Antropologia política medieval e Teoria do Poder Político
A primeira grande questão que o Professor Doutor António Pedro
Barbas Homem coloca em relação à Idade Média, é a “razão pela qual os homens consentem no poder?”. A sua resposta assenta no ponto de partida que Sócrates nos deixou com o estudo da natureza social do homem. Estudo esse que constatou que o Homem é um animal social, ou seja apenas consegue viver em sociedade, e o poder nasce dessa necessidade do homem, que para viver em sociedade precisa de organizá-la.
Os pressupostos da antropologia política ocidental, vão tornar-se
num dos alicerces das concepções jurídicas e filosóficas do ocidente. É a natureza do homem que justifica a sociedade, e não o contrário, no entanto, nenhuma sociedade pode governar-se a ela própria, tal como nenhum reino, república ou cidade, o que leva à necessidade de existir alguém que os governe.
Este poder que emerge, não é um poder representativo, pois ele
não representa, é um poder político. Por oposição a este poder, o despotismo é associado à ideia de um governo sem regras. Esta refutação, marca então uma ruptura clara com os despotismos orientais. Estes despotismos são considerados como a negação da Politica, e o despotismo é então associado a escravos e servos, enquanto a política representa os homens livres. O poder é também associado ao pecado, por autores como Santo Agostinho, a posição agostiana sobre o carácter pecaminoso do poder, afirma que o poder só surge devido à existência do pecado. Santo Agostinho afirma que Deus não quis que o homem fosse dominado pelo homem, o que levou a que o desejo de dominar aparecesse como intolerável.
No mesmo registo, em relação à necessidade humana da
existência do poder, vários autores relacionaram o poder e o pecado, autores como S.Agostinho, S. Gregório Magno ou S.Isidoro. É S. Agostinho que contraria a ideia do poder como factor de subsistência da sociedade, e encontra como alternativa a justificação de que é a Justiça a causa da sociedade e que sem ela não é possível a vida em sociedade, radica a ideia que sem Justiça os reinos são “quadrilhas de malfeitores”, como transcreve o senhor Professor António Pedro Barbas Homem no seu livro A Lei da Liberdade.
O poder segundo esta perspectiva é visto como consequência do
pecado e não como necessidade da natureza humana. S. Paulo vem ainda acrescentar que a raiz de todo o mal é a cobiça, relacionando esta afirmação com o poder como fruto do pecado. A origem do poder segundo S. Paulo , de todo o poder, está em Deus, mesmo o que é mau. Álvaro Pais, em o Espelho dos Reis, deixa ainda a referencia «que uma coisa é o poder, outra coisa é o abuso do poder», no entanto estabelece a ideia que a maldade dos homens determina a existência do poder, e cabe aos reis ou príncipes a função de afastar os maus homens das suas províncias
É aqui, nesta concepção da origem do poder como algo
pecaminoso, surge a amizade, ou seja a criação de laços entre os homens, como remédio para este mal dos homens. Também a compreensão da dimensão moral da vingança importa para a limitação do poder político dos governantes. A vingança era então entendida como uma dimensão moral da acção política legitima, o triunfo do moralismo surge devido ao trabalho da literatura penitencialista e da evolução moral e ética da vida em sociedade. Este triunfo por parte do moralismo ético, vai levar a condenação da vingança, através de um processo lento, mas que influenciou toda a Historia politica e jurídica da Humanidade. Esta condenação da vingança como acto legítimo, resulta também em conjunto com a obrigação moral da confissão, conseguida também por trabalho da literatura penitencialista mas também pela imposição da obrigação de confissão de todos os cristãos. Este conjunto de factores cumulativos explica a mudança do modo de lidar com a ira e a vingança, e significa também a formação em termos jurídicos de um dos princípios e alicerces do direito e da filosofia jurídica ocidental: o princípio da culpa.
Existe então um combate, como limitação do poder político dos
governantes e dos governados, ao livre exercício das paixões. Isto é, paixões do rei, com a proibição da ira régia, das paixões dos homens, com a proibição da vingança privada, das paixões dos juízes, com a proibição de julgar de acordo com a consciência, mas sim de acordo com o alegado e o provado. No entanto, tudo isto foi gradual. Outro factor que contribui para esta mudança moral ou ética na sociedade medieval, foi também o receio de que as vontades, carnais, espirituais ou prazenteiras, ou ainda a própria conduta humana levasse ao pecado, e consequentemente levasse às penas no inferno e o temor das penas da Lei, aliado ao desejo de recompensa e amor de Cristo. Alguns autores afirmam até, que este fenómeno designou a submissão dos homens à moral e à ética.
Em relação à origem divina do poder, os textos medievais
afirmam que segunda esta teoria, tudo o que existe na sociedade tem origem em Deus, logo o poder que nasce da necessidade intrínseca da sociedade, tem também origem em Deus. Dom Pedro, como refere o Professor Barbas Homem, recorda-nos as consequências da origem divina do poder dos reis, que é de extrema importância no exercício desse mesmo poder divino. Dom Pedro, afirma que este poder impede uma visão legalista do poder (através das leis), porque pe exercido à imagem de Cristo, ou seja por uma visão Cristológica. A consciência do príncipe cristão é inseparável da sua actuação politica. Esta importância dada a Deus que é visível na actuação politica, é também notória na invocação constante de Deus em textos legislativos, podendo estar também na sua influência a ameaça do Juízo final.
A Idade Média é também marcada por um forte Pluralismo
Institucional, que é também um pluralismo de fontes de Direito, são essas instituições a Igreja, o Rei, a Cúria Régia, as Ordens Religiosas, as Associações de âmbito Profissional, entre outras mais, são todas elas fontes de Direito pelo facto de todas serem produtoras de normas, normas essas que regiam e organizavam a sociedade medieval. Com crescimento exponencial da Igreja, existe agora confronto entre o Direito Canónico e o Direito Romano, por um lado uma fonte temporal, e por outro lado a fonte de uma poderosa instituição na Idade Média.
Surge também a Res Publica Christiana, que se baseia na ideia da
criação de uma autoridade supra-estatal, superior as unidades politicas particulares de todos os reinos cristãos, entidade essa, o Papa. O Papa está acima de todos, é o mais alto representante de Deus na Terra, e todos lhe prestam vassalagem, a sociedade torna- se numa sociedade antropomórfica, em que Deus é assemelhado ao homem, e que este tem algumas das suas características. Em relação ao Poder Jurisdicional, que era realizado sem qualquer tipo de verificação, coerência ou de maneira Justa, também foram feitas algumas alterações. Nas grandes propriedades os senhores feudais eram os juízes, e nas paróquias os padres também o eram. Existiu então uma necessidade de alterar esta situação, ou seja de dispersar a jurisdição real, para diminuir o excessivo poder e autoridade que os senhores das grandes terras detinham. Criaram-se então durante a Idade Média, os Juízes do Rei, estes Juízes de “fora”, eram mandados e espalhados pelas várias províncias como tentativa de acabar com os julgamentos arcaicos que eram realizados sem rigor técnico e jurídico.
O dever de obediência nasce da existência de poder devido à
necessidade da sociedade, este dever surge como uma relação sinalagmática entre os governantes e governados, o que se dá é o que se recebe, mesmo existindo autores que consideram que o dever é sempre para ser cumprido, quando o dever vai contra a reciprocidade dessa relação sinalagmática, existem institutos que conseguem defender os estratos sociais mais prejudicados, são eles o direito de resistência, a acção directa, a legítima defesa e o estado de necessidade.
De um modo geral, a Idade Média é muito marcado pela religião e
pelo empoderamento da Igreja, factor determinante para a construção das teorias do poder, para o próprio exercício desse poder, para a construção da ética e da moral da própria sociedade medieval, factor esse determinante também para toda a organização geográfica e politica europeia.
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