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Benito P. Damasceno,
Professor Associado, Dep. de Neurologia, FCM/UNICAMP
Nesta abordagem da mente humana vamos fazer uma síntese do que ela representa,
com base em achados da Psicologia, Neuropsicologia, Neurociência Cognitiva e
Psicolingüística Discursiva. Vamos concebê-la como uma atividade complexa, envolvendo
processos mentais e cerebrais interconexos (sua estrutura sistêmica), os quais representam o
mundo físico e social por meio de signos (sua natureza mediada, semiótica) e originam-se
mediante a internalização (apropriação) de ações e relações externas com as coisas e
pessoas, de forma condensada, generalizada, abstrata.
1. Estrutura sistêmica
vez com mais força. A gênese e a natureza do fenômeno psíquico não podem ser
encontradas nas profundezas do código genético nem nas alturas insondáveis do espírito,
mas no processo interacional da vida, tal como admitia Bakhtin 9 há mais de 60 anos, ao
analisar a consciência humana: “O psiquismo subjetivo localiza-se no limite do organismo
e do mundo exterior....É nessa região limítrofe que se dá o encontro entre o organismo e o
mundo exterior, mas esse encontro não é físico (direto): o organismo e o mundo encontram-
se no signo. A atividade psíquica constitui a expressão semiótica do contato entre o
organismo e o meio exterior”.
O homem é um ser consciente, ou seja, ele toma consciência de si e destaca-se de
sua própria atividade (“espelha-se”), atividade que é o processo de transformação recíproca
entre o sujeito e o objeto, em que o objeto vira sua forma subjetiva (imagem mental) e a
atividade do sujeito transforma-se em seus resultados objetivos (produtos); ou, de acordo
com Marx10 , “no processo de produção (trabalho social), o sujeito é objetivizado , e no
sujeito, o objeto é subjetivizado ”. Também de acordo com Marx11 , “não existe a
consciência (como “faculdade” mental isolada, das Bewusstsein), mas sim o ser consciente
(das bewusste Sein ); e o ser dos homens é o seu processo da vida real”. O ser é sua
atividade, que se apresenta simultaneamente em três formas interdependentes e
interconexas: objetal, mental e cerebral-organísmica.
Diferentemente do que ocorre no restante do mundo animal, a atividade consciente é
mediada por instrumentos de produção (ferramentas) e por instrumentos psicológicos
(signos da linguagem), ambos produtos da evolução histórico-cultural; e assim a relação do
indivíduo com a natureza é mediada pela relação entre ele e os outros indivíduos da
sociedade. O instrumento de trabalho e o signo lingüístico objetivam a relação homem-
natureza e homem-homem, sendo produtos sociais tanto pela sua origem quanto pelo seu
uso. Com eles, a transmissão da experiência de uma geração a outra deixa de ser biológica
(genética) e passa a ser sociocultural.
A atividade consciente é altamente dependente do neocórtex de associação,
principalmente o da região pré-frontal e da zona de superposição dos analisadores
sensoriais (temporo-parieto-occipital). Aqui referimo-nos ao nível mais complexo de
funcionamento da consciência, exclusivamente humano, que Damásio 12 chama de
3. Origem sócio-interacional
internalizando cada vez mais, tornando-se mental (linguagem interna, condensada na sua
forma e predicativa no seu conteúdo), e constituindo-se num instrumento poderoso de auto-
regulação e, portanto também, de controle dos pontos de vista, ações e comportamentos do
indivíduo pelo modo de produção e ideologia dominante da sociedade em que vive.
Neste período, com a aquisição da linguagem interna, ocorre a (re)construção
mental dos objetos, fenômenos e relações do mundo segundo um sistema de valores
exclusivamente humanos, bem como a transformação de funções psicológicas naturais (ou
seja, as formas de percepção, memória, raciocínio intelectual, etc., que compartilhamos
com os animais) em funções psicológicas culturais ou “superiores”.
Depois dos 6-7 anos, as zonas corticais terciárias continuam seu desenvolvimento
(embora mais lento) até pelo menos a adolescência, permitindo o raciocínio à base de
operações lógico-gramaticais, lógico-formais e discursivas, a capacidade de reflexão e
julgamento moral. A linguagem desempenha aqui papel relevante e decisivo. Quando
interagimos através da linguagem, sempre temos determinados objetivos, pretendemos
atuar sobre o(s) outro(s) e obter dele(s) determinadas reações ou comportamentos (verbais
ou não-verbais). Nas situações da vida real, o uso da linguagem é essencialmente
argumentativo, especialmente nas discussões, em que a criança tem que defender seus
pontos de vista contrariados pelo(s) outro(s), tem que ajustar suas argumentações às do(s)
outro(s); e assim ela aprende a usar conscientemente as conjunções (“operadores
argumentativos” de Ducrot),19 tais como “mas”, “senão”, “porque”, “se”, “embora”,
“entretanto”, “logo”, “portanto”, “desde que”, etc. Por um lado, as conjunções, ao
estabelecer relações entre proposições e idéias, permitem a construção da matriz lógica e
discursiva do pensamento. Por outro lado, a internalização das argumentações e contra-
argumentações dá origem à capacidade de refletir e tomar decisões. A reflexão é, na
realidade, uma discussão interior, um coro de “vozes” e opiniões dos outros. Desse modo, a
criança adquire novas funções psicológicas superiores e seus correspondentes sistemas
funcionais cerebrais.
Assim, nos diálogos e discussões da vida real, a criança constitui-se como sujeito
discursivo e pragmático, embora heterogêneo e, de certo modo, assujeitado, uma vez que a
sua tomada de decisão não é só sua, resultando também das opiniões dos outros sujeitos
que o integram.9,20 Nesse “jogo” do discurso, a criança aprende a respeitar as regras
Referências