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PRIMEIRA
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Jornal Experimental do 6º período de Comunicação Social da Ufes
Jornal Experimental do 6º período de Comunicação Social da Ufes
Vitória
Vitória - ES
- ES / Dezembro
/ Novembro dede 2010
2010
edição_123
edição _120
Universitários
de aluguel páginas 8, 9 e 10
2 PRIMEIRA
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Expediente:
O Primeira Mão é um jornal laborató-
Ela é a Zulma
rio, produzido em caráter experimental
pelos alunos do 6º período do curso de
Comunicação Social – Jornalismo, da
Universidade Federal do Espírito Santo.
Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras |
Vitória - ES - CEP 29075-910
Reportagem:
Amanda Freitas
Ana Carolina Gomes
Barbara Tavares
Bruno Almeida
Bruno de Castro
Carolina Moreira
Daniel Vilela
Dinora dos Santos
Djamile Carreiro
Eduardo Fernandes
Évelli Falqueto
Fiorella Gomes
Flavio Santos
Flora Viguini
Isabela Couto
Isabela Zortéa
Ismael Inoch FOTO: IZAIAS BUSON
Izaias Buson
Keyla Cezini Por Carolina Moreira dido da mãe e matando aula. O filme Doutor ela furasse a orelha. Aos 23 anos, já emancipa-
Lívia Bernabé Jivago, que tem como pano de fundo a Revolu- da, Zulma furou a própria orelha, numa atitude
Luma Poletti “Ih, se eu fosse te contar as minhas histó- ção Bolchevique, é apontado por ela como um catártica mesmo, querendo provar para si que
Marcel Martinuzzo
Paula Tessarolo rias, você iria ficar um dia todo aqui”. Assim que marcou sua vida. Zulma ama assistir filmes podia fazer do seu corpo e da sua vida o que qui-
Rafael Monteiro Zulma começa a me contar sobre a sua vida. e durante os trezes anos que trabalha no cinema sesse. Foram cinco furos de uma vez. Os outros
Rafael Abreu Sempre deixando claro que tem mais. Curio- já viu boa parte dos que entraram em cartaz. foram na farmácia mesmo, e a impressão que
Tiago Moreno sa, desinibida, engraçada, mal criada, rabu- Diz que é preciso ser inteligente para enten- dá é que ela sempre vai aparecer com mais
genta, são apenas alguns dos adjetivos que ela der alguns, e que quando vê alguém saindo do um. Quando questiono o porquê deles per-
Professora orientadora: mesma usa para se descrever. cinema reclamando pensa que é porque a pes- manecerem nela até hoje, Zulma sorri e diz:
Zulma de Alcântara Ascaciba é uma pessoa soa não conseguiu entender aquela história. “Eles fazem parte de mim, da minha história,
Daniela Caniçali que vai direto ao ponto. “Eu sou a Zulma!”, me “Eles querem histórias fáceis demais. Cinema do que eu sou. Não dá pra tirar”.
responde quando pergunto quem ela é. E mes- tem que pensar também”, declara. Seu gêne- Zulma não tem religião. Acredita em Deus
Diagramação: mo que pareça uma resposta simples, diz muito ro preferido é o suspense. e é feliz assim. Sua cor preferida é o azul, e se
sobre a misteriosa moça cheia de brincos que Zulma se sente sozinha. Já sofreu muito tem algo que a deixa irritada, são perguntas
Any Cometti trabalha no Cine Metrópolis. Ela Tem uma for- na vida, mas também já teve muitas alegrias. bestas. ”- Onde fica o banheiro? - Lá em cima.
Astrid Malacarne te relação com o próprio nome, desde a sua ex- Aprendeu que não adianta deixar guardado - Eu tenho que subir escadas? - Não, vai voan-
Daiane Delpupo
periência como babá, aos 14 anos. A criança que o que machuca, assim só se machuca ain- do!”. Não quis ser grossa, mas quando viu, já
Edberg Souza
Eduardo Dias ela tomava conta a chamava sempre de “empre- da mais. Mas precisou de muito tempo para havia falado. Ela é assim.
Esther Radaelli gada”, nunca Zulma. Isso a machucava, afinal, compreender isso de verdade. Ela tem consciência de que tudo passa,
Fábio Andrade ela tem um nome, oras. Há dois anos, logo após o falecimento da inclusive as coisas materiais. Faz questão de
Henrique Montovanelli Nasceu em Afonso Claudio no dia 03 de ju- sua mãe, ela teve depressão. Zulma já havia deixar claro que não tem apego nenhum. En-
Inglydy Rodrigues
Isabella Mariano lho de 1955, mas só fora registrada no cartório perdido todos os três irmãos e o pai. “Mas a che a boca para dizer que tem saúde, “não está
Isabella Zonta oito anos depois, acontecimento comum para a relação com a mãe é diferente. É algo forte 100%, mas está funcionando ainda”. E afirma
Izabelly Possatto época. Nessa confusão toda, o cartório lhe dei- demais”. Sentiu-se como se não tivesse mais isso sem saber que o significado do seu nome
Jessica Romanha xou com um ano a menos de vida. Brincalho- nada na vida, sem identidade, sem história. é justamente esse: “Aquela que tem saúde”.
Karolina Lopes Não se alimentava direito. E como reflexo de Adora uma cerveja. “Tem uma tal de bol-
na, prefere acreditar nessa data e achar que tem
Kauê Scarim
Leonardo Ribeiro mais tempo para viver. todos os problemas interiores, o seu cabelo sa família. Eu quero é uma bolsa Skol”, brin-
Leone Oliveira Em Afonso Claudio ela tinha uma vida mui- começou a cair. Zulma preferiu sofrer de uma ca. E vai além, diz que quer um freezer bem
Maíra Mendonça to boa. Morava numa fazenda onde pescava, fa- vez, passou máquina zero. grande, toda semana abastecido. “O povo fala
Michelle Terra zia gaiolas e arapucas. Adorava brincar em baixo As pessoas pensavam que ela tinha raspado para eu parar de beber. Dizem que vou mor-
Milena Mendonça
de árvores. Lembra-se, com muita nostalgia, a cabeça porque quis. Pensavam também que rer. Mas se eu já vou morrer de alguma coisa
Rhayan Lemes
Thaiana Gomes dos tempos em que se divertia em meio à natu- ela andava de boné porque queria. E eu era mesmo, que seja de algo que eu gosto, pelo
Viviane Machado reza. Mas um acontecimento a traria a Vitória. uma dessas pessoas. Zulma achava que o seu menos”.
Seu pai, que gostava de jogar, apostou a fazenda cabelo nunca mais voltaria a crescer. Passou Ainda falando de saúde, ela conta que fez
Professora orientadora: que a família morava e perdeu. Assim, Zulma,
seus três irmãos, sete irmãs, seu pai e sua mãe se
dois anos escondendo com bonés aquilo de
que tinha vergonha.
questão de voltar na médica que disse que o
seu cabelo havia caído por causa dos brincos
Ruth Reis mudaram para Vitória, e foram morar de favor Mas superou. Reverteu a situação e decidiu para lhe mostrar que estava errada. E ao ser
na casa de amigos. voltar a viver bem e tentar ser feliz. Na mesma indagada sobre o que tomou para melhorar,
Quando Zulma completou oito anos, sua época, seu cabelo voltou a crescer. E o engraça- Zulma sorriu e disse: “Eu tomei muito vinho
Tiragem: mãe lhe ensinou a ler. Depois disso, ela ganhou do é que, ainda careca, ela foi a um médico que e cerveja, doutora”.
1000 exemplares o mundo. Apaixonou-se pela leitura e percebeu culpou seus 13 brincos pela perda do cabelo. Observando a “velhinha”, como ela mes-
que gostava muito de arte. Queria mesmo era Por falar nos brincos, essa é uma boa histó- ma se chama, não pensamos que ela pode
ser artista, trabalhar usando as próprias mãos ria. Se há uma marca visual forte em Zulma, são ser mais do que o cargo que ocupa, do que
Gráfica: para construir objetos, fazer pinturas. Mas nun- os muitos brincos. Deles, pode se tirar inúme- a roupa veste, do que os brincos na orelha.
AINDA NÃO SABEMOS ca teve incentivo para fazer o que gostava. ras conclusões sobre a dona. Eu já havia pensado Mas Zulma é muito mais. As pessoas são mui-
Foi trabalhar no Cine Metrópolis por acaso, muita coisa, só não imaginava o óbvio: rebeldia. to mais. Parafraseando a jornalista e escritora
se é que acasos existem. Antes disso, só havia É tudo rebeldia, transgressão. Eliane Brum, “não existem histórias comuns.
ido ao cinema três vezes. Sendo as três, escon- Sua mãe era evangélica e não permitia que Só olhos domesticados”.
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voz da comunidade?
portanto, é também uma oportunidade de
conhecer ângulos diferentes de uma mes-
ma realidade.
No livro “As Inter- indigentes falecidos porque a morte se apresenta de várias for- CURIOSIDADES
mitências da Morte”, na cidade também mas”.
o escritor José Sara- são enterrados em OS COVEIROS • De acordo com dados da Secretaria
mago conta a história Maruípe. Neste, são Uma mistura de tristeza, solidão e incapaci- de Meio Ambiente de Vitória, no século
XIX foram construídos vários cemité-
de um país em que a realizados cerca de dade de controlar o inevitável, a morte é onde
rios no bairro de Santo Antônio porque
população simples- cinco sepultamentos mora a saudade. Também é, entretanto, a fonte
este era um local mais afastado do cen-
mente não morre por dia e as covas não de renda de muitos coveiros. Invisíveis e esque- tro da cidade e por conta da proibição
mais. Mesmo com são perpétuas. De cidos, eles cuidam dos cemitérios, dos túmulos dos sepultamentos dentro das igrejas.
pessoas em estado acordo com a legis- e zelam pelo descanso de quem já viveu. Em 1º de maio de 1912, todos os cam-
terminal ou vivendo lação municipal, de- Carregar carrinhos com os caixões, cavar pos de sepultamento coletivo do bairro
em condições inex- pois de quatro anos e covas, realizar exumações e construir sepultu- foram unidos em um único complexo
plicáveis, ninguém meio do sepultamen- ras são algumas funções desse profissional. Ele e deram origem ao atual Cemitério de
falece. É preciso pou- to, os corpos devem é pedreiro e mestre de cerimônias ao mesmo Santo Antônio.
co tempo para que o ser exumados (reco- tempo. Durante o cortejo fúnebre, o coveiro
lhimento dos restos desempenha um papel essencial, mas toma cui- • Em 1911, foi inaugurado o serviço de
país afunde no caos
bondes elétricos em Vitória. Eram duas
e a sociedade passe mortais). A família é dado pra não roubar a cena, pois cabe ao faleci-
linhas: uma unia a Cidade Alta à Cidade
a enxergar a morte convocada por meio do ser o protagonista. Baixa, a outra levava de Santo Antônio
de outra forma. Fora de edital e deve de- Há uma regra de etiqueta importante: tem ao Suá. No ano seguinte, com a abertu-
da fantasia literária, cidir se a ossada será que controlar o sentimento durante o funeral. ra do Cemitério de Santo Antônio, foi
entretanto, a vida de levada para outro ce- Por mais triste que a cena seja, alguém tem instituído o serviço de bondes fúne-
todos os seres um dia terá fim. Os homens, ao mitério com sepulturas perpétuas ou se será que realizar o trabalho difícil. “Tem vezes que bres. Um carregava o caixão, o outro
longo de sua existência, criaram diversos rituais colocada nos nichos (espécies de urnas locali- nos emocionamos quando o enterro é de uma carregava os acompanhantes. O bonde
para se despedir dos mortos. Hoje, o ritual mais zadas nas paredes do cemitério). Caso a famí- criança, mas a gente tem que segurar a emoção fúnebre era também conhecido como o
comum é o de sepultamento. lia não compareça, os ossos são armazen’ados e ser neutro”, afirma Hélcio Valadão, coveiro do bonde da morte.
No Brasil, devido ao crescimento populacio- na Ossada Comunitária. cemitério de Santo Antônio há dois anos. Per-
nal e a proibição de se realizar enterros dentro Se engana, porém, quem acredita que este guntado se gosta da profissão, Hélcio acenou
das igrejas, foram construídos cemitérios. As- ambiente é sempre carregado de tristeza. Vi- que sim com a cabeça e disse que não preten-
sim, dois problemas eram resolvidos: o primei- sitamos em várias ocasiões o Cemitério de de mudar de emprego tão cedo, só se o salário
ro é que as igrejas não comportavam mais tantos Santo Antônio para saber como funciona. Lá fosse maior. Ele trabalhava como fotógrafo, mas
mortos; o segundo, não menos determinante, é trabalham vigilantes, funcionários de limpe- quando se viu desempregado agarrou a primei-
que os sepultamentos dentro dos templos gera- za, administradores do cemitério e coveiros. ra oportunidade que apareceu e foi trabalhar no
vam problemas de saúde pública. Os funcionários com quem conversamos se cemitério. “Acostumei a lidar com a morte. Tem
Hoje, a Prefeitura de Vitória administra mostraram tranquilos e bem dispostos a reali- gente que não gosta, mas para os coveiros isso já
dois cemitérios na cidade: o de Santo Antô- zar suas funções, apesar de alguns admitirem é rotina”, conclui.
nio, no bairro de mesmo nome, e o Boa Vis- que sentiram um certo receio quando come- Já para o coveiro Joelson Matias, a vontade
ta, em Maruípe. Mas há diferenças entre os çaram a atuar em cemitério. de mudar de profissão já lhe ocorreu algumas
• Segundo relata Vitalino Damiani, um
dois. No caso do primeiro, as sepulturas são Maria de Lourdes da Penha, mais conheci- vezes. “Eu gosto do trabalho, mas sinto que
simpático barbeiro de Santo Antônio e
perpétuas. Ou seja, as famílias compram os da como Lurdinha, que trabalha no setor ad- muitas pessoas me tratam diferente quando des- pesquisador da História do bairro, em
jazigos e ficam com a posse permanente. Se- ministrativo do Cemitério de Santo Antônio cobrem que sou coveiro. Algumas até evitam 1918 o cemitério passou por uma crise.
gundo a administração do Cemitério de San- há mais de 20 anos, diz que adora o que faz. apertar a mão”, diz. Ele afirma que no come- Por conta da gripe espanhola, muitas
to Antônio, são realizados, em média, quatro Se sente medo de assombrações? “Eu acredito ço era difícil, pois sentia nojo da comida e não pessoas morreram em Vitória. Algumas
enterros por semana e não há mais túmulos que isso não existe”. Para ela, o sobrenatural conseguia dormir à noite. Depois de dois anos e vezes chegavam carroças carregan-
a venda lá. Já o Cemitério Boa Vista, que é não assusta, mas confessa que se emociona dez meses atuando na profissão, Joelson já está do famílias inteiras vítimas da doença.
público, realiza sepultamentos de quaisquer junto com as famílias: “O que mexe com a acostumado a lidar com a morte. Ele acha que Muitos foram enterrados sem sequer
pessoas, desde que seus parentes comprovem gente é o sentimento que as famílias trazem. o trabalho vai além da dor e do sofrimento e, se um caixão.
que são moradores de Vitória. Além disso, os Cada uma chega com uma situação diferente tivesse que enterrar algum ente querido, cum-
priria a sua tarefa, mas com muita tristeza.
“Alguém precisa fazer esse serviço” é o que
TAMBÉM TEM RISADA NO CEMITÉRIO eles costumam dizer. E esse trabalho não é para
qualquer um. Além de estabilidade emocional, o
Viúva queria ir com o marido coveiro precisa de força física. Trabalham com pá,
Em um dia de chuva no Cemitério Boa Vista, uma senhora chorava à beira enxada, chibanca (espécie de picareta), colher de
do caixão de seu marido, na hora de seu sepultamento. Desesperada, en- pedreiro e cordas. Mesmo sendo um trabalho tão
quanto a urna era levada à cova, ela gritava: “Eu quero ir com ele, eu quero duro, eles pouco reclamam. Romar Ribeiro, su-
ir com ele!”. Por conta da chuva, a terra estava escorregadia. Não deu ou- pervisor dos coveiros do Cemitério de Santo
tra, a viúva caiu dentro da sepultura, sobre o caixão do marido. Novamente Antônio, garante que dificilmente tem proble-
desesperada, ela gritava: “Me tira daqui, me tira daqui!” mas. “Eles gostam do que fazem. Alguns até vêm
para cá na folga”.
Alma penada quer saber que horas são Como as pessoas não têm hora para morrer,
Antigamente, em Santo Antônio, o padeiro passava de casa em casa ofere- os coveiros precisam se revezar em plantões de
cendo seu pão em uma cesta de palha. Nessa época, o muro do cemitério 12 horas alternados com períodos de descanso
do bairro era baixo o suficiente para se enxergar o que havia do outro lado. de 36 horas. Em Vitória, os coveiros recebem
Pois uma vez, com sua cesta cheia, o padeiro caminhava pelas calçadas do um salário de R$ 580 e um adicional de 20%
cemitério, quando de trás do muro veio uma voz: “Padeiro, que horas tem por insalubridade. Todos possuem carteira assi-
aí?” Era o vigia do cemitério. O padeiro achou que era uma assombração, nada e são orientados a utilizar máscaras e luvas.
jogou sua cesta para o alto e saiu correndo sem olhar para trás.
Hélcio Valadão, coveiro do cemitério de Santo Antônio.
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Universitários Histórias de
de
estudantes
que vendem
prazer
aluguel
Por Eduardo Fernandes (colaboração de Ana Araújo)
Músculos fortes, seios fartos. Traços abundan- comigo, eu sairia com você”. Quanto vale o corpo?
tes. Corpos e rostos bonitos. Ou não. Um pouco Em 2008, começou a faculdade e também a
gordo. Bem magro. Desajeitado. A aparência nem sair por dinheiro. De início, foi por necessidade. Segundo a antropóloga Ana Paula da Silva, pós-
sempre é o que mais importa. A prostituição seduz Era uma forma de pagar o apartamento, onde -doutoranda em Antropologia na Universidade de
universitários e universitárias de diferentes idades, mora sozinho, e os estudos. Mas, depois, foi o gos- São Paulo (USP), “a prostituição é, muitas vezes,
cores, caras e classes, que encontram nela uma to pelos programas que o manteve no sexo pago. a maneira que encontram para pagarem as men-
oportunidade de conseguir dinheiro, um trabalho “Gosto do sexo, gosto do carinho”, afirma Gury, salidades e matrículas, e é frequentemente citada
igual a qualquer outro. exclusivo para homens. Ele se vangloria por, se- como um investimento no futuro – um futuro sem
“Muitos dizem não gostar da prostituição, não gundo ele, ter feito programa com um apresen- trabalho sexual”.
por causa dela em si, mas porque é um trabalho, tador de TV. “Foi tudo maravilhoso. Meu melhor De acordo com Ana Paula e com Thaddeus
e os trabalhos tendem a ser chatos”. É o que afir- programa”. Blanchette, professor do Departamento de Antro-
mam os antropólogos Ana Paula da Silva e Thad- Com poucas experiências traumáticas, o rapaz pologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
deus Blanchette. diz ter sido surpreendido negativamente apenas (UFRJ), não são tantos os profissionais do sexo
Nem sempre a prostituição exige grandes sa- uma vez. E foi um grande susto. Um dos seus ami- que fazem programa pelo prazer. “Muitos dizem
crifícios ou é encarada como uma obrigação. Os gos, estudante da Univix e garoto de programa, que estão na atividade porque gostam de conhecer
Dimatteo, Gury, Manu e Vítor, todos universitá- pediu que ele atendesse a um cliente dele. Gury pessoas. E, é claro, a prostituição é um trabalho
rios, têm, além do estudo, a prostituição em co- estava a fim e decidiu fazer o favor. Quando che- relativamente bem remunerado, e isso sempre
mum. Decidiram encará-la e descobriram na pros- gou ao local e deu de cara com o rapaz, se assus- ajuda. De vez em quando, encontramos alguém
tituição uma atividade atrativa e recompensadora. tou. “Você aqui?”. Era um amigo. Os dois ficaram que diz fazer por gostar do sexo.”
Uma forma diferente de lidar com sexo, força de congelados, olhos fixos, um desespero momentâ- A remuneração baixa de outras profissões é
trabalho e afetividade. neo. Afinal, poucos sabem que o Gury faz progra- apontada pelos antropólogos como o principal
mas e que esse amigo gosta de sair com homens. motivo para que a prostituição torne-se uma ati-
Gury, o conquistador O resultado desse encontro foi um trato. Ambos vidade sedutora, principalmente a quem não tem
garantiram não contar nada sobre nenhum dos qualificação formal para desempenhar uma pro-
26 anos. Ele nem é tão jovem assim para ser dois a ninguém. fissão mais rentável. “A questão pouco discutida é
apelidado de “Gury”, mas gosta do pseudônimo. Hoje, o jovem que adora sexo tem uma lista de uma mulher ter que optar entre ser trabalhadora
Moreno, corpo médio e cabelo curto, o estudante contatos. Quando os homens demoram a ligar, ele sexual ganhando muito bem, ou uma limpadora
de enfermagem da Faculdade Salesiana de Vitória mesmo pega o telefone e pergunta se estão inte- de privada, que recebe um salário mínino e, ainda,
é galanteador. Durante a entrevista, faz questão ressados em uma saída. E geralmente, para sua ale- pode sofrer abusos de toda a sorte, dependendo
de dar cantadas. “Ah, como você é lindo. Se não gria, eles estão. Às vezes nem cobra. Alia o dinhei- de onde trabalhe. Há um enorme moralismo na
estivesse fazendo uma reportagem e quisesse sair ro ao prazer, não necessariamente nessa ordem sociedade”.
Manu, a mulher As propostas e cantadas por programas for da minha idade, prefiro não fazer, pois
eram muitas. Até mesmo os clientes da loja posso esbarrar com ele por aí”. Seus anún-
Manu veio do interior para tentar o ves- em que trabalhava galanteavam enquanto as cios já especificam ‘acima de 40’. Mesmo
tibular da Ufes, há três anos. Não foi apro- esposas experimentavam roupas. Demorou com os cuidados, ela já desconfiou que al-
vada, mas, para não perder a viagem e a a aceitar pela primeira vez um dos pedidos, gumas pessoas tenham descoberto, mas, até
chance de mudar de cidade, matriculou-se mas desde então não parou. agora, nada de concreto.
na Univix. Saiu da loja e aumentou o número de Apesar de estar há algum tempo traba-
Pagar os estudos não foi nada fácil. Co- programas. Três horas de trabalho já garan- lhando como prostituta, a moça do interior
meçou trabalhando em lojas para poder ar- tiam a mensalidade. Poucas horas de traba- não perdeu o desejo de ser uma mulher ‘de
car com os custos da faculdade. A ajuda dos lho a mais e no final do mês ainda sobrava família’. Quer trabalhar. Planeja continuar
pais era sofrida, e mal dava para as mensa- dinheiro para supérfluos e mais tempo de com os programas só até se estabelecer na
lidades. Com a situação econômica difícil, dedicação aos estudos. profissão. E reitera: “ainda quero me casar
acabou caindo nas tentações facilitadas pela Manu manteve a prostituição em segre- e ter filhos”.
genética. “Sempre tive corpão”, afirma. do. “Seleciono os clientes. Por exemplo, se
Carência
Traição?
Sexo, apenas
venda ou troca. “Minha renda é a pescaria. A gos. Entretanto, é preciso a liberação de licenças Está faltando um apoio dos órgãos de pesca. Por-
Por Daniel Vilela e Tiago Moreno gente passa dificuldades, vai levando. Tem mais ambientais para o início das atividades no local, que a única coisa que queremos é apoio, porque os
Já não é preciso utilizar nenhuma das duas de 300 famílias, todas na mesma situação. Cada ainda sem previsão. pescadores não podem pegar esse rio e abrir sozi-
pontes para atravessar o rio que separa o bairro barco sai com quatro marinheiros, que possuem nho, tem que ter um projeto ambiental.”
Nova Almeida, na Serra, do balneário de Praia cada um filhos e esposa para cuidar”, alerta An- Apoio político Enquanto isso, achar um barco que saia e en-
Grande, em Fundão. Segundo Sara Maria Oli- tônio Vieira Lima, 55 anos, que pesca desde os “Esperamos que com essas eleições, o go- tre na barra, sem qualquer problema, só pode
veira, 55 anos, “tem dia que nem bote sai e as nove anos de idade. verno procure ajudar a gente. As necessidades ser uma história de pescador.
pessoas atravessam com a água na canela”. Dona Vindo de uma comunidade em Guarapari, da gente, eles não cumprem. Resolver o proble-
de uma peixaria local, Sara conta que, muitas afirma que a situação se estende a outros rios, ma, não resolvem. Só queremos uma solução”, História de professor
vezes, é preciso encomendar peixes em outros como o de Jacaraípe. Na Serra, a prefeitura re- conta Antônio. “A formação de bancos de areia e conse-
bairros, como Jacaraípe, e no balneário de Santa alizou obras de revitalização apenas em um dos Segundo os habitantes da região, alguns qüentemente a diminuição de lâmina d’água é
Cruz, da cidade vizinha de Aracruz. “E buscando cursos d’água. “Em Jacaraípe fizeram, mas para políticos locais aparecem de tempos em tem- um evento próprio de cursos fluviais, pois há
esse peixe de fora, tenho que repassar para o clien- nós, nada”, desabafa o pescador Francis Chalita, pos com promessas, mas nenhum traz efeti- sazonalidade na vazão líquida do rio. Chove
te todos esses gastos no preço final”, afirma. de 20 anos. vamente os resultados. Para Francis, “eles en- menos, menor vazão. No caso de períodos de
Evandro Bortolloti, morador da Serra há A prefeitura da Serra, por intermédio das rolam a gente, mas não fazem nada aqui para seca, como estamos passando, isto ocorre”, ex-
mais de 40 anos, conta que o peixe está cada vez secretarias de Meio Ambiente e Desenvolvi- Nova Almeida”. plica a professora doutora Jacqueline Albino, do
mais caro e com menor qualidade. “Tem vez que mento Urbano, assegura que existem projetos Antônio também diz que “não existe um órgão Departamento de Oceanografia e Ecologia da
é preciso ir para outra cidade para encontrar um para revitalização e dragagem do rio Reis Ma- que dê uma melhor infra-estrutura para a gente. Ufes.
bom preço. Mas nem sempre compensa”, afir- Para Jacqueline, esse processo natural soma-
ma o aposentado. Na cozinha de seu Evandro, -se a bacia hidrológica de Reis Magos ser alte-
o peixe já deixou de ser o prato principal há al- rada pelo uso e ocupação, como construções
guns anos. ribeirinhas irregulares, tais quais casas, pontes,
ruas mal estruturadas. “Estudos mais detalhados
Maré baixa poderiam analisar a responsabilidade deste fator
Para alcançar uma embarcação que esteja no no sentido de fornecimento maior de detritos,
meio do canal, não é preciso sequer saber nadar. seja sedimentos por escoamentos superficiais de
Para atravessá-lo então, uma simples caminha- regiões com vegetação alterada, seja por detri-
da, sem ao menos molhar o joelho, já basta. Sair tos industriais e urbanos”, pondera.
ou entrar com os barcos só é possível com o au- Além disso, ela comenta que como o pon-
mento do volume d’agua, que acontece apenas to mais crítico ocorre na desembocadura, a di-
quando a maré está cheia. minuição de vazão d’água pode se dar por uma
É possível observar que alguns trabalhado- entrada mais energética das ondas e marés, que
res já pensam em abandonar a atividade. Na bei- rumo ao rio trariam sedimentos costeiros.
ra da canal, alguns barcos ostentam anúncios de
Uma celebração
Izaias Buson
quase tradicional
Isabela Couto e Rafael Abreu
Mais um pouco, chegará o Verão. O sol, a são maior de cultura, conhecer outras formas denominada como Quinxassa, para diferen- versam pouco com estranhos, não ligam muito
praia, areia, a ventania incessante. O mar. E de ensino e novas experiências em pesquisa.”, ciar do país vizinho congo Brazzaville é um dos para estrangeiros ou gente de outros estados do
diante dele, toda uma possibilidade, um amon- conta a estudante que cursa Serviço Social na maiores países de África. O estudante de Di- Brasil”.
toado de terra, o continente que chamamos universidade federal do espírito santo. Embo- reito da Ufes, Yannick Kalombo, da República
de África. Sem que pedissem, desembarcaram ra tendo já o irmão em Vitória, que a acolheu, do Congo diz que lá existe um provérbio. “O Sangue Negro: petróleo,
por lá naus, barcos, aviões e contingentes de Suely não deixa de citas algumas das dificulda- chimpanzé, apesar de pertencer a família dos Angola
guerra. “Sozinhos e sem amigos na ponta de um des que o estudante africano passa. mamíferos, colocado no meio dos gorilas, ele Angola, conhecida em outros países pela
continente hostil, eles erigiram seu Estado-for- E não são poucas. A chegada, por vezes so- pode se ou não aceito na comunidade. Mas isso cultura e pela famosa dança “Kuduro”, além
taleza e se retiraram para trás de suas muralhas: zinho, ao novo país. As idas periódicas à Polícia não lhe tiraria o seu jeito de ser”. O estudan- de ter a língua portuguesa como oficial, pos-
ali manteriam a chama da civilização cristã oci- Federal, a procura por apartamento, a grafia e te diz que este provérbio é aplicável para ele, sui também varias línguas nacionais. Uma
dental acesa até o mundo finalmente recuperar entonação completamente diferentes para uma que se sente estrangeiro, mesmo sendo aceito delas é o umbundo, falada por mais de 26%
a razão”, escreve o escritor sul-africano J. M.
Coetzee.
Sobreviveram enquanto houvesse frontei-
ras, enquanto existissem na cabeça das pesso-
as. Hoje já não há mais esses riscos terminais,
como arrisca um sociólogo inglês, o mundo é a
mesma aldeia. Não há mais para onde segregar e
enviar os indesejáveis pela colonização. Ao con-
trário, hoje, chegam pelos aviões, desejados, e
não mais confinados por chicotes sádicos de um
projeto falido. Os novos imigrantes africanos
que entram legalmente no Brasil, segundo a
Polícia Federal, se enquadram em dois grupos.
O primeiro é formado pelos estudantes, bene-
ficiados por um projeto de cooperação entre
países lusófonos. O outro, profissionais qualifi-
cados contratados, em postos de destaque, para
áreas de ponta como a petroquímica.
Cá em Vitória, há um pequeno número de
africanos, cada um com seu jeito de ser e costu-
mes próprios. Vieram de Angola, Cabo Verde,
São Tomé e Príncipe, Moçambique. Quando se mesma língua, as gírias. E a comida. Pelo me- ou não em diversos grupos. Mas lidar com es- da população.
fala, entretanto, em datas comemorativas do nos nesse ponto, os que utilizam o Restaurante trangeiros em seu país nunca foi grande pro- Hoje o Brasil é considerado a segunda
continente africano, todos se juntam e forma Universitário têm alguma vantagem. Segundo blema. “Somos acolhedores, fazemos com que maior colônia angolana fora da África. Isso
uma só cultura, um só povo. É como diz a es- a nutricionista-chefe do RU, Carmem Rosa, o estrangeiro se sinta em casa”, conta. se deve ao número de vagas que o governo
tudante cabo-verdiana Suely Carvalho: “Ka nu há um cuidado muito grande para inserir tem- E como lidar com o português de outro brasileiro disponibiliza nas universidades pú-
skeci di nos raiz el ke nos mai”. peros e pratos africanos no cardápio. “O arroz país? No começo foi difícil, mas conhecer no- blicas e privadas para jovens angolanos rea-
Ora, por vezes, nessa reportagem, será pre- com banana é um deles”, afirma. Mas a ajuda vas culturas e novas experiências o fez superar lizarem seus estudos universitários no país.
ciso apelar para traduções quase-instantâneas. para por aí. Suely reclama da falta de apoio de as dificuldades de um novo lar, o Brasil. “Mas, Segundo a embaixada de Angola no Rio de
A frase dita em crioulo por Suely, em portu- maiores informações pelos departamentos de olha, a recepção dos brasileiros é igual do povo Janeiro, não se sabe com exatidão quantos
guês, significa “Nunca nos esqueçamos da nos- estudantes estrangeiros. africano. É igual na África, em cada estado vivem por aqui, mas as estimativas variam
sa raiz, porque ela é a nossa mãe”. É uma das encontram-se pessoas e culturas diferentes”, de 10 a 15 mil só no estado de São Paulo.
frases que carrega dentro de si para superar os Outras fronteiras do revela Yannick, que considera os cariocas, os E não são apenas estudantes: são, sobretudo,
quatro anos longe da sua família de sua cultura. Império mineiros e os baianos os mais hospitaleiros. “O comerciantes da área têxtil e trabalhadores
“Queria vir para o Brasil para ter uma vi- A República do Congo, que é por vezes capixaba, em geral, é tipo o povo paulista. Con- de petroquímica.
Q uando me propus este desafio podem facilitar muito o exercício da es- o aniversário em que contemplei crian- do silenciosa, construí a minha natureza.
sabia que não seria fácil. Sabia crita. E como me arrependi por não ter ças brincando no parque, em meio à na- Digo, a minha natureza interior. Por isso
que teria um prazo a cumprir, diferente aproveitado os meus momentos de dor tureza exuberante e sob o apaixonante sinto ainda maior meu amor pelo mun-
dos outros que fizera a mim mesma tan- para escrever. Impotência, solidão, inveja sol da primavera. Não haverá outro mo- do, o prazer das descobertas, do “obser-
tas outras vezes. da felicidade alheia, dor da alma... Vontade mento em que me sentirei tão querida var”, me interessa as reações das pessoas,
Então logo coloquei meu cérebro de colocar tudo pra fora. Uma mistura de como naquela festa. Não serei capaz de seus olhares, suas respostas, seus encan-
para trabalhar. E meus olhos se estreita- sentimentos fervilhando dentro do peito, sentir novamente a mesma angústia que a tos. Quero, pois, usar os meus sentidos
ram como em resposta, para mostrar que conversas idealizadas na cabeça, poesias incerteza dos meus sentimentos por ele para absorver o máximo que a vida me
estava alerta a qualquer situação, com- inteiras saltando pela boca... E eu deixei me provocou. proporcionar, até que eu não consiga
portamento ou gesto que merecessem tudo passar. Nenhum registro. Ora, mas todos estes fatos estão en- mais me conter e divida tudo isso com
ser o personagem principal da minha Agora me pego aqui, tentando captu- tranhados em mim. Não em imagens que estiver ao meu redor. Talvez este já
história. rar instantes passados, mas certa de que exatas, já que a memória não permite, tenha sido um começo.
PRIMEIRA
mão
15
A Delicadeza de Nina
Faz pouco tempo que Nina Becker
lançou Azul e Vermelho, seus dois discos
de estréia. Com um ar tranqüilo e sere-
no, a moça esteve em Vitória no dia 13
de novembro para apresentar um show
aconchegante a uma pequena platéia.
Sua voz doce, seu sotaque carioca e seu
jeito um pouco desajeitado conquista-
ram os que lá estiveram.