mm, a preto e branco, dando-se a sua estreia a 19 de Novembro de 1983.
O Boneco Rebelde é considerado uma obra singular a muitos níveis no
panorama da BD portuguesa, destacando-se principalmente pela adequação do estilo, o
domínio da linguagem, a utilização das convenções, a coerência da obra no seu todo, o
reflexo de um universo pessoal.
Em 1941, Servais Tiago apresenta o seu filme “Automania” em 9,5 mm, a um
concurso da casa Pathé. Aqui ganho vários prémios e foi “também apresentado em
várias cidades europeias, com muito agrado.”32 Encontra-se ainda na posse de Servais
Tiago e na Cinemateca Portuguesa.
Em Outubro de 1945, foi noticiado na revista “Filmagem” um filme português
de Bonecos Articulados, sendo o primeiro com personagens de imagem real, crianças.
Deste filme inovador também não se conhece o paradeiro nem sequer se terá sido
concluído.
Para finalizar o período das origens do desenho animado em Portugal, falta ainda
referir o nome de Adolfo Coelho. Como funcionário do Ministério da Agricuktura,
conseguiu sensibilizar os seus superiores para o interesse e valor da imagem na
produção de filmes pedagógicos sobre o tratamento das doenças de várias plantas e
árvores de fruto. O último filme da década de 40, é da autoria de Adolfo Coelho e tem a
colaboração do artista Baptista Rudy com a fotografia de Manuel Luís Vieira, e música
de Júlio Almada. Em 1946, realiza um filme de 55 metros, em que revive as palavras do
Presidente do Conselho de então, Salazar.

31
Idem, pp. 19
32
Idem, pp. 22
“1953 abre uma década de esperanças renovadas para a animação portuguesa,
com a entrada em cena da publicidade e da televisão, uma oportuna devoradora de
conteúdos.”33
A partir de 1946, Servais Tiago realiza pelos Estúdiso Kapa alguns filmes
publicitários, tais como: “Malhas Locitay” e “Perfumes Kimono”. Antes da chegada da
televisão, era nos cinemas, sobretudo no intervalo das sessões que se exibiam os filmes
de publicidade, estes em concreto foram exibidos nos grandes cinemas de Lisboa:
Tivoli, Politeama, S. Luís e Éden. Com o fim dos Estúdios Kapa, fundou com alguns
amigos a Cineca e nesta realizou, em 1953 e 1954, os dois primeiros desenhos animados
publicitários a cores, “Tricocide” e “Grandella”.
Em 1958, a Cineca suspende as suas actividades e Sevais Tiago aceita um
convite da Agência Êxito três anos depois. Durante doze anos desempenha aqui funções
de director de equipa e de responsável criativo e realiza mais de duas centenas de
películas. Algumas até foram premiadas em festivais nacionais e internacionais, por
exemplo, “A Mosca” foi considerada pelo festival Télé Média, de Paris, um dos
cinquenta melhores filmes publicitários do mundo.
Outro nome sobressaiu nesta época, Mário Neves, embora “O Homem do Saco
Amarelo” não tenha obtido o resultado esperado junto da firma Heller, a quem poderia
interessar. Este filme esteve na origem de uma encomenda da Sociedade Nacional de
Sabões, “As Aventuras de um Ursinho Pardo”. Em Roma foi exibido o Ursinho Pardo”,
onde foi apreciada a qualidade do filme e a partir daqui surgiu a encomenda de “O
Mestre e o Rato”, publicidade à Margarina Chefe. Em 1960, Mário Neves funda, com
Salvador Fernandes, o Estúdio Prisma, o qual fez uma série grande para a televisão.
Entre outros, destaca-se a publicidade para a Laranjina e para a Shell obtendo distinção
em mais do que um Festival Publicitário Português.
Entre 1953-1962, multiplicaram-se os exemplos de animação publicitária e
surgiram filmes de animação como A Lenda do Castelo de Luiz Beja e Diário Vidal
(1957), o Bebé e eu de Vasco Branco, O Fidalgo e o Vagabundo de Luiz Beja, Gata
Borralheira de Horta e Costa e A Guerra das Cores de Augusto Mota e António Claro
da Fonseca, todos de 1958.”34

33
in CENTRO NACIONAL DE BANDA DESENHADA E IMAGEM – Exposição Cinemanimação: 80
Anos de Cinema de Animação em Portugal. Amadora: Câmara Municipal da Amadora, 2003, pp. 22
34
in CENTRO NACIONAL DE BANDA DESENHADA E IMAGEM – Exposição Cinemanimação: 80
Anos de Cinema de Animação em Portugal. Amadora: Câmara Municipal da Amadora, 2003, pp. 22
Outros nomes no Cinema de Animação surgem na década de 60 e continuam em
funções nos seguintes anos, são eles Eurico Ferreira, Sena Fernandes, Álvaro Patrício,
Marcello de Moraes e João Martins. E ainda Galveias Rodrigues, nome que avulta no
cinema publicitário português “por estar ligado a realizadores que se destacaram na
nossa animação e aos seus filmes premiados em festivais de publicidades, de renome,
merece a nossa atenção e interesse.”35 Teve, portanto, o papel decisivo como produtor
na Telecine (mais tarde altera-se a denominação para Telecine-Moro), fundada pelo
próprio a 1961, com a saliência para Artur Correia e Ricardo. Em 1966, Artur Correia
ganha em Veneza o primeiro prémio na categoria de publicidade e em Annecy, sendo
seleccionado como um dos 10 Melhores Filmes do Ano pela Hollywood Rádio and
Television City no 7th Annual Advertising International du Cinema de Animation, com
o filme “O Melhor da Rua”. “É por essas qualidades, originalidade e bom humor,
confirmadas e trabalhadas pela dupla Artur Correia e Ricardo Neto, nos seus filmes
realizados nos anos finais da década de sessenta, que os prémios também e sobretudo a
nível internacional continuaram a aparecer, distinguindo o cinema publicitário de
animação português.”36
Em 1957, a abertura da televisão estimulou as marcas e os comerciantes através
da imagem, e é a partir daqui que o preço de venda inclui já uma percentagem para o
custo do anúncio televisivo.
“Com a prática continuada e o aumento de meios, aumenta o entusiasmo pelo
cinema de animação que encontra outras formas de se exprimir, caso do formato
reduzido37, onde Vasco Branco ganha notoriedade com Todos os Dias o Crucificamos
(1970) e o Menino Rico e o Menino Pobre (1972). Matos Barbosa distingue-se com o
Grande Desafio (1963), A Prenda (1968) e o Pedestal (1972). Augusto Mota realiza em
1964 Variações sobre o mesmo Traço, galardoado em diversos festivais portugueses.”38
Por outro lado, a animação entra em casa através do pequeno ecrã, anúncios
como o do Café Sical de João Martins e Vasco Covelo.
Nos anos 70 e 80 surgem curtas-metragens realizadas por autores que até aqui se
tinham dedicado em exclusivo à publicidade. Por exemplo, “Eu Quero a Lua” 1970) de
Artur Correia é um bom exemplo e “promessa de um caminho independente para o seu
35
in GAIO, António – História do Cinema Português de Animação. Espinho: Cooperativa de Acção
Cultural, 2001, pp. 29
36
Idem, ibidem.
37
Cinema Super - 8
38
in CENTRO NACIONAL DE BANDA DESENHADA E IMAGEM – Exposição Cinemanimação: 80
Anos de Cinema de Animação em Portugal. Amadora: Câmara Municipal da Amadora, 2003, pp. 24
autor, a mostrar aqui uma original experimentação gráfica, e com um som de qualidade
(…)”.39
O ano de 1973 dá início a uma década de profundas transformações no país, pela
situação política que então se encontrava. Neste mesmo ano fundam-se estúdios como o
Movicine, por Servais Tiago e seus colegas; Topfilme fundada por Artur Correia,
Ricardo Neto e Armando Ferreira. Este último, além da produção de filmes
publicitários, iriam fomentar o desenvolvimento de curtas-metragens para cinema e
televisão. “A Lenda do Mar Tenebroso”, produzida após o 25 de Abril, por Ricardo
Neto e com a ajuda de Artur Correia, em colaboração com a Corona Film, de Roma.
Este filme produzido para série “La Favolística Europea”, é a nossa primeira presença, a
nível europeu, num conjunto de curtas-metragens oriundas de diferentes estúdios da
Europa.
Em 1974, assiste-se ao nascimento do programa televisivo “Cinema de
Animação” de Vasco Granja, alargando o universo deste género cinematográfico que
até aqui apenas era visível numa faceta comercial.
Do projecto da série dos Contos Tradicionais Portuguesas apresentado pela
Topefilme à RTP, surgem os filmes “Caldo de Pedra” (1975), no ano seguinte, “As duas
Comadres”, “Dez Anõezinhos da Tia Verde Água” e “O Grão de Milho”. No âmbito
deste projecto, o Instituto Português de Cinema financiou quatro, recusando-se a apoiar
os outros. Sendo assim, em 1977 desistem da série que previa treze títulos, tantos
quantas as províncias portuguesas, mais os Açores e a Madeira. No entanto, o trabalho
da RTP manteve-se através da colaboração com a escritora de textos para jovens, Maria
Alberta Meneres nascendo as histórias do pequeno Ouriço-Cacheiro.
A RTP encomenda algumas curtas-metragens a integrarem a programação da
Union Européene de RadioTélévision, por exemplo, “A Casa Feita de Sonho” (1977),
“Tapete Vivo” (1981), entre outras.
Por volta de 1976, a Direcção-Geral de Saúde encomenda à Topefilme os
seguintes filme didácticos: “A Difteria” e “Para não fazer há muito que aprender”. E em
1980, a Direcção-Geral de Viação encomenda à mesma produtora os filmes “Peão
Verde ou Encarnado”, “Cantiga do Passeio” e “A Cantiga da Lagarta”.
“Entretanto, nos anos 80, as curtas-metragens para a televisão não passam de um
título por ano, o que era suficiente para manter um estúdio (…) após a série de “O

39
in GAIO, António – História do Cinema Português de Animação. Espinho: Cooperativa de Acção
Cultural, 2001, pp. 24
Romance da Raposa”, em 13 episódios de 13 minutos cada, último trabalho para a RTP,
a Topefilme estava quase no fim”40
Servais Tiago, apresenta em 1976 “O Tó, a Tina e o Tico”; de Mário
Neves via-se a “Beth” realizada com o apoio do IPC, e “Olho por olho” em 1982; em
1979, Manuela Bacelar fazia “ Sorrizo e Alfazema”. Fernando Correia, aquando do
regresso da Suiça, dedicou-se ao Cinema de Animação e realiza Pit, O Coelhinho
Verde”. Em 1976, com o auxílio do IOC realizou “Não Quero Ser Palhaço” e “O
Gigante do Lago”, no ano seguinte realiza “O Cientista Mau”. Entre outros nomes,
surgem nesta altura, José Carvalho, Carlos Cruz e Alvaro Patrício.
Em 1977, dá-se a primeira edição do Cinanima, com uma menção especial para
“Franco Assassino” do português António Pilar. O Cinanima iniciava também os
ateliers, dos quais saíram muitos dos nomes da próxima geração de animadores e
formadores em animação. Paralelamente, saíram um grande número de filmes que
enriqueceram o património da animação portuguesa, como já acontecia com os do
Clube Microcine.
“A partir de 1985 foram apresentados alguns filmes de autor, realizados por
jovens que tiveram no Cinanima os seus primeiros contactos com um cinema de
animação diferente”41
Os primeiros filmes desta nova geração foram “Oh Que Calma” (1985) de Abi
Feijó e “Evasão-Invasão” (1986) de Fernando Galrito. Em 1987, nasce um estúdio no
Porto, Filmógrafo, com o primeiro filme, “A Noite saiu à Rua”. Nesse mesmo ano, o
filme recebe uma menção honrosa no Cinanima.
Francisco Lança, apresenta no ano de 1987 os filmes, “Impressões”, “Memórias”
e “Tempo de Guerra”. E no ano seguinte: “Last Cut”, “Mar Português”, “História do
Reino Pintalgado”.
O programa Rua Sésamo estreia em 1988, na RTP, incorporando filmes de
animação de elevada qualidade pedagógica feitos por jovens fervilhando de entusiasmo.
Por fim, Jana (João Cipriano de Jesus) cujo simbolismo e processo gráfico
aplicados nos filmes gera sempre grandes debates. Filmes como “Um Cavalo de Pau”
(1973), “Ponto de Interrogação” (1975). “A semente não morre” (1975), “Fim de
Semana” (1980) e “Os líricos” (1989) proporciona uma leitura aliciante e polémica.

40
in GAIO, António – História do Cinema Português de Animação. Espinho: Cooperativa de Acção
Cultural, 2001, pp.43
41
Idem, pp. 49
Agora como formadores de cinema de animação, destaca-se Manuel Carvalho
Baptista que realizou vários cursos e ateliers. Ligado à Comissão Organizadora do
Cinanima e aos ciclos de formação embora também tivesse realizado filmes, como por
exemplo, “A Banda do Mestre Pinguim” e “Os Números”.
Em 1993, surgem nomes como Zepe com “Elmer”, Nuno Fragata com “Jane
Pimenta – Uma Aventura na Selva”, Humberto Santana com “Óscar” e “Toni
Casquinha” e Nuno Leonel com Santa Maria. Ainda nesse ano, Carlos Cruz apresenta o
seu filme “Smiles”. Por outro lado, Pedro Faria Lopes em 1994, inventa a tela dos
alfinetes digital. Com esta técnica realizou e animou vários filmes, alguns por
computador: animação 3D e também 2D. Em 1995, surge Pedro Serrazina com “Estória
do Gato e da Lua” e ainda Clídio Nóbio com “A Religiosa”.
“Na última década, a animação portuguesa afirmou-se detentora de um estatuto
de maturidade acima de qualquer dúvida, confirmando-se o reconhecimento
internacional pelo seu elevado nível. Os computadores tornaram-se um instrumento
natural dos animadores, tal como o lápis, os recortes ou a plasticina, permitindo
rentabilizar o tempo e apurar a qualidade dos trabalhos.”42
Na chamada “época do ouro” da Animação, desde 1994, é-nos apresentado
“Desinquietações I” de Mário Vasques das Neves, surgindo no ano seguinte, “Fado
Lusitano” de Abi Feijó, “Ginjas” de Zepe, “Para Bom Entendedor” de Humberto
Santana e “Schizophrenia” de Nuno Leonel. Em 1996, outro filme de Zepe, “Diva”, e
no ano seguinte, “A Demanda do R” de Humberto Santana e Rui Cardoso, “A Família
Barata” de Humberto Santana, “O massacre dos Inocentes” de Vítor Lopes, “África,
Raízes e Woods” de Francisco Lança. Paulo d’Alva aparece com “A Noite Cheirava
Mal” em 1998 e “De Cabeça Perdida” de Isabel Aboim, “Cof Cof” de Zepe e “O
Inverno” de alunos do curso de animação de volumes do Citen, todos de 1999.
Para finalizar, esta pequena breve resenha histórica do Cinema de Animação em
Portugal falta referir quatro filmes que merecem um destaque especial: “Os Saltedores”
de Abi Feijó, uma animação segundo a técnica de grafite sobre papel baseada num
conto de Jorge de Sena adaptado por Sérgio Correia de Andrade. Este filme foi
distinguido em festivais de todo o mundo contando com o Prémio Especial do Júri no
Cartoon d’Or 94. “É um trabalho dum estilo notável que confirma a craveira de um dos
grandes animadores portugueses da nova geração. À pureza das imagens de uma notável

42
in GAIO, António – História do Cinema Português de Animação. Espinho: Cooperativa de Acção
Cultural, 2001, pp. 30
sobriedade, junta-se uma banda sonora de tom intimista numa narrativa cinematográfica
perfeita dum texto transporto para animação de forma notável.”43
Outro dos quatro filmes, é “A Noite” (1999) de Regina Pessoa, também
produzido pela Filmógrafo. Uma animação em placas de gesso que mergulha na relação
entre uma criança e a sua mãe. O filme projecta no ecrã o drama da solidão, os terrores
que crescem na alma da menina, os caminhos que a mãe constrói para sossegar e
adormecer a filha. “De uma beleza e intensidade notáveis, também esta animação foi
distinguida em diversos países, tendo sido exibida no Canal + espanhol e na televisão
suiça.”44
A produtora Megatoon realiza, também em 1999, “SHSHSH – Sinfonia
Incompleta” de Mário Jorge, filme centrado nas atribulações de um televisor a contas
com a sua própria sinfonia. O filme de uma animação de grande qualidade e cheio de
humor que mereceu também o reconhecimento em festivais internacionais, a par com a
exibição por parte do canal + francês.
Por fim, “A Suspeita” de José Miguel Ribeiro, produção da responsabilidade da
Zeppelin Filmes, uma animação de volumes com pequenos personagens sólidos e com a
história de suspense. “Quatro personagens confinados a um compartimento de comboio,
assustados com um assassino à solta por aquelas bandas e que poderá estar entre eles.
Do nível de detalhe das figuras e dos objectos, ao meticuloso cuidado posto nas estações
por que vão passando, passando pela cuidada animação das figuras, fazem parte deste
thriller animado uma das mais saborosas animações portuguesas dos últimos tempos”45
Este filme obteve o reconhecimento generalizado quer ao nível nacional quer
internacional, foi exibido no Canal + francês e espanhol, e ganhou o Cartoon d’Or 2000.
Termino assim, a breve história do percurso da Animação Portuguesa seguindo
com a apresentação de conclusões sobre dados recolhidos na pesquisa sobre a produção
da mesma.

2. Produção de Cinema de Animação

Na pesquisa realizada durante o estágio sobre cinema de animação em Portugal


procurei conhecer a realidade no que diz respeito à produção efectiva de cinema de

43
in CENTRO NACIONAL DE BANDA DESENHADA E IMAGEM – Exposição Cinemanimação: 80
Anos de Cinema de Animação em Portugal. Amadora: Câmara Municipal da Amadora, 2003, pp. 32
44
Idem, Ibidem.
45
Idem Ibidem.
animação. Os dados obtidos correspondem às produções que o ICAM apoia
financeiramente, uma vez que não existem bases de dados que nos permitam saber qual
a totalidade de filmes de animação produzidos em Portugal. Contudo, e conhecendo a
realidade cinematográfica portuguesa, os números não devem situar-se muito distantes
dos que irei descrever e das conclusões a que chegamos. (Ver Anexo H)
Os dados correspondem à atribuição de apoios financeiros por parte do ICAM à
produção de Cinema de Animação de 1997 a 2002, especificam os títulos dos
respectivos filmes, realizadores, produtoras, tipologia46, e apoio atribuído pela RTP.
Através da observação desses mesmos dados, constamos que em 1997 a
produtora “Animais – Animação, Vídeo” foi a que produziu mais títulos. Entre eles,
dois são curtas-metragens e o outro é uma média-metragem. Depois segue-se o “Cine
Clube de Avança” com duas curtas-metragens. No total, o apoio dirigiu-se a oito títulos
e a cinco produtoras, contributo entre os 30% e os 40% por parte da RTP, cabendo a
restante responsabilidade ao ICAM.
Em 1998, principal destaque para a “Filmógrafo” com duas curtas-metragens e
uma média, e em segundo, a produtora “Zeppelin Filmes” com uma média e outra curta-
metragem. No total, o apoio do ICAM dirigiu-se a 9 títulos contando com ele cinco
produtoras. Quanto ao apoio da RTP a percentagem situa-se entre os 30% e os 180%,
sendo este último valor atribuído a uma série da “Animanostra” com o título
“Angelitos”, de Humberto Santana.
No ano seguinte, verifica-se um maior número de títulos produzidos (13), entre
os quais, quatro são séries, uma longa-metragem, sete são curtas-metragens e uma
média. Observa-se também um maior número de produtoras (10) destacando-se com
duas metragens cada as produtoras “Animais – Animação, Vídeo”, “Cine Clube de
Avança” “Animanostra” e a “Zeppelin Filmes”. A percentagem que respeita ao apoio da
RTP situa-se entre os 20% e os 133%, este último valor cabe à série “As Coisas Lá de
casa” de José Miguel Ribeiro, à responsabilidade da produtora “Zeppelin Filmes”.
No ano 2000, os apoios são atribuídos a nove títulos, de cinco produtoras com
destaque para a “Zeppelin Filmes” e para “Animanostra” com três títulos cada. A
primeira com uma longa-metragem, uma curta e uma média e a segunda com duas
séries e uma curta. O apoio da RTP é de 20% para todos os títulos, podemos concluir
que o apoio desta desceu em relação aos anos anteriores.

46
Tipologia: Curta-Metragem, Longa-Metragem, Média-Metragem ou Série.
Em 2001, surgem onze títulos e 7 produtoras das quais três receberam apoio para
dois títulos cada uma: “Animanostra”, “Animais – Animação e Vídeo”, “Filmógrafo”.
Os apoios da RTP mantêm-se nos 20% para cada título.
Por fim, no ano de 2002, contam-se com onze títulos dos quais nove são curtas-
metragens e os outros dois são séries. Zeppelin Filmes, Animanostra e Animais obtêm
apoios para dois títulos cada uma, não se registando alteração no apoio concedido pela
RTP, continuou nos 20% para cada título.
Conclui-se, portanto, que o apoio por parte da RTP diminuindo ao longo dos
anos a que dizem respeito os presentes dados. A curta-metragem é a tipologia mais
frequente, com principal destaque paras as seguintes produtoras: “Zeppelin Filmes” com
dez títulos apoiados financeiramente pelo ICAM; “Animais – Animação, Vídeo” e
“Filmógrafo”, ambas com nove títulos; e Animanostra com oito títulos. Embora nos
parágrafos anteriores, poucos realizadores apareçam referidos, é de sublinhar três dos
quais são autores de várias obras apoiados pelo ICAM: José Miguel Ribeiro, Isabel
Aboim Inglez e Nuno Amorim.

3. Técnicas e Estéticas - Desenvolvimento da Animação Tradicional

A Arte fundamenta-se na técnica envolvendo um lado operacional e outro


expressivo. A Arte revela-se no âmbito da expressão através de símbolos estéticos
sendo a técnica que colabora na sua materialização.
“Interpõe-se entre a técnica e a arte uma linguagem para que a técnica possa
viabilizar a expressão artística. Os componentes dessa linguagem são a matéria-prima
de toda informação visual, compreendendo o alfabeto básico apenas cinco elementos:
linha, superfície, volume, luz e cor.”47 É através da união do desenho e da pintura com a
fotografia e o cinema que se supera o facto do cinema ficar restrito às imagens
capturadas da realidade (mesmo que encenadas).”
A possibilidade de se fazer cinema a partir de desenhos e pinturas exigia a
formulação de regras artísticas próprias.

47
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 18
A animação passou a contar com uma linguagem própria ao fazer-se abordagens
de desenho baseadas na observação do movimento resultando daqui conceitos básicos
capazes de proporcionar uma encenação convincente às figuras criadas no papel.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a arte sofreu um processo de estagnação


“sem referências de qualquer ordem para expressar-se frente às exigências estéticas da
nova sociedade dita “pós-capitalista”.”48
No entanto, a animação continuava refém do seu extenuante processo de
realização, limitada em termos quantitativos e mesmo ao nível estético.
O aparecimento do computador permitiu superar estes obstáculos, porém, houve
necessidade de se desenvolver a técnica para uma posterior aplicação de princípios
artísticos. Hoje, ainda nos encontramos em processo de aperfeiçoamento implicando
também uma nova postura do artista frente à história da arte e da animação.
A animação, até ao início do Século XX, era vista como ilusão do movimento
através da rápida sucessão de imagens o que exigiu um elevado grau de
desenvolvimento científico e técnico e finalmente ser designada como arte.
Nos primórdios do cinema, vários foram os estudiosos que se preocuparam em
demonstrar a ilusão do movimento, criaram objectos e escreviam os processos da ilusão
do movimento. Contudo, só no ano 1794, Etienne Gaspard Robert eleva a lanterna
mágica a uma verdadeira ferramenta artística, através do seu espectáculo
Fantasmagorie. “Robertson”, como o próprio se autodenominou, não só criou este
espectáculo macabro e assustador como preparou a sala para as suas apresentações:
“sala escura decorada com caveiras, para reforçar a condição de mortal dos
espectadores.”49 Além disso, mascarava as bordas das imagens com tinta preta,
suprimindo o círculo de luz branca que normalmente envolvia as imagens projectadas,
“dando uma aparência de flutuarem livremente (…) as superfícies nas quais incidiam as
imagens eram também preparadas para aumentar o efeito, de modo que projectava sobre
espelhos, vidros através de fumaça e sobre telas de gaze embebidas em parafina
translúcida (…).”50 Apercebemo-nos, portanto, que um trabalho de conotação científica
contribui para aquele de ordem artística, como exemplo, é a compreensão de que o olho
humano retém uma imagem por uma fracção de segundo enquanto outra imagem está

48
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp.27
49
Idem, pp. 32
50
Idem, Ibidem.
sendo percebida. “Peter Mark Roget publicou o artigo intitulado “The Persistence of
Vision With Regard to Moving Objects”. (…) Disse que o olho humano combina
imagens vistas em sequência num único movimento se forem exibidas rapidamente,
com regularidade e iluminação adequada. Com base este princípio, surgem várias
invenções, tais como: taumatrópio, fenacistoscópio, zootrópio, kineograph (flipbook),
praxinoscópio. Este último, criado pelo pintor Emile Reynaud, e depois de alguns
aperfeiçoamentos o dispositivo permitia a visualização da animação de figuras. Estas
eram desenhadas em tecido transparente, em tiras com perfuração lateral, para ser
traccionadas por engrenagem.
Em 1892, Reynaud abre o seu Teatro Óptico cujos filmes eram denominados por
pantomimes luminenses, tinham a duração de 15 minutos exigindo a confecção de
centenas de desenhos. Infelizmente, e por estar preso ao fascínio do instrumento,
Reynaud não contribuiu ao nível da linguagem da arte-animação, sendo subjugado por
outra tecnologia mais avançada.
É a partir da fotografia, inventada no final da década de 1820 pelos franceses
Nicephore Niepce e Louis Daguerre que permitirá a análise de movimento e animal. E
em 1891, Thomas A. Edison em parceria com William K. L. Dickson, desenvolvem o
Kinetoscópio. Mas os primeiros a projectar filmes foram os irmãos Lumière, fruto de
todo o desenvolvimento anterior e do aperfeiçoamento do aparelho de Thomas A.
Edison.
O primeiro passo para a verdadeira técnica de animação encontra-se no processo
conhecido como substituição por parada da acção. Este processo dá origem a um género
de filme que se confunde com a própria natureza como espectáculo potencialmente
ilusionista: o trick film (filme de efeitos), do qual o cineasta francês Georges Méliès foi
o grande percursor. Para Méliès, o cinema constituía um espectáculo de magia e, desta
forma, utilizava os truques que estavam ao seu alcance. “Seus filmes vão enlouquecer as
plateias da Europa e dos Estados Unidos, sendo investigados fotograma a fotograma
para se tentar descobrir a natureza prodigiosa dos seus truques.”51 E é a partir da
compreensão deste processo que se inicia a história dos desenhos animados.
Quanto a esta técnica, é ao artista plástico inglês, o ilustrador James Stuart
Blackton que cabe a glória de ter realizado o primeiro desenho animado, Humorous
Phases Of Funny Faces, em 1906. Outros filmes foram realizados com esta técnica mas

51
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 41
por volta de 1908 inicia o declínio do fascínio pelos filmes que exploravam a novidade
dos efeitos. A saturação do público seja pela inundação de filmes deste tipo, cujos
produtores e distribuidores não hesitavam em plagiar e piratear ou pelo público
descobrir o processo básico da técnica de animação empregada para a realização dos
filmes de efeito. – Foi o resultado pouco animador para a economia dos produtores.
Contudo, e verificando-se que já existia uma relação entre os dispositivos
ópticos-mecânicos e a produção gráfica, não demorou para que também começassem a
surgir as séries cinematográficas explorando personagens dos desenhos, abrindo de vez
as portas do cinema para os desenhadores.
Em 1911, Winsor McCay inaugura esta fase de animação trazendo dos
quadradinhos os seus personagens das aventuras Little Nemo in Slumberland.
Entre 1908 e 1917, a animação deixa de ser algo que maravilha os espectadores
como feito técnico para se tornar numa arte autónoma. Emile Cohl introduz uma
filosofia estética ao cinema de animação. “Na virada do Século, Cohl se dedica à
ilustração de tiras de quadradinhos. Seu interesse pelo cinema se manifesta quando
descobre que filmes estão sendo produzidos baseados nessas tiras.”52
Cohl decide dirigir-se ao estúdio (Gaumont) para exigir os seus direitos de autor
deparando-se com uma proposta de adaptar as suas histórias em quadradinhos para o
cinema. Começou a trabalhar nos desenhos de Fantasmagorie, lançado em Agosto de
1908, primeiro filme de desenho animado de verdade, “com seus dois minutos
fotografados frame a frame e apresentando características estilísticas bem definidas.
Cohl desenhou em papel utilizando tinta nanquim permitindo flexibilidade e simplificou
o traço para agilizar a execução dos desenhos, mas abdicar da expressividade da linha.
“No laboratório, reverteu a impressão para preservar no filme o efeito de linha
branca sobre fundo negro. Para evitar descontinuidade dos traços, o que gera
movimentos repentinos, lançou mão da caixa de luz, que permitia sobrepor as folhas de
papel e, assim, retraçar os desenhos proporcionado por esse dispositivo vai permitir a
racionalização da distribuição destes na linha do espaço/tempo da acção, o que
certamente levou Cohl à descoberta de que poderia fotografar cada desenho duas vezes,
sem implicar a perda de continuidade do movimento”53
Esteticamente, a originalidade de Cohl destaca-se pelo “jogo aparentemente

52
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 50
53
Idem, Ibidem.
aleatório de imagens que seguiam sua própria dinâmica, num crescendo imprevisível
que exercia enorme atração na percepção.”54
Os filmes de Cohl são marcados por um espírito inventivo, desenvolvendo
conceitos que garantiram a eficácia da sua comunicação visual, por exemplo o uso da
metamorfose. Embora, o conceito não fosse novo, mas sim o seu emprego nas imagens
em movimento agregado à manipulação plástica do elemento linha com extrema
competência e criatividade. Outra inovação foi o uso da máscara fotográfica para
combinar animações com sequências ao vivo.
Cohl dissocia a arte da invenção técnico-científica mesmo que o artista como ele
ou o técnico/cientista use engenhosamente para o desenvolvimento de tecnologias que
tornam a arte possível.
Winsor McCay garantiu a continuidade do desenvolvimento da animação como
arte autónoma a partir da base proporcionada pelo francês Emile Cohl. “Inclusive da
inclinação surrealista que vai marcar parte significativa da história da animação.”55
Ambos chegam a estabelecer as duas grandes correntes estilísticas que, ao longo do
Século XX, distinguirão as principais vertentes da animação a partir do uso
característico dos elementos de sintaxe plástica – “comprovando na animação uma
tendência universal da arte entre formas clássicas, sólidas e outras barrocas,
oscilantes.”56
McCay destaca-se pela ousadia em transpor para a tela o seu estilo gráfico, há
muito estabelecido nas histórias em quadradinhos que ele desenhava. Já nos
quadradinhos, percebe-se a sua concepção fantasiosa altamente original, configuração
rica e exuberante, mas o traço é económico e estável. McCay tinha o total controlo
sobre os seus recursos, e a intimidade deste com a manipulação da forma levou-o a
extrapolar as convenções visuais dos quadradinhos. Segundo o autor Alberto Lucena
Júnior, “começa fazendo uma releitura de antigas tradições, como a deformação de
personagens, enriquecendo suas narrativas fora do comum com a exageração das
compreensões e esticamento dos corpos das figuras, num efeito ao mesmo tempo
cómico e estranho.”
Este artista usou elementos formais e códigos visuais, já explorados por Emile
Cohl, como metamorfoses ou linhas que se movem aleatoriamente para se misturar e dar

54
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 51
55
Idem, pp. 53
56
Idem, Ibidem.
origem a figuras completas. Ultrapassa a experimentação de conceitos fundamentais
para a animação, tais como comprimir/esticar, aceleração/desaceleração, temporização –
tudo dentro de um conceito original, objectivando personagens e acção numa visão o
mais realista possível. Chega mesmo a aplicar as características de personalidade, um
dos grandes trunfos da arte da animação.
Quanto às obras deste criador destacam-se How a Mosquito Operates (também
conhecido por The Story of a Mosquito de 1992 e como marco da história da animação,
em 1914, surge Gertie The Dinosaur. Neste último filme, McCay aplica todos os
princípios de animação e ainda acrescenta um cenário estático redesenhado mais de
cinco mil vezes, (tarefa entregue a um assistente). Seno aqui estabelecidas as bases do
personagem por meio de um trabalho de concepção visual integrado a movimentos
típicos que lhe dão estilo e criam condições para a sua individualização.
A responsabilidade da palavra arte nesta árdua tarefa da animação é de Emile
Cohl e Winsor McCay, clarificam o papel da tecnologia na arte, e na animação em
particular: a técnica ao serviço da arte e não o contrário.
No que respeita à industrialização da animação é preciso referir que num
momento em que não havia profissionais experientes, e os custos de produção eram
elevados, o desfio para os pioneiros era enorme.
Por isso, para se produzir animação de maneira rápida e barata, isto é, atender a prazo e
orçamentos curtos, surgem os estúdios de animação, apoiados em novas técnicas e
organização empresarial.
A primeira geração de grandes mestres é constituída por animadores
autodidactas no domínio do processo básico da animação e de jovens cartoonistas
recrutados nos departamentos de arte dos jornais. O excepcional desenvolvimento
técnico e artístico da animação entre as décadas de 1910 e 1940 devem ao facto da
existência de formação em escolas de belas-artes por parte destes artistas, com sólida
base em desenho e pintura. “Esse salto da animação para a produção em larga escala vai
acontecer nos Estados Unidos e tem início imediatamente antes da eclosão da Primeira
Guerra Mundial, fato que contribuiu para fortalecer a emergente indústria
cinematográfica norte-americana como um todo, pois deixou de enfrentar a
concorrência de produtos europeus”.57
Assiste-se a inovações vindas de diversos campos do conhecimento e auxílio de

57
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 61
uma cada vez maior automatização do processo de produção de animação e ao
fortalecimento da entidade artista/obra. Por outro lado, a questão da individualidade, do
ponto de vista pessoal do artista criador, foi motivo de polémica. Outra questão era a
prática de artistas se sujeitarem a padrões uniforme de representação gráfica impostos,
necessários à produção em larga escala. Porém, a animação superou estes obstáculos e
constatamos que artistas talentosos ocuparam postos de direcção, determinando as
directrizes que fundamentaram a obra final, tratando de atribuir-lhe unidade formal e
coerência conceptual.
John Randolph Bray teve um papel muito importante na organização da
produção de filmes de animação. Isto porque “procurou implantar na animação
princípios científicos de gerenciamento à moda das teorias de Frederick W. Taylor
sobre produtividade do trabalho.”58
A organização da produção de animação consistia em quatro aspectos: modificar
a maneira então vigente de produzir animação com esforços em detalhes proibitivos;
segundo, abandonar a produção individual e a partir da divisão do trabalho; terceiro,
proteger os processos por meio de patente; quarto, aperfeiçoar a distribuição e o
marketing dos filmes.
Uma das técnicas que poupou muito trabalho foi imprimir o cenário nas folhas
onde seriam desenhados os personagens animados. “Nas etapas de animação em que as
linhas do personagem se confundiam com o cenário, preenchia-se de branco o interior
do personagem. (…) Bray era o chefe, e os outros, os subordinados. Uma hierarquia foi
estabelecida com a introdução de níveis intermediários de funcionalidade.”59
Bray tinha apenas um estúdio de animação rival, o estúdio de Raoul Barré. Para
se estabelecer no mercado, o estúdio de Barre, tem de desenvolver técnicas que o
colocassem em condições de competição. Sistema que utilizava baseava-se num sistema
de corte das folhas onde estava desenhado o personagem ou o cenário estático –
dependendo da necessidade da animação. O método consistia na possibilidade de o
personagem de movimentar, em cortar essa área das folhas do cenário, que eram
sobrepostas às do personagem. Caso contrário, cortava-se a folha do personagem,
contornando-o e deixava-se uma tira fina que o ligava à parte perfurada para o registro.
Já Bill Nolan implantou o cenário desenhado em compridas folhas de papel, que

58
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 63
59
Idem, pp. 64
movimentadas por trás do personagem caminhando no mesmo lugar, criada a ilusão de
movimento horizontal. Sendo também uma solução para movimentos em panorâmica no
desenho animado.
Quanto à organização empresarial da produção e pelas técnicas, o processo
tornava-se menos oneroso e permitiu o nascimento de séries de desenhos animados com
personagens destinados a marcar épocas.
A par desta etapa do desenvolvimento da animação são anunciadas duas grandes
descobertas: em 1914, no Brasil, é patenteada a maior contribuição técnica para a
animação tradicional, ou seja, o desenho sobre folhas de celulóide transparente,
conhecida por acetato. A autoria desta técnica de animação é de Earl Hurd.
A partir daqui a palavra “indústria” passa a fazer sentido para a animação, pois
regista alterações na mesma a todos os níveis – processo básico de confecção técnica de
animação; a sistematização da linha de produção dos estúdios (com maior nível de
especialização de tarefas) e consequentemente, ampliação da divisão do trabalho, e
também proporcionar liberdade artística que faltava para animação desenvolver as suas
possibilidades visuais.
Com o acetato, as figuras animadas ganham completa independência dos
cenários, estes passam a ter maior atenção plástica e sem limitações expressivas. Por
exemplo, já era possível utilizar as fotografias como cenários, combinando imagens
animadas com imagens reais.
O acetato permitiu também aperfeiçoar a ilusão de profundidade, ou seja, partes
de um cenário poderiam ser pintadas em folhas separadas de acetato permitindo o uso
de planos.
Em termos de criação artística, Earl Hurd, obteve destaque com a série com o
desenho animado Bobby Bumps e a partir daqui caiu no esquecimento. Isto porque, não
deixou obras nem conceitos estéticos aplicados à imagem animada de significativa
importância.
A segunda importante descoberta que teve consequências no processo produtivo
e artístico da animação foi a rotoscopia. Esta foi inventada em 1915 pelos irmãos Max e
Dave Fleischeir, autores de personagens como Koko, o palhaço, Betty Boop e Popeye.
“A rotoscopia era um artifício para se obter movimentos realistas no desenho. Uma
sequência de imagens reais pré-filmadas era projectada frame a frame (como um
projector de slides) numa chapa de vidro, permitindo que se deslocasse para o papel ou
acetato a parte da imagem que se desejasse.”60 Com esta técnica, era possível fazer um
dançarino real transformar-se em personagem animado sem que este perdesse o ritmo, a
subtileza e a sensação de solidez da imagem real. A este processo levanta-se uma
questão ao nível artístico: qual a vantagem de se reproduzir mecanicamente o mundo
real? “Ora, arte é ilusão, mas jamais poderia abdicar da referência do mundo físico,
onde, afinal existimos enquanto organismos biológicos – tanto por sua riqueza plástica e
fenomenológica quanto pelo que representa como meio ambiente para a espécie
humana.”61
O artista conta com artefactos que ampliam sua percepção e a manipulação das
imagens e fenómenos do mundo que lhe permitem alargar o seu horizonte, nunca se
poderá subordinar ao determinismo do mundo real mas abdicar da natureza artística
significaria a negação da condição existencial do homem.
Os irmãos Fleischer não deixaram de tirar vantagem económica da aplicação da
rotoscopia como simulação do mundo real em filmes técnico-científicos mas montaram
o seu próprio estúdio com uma clara definição para a arte e, transformaram-se num dos
rivais da Disney. Também recorrem à rotoscopia para a concepção física e psicológica
do personagem, caso do palhaço Koko. Combinavam todas as técnicas então conhecidas
dependendo do que a cena exigia, isto é, utilizavam a técnica subordinada à necessidade
expressiva.
Devido a estes desenvolvimentos, as séries de personagens imponham-se no
mercado fomentando a competição entre os estúdios. Todos os procedimentos técnicos
até aqui abordados se encontravam plenamente difundidos. A divulgação de livros e
periódicos que abordavam conceitos artísticos da animação foi uma das causas para a
divulgação de técnicas como: crossover, ciclo, acção repetida, animação elástica,
equalização de volume, etc.
As séries de personagens encaixam-se num momento em que as produções em
massa e a consequente necessidade de uniformização da animação permita ajudar o
público na compreensão das histórias. Num processo natural de identificação, o público
exige a manutenção de personagens. Inicia-se um processo de retroalimentação, “em
que os anseios do público influenciam a arte, e vice-versa.”62

60
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 69
61
Idem, pp. 70
62
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 74
Surge então uma prática que permite uma enorme economia de trabalho e
tempo: repetição de poses, expressões e movimentos utilizados em todas as aventuras.
“Aliado a um número limitado de cenários usados em todos os episódios, cria condições
visuais básicas para a identificação do universo ficcional específico de um personagem
(…)63
As primeiras “estrelas” do universo do desenho animado terão formas humanas,
embora os animais também estivessem presentes, mesmo que em condições subalternas.
Dá-se a ascensão dos animais ao estrelato possibilitando ao animador explorar a
diversidade de valores sociais e usar os múltiplos recursos expressivos: emoção, crítica,
diversão.
O animal que se sobressai nesta época é o gato Félix de autoria de Otto
Messmer. O personagem representava a visão do mundo do artista, no período após o
final da Primeira Guerra Mundial. O gato encarnava múltiplas facetas da personalidade
humana, foi uma abordagem nacional de ordem estética e funcional. Muitos “gatos”
surgiram e através de Massmer aparece a linhagem de geniais artistas animadores.
Os animadores independentes encontravam-se à margem do mercado de
consumo da animação e das disputas comerciais entre os grandes estúdios executavam
um trabalho geralmente solitário, pouco produtivo. Normalmente, eram subsidiados por
órgãos governamentais ou instituições sem fins lucrativos, seguiram num trabalho de
pesquisa e sempre na fronteira do desconhecido.
As consequências da Primeira Guerra Mundial não conseguiam impedir a
invasão de filmes norte-americanos nas suas salas de exibição. Por isso, muitos dos
artistas emigram para os Estados Unidos da América restando pouco tempo para a
produção independente de animação na Europa.
A animação tridimensional desenvolveu-se paralelamente à técnica do desenho
animado, consiste no processo básico do stop action encontrado nos primórdios da
animação cinematográfica por detrás dos trickfilms (filmes de efeito).
Na animação tradicional deparamo-nos com várias técnicas: Animação de
Bonecos, em que se destaca o pintor polaco Wladyslaw Starewicz (1910), que tirava
partido da narrativa de temas folclóricos, extremamente perfeccionista e também
impressiona pela qualidade da animação.
Outra técnica é a tela de pin’s que ficará sempre associada ao seu criador,

63
Idem, pp. 75
Alexander Alexeieff. A técnica consiste numa prancha com imensos pequenos furos
através dos quais deslizam o mesmo número de pin’s de aço. Os pin’s são mais
compridos que a espessura da prancha, projectam-se além das superfícies anterior e
posterior. “Quando todos os pinos estão em sua máxima posição da câmara e
iluminados obliquamente – ela aparece negra, como resultado da sobreposição de
milhares de sombras projectadas pelos pinos. De modo inverso, quando todos os pinos
são empurrados para trás e ficam rentes à superfície anterior, as sombras naturalmente
deixam de existir e a superfície se apresenta clara. Manipulando-se os pinos para
posições intermediárias, obtêm-se todas as gamas de cinza.”64
Próximo de 1920 emergem as animações abstractas do artista alemão Walther
Ruttmann. Este explorava as possibilidades expressivas do movimento de formas
geométricas. Ruttmann desenvolve uma técnica em que formas plásticas eram montadas
em hastes e iluminadas de tal maneira que apenas a parte superior poderia ser vista,
procedendo-se à animação frame a frame.
Em 1930, Oskar Fischinger não só expandiu o universo estético da animação
abstracta como também contribuiu com uma série de inovações técnicas, por exemplo, a
criação sintética de som no filme. Outra técnica utilizada por Fischinger foi o método
directo sobre película que permitia a obtenção de movimentos rítmicos e efeitos
cromáticos.
A técnica de animação de silhuetas também desenvolvida na Alemanha,
associada à artista alemã Lotte Reiniger, que dedicou toda a sua vida a essa forma de
animação. As figuras consistiam em recortes de cartolina preta, dispostas sobre uma
prancha de vidro e iluminadas por trás, proporcionando bonitos efeitos. Já as figuras
bidimensionais são articuladas, os vidros podem ser pintados e adicionados em
camadas, as luzes variam de cor. Através desta técnica, Lotte Reiniger realizou a
primeira longa-metragem da história do cinema de animação, o Die Abenteuer dês
Prinzen Achmed (1926).
Em 1930, já era possível o uso de industrial do filme colorido. Len Lye, um dos
pioneiros da animação abstracta, optou pela técnica de animação directa sobre película.
Na década de 1930, Lye trabalhou nos estúdios da Technicolor, empresa que ofereceu
para o mercado de filmes, um dos sistemas de cor mais bem sucedido da história do
cinema.

64
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 84
Depois de 1930, nos Estados Unidos, os animadores começam a explorar
técnicas pouco utilizadas. Por exemplo, a animadora Mary Ellen Bute que usufrui de
diversos recursos, desde a animação de recortes até à animação de objectos, através da
técnica de animação tridimensional. Outro nome de destaque é o do pintor Douglas
Crockwell, um dos seus métodos consistia na utilização de camadas de vidro móveis,
levemente separadas, sobre as quais pintava com tintas plásticas, imagens que se
complementavam produzindo formas fragmentárias.
Ainda no Norte da América, George Pal (húngaro) vai explorar a animação de
bonecos. Utilizava cativantes marionetas, invenção de novas técnicas dentro da
animação de bonecos (sistema de substituição em vez do mais comum método de
ajuste) tratamento temático (é o criador em Hollywood, a tratar o negro com dignidade,
sem estereótipo).
Normam McLaren inicia as suas experiências estéticas em 1930, mas só dez
anos depois encontra as condições propícias para emergir com êxito as suas
investigações técnicas e artísticas. Foi quem popularizou o método directo na película, o
seu favorito, embora o impedisse de desenhar cenas complexas. “ A solução foi explorar
a máxima simplicidade visual, cuja “personalidade” das formas era expressa
inteiramente pelo movimento.”65
McLaren usou quase todas as técnicas de animação e ainda contribuiu com
inovações, por exemplo, a animação estereoscópica e pintura-no-tempo. E ainda propôs-
se a desenhar o som, animação sintética do som, técnica especialmente desenvolvida
para uma criação original de trilhas sonoras, em perfeita sincronia com o movimento e
as características visuais dos desenhos. Norman McLaren também foi o percursor dos
filmes de três dimensões (3D) no início dos anos 50. Para tal, inventou uma técnica de
filme estereoscópico atingindo sucesso por volta de 1953. Mas tão rápido foi o sucesso
que logo sucumbiu.
E a través do fenómeno no universo da animação, Walt Disney, que se
estabeleceram os conceitos fundamentais da arte da animação. A sua sensibilidade
artística aliada a uma enorme capacidade empresarial possibilitou uma revolução na
animação. O facto de, Walt Disney, ter formação e reconhecer que não era um grande
desenhador encaminha-o para um trabalho de direcção controlando todo o processo de
produção. “Os primeiros estúdios de animação faziam seus filmes baseados em piadas

65
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 93
(…)”66
O primeiro artifício introduzido por Disney para alcançar uma melhoria na
mecânica do movimento foi o acréscimo de uma barra de pin’s na base da prancheta de
luz. O método consistia em prender as folhas na parte de baixo, e com isso possibilitar
que mais folhas pudessem ser manuseadas em rápidos movimentos de “rolagem”. Ou
seja, permitia que o animador observasse uma instantânea ilusão do movimento
pretendido. “Após o animador completar a animação de uma sequência com desenhos
apenas esboçados, estes eram fotografados com filme preto-e-branco e, então,
projetados ou exibidos e moviola para estudo.”67 Denominava por pencil test, este
permitia emendar os erros que passavam no processo anterior, só possíveis de detectar
na projecção de toda uma sequência.
Walt Disney dedicava-se a desenvolver estratégias de produção, conceber
dispositivos e promover aperfeiçoamentos para agilizar e em benefício da expressão
gráfica, definir temas e decidir propostas, levantar recursos financeiros e elaborar o
marketing. Aos animadores proporcionava condições para se dedicarem as questões
artísticas, só os problemas de arte eram discutidos em conjunto.
Disney ficou conhecido também como o percursor da introdução do som no
cinema mesmo que não tenha sido o primeiro a lançar o desenho animado sonorizado,
foi o que apresentou a melhor sincronização entre som e imagem. Êxitos como a
“Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), “Os Três Porquinhos” (1933 – é neste filme
que surge também a invenção do story board) e em 1932 com o primeiro filme colorido
“Flowers and Trees”.
Outra das invenções que fazem parte da fase brilhante do estúdio de Disney é a
da câmara de múltiplos planos. O funcionamento da máquina era o seguinte: “cada
plano da animação ficava situado numa distância diferente da câmara e iluminado
independentemente. Para conseguir um zoom realista, cada plano era movido em
direcção à câmara, numa velocidade inversamente proporcional à sua distância do
observador imaginário. Os coeficientes diferenciais dessas razões determinavam a
posição aparente de cada camada de desenho no espaço. “Branca de Neve e os Sete
Anões” foi o filme onde se iniciaram os trabalhos preliminares com esse equipamento,
no entanto, o primeiro filme que recorreu ao equipamento foi “The Old Mill”. O

66
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 99
67
Idem, pp. 101
conceito trabalhado neste processo forneceu o algoritmo para os actuais sistemas
digitais de animação e composição 2D/3D desenvolvidos a partir dos anos 70.
E de muitos outros contributos de Walt Disney para a Arte da Animação figura a
sistematização dos princípios da animação: comprimir e esticar, antecipação, encenação,
animação directa e posição-chave, continuidade e sobreposição da acção, aceleração e
desaceleração, movimento em arco, acção secundária, temporização, exagero, desenho
volumétrico, apelo. Estes princípios proporcionaram os recursos plásticos para se
trabalhar a acção pretendida sem limitações expressivas, transmitindo inúmeras
sensações.
Através deste breve relato verificamos o quanto importante foi a Disney no
desenvolvimento da animação, rompeu com a estrutura do cinema de animação que
existia antes da sua aparição. Ainda hoje muitos dos conceitos artísticos introduzidos
pela Disney não foram completamente desvendados, baseados em firmes noções
biológicas e culturais. Tão cedo não sofrerão alterações fundamentais, o que não
significa estagnação artística mas sim o reconhecimento de que a arte também necessita
de uma estrutura lógica.
Segundo Alberto Lucena Júnior, “Disney alterou completamente a animação que
se fazia antes dele, mas ninguém, depois disso, nem sequer se aproximou de feito
semelhante – mesmo após o advento da prodigiosa tecnologia da computação gráfica.
Porque sua revolução veio integrada, desenvolvendo-se simultaneamente e
simbioticamente nos três segmentos básicos: inovação técnica, conceitos artísticos (com
um estilo bem definido e estratégia de produção.”68
A partir daqui resta aos demais estúdios adoptar novos procedimentos ou
expandi-los. Depois de 1940 o que conseguirá sobrejugar a liderança de Walt Disney
serão as novas tendências estéticas na animação. Estúdios como o dos irmãos Fleischer,
Warner Brothers e MaGM conseguem contrapor-se ao domínio total de Disney. Outro
estúdio importante, United Productions of América (UPA) revolucionou artisticamente
ao ponto de fazer surgir a expressão “estilo UPA”. A aposta dos artistas da UPA era
arriscada justamente por limitar esse espectro, embora, tivesse o grande mérito de
propiciar experimentações com configurações plásticas até então impensáveis no
modelo de figuras rotundas e sólidas, baseadas na naturalidade, de Walt Disney.
A UPA, criada em meados da década de 1940, contrastava com os outros níveis

68
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 120
no que diz respeito à não imposição de normas o que lhes permitiu partir para ousadas
experiências envolvendo formas, cores, texturas, som e enredo. Em 1951, ganhou o
primeiro Óscar com o filme “Gerald McBoing-Boing, com uma história não
convencional. Uma “fantasia suave a respeito de um personagem (um garoto que não
sabe falar) que se move num plano psicanalítico, em referência aos conflitos de
comunicação normalmente verificados em crianças que atingem idade escolar.”69
Foram filmes como este que permitiram o êxito comercial da UPA.
A televisão também terá uma grande responsabilidade nas profundas alterações
da trajectória da animação. O desenho animado começa a ser encarado como uma
distracção para o público infantil, e uma forma dos pais conseguirem algum sossego.
Em 1949 foi transmitida a primeira série de desenhos animados, “Crusader Rabbit”.
Os estúdios tradicionais passaram a desenvolver experiências com vistas a
produções que oferecessem qualidade satisfatória a baixo custo, o que era bastante
difícil. O sistema Hana-Barbera, da dupla Bill Hanna e Joe Barbera revelou-se eficiente.
A estratégia baseava-se num movimento das extremidades dos personagens. Este
processo permitia a reutilização de animações em diversas sequências reduzia o trabalho
e baixava os custos. A conjugação de procedimentos artísticos e técnicos levaram ao
sucesso de várias séries televisivas, tais como: “Zé Colmeia e sua turma,” “Manda-
Chuva”, os “Flinstones”, os “Jetsons”, etc. Mas o desejo de obter programação que
ocupasse muito na televisão e o foco cada vez mais direccionado para o público infantil
tiveram consequências desfavoráveis à identidade artística.
Em 1970, esta situação intensifica-se com a revolução tecnológica, não se
compreendia que a computação gráfica era um instrumento e não qualidade artística.
Eram necessários referenciais artísticos para utilizar o instrumento e assim fazer obras
de arte.
Termina por aqui esta abordagem ao desenvolvimento da Animação Tradicional,
importante para o conhecimento das técnicas e estéticas que elevaram o Cinema de
Animação ao estatuto de Arte.

69
in JÚNIOR, Alberto Lucena – Arte da Animação – Técnica e Estética Através da História. São Paulo:
Editora SENAC, 2001, pp. 130

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