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ARTIGO ARTICLE 1207

As representações sociais
e a experiência da doença

Social representations and


the experience of illness

Romeu Gomes 1
Eduardo Alves Mendonça 1

Maria Luiza Pontes 1,2

1 Pós-Graduação em Saúde Abstract This article analyzes the relationship between social representations and the experi-
da Criança e da Mulher,
ence of illness. The study is a critical review of the debate on illness. The work focuses on (a) a re-
Instituto Fernandes Figueira,
Fundação Oswaldo Cruz. view of the concept of “social representations of illness”; (b) key aspects of the experience of ill-
Av. Rui Barbosa 716, ness and; (c) principles for understanding the illness process. The authors also emphasize the
2 o andar, Rio de Janeiro, RJ
necessary link between the experience of illness and the context of its material and symbolic pro-
22250-020, Brasil.
romeu@iff.fiocruz.br duction.
eamendonca@uol.com.br Key words Disease; Health-Disease Process; Social Representation
2 Faculdade de Educação,
Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Resumo O artigo objetiva analisar as relações entre representações sociais e a experiência da
Rua São Francisco Xavier doença. O estudo é uma revisão crítica sobre a discussão da doença. O trabalho é constituído de:
524, 12 o andar,
Rio de Janeiro, RJ
(a) resgate da utilização do conceito de representações sociais da doença; (b) aspectos sobre a ex-
20550-013, Brasil. periência da doença; e (c) princípios para a compreensão do processo do adoecer. Como conclu-
mlpontes@uerj.br são, os autores destacam a necessária articulação entre a experiência da doença e seu contexto
de produção material e simbólica.
Palavras-chave Doença; Processo Saúde-Doença; Representação Social

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Considerações iniciais do o evento/problema da doença” (Alves & Ra-


belo, 1998:119).
Cada vez mais verificamos que, no campo da É no bojo dessa discussão que situamos o
saúde coletiva, são desenvolvidos estudos so- presente trabalho, numa tentativa exploratória
bre as representações da doença e da saúde. A inicial, contemplando novas emergências. Nes-
categoria representações sociais (RS) tem sido se sentido, objetivamos analisar as relações en-
objeto de reflexão, sendo utilizada como re- tre os pólos representacional e vivencial do pro-
ferencial teórico-metodológico nesse campo. cesso de adoecimento, propondo princípios pa-
Muitos estudos baseiam-se na teoria das repre- ra se trabalhar com a possível complementari-
sentações sociais (Moscovici, 1978) e outros, a dade existente entre eles.
exemplo de Minayo (1994) e Cardoso & Gomes Com esse debate, oriundo da reflexão e das
(2000), fundamentam-se em outros referen- práticas sociológica e antropológica, acredita-
ciais das ciências sociais. mos que as ações em saúde coletiva possam
Apesar de as chamadas RS serem ampla- dar continuidade ao seu repensar para con-
mente utilizadas na pesquisa social em saúde, templar, ao mesmo tempo, as dimensões social
acreditamos que tanto o seu conceito como o e individual da doença, refletidas nas perma-
seu uso devam ser mais problematizados. Jun- nências culturais das representações e presen-
to a essas considerações, como bem observa tes nas experiências individuais que ocorrem
Herzlich (1991) na explicação das condutas, no processo de adoecer.
outros aspectos, além das representações, de- Em termos metodológicos, o desenho do
vem ser levados em conta. Segundo a autora, o presente estudo se caracteriza como uma revi-
principal limite da noção de representação so- são crítica acerca da temática que nos propo-
cial reside na generalidade do nível de análise mos a discutir. Entretanto, ele se utiliza dessa
que ela constitui, fazendo dela uma metano- revisão para apontar caminhos que permitam
ção. Ciente desse limite, “uma das tarefas do so- discutir o avanço de métodos que se apliquem
ciólogo pode ser a de indicar de que modo essas ao estudo das representações e vivências do
representações estão enraizadas na realidade adoecer. Para isso, procuramos pontuar aspec-
social e histórica, ao mesmo tempo em que con- tos teóricos para dar suporte ao levantamento
tribuem para construí-la” (Herzlilch, 1991:32). de questões metodológicas no trato das rela-
Alves & Rabelo (1998:108) trazem um deba- ções entre o representar e o vivenciar a doen-
te no sentido de se repensar os estudos sobre ça. Nessa discussão, pretendemos seguir o se-
as RS e as práticas em saúde e doença, assina- guinte percurso: (a) resgate da utilização do
lando que tem havido uma “nítida relação de conceito das representações sociais para a
determinação das representações sobre as práti- compreensão da doença, dentro de uma ótica
cas, de tal forma que essas últimas são vistas co- sócio-antropológica; (b) caracterização do pro-
mo passíveis de ser deduzidas do sistema cons- cesso da experiência da doença e (c) apresen-
truído de representações”. tação de princípios para se avançar nas ques-
Segundo os autores, a cisão entre represen- tões de métodos, que se aplicam à temática.
tações e práticas se relaciona a outras dicoto-
mias já conhecidas entre ação e estrutura, sub-
jetividade e objetividade, indivíduo e socieda- Representações sociais e doença
de, corpo e mente. Criticando essa perspectiva,
propõem deslocar a doença “como fato (seja Durkheim, na sociologia, foi quem primeiro
dado empírico ou signo) para o curso da doença abordou a discussão das representações coleti-
como experiência” (Alves & Rabelo, 1998:113). vas. Para ele, “os primeiros sistemas de repre-
Concluem que as representações não são siste- sentação que o homem fez para si do mundo e
mas fechados que determinam as práticas, uma de si mesmo são de origem religiosa” (Dur-
vez que conformam um conjunto aberto e he- kheim, 1998:154). Essas representações, segun-
terogêneo que é continuamente refeito, am- do esse autor, “traduzem a maneira como o
pliado, deslocado e problematizado durante as grupo se pensa nas suas relações com os objetos
interações indivíduo-indivíduo e indivíduos e que o afetam” (Durkheim, 1999:79). Nesse sen-
meio. Nesse sentido, recomendam uma análise tido, as representações coletivas não seriam
que contemple “as formas temporalmente cir- apenas o produto de uma imensa cooperação
cunscritas pelas quais os atores imputam e ne- ocorrida num determinado espaço, mas tam-
gociam significados para suas experiências, vi- bém estariam relacionadas ao acúmulo de ex-
venciam dificuldades de sustentar esses signifi- periências atravessadas por longas séries de
cados, delineiam e levam a cabo projetos e es- gerações. Ainda segundo ele, as representações
tratégias para se (re) situar no mundo social da- coletivas, por terem características de fato so-

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cial, assim como as instituições e estruturas, A autora citada já nos chamava a atenção
são exteriores ao indivíduo e exercem coerção para o fato de que a construção das RS implica,
sobre as consciências individuais. necessariamente a reconstrução de toda uma
Herzlich (1991:23) considera que Durkheim trajetória de filiações ideológicas (ou tradi-
enfatizava a primazia do pensamento social ções). O conhecimento é sempre interessado e
sobre o pensamento individual, destacando o reconhecimento do mundo como biológico e
que “a representação coletiva não se reduz à so- social passaria por um crivo epistemológico e
ma das representações dos indivíduos que com- político.
põem a sociedade. Ela é também uma realidade Ela destaca abordagens sociais e históricas
que se impõe a eles ...”. que romperam com as estratégias do positivis-
Em relação à visão de Durkheim, Minayo mo e as insuficiências de macro e microteorias
(1994) observa que essa concepção positivista sociais. O desafio do conhecimento também
tem sido bastante criticada. Segundo a autora, passa por esse reconhecimento das posturas e
do ponto de vista da sociologia compreensiva e adesões teórico-metodológicas e seus interesses.
da abordagem fenomenológica, a crítica que se Por um outro lado, essa mesma trajetória
ressalta é a que questiona o poder de coerção, histórica tem apontado para novas posições e
quase que absoluto, atribuído à sociedade so- disposições de elaboração do conhecimento
bre os indivíduos. Já do ponto de vista marxis- sobre o processo saúde-doença. E aqui temos
ta, “a visão durkheimiana elimina o pluralismo o cuidado de não esvaziar a idéia de processo,
fundamental da realidade social, em particular sob pena de cair em uma conceituação passí-
as lutas e antagonismos de classe” (Minayo, vel de neutralização, como é a noção de doen-
1994:92). ça clínica (disease). Não se trata de encontrar
Moscovici (1978), partindo do conceito de ou produzir conceitos palatáveis para a análi-
representações coletivas de Durkheim, cria uma se. O recorte dos objetos biossociais reflete es-
teoria das representações sociais. Farr (1994), sa dificuldade na incorporação do processo
ao diferenciar esses dois conceitos, destaca humano e sua complexidade. Trata-se, sim, de
que o de Durkheim é mais apropriado para um buscar o refinamento da análise.
contexto de sociedades menos complexas, en- Queiroz (2000), considerando as diferentes
quanto o de Moscovici (1978:44-45) se volta pa- abordagens nos campos da sociologia e da an-
ra as sociedades modernas, que “são caracteri- tropologia, observa que a ênfase do conceito
zadas por seu pluralismo e pela rapidez com de representação social, dependendo do pris-
que as mudanças econômicas, políticas e cultu- ma teórico adotado, se desloca de um âmbito
rais ocorrem. Há, nos dias de hoje, poucas repre- objetivo e estrutural para um âmbito em que
sentações que são verdadeiramente coletivas”. predomina a subjetividade.
A teoria de Moscovici (1978:48) partiu da Uma das tentativas, no campo das ciências
premissa de que não há “um corte dado entre o sociais, de articular os pólos estrutural e subje-
universo exterior e o universo do indivíduo (ou tivo das RS, é conceito de habitus de Bourdieu
do grupo)”, chamando a atenção para a inter- (1992, 1998). Para o autor, esse conceito se re-
relação entre sujeito e não-sujeito, e sujeito e fere a um conhecimento adquirido, um haver,
outro sujeito. um capital, indicando “uma disposição incor-
Segundo Herzlich, a noção de RS de Mosco- porada, quase postural” (Bourdieu, 1998:61).
vici é uma tentativa de tratar a influência recí- Para ele, diferentemente da palavra “hábito”,
proca da estrutura social e a do sujeito. No en- que se associa a algo cristalizado, a expressão
tanto, sua ênfase tendeu mais para um lado: “a habitus envolve uma capacidade criadora, ati-
reflexão se apoiava mais no sujeito ativo, cons- va e inventiva. Dentro desse raciocínio, o sujei-
trutor do mundo a partir dos materiais que a to receberia e reinventaria a “herança” para a
sociedade lhe fornece, do que na própria estru- formação do habitus.
tura social” (Herzlich, 1991:24). O estudo das RS passa, então, pela recons-
Minayo (1992, 1994) trabalha o conceito de trução do intersubjetivo concomitante com a
representações sociais dentro da sociologia trajetória da produção e reprodução de um tex-
clássica, ampliando o debate acerca da temáti- to socialmente constituído e com determinada
ca em questão. A autora faz uma análise de co- permanência e pertinência – lugar da negocia-
mo essa expressão, para além da concepção de ção e da co-presença dos autores sobre este pro-
Durkheim, pode ser compreendida com base cesso de adoecimento. A adoção de um recorte
em diferentes pontos de vista de outros teóri- macroteórico envolve o seu revés e vice-versa.
cos, a exemplo de Marx, Weber e Schutz, mes- Como se expressaria este acontecimento e
mo que estes não tenham explicitamente tra- como seria possível entendê-lo? A idéia de tex-
balhado com esse conceito. to, como fixação escrita do discurso, permite

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a reabilitação das teorias do discurso em sua experiências e ideologias, o que lhes dá identi-
atualização temporal, contemplando o sentido dade própria e interesses comuns. É preciso
da mensagem, que persiste e deve ser com- tornar clara a relação entre formas representa-
preendido. cionais e práticas sociais, pois a crise das RS
“A compreensão deve preceder, acompanhar deu visibilidade ao fenômeno das comunida-
e fechar a explicação, envolvendo-a completa- des interpretativas (Rabinow, 1999).
mente, possibilitando a apropriação do sentido Ainda com base em Velho (1995), esse novo
posto a descoberto pela etapa metodológica e jogo admite agora duas posições singulares. A
abrindo-a em direção à existência, ao ontológi- primeira se refere à necessidade de direciona-
co. Neste sentido, ela introduz uma intersubjeti- mento da análise para o resgate do que se pode
vidade irredutível no processo de interpretação, chamar de narrativa social, onde as RS expres-
um componente específico” (Costa, 1995:66). sam ou enunciam trajetórias, biografias e esti-
A dialética explicação-compreensão permi- los de vida, compreendidos para além do diá-
te que o processo interpretativo aplicado ao logo intersubjetivo. Isso exige um posiciona-
texto escrito direcione-se para a elucidação e mento do intérprete tanto em relação ao con-
tratamento científico da ação humana. Esta as- texto emergencial do discurso quanto ao con-
sume uma dimensão inter-humana e histórica. texto da produção material e simbólica da ex-
O texto escrito marca o tempo social e registra- periência dos sujeitos. Com isso, afasta-se a re-
se na história, podendo ser atualizado em dife- dução da realidade às RS, tomando o texto co-
rentes situações. O agir é uma obra aberta cu- mo lócus privilegiado de análise. A segunda po-
jos efeitos escapam ao controle de seus agen- sição decorre da primeira, pois a categorização
tes e cuja significação é dada pelas sucessivas que permite obter uma representação é uma
interpretações (Costa, 1995). modelagem e, como tal, não é explicativa em
Velho (1995), discutindo a noção de cativei- si, permitindo apenas que se caminhe para a
ro em sociedades camponesas, observa a perti- exploração intensiva e extensiva dos significa-
nência de análises sobre RS que possam ultra- dos compartilhados, dado que existe o que se
passar os limites de contextos de observação pode entender por texto e os graus de liberda-
restritos à imediaticidade dos significados atri- de deste em relação aos eventos.
buídos aos eventos. A lógica de formação das As RS se expressariam nas relações even-
RS exigiria a emergência de uma condição ex- tuais mas não se reificariam. A representação
tra-intencional, para além dos significados atri- não pode representar, pode apenas indicar uma
buídos em um processo de interação social. Es- linha de interpretação possível em que o liame
se contexto é a ampliação do sentido do texto, das interpretações pode ser novamente colo-
apontando para eventos marcantes, que têm cado e deslocado em seguida até que permita
permanência temporal e permitem a re-signifi- fazer falar e demonstrar uma relação possível
cação de sentidos presentes em novos contex- entre eventos e modelos propostos.
tos sociais. O texto, nessa linha de reflexão, A resposta sobre quais seriam as RS a res-
pontua e marca os eventos, fixando uma leitu- peito de algo tem implicações históricas, certa-
ra modelar, que permite saltar da análise para mente, mas a diversidade não pode ser sinteti-
o contexto, para outros sentidos. zada pela autoridade do interpretante (Clif-
As RS, que pareciam se formar a partir da ford, 1998), nem pela apreensão imediata da
autoridade (e autoria) do intérprete, seja ele particularidade histórica do evento. O jogo de
pesquisador ou pesquisado, têm de se remeter interpretações deve caminhar para a percep-
para a situação que as envolve. Entendemos ção de uma abertura possível, em que as RS são
por situação uma complexidade que só se cons- sustentadas por condições mediadas cultural-
titui pela fina análise de narrativas pessoais e mente ou pré-textos.
de narrativas de personagens e eventos mar- E aqui reencontramos algumas colocações
cantes. Nesse sentido, contempla-se a história de Minayo (1992), que estabelece uma propos-
pessoal e a história social. A leitura do mundo ta de análise, a hermenêutica-dialética, que
narrado vem a exigir uma retomada do discur- busca reconhecer o lugar da pertença e da pre-
so textualmente considerado (situação imedia- sença do Outro. As escolhas científicas são tam-
ta) e do discurso contextualmente estabelecido bém posturas ideológicas que afirmam um
(eventos marcantes). Em realidade, o jogo de ponto de vista interpretativo sobre o objeto e
produção e reprodução das RS situa um habi- dialogam com as interpretações complexas que
tus que implica, necessariamente, pensar a o circundam. As RS são aqui também propos-
produção de significados com base em um co- tas de investigação, de negociação e de apro-
letivo que interpreta os eventos do mundo vi- fundamento. O deslocamento teórico do obje-
vido. Esse conjunto de intérpretes compartilha to é sua politização também. A luz que se pro-

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jeta sobre o objeto é sempre uma força que o samento neomarxista, se esforçam para enten-
mobiliza e o constitui, instruindo-o, deslocan- der questões de saúde à luz de forças políticas
do-o e referenciando um novo lugar, sempre e econômicas que padronizam relações inter-
provisório. Como coloca Bourdieu (1996), o pessoais, moldam comportamentos sociais, ge-
campo é político. ram significados socialmente compartilhados
Retomando a discussão das representações e condicionam experiências coletivas. Essas in-
sociais da doença, assinalamos que já há um vestigações, em vez de se voltarem para a cons-
vasto conjunto de estudos que trabalham com trução cultural da doença, focalizam a produ-
essa temática, tanto em nível internacional, co- ção social da doença. Assim, nesse âmbito, ques-
mo no âmbito nacional. No interior desse con- tiona-se quando as representações de doença
junto, destacamos que, do ponto de vista da são realmente mal representadas e de que for-
antropologia médica, a leitura de Good (1994) ma servem aos interesses daqueles que se en-
pode ampliar a discussão sobre a temática em contram no poder. Para isso, a análise da repre-
questão. Segundo o autor, no interior do deba- sentação de doença se encaminha para um
te atual, ressaltam-se quatro abordagens das desmascaramento crítico dos interesses domi-
representações da doença. nantes.
A primeira abordagem, que segue o para- Good (1994) observa que doença e sofri-
digma da tradição empirista, segundo o autor, mento humano não podem ser vistos por uma
procura compreender as representações de do- única perspectiva e que as posições teóricas
ença com base nas crenças presentes no sen- atuais continuam desenvolvendo conversações
so-comum. Nesse ponto de vista, a doença é que fazem avançar a discussão dessas ques-
entendida como algo natural, sendo separada tões. Com essas considerações, o autor ressalta
da consciência humana. A análise de crenças que não deseja promover uma dialética das di-
populares, utilizada como informação ou co- ferenças teóricas para chegar a sínteses admi-
mo explicação, sugere uma neutralidade políti- ráveis. Ele deseja assegurar a pluralidade de
ca e psicológica. pontos de vista.
A segunda se orienta por uma visão da an-
tropologia cognitiva, que se volta, entre outros
aspectos, para a investigação de como a lingua- Aspectos da experiência da doença
gem e a cultura estruturam a percepção. Estu-
dos que compõem essa linha de pensamento Antes de falarmos da experiência da doença,
podem ser vistos como uma crítica às descri- faremos um rápido parêntese sobre o conceito
ções generalizadas de crenças de doença e con- de doença. Sobre isso, Laplantine (1991:15)
jecturas de que as crenças culturais são con- chama atenção para o fato de a língua francesa
sensuais. Entre suas vertentes, há o posiciona- só dispor de um vocábulo (maladie) para de-
mento que situa as representações de doença signar a doença, enquanto na língua inglesa há
em termos mentalísticos, abstraídos do conhe- três expressões: “disease (a doença tal como ela
cimento incorporado, da influência e das for- é apreendida pelo conhecimento médico), ill-
ças sociais e históricas que moldam significa- ness (a doença como é experimentada pelo
dos de doença. Assim, os modelos de doença doente) e sickness, (um estado muito menos
são estudados em termos formais e semânticos. grave e mais incerto que o precedente [...] de
Na terceira abordagem, qualificada como maneira mais geral, o mal-estar)”.
interpretativa, as representações de doença O autor destaca também que a expressão
são vistas como culturalmente constituídas, illness pode ser entendida por dois pontos de
centrando-se no seu significado. Os estudos in- vista clássicos: doença-sujeito e doença-socie-
terpretativos, em geral, procuram articular cul- dade, refletindo, respectivamente, a experiên-
tura e doença, entendendo que a doença não é cia subjetiva do doente e comportamentos só-
uma entidade mas um modelo explicativo. Nes- cio-culturais ligados à doença. Para integrar as
se sentido, ao invés de centrar os estudos nas noções de doença-objeto (disease), doença-su-
representações em si, essa abordagem vem in- jeito (um ponto de vista de illness) e doença-
vestigando como significados e práticas inter- sociedade (outro ponto de vista de illness), ele
pretativas interagem como processos sociais, propõe que se avance no debate de sickness,
psicológicos e fisiológicos para produzir formas uma vez que essa terminologia pode articular,
distintas de doença e trajetórias de doença. ao mesmo tempo, “as condições sociais, históri-
Por último, destaca-se a chamada aborda- cas e culturais de elaboração das representações
gem crítica, que entende as representações de do doente e das representações do médico e isso
doença como mistificação. Os estudos dentro qualquer que seja a sociedade considerada” (La-
dessa abordagem, em geral baseados no pen- plantine, 1991:16-17).

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No presente estudo, entendemos doença no etnográfico) faz da narrativa que supõe (ou ten-
sentido predominantemente refletido na ex- ta) controlar.
pressão illness, sem contudo estabelecermos O conceito de experiência ganha, então,
dicotomia entre os pontos de vista de ser uma uma outra perspectiva, a de experiência social-
experiência subjetiva ou um comportamento mente constituída, na qual se apresentam es-
sócio-cultural, referidos por Laplantine (1991). tratégias que só são passíveis de análise quan-
Aqui empregamos doença ou enfermidade co- do se expressam como narração individual e
mo reflexo da combinação de aspectos da ex- intersubjetiva (portanto social), mas entenden-
periência dos indivíduos e situações sócio-cul- do nessa condição a presença de uma situação
turais. Isso, por sua vez, não significa que des- dialógica (e dialética). Os significados são ne-
consideremos os aspectos biológicos presentes gociados também em um espaço comunicacio-
no processo do adoecer. Assim, junto a esses nal e político, em que a enunciação coletiva re-
aspectos, buscamos desenvolver uma perspec- flete a atualização de um universo discursivo e
tiva interdisciplinar na abordagem da enfermi- experiências vividas e projetadas. O jogo das
dade. escolhas narrativas deve refletir essa tomada
A enfermidade seria, então, o modelo que de posição sobre como cada sujeito e comuni-
permitiria a mediação possível entre os partici- dade exercita o lugar da enfermidade (Hydén,
pantes, que jogam com seus saberes e admi- 1997).
tem uma certa lógica de condutas e práticas. Alves & Rabelo (1999) discutem de forma
Esse roteiro da experiência da enfermidade es- interessante o lugar das narrativas e das metá-
tá delimitado por um contexto finito de inter- foras como condição e método para entender a
pretações, que se sustenta em eventos marcan- experiência da enfermidade, já apostando em
tes e com anterioridade em suas vidas. É tam- uma outra circunscrição metodológica, na qual
bém a idéia de que o texto é uma espécie de as narrativas expressariam as relações inter-
modelo que teria uma relação direta com os subjetivas (e os caminhos de sua produção-re-
eventos. produção) e os enunciados metafóricos expres-
O que pode permanecer como base de in- sariam tensões, conflitos e absurdidades, per-
terpretação para os eventos que se sucedem mitindo a criação de novos significados contra
não é somente o modelo (disease ou illness) ou os usos estabelecidos pela linguagem. A narra-
o evento (a presença da doença), ou, ainda, a ção e a compreensão dos enunciados metafóri-
interação (os significados imediatos ao esto- cos nela presentes, pela própria situação de in-
que de conhecimento ou aqueles negociados a terlocução, incluem o mundo da intersubjeti-
partir da emergência da doença). Nem mesmo vidade e as situações sociais e suas interações.
é um somatório de tudo isso. A lógica da análi- A análise de Alves & Rabelo (1999) nos é útil
se social sobre a complexidade da experiência em termos de referência conceitual. Segundo
da enfermidade está em outro percurso meto- os autores, a experiência da enfermidade é en-
dológico: são as estratégias ou bricolagens que tendida como a “forma pela qual os indivíduos
se formam entre pré-textos, textos, eventos e situam-se perante ou assumem a situação de
significados expressos nos mais diversos su- doença, conferindo-lhe significados e desenvol-
portes discursivos (lingüísticos e corporais), vendo modos rotineiros de lidar com a situa-
comunicados e negociados socialmente. ção” (Alves & Rabelo, 1999:171). Eles assinalam,
As RS, então, passam a expressar estratégias ainda, que “as respostas aos problemas criados
e experiências humanas, tanto particulares pela doença constituem-se socialmente e reme-
quanto universais. As RS e as categorias que as tem diretamente a um mundo compartilhado
sintetizam só podem ser pensadas com base de práticas, crenças e valores” (Alves & Rabelo,
nas instâncias de regulação que permitem sua 1999:171).
formação, não mais como categorias explicati- Seguindo esse raciocínio, não podemos dei-
vas, mas como o lugar do verdadeiro ou das xar de comentar que a superação das limita-
narrativas científicas vigentes (Rabinow, 1999). ções analíticas das RS deve também passar por
A compreensão dos significados exige um mo- um outro crivo metodológico que se superpõe
vimento da interpretação sobre a experiência, ao emprego de análise de narrativas. Esse as-
entendendo que esta é um processo de feed- pecto é a percepção concreta do universo do
back do próprio processo de interação. Os re- outro a partir dos referenciais dele, dos modos
cortes sobre este processo serão, mesmo quan- de condução do cotidiano em que vive – e aqui
do científicos, necessariamente ideológicos, podemos falar do uso de etnométodos como
como Clifford (1998) destaca sobre o persona- contexto de observação. Para Garfinkel (1999),
gem Nisa e as escolhas textuais que o pesqui- os etnométodos se relacionam aos modos uti-
sador (como mais um modelo no experimento lizados pelos indivíduos para atribuir sentidos

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A EXPERIÊNCIA DA DOENÇA 1213

às ações cotidianas. Os estudos com base etno- de que os contém, sem, contudo, a eles se re-
metodológica ajudam a entender como a doen- duzir. Assim, na medida em que se consegue ir
ça se agrega ao dia-a-dia das pessoas, transfor- para além das falas e das ações em geral, a arti-
mando-o significativamente. A doença age co- culação entre o representado e o vivido do ser
mo fator de ruptura de um fluxo cotidiano, fa- doente pode ser conseguida e servir de base
zendo com que a pessoa enferma e seus fami- para políticas e ações que contemplem os su-
liares necessitem de nova reorganização das jeitos para os quais se estas destinam.
suas atividades diárias. Para podermos ultrapassar as falas e ações
observadas, recorremos a Bardin (1979), que
nos alerta sobre a necessidade de nos deslocar-
Considerações finais: princípios para mos da descrição (enumeração das caracterís-
um avanço de métodos na compreensão ticas da fala e das ações observadas) para a in-
do processo do adoecer terpretação (a significação concedida a essas
características). Segundo o autor, mediando
Com base na etnometodologia, alguns princí- esse deslocamento temos a inferência, enten-
pios podem ser adotados como contexto de dida como operação pela qual se aceita uma
observação: (a) a normalidade percebida, na proposição em virtude de sua relação com ou-
qual os indivíduos expressam-se em termos tras propriedades já aceitas como verdadeiras.
práticos, o experienciado e o expectado; (b) a Fazemos inferência, formulando perguntas co-
“indexicalidade”, em que se apresentam aspec- mo: O que conduziu a um determinado enun-
tos da realidade como fatores contextuais, os ciado? Quais as prováveis conseqüências que
quais são indexados a situações potenciais, cu- um determinado enunciado provocará? Esse
jo sentido está ligado a uma certa inteligibili- questionamento pode ser resumido na formu-
dade prévia, dando a entender que um sinal lação clássica: quem diz o que, a quem, como e
pode ter significados diferentes em contextos com que efeito?
diferentes; (c) a descrição ou releitura que os A nossa experiência sobre essa forma de
indivíduos fazem de sua posição no mundo e tratar os sentidos da doença se encontra em fa-
dos fatos constitutivos, por meio de uma lin- se ainda exploratória. Mesmo assim, sugerimos
guagem comum que reflete um determinado princípios em busca de um percurso metodo-
senso comum cotidiano; (d) ser membro de um lógico adequado:
grupo, implicando responder de forma imedia- • Promover uma compressão da “indexicali-
ta às regras constitutivas das particularidades dade” das representações e das vivências da
inerentes às práticas sociais cotidianas (Tedes- doença, situando as expressões dos sujeitos no
co, 1999). Esses princípios podem ser caminhos contexto em que tais aspectos foram produzi-
para o refinamento da observação de campo dos.
aplicada ao processo saúde/doença, na re- • Fazer uma releitura da descrição que os su-
constituição da experiência da enfermidade. jeitos fazem, em suas narrativas, sobre a sua
As insuficiências geradas pelas estratégias posição em face da doença, em específico, e do
de análise instrumental das RS no processo de mundo em geral.
adoecer podem ser superadas quando contem- • Com base nessa descrição, fazer inferências
plamos os seguintes aspectos: (a) maior per- para se articular o experienciado e o expectado
manência do pesquisador em campo, evitando da doença presente no quotidiano dos sujeitos.
assim os estudos-relâmpago de pouca imersão • Partindo das inferências, interpretar os sen-
na realidade vivida e no mundo dos sujeitos; tidos subjacentes ao que os sujeitos represen-
(b) apreensão do estoque de conhecimentos tam e vivenciam, a fim de se chegar à compre-
dos sujeitos e do contexto de um habitus que ensão das regras constitutivas das particulari-
só se revela pela compreensão de um mundo dades inerentes à doença, do ponto de vista
da práxis; (c) elaboração de um raciocínio so- das práticas sociais quotidianas.
ciológico sofisticado que contemple a crítica Acreditamos que esses princípios possam ir
sobre o impacto dos enunciados formais na ex- ao encontro da necessidade de articularmos a
plicação e compreensão da complexidade em- experiência da doença e seu contexto de pro-
pírica dos objetos (Passeron, 1995). dução material e simbólica. Na medida em que
Com base nessa perspectiva teórico-meto- avancemos mais nessa direção, poderemos tra-
dológica, a compreensão do adoecer não ocor- zer subsídios para que as políticas e ações em
re apenas a partir dos enunciados das narrati- saúde possam contemplar mais os sujeitos pa-
vas dos sujeitos da doença. Esses enunciados, ra os quais estas se direcionam.
em específico, e a narrativa, em geral, devem
ser entendidos como recortes de uma realida-

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1207-1214, set-out, 2002


1214 GOMES, R.; MENDONÇA, E. A. & PONTES, M. L.

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Aprovado em 26 de dezembro de 2001

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1207-1214, set-out, 2002

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