Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
º 5 · j a n / a b r 0 8 issn 1646‑4990
Alexandra Cosme
alexandra.cosme@hotmail.com
Centro de Saúde do Bombarral
Resumo:
Nas últimas décadas, assistimos a constantes mutações sociais e técnicas em todas as ci‑
ências. A Enfermagem não constitui excepção, pelo que a actualização exige o desenvol‑
vimento de competências e práticas que deverão fluir do processo de formação. Neste en‑
quadramento é essencial questionar as práticas profissionais, centrando‑nos na formação
em contexto de trabalho, partindo do pressuposto que a formatividade implica os actores
sociais no seu todo. A população seleccionada foi a dos diabéticos, no contexto comuni‑
tário, pela problemática que os envolve no seu meio ambiente, exigindo respostas inte‑
gradoras. Analisamos as dinâmicas formativas que ocorrem no projecto de cuidados aos
diabéticos, onde se relacionam o processo de socialização, a formação e a saúde. Como
estratégia metodológica, utilizámos o estudo de caso. A unidade de análise foi o centro
de saúde no qual decorre o projecto. Para recolha de informação empírica utilizámos a
observação participante, entrevistas semi‑estruturadas a diabéticos e enfermeiros e para
complementar efectuámos a análise documental. Com esta investigação, pretendemos
contribuir para a compreensão e desenvolvimento das práticas em Enfermagem, através
de uma abordagem centrada nas pessoas e nos seus contextos.
Palavras‑chave:
Aprendizagens informais, Cuidar em Enfermagem, Cuidados aos diabéticos, Formação
profissional.
Cosme, Alexandra (2008). A construção das práticas em enfermagem: a formatividade nos cuidados
aos diabéticos em contexto comunitário. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 05, pp. 33-44.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt
33
Introdução interrelacionam o processo de socialização e da for‑
mação dos enfermeiros, permitindo desenvolver os
Este artigo é o culminar de um trabalho de investiga‑ modos de construção dos cuidados e de formação em
ção realizado no decorrer do Mestrado em Ciências contexto de trabalho (Abreu, 2001; Costa, 2000).
da Educação — área de especialização em Formação Esta investigação tem como tema central a cons‑
de Adultos. Esta dissertação (Cosme, 2004) centrou trução das práticas dos enfermeiros em contexto
‑se na análise das diversas e profundas alterações, comunitário. O objecto de estudo relaciona‑se com
que assistimos ao longo das últimas décadas, na área os processos interactivos da formação e da prática
da saúde, resultantes da evolução da construção so‑ dos enfermeiros nos cuidados aos diabéticos, onde
cial dos cuidados. Esta construção deixa de se cen‑ o contexto de trabalho e as interacções que aí ocor‑
trar na doença e na técnica para evoluir no sentido rem são valorizados. Seleccionámos um contexto de
da prevenção e da transformação da relação dos pro‑ trabalho singular, o contexto comunitário, especi‑
fissionais de saúde com o meio ambiente e os uten‑ ficamente no Centro de Saúde de Lourinhã, onde é
tes; a evolução científica e técnica também ocorrem desenvolvido um projecto de cuidados à população
de forma acelerada, o que exige que a formação se diabética. A comunidade foi o contexto selecciona‑
desenvolva, à semelhança do que se passa noutros do, pelo seu elevado grau de complexidade porque
campos profissionais, no sentido de se transformar permite analisar as práticas profissionais na pers‑
no pólo dinamizador da mudança. pectiva destes mas, também, como são sentidas pe‑
No processo de mutações sociais e científicas ac‑ los utentes, contextualizando as situações diferen‑
tuais, a Enfermagem revela‑se como uma profissão tes da vida e da saúde no seu meio sócio‑cultural.
em evolução, quer a nível de políticas e filosofias, Este contexto induz uma representação diversa da
quer a nível da relação com o utente como inter‑ assistência de Enfermagem: “não uma assistência
veniente nos cuidados de saúde. As problemáticas balizada pela estrutura do centro de saúde e limi‑
actuais exigem o desenvolvimento de competências tada aos gabinetes ou às salas de tratamentos, mas
que deverão fluir do processo de formação e inte‑ sim uma assistência articulada com e na comunida‑
grar todos os intervenientes no processo de cuidar, de” (Abreu, 2001, p. 211).
no sentido da construção dos cuidados e da saúde. Seleccionámos o Centro de Saúde da Lourinhã
Na última década, a Enfermagem tem sido alvo que tem um projecto de cuidados aos diabéticos
de vários estudos que deram relevo a aspectos di‑ classificado, de modo informal, como inovador,
versificados mas que permitem obter dados, com tanto pelos profissionais de saúde, como pelos dia‑
especial ênfase para a compreensão da produ‑ béticos, com quem tivemos oportunidade de con‑
ção de cuidados a determinados utentes, onde se tactar, a nível profissional, na fase inicial de escolha
Quadro n.º 1
Características dos cuidados de Enfermagem valorizados pelos diabéticos
Surgem na interacção do enfermeiro com o “Para mim ser boa enfermeira é dar umas
utente baseados na comunicação verbal e não boas informações ao doente, o que há‑de fa‑
Comunicacionais ‑verbal, com ênfase para a simplificação e ade‑ zer e não há‑de de fazer, tem que ter cuidado
quação das mensagens e linguagem e o uso de com o quê, para mim é assim.” (Entrevista ao
repetições. diabético B)
Baseados essencialmente na acção dos profis‑ “Acho importante verem os pés, medirem a
sionais no decorrer dos procedimentos técni‑ tensão, fazerem a picada no dedo, mas o mais
Técnicos
cos. importante é falarem comigo, não tanto faze‑
rem estas coisas.” (Entrevista ao diabético E)
Caracterizam‑se por uma estruturação prévia Enf. B. — “(…) existe um programa que até
de programa e horários, com base na assime‑ achamos interessante e depois vamos lá e até
Formais tria professor‑aluno, na existência de proces‑ nem tem muito a ver.” (Entrevista enfermeira B)
sos avaliativos e de certificação e que são exte‑
riores ao contexto de trabalho.
a experiência como base fundamental para o desen‑ Nos cuidados aos diabéticos, a produção de
volvimento dos processos de aprendizagem. A cons‑ competências profissionais corresponde a um pro‑
trução dos saberes nos cuidados aos diabéticos é cesso simultaneamente individual e colectivo. As
sustentada pela reflexão sobre as práticas problema‑ competências são emergentes dos contextos de cui‑
tizadas. Neste contexto, a experiência engloba uma dados, são fruto da combinação de saberes indivi‑
forma e sentido através da reflexão, que permite que duais que percorrem a complexidade do contexto
seja reconstruída, de forma a questionar as práticas de trabalho, atravessa as experiências do grupo e
e a organização do trabalho. A experiência reflexiva da organização.
no contexto de cuidados aos diabéticos situa‑se a Para analisar as competências dos enfermeiros
nível individual protagonizado pelo enfermeiro, ou nos cuidados aos diabéticos, utilizámos indicado‑
a nível colectivo, centrado na interacção entre enfer‑ res identificados por Costa (2000), no seu estudo re‑
meiros e diabéticos, e grupo de Enfermagem. As ex‑ lativo às competências geriátricas dos enfermeiros,
periências dos enfermeiros vivenciadas no contexto que permitem sistematizar a construção de compe‑
de trabalho permitem que aprendam. Os actores tências num percurso profissional inscrito na pro‑
aprendem melhor quando os conhecimentos a ad‑ blemática global do cuidado e da formação em En‑
quirir se referem a situações práticas que lhes são fermagem geriátricas. Estes indicadores permitem
familiares (Dominicé, 1990; Pineau, 1991). interligar o que se faz (Acção), o que no decurso da
Quadro n.º 3
Características das competências que emergem nos cuidados aos diabéticos
Surgem na perspectiva do que o enfermeiro faz “É uma boa enfermeira quando mede a tensão
Dimensão Acção
no decorrer da interacção com o diabético. arterial.” (Entrevista ao diabético A)
tário. Conclui que os cuidados de saúde primários cuidados aos diabéticos corresponde a um pro‑
eram percebidos como um conjunto de actividades, cesso de reflexão experiencial simultaneamente
como um nível de assistência, como uma estratégia individual e colectivo. As competências são emer‑
ou como uma filosofia, onde o grupo de competên‑ gentes dos contextos de cuidados, são fruto da
cias que os enfermeiros desenvolveram com maior combinação de saberes individuais que percorrem
predominância foi o das competências de relação, o a complexidade do contexto de trabalho e conver‑
que é por si um indicador da natureza do trabalho gem para três indicadores: Ser, Relação e Acção.
desenvolvido na e com a comunidade. • Nos cuidados aos diabéticos interagem grupos