Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
A FALÊNCIA DA PENA DE
PRISÃO
Recife-2000
*
Este texto obteve o primeiro lugar no Concurso, concedido pel a banca “a”, que
lhe atribuiu média nove.
1
SUMÁRIO
1.
Introdução..............................................................................................
2. A finalidade da
pena................................................................................5
....................................................8
4. Possibilidades de
progresso....................................................................12
4.1.
Teorias..........................................................................................12
comunidade..................................14
brasileira.................................................18
6.
Conclusões...........................................................................................21
7. Referências
bibliográficas.......................................................................23
2
1. INTRODUÇÃO
sociedade e esta da daquele. Há brocardos latinos que exemplificam esta realidade “ubi
societas, ibi jus” ou “ubi homo, ibi jus”. O Direito tem, destarte, um papel de controle social.
engendram uma sanção. Vale lembrar, como acentua Damásio de Jesus, que, entre os
ilícitos penais e civis, inexiste diferença ontológica. Por uma questão de política legislativa,
elevam-se à categoria de crime os fatos que possuem uma reprovabilidade social maior. O
agir através de conduta tipificada como delito resultará na imposição de uma pena.1 Já se
afirmou que “a história da pena é a história de sua constante abolição”2 . Talvez fosse mais
correto afirmar-se que, em lugar de estar sendo abolida, a pena vem sofrendo uma
1
Damásio de Jesus ensina que, até o tempo de Binding, pensava-se que cometia crime quem violava uma norma penal.
Depois deste pensamento, ficou claro que o crime é a realização da conduta descrita pela lei penal O que se viola é um
mandamento superior.
3
Sucede, todavia, que a pena privativa de liberdade vem sofrendo muitos
o descrédito da prisão, sua inidoneidade para reins erir alguém no convívio social. Pretende-
se, além disso, apresentar críticas ao paradoxal modelo legislativo pátrio, bem como sugerir
conjuntura.
2. A FINALIDADE DA PENA
liberdade, mister se faz que se procure justificativas para a pena a fim de averiguar se os
retribucionista ou absoluta. Por esta interpretação, a sanção seria um fim em si mesma. Não
existiria um porquê para a sua aplicação. Seria um imperativo de justiça : aplicar-se ia a pena
em razão de o indivíduo ter cometido um ilícito penal. Segundo Sérgio Salomão Shecaira3 ,
as demais conseqüências, como intimidação e correção, para os adeptos desta teoria, não
estariam ligadas à natureza da pena. Os maiores expoentes desta corrente são Kant e
Hegel. A primeira crítica feita a esta teoria é que não restringe os limites da pena,
disto, para se justificar a teoria absoluta, precisa-se de um ato de fé, pois seria a forma de
2
Von Ihering, apud SHECAIRA, Sérgio; CORRÊA Júnior. Pena e Constituição , p. 18.
3
ob. cit. pg. 38.
4
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal, p. 18
4
especial . Esta, cujo maior teórico é Von Liszt, visa a impedir o cometimento de um outro
delito por parte de um indivíduo; aquela, que tem em Feuerbach seu maior nome, coibir os
padecem de defeitos que diminuem a sua veracidade. Vale gizar que em ambas inexiste um
reincidência faz ruir a teoria. Roxin também questiona qual seria a autoridade de uma
Assim, vê-se que as teorias contêm defeitos insanáveis. Há, por outro lado,
ao cometerem delitos, devem sofrer uma sanção retributiva. Tratar-se-á disto mais tarde,
5
Em relação à etimologia, Romeu Falconi prefere chamar este processo de reinserção em lugar de ressocialização.
6
Esquece-se que todos são passíveis de cometer delitos. O estudante que tira cópia de determinada obra está, ainda que
não saiba, cometendo uma infração penal.
5
através de um processo que salvaguarda a autonomia da personalidade e que,
7
ROXIN, Claus. ob. cit. p.40.
8
Neste sentido, importante lição de MIRABETE. Quando o preso não puder trabalhar e isto decorrer das limitações do
sistema penitenciário, dever-s e-á conceder a remição de pena, porque o d etento não pode ser prejudicado pela ausência de
condições do lugar onde cumpre pena.
6
quando chegar o dia da libertação. Na prisão, os homens são
despersonalizados e dessocializados”.9
Esta situação decorre do fato de haver muitos presos, e pouca verba para
governamentais, que o custo médio mensal por preso é de cinco salários mínimos.1 0 Este é
outro agravante;
condutas, poder-se-ia investir na formação das pessoas e evitar que esta enveredassem
pelo mundo da marginalidade. Nils Christie afirma, ainda, que há uma verdadeira indústria
ainda que se afastando o determinismo mesológico de Hipolit Taine, estão mais propensas a
delinqüir. Além disso, há a notícia de que noventa e sete por cento dos presos não puderam
que tal seja algo facilmente superável: ainda que o próprio Deus ditasse as leis,
ainda que os juízes fossem santos, ..., ainda assim o direi to- e o direito penal
formal ou jurídica não anula a desigualdade material que lhe subjaz. O direito
9
HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline. Penas Perdidas, p.63.
10
LEMGRUBER, Lúcia. Os riscos do uso indiscriminado da pena privativa de liberdade. Revista do conselho nacional de
política criminal e penitenciária. Nª 7. p.19. A mesma professora mostra exemplos de flagrante insensatez ocorridos no Rio
de Janeiro : à pessoa que furtou dois pacotes de fraldas foi imposta uma pena de reclusão de três anos; a quem furtou um
galo de b riga, quatro anos.
7
veículo de afirmação e reprodução de desigualdades sociais reais, pois a ficção
cometidos, poucos chegam a ser sancionados. Há muitos inquéritos que não seguem
adiante, muitas denúncias que não são oferecidas e muitas sentenças absolutórias. Os
humilha-se, mata-se. Os exemplos mais concretos deste quadro são Vigário Geral,
“Atos não são, eles se tornam alguma coisa. O mesmo acontece com o
crime. O crime não existe. É criado. Primeiro, existem atos. Segue-se depois
11
QUEIROZ, Paulo. Do caráter subsidiário, p.30.
12
Atualmente, depois dos ataques dos cães pit bull, já se pensou em punir penalmente quem andar com este cachorro sem
proteções. Como a lei só se aplica a esta raça, as outras continuam liberadas. Só os pit -bulls atacam ou é mais uma
manifestação casuística legislativa?
8
exemplos - as condições sociais são tais que criam resistências a identificar os
É o Direito Penal, assim, que cria o delito. Muitas vezes, não há razão
ontológica para punir determinada conduta. O poder de criar e sancionar é, assim, do direito
Penal.
Todas estas críticas revelam que, caso se queira que o direito penal continue
4. POSSIBILIDADES DE PROGRESSO
4.1. Teorias
Só deveria ser crime o fato que contém uma carga maior de reprovabilidade social. Não se
deve punir uma bagatela, uma insignificância. Viu-se que não é o fato de haver leis que
impede a ocorrência do delito. Também não tem relevância exasperar as penas. Lembre-se
conta com a impunidade, não por causa da lei, mas por causa da sorte. Se se
eficiente, é preciso que apenas poucas condutas sejam tidas como crime. Há, antes dele,
outras formas de controle como a religião, a comunidade local, a escola. O Direito Penal seria
13
CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime, p.30.
9
a última ratio, a última forma de socorro. Seria, pois, subsidiário.1 4 Ocorre, entretanto, que,
Veja-se o caso de, v.g., não prestar pensão alimentícia. Retorna-se à idéia de que, criando-
se crimes, exasperando-se penas, haverá uma redução da criminalidade. Isto , como se viu,
não é verdadeiro.1 5
Numa outra óptica, ainda mais revolucionária, a solução seria acabar com o
falso consenso, unem os órgãos de uma máquina cega cujo objeto mesmo é
pensar. Porém é igualmente utópico crer-se num molde de sistema penal que já se mostrou
falido. Tome-se como exemplo o artigo 88 da Lei de Execuções Penais. Positivou-se que a
uma área mínima de seis metros quadrados. Isto, comparado à realidade que assola os
revolucionário ao extremo. Seria de bom alvitre, contudo, reduzir o núcleo do sistema penal
14
QUEIROZ, Paulo de Souza. Ob. cit., passim.
15
Interessante é a passagem de Jeffery: “ (...) mais leis, mais penas, mais policiais, mais juízes, mais prisões significa mais presos,
mas não necessariamente menos delitos. ”Apud QUEIROZ, Paulo, ob. cit., p.29.
10
Uma solução viável para as amarguras do cárcere é a aplicação de penas
alternativas. Houve, recentemente, a ampliação do rol destas penas, através da Lei 9714, de
e a população - as aplique. Luiz Flávio Gomes, em prefácio ao livro de Nils Chris tie,1 7 traz a
notícia de que, no Brasil, apenas 2% dos condenados cumprem penas alternativas. Tecendo
uma análise comparada, vê-se que Alemanha, Cuba e Japão as aplicam em 85% das
tais penas não são utilizadas porquanto há uma idéia errônea de que esta forma de
pena real e, além do mais, possibilita melhorias sociais em diversos aspectos. Vê-se, por
liberdade gira em torno dos 85% - ainda segundo o professor Luiz Flávio Gomes. A
economia também é notada, vez que o cárcere demanda muito mais verbas que as penas
alternativas. Não fossem estes dois argumentos suficientes, resta o fato de, v.g., a
prestação de serviços à comunidade ser mais interessante para todos que a prisão.1 9
16
HULSMAN, Louk. Ob. cit. p. 91.
17
CHRISTIE, Nils. Ob.cit. p. XVI
18
Apesar disso, esta nação ainda possui a ma ior população carcerária do mundo. Isto mostra que é necessário ir além das
penas alternativas.
11
aqueles que acionam a máquina e conhecem seu horror se dizem impotentes
situações?”20
José dos Campos, no interior de São Paulo. Esta associação já está se expandindo a nível
internacional.
penas alternativas. Existe, no entanto, uma consciência popular de que o criminoso deve ser
Pimentel:
“Em eras passadas, o louco era punido como se fosse capaz de assimilar o
também deve ser olhado como alguém que precisa de tratamento e não de
castigo.” 21
Este deveria ser o papel da sociedade : colaborar para o fiel cumprimento das
penas. Todavia perdura uma marca nefasta da vingança privada, como ocorrem em
linchamentos tais qual o de Seabra, no interior da Bahia. A primeira mudança precisa ser,
assim, no espírito de todos. Não bastasse este problema na consciência popular, os meios
19
O próprio legislador reconheceu esta necessidade, ao determinar, no número 26 da exposição geral de motivos, a restrição
da pena privativa de liberdade aos c asos de reconhecida necessidade.
20
HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat. Ob. cit., p.63.
12
de comunicação insistem em divulgar a mesma forma de pensar : “Foi errado, é caso de
polícia”, instigando os ânimos de todos. Recorde-se o fato ocorrido na Escola Base, de São
Paulo. A multidão revoltada destruiu o patrimônio de uma família contra a qual, até hoje,
nada se comprovou. Muitos ainda entendem que o remédio para os delitos é o aumento da
acabar com a concepção que a perda da liberdade é a solução para todos os males.
evoluindo. Houve as inovações introduzidas pela lei 9714/98. Antes, só cabia uma pena
alternativa se a sanção aplicada fosse inferior a dois anos. Agora, este limite máximo é de
21
PIMENTEL, Manoel Pedro. Estudos e Pareceres de Direito Penal, p.1
22
Não se pretende, aqui, entrar em detalhes, mas esta idéia pode ser, inclusive, mais interessante que a aplicação de medidas
alternativas.
13
exasperaram-se as penas e acabou-se com o regime progressivo. Veio o assassinato da
escândalo de remédios falsificados e esta conduta também passou a ser hedionda. Vê-se
aqui a clara demonstração de que a lei é elaborada de forma casuística2 3. Há uma comoção
através do decreto 2838/98, excluiu, no artigo 7º, II, os condenados por crimes hediondos
do benefício. Ora, os crimes como extorsão mediante seqüestro, atentado violento ao pudor
e estupro não eram tidos como hediondos até 1990. Não conceder o benefício a quem
cometeu estes delitos antes da vigência da lei é uma afronta ao princípio da anterioridade.
pouco importando se foram cometidos antes ou depois da norma que assim os definiu.
Curioso é ver-se que tal acórdão refere-se ao decreto 668/92. O decreto de 1998 continuou
Esta atitude marcada por antíteses reflete o modelo adotado pelo Brasil : a
escravatura. Várias foram as leis (como, v.g., a lei Saraiva Cotegipe e a Lei do Ventre Livre)
23
Espere-se, agora, a exasperação das penas previstas para o crime de extorsão mediante seqüestro. Imagina-se que isto fará
diminuir as taxas de incidência deste delito. A fim de comparar, deve-se ver se a lei 9426/96 trouxe algum resultado prático.
14
sedução no anteprojeto da parte especial do código penal, entendeu-se ser eficiente este
Necessário se faz, para que o Direito Penal não se torne esclerosado, que se
reveja a postura ao se legislar. É através das leis que podemos mudar este sistema
6. CONCLUSÕES
Pode-se ver, assim, que a pena privativa de liberdade está falida. Ela perdeu o
sentido, pois qualquer bagatela é punida com a reclusão ou detenção. Dever-se-ia aplicá-la
inúmeros problemas. Mudar esta realidade está na ordem do dia. É necessário que a
privação da liberdade seja o último recurso. A prisão, como se apresenta hoje, precisa
acabar.
mister se faz que se entenda a importância destas sanções. À sociedade cabe exigir esta
transformação. Com este intuito, é preciso fazer uma análise de consciência e excluir as
poucas pessoas nestas condições, seria viável oferecer um melhor tratamento. Não se pode
adotar uma postura contraditória que, em última análise, visa à manutenção deste quadro.
um sursis processual, muito mais econômico que qualquer outra medida. O indivíduo
15
submetido a esta situação teria de se comportar bem para evitar uma sanção mais rigorosa.
Além disso, permite que a pessoa permaneça no meio social, o que iria, sobretudo, diminuir
Talvez estas idéias pareçam heresias num primeiro momento, mas deve-se
eram cruéis. A restrição da liberdade representa uma dor que, no futuro, pode ser sinônimo
liberdade seja equiparada aos avanços do Talião. Entende-se que, conquanto violenta, a lei
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1996.
FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social ?. São Paulo : Ícone, 1998.
HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat. Penas perdidas: o sistema penal em questão.
JOBIM, Nélson. Penas alternativas: pontos para reflexão. Revista do Conselho Nacional de
JESUS, Damásio. Direito Penal . 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997.
16
MIOTTO, Arminda Bergamini. Temas Penitenciários. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1992.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 1997.
PIMENTEL, Manoel Pedro. Estudos e pareceres de direito penal . São Paulo: Editora Revista
SCHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JÚNIOR, Alceu. Pena e constituição. São Paulo:
17