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Reflexões Sobre o uso do Método Etnográfico nas Ciências Administrativas

Cláudia Sirangelo Eccel1


Deise Luiza da Silva Ferraz2
RESUMO
A partir de uma reflexão crítica de nossas experiências à luz das considerações de teóricos das
ciências antropológicas objetivamos elucidar algumas dúvidas freqüentes em relação ao rigor
cientifico e ao uso, nas ciências administrativas, do método etnográfico. Para tanto, algumas
perguntas nortearam este trabalho, questões que versam sobre: a entrada em campo, a saída do
campo, as maneiras como as informações são obtidas e, até mesmo, questionamentos sobre
como identificar se o pesquisador foi aceito na comunidade estudada. Destacamos que as
elucidações aqui apresentadas foram traçadas confrontando as nossas práticas à teoria,
todavia, o exercício etnográfico é uma experiência individual de modo que as considerações
realizadas neste trabalho servirão mais de apoio aos iniciantes desse método, no sentido de
compartilhar experiências, do que como um manual prático de etnografia na Administração.
INTRODUÇÃO
Estudos etnográficos não são mais considerados novidade na área administrativa,
tendo em vista que, há mais de uma década, o método tem sido utilizado por pesquisadores
das organizações, primeiro com o objetivo de conhecer a cultura organizacional e, mais
recentemente, estudiosos da área de marketing passaram a se valer dele para aprofundar o
conhecimento acerca do comportamento do consumidor. Contudo, a despeito disso, ainda
ocorre estranhamento por parte de pesquisadores e alunos pouco familiarizados com essa
contribuição oriunda da Antropologia. Nesse sentido, não raro, surgem questionamentos a
respeito da etnografia em seminários, grupos de estudos, aulas, etc. Comumente, as
preocupações desses estudiosos estão ligadas ao rigor científico e a prática do mesmo. No que
se refere à última, via de regra, eles formulam perguntas sobre: a entrada em campo, a saída
do campo, as maneiras como as informações são obtidas e, até mesmo, sobre como identificar
se o pesquisador foi aceito na comunidade estudada.
Em face deste contexto nos propomos a elaborar uma reflexão crítica de nossas
experiências etnográficas à luz das considerações de teóricos das ciências antropológicas,
buscando dar pistas de como esse método tem sido praticado no campo das ciências
administrativas. Para tanto, optamos por tentar responder algumas das questões por meio de
nossas experiências, uma vez que usamos o método para a elaboração das nossas dissertações
de mestrado, confrontando-as com o referencial teórico.
Assim, as perguntas que nortearam esse trabalho são as seguintes: como ocorre a
entrada em campo? Como é realizada a saída do campo? Como são coletadas as informações?
Como identificar se o pesquisador foi aceito na comunidade estudada? E, ainda, como se
(com)portar em campo?
Estruturamos esse trabalho de modo que no próximo item apresentaremos a gênese do
método etnográfico, seguido de suas discussões mais recentes na Antropologia e na
Administração. Após essa incursão teórica, refletiremos a prática da etnografia realizada pelas
autoras deste trabalho.

1 O MÉTODO ETNOGRÁFICO SEGUNDO MALINOWSKI


O autor do clássico “Os Argonautas do Pacifico Ocidental: um relato do
empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia” pôs

1
Graduada em Psicologia pela UFRGS, possui mestrado em Administração também por está universidade, onde
atualmente cursa seu doutoramento.
2
Graduada em Administração, ênfase em RH, pela UFRGS, possui mestrado em Administração também por está
universidade, onde atualmente cursa seu doutoramento.
em revelo a necessidade de que as pesquisas de campo nas Ciências Sociais fossem tratadas
com maior cientificidade. Para Malinowski (1978), os cientistas sociais deveriam se
preocupar tanto quanto os cientistas das Ciências Exatas no que diz respeito à descrição das
condições em que as observações foram realizadas, bem como a maneira como procederam
no campo. Antes de partir em direção a grandes generalizações, faz-se necessário revelar as
experiências concretas que lhe permitiram a formulação das conclusões acerca de uma
cultura. Nas palavras de Malinowski (1978):
A meu ver, um trabalho etnográfico só terá valor cientifico irrefutável se nos
permitir distinguir claramente, de um lado, os resultados da observação direta e das
declarações e interpretações nativas e, de outro, as inferências do autor, baseadas
em seu próprio bom-senso e intuição psicológica (MALINOWSKI, 1978, p. 18).
Para a obtenção desse valor científico da pesquisa etnográfica é preciso, segundo
Malinowski (1978, p. 20), a aplicação do bom-senso e de princípios científicos. Estes se
configuram pelo: 1) objetivo verdadeiramente científico da pesquisa e pelo “conhecimento
dos valores e critérios da etnografia moderna”; 2) pelas condições em que foi realizada a
pesquisa, que para ser considerada boa, pressupõe que o pesquisador viva, literalmente, como
os pesquisados; e, 3) pelo uso de métodos especiais de coleta, manipulação e registro das
evidências.
Malinowski utilizou sua experiência entre os nativos das ilhas Trobriand para
exemplificar o que ele considera condições adequadas à pesquisa etnográfica. Não obstante,
o fato do objeto de estudo do autor ter sido uma tribo a qual ele, como homem “civilizado”,
não pertencia, permite que a exigência da pesquisa etnográfica, qual seja: a do afastamento do
pesquisador de seu lócus de origem, a fim de aproximar-se o máximo possível do informante,
fosse acatada. Portanto, acampar entre os nativos e afastar-se do homem branco permitiram a
completa inserção no “mundo” a ser pesquisado. Contudo, estar entre os nativos não significa
obter êxito na pesquisa, pois é necessário que o etnógrafo seja “um caçador ativo, atento,
atraindo a caça, seguindo-a cautelosamente até a toca de mais difícil acesso. Isso exige o
emprego de métodos mais eficazes na procura de fatos etnográficos” (MALINOWSKI, 1978,
p. 22).
A primeira questão acerca desses métodos mais eficazes concerne ao que Malinowski
(1978) chamou de método de documentação estatística por evidencia concreta. Esse é
caracterizado pela construção de mapas e de quadros sinóticos, de modo a reunir o maior
número possível de exemplos acerca da vida dos nativos; diferenciando os dados de sua
observação e as confidências de seus informantes. Contudo, para o autor, esse método permite
reconstruir a estrutura da cultura nativa, ou como ele chama, “o esqueleto da constituição
tribal”. Porém, Malinowski (1978) destaca a necessidade de se capturar também a carne e o
sangue que constituem a vida tribal, ou seja, os fenômenos que compõem os imponderáveis
da vida real. Para o autor (1978):
É por essa razão que o etnógrafo, trabalhando em condições como as que vimos
descrevendo, é capaz de adicionar algo essencial ao esboço simplificado da
constituição tribal, suplementando-o com todos os detalhes referentes ao
comportamento, ao meio ambiente e aos pequenos incidentes comuns. Ele é capaz,
em cada caso, de estabelecer a diferença entre os atos públicos e privados; de saber
como os nativos se comportam em suas reuniões ou assembléias públicas e que
aparência elas têm, de distinguir entre um fato corriqueiro e uma ocorrência
singular ou extraordinária; de saber se os nativos agem em determinada ocorrência
com sinceridade e pureza de alma, ou se a consideram apenas como uma
brincadeira, se dela participam com total desinteresse, ou com dedicação e fervor
(MALINOWSKI, 1978, p. 29).
Para capturar os imponderáveis da vida real, assim como o autor descreve, o etnógrafo
deve fazer uso de duas técnicas de pesquisa, quais sejam: o registro do cotidiano em um diário

2
de campo3 e a participação efetiva do pesquisador nas situações vivenciadas pelos
informantes, ou seja, a observação participante.
Malinowski (1978, p. 31) é considerado o pai da observação participante, essa por sua
vez, significa viver a vida do nativo: “tomar parte nos jogos dos nativos, acompanhá-los em
suas visitas e passeios, ou sentar-se com eles, ouvindo e participando das conversas”, ou seja,
participar efetivamente da rotina dos informantes.
Para Malinowski (1978) o diário de campo consiste na realização de anotações
sistemáticas de todos os fatos observados no dia-a-dia entre os nativos. Essas anotações
devem ser feitas desde os primeiros contatos com os pesquisados até o momento em que o
pesquisador dá por encerrado seu trabalho de campo. Isso se justifica à medida de que, ao
ingressar em campo, tudo deverá ser estranhado; entretanto, conforme vai ocorrendo a
familiarização com o objeto pesquisado não é mais possível estranhá-lo, todavia é comum
observar aspectos que, em um primeiro momento, não seria possível captar. A observação
desses novos aspectos torna-se possível devido à prática da observação participante. O diário
revela as diferentes etapas vividas pelos pesquisadores, bem como seus sentimentos e reações
ao longo de sua estada entre os nativos.
Contudo, para o autor, os procedimentos até então explicitados não garantem a
completitude do estudo, conquanto se tenha decifrado as estruturas da cultura nativa e a forma
como ela é vivenciada, é preciso ainda agregar aos dados e as análises dos mesmos, a alma da
cultura em questão. Para isso, o etnógrafo precisa entender os significados dessa cultura para
o próprio nativo. Isso, segundo Malinowski (1978, p. 32), somente é possível se houver o
desvencilhamento dos interesses individuais dos nativos e se ocorrer um interesse por aquilo
“que eles sentem ou pensam enquanto membros de uma dada comunidade”, ou seja, dando
ênfase às influências da sociedade sobre o comportamento do indivíduo.
Para realizar um estudo etnográfico completo é preciso descobrir “os modos de pensar
e sentir típicos, correspondente às instituições e à cultura de determinada comunidade, e
formular os resultados de maneira vívida e convincente” (MALINOWSKI, 1978, p. 32). Para
tanto, na medida do possível, compete transcrever para o relato etnográfico, “os pontos de
vista, as opiniões, as palavras do nativo” (MALINOWSKI, 1978, p. 32).
Já mencionamos até o momento duas importantes características para que a pesquisa
etnográfica adquira valor científico, precisamos, portanto, considerar um outro ponto
abordado por Malinowski (1978, p. 20), qual seja: o “conhecimento dos valores e critérios da
etnografia moderna”. A respeito disso, o autor faz o seguinte comentário a fim de evitar
equívocos:
[...] o etnógrafo deve inspirar-se no conhecimento dos resultados mais recentes das
pesquisas cientificas, nos seus princípios e objetivos. [...] estar familiarizado com os
seus mais recentes resultados não é o mesmo que estar sobrecarregado com “idéias
preconcebidas”. Se alguém inicia uma expedição disposto a provar determinadas
hipóteses, mas não for capaz de modificar e de rejeitar constantemente suas
perspectivas sob a pressão da evidência, seu trabalho não terá valor
(MALINOWSKI, 1978, p. 22).
Com isso, o autor salienta a importância de ir a campo munido de conhecimentos
teóricos, sem, no entanto, julgar, a priori, como sendo as únicas explicações válidas para
aquilo que for encontrado no campo. Partindo de tal suposição, o pesquisador estaria
incorrendo no risco de tornar-se etnocêntrico, uma vez que julgaria uma outra cultura à luz
dos valores e dos conceitos pertinentes ao contexto onde foi socializado. Concisamente,

3
Vale ressaltar que existe diferença entre diário de campo e caderno de campo. Sucintamente, para explicar o
segundo, afirmamos que: no caderno de campo, são registradas as notas de campo in loco, ou seja, anotações
chaves que auxiliarão, a posteriori, a construção do texto no diário de campo. Neste se desenvolve a narrativa da
observação de forma mais detalhada e o envolvimento do pesquisador com o objeto da pesquisa.

3
podemos dizer que as colocações de Malinowski (1978) orientam os pesquisadores a
despirem-se de pré-conceitos e passar a entender a vida como se fosse um nativo, a descobrir
as especificidades culturais do “Outro”, de modo a tornar o exótico natural.
Entretanto, as realidades vividas pelo homem modificaram-se desde a viagem do autor
às Ilhas Trobriand, e continuam a se modificar, tendo em vista que a cultura não é algo
estanque, imutável.
Algumas mudanças foram bastante relevantes para a Antropologia, e, por isso,
estiveram presentes nas pautas de discussões dos antropólogos e dos estudiosos da cultura,
dentre elas cabe destacar a mudança do “objeto de estudo”, em face da quase extinção dos
povos considerados “simples”, a sociedade “complexa” passou a ser também foco de análise,
desta maneira, o pesquisador é o próprio nativo, ou melhor, em alguns casos, o nativo tornou-
se pesquisador. As discussões que foram entabuladas a partir dessa mudança, dentre outras,
caracteriza o fazer etnográfico atual e esse, por sua vez, influência as pesquisas realizadas no
campo administrativos e que utilizam tal método. Por essa razão, consideramos relevante
relatar, nesse trabalho, algumas considerações a respeito das etnografias realizadas em
sociedades complexas.

2 OUTRAS DISCUSSÕES ACERCA DO FAZER ETNOGRÁFICO


Para DaMatta (1978) o antropólogo encontra-se, atualmente, perante duas condições
diferentes de pesquisa, quais sejam: familiarizar com o exótico, conforme ensinamentos de
Malinowski (1978); e, estranhar o familiar. Segundo o autor é na tarefa de transformar o
familiar em exótico que o pesquisador necessita de um desligamento emocional, uma vez que
a “familiaridade do costume não foi obtida via intelecto, mas via coerção socializadora”
(DAMATTA, 1978, p. 30). Nessa discussão, Velho (1978, p. 38-9) ressalta que, não
necessariamente, o pesquisador, ao efetuar uma pesquisa em sua sociedade, precisa estranhar
o familiar, uma vez que:
O fato de dois indivíduos pertencerem à mesma sociedade não significa que estejam
mais próximo do que se fossem de sociedades diferentes, porém aproximados por
preferências, gostos, idiossincrasias. [...] o que sempre vemos e encontramos pode
ser familiar, mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e
encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido.
Contudo, para Durham (1986) o fato do pesquisador se voltar para o estudo de sua
própria sociedade acarretou mudanças que levaram, por exemplo, a técnica da observação
participante deixar de ter um caráter objetivo para ganhar características subjetivas.
Entretanto, o problema apontado pela autora não reside na subjetividade da pesquisa, mas nas
armadilhas que essa subjetividade pode levar, ou seja, para Durham (1986), o envolvimento
subjetivo do etnógrafo com seu campo pode distanciá-lo das profícuas reflexões teóricas. Para
a autora:
Não se trata obviamente que cada pesquisa empírica construa um quadro completo
ou a teoria acabada da sociedade brasileira. Mas é necessário que em algum lugar
da reflexão antropológica esses problemas comecem a ser investigado (DURHAM,
1986, p. 33).
Contudo, vale lembrar que os Antropólogos que estudavam os povos considerados
“selvagens” ou “primitivos” também estavam à mercê da subjetividade, mas o relatavam no
diário de campo e não o revelavam como dado de pesquisa, isso para manter a legitimidade
cientifica da pesquisa social conforme ditames do positivismo. Tanto que quando o diário de
Malinowski foi publicado pela primeira vez, esse autor foi duramente criticado, por ter em
suas anotações registros considerados racistas (JAIME JUNIOR, 2003).
Nesse ínterim, a questão da subjetividade nas pesquisas etnográficas também foi
abordada por Cardoso (1986, p. 99) que reivindicou que se discutisse “o papel da
subjetividade como instrumento do conhecimento” deixando de conceber as informações
coletadas como “formas objetivas com existência própria e independente dos atores”.

4
Entendemos que DaMatta (1978, p. 27), no trabalho intitulado: “O ofício do Etnólogo
ou como ter ‘Antropological blues’”, discutiu a relutância dos antropólogos de aceitar as
subjetividades vivenciadas no campo, subjetividades reveladas apenas em formas de anedotas
nas reuniões de antropologia. Para o autor transformar a subjetividade em anedota é:
[...] uma maneira e – quem sabe? – um modo muito envergonhado de não assumir o
lado humano e fenomenológico da disciplina, com um temor infantil de revelar o
quanto vai de subjetivo nas pesquisas de campo, temor esse que é tanto maior
quanto mais voltado está o etnólogo para uma idealização do rigor nas disciplinas
sociais.
Todavia, o referido autor salienta que a subjetividade precisa ser atrelada à teoria. Ou
seja, corrobora as teorizações de Cardoso (1986) e Durham (1986) que alertam para a
necessidade da subjetividade ser compreendida como um dado de pesquisa e assim não tornar
o relato etnográfico uma autobiografia.
Ademais, Jaime Junior (2003) também chama a atenção para o fato da etnografia ser
um diálogo que começa com a inserção no campo, sendo que esta, devido sua complexidade,
deve ser cuidadosamente negociada. Além da cautela nas negociações para entrada em
campo, este autor menciona também que o relatório final, ou seja, as análises realizadas
acerca da vida do outro estará à disposição dos próprios informantes e, portanto, “a voz do
etnógrafo não é mais a única presente no debate sobre determinado assunto. Ele terá de
negociar sua interpretação com aquelas construídas por outros atores, inclusive pelos próprios
nativos” (JAIME JUNIOR, 2003, p. 454). A negociação se torna necessária em virtude da
mudança da postura do pesquisador em campo, pois:
Com Geertz, a etnografia passou a ser pensada segundo a metáfora da tradução. O
etnógrafo passa a ser visto não mais como um aprendiz, alguém que aprende a viver
com o nativo, mas como um tradutor que, vivendo com o nativo, descreve e
interpreta os significados escondidos por detrás de suas práticas sociais (JAIME
JÚNIOR, 2003, p. 447).
O referido autor salienta ainda que: “A pesquisa passa a ser pensada não mais como
observação participante, mas como encontro etnográfico. Nela, o antropólogo e seus
interlocutores (não se fala mais em informantes) experimentam uma relação dialógica”
(JAIME JÚNIOR, 2003, p. 443).
A respeito da realização de etnografias em ambientes organizacionais, Cavedon (1999)
analisou as implicações positivas e negativas do uso deste método nos estudos sobre a cultura
organizacional. Para a autora os pontos problemáticos da realização de etnografias no campo
administrativo residem em três características inerentes a está área do conhecimento, quais
sejam: 1) na exigência dos administradores da instrumentalização das descobertas com a
finalidade de gerenciar possíveis mudanças nos significados organizacionais; 2) o tempo
necessário para a realização de uma etnografia em um ambiente em que a máxima “tempo é
dinheiro” guia todas as atividades; e, 3) a natureza das descobertas etnográficas são
essencialmente qualitativas, o que pode parecer sem muita valia para um campo que prioriza o
quantitativo.
Ao relacionar as considerações de Cavedon (1999) e de Jaime Júnior (2003) é possível
pensar que ao entender a observação participante como uma relação dialógica, essa técnica
possa ser mais bem aceita no campo administrativo, por dar a possibilidade aos interlocutores
de discutir os achados da pesquisa. Conforme advoga Cavedon (1999), o fazer etnográfico nas
empresas ao desvendar as representações sociais contidas nesses loci, fornece relevantes
subsídios para a tomada de decisão dos gestores. A autora acrescenta, ainda:
Talvez uma analogia sirva para clarificar a posição do etnógrafo. Ele pode ser
comparado a um médico que ao realizar uma ecografia desvenda o sexo do bebê, o
médico não pode mudar o sexo da criança, porém, oferece aos pais uma informação
que permite aos mesmos adaptar o enxoval do bebê, bem como escolher o nome, de
acordo com a informação prestada... (CAVEDON, 1999, p. 13).

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Além do uso da etnografia para estudos da cultura organizacional, a área de marketing
tem-se aproximado deste método, conforme indicam artigos apresentados nos ENANPADs
dos últimos quatro anos. Rocha (2005, 2004) apresenta a etnografia como alternativa à
estudos de cunho mais positivista para abordar o comportamento do consumidor, pois permite
uma maior aproximação ao pensar do próprio consumidor e aos significados atribuídos ao
consumo, que é visto pelo autor como fenômeno simbólico e coletivo, de um ou outro
produto.
Com essas considerações percebemos que a etnografia na área administrativa tem sido
usada e discutida por alguns pesquisadores, entretanto, percebemos também alguns
questionamentos freqüentes acerca do uso do mesmo, o que evidencia um certo
estranhamento, corroborando, portanto, as considerações de Velho (1978) de que nem todas
as coisas referentes a sociedade científica a que pertencemos nos são familiar. Não intentando
fazer uma lista de prescrições, ou um manual de como usar a etnografia, pretendemos, sim,
elucidar a seguir algumas das perguntas mais comuns a partir do referencial teórico da
antropologia, bem como nossas vivencias enquanto etnógrafas.

3 COMO OCORRE A ENTRADA EM CAMPO?


“Imagine-se o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento, numa praia
tropical próxima a uma aldeia nativa, vendo a lancha ou o barco que o trouxe
afastar-se no mar até desaparecer de vista” (MALINOWSKI, 1978, p. 19)
Malinowski nesse trecho relata suas primeiras considerações acerca de sua
aproximação com o campo. Nossas pesquisas não nos levaram a mares longínquos ou a ilhas
isoladas, mas a sensação de estarmos em um barco rumo ao desconhecido nos é familiar,
enquanto pesquisadoras, apesar de nossas experiências serem diferentes.
Nesse item do trabalho, vamos relatar essas duas diferentes experiências, ressaltando o
que nos foi comum ou dispare em nossas entradas em campo. Em virtude das experiências
terem sido pessoais, os subitens serão relatados na primeira pessoal do singular.

3.1 Entrando em campo: a experiência no Cachorro Quente do Rosário


A entrada em campo iniciou-se com uma conversa telefônica com o gerente
operacional da empresa, objetivando marcar uma reunião para a apresentação do trabalho e,
com isto, buscar a autorização para a pesquisa. A conversa inicial foi muito tranqüila,
consegui rapidamente agendar uma hora para nos reunirmos, alguns dias depois.
Considerei importante, neste encontro, além dos objetivos da pesquisa, falar sobre o
método que seria utilizado, uma vez que, se aceita, eu passaria a freqüentar as dependências
da empresa com assiduidade e realizaria algumas atividades em vez de apenas observar ou de
estar na empresa apenas para a realização de entrevistas.
Então, no dia agendado, ocorre a primeira real ida a campo:
Chego à lancheria numa segunda-feira de manhã eu e minha orientadora. Aguardamos alguns
minutos sentadas numa das mesinhas disponíveis para clientes e, enquanto isso, eu observava o
local. Fazia anotações descrevendo tudo o que conseguia notar: disposição do ambiente, cores,
pessoas, situações que ia vendo. Cerca de 20 minutos depois o gerente com quem fizemos
contato telefônico, nos cumprimenta e nos convida a acompanhá-lo até sua sala. Então minha
orientadora assume a nossa apresentação e discorre sobre suas linhas de pesquisa na
Universidade. Ele observa, emite repetidos sinais de aprovação, como “sim”, “ahã”, “legal”
enquanto ela fala. Complemento um pouco o que é dito falando da minha formação e,
especificamente, de meu interesse em pesquisar o Cachorro Quente. A nossa idéia de pesquisa
e minha conseqüente presença na empresa a partir daquele momento são prontamente aceitas, e
ele deixa claro que considera que terão ganhos também, na medida em que eu poderia trazer-
lhes conhecimentos acadêmicos que faltam àqueles que, no seu dizer, “só tiveram a escola da
vida”, como é seu caso.
Como seria provável nestes contatos iniciais, o gerente colocou um limite para a
minha observação: a fórmula do molho de tomate, pois é este o segredo da receita e só é

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dominado por três pessoas. Enfim, eu estava autorizada a observar o que quer que fosse,
menos a feitura do molho, o que inclusive ocorre em uma unidade separada da lancheria, onde
eu viria a passar a maior parte do tempo.
Ainda nesta mesma primeira ida a campo, somos levadas para conhecer o prédio e
visitar a cozinha. Noto que os funcionários são simpáticos e solícitos, mas não têm clareza do
que estamos fazendo naquele local. Alguns recordam que em algum momento houve um
estudante fazendo algum tipo de trabalho de faculdade sobre a empresa.
Uma vez aceita, a entrada em campo consiste em passar a acompanhar a rotina da
comunidade pesquisada, observando, tentando participar, conversando com pessoas, colhendo
informações. Inicialmente é comum ser tratado “como visita”, até que as pessoas se habituem
ao pesquisador, e comecem a agir como se ele não estivesse ali. Com o passar do tempo e a
minha freqüente presença, os funcionários habituam-se a me ver por lá, e percebo que ficam
mais à vontade enquanto os observo, vêm fazer perguntas e conversar.
Considerando as colocações de Malinowski (1978) acerca da importância de ir a
campo munido de conhecimentos teóricos, li autores tanto da Administração como da
Antropologia no que tange aos temas família e a gestão de empresa familiar – meus objetivos
na pesquisa – mas como salienta o próprio autor, essas não devem ser tomadas como as únicas
explicações válidas para aquilo que for encontrado no campo. É preciso abertura para
perceber realidades diferentes daquelas citadas pelos livros, e isso me permitiu buscar novas
leituras e novas descobertas a partir da realidade observada.

3.2 Várias entradas em campo: estudando a Feira do Livro de Porto Alegre


Há campos que exigem mais do que uma entrada. A Feira do Livro de Porto Alegre é
exemplo disso. Considero que não realizei apenas uma entrada em campo porque, conforme
aponta DaMatta (1978), existe uma antevéspera da pesquisa, a essa, ele chama de período
prático. Para o autor, nesse tempo, a preocupação do pesquisador não está mais concentrada
nos questionamentos teóricos e ainda abstratos acerca do futuro objeto de pesquisa, mas nas
atividades práticas como: “planejar a quantidade de arroz e remédios que deverei levar para o
campo comigo. [...] onde vou dormir, comer, viver”.
Esses exemplos são característicos de pesquisas que exigem que o estudioso saia de
sua sociedade e viage para povos longínquos, mas observei que essa “antevéspera da entrada
em campo” se fez presente em minha experiência mais de uma vez demonstrando, portanto,
que muitas vezes, mesmo já estando em campo, o período prático reaparece, ou seja, podem
ser várias as entradas em campo. Acredito que isso ocorra de modo mais freqüente nas
pesquisas contemporâneas pelo fato do pesquisador, diariamente, poder sair do campo, isto é:
ele entra e não permanece, como ocorria nos trabalhos etnográficos em sociedades
consideradas “primitivas”. Atualmente, o pesquisador depois de um tempo junto aos “nativos”
volta para sua casa, podendo, às vezes se ausentar do campo e com isso, a reentrada pode
suscitar o período prático novamente.
Para exemplificar minhas colocações, relato as entradas que considero ter realizado
em meu objeto de estudo.
A primeira considero similar a já relatada pela minha co-autora, isso porque a
preocupação em deixar o mais claro possível como ocorre uma pesquisa etnográfica e a
intensidade das visitas que seriam realizadas por mim foram centrais nessa minha primeira
empreitada. Todavia, outras coisas também me preocupavam, por exemplo: estar usando a
vestimenta apropriada, o linguajar apropriado, demonstrar concomitantemente simpatia e
seriedade; pois, afinal de contas, o primeiro contato com o campo, é o momento em que o
nosso projeto é vendido, e especificamente no campo da Administração, essa venda, via de
regra, ocorre a executivos. No meu caso, o primeiro executivo que fiz contato foi com um ex-

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presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), associação classista que organiza a
Feira do Livro. Esse encontro registro em meu diário da seguinte forma:
Cheguei ao local combinado cinco minutos antes do horário. O porteiro me disse
que não sabia se o Senhor Geraldo estava no prédio. Ele ligou para alguém, acho
que a secretária do Geraldo. Ela informou ao porteiro que ele já desceria. Isso não
me pareceu muito bom. Primeiro, achei que ele estaria preste a me dar um chá de
banco. Segundo, ele descer me pareceu que eu seria atendida no saguão mesmo,
como se estivesse fazendo pouco caso da minha proposta de trabalho. No entanto,
acho que errei, pois em menos de dois minutos ele apareceu no saguão e me
convidou para subir. Sentamos à mesa de reuniões [...] Entreguei para ele o projeto.
Ele leu o título, abriu o projeto e passou a ler. [...] Ele me perguntou como seria
mesmo o trabalho. Comecei a explicar falando do Ritual. Ele interrompeu e
começou a falar sobre a Feira e a relação que se faz necessária com todos os atores
da Feira. Da cumplicidade que é preciso manter. Após esses comentários, ele voltou
a ler o projeto. Então ele leu justamente o parágrafo que contem a questão da
cumplicidade. Então ele viu que estávamos em sintonia.
Para mim esse encontro foi uma agradável entrada em campo, pois as preocupações do
período prático me fizeram tomar decisões acertadas, tanto nas questões quanto ao linguajar e
vestimentas apropriadas, quanto na elaboração do projeto escrito, que apesar de ser uma
proposta ampla, delineava os contornos da pesquisa, dando seriedade ao meu projeto. Penso
também que outro fator foi importante para a aceitação da realização da minha pesquisa na
50º edição da Feira do Livro, qual seja, eu ser aluna da UFRGS.
É relevante destacar que a escolha de conversar primeiro com um ex-presidente foi
estratégica, pois ele além de ser o organizador da Feira nas cinco edições anteriores, também
possuía vínculos com a UFRGS. Com o apoio dele, consegui a aprovação do meu projeto
junto à diretoria da CRL. Tendo meu projeto aprovado, início minhas coletas de dados na
Feira. Acompanhei a montagem das barracas na Praça, conversei com alguns expositores que
colocavam os livros nos estandes, ou seja, tudo corria como se eu já estivesse me inserindo no
campo, todavia, um fato fez renascer as sensações do período prático, qual seja: o convite
para o recital de abertura da Feira. Esse ocorreu no Theatro São. A respeito do cerimonial,
relato em meu diário:
Cheguei lá e não conhecia ninguém. Dei mais ou menos três voltas no recinto
tentando conhecer alguém. [...] Houve momentos que percebi que eu estava sendo
observada ao invés de observar. Até que encontrei o senhor Geraldo. Ele então
começou a me apresentar a todos. Em menos de dez minutos eu estava em uma
rodinha cercada pelo ex-presidente da CRL, pelo atual presidente, pelo vice e por
um dos mais antigos sócios da entidade.
Nesse momento, considero que tive a minha segunda entrada em campo,
principalmente, porque esse campo se mostrou não familiar. Isto é, a priori, a Feira do Livro,
seria o familiar que eu precisaria estranhar, pelo fato de tratar-se de um ritual do qual tenho
participado anualmente. Contudo, esse familiar se mostrou estranho, corroborando as
considerações de Velho (1978).
Como já mencionei anteriormente, penso que as várias entradas e saídas de campo se
devem ao fato de estar estudando um “objeto conterrâneo”. Assim, em 2004, quando terminou
a 50° edição da Feira eu me retirei do campo e só retornei quando os preparativos da 51º
começaram a ocorrer, todavia, esse tempo de afastamento exigiu que eu renegociasse minha
entrada em campo.
Em meados de março de 2005, encaminhei um e-mail para o presidente da CRL,
mencionando o meu desejo de recomeçar a pesquisa, isto é, de começar a coleta de dados
junto à Comissão Organizadora da Feira do Livro. Em resposta, ele me informou da
necessidade de levar novamente minha proposta à Comissão organizadora. Após duas
semanas de espera, não havia recebido nenhuma resposta acerca da nova aceitação do meu
projeto pela diretoria, decidi, então, enviar um e-mail para as coordenadoras das Produções 01
e 02. Resolvi fazer esse contato simultâneo com as duas, devido às considerações feitas por
8
Silva (2000). Sei que a CRL não pode ser igualada aos terreiros de candomblé pesquisados
pelo autor, mas as considerações que ele faz acerca das divisões de poder, das rivalidades e
dos ciúmes entre os membros de uma cúpula, no caso da pesquisa do autor, religiosa,
alertaram-me para como eu deveria me dirigir a quem detinha poder, em virtude da posição
ocupada por ambas na cúpula administrava da CRL.
Para minha surpresa, a coordenadora da Produção 02 respondeu-me prontamente.
Porém, o conteúdo do e-mail não trazia boas notícias, pois me informava que meu pedido para
participar das reuniões da Comissão Organizadora não fora aceito, mas, em contrapartida, ela
se prontificava a conversar comigo para me auxiliar no desenvolvimento da pesquisa. Assim,
marquei um dia para conversar com a coordenadora da Produção 02, tendo em vista que ainda
estava em aberto a questão da observação diária das atividades relativas à organização da
Feira. Vale destacar que a coordenadora da Produção 01 não respondeu ao e-mail.
Não houve, por parte da coordenadora da Produção 02 nenhuma resistência quanto ao
fato de eu realizar uma etnografia em seu setor, quanto à coordenadora da Produção 01, ela
optou por deixar que o Presidente da CRL consentisse ou não com a pesquisa.
Considero que os contratempos que ocorreram foram bastante reveladores,
delimitando claramente as fronteiras do meu campo de estudo. Dessa forma, na Produção 02
efetuei observações de forma mais intensiva, enquanto que na Produção 01 realizei
observações esporadicamente. Isso revela, portanto, a importância das entradas em campo.
Corroboramos as colocações de Jaime Junior (2003) que chama a atenção para o fato da
etnografia ser um diálogo que começa com a inserção no campo, sendo que essa, devido sua
complexidade, deve ser cuidadosamente negociada.
Uma vez em campo, outras dúvidas surgem, principalmente a cerca das primeiras
adequações do pesquisador com os pesquisados, nas primeiras inserções em campo surgem
algumas inseguranças a respeito de como se portar nesse ambiente que desejamos descobrir.
Nesse sentido, o item a seguir discute uma outra questão levantada pelos alunos de doutorado
em um seminário de pesquisa, qual seja: Como se portar em campo (roupa, fala, ética)?

4 COMO SE PORTAR EM CAMPO?


O código de ética da Antropologia esclarece a necessidade de o pesquisador
apresentar-se como tal na comunidade a ser estudada, que deve autorizar o trabalho do
mesmo. Quanto à forma como o pesquisador vai-se colocar, a própria comunidade indica. A
diferença entre pesquisador e pesquisado está dada desde o início, então, para buscar a
integração, cabe ao primeiro aproximar-se do grupo. As formas de vestir e de falar
simbolicamente podem colocar empecilhos nesta aproximação. O pesquisador vai descobrir,
na estada em campo, abordagens mais adequadas, assim como nós descobrimos. Serão essas
descobertas que relataremos a seguir.
É importante lembrar que cabe ao pesquisador observar as regras de comportamento
que circulam na comunidade estudada para portar-se adequadamente. Neste sentido,
referindo-se a netnografia, uma adaptação do método etnográfico à comunidades virtuais,
Rocha, Barros e Pereira (2005, 12) fazem uma colocação a ser considerada pelo etnógrafo: “O
pesquisador deve estar atento a códigos de etiqueta, às normas que o grupo estudado
estabelece para a sua própria sobrevivência. A pressão social dentro destes grupos pode gerar,
por exemplo, a expulsão do pesquisador de seu ambiente”.

4.1 O comportamento adotado na experiência etnográfica do Cachorro Quente do


Rosário
Nesta pesquisa, o fato de eu ser aluna da UFRGS marcou bastante a minha estada em
campo. Estava claro que, para aquele grupo, eu carregava um status em função do estudo, pois
a grande maioria dos funcionários com quem eu convivi não havia freqüentado ensino

9
superior, o que consideravam algo muito desejado. Deste modo, a minha participação foi
delimitada pela percepção dos observados das tarefas que eu poderia ou não realizar.
Assim, as atividades que eu realizava eram sempre administrativas, embora tivesse
várias tentativas de acumular mais tarefas, como ajudar a servir e tirar mesas, atender ao
telefone, etc. Como percebi que o grupo não se sentia confortável com a minha atuação nestas
áreas, eu oferecia ajuda, mas não me intrometia sem autorização, buscando respeitar os
limites deles. Além disso, conforme a restrição colocada pelo gerente, acatei o fato de não
saber a receita do molho de tomate sem comentários ou insistências.
Evidentemente, para a realização de entrevistas, eu procurava acordar com o
informante o melhor momento para que este se afastasse dos afazeres sem prejudicar o
trabalho. Nos dias de maior movimento na lancheria eu, enfim, conseguia que me permitissem
realizar mais tarefas, ainda que administrativas.
A maior parte da etnografia realizou-se na lancheria, onde está o maior número de
funcionários, sobretudo os que são parte do grupo familiar. Ainda assim, realizei diversas idas
aos pontos de venda, onde existe uma carrocinha ou quiosque com dois ou três funcionários
para a venda os lanches. Era de suma importância, nestes casos, observar o movimento de
clientes para não ocupar os funcionários em momentos cruciais para a venda.
Ao longo da pesquisa, alguns assuntos mostraram-se delicados e necessitaram ser
tratados com cuidado, como o caso dos conflitos de interesse entre família e empresa. Notei
desde logo que o gerente e o diretor, sobrinho e tio, tinham posições divergentes nestes temas,
de forma que eu buscava sempre a percepção de cada um deles sem falar do outro, evitando
criar intrigas.
Além do cuidado com o comportamento, a questão da vestimenta é importante de ser
observada, uma vez que pode marcar mais ainda a diferença do pesquisador. No Cachorro
Quente, todos os funcionários, inclusive o gerente, usavam uniforme, que era composto por
camiseta ou moletom da empresa e boné, sendo que o pessoal da cozinha ou da montagem de
cachorros quentes das carrocinhas usava ainda um avental. Embora eu não tivesse ganhado
um uniforme oficial, adotei um estilo que permaneci usando até a saída de campo: calça jeans,
camiseta, e tênis ou sapato baixo. Procurei usar roupas simples e confortáveis para que a
vestimenta se tornasse familiar a eles e não causasse estranhamento, como seria o caso de ir a
campo de salto alto ou vestido, que realmente não estariam de acordo com as atividades do
local. Ao entrar na cozinha, como os demais funcionários, usava cabelo preso e boné,
respeitando suas normas de higiene.

4.2 O comportamento adotado na experiência etnográfica da Feira do Livro de Porto


Alegre
A etnografia que realizei no ritual Feira do Livro teve três momentos. A coleta de
dados na 50º edição (ano de 2004), a coleta na CRL em época de organização da 51º edição
do evento e a coleta de dados na própria Feira de 2005.
No ano de 2004, meu objetivo era realizar uma etnografia no evento propriamente
dito. Acompanhar desde sua abertura até seu encerramento, aproveitando esse período para
participar de atividades culturais, palestras, seminários, oficinas e entrevistar os diversos
atores que freqüentam a Feira, isto é, naquele ano meu interesse era pelas observações que
poderiam fazer parte da fachada (GOFFMAN, 2002) do evento. Para tanto, nesta edição eu
participei do Recital de abertura da Feira, da solenidade oficial de abertura, bem como, da
caminhada e da festa de encerramento da Feira. Além disso, estive presente nos dezessete dias
do rito, nos quais assisti diversos shows culturais e palestras; participei, como ouvinte, de três
oficinas; caminhei pela praça, visitando as inúmeras barracas que estavam no local, sendo
que, em algumas, efetuei a compra de diversos livros, e realizei também as entrevistas semi-
estruturadas.

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No início, identificava-me como estudante da UFRGS e o nome dessa tradicional
instituição me auxiliou. Todavia, conforme os dias transcorriam, eu me tornava conhecida na
Feira, em virtude de passar os dias circulando pela praça, conversando com os vendedores,
fotografando, anotando, comprando, etc, ou seja, executando os ensinamentos de Mott (2000),
para o qual:
Enquanto instituição com hora marcada para começar, para ter seu momento de
clímax e desfecho, obviamente que o pesquisador deve estar presente em todos
esses momentos, quiçá acompanhando um feirante mais camarada desde a
madrugada, quando sai de sua casa a fim de estabelecer-se (no mercado atacadista),
até chegar no local da feira, acompanhando a armação da barraca e lá
permanecendo até seu retorno ao lar após o fim do expediente (MOTT, 2000, p.
32).
Ademais, o fato de eu optar por usar um estilo só de roupa, calça preta e camiseta da
Feirai, quase um uniforme, facilitava o reconhecimento no meio da multidão. No contexto
organizacional, vestir a camiseta da empresa, simbolicamente representa estar aderindo a seus
valores, bem como, estar disposto a trabalhar em prol da organização. No meu caso, na 50º
edição, o vestir a camiseta não teve o peso simbólico expresso acima, tratou-se mais de uma
estratégia de pesquisa, pois usando a camiseta eu, além de ser facilmente identificada pelos
livreiros associados que estavam na praça, também tinha o livre acesso a várias atividades, de
modo que entrava e saia das mesmas sem interromper os ministrantes e sem ser barrada pelos
monitores, pois para eles, devido o uso da camiseta e da minha constante presença, eu fazia
parte da equipe, deste modo, eu podia assistir em pé até mesmo as atividades que tinha sua
capacidade esgotada por fazer parte da equipe.
Entretanto, considero que o mesmo não ocorreu na 51º edição do Evento. Nesta, não
vesti durante o evento a camiseta de cor preta, pois não houve um número suficiente para
todos os monitores e coordenadores. Contudo, usar a camiseta de cor branca, carregava todo o
valor simbólico de estar fazendo parte desse evento, e de ter aderido aos valores da equipe que
organiza a Área Infantil e Juvenil e a Área Internacional, passei, portanto, a realmente fazer
parte da equipe. Passei a compartilhar os valores da Equipe da Produção 02, por ter efetuado a
observação participante nesse setor com maior intensidade. Realizar a observação em setores
de trabalho requer alguns cuidados, pois nem sempre é possível fazer perguntas devido ao fato
de atrapalhar o andamento das tarefas, assim, muitas dúvidas eram sanadas no momento do
almoço ou após o expediente de trabalho, portanto, para mim, foi importante eu não restringir
meu contato com os informantes apenas em seus escritórios, locais onde eu mais observava e
executava algumas tarefas solicitadas do que perguntava.
Como já mencionei, na segunda edição estudada, eu fazia parte da equipe. Trabalhei
como monitora voluntária e, com isso, buscava respeitar todas as regras postas aos demais
monitores do evento. Portanto, a melhor maneira de se portar em campo é descobrir as regras
explicitas e implícitas de socialização dos nativos e respeitá-las. Ou seja, é não esquecer da
alteridade, apesar da busca pela aculturação.
Todavia, para descobrir essas regras é necessário obter informações e assim, surge a
terceira pergunta, como obter informações? No item 5, demonstramos como obtemos dados
suficientes para elaborar nossas dissertações.

5 COMO OBTER INFORMAÇÕES?


Segundo Malinowski (1978), para capturar os imponderáveis da vida real, assim como
o descreve, o etnógrafo deve fazer uso de duas técnicas de pesquisa, quais sejam: o registro do
cotidiano em um diário de campo e a participação efetiva do pesquisador nas situações
vivenciadas pelos informantes, ou seja, a observação participante.
Na etnografia obtemos informações por meio de diversas técnicas, como: entrevistas;
observação participante; anotações de impressões no diário de campo; e mesmo através de

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dados secundários, como a mídia, jornais, publicações específicas. Vejamos como realizamos
nossa coleta de informações.

5.1 Obtendo informações no Cachorro Quente do Rosário


Durante a etnografia no Cachorro Quente, realizei observações, entrevistas e analisei
as informações disponíveis no site da empresa, bem como em recortes de jornais e revistas
onde a organização fora citada.
As entrevistas realizadas podem ser divididas em dois tipos. Com a maior parte dos
funcionários quem mantive contato na lancheria e nos demais pontos de venda, realizei
entrevistas semi-estruturadas, buscando algumas informações padrão, como, por exemplo, de
que forma havia chegado na empresa, pois este dado mostrou-se revelador das relações
familiares e de lealdade entre funcionários e donos do negócio, deixando ainda o entrevistado
livre para colocar suas opiniões acerca de seu trabalho e de sua visão da empresa. Com meus
informantes-chave, que foram em número de quatro, realizei também entrevistas semi-
estruturadas, porém, devido a maior convivência, estas entrevistas iniciais foram sendo
aprofundadas mesmo em conversas informais, que ocorriam durante as minhas observações.
A escolha destes informantes-chave deu-se naturalmente com aqueles que se mostravam mais
interessados em falar comigo e que eu pude acompanhar mais de perto, apesar de os demais
funcionários terem sido disponíveis e se deixaram também entrevistar.
Já com o gerente da empresa, consegui realizar a montagem da história de vida, que
foi feita através de algumas entrevistas em profundidade, a medida em que o informante ia
habituando-se a minha presença e de acordo com sua disponibilidade de tempo. De acordo
com Víctora, Knauth e Hassen (2000), o levantamento da história de vida ocorre durante
vários encontros, em que o pesquisador e seu informante vão construindo confiança mútua.
Esta técnica pretende permitir ao pesquisador o acesso às interpretações subjetivas dos
sujeitos em relação as suas vivências. Segundo Minayo (2003), a história de vida mostra-se
como um interessante ponto de partida, já que dá ao entrevistado a oportunidade de contar
sobre sua experiência retrospectivamente, interpretando-a. A história de vida traz as
representações de um sujeito e está centrada na objetividade que este fornece sobre os dados,
é a verdade do entrevistado. Baseia-se na suposição de que a conduta humana deve ser
entendida a partir da perspectiva da pessoa envolvida, e, assim, o pesquisador relata a
perspectiva a partir de significados do grupo ou pessoa estudada, privilegiando as
representações de um sujeito. Cavedon e Ferraz (2003) justificam o uso de tal técnica em
função da necessidade de “dar voz” aos seus pesquisados, deixando vir à tona a sua
construção acerca daquilo que interpela suas histórias.
A história de vida pode ser construída com diferentes níveis de aprofundamento, isto
é, pode variar da mais completa àquela que prioriza tópicos específicos. Na minha pesquisa, a
montagem da história de vida do gerente privilegiou a sua relação com a empresa, que, em
realidade, começou bem antes de sua admissão como gerente, pois, em função do tio, há
muitos anos realizava trabalhos informais quando havia necessidade de mão de obra.

5.2 Obtendo informações no ritual Feira do Livro


Na etnografia realizada na Feira do Livro, além das observações realizadas e
transcritas para o diário de campo realizei também as entrevistas semi-estruturadas com: 20
visitantes da Feira, 8 escritores, 2 artesãos, 3 representantes da imprensa, 5 livreiros, 10
funcionários, com o Patrono da 50º e da 51º edição e com o Xerife, personalidade folclórica
desse evento que tem a responsabilidade de oficialmente abrir e fechar a feira por meio do
soar de uma sineta. Todas as entrevistas foram gravadas e depois transcritas.
Quanto às entrevistas, é relevante mencionar que muitas vezes, as informações podem
não ser repassadas em sua plenitude ao entrevistado em um primeiro momento devido ao fato

12
de ainda não haver estabelecido um laço de confiança entre pesquisado e pesquisador. Um
exemplo disso ocorreu com a entrevista realizada com o Xerife da Feira. No primeiro dia da
50ª edição da Feira, fui apresentada ao Senhor Julio que me concedeu uma entrevista. Em um
momento de nossa conversa, ele começou a relatar os problemas que ocorrem na Feira devido
à presença das prostitutas na Praça. Após uma ou duas colocações, o Xerife pediu para eu
desligar o gravador, terminou de relatar o episódio, mas disse que não deveria utilizar essa
informação. Passado quase um ano que estava em campo, o Senhor Julio me concedeu uma
nova entrevista, nessa, ele relatou novamente aquele episódio e alguns outros, dando-me a
permissão de utilizá-los, por confiar na minha competência profissional, conforme dito por
ele.
Considero todos os entrevistados meus informantes, todavia, tive interlocutores
importantes durante a pesquisa, pessoas que davam informações de bastidores, que realizam
observações quando eu não me encontrava em campo, muitas vezes me passando essas
observações por e-mail. Assim, por vezes, me identifiquei com Foote-White e seu informante
Doc, na etnografia realizada pelo primeiro em Cornerville.
Segundo Foote-White (1978, p. 80):
Uma vez [Doc] comentou: “Você, desde que apareceu aqui, tem me cansado
bastante. Agora quando faço qualquer coisa tenho que pensar o que Bill White
gostaria de saber a respeito disso e como explicar-lhe”.[...] [Assim] algumas
interpretações que fiz são mais dele [Doc] do que minhas ainda que agora seja
impossível distinguí-las.
Acredito que eu também tive meus “Doc”, pois tive informantes que além de se
preocuparem em me informar a respeito de coisas que não presenciei, discutiam comigo os
dados coletados, assim como sugere Jaime Junior (2003) ao se referir à nova forma de se
entender a observação participante, para o autor: “A pesquisa passa a ser pensada não mais
como observação participante, mas como encontro etnográfico. Nela, o antropólogo e seus
interlocutores (não se fala mais em informantes) experimentam uma relação dialógica”
(JAIME JÚNIOR, 2003, p. 443).
Travei essa relação dialógica com quatro pessoas, sendo que essa aproximação ocorreu
tanto por afinidade do pesquisado e do pesquisador quanto por interesse do informante quanto
aos resultados da pesquisa. Esse último fato demonstra que, ao entender a observação
participante como uma relação dialógica, essa técnica possa ser mais bem aceita no campo
administrativo, por dar a possibilidade aos interlocutores de discutir os achados da pesquisa e,
assim, conforme advoga Cavedon (1999), o fazer etnográfico nas empresas, ao desvendar as
representações sociais contidas nesses loci, fornece relevantes subsídios para a tomada de
decisão dos gestores.
As informações a que temos acesso durante a pesquisa vão mostrando-se diferentes a
medida em que o tempo avança. Inicialmente, temos acesso a dados mais superficiais, somos
informadas das versões “oficiais” que circulam nas organizações. Mas, ao avançar da
etnografia, quando nos tornamos mais “confiáveis” para o grupo, passamos a ter acesso a
outros discursos, que demonstram uma riqueza maior de dados. Portanto, faz-se necessário
reconhecer o momento em que somos efetivamente aceitas pela comunidade, o que difere de
ter a pesquisa autorizada. Abordamos o tema a seguir.

6 COMO SABER SE FOMOS ACEITOS NA COMUNIDADE ESTUDADA?


Embora a autorização para pesquisar seja o passo fundamental para a realização da
etnografia, a mesma não garante que seremos acatados pelo grupo pesquisado. A aceitação na
comunidade ocorre com a integração, a aculturação do pesquisador. Como isso acontecerá vai
depender do funcionamento da mesma, mas normalmente reflete, em ações, que revelam que
o pesquisador passou a ser reconhecido como membro do grupo, podendo participar
efetivamente das atividades.

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6.1 Sou membro do Cachorro Quente do Rosário
A minha aceitação pelo grupo de pesquisados do Cachorro Quente deu-se de uma
forma sutil. Não cheguei a ser considerada um membro do grupo como outro qualquer, em
virtude da posição de pesquisadora vinculada à Universidade, mas pude notar que cheguei a
ser aceita dentro dos limites que me foram dados.
Embora desde o início eu tenha explicado ao gerente da empresa no que consistia meu
método de pesquisa, aos demais colaboradores não estava claro por que eu ia tão
freqüentemente à empresa, sendo que eu era tratada como visita. Recebiam-me com muita
simpatia, mas eventualmente eu notava que se sentiam desconfortáveis por não ter episódios a
relatar e não me deixavam participar do seu trabalho. Até que eu comecei a falar mais sobre a
pesquisa e tranqüilizá-los sobre eu não estar atrás de novidades, mas do dia a dia mesmo.
O momento em que me foi permitido, primeiramente, fazer alguma coisa foi quando o
gerente comentou que no dia seguinte estaria entrevistando candidatos à vagas de montador
de cachorro-quente e telefonista e perguntou se eu gostaria de ajudá-lo nisso, já que eu tinha
experiência em seleção. Eu estava lá até antes da hora marcada, e acompanhei as entrevistas,
fiz perguntas e discuti com ele minhas impressões sobre os candidatos, além de ter dado
algumas dicas.
Desta maneira, minha atuação na área administrativa foi aceita. Após este episódio,
numa tarde em que estavam todos muito atarefados, minha oferta de ajuda foi acatada por
uma das informantes-chave e eu pude, enfim, realizar uma tarefa, que neste caso foi calcular o
desconto do consumo dos funcionários sobre seus pagamentos, e, depois, a soma das notas
fiscais de cada ponto de venda do dia anterior e conferência de valores. Após este momento,
eu era freqüentemente chamada a participar, opinando sobre legislação trabalhista, sugerindo
fontes de recrutamento e ajudando a organizar escalas de trabalho.
Entretanto, não consegui que me deixassem fazer trabalhos manuais, como limpar, pôr
as mesas e montar cachorros quentes, pois todas as minhas investidas de ir tirar a mesa
quando o cliente saía, ou atender ao telefone foram bloqueadas.

6.2 Faço parte da equipe que organiza a Feira


A pesquisa que desenvolvi junto à comunidade responsável pela organização da Feira
do Livro permitiu que eu identificasse vários momentos em que fui aceita como uma
integrante do grupo. Relato alguns desses momentos.
Durante minhas observações na época em que a 51º da Feira era organizada, percebi
que fui incorporada à equipe de trabalho, quando as coordenadoras ignoravam a minha
presença e relatavam discussões ocorridas nas reuniões do Conselho da Entidade, sendo que
muitas vezes, somente após terem relatado lembravam-se que esses dados não podiam ser
publicados, então me alertavam do sigilo acerca do dito por elas.
Percebi que fui aceita pelos membros da equipe, quando era convidada para juntar-me
a eles nos happy-hour de fim de expediente. Ou, de modo mais especifico, quando um dos
meus informantes-chaves esqueceu de me convidar para um encontro do grupo em um
lançamento de um livro e foi cobrado pelos colegas a respeito de minha ausência.
Durante a realização da 51º Edição, percebi que fui aceita na equipe da produção 02
quando levei uma bronca, ainda que leve, da coordenadora, bronca que ela dava aos monitores
quando algo não saia como ele esperava. Ou quando a mesma pediu para que eu conversasse
com dois monitores que tiveram uma séria discussão, pois acreditava que eles me ouviriam,
não como uma superior, mas como colega e amiga.
Percebi que havia sido aceita pela diretoria da CRL, quando fui convidada por três de
seus membros para participar da festa de encerramento da Feira.

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7 QUANDO SABEMOS QUE É HORA DE SAIR DE CAMPO?
A saída de campo acontece quando percebemos que já não se apresentam novidades,
que as falam e acontecimentos passam a se repetir. Mas vale ressaltar que, mesmo após a
saída oficial de campo, o pesquisador pode retornar, caso tenha demandas específicas.

7.1 A saída de campo no Cachorro-Quente do Rosário


No Cachorro Quente, a saída de campo foi feita ao final de quatro meses, quando eu
considerava já ter dados suficientes para a análise. O evento que marcou o início de minha
saída de campo foi a inauguração da loja em um shopping, que havia sido adiada algumas
vezes. A inauguração se deu em um sábado, em que passei o dia todo envolvida com os
preparativos finais, como ajustes na montagem dos móveis, ligação do gás, recebimento e
armazenamento de material e foi marcado por ansiedade e expectativa, até a abertura das
portas, quando tirei fotos e brindamos. Após este dia, estive ainda na lancheria para agradecer
e me despedir dos demais informantes.

7.2 A saída de campo da Feira do Livro de Porto Alegre


A Feira do Livro de Porto Alegre, por se tratar de um ritual com inicio e fim bem
demarcado, permite dizer que, oficialmente, minha saída de campo ocorreu com o término da
51º edição, mais especificamente com a participação na festa de encerramento dessa edição,
todavia na prática ela não ocorreu assim de fato, pois mesmo após tal encerramento, mantive
contato com meus informantes-chaves. Por vezes, eles continuavam a me passar informações
acerca dos acontecimentos dos preparativos da edição subseqüente, revelando que não é
somente o pesquisador que, ao manter contato mais próximo com a sociedade estudada, tem
dificuldade de se retirar de campo.
Um momento demonstra que, atualmente, eu, apesar de ainda manter relação próxima
com meus informantes da CRL, não sou mais vista como pesquisadora, pois na última ida à
essa entidade fui servida de café. Anteriormente, a coordenadora mandava que eu me servisse,
desta vez, ela mesma fez questão de me trazer o café, afirmando que é sempre bom receber
visitas queridas em seu recinto de trabalho.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS SAÍDAS DESTE TRABALHO


Conforme salientamos no início do, nosso objetivo não era construir uma lista de
instruções sobre o método etnográfico, mas levantar pontos importantes e que geram
perguntas recorrentes sobre a utilização do mesmo. Segundo comentamos, a pesquisa
etnográfica é construída através da inserção do pesquisador no campo, o que, de acordo com o
paradigma interpretacionista, será sempre um encontro único entre um indivíduo e uma
comunidade naquele específico recorte de espaço e tempo. Deste modo, o pesquisador deve
estar atento para as especificidades de seu local de pesquisa e buscar encontrar as formas mais
adequadas para sua inserção.
Percebemos, nos relatos das duas pesquisas, realidades diferentes que exigem dos
pesquisadores reações diferentes conforme a situação. Cada empresa ou instituição possui
suas características, que exigem dos pesquisadores ajustes para adaptarem-se e delinearem
estratégias de aproximação, bem como para permanecer em campo. Conforme os relatos, a a
autorização para a pesquisa exemplifica um destes tantos ajustes. O Cachorro Quente do
Rosário, por ser uma empresa privada, cujos responsáveis se mostraram acessíveis teve uma
entrada em campo diversa daquela da Feira do Livro, que, por tratar-se de um evento
realizado por uma entidade de classe, a Câmara Riograndense do Livro, requeriu um trâmite
maior para obtenção da autorização.
Do mesmo modo, os relatos trazidos ao longo deste texto mostraram que as
experiências são únicas, entretanto, as angústias, dúvidas e inseguranças dos pesquisadores

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podem ser compartilhadas no intuito de aprender com as experiências dos demais.
Salientamos que o próprio ensino do método não pode se dar de forma unicamente teórica,
mas requer, do aprendiz, leitura e vivência.
Finalizando, referimos que o momento da Antropologia marcado por Malinowski
(1978) representa uma tentativa de esquematizar o método etnográfico, a fim de alcançar a
neutralidade almejada para pesquisa nos moldes de ciência da época. Este sugere, ao lado de
um método de documentação estatística por evidencia concreta, o uso do diário de campo de
onde derivaram tentativas de separar a subjetividade do pesquisador dos achados. Atualmente,
etnógrafos seguem fazendo uso de diário de campo, mas não com este objetivo, pois já não se
acalenta a ilusão de que o pesquisador, como indivíduo, deixe seus valores, história e
subjetividade fora de suas descobertas.

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16
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introdução ao tema. Porto Alegre, Tomo Editorial, 2000.
i
Na 50º edição a camiseta da Feira foi vendida aos visitantes na barraca de autógrafos como um souvenir, isso
não ocorreu na 51º edição, pois o corte no orçamento da Feira acabou por atingir a confecção das mesmas para a
venda, de modo que somente a equipe de trabalho recebeu as camisetas em cor preta e os associados e
funcionários a camiseta em cor branca.

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