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SERVIÇO SOCIAL
Ricardo Lara1
Introdução
Este estudo tem como objetivo analisar a produção teórica do Serviço Social
sobre o mundo do trabalho no período de 1996 a 2006, com ênfase nas principais
temáticas e tendências das investigações dos assistentes sociais. O Serviço Social com
seus programas de pós-graduação, núcleos de pesquisas e, respectivamente, seus meios
de publicitação de conhecimentos apresentam significativas investigações referente à
temática, que absorve expressiva relevância na produção teórica da área a partir de
1990.
O material de pesquisa são os artigos das revistas Serviço Social e Sociedade,
Debates Sociais, Serviço Social e Realidade e Praia Vermelha. O estudo é de caráter
bibliográfico com a técnica de análise temática e apóia-se no pressuposto de que a
produção do conhecimento torna-se relevante quando tem como meta a busca de
explicações das contradições da realidade social. Foram analisados 79 artigos das
revistas. A pesquisa apresenta o quadro sinóptico da produção do conhecimento do
Serviço Social sobre o mundo do trabalho e, o que é mais importante, demonstra as
mais diversificadas tendências de estudos que colaboram para os avanços teóricos da
profissão.
Objetivos
O mundo do trabalho é uma temática ampla e complexa que pressupõe opções
teóricas e políticas acerca de aspectos a serem abordados num estudo científico,
principalmente em razão de as investigações sobre o trabalho terem as mais variadas
abordagens nas ciências sociais e humanas.
Nosso objetivo é apresentar de forma introdutória resultados da pesquisa que
realizamos em nível de doutorado no programa de pós-graduação em Serviço Social da
Unesp/Franca. A pesquisa teve como objetivo analisar a produção teórica do Serviço
Social sobre o mundo do trabalho de 1996 a 2006. No estudo analisamos as principais
1
Professor Adjunto I do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Vales do Jequitinhonha e
Mucuri – UFVJM. E-mail: ricbrotas@terra.com.br.
temáticas e tendências das investigações dos assistentes sociais sobre o mundo do
trabalho.
Metodologia
Compreendemos o mundo do trabalho como o palco central da produção e da
reprodução da vida material e, conseqüentemente, o espaço – seja no campo, na fábrica
ou no setor de serviços – de intensa exploração dos trabalhadores que vendem sua força
de trabalho. As relações precarizadas de trabalho tomaram proporções alarmantes no
capitalismo contemporâneo, simultaneamente, o estranhamento intensificou-se no
conjunto da vida social.
Na investigação dos artigos das revistas Serviço Social e Sociedade; Debates
Sociais; Serviço Social e Realidade; Praia Vermelha, tivemos dificuldades em delimitar
o material de pesquisa, pois a partir de 1980 o Serviço Social começou a colher os
frutos do movimento de reconceituação2 e surgiram importantes investigações sobre as
mais variadas temáticas que tomam como pressuposto a centralidade do trabalho.
Portanto, restringimos a analisar os artigos que trazem como principal preocupação o
mundo do trabalho. A opção em investigar as citadas revistas ocorreu depois de uma
ampla pesquisa sobre os principais meios de publicitação do conhecimento em Serviço
social. A seguir justificamos a nossa escolha.
A revista Serviço Social e Sociedade tem sua presença no debate teórico do
Serviço Social há 28 anos, registrando parte significativa da trajetória histórica da
profissão. Atualmente é uma publicação de referência nacional e internacional, cujo
objetivo é levar aos profissionais de Serviço Social e áreas afins as últimas informações
sobre os mais diversos temas ligados à vida social. Definimos como recorte histórico da
pesquisa os anos de 1996 a 2006, por condensar significativos estudos e publicações do
Serviço Social sobre o mundo do trabalho. Um dos marcos que também influenciaram a
definição desse período foi a publicação da revista Serviço Social e Sociedade número
52, tendo como tema o mundo do trabalho. Observe a apresentação do Comitê Editorial
da revista:
Este número da revista Serviço Social e Sociedade está organizada em torna
da problemática do trabalho na sociedade capitalista contemporânea. O
2
Entendemos o movimento de reconceituação como a crítica desenvolvida pelos assistentes sociais,
contra o Serviço Social tradicional nos anos de 1960 e que se estendeu até inicio dos anos 1980. Esse
processo foi de fundamental importância para a profissão se aproximar de autores da tradição marxista
e iniciar de forma mais homogênea, no âmbito da formação e do exercício profissional, uma postura
crítica diante do capitalismo.
impacto desencadeado pelas mudanças nos processos produtivos atinge a
todos os países, ainda que com expressões e desdobramentos particulares e
diferenciados em cada um deles [...] fazer desta temática o eixo desta edição
não é casual. [...] A temática trabalho se desdobra pelos artigos, tanto na ótica
do seu rebatimento na prática do Serviço Social com diferentes segmentos
sociais, quanto através da contribuição de Lukács para a análise ontológica da
categoria trabalho. (p. 7-8, 1996).
3
A História do CBCISS tem sua origem como representante da Conferência Internacional de Bem-Estar
Social em 1962. O CBCISS tem relevância no cenário internacional, projetando-se como comitê e é
respeitado por seus trabalhos e contribuições relevantes.
trazer diz respeito à seguinte afirmação: se o Serviço Social for impreciso na apreensão
do mundo do trabalho, também ficará aquém ou além da realidade social nas propostas,
nas elaborações e execuções de políticas, programas e projetos sociais.
A pesquisa foi de cunho bibliográfico e buscamos pressupostos teóricos na
intelecção de mundo que se pauta na “[...] descrição ontológica do ser social sobre bases
materialistas [...].” (LUKÁCS, 1979, p. 14). Debruçamos sobre o material de pesquisa
não simplesmente para cumprir uma exigência acadêmica, mas, antes de tudo, para
construir um saber que nos fortaleça na compreensão das contradições da vida social,
que é orquestrada de forma destrutiva pelo sistema do capital. Esta forma de se inclinar
sobre um determinado “objeto de estudo” ou realidade social não se atém somente ao
empirismo pragmático propriamente dito, mas destaca o real como edificação
constituída historicamente e movido por rupturas que exigem novas superações no
confronto com o mundo dos homens.
Resultados
No estudo, não tivemos a pretensão de analisar as obras dos autores no seu
conjunto, que publicaram nas revistas pesquisadas, mas objetivamos lançar um olhar
sobre o “estado da arte” em relação à produção do conhecimento em Serviço Social sobre
o mundo do trabalho. Seria muita pretensão de nossa parte, analisar o pensamento social
dos autores, pois esta pesquisa se resume a estudar os artigos que, em sua maioria, são
sínteses de produções teóricas mais abrangentes.
Os artigos das revistas selecionadas que respondem pelos estudos sobre o mundo
do trabalho oferecem resultados de pesquisas e ensaios teóricos que compõem um
material bibliográfico de larga heterogeneidade. Inicialmente, nas análises dos artigos,
realizamos uma primeira leitura que possibilitou a elaboração dos eixos temáticos, o que
facilitou a exposição do conteúdo; em seguida, analisamos a particularidade de cada texto
e expusemos os objetivos e as principais considerações dos autores sobre os assuntos
investigados. Elaboramos os eixos temáticos por meio da análise temática, que respeitou
o objeto e os objetivos de estudo de cada artigo. Os eixos temáticos foram organizados a
partir do conteúdo do texto e não simplesmente pelos títulos dos artigos que, em muitos
casos, não correspondiam ao conteúdo.
Os eixos temáticos elaborados foram os seguintes: 1) trabalho e política social 2)
transformações do mundo do trabalho e reestruturação produtiva; 3) precarização do
trabalho, informalidade e desemprego; 4) Serviço Social de empresa; 5) trabalho infantil;
6) trabalho, sindicalismo e lutas; 7) processo de trabalho e Serviço Social; 8) centralidade
do trabalho; 9) trabalho feminino; 10) trabalho e qualidade de vida; 11) trabalho e
subjetividade; 12) trabalho e ética; 13) trabalho e pessoa com deficiência.
Elaboramos os eixos temáticos por necessidade de sistematização, organização e
clareza na exposição do conteúdo da bibliografia pesquisada. De forma alguma,
compreendemos o mundo do trabalho por meio de uma visão efêmera e fragmentada da
realidade social. As particularidades dos temas estudados e apresentados nos eixos
temáticos são entendidas no conjunto da produção e reprodução da vida social; a
perspectiva da totalidade não é simplesmente uma apropriação de caráter semântico, é,
acima de tudo, um esforço de interpretação dos nexos causais que se concretizam e
compõem de forma recíproca as intricadas contraditoriedades universais, particulares e
singulares que se afirmam e se negam na processualidade social do modo de produção
capitalista.
Os artigos selecionados das revistas, que respondem pelos estudos sobre o
mundo do trabalho, ofereceram resultados de pesquisas e ensaios teóricos que compõem
um material bibliográfico de vasta heterogeneidade e abrangência analítica.
Na apresentação dos eixos temáticos, trabalhamos a partir das principais
considerações dos autores sobre as questões abordadas e, na medida do possível,
realizamos comentários expondo nossa visão sobre os assuntos. O quadro apresenta a
síntese dos eixos temáticos elaborados para classificação dos artigos.
Eixo temático Número de Porcentagem %
artigos
1 Trabalho e política social 14 17,72%
2 Transformações do mundo do trabalho e reestruturação 11 13,92%
produtiva
3 Precarização do trabalho, informalidade e desemprego 11 13,92%
4 Serviço Social de empresa 09 11,39%
5 Trabalho infantil 06 7,59%
6 Trabalho, sindicalismo e lutas sociais 06 7,59%
7 Processo de trabalho e Serviço Social 05 6,32%
8 Centralidade do trabalho 05 6,32%
9 Trabalho e qualidade de vida 04 5,05%
10 Trabalho feminino 03 3,79%
11 Trabalho e subjetividade 02 2,51%
12 Trabalho e ética 02 2,51%
13 Trabalho e pessoa com deficiência 01 1,26%
Total 79 100%
Eixos Temáticos
Revista Debates Sociais Revista Serviço Social e Revista Serviço Social e Revista Praia
Sociedade Realidade Vermelha
08 40 19 12
Total de artigos
79
Quadro - Artigos por Revistas
2 Transformações do mundo do - 05 03 03 11
trabalho e reestruturação produtiva
3 Precarização do trabalho, - 06 04 01 11
informalidade e desemprego
4 Serviço Social de empresa 08 - - 01 09
5 Trabalho infantil - 03 03 - 06
8 Centralidade do trabalho - 04 - 01 05
10 Trabalho feminino - 02 - 01 03
11 Trabalho e subjetividade - - - 02 02
12 Trabalho e ética - - - 02 02
Total 08 40 19 12 79
Conclusões
Na bibliografia recente das ciências sociais e humanas, o mundo do trabalho é
intensamente investigado por pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. O
Serviço Social com seus programas de pós-graduação, núcleos de pesquisas e,
respectivamente, seus meios de publicitação de conhecimentos apresentam significativas
investigações referentes à temática, a qual absorve expressiva relevância na produção
teórica da área a partir de 1990.
Diante do atual cenário do mundo do trabalho, cujas particularidades foram
indicadas nos estudos das revistas e apresentadas sinteticamente nos eixos temáticos,
não devemos esquecer que o capitalismo contemporâneo com suas mais agudas
incoerências é resultado da própria determinação do capital, ou seja, da sua construção
histórico-social que, até então, foi-se adequando às mais diversas formas para
desenvolver e realizar as suas contradições destrutivas.
Emerge, portanto, neste momento uma preocupação metodológica em relação
aos estudos sobre o mundo do trabalho, ou seja, ao lançarmos o olhar sobre o mundo do
trabalho, devemos ter como pressupostos as crises do capital que, na história do regime
capitalista, combina traços gerais – contradições fundamentais – de tal modo de
produção e reprodução social, como apresenta traços particulares que resultam de
determinado momento histórico. Devemos ter sempre em mente, nas pesquisas sobre o
mundo do trabalho, a natureza contraditória do próprio sistema do capital. A
desconsideração dessa questão traz o risco dos estudos acabarem em meras denúncias,
lamentações sem pretensões de buscas na concretude histórica da potência
revolucionária do trabalho. Notamos na análise dos eixos temáticos que, em alguns
casos, a identificação da potência revolucionária do trabalho fica aquém de ser
compreendida por alguns pesquisadores. Não estamos cobramos em todas as pesquisas
sobre o mundo do trabalho um “manifesto comunista”, mas também não podemos
pensar que estamos fazendo ciência crítica simplesmente com pesquisas que descrevem
a negação do trabalho no sistema do capital4. Isso ocorre em razão do acentuado nível
contra-revolucionário que vivemos na contemporaneidade, principalmente pelas
condições atuais decadentes das ciências sociais e humanas. Essa questão é reforçada
pela situação como a produção do conhecimento vem sendo encarada pela
“Universidade Moderna”.
Entendemos também que a processualidade social apresenta-se de forma
complexificada e o momento político-social forceja poucas possibilidades de
organização coletiva com fins emancipatórios5, mas cremos que não podemos nos
contentar em produzir um saber sobre a principal contradição da vida social – capital
versus trabalho – e nos satisfazer com breves denúncias da degradação do trabalho, sem
ter como pressuposto a busca da potência revolucionária do trabalho.
Ao estudarmos o mundo do trabalho, devemos compreendê-lo no conjunto das
relações sociais, políticas e econômicas do sistema do capital, se não apreendido dessa
forma, corremos o perigo de fazer análises fenomênicas que favoreçam somente ao
saber erudito, que separa as pesquisas sobre as relações de trabalho da crítica ao
capitalismo.
Perante as diversas contribuições que temos por parte dos estudiosos do tema,
estendemos que o mundo do trabalho está no palco central da vida social. As mudanças
recentes na base material da sociedade ecoaram, principalmente na produção de valores-
4
As investigações sobre o mundo do trabalho recorrem freqüentemente as categorias marxianas para
explicar a realidade social, mas não devemos esquecer que as pretensões teóricas do pensamento de
Marx não é simplesmente de compreender o modo de produção capitalista, vai além disso, é uma teoria
social que se preocupa com a superação da sociedade burguesa, ou seja, é uma pretensão de
entendimento de realidade que não se contenta com a “compreensão” da sociedade, mas busca as
possibilidades revolucionárias na concretude histórica e pauta-se claramente em prol da lógica do
trabalho.
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Claro que não podemos desconsiderar a seguinte questão: o pensar radical e o fazer radical estão
intimamente conectados e se potencializam, é necessário uma energia social, uma possibilidade objetiva
que de condições para produção de um conhecimento objetivo que tenciona mudanças.
de-troca, na dimensão do trabalho abstrato, pois a particularidade histórica
contemporânea apresenta as mais diversificadas inovações da produção que a
humanidade social já presenciou. Os abalos sofridos pelo trabalho nada mais são do que
mais uma crise de acumulação e distribuição da riqueza social, que, pelos seus
parâmetros estruturais, só será superada com a transcendência do sistema do capital.
O Serviço Social, como profissão inserida na divisão social do trabalho, depara
cotidianamente com as conseqüências das mudanças do mundo do trabalho, ou seja,
com as refrações da crise de acumulação do capital. Por exemplo, a “questão social”6 e
suas expressões – saúde do trabalhador, pobreza, habitação, desemprego – campos de
intervenções do assistente social, são produzidas pela relação conflituosa entre capital
vesus trabalho, o que afirma a aproximação e a necessidade de um saber minucioso do
assistente social sobre o mundo do trabalho. É da relação antagônica entre capital versus
trabalho que surgem as expressões da “questão social” e que se reafirma o espaço sócio-
ocupacional dos assistentes sociais por meio de suas formas de ação que são as
políticas, os programas e os projetos sociais.
Em nossa pesquisa tivemos o objetivo de mostrar como a discussão sobre o
mundo do trabalho está presente na produção teórica do Serviço Social e a importância
que esta aproximação tem para a compreensão da realidade social. A temática trabalho
é necessária e está afirmada, no interior do Serviço Social, não simplesmente pela
posição teórica e política dos assistentes sociais, mas sobretudo pela concretude
histórica em que vivemos e com a qual nos defrontamos, cotidianamente, abarrotada de
relações sociais emergentes de uma sociabilidade em que o trabalho está submisso ao
capital e orienta as formas de exploração da força de trabalho, resultando na produção
contraditória e crescente de pobreza e riqueza. Por fim, acreditar na potência
revolucionária do trabalho, ainda carente de maior atenção pelos estudiosos do mundo
do trabalho, não é crer em nenhuma doutrina ou dogma, mas é, antes de tudo,
simultaneamente, comprometer-se em produzir um saber que descortine os horizontes
vivos, concretos, históricos e possíveis de rupturas, ruptura tão necessária para o
almejado processo de emancipação político-social e humana.
6
Segundo Iamamoto e Carvalho (1998, p. 77): “A questão social não é senão as expressões do processo de
formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo
seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da
vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de
intervenção, mais além da caridade e repressão”.
Referências
MARX, K. O capital: crítica da economia política. 19. ed., Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002a. Livro 1, v. 1-2.