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O EVANGELHO SEGUNDO
MATEUS
Autoria
Desde o segundo século da era cristã, a tradição da Igreja atribui ao apóstolo Mateus a autoria do
Evangelho que aparece em primeiro lugar nas várias edições da Bíblia (Mt 9.9 e 10.3).
Eusébio, em sua obra História Eclesiástica, no início do século IV, já trazia citações de Papias, bispo
do século II, de Irineu, bispo de Leão e de Orígenes, grande pensador cristão do século III. Todos os
“pais da Igreja” (como ficaram conhecidos os notáveis discípulos de Cristo e teólogos dos primeiros
séculos), concordam em afirmar que este Evangelho foi escrito (ou narrado a um amanuense, pes-
soa habilidosa com a escrita), primeiramente em aramaico (hebraico falado por Cristo e pelos jovens
judeus palestinos de sua época) e depois, traduzido para o grego. Apesar das muitas evidências
sobre a existência do original em aramaico, todas as buscas e pesquisas arqueológicas somente en-
contraram fragmentos e cópias em grego. Entretanto, os principais estudiosos e teólogos do mundo
não duvidam que o texto grego que dispomos hoje em dia é o mesmo que circulou entre as igrejas
a partir da segunda metade do século I d.C.
Ainda que não apresentando explicitamente o nome do autor, o Evangelho Segundo Mateus,
fornece pelo menos uma grande evidência interna que confirma sua autoria defendida pelos pais da
Igreja. A história da narrativa de um banquete ao qual Jesus compareceu em companhia de grande
número de publicanos e pecadores (pagãos e judeus que não guardavam a Lei e as determinações
dos líderes religiosos da época) é descrita na passagem que começa com as seguintes palavras em
grego original transliterado: kai egeneto autou anakeimeou em te(i) oikia(i). Ou seja: “E aconteceu
que, estando Jesus em casa,...” (Mt 9.10). Considerando que os últimos três vocábulos significam
“em casa”, o trecho sugere que o banquete fosse oferecido “na casa” de Jesus. Contudo, a
passagem paralela em Mc 2.15 revela que essa festa aconteceu “na casa” de Levi, isto é, Mateus
Levi. O texto em Marcos aparece assim transliterado: en te(i) oikia(i) autou, “na casa dele”. O sentido
alternativo de Mt 9.10 esclarece que “em casa” quer dizer “na minha casa”, ou seja, “na casa” do
autor, e isto concorda perfeitamente com Marcos e com os fatos apresentados em todos os Quatro
Evangelhos.
Mateus, que tinha por sobrenome Levi (Mc 2.14), e cujo nome significa “dádiva do Senhor”, era um
cobrador de impostos a serviço de Roma, mas que abandonou uma vida de avareza e desonestidade
para seguir Jesus, o Messias (Mt 9.9-13). Em Marcos e Lucas é chamado por seu outro nome, Levi.
Propósitos
O principal objetivo do Evangelho Segundo Mateus é relatar seu testemunho pessoal sobre o fato de
Jesus Cristo ser o Messias prometido no Antigo Testamento, cuja missão messiânica era trazer o Reino
de Deus até a humanidade. Esses dois grandes temas: o caráter messiânico de Jesus e a presença
do Reino de Deus são indissociáveis e devem ser analisados sempre como um todo harmônico. Cada
qual representa um “mistério” – uma nova revelação do plano remidor de Deus (Rm 16.25-26).
Antes do grande evento da vinda do Messias, como o Filho de Deus (também chamado no AT e
pelo próprio Jesus de “o Filho do homem”), em triunfo e grande glória entre as nuvens do céu, a fim
de estabelecer Seu Reino sobre o planeta todo, terá em primeiro lugar, de vir sob a mais absoluta
humildade entre os homens na qualidade de Servo Sofredor, cônscio de que sua missão será dedi-
car a própria vida em sacrifício voluntário a favor da humanidade, especialmente dos que, crendo em
Seu Nome, se arrependerem dos seus pecados, nascendo para uma nova vida (Jo 1.12; 3.16). Esse
é o mistério da missão messiânica. Era um ensino completamente desconhecido para os judeus
do primeiro século da nossa era. Hoje, a maior parte dos cristãos que lêem o capítulo 53 de Isaías
não sentem qualquer dificuldade em identificar a pessoa de Jesus Cristo com o Messias prometido.
Entretanto, os judeus não observaram com cuidado a descrição do Servo Sofredor e deram mais
atenção às promessas de um Messias que viria com grande poder e glória, o que realmente está
registrado no contexto dessa passagem (Is 48.20; 49.3).
Por esse motivo, os judeus do primeiro século esperavam ansiosamente pelo Filho de Davi, um Rei
divino (uma vez que os reis humanos já haviam provado sua incompetência e limitação). O Filho de
MATEUS
A linhagem real de Cristo 15 Eliúde gerou Eleazar; Eleazar gerou
(Lc 3.23-28) Matã, Matã gerou Jacó;
1 Livro da genealogia de Jesus Cristo,
Filho de Davi, Filho de Abraão:
2 Abraão gerou Isaque, Isaque gerou Jacó,
16 Jacó gerou José, marido de Maria, da qual
nasceu JESUS, denominado o Cristo.2
17 Portanto, o total das gerações é: de
Jacó gerou Judá e seus irmãos, Abraão até Davi, quatorze gerações; de
3 Judá gerou Perez e Zera, de Tamar; Pe- Davi até o exílio na Babilônia, quatorze
rez gerou Esrom; Esrom gerou Arão. gerações; e do exílio na Babilônia até
4 Arão gerou Aminadabe; Aminadabe ge- Cristo, quatorze gerações.
rou Naassom; Naassom gerou Salmom,
5 Salmom gerou Boaz, de Raabe, e Boaz ge- A linhagem divina de Cristo
rou Obede, de Rute; Obede gerou a Jessé. (Lc 2.1-7)
6 Jessé gerou o rei Davi, e o rei Davi ge- 18 O nascimento de Jesus Cristo ocorreu
rou a Salomão, daquela que foi mulher da seguinte maneira: Estando Maria, sua
de Urias1; mãe, prometida em casamento a José,
7 Salomão gerou Roboão; Roboão gerou antes que coabitassem, achou-se grávida
Abias; Abias gerou Asa, pelo Espírito Santo.
8 Asa gerou Josafá; Josafá gerou Jorão; 19 Então, José, seu esposo3, sendo um
Jorão gerou Uzias; homem justo e não querendo expô-la à
9 Uzias gerou Jotão; Jotão gerou Acaz; desonra pública, planejou deixá-la sem
Acaz gerou Ezequias; que ninguém soubesse a razão.
10 Ezequias gerou Manassés; Manassés 20 Mas, enquanto meditava sobre isso,
gerou Amom; Amom gerou Josias; eis que, em sonho, lhe apareceu um anjo
11 Josias gerou Jeconias e a seus irmãos do SENHOR, dizendo: “José, filho de Davi,
no tempo em que foram levados cativos não temas receber a Maria como sua
para a Babilônia. mulher, pois o que nela está gerado é do
12 Depois do exílio na Babilônia, Je- Espírito Santo.
conias gerou Salatiel; Salatiel gerou 21 Ela dará à luz um filho, e lhe porás o
Zorobabel; nome de Jesus, porque Ele salvará o seu
13 Zorobabel gerou Abiúde; Abiúde ge- povo dos seus pecados”.4
rou Eliaquim, e Eliaquim gerou Azor; 22 Tudo isso aconteceu para que se cum-
14 Azor gerou Sadoque; Sadoque gerou prisse o que o SENHOR havia dito através
Aquim; Aquim gerou Eliúde, do profeta:
1 A expressão “daquela que foi mulher” não se encontra nos originais em grego; entretanto, desde 1611, a Bíblia King James
traz, junto ao texto bíblico, essa explicação rabínica, cujo emprego passou a se observar na maioria das traduções e versões
posteriores, em diversas línguas.
2 A expressão grega christos é o adjetivo verbal semita, equivalente a Messias, que, em hebraico, significa “o Ungido”. No AT,
essa forma designava o rei de Israel (o ungido do Senhor, como em 1 Sm 16.6), o sumo sacerdote (o sacerdote ungido – Lv 4.3).
No plural, essa expressão se refere aos patriarcas em seu ministério de profetas (“meus ungidos” – Sl 105.15). Jesus cumpriu a
profecia messiânica, desempenhando essas três funções.
3 O noivado judaico da época era um compromisso tão solene, que os noivos passavam a se tratar como marido e mulher. A
Lei, contudo, proibia qualquer relação sexual antes do casamento formal. O noivado só poderia ser desfeito por infidelidade, que
era punida com repúdio público e apedrejamento (Gn 29.21; Dt 22.13-30; Os 2.2).
4 Jesus (em hebraico Yehoshú’a) significa Yahweh Salva ou “O SENHOR é a Salvação”. Yahweh é o nome judaico impronunciável,
sagrado e sublime de Deus, na maioria das vezes traduzido por: SENHOR. Em hebraico: (Êx 6.3; Is 41.4). Em grego Egô Eimi.
5 Mateus demonstra de forma clara e inquestionável que Jesus Cristo é o Messias prometido nas diversas profecias do AT,
como nesse texto de Is 7.14. (Mt 2.15-23; 8.17; 12.17; 13.25; 21.4; 26.54-56; 27.9; cf. 3.3; 11.10; 13.14, etc.) O próprio Jesus usa
as Escrituras para comprovar sua identidade e ministério (Mt 11.4-6; Lc 4.21; 18.31; 24.44; Jo 5.39; 8.56; 17.12, etc.)
Capítulo 2
1 O primeiro calendário foi elaborado por Dionísio Exíguo, de Roma (no século VI) e adotado em todo o mundo predominan-
temente cristão. Com o surgimento de novas e mais precisas tecnologias para a medição do tempo, constatou-se que Dionísio
errou em pelo menos 4 anos em relação ao mais antigo calendário romano.
Herodes, chamado “O Grande”, recebeu, do Senado romano, o título de “rei da Judéia” e, por isso, ficou conhecido como “rei
dos judeus”. Durante seu reinado (de 39 a.C. a 4 a.C.) mandou matar todas as crianças de Belém, de até 2 anos de idade. Nessa
época Jesus estaria em seu segundo ano de vida. E os cálculos demonstram que teria nascido quase 5 anos antes do “Anno
Domini” (ano oficial do nascimento do Senhor).
Quanto à expressão “sábios”, como traduzida pela Bíblia King James, refere-se a um grupo de sacerdotes babilônios, gentios,
reconhecidos entre os povos medo-persas como mestres, cientistas, astrônomos, e que se dedicavam ao estudo da medicina e
da astrologia. Algumas versões trazem a expressão “magos”, mas em nossos dias essa palavra tem uma conotação estritamente
mística e ocultista. A tradição das igrejas cristãs acrescenta que eles eram três reis, devido aos três presentes de alto valor mone-
tário oferecidos a Jesus, mas isso não tem comprovação bíblica.
2 Séculos mais tarde, o astrônomo Kepler calculou que essa imagem de estrela reluzente se tratava da conjunção de Júpiter e
Saturno na constelação de Peixes, em 7 a.C. Na China, o mesmo fenômeno foi observado no ano 4 a.C. e interpretado como o
aparecimento de uma estrela variável, com surgimento e desaparecimento periódicos.
3 Herodes convoca os responsáveis pela vida religiosa e moral da nação judaica. Os sumos sacerdotes eram os membros das
grandes famílias sacerdotais de Jerusalém. Os escribas geralmente pertenciam ao partido político dos fariseus; eram também
doutores da Lei e estudantes profissionais, pagos para estudar e ensinar, ao povo, a Lei e as tradições rabínicas. Também fun-
cionavam como advogados públicos, sendo-lhes confiada à administração da lei e da ordem, como juízes no Sinédrio (22.35).
Esses dois grupos se unem contra Jesus, em 21.15. Mateus associa com mais freqüência os sumos sacerdotes aos anciãos do
povo (26.3,47; 27.1). O sentido em ambos os casos é o mesmo: os principais responsáveis pelo drama de um povo são seus
líderes e chefes.
4 A palavra “profeta” deriva do grego “pro” que significa “para adiante” ou “à frente” e “phemi” que quer dizer “o que fala”.
O profeta é aquele que traz a mensagem de Deus, o servo que anuncia prioritariamente, antes de tudo, a Palavra do Senhor.
Esse ministério pode incluir a previsão de futuros eventos. Deus continua a falar através de seus profetas nas igrejas de hoje.
Os arautos de Deus nos orientam e ensinam a ouvir o Espírito Santo e a obedecer à Palavra. Entretanto, a Bíblia também nos
adverte quanto aos “falsos profetas”, pessoas que são lideradas por um espírito diferente do Espírito Santo e causam confusão à
comunidade e grande dano a si próprios (Jr 7.4, Jr 14.14, Lm 2.4, Ez 13.6, Mt 7.15, Mt 24.11-24, 2Pe 2.1, Ap 19.20).
5 Mq 5.2; Jo 7.42; Ap 2.27
6 Sl 72.10-11; Is 60.6
7 Os 11.1
8 Jr 31.15
9 A expressão hebraica traduzida por “nazareno” significa: desprezível ou desprezado. Nazaré era o lugar mais improvável para
o surgimento ou a residência do Messias, o Ungido de Deus e libertador do povo de Israel (Sl 22.6; Is 11.1; Is 53.3; Mc 1.24).
Capítulo 3
1 João começa seu ministério no deserto da Judéia, uma região árida e estéril, ao longo da margem ocidental do mar Morto.
O Reino dos céus sinaliza o domínio do céu e dos seus valores sobre a terra e o sistema econômico, político, social e religioso
mundial. O povo judeu da época de Cristo esperava esse Reino messiânico (ou davídico) e seu estabelecimento. Foi exatamente
esse o Reino que João anunciou como “próximo”. A rejeição de Cristo pelo povo adiou sua plena concretização até a segunda e
iminente vinda de Cristo (Mt 25.31). O caráter atual do Reino está descrito na série de parábolas (histórias com objetivo didático)
contadas por Jesus em Mt 13.
2 Os fariseus eram a mais influente das seitas do judaísmo no tempo de Cristo. Embora apegados às doutrinas e à ortodoxia,
seu zelo, sem o entendimento espiritual da Lei de Moisés levara-os, ao longo dos séculos, a uma observância estrita das normas e
regras da Lei e das tradições rabínicas. Eram justos aos próprios olhos e inimigos implacáveis de Jesus Cristo (Mt 9.14; 23.2; 23.15;
Mc 12.40; Lc 18.9). Os saduceus, que pertenciam à elite econômica e às famílias sacerdotais, eram anti-sobrenaturalistas (não criam
em milagres e no poder sobrenatural de Deus). Opunham-se às tradições dos ensinos e interpretações dos fariseus e colaboravam
abertamente com os governantes romanos. Uniram-se aos fariseus apenas em suas perseguições a Cristo (Mt 16.1-4,6).
3 Algumas versões trazem a expressão: “...e limpará a sua eira”. A Bíblia King James optou por uma tradução mais clara dessa
frase, a partir do original grego; pois a “pá”, que Jesus traz em sua mão, tem a ver com uma pá de madeira usada para lançar
o cereal triturado ao ar, de modo que a palha, mais leve, fosse carregada pelo vento, e os grãos se amontoassem no solo. Isso
significa “limpar a eira” e reforça o cumprimento da profecia de Malaquias (Ml 3.1-6 e 4.1).
Capítulo 4
1 O objetivo do Diabo era levar Cristo, o Ungido, Filho de Deus, a pecar. Apenas um pecado seria o suficiente, desqualificando o
Salvador, frustrando assim, o plano de Deus para a redenção humana. O objetivo de Deus foi provar que seu Filho – perfeitamente
divino e perfeitamente humano – viveu, contudo, isento de qualquer pecado; sendo, portanto, um Salvador perfeitamente digno
e suficiente (2Co 5.21; Hb 4.15, Rm 8.3; 1Jo 2.16; Tg 1.13). Jesus escolhe uma passagem das Sagradas Escrituras (Dt 8.3) para
responder ao tentador e a todos quantos têm seus valores invertidos por ganância, egoísmo e inveja.
2 O orgulho, arrogância e empáfia do Diabo não lhe permitiram compreender, muito menos aceitar, a resposta que Cristo lhe
dera. O Diabo tenta, então, replicar, usando também uma passagem bíblica (Sl 91.11-12), mas omitindo parte do texto sagrado
7 Contestou-lhe Jesus: “Também está Galiléia, viu Jesus dois irmãos: Simão,
escrito: ‘Não tentarás o SENHOR teu chamado Pedro e André que lançavam a
Deus’”.3 rede ao mar, pois eram pescadores.
8 Tornou o Diabo a levá-lo, agora para 19 Então, disse-lhes Jesus: “Vinde após mim,
um monte muito alto. E mostrou-lhe e Eu vos farei pescadores de homens”.
todos os reinos do mundo em todo o seu 20 Eles, imediatamente deixaram suas
esplendor. redes e seguiram Jesus.
9 E propôs a Jesus: “Tudo isso te darei se, 21 Seguindo adiante, viu Jesus outros
prostrado, me adorares. dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu e
10 Ordenou-lhe então Jesus: “Vai-te, Sata- João, seu irmão, que estavam no barco
nás, porque está escrito: ‘Ao SENHOR, teu com Zebedeu, seu pai, consertando as
Deus, adorarás e só a Ele servirás’”.4 redes; e chamou-os.
11 Assim, o Diabo o deixou; e eis que 22 Eles imediatamente deixaram o barco
vieram anjos, e o serviram. e seu pai para seguirem a Jesus.
23 E percorria Jesus toda a Galiléia,
Jesus inicia seu ministério ensinando nas sinagogas, pregando o
(Mc 1.14-20; Lc 4.14-32; 5.1-11) evangelho do Reino e curando todas as
12 Jesus, entretanto, ouvindo que João enfermidades e males entre o povo.
estava preso, voltou para a Galiléia. 24 E sua fama correu por toda a Síria; e
13 E, deixando Nazaré,5 foi habitar em trouxeram-lhe, então, todos aqueles que
Cafarnaum, situada à beira-mar, nos sofriam, acometidos de várias enfermi-
confins de Zebulom e Naftali. dades e tormentos, os endemoninhados,
14 Assim cumprindo-se o que fora dito os lunáticos e os paralíticos. E Jesus os
pelo profeta Isaías: curava.
15 “Terra de Zebulom e terra de Naftali, 25 E uma grande multidão da Galiléia,
caminho do mar, além do Jordão, Gali- Decápolis, Jerusalém, Judéia e de além
léia dos gentios!6 do Jordão seguia a Jesus.
16 O povo que jazia nas trevas viu uma
grande luz; e aos que estavam detidos O sermão do monte
na região e sombra da morte, a luz (Lc 6.20-29)
raiou”.
17 Daquele momento em diante Jesus
passou a pregar e dizer: “Arrependei-vos,
5 Jesus, vendo as multidões, subiu a
um monte e, assentando-se, os seus
discípulos aproximaram-se dele.
porque é chegado o Reino dos céus!”. 2 E Jesus, abrindo a boca, os ensinava,
18 E, caminhando junto ao mar da dizendo:
que não se ajustava a seus intentos. Esse mesmo método de interpretação inescrupulosa da Bíblia tem-se repetido ao longo dos
séculos, na criação e desenvolvimento de diversas seitas heréticas em todo o mundo.
3 Veja Dt 6.16
4 Somente uma análise profunda e detalhada dos diálogos aqui travados entre Satanás e Jesus pode revelar a magnitude dessa
batalha espiritual vencida por Cristo por meio da Palavra de Deus (Dt 6.13; 10.20), bem como a astúcia e o poder do Diabo para
iludir seus oponentes. Satanás, como príncipe do sistema econômico, político e social do nosso planeta (em grego, Kosmos,
que significa: mundo), estava em seu direito ao ofertar a Jesus as glórias de todos os reinos da terra, pois de fato estes lhe foram
entregues por algum tempo (Jo 12.31; 1 Jo 2.15; 5.19; Jo 3.19; Tg 1.27; 4.4). Jesus manteve-se, porém, íntegro e fiel, resistindo
e vencendo a tentação e o tentador.
5 Conforme Lc 4.16-30, Jesus foi expulso de Nazaré, terra onde fora criado, por ter se apresentado ao povo (em um sábado,
na sinagoga) como sendo o Filho de Deus e aquele que veio cumprir as profecias sobre a vinda do Messias, registradas no AT
(Is 61.1-2 a. Veja também Is 9.1-2 e 42.6-7).
6 Os melhores originais em grego trazem a palavra “gentios” (todos aqueles que não são judeus) em vez de “nações” como
consta em várias versões em português.
1 A KJ de 1611 traz a expressão inglesa blessed (abençoado, bendito, muito feliz) que foi adotada pela maioria das traduções
em todo o mundo, inclusive pelas mais modernas. “Bem-aventurados” transmite melhor a idéia do original grego makarios refe-
rindo-se a uma felicidade que excede às circunstâncias, que tem a ver com o profundo sentimento de paz e alegria que todos os
que foram “abençoados” com a Salvação em Cristo e Seu Reino devem sentir e desfrutar, mesmo em meio às aflições cotidianas.
Esse discurso, conhecido como Sermão do Monte, é o primeiro dos cinco grandes temas tratados por Jesus (Mt 5 a 7; Mt 10;
13; 18 e em Mt 24 e 25). São ensinos primeiramente dirigidos aos discípulos (convertidos, que desejam proclamar ao mundo
sua fé em Jesus Cristo).
A expressão original: “abre a boca”, significa que Jesus passou a falar mais alto para que pudesse ser ouvido pelas demais
pessoas ao redor. A proclamação do “Reino dos Céus” é o ponto central da pregação de Jesus. Essa expressão vem do hebraico
malekhüth shãmayim. A KJ traduz como “Reino do Céu” mas tanto a palavra grega ouranos como a hebraica shãmayim estão no
plural (céus) e têm o mesmo sentido de “Reino de Deus”. Os judeus, por respeito, não mencionavam o nome de Deus e por isso,
Mateus, sensível a esse dado cultural, chamou o Reino de Deus de Reino dos Céus. O ser humano não tem em si mesmo força
moral e ética para viver como Deus ordena. Por isso Jesus Cristo, que viveu essa plenitude de vida espiritual na terra e venceu o
mundo, vem na forma do Espírito Santo habitar na alma humana para ajudar-nos a viver uma nova vida, com uma nova mentalida-
de, como cidadãos do Seu Reino, dirigidos por Deus.A plenitude dessa vida espiritual se dará no futuro (Ap 21.1-4).
2 A primeira estocada de Jesus atinge diretamente o coração arrogante e presunçoso. Jesus conhecia bem os ensinos dos
escribas e fariseus: “Quem cumpre toda a Lei com exatidão é rico no Altíssimo. Quem, além disso, observa literalmente a Halachá
(série de tradições judaicas transmitidas pelos pais de geração a geração) será ainda mais rico”. Jesus não estava dizendo que
não há bênção em obedecer a Lei, mas sim que um coração soberbo e orgulhoso por cumprir ordenanças e preceitos, não pode-
rá “entrar” (viver com amor, paz, alegria e liberdade) no Reino de Deus. Assim, “pobres em espírito” não é uma contradição nem
se refere a pessoas tímidas ou sem poder econômico. Significa sim, que o discípulo (seguidor) de Jesus, aquele que ama a Deus
sobre todas as coisas, conhece suas limitações e fraquezas e reconhece que sem a graça do Senhor é impossível viver a vida
cristã e que por isso não tem qualquer motivo para se orgulhar, pois o Reino dos Céus é também uma dádiva aos quebrantados,
humildes e arrependidos (Jo 3), e não pode ser alcançado através de qualquer esforço, barganha ou talento humano. Reino dos
Céus é o domínio de Deus sobre toda a criação, as pessoas e o mundo; tanto no presente como no futuro (Mt 5.3; 12.28 e Rm
14.17). Às vezes refere-se também a um lugar e uma vida futura com Deus (2 Tm 4.18).
3 A KJ traz aqui a palavra inglesa meek que pode ser traduzida como: pacífico, gentil, brando, suave, amável, manso, dócil,
submisso, resignado. Entretanto, a palavra: “humilde” é mais fiel ao sentido original do termo em grego e comunica melhor, em
português, a idéia dessa qualidade cristã: defender a justiça com paciência e sem amargura, entregando lutas e desafios ao
Senhor que tudo julga retamente. Esse caráter cristão, moldado pelo Espírito Santo, nos capacita a perseverar na fé em Cristo
ainda que em meio às injustiças, ofensas e falta de reconhecimento neste mundo. A promessa é nada menos do que a terra por
herança. Aqueles que aceitam perder algumas coisas nesta terra e neste tempo, mantendo uma fé serena no Senhor, serão os
reis de toda a terra no futuro (Ap 5.9-14), pois já vivem no presente como cidadãos do Reino. Seres humanos esses cujas vidas
estão sendo transformadas pelo Espírito Santo e cujos frutos de caráter lhes conferem a bênção de serem conhecidos como
“bem-aventurados” (muito felizes).
A Lei se cumpre em Cristo 22 Eu, porém, vos digo que qualquer que
17 Não penseis que vim destruir a Lei ou se irar contra seu irmão estará sujeito a
os Profetas. Eu não vim para anular, mas juízo. Também qualquer que disser a seu
para cumprir. irmão: Racá, será levado ao tribunal. E
18 Com toda a certeza vos afirmo que, até qualquer que o chamar de idiota estará
4
que os céus e a terra passem, nem um i sujeito ao fogo do inferno.6
ou o mínimo traço se omitirá da Lei até 23 Assim sendo, se trouxeres a tua oferta
que tudo se cumpra. ao altar e te lembrares de que teu irmão
19 Qualquer, pois, que violar um destes tem alguma coisa contra ti,
menores mandamentos e assim ensinar 24 deixa ali mesmo diante do altar a tua
aos homens será chamado o menor no oferta, e primeiro vai reconciliar-te com
Reino dos Céus; aquele, porém, que os teu irmão, e depois volta e apresenta a
cumprir e ensinar será chamado grande tua oferta.
no Reino dos Céus. 25 Entra em acordo depressa com teu ad-
20 Porque vos digo que, se a vossa justiça versário, enquanto estás com ele a caminho
não exceder a dos escribas e fariseus, de do tribunal, para que não aconteça que o
modo nenhum entrareis no Reino dos adversário te entregue ao juiz, o juiz te en-
Céus. tregue ao carcereiro, e te joguem na cadeia.
21 Ouvistes que foi dito aos antigos: “Não 26 Com toda a certeza afirmo que de ma-
matarás; mas quem assassinar estará su- neira alguma sairás dali, enquanto não
jeito a juízo”.5 pagares o último centavo.7
4 A Lei e os Profetas representavam a totalidade do AT, que incluía os Escritos (Sl 78.12-16 é um exemplo desses Escritos e se
refere a Êx 7-12 e Nm 13.22, que fazem parte da terceira seção da Bíblia Hebraica). Jesus é o cumprimento das profecias sobre
a vinda do Messias e Seu Reino. Ao mesmo tempo, Ele foi o único ser humano a cumprir de maneira plena e fiel a essência da
vontade de Deus, não se limitando a uma obediência apenas religiosa, formal e exterior. Jesus levou seu amor pelo Pai e pela
humanidade às últimas conseqüências e enfatizou que toda a Palavra de Deus se cumprirá. Nem a menor letra do alfabeto
hebraico: (yod); em grego: i(iôta) que corresponde à letra “i” em português; nem mesmo o menor sinal gráfico (pequeno traço)
que serve para distinguir certas letras hebraicas, e que pode alterar o sentido de uma expressão, serão suprimidos das Sagradas
Escrituras. Jesus usa essa bem elaborada hipérbole para evidenciar a veracidade e autoridade da Palavra de Deus até o final
dos tempos. As próprias Escrituras testemunham acerca de Jesus de Nazaré como Filho de Deus, Messias (Cristo), Rei dos Reis,
Senhor do Universo, nosso Salvador para toda a eternidade (Mc 14.49; Lc 24.27; Jo 10.35; At 18.24; 2Tm 3.16, 2Pe 1.20-21). Jesus
desejava que os doutores da Lei observassem essa verdade nas Escrituras, uma vez que o povo já estava aceitando que Jesus
Cristo era o Messias, pelas obras que realizava e o poder de suas palavras.
5 Jesus toma como exemplo a situação mais drástica da Lei: a morte (Êx 20.13; Dt 5.17) para demonstrar o que significa
compreender e obedecer ao espírito da Lei e não apenas à letra. Ou seja, uma vida no sentido mais amplo e saudável dos man-
damentos de Deus, em vez da interpretação meramente externa e restrita feita pela tradição rabínica. A KJ traz a palavra murder
(assassinar), pois os verbos em hebraico e grego usados nesse texto e em Êx 20.13 têm especificamente esse sentido claro.
6 Jesus demonstra como entender o sentido mais abrangente da Lei, ao relacionar o pecado de tirar a vida de alguém
(assassinato) com erros, aparentemente menos graves, como irar-se contra um irmão ou insultar alguém. A KJ e as versões de
Almeida acrescentam “sem motivo se irar”. Entretanto, os mais antigos e melhores originais gregos não trazem essa expressão.
Jesus revela que a ofensa verbal está no mesmo nível de um assassinato. Racá era uma antiga expressão aramaica rêqâ’ que
originou a palavra hebraica rêquïm usada no tempo dos juízes (Jz 11.3) para indicar pessoas de mau caráter, levianas e traidoras.
De maneira curiosa, essa era uma expressão freqüentemente usada na tradição rabínica, associada ao vocábulo nãbhãl (néscio),
para se referir aos insensatos e sem sabedoria. Já a palavra grega more, traduzida, em algumas versões, como “louco”, tem sua
origem na expressão hebraica moreh (desgraçado), alguém que por não crer em Deus merecia o inferno. O cerne do ensino de
Jesus está em que o pecado que leva alguém a ofender outra pessoa é o mesmo que motiva o assassinato. O vocábulo grego
synedrio cujo correspondente hebraico é sanhedrïn refere-se ao mais alto tribunal dos judeus, que se reunia em Jerusalém. A KJ
traduziu o termo para o inglês council (conselho), por se tratar da reunião dos sábios que julgavam as causas do povo. Synedrion
deu origem à expressão grega presbyterion que significa “corpo de anciãos” (Lc 22.66; At 22.5) e gerousia “senado” (At 5.21).
A expressão “fogo do inferno” tem a ver com o vale de Hinom em hebraico ge’hinnom que deu origem ao nome grego do lugar:
geena. Durante o reinado dos perversos Acaz e Manassés, sacrifícios humanos ao deus amonita Moloque foram realizados em
geena. Josias profanou o vale por causa das oferendas pagãs que realizou naquele lugar (2Rs 23.10; Jr 7.31,32; 19.6). Com o
passar do tempo, esse vale se transformou num grande depósito de lixo, constantemente em chamas, o que fez a palavra geena
significar o lugar dos perdidos, imprestáveis e destinados ao fogo que nunca se apaga.
7 Graças a Jesus temos a bênção do perdão à nossa disposição. Não fosse essa graça seríamos todos consumidos pela Lei.
Os cristãos devem, então, perdoar tudo e a todos, pedir perdão e procurar a paz com todos aqueles que se sentirem ofendidos
com alguma de suas atitudes. Jesus não entra no mérito se o cristão está certo ou não, apenas ordena que a reconciliação seja
promovida o mais rápido possível e que a iniciativa seja sempre da parte daquele que crê em Deus. Jesus usa o exemplo do judeu
religioso e temente ao Senhor em um de seus atos mais sublimes — o sacrifício oferecido a Deus de acordo com a lei mosaica,
para ensinar que não pode haver culto, oração ou oferta maior do que um coração limpo, sincero, humilde, perdoador e em paz
com Deus e com os semelhantes. Em seguida, por meio de uma parábola, Jesus exorta os cristãos que estão em demanda com
alguém a que se apressem a negociar um acordo e estabeleçam a paz, antes que a questão se prolongue demais e acabe na
justiça onde não há misericórdia, apenas a lei.
8 No AT juramentos em nome do Senhor eram obrigatórios em determinadas ocasiões: quando a palavra necessitava de um
fiador idôneo ou mesmo diante de um voto. A quebra da palavra empenhada era um ato sujeito às penas da Lei (Êx 20.7; Lv 19.12;
Dt 19.10-19). Deus era (e é) o juiz onisciente de toda a falsidade. “...tão certo como o Senhor vive” (1Sm 14.39). Essa ênfase na
santidade dos votos ocorria devido à falsidade costumeira entre as pessoas em seus acordos cotidianos. Jesus ensina que o
verdadeiro cristão deve ser autêntico e sincero em suas afirmações; afastando-se de toda a ambigüidade e falsidade comuns
neste mundo controlado pelas forças do Diabo.
9 Jesus trabalha as questões universais do direito. De fato toda a humanidade participa de um grande julgamento, envolvendo
todos os povos de todos os tempos, no qual Cristo é nosso Advogado e garantia absoluta. Jesus começa citando a antiga Lei da
Retaliação (Lv 24.20). Entre os judeus, na época de Jesus, o ato de bater na face direita de alguém, com as costas da mão, era
um insulto e uma provocação; não exatamente uma agressão. O insultado poderia revidar ou ir ao tribunal pleitear uma punição,
em dinheiro, pela ofensa. Jesus exorta seus discípulos a oferecer a outra face, em sinal de paz e disposição para um acordo. A
próxima ilustração tem a ver com as leis dos fariseus: um credor tinha o direito de exigir a túnica do devedor por uma dívida não
paga. Quando não a recebia por bem, tinha o direito de exigi-la por meio de um processo jurídico. Mas, de acordo com Dt 24.10-
13, deveria ceder a roupa ao dono, conforme suas necessidades diárias de uso. Diante dessas questões jurídicas mesquinhas,
inimigos e orai pelos que vos perse- 4 Para que a tua obra de caridade fique
guem; em secreto: e teu Pai, que vê em secreto,
45 para que vos torneis filhos do vosso Pai te recompensará.
que está nos céus, pois que Ele faz raiar
o seu sol sobre maus e bons e derrama A oração modelo
chuva sobre justos e injustos. 5 E, quando orardes, não sejais como
46 Porque se amardes os que vos amam, os hipócritas, pois que apreciam orar
que recompensa tendes? Não fazem os em pé nas sinagogas e nas esquinas das
publicanos igualmente assim?10 ruas, para serem admirados pelos outros.
47 E, se saudardes somente os vossos ir- Com toda a certeza vos afirmo que eles já
mãos, que fazeis de notável? Não agem os receberam o seu galardão.
gentios também dessa maneira? 6 Tu, porém, quando orares, vai para teu
48 Assim sendo, sede vós perfeitos como quarto e, após ter fechado a porta, orarás
perfeito é o vosso Pai que está nos céus. a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai,
que vê em secreto, te recompensará ple-
Como viver no Reino namente.
Jesus exorta os discípulos a serem altruístas. Se credores, a desistir do penhor; se devedores, a dar além do devido, entregando
também a capa que era vestida sobre a túnica. Para o discípulo de Jesus, o direito jurídico já foi abolido na Cruz, a nova ordem é
a Lei do Amor em Cristo. Outra metáfora de Jesus reforça essa idéia. Tem a ver com o costume judaico de se pedir a companhia
de alguém numa viagem pelas perigosas estradas da época. Quando alguém se negava, e acontecia um crime, essa pessoa
era responsabilizada pela sua comunidade local, por não ter atendido ao pedido do viajante. O verbo grego traduzido aqui por
“forçar” advém de uma antiga palavra persa que significa “recrutar à força”. Curiosamente, é a mesma palavra que aparece no
final deste livro, em Mt 27.32, quando os soldados romanos “recrutam à força” Simão, para ajudar Jesus a carregar sua cruz. Os
fariseus haviam imposto uma lei: “devemos acompanhar somente a outro fariseu, não devemos caminhar com os incrédulos”.
Jesus, entretanto, vai além, e ensina que seus discípulos, ao serem solicitados por qualquer viajante a andar 1.609 metros (uma
milha), devem graciosamente estar prontos para caminhar em sua companhia por mais de três quilômetros (duas milhas). Ou
seja, exceder em amor, graça e misericórdia ao que pede a Lei.
10 O termo publicano (palavra latina com origem no grego telõnês) denominava um coletor de impostos a serviço do império
romano. Esses homens eram odiados por causa da impiedade com que exploravam o povo. Para os judeus, o publicano era
imundo, pois estava sempre em contato com os gentios. A palavra “publicano” tornou-se sinônimo de egoísmo, desonestidade,
falsidade, impiedade e incredulidade. Gentios (em hebraico gôyïm e do grego ethnikoi ou Hellênes traduzido pela Vulgata, em
latim, como gentiles) era um termo geral para significar “nações”. Entretanto, na época de Jesus, esse termo era usado pelos
judeus para se referir, em tom discriminatório e preconceituoso, a todas as pessoas que não fossem israelenses. Para os mestres
e doutores da Lei, os “gentios” eram idólatras, imorais e pecadores. Um judeu chamado de gentio significava um publicano; ou
seja, uma pessoa impura, incrédula, mau-caráter, inescrupulosa, impiedosa e digna de todo o desprezo. Jesus resgata o valor
real dos “gentios” (das nações) e convida a todos para Seu Reino (Rm 1.16; Cl 3.11; Gl 2.14; Ap 21.24; 22.2). Jesus conclui essa
parte do seu ensino revelando o segredo da ética cristã: o amor deve fazer muito mais do que a obrigação. Este foi o testemunho
de Cristo e este deve ser o objetivo maior dos cristãos: buscar o amor perfeito do Pai e agir assim, como filhos amados de Deus,
para que outros vejam a luz de Cristo e sejam libertos das trevas deste mundo.
1 Jesus ensina a seus seguidores o caminho da verdadeira adoração e comunicação com Deus. O primeiro passo é a
humildade, em contraste com o estilo dos fariseus, escribas, publicanos e gentios, que viviam uma religiosidade apenas de
aparência, formal e estéril. Os discípulos deveriam também evitar as “vãs repetições”, pois essa era a maneira como os pagãos
(aqueles que não passaram pelo batismo, também chamados de “gentios”) tentavam sensibilizar seus deuses para obter favores.
Nessa época, os adoradores de Baal (1Rs 18.26-28) estavam cativando até judeus fiéis com suas hipocrisias (encenações
teatrais, do grego hupokrites, ator). Por isso Jesus oferece um modelo de oração: O nascimento espiritual dá ao cristão o direito
de ser filho de Deus (Jo 3) e, portanto, pode orar a Deus como quem conversa com seu pai amado (em aramaico: Abba, Mc
14.36; Rm 8.15, Gl 4.6). Devemos desejar e trabalhar pelo estabelecimento do Reino de Deus, em nossas vidas e comunidades,
ao receber pessoalmente o Espírito Santo, que traz salvação, paz, alegria, e a justiça de Cristo. Reino esse que será estabelecido
de forma plena no futuro iminente, quando Jesus voltar, e o último Inimigo for vencido definitivamente (2Ts 2.8; 1Co 15.23-28).
Assim a terra usufruirá a mesma glória de Deus que há nos céus (2Pe 3.13). O cristão reconhece que é o Senhor quem supre
diariamente todas as nossas necessidades, e é grato por isso. A fome, as guerras e outros sofrimentos sociais não ocorrem por
indiferença da parte de Deus, mas pelos pecados dos indivíduos (malignidade) e das nações. Devemos nos lembrar de perdoar
as pessoas que nos devem (bens materiais ou justiça) com a mesma misericórdia e generosidade com que Deus nos perdoa
sempre (1Jo 1.5-9). Observemos como Jesus ressalta a importância do perdão no Reino de Deus (6.14,15). O servo do Senhor é o
alvo favorito dos ataques e artimanhas do Diabo. Mas Deus tem o poder de nos livrar de todo o mal e levar-nos, para lugar seguro,
longe do alcance dos demônios. Não há amargura, decepção, fraqueza, vício, perda ou dor maiores do que o amor e o poder
de Deus (Tg 1.13; 1Co 6.18; 10.14; 1Tm 6.11; 2Tm 2.22). A maioria das versões da Bíblia em português inclui a frase: “...e não
nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal...”. A KJ apresenta a expressão inglesa: “...and do not lead us into temptation...”
(...e não nos induzas à tentação...). Os melhores originais gregos nos permitem traduzir: “...e não nos conduzas à tentação...”. A
palavra grega peirasmos aqui significa “tentação”, podendo significar também: “teste ou provação” em outros trechos. Assim, a
tentação, que do ponto de vista do Diabo é sempre uma cilada para nos destruir, do ponto de vista de Deus é uma oportunidade
para fortalecimento da fé e crescimento espiritual (Lc 22.32). Deus controla o universo visível e invisível, incluindo o Maligno e seu
reino; por isso, é ao Senhor que devemos pedir livramento das tentações e forças para vencer as provações (1Co 10.13). Jesus
deixa bem claro em sua oração-modelo, que o cristão somente consegue a vitória, vigiando e orando. O próprio Jesus venceu
sua grande batalha contra Satanás, com jejum (4.2), e recomendou que seus discípulos também usassem essa arma ao lado das
orações, e do contínuo louvor a Deus, contra os desígnios do Inimigo (9.15; 17.21).
2 Jesus escolhe uma palavra aramaica Mâmon para personificar um dos mais poderosos deuses pagãos de todos os tempos:
o Dinheiro. O adjetivo Mâmon, deriva do verbo aramaico amân (sustentar) e significa amor às riquezas e dedicação avarenta aos
interesses mundanos. Jesus orienta seus seguidores a investir suas vidas na conquista de bens espirituais agradáveis ao Senhor
e adverte para a impossibilidade de se servir com lealdade a Deus e ao mesmo tempo amar o deus Dinheiro. Isso não quer dizer
que Jesus seja contra os ricos e prósperos, mas, sim, que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males (Gn 13.2; Ec 3.13; 5.10-
19; 10.19; 1Tm 6.10). O dinheiro é para ser usado e as pessoas, amadas. A inversão desses valores tem sido a razão de muitas
desgraças (Is 52.3; 55.1; Rm 4.4; 1Tm 5.18).
3 A palavra grega psyche (alma) significa: “vida”, pois nas Escrituras, “alma” tem um sentido de algo diferente do atual, derivado
da filosofia grega, especialmente a partir de Platão. Na Bíblia, a palavra “alma” vem da expressão hebraica nephesh que significa
“personalidade” e indica o centro das emoções e apetites. Por isso, em toda a Bíblia, o comer e o beber são considerados como
funções da alma. Algumas vezes pode também se referir à vida natural em contraste com a vida espiritual (Hb 4.12). Jesus usa uma
figura de linguagem para ensinar duas verdades: “Deus existe, e você não é Ele”. As preocupações tentam minimizar o poder de
Deus e colocar um peso insuportável sobre nossas costas. A versão de Almeida traduz a expressão grega helikia por “estatura”; po-
rém, melhores originais e estudos mais acurados, mostram que o termo se refere a tempo e idade. Em certo sentido, essa expressão
de Jesus poderia ser traduzida assim: “Ninguém ultrapassa, nem por meio metro, o ponto final da sua existência na terra”. Por isso,
Jesus recomenda um estudo (análise, consideração filosófica) sobre a maneira cuidadosa, generosa e particular com que Deus trata
cada um dos seres mais simples da terra, e os reveste de grande glória (1Rs 1-11; 1Cr 28; 2Cr 9; 1Rs 10.4-7). Concluindo: temos uma
visão distorcida da vida e de nossas prioridades. Somente a busca do Reino de Deus vai nos colocar em harmonia com o Criador, e,
assim, descobriremos a tão almejada paz, justiça e real felicidade (Jo 6.52-59; Jo 10.10, Rm 3.21-31 e 14.17-18).
Capítulo 7
1 Jesus mostra que é possível ajudar nosso semelhante com conselhos e críticas (v. 5 e 23.13-39), bem como devemos estar
sempre dispostos a aprender, avaliar e ensinar (Rm 2.1; 1Co 5.9; 2Co 11.14; Fp 3.2; 1Jo 4.1; 1Ts 5.21).Entretanto, como cristãos,
nosso dever é amar antes de julgar. Um coração repleto do amor de Deus não será acusador, mesquinho, invejoso, crítico con-
tumaz ou difamador. A marca do cristão deveria ser seu amor irrestrito e altruísta pelo próximo, em especial por seus irmãos em
Cristo (Jo 13.5; Jo 14.15; Rm 12.10; 1Pe 1.22).
2 Jesus usou muitas histórias (parábolas) e figuras de linguagem para ensinar. Em 19.24, por exemplo, Ele fala de um camelo
passando pelo fundo de uma agulha. Nesta outra hipérbole, Ele compara uma partícula de serragem ou pedaço de qualquer
jogueis aos porcos as vossas pérolas, para Pelo fruto se conhece a árvore
que não as pisoteiem e, voltando-se, vos 15 Acautelai-vos quanto aos falsos profe-
façam em pedaços. tas. Eles se aproximam de vós disfarçados
de ovelhas, mas no seu íntimo são como
Perseverança na oração lobos devoradores.
7 Pedi, e vos será concedido; buscai, e 16 Pelos seus frutos os conhecereis. É
encontrareis; batei, e a porta será aberta possível alguém colher uvas de um espi-
para vós. nheiro ou figos das ervas daninhas?
8 Pois todo o que pede recebe; o que bus- 17 Assim sendo, toda árvore boa produz
ca encontra; e a quem bate, se lhe abrirá. bons frutos, mas a árvore ruim dá frutos
9 Ou qual dentre vós é o homem que, ruins.
se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma 18 A árvore boa não pode dar frutos ruins,
pedra? nem a árvore ruim produzir bons frutos.
10 Ou se lhe pedir peixe, lhe entregará 19 Toda árvore que não produz bons fru-
uma cobra? tos é cortada e atirada ao fogo.
11 Assim, se vós, sendo maus, sabeis dar 20 Portanto, pelos seus frutos os conhe-
bons presentes aos vossos filhos, quanto cereis.
mais vosso Pai que está nos céus dará o 21 Nem todo aquele que diz a mim: ‘Se-
que é bom aos que lhe pedirem!3 nhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus,
12 Portanto, tudo quanto quereis que mas somente o que faz a vontade de meu
as pessoas vos façam, assim fazei-o Pai, que está nos céus.
vós também a elas, pois esta é a Lei e os 22 Muitos dirão a mim naquele dia:
Profetas.4 ‘Senhor, Senhor! Não temos nós profe-
tizado em teu nome? Em teu nome não
Os dois únicos caminhos expulsamos demônios? E, em teu nome,
13 Entrai pela porta estreita, pois larga é não realizamos muitos milagres?’
a porta e amplo o caminho que levam à 23 Então lhes declararei: Nunca os co-
perdição, e muitos são os que entram por nheci. Afastai-vos da minha presença,
esse caminho. vós que praticais o mal.
14 Porque estreita é a porta e difícil o ca-
minho que conduzem à vida, apenas uns O sábio e o insensato
poucos encontram esse caminho!5 24 Assim, todo aquele que ouve estas
material com uma grande trave (viga) de madeira usada na estrutura de construções, para destacar a humildade, carinho e sen-
sibilidade que devemos ter para com nosso semelhante, quando tivermos de emitir um juízo, criticar ou aconselhar. Pois somos
sujeitos a erros, fraquezas e dificuldades iguais ou maiores que os de qualquer pessoa.
3 Jesus explica que o bem e o mal têm, às vezes, certa semelhança inicial, podendo enganar alguém ingênuo ou desinformado.
A pedra a que Jesus se refere era parecida com os pães orientais da época: redondos, achatados e endurecidos (por isso o pão
suportava longas viagens e era quebrado para ser servido). A cobra peçonhenta é semelhante às enguias comestíveis, apreciadas
pela culinária da época. O Senhor é Pai bondoso e fica feliz em dar os presentes (dádivas) que seus filhos lhe pedem, mas só Ele
sabe o que é realmente bom para cada um de nós.
4 Este versículo é conhecido em todos os continentes como “A Regra de Ouro”, a manifestação prática do amor cristão.
Orienta-nos Jesus aqui quanto ao procedimento diário: o amor, sem egoísmos, deve ser a força motriz das nossas ações (1Co
13.4-8), concedendo ao próximo o que buscamos para nosso próprio bem. Devemos chegar ao ponto máximo do amor e da fé
em Deus, que é retribuir com o bem a qualquer pessoa que, por algum motivo, nos ferir ou fizer qualquer mal. Foi assim que Deus
respondeu à rebelião e indiferença da humanidade, oferecendo-se em sacrifício, para nos salvar pela Graça (Ef 2.8-9). A “Lei e os
Profetas” é uma referência a toda a Escritura Sagrada, tanto em sua letra como em seu pleno conteúdo (Rm 13.8-10; Mt 5.17).
5 Jesus denomina o caminho para o céu de “porta estreita” ou “caminho difícil”, em algumas versões “caminho apertado”.
Não porque Deus tenha diminuído sua generosidade, graça e desejo de salvar a todos (2Pe 3.9), ao contrário, estamos vivendo
a “Época da Graça” onde todos – mais do que nunca – são bem-vindos ao Reino de Deus. Entretanto, poucos permanecerão
no Caminho, porque jamais foram dele realmente, e não suportam o negar-se a si mesmo, as renúncias do “Eu” nem os apelos
de uma sociedade cada vez mais hedonista e materialista. A idéia e a figura dos dois caminhos é muito anterior a Cristo, data de
400 a.C e foi difundida através do trabalho filosófico de Sócrates. O mesmo pensamento reaparece em duas grandes obras do
primeiro século depois de Cristo: Didaquê e Epístola de Barnabé.
minhas palavras e as pratica será compa- 4 Em seguida, disse-lhe Jesus: “Veja que
rado a um homem sábio, que construiu a não digas isto a ninguém, mas segue,
sua casa sobre a rocha. mostra teu corpo ao sacerdote, e faze a
25 E caiu a chuva, vieram as enchentes, oferta que Moisés ordenou, para que sirva
sopraram os ventos e bateram com vio- de testemunho.”1
lência contra aquela casa, mas ela não
caiu, pois tinha seus alicerces na rocha. Um comandante romano crente
26 Pois, todo aquele que ouve estas mi- 5 Entrando Jesus em Cafarnaum, dirigiu-
nhas palavras e não as pratica é como se a ele um centurião, suplicando:2
um insensato que construiu a sua casa 6 “Senhor, meu servo está em casa, para-
sobre a areia. lítico e sofrendo horrível tormento”.
27 E caiu a chuva, vieram as enchentes, 7 Então, Jesus lhe disse: “Eu irei curá-lo”.
sopraram os ventos e bateram com vio- 8 Ao que respondeu o centurião: “Se-
lência contra aquela casa, e ela desabou. nhor, não sou digno de receber-te sob o
E grande foi a sua ruína”. meu teto. Mas dize apenas uma palavra,
28 Quando Jesus acabou de pronunciar e o meu servo será curado.
estas palavras, estavam as multidões atô- 9 Porque eu também sou homem de-
nitas com o seu ensino. baixo de autoridade e tenho soldados às
29 Porque Ele as ensinava como quem minhas ordens. Digo a um: Vai, e ele vai;
tem autoridade, e não como os mestres e a outro: Vem, e ele vem. Ordeno a meu
da lei.6 servo: Faze isto, e ele o faz”.
10 Ao ouvir isto, Jesus maravilhou-se, e
Jesus purifica o imundo disse aos que o seguiam: “Com toda a cer-
6 Os doutores da lei (em grego grammateis, nomikoi) e os mestres da lei (em grego nomodidaskaloi) eram técnicos no estudo
da lei de Moisés (Torah). Em princípio era uma função reservada aos sacerdotes. Esdras, um homem de Deus, acumulou as fun-
ções de sacerdote e escriba (em hebraico sôpherïm). Veja Ne 8.9. Com o passar do tempo, os escribas se tornaram extremamente
formais e espiritualmente estéreis. Além disso, muitos se envolveram com o partido político dos fariseus e deixaram de ser impar-
ciais em relação ao ensino da lei. Jesus, entretanto, ensinava com “exousia”, em grego, “poder sobrenatural” que a todos deixava
maravilhados, pasmos, atônitos (1Co 2.4-5). Isso despertou a inveja e o ódio de muitos “líderes religiosos” contra Jesus Cristo.
Capítulo 8
1 A lei de Moisés (Lv 13,14) ordenava que em casos de doenças de pele, especialmente a lepra, somente um sacerdote ou seu
filho poderia realizar a cerimônia de purificação. O conceito de quarentena (para isolamento e tratamento de doenças infecciosas)
teve início naquela época. Para os judeus, a çãra’ath, palavra hebraica para um dos tipos de hanseníase, simbolizava o pecado,
por ser nojento, contagioso e incurável. Além disso, o sacerdote que tocava no leproso tornava-se cerimonialmente imundo. Je-
sus ao curar um homem da mais terrível doença de sua época, revela ao mundo parte de sua natureza e ministério. As instruções
mosaicas para o cerimonial de purificação dos imundos tipificam a nossa redenção em Cristo (Lv 14.2-32).
2 A centúria era uma divisão do exército romano, formada por cem homens e comandada por um centurião. Cornélio, um outro
centurião gentio, convertido, foi notável exemplo de cristão (At 10).
3 A tradição rabínica considerava o judaísmo como uma garantia herdada e absoluta de entrada no Reino de Deus, e por isso
também se dizia: “filhos do reino” (Is 41.8). Embora, os judeus sejam de fato o povo escolhido, Jesus está comemorando a entrada
dos gentios (todos os que não são judeus) no Reino do Pai, como verdadeiros filhos (Sl 107.3; Is 49.12; 59.19; Ml 1.11). Jesus
demonstra seu lado humano ao ficar admirado (surpreso) com a fé e a compreensão que aquele homem, não-judeu, demonstrou
cederá!” E naquela mesma hora o servo suas tocas e as aves do céu têm seus ni-
foi curado. nhos, mas o Filho do homem não tem
onde repousar a cabeça”.
Jesus salva, cura e liberta 21 Outro de seus discípulos lhe disse: “Se-
14 Tendo Jesus chegado à casa de Pedro, nhor, permite-me ir primeiro sepultar
viu a sogra deste acamada, enferma e meu pai”.
com febre. 22 Ao que Jesus lhe respondeu: “Segue-
15 Então, Jesus tocou a mão dela e a febre me e deixa que os mortos sepultem os
a deixou. Em seguida, levantou-se ela e seus próprios mortos”.
passou a servi-lo.
16 No início da noite, trouxeram-lhe mui- Jesus domina as circunstâncias
tos endemoninhados; e Ele, com apenas 23 Entrando Jesus no barco, seus discípu-
uma palavra, expulsou os espíritos e los o seguiram.
curou todos os que estavam doentes. 24 De repente, sobreveio no mar uma
17 Assim se cumpriu o que fora dito por violenta tempestade, de tal maneira que
intermédio do profeta Isaías: “Ele tomou as ondas encobriam o barco. Ele, contu-
sobre si as nossas enfermidades e pesso- do, dormia.
almente levou as nossas doenças”.4 25 Então, seus discípulos vieram des-
pertá-lo, clamando: “Senhor, salva-nos!
A prioridade do discipulado Vamos todos perecer!”
18 Quando Jesus viu que uma multidão o 26 Mas Jesus disse a eles: “Por que estais
rodeava, ordenou que atravessassem para com tanto medo, homens de pequena fé?
o outro lado do mar. E, levantando-se, repreendeu os ventos e
19 Então, aproximando-se dele um escri- o mar, e houve plena calmaria.
ba, disse-lhe: “Mestre, seguir-te-ei para 27 Então, os homens maravilhados, excla-
onde quer que fores”. maram: “Quem é este que até os ventos e
20 Jesus lhe respondeu: “As raposas têm o mar lhe obedecem?”.
ter acerca do seu poder e autoridade divina. Aproveita o evento para proclamar a salvação para todos os povos e raças (22.1-14;
Lc 14.15-24), ao mesmo tempo em que adverte duramente aos judeus quanto ao fato de que a herança da vida eterna e do Reino
está em crer em Deus e na aceitação de Seu Filho que veio ao mundo para salvar todos os seus. De agora em diante a humanidade
não seria mais dividida entre judeus e gentios (os próximos e os distantes de Deus); mas, sim, entre crentes e descrentes. O padrão
de reconhecimento da herança não repousa mais sobre a nacionalidade ou linhagem judaica, mas numa fé sincera e absoluta no
Senhor (Sl 147.13,20; Mt 4.17; 9.28; Mc 4.40; 11.22; Lc 5.20; Jo 5.37-47; 8.45; At 14.16). Por isso acontecerá que do oriente e do
ocidente (de todo o mundo) virão gentios para o Reino (Is 49.12) e terão o direito de se assentar ao lado dos grandes pais da fé, pois
aceitaram a Graça da Salvação (Ef 2.8). Jesus conclui duramente, que muitos judeus, “herdeiros do Reino” (sacerdotes ou filhos do
reino) tornaram-se “filhos da desobediência” (piores dos que os pagãos e gentios), razão pela qual serão expulsos para o “reino dos
mortos” (sheol, em hebraico e hades, em grego), onde haverá tanto remorso e tristeza que se ouvirá o som do bater dos queixos
das pessoas aterrorizadas. Nesse estado intermediário entre a morte e a ressurreição (sheol ou hades), os salvos gozarão de paz e
descanso, enquanto os incrédulos estarão na escuridão (um lugar chamado: inferno) e sob tormentos. Na ressurreição, os salvos
habitarão plenamente o Reino, e os incrédulos (judeus ou não) sofrerão a segunda morte e serão banidos para o lugar de punição e
fogo eterno ou lago de fogo (em grego ten geennan tou pyros). Onde até mesmo o inferno será lançado (Ap 20).
4 Ao contrário do que alguns céticos e críticos afirmam, Jesus não andava com o AT nas mãos procurando cumprir profecias.
Mas, a cada instante, um evento admirável ocorria e seus discípulos, e todos os que conheciam a Lei e os Profetas testemunhavam,
na pessoa de Jesus o cumprimento de várias profecias messiânicas do AT. Tudo isso diante dos olhos atônitos de todos. Algumas
dessas profecias haviam sido escritas há mais de 1.000 anos antes que Jesus começasse a andar pelas terras da Palestina pregando
a Nova Aliança, como é o caso do Salmo 22 e outros (Sl 2,8,16,40,41,45,68,69,89,102,109,110 e 118). A profecia de Isaías 53.4 (cerca
de 750 a.C segundo os melhores estudos sobre os Papiros do Mar Morto) nos revela que Jesus, o Messias (Palavra hebraica que sig-
nifica: Rei Ungido, e que foi traduzida para o grego como: Cristo), refere-se ao ministério de cura e libertação de Jesus, cuja obra lhe
custou caro fisicamente (Mc 5.30, Lc 8.46). Os cristãos, hoje em dia, podem ter uma idéia desse desgaste físico e emocional quando
participam ativamente de qualquer dos ministérios da Igreja: exposição da Palavra, evangelização, louvor, adoração, missões, cura,
libertação, aconselhamento, administração, contribuição, ação social e outros, pois a verdadeira obra cristã requer do Espírito Santo
(que é o próprio Jesus habitando na vida de cada indivíduo que crê) o mesmo poder demandado da pessoa de Jesus Cristo.
1 Freqüentemente Jesus refere-se a si mesmo como Filho do Homem (Mc 8.38; 13.26, 14.62; Lc 17.24; 21.27). Ele usou essa
expressão do AT para descrever seu caráter e missão em termos da visão de Daniel (Dn 7.13). O Filho do Homem se humilhou
como verdadeiro ser humano, sendo ao mesmo tempo, o Eterno Vitorioso (Mt 24.30). Além disso, Jesus revestiu essa expressão
com a necessidade e o profundo significado dos seus sofrimentos, morte e ressurreição expiatória (Mc 8.31; 9.31; 10.33; 14.21-
41; Lc 18.31-33; 19.10; Mt 20.18-28; 26.45; Lc 21.25-28; 22.29-30; Mc 13.26-27; 14.24-25,62; Jo 13.31-32).
2 Cafarnaum foi a cidade onde Jesus permaneceu mais vezes e por mais tempo, por isso era chamada de a “cidade de Jesus”
(Mt 4.12,13; 9.9; Mc 2.1; Lc 4.13, 23, 31, 38). Mas, apesar de Cafarnaum ter sido um grande centro comercial, presenciado mais
sinais e recebido mais da presença e da Palavra de Cristo do que qualquer outra localidade, Jesus encontrou ali apenas uns
poucos seguidores. Por isso o Senhor exclama seu “ai” sobre a cidade (Mt 11.23). Hoje Cafarnaum é um campo de entulhos,
chamado Tel Hum. Mateus era um cobrador de impostos a serviço de Roma. Os judeus se referiam a eles como “publicanos
e pecadores”, pois os consideravam “amaldiçoados” como os gentios (Jo 7.49). Jesus viu, porém, em Mateus, um discípulo e
o autor deste Evangelho o chamou, em aramaico akolutheo (Segue-me!), que é uma expressão que significa: “ir atrás de”. Na
época, essa expressão era um convite de honra. O aluno do profeta, em sinal de respeito, passaria a caminhar atrás do seu mestre
(rabino) e, por dois anos, aprenderia as leis do judaísmo. Mateus (Matias, em hebraico), deixa tudo e começa uma nova vida com
Cristo (Lc 5.28). Oferece uma ceia, em sua casa (Lc 5.27), para Jesus, os discípulos e seus muitos amigos pecadores. No Oriente
e naquela época, convidar alguém para cear em casa era uma grande demonstração de amizade e intimidade e por isso recebia
o nome de: “comunhão de mesa”. Isso foi o suficiente para provocar a ira de um grupo de fariseus (hassïdïns – leais a Deus - em
hebraico; eram os sacerdotes e doutores da Lei, temidos por seu rigor e poder político).
ceia o vosso mestre com publicanos e Jesus tem poder sobre a morte
pecadores?” 18 Enquanto, Ele estava falando, um dos
12 Mas Jesus, ouvindo, responde: “Os dirigentes da sinagoga aproximou-se e,
sãos não necessitam de médico, mas sim, ajoelhando-se diante dele, rogou: “Mi-
os doentes. nha filha acaba de morrer; mas vem,
13 Portanto, ide aprender o que significa impõe a tua mão sobre ela, e viverá”.
isto: ‘Misericórdia quero, e não sacrifí- 19 Jesus então levantou-se e seguiu com
cios’. Pois não vim resgatar justos e sim ele, e seus discípulos os acompanharam.
pecadores’”.3 20 De repente, uma mulher que há doze
anos vinha sofrendo de hemorragia, al-
O novo e definitivo vinho cançou-o por trás e tocou na borda do
14 Então, chegaram os discípulos de João seu manto.
e lhe perguntaram: “Por que jejuamos 21 Pois dizia essa mulher consigo mesma:
nós, e os fariseus, muitas vezes, e os teus “Se eu conseguir apenas lhe tocar as ves-
discípulos não jejuam?” tes, serei curada”.
15 Respondeu-lhes Jesus: “É possível que 22 Então Jesus voltou-se e assim que viu
os amigos do noivo fiquem de luto en- a mulher lhe disse: “Anime-se grande-
quanto o noivo ainda está com eles? Dias mente, filha, a tua fé te salvou!” E, desde
virão, quando o noivo lhes será tirado; aquele momento, a mulher ficou sã.5
então jejuarão. 23 Quando Jesus chegou à casa do diri-
16 Ninguém coloca remendo novo em gente da sinagoga e viu os flautistas fúne-
roupa velha; porque o remendo força o bres e a multidão em alvoroço, ordenou:
tecido da roupa e o rasgo aumenta. 24 “Retirai-vos daqui! Esta menina não
17 Nem se põe vinho novo em odres está morta, mas adormecida”. E todos
velhos; se o fizer, os odres rebentarão, o zombavam dele.
vinho derramará e os odres se estragarão. 25 Assim que a multidão foi retirada,
Mas, põe-se vinho novo em odres novos, Jesus entrou, tomou a menina pela mão
e assim ambos ficam conservados”.4 e ela se levantou.
3 O maior e mais agradável sacrifício (holocausto) para Deus é o nosso amor sincero, sem restrições e em plena fé. A
enfermidade da qual todos padecemos, inclusive muitos religiosos e líderes cristãos, é a distância do mais verdadeiro e puro
amor (em grego: agape) ao Senhor (1Jo 4.16) e aos nossos semelhantes. Jesus pede que os doutores em teologia, filosofia,
direito e ética da época, voltem às Escrituras, leiam atentamente Oséias 6.6, especialmente na edição grega do AT, a Septuaginta
(cerca de 260 a.C.), e entendam que Ele não estava pactuando com o pecado, mas salvando todos aqueles que reconhecerem
nele o Messias, o Filho de Deus.
4 Segundo a lei mosaica, apenas o jejum do Dia da Expiação era obrigatório (Lv 16.29,31; 23.27-32; Nm 29.7). Após o exílio na
Babilônia, outros quatro jejuns deveriam ser feitos durante o ano (Zc 7.5; 8.19). Na época de Jesus, os fariseus jejuavam duas
vezes por semana (Lc 18.12). Os casamentos judaicos eram grandes celebrações familiares, cujas festas chegavam a durar
uma semana e, nessas ocasiões, os convidados eram dispensados da obrigação do jejum, uma vez que esse ato era sempre
associado à tristeza. Jesus então faz uma analogia entre as festividades das bodas e seu relacionamento com seus discípulos (os
amigos do noivo), dispensando-os do jejum enquanto o noivo (Ele) estiver presente. Jesus jejuava em particular, mas rejeitava a
observação da Lei de forma legalista e para autoglorificação (Is 58.3-11). O jejum seria praticado por seus discípulos, após sua
ascensão, voluntariamente e para edificação pessoal (Mt 4.2; 6.16-18). Jesus veio estabelecer uma nova ordem para o relaciona-
mento das pessoas com Deus. A lei deve ceder lugar à graça (o novo vinho, a nova aliança). Os odres eram bolsas feitas de pele
de cabra, onde se conservava o vinho (Gn 27.28; Êx 29.40; Lv 10.9; Sl 104.15; Ec 10.19; 1Tm 5.23; 1Tm 3.8; Tt 2.3; Rm 13.13;
Rm 14.21). À medida que o suco de uvas frescas fermentava, o vinho se expandia. Os odres novos tinham maior resistência e
flexibilidade, e se esticavam. Mas os odres usados e envelhecidos não suportavam a pressão e estouravam, colocando o vinho a
perder. Jesus usa essa metáfora para revelar que seu novo, puro e poderoso ensino não pode ser recebido pelas antigas formas
do judaísmo, nem pelo legalismo religioso.
5 Jesus se agrada da nossa fé e está sempre pronto para nos socorrer em qualquer necessidade. Basta que o procuremos
com sinceridade. O verbo grego sõzein significa “salvar e curar”. A mulher pensou em salvar-se, livrar-se de uma doença horrível
e antiga. Mas Jesus deu-lhe a cura integral, da alma e do corpo, quando a abençoou com a tradicional bênção dos rabinos da
época: “a tua fé te salvou”. Jesus demonstrou que essa não era apenas uma frase religiosa, mas a indicação de que o Reino de
Deus havia chegado para todos aqueles que nele cressem, pois que as palavras de Jesus são acompanhadas de poder.
18 Sereis levados à presença de governa- luz do dia; e o que se vos diz ao ouvido,
dores e reis por minha causa, para teste- proclamai-o do alto dos telhados.
munhardes a eles e aos gentios. 28 E, não temais os que matam o corpo,
19 Todavia, quando vos prenderem, não mas não têm poder para matar a alma.
vos preocupeis em como, ou o que deveis Temei antes, aquele que pode destruir no
falar, pois que, naquela hora, vos será mi- inferno tanto a alma como o corpo.
nistrado o que haveis de dizer. 29 Não se vendem dois pardais por uma
20 Isso porque, não sois vós que estareis moedinha de cobre? Mesmo assim,
falando, mas o Espírito de vosso Pai é nenhum deles cairá sobre a terra sem a
quem se expressará através de vós. permissão de vosso Pai.
21 Um irmão entregará à morte seu irmão, 30 E quanto aos muitos cabelos da vossa
e o pai ao filho, e os filhos se rebelarão cabeça? Estão todos contados.
contra seus pais e lhes causarão a morte. 31 Por isso, não temais! Bem mais valeis
22 E, por causa do meu Nome, sereis vós do que muitos passarinhos.
odiados de todos. Contudo, aquele que 32 Assim sendo, todo aquele que me decla-
permanecer firme até o fim será salvo. rar diante das pessoas, também eu o decla-
23 Quando, porém, vos perseguirem num rarei diante de meu Pai que está nos céus.
lugar, fugi para outro; pois com toda a 33 Entretanto, qualquer que me negar
certeza vos asseguro que não tereis pas- diante das pessoas, também Eu o negarei
sado por todas as cidades de Israel antes diante de meu Pai que está nos céus.
que venha o Filho do homem. 34 Não penseis que vim trazer paz à terra;
24 O pupilo não está acima do seu men- não vim trazer paz, mas espada.
tor, nem o escravo acima do seu amo. 35 Pois Eu vim para ser motivo de discór-
25 Basta ao discípulo ser como seu mestre, dia entre o homem e seu pai; entre a fi-
e ao servo ser como seu senhor. Se chama- lha e sua mãe e entre a nora e sua sogra.
ram de Belzebu ao cabeça da Casa, quanto 36 Assim os inimigos do homem serão os
mais aos membros da sua família! da sua própria família.1
26 Entretanto, não os temais! Nada há 37 Quem ama seu pai ou sua mãe mais do
escondido que não venha a ser revelado, que a mim não é digno de mim; e quem
nem oculto que não venha a se tornar ama o filho ou a filha mais do que a mim
conhecido. não é digno de mim.
38 E aquele que não toma a sua cruz e não
A entrega do temor a Deus me segue, também não é digno de mim.
27 O que vos digo na escuridão, dizei-o à 39 Quem encontra a sua vida a perderá.
1 Jesus não veio trazer a paz no sentido de uma religiosidade cômoda e inconseqüente. O verdadeiro cristianismo é uma mudança
radical de vida com implicações conflituosas, inadequações e até perseguições cruéis. Algumas vezes na própria família (Mq 7.6)
e, com certeza, neste mundo secularizado, materialista e agnóstico. A paz do cristão está em sua plena comunhão com Deus (Jo
14.27) e a terra só verá paz completa na volta do Rei Jesus (Is 2.4). Uma das ofensas que mais feriram o coração de Cristo foi ouvir
dos teólogos da época (seu povo e família) que realizava milagres e sinais no poder de Belzebu (9.34; 12.24-29; Mc 3.22; Lc 11.15-
19; Jo 8.52). Chamar o Filho de Deus – o cabeça da raça humana – de Diabo, foi uma das maiores blasfêmias já ditas na história do
mundo. Belzebu é a forma grega da expressão hebraica Baal-Zebub que se refere a Satanás, o “príncipe dos demônios” e significa:
“senhor das moscas” (2Rs 1.2). Por isso, é preciso muito cuidado ao julgar e expressar publicamente opiniões dessa natureza con-
tra qualquer pessoa ou movimento cristão. Em 10.38, pela primeira vez em Mateus, aparece a palavra “cruz”. Os cristãos não devem
buscar o sofrimento, nem se desesperar diante dele, mas ter a atitude de Jesus: enfrentar as circunstâncias com fé, humildade e
coragem. O império romano obrigava seus condenados à morte a caminhar com a trave de suas cruzes nas costas até o local da
execução. Os discípulos já haviam visto milhares de judeus serem crucificados, por isso essa ilustração (metáfora) de Jesus foi tão
significativa. O crente, salvo por Cristo, deve carregar consigo a mesma cruz: renunciar a si mesmo, para servir com total dedicação
ao Senhor Jesus, como mortos para as demandas do sistema mundial e do nosso “eu” (Gl 2.20). Por isso, quem busca frenetica-
mente se dar bem nesta vida, acabará perdendo as bênçãos inerentes à condição dos salvos, agora e eternamente (2Co 5.17). Em
10.42, Jesus conclui esse trecho bíblico fazendo menção notável de recompensa a todos aqueles que ajudam e cooperam com os
servos do Senhor no estabelecimento da nova ordem: o Reino de Deus (1Co 15.58; Gl 6.9; Mt 25.35-36).
Mas quem perde a vida por minha causa começou Jesus a falar às multidões a res-
a achará. peito de João: O que fostes ver no deser-
40 Quem vos recebe, a mim mesmo rece- to? Um caniço agitado pelo vento?
be; e quem recebe a minha pessoa, recebe 8 E então? O que fostes ver no deserto?
aquele que me enviou. Um homem vestido com roupas finas?
41 Quem recebe um profeta por reconhe- De fato, os que usam roupas finas estão
cê-lo como profeta, receberá a recom- nos palácios reais.
pensa de profeta; e quem recebe um justo 9 Mas, afinal, o que fostes ver? Um pro-
por suas qualidades de justiça, receberá a feta? Sim, Eu vos afirmo. E mais do que
recompensa de justo. um profeta!
42 E quem der, mesmo que seja apenas 10 Este é aquele a respeito de quem está
um copo de água fria a um destes peque- escrito: “Eis que Eu enviarei o meu men-
ninos, por ser este meu discípulo, com sageiro à frente da tua face, o qual prepa-
toda a certeza vos afirmo que de modo rará o teu caminho diante de Ti”.1
algum perderá a sua recompensa”. 11 Com toda a certeza vos afirmo: Entre
os nascidos de mulher não se levantou
João. O arauto de Jesus ninguém maior do que João, o Batista;
1 João Batista foi o último dos profetas do AT e o precursor de Cristo. O mensageiro do Rei (arauto) que veio anunciar a che-
gada do Filho de Deus à terra (Ml 3.1; 4.5-6). João estava preso em Maqueros, uma fortaleza inóspita, nas proximidades do mar
Morto (14.3-12; Lc 7.18-35) e desejava confirmar se Jesus era mesmo o Messias profetizado no AT. Jesus manda sua resposta
de maneira inequívoca, assim João poderia descansar e se alegrar no Senhor, pois sua missão estava cumprida: “os cegos
enxergam” e os demais milagres profetizados por Isaías (730 a.C.) sobre as obras que o Messias realizaria quando chegasse (Is
35.5; 61.1). Quem saiu para ver algo tão comum e simples como um pé de cana balançando ao vento, viu e ouviu o maior dos
profetas do AT, parente e amigo amado do Senhor (Lc 1.36; Jo 3.29). Entretanto, aqueles que têm o privilégio de ouvir o Filho de
Deus foram contemplados com bênção ainda maior que João (Ef 5.25-32). Jesus ainda registra o comportamento infantil dos
seres humanos em relação à vinda dos profetas de Deus - são como crianças: se ouvem uma música alegre, tocada com flautas,
nos casamentos (da época), não ficam contentes. Se ouvem uma melodia mais triste, como as executadas nos enterros, não se
emocionam. Ou seja, para muitos, infelizmente, não há como comunicar o Evangelho de modo a que este seja bem compreendi-
do. Por isso, muito felizes (bem-aventurados) são os que ouvem e aceitam a Palavra de Deus. A KJ de 1611 traz a expressão: “a
sabedoria é justificada por seus filhos” e significa que os frutos (obras) do ensino de João e Jesus são visíveis, palpáveis, práticos
e têm a ver com uma nova e abençoada maneira de viver.
19 Então chega o Filho do homem, comen- dos céus e da terra, pois escondeste estas
do e bebendo, e dizem: ‘Eis aí um glutão e coisas dos sábios e cultos, e as revelaste
bebedor de vinho, amigo de publicanos e aos pequeninos.
pecadores!’ Todavia, a sabedoria é compro- 26 Amém, ó Pai, pois assim foi do teu
vada pelas obras que são seus frutos”. agrado!
27 Todas as coisas me foram entregues
Ai dos povos incrédulos por meu Pai. Ninguém conhece o Filho
20 Então, começou Jesus a admoestar se- senão o Pai; e ninguém conhece o Pai a
veramente as cidades nas quais realizara não ser o Filho, e aquele a quem o Filho
numerosos feitos prodigiosos, porque o desejar revelar.
não se arrependeram: 28 Vinde a mim todos os que estais cansa-
21 “Ai de ti Corazim! Ai de ti Betsaida! dos de carregar suas pesadas cargas, e Eu
Porque se os milagres que entre vós vos darei descanso.
foram realizados tivessem sido feitos em 29 Tomai vosso lugar em minha canga
Tiro e Sidom, há muito que elas se teriam e aprendei de mim, porque sou amável
arrependido, vestindo roupas de saco e e humilde de coração, e assim achareis
cobrindo-se de cinzas. descanso para as vossas almas.
22 Entretanto, Eu vos afirmo que no dia 30 Pois meu jugo é bom e minha carga
do juízo haverá menos rigor para Tiro e é leve”.2
Sidom, do que para vós outros.
23 E tu, Cafarnaum, te arrogas subir até os O Senhor do sábado
céus? Pois serás lançada no inferno. Por-
que se as maravilhas que foram realizadas
em ti houvessem sido feitas em Sodoma,
12 Naquela época, Jesus passou pe-
las lavouras de cereal, em dia de
sábado. Seus discípulos estavam com
teria ela permanecido até o dia de hoje. fome e começaram a colher espigas e
24 Eu, contudo, vos afirmo que haverá comê-las.
mais tolerância para com o povo de So- 2 Assim que os fariseus viram aquilo,
doma no dia do julgamento, do que para disseram-lhe: “Vê! Teus discípulos estão
contigo”. fazendo o que não é lícito em dia de
sábado!”
Vinde a Cristo, os cansados 3 Mas Jesus lhes respondeu: “Não lestes
25 Naquela ocasião, em resposta, Jesus o que fez Davi quando ele e seus compa-
proclamou: “Graças te dou, ó Pai, Senhor nheiros estavam com fome?
2 Corazim, mencionada apenas duas vezes nas Escrituras (aqui e em Lc 10.13) distava cerca de quatro quilômetros ao norte de
Cafarnaum. Betsaida ficava na extremidade ao norte do mar da Galiléia. Tiro e Sidom eram cidades pagãs da Fenícia. Jesus con-
clui esse trecho bíblico com uma “resposta” emocionada às graves circunstâncias descritas anteriormente. A expressão: “Graças
te dou” (em grego exomologoumai), significa: “reconheço”. A expressão: “Amém” (em hebraico transliterado amen) vem de uma
raiz que significa “digno de fé” ou “verdade” (Is 65.16), por isso a palavra grega é mera transliteração do hebraico, usada por
algumas versões na forma poética: “em verdade, em verdade”. No AT era, também, uma expressão de concordância (assim seja)
com uma doxologia ou bênção (1Cr 16.36; Sl 41.13). Jesus fez uso dessa expressão com autoridade messiânica, algo incomum
aos rabinos e mestres de sua época (2Co 1.20). Em certo sentido, Jesus pode ser chamado de “o Amém de Deus” (Is 65.16; Ap
3.14). Muitas sinagogas usaram essa expressão, que passou para as primeiras igrejas cristãs (1Co 14.16).
Nos versos 28 a 30 Jesus faz menção às Escrituras (Jr 6.16) e usa mais uma notável ilustração para mostrar como o cristão
pode encontrar descanso para as suas aflições: Jesus aponta para a canga dos bois. Uma trave de madeira robusta, quase
sempre ocupada por dois animais, colocados lado a lado, presos pelo pescoço e ligados ao arado ou carro que deveriam puxar.
Jesus considerou sua cruz (canga), útil e boa (no original grego chrestos). Algumas versões usam a palavra: “suave”. Jesus
considerou seu “fardo” leve, não pesado ou difícil de transportar até seu destino. Para alcançar o pleno descanso devemos
ocupar nosso lugar ao lado de Jesus e partilhar da sua canga; que não era um instrumento de tormento para os animais, mas
um meio útil e cômodo de levar mais carga com menos esforço, evitando os sofrimentos das antigas cordas amarradas pelo
corpo. Jesus quer partilhar sua força conosco. Além disso, bondade, paciência, mansidão, humildade são qualidades que nos
possibilitam trabalhar e descansar com fé no amor e na soberania do Senhor. Uma pessoa assim será querida e amável, e isso a
ajudará a vencer muitos problemas e descansar diariamente em paz.
4 Como entrou na casa de Deus, e come- “Estende a tua mão”. Ele a estendeu e ela
ram os pães da Presença, os quais a lei foi restaurada, ficando sã como a outra.
não lhes permitia comer, nem a ele nem 14 Diante disso, saíram os fariseus e co-
aos que com ele estavam, mas exclusiva- meçaram a conspirar sobre como pode-
mente aos sacerdotes?1 riam matar Jesus.
5 Ou não lestes na Lei que, aos sábados,
os sacerdotes no templo violam o sábado Eis meu Servo amado!
e, contudo, são desculpados? 15 Mas, Jesus, sabendo disto, afastou-se
6 Pois Eu vos afirmo que aqui está quem daquele lugar. Uma multidão o seguiu e
é maior do que o templo. a todos Ele curou.
7 Entretanto, se vós soubésseis o que 16 Contudo, os advertiu para que não
significam estas palavras: ‘Misericórdia divulgassem suas obras.
quero, e não holocaustos’, não teríeis 17 Ao acontecer isso, cumpriu-se o que
condenado os que não têm culpa. fora dito pelo profeta Isaías:
8 Pois o Filho do homem é o Senhor do 18 “Eis o meu Servo, que escolhi, o meu
sábado!”. amado, em quem tenho alegria. Farei
repousar sobre Ele o meu Espírito, e Ele
Jesus cura no sábado anunciará justiça às nações.
9 Tendo Jesus saído daquele lugar, foi 19 Não contenderá nem gritará; nem se
para a sinagoga deles. ouvirá nas ruas a sua voz.
10 Encontrava-se ali um homem que 20 Não esmagará a cana rachada, nem
tinha uma das mãos atrofiada. Mas, pro- apagará o pavio que fumega, até que faça
curando um motivo para acusar Jesus, vencer a justiça.
eles o questionaram: “É lícito curar no 21 E em seu Nome os gentios colocarão
sábado?” sua esperança”.
11 Ao que Jesus lhes propôs: “Qual de vós
será o homem que, tendo uma ovelha, e, O pecado imperdoável
num sábado, esta cair em um buraco, não 22 Depois disso, aconteceu que lhe trouxe-
fará todo o esforço para retirá-la de lá? ram um endemoninhado, cego e mudo; Ele
12 Assim sendo, quanto mais vale uma o curou, de modo que pôde falar e ver.
pessoa do que uma ovelha! Por isso, é 23 Então, toda a multidão ficou atônita
lícito fazer o bem no sábado”. e exclamava: “É este, porventura, o Filho
13 Então, dirigiu-se ao homem e disse: de Davi?”
1 O sábado (em hebraico shabbãth) é estabelecido nas Escrituras como princípio: um em cada sete dias deveria ser separado
(santificado) para o descanso. A raiz hebraica da palavra “sábado” é shãbhath, que significa “cessar”. Na Criação, o próprio
Deus legou à humanidade o exemplo da santificação do sábado (Gn 2.2; Êx 20.8-11). Em Êx 16.21-30 há uma menção explícita
sobre o sábado em relação à provisão do maná. O sábado (dia do descanso em homenagem ao Criador) nesse contexto, é
representado como um dom de Deus, visando o repouso e o benefício do povo. Não era necessário trabalhar no sábado (juntar
o maná), pois dupla porção era provida no sexto dia da semana. Os fariseus, no entanto, haviam acrescentado à Lei e ao sábado
uma série imensa de minuciosas regras e observâncias não prescritas por Moisés. Ao entrar pelos campos de trigo, Jesus e seus
discípulos estavam usufruindo um direito concedido pela Lei a todo viajante: comer para satisfazer a fome, sem levar nada (Dt
23.25), mas os fariseus implicaram com o ato de debulhar no sábado (Lc 6.1). Jesus então faz referência a 1Sm 21.1-6, lembrando
que em caso de necessidade, alguns detalhes da lei cerimonial podiam ser suprimidos. Os pães da Presença ou Proposição,
como em algumas versões, referem-se à presença do próprio Deus (Êx 33.14,15; Is 63.9). Os doze pães (cada um simbolizando
uma tribo) representavam uma oferta perpétua, de pão, ao Senhor, mediante a qual Israel declarava consagrar a Deus os frutos
do seu trabalho que, por sua vez, era uma bênção do Senhor (Lv 24.5,9). Esses pães eram colocados na mesa do lugar santo
do tabernáculo, todos os sábados, e depois da cerimônia podiam ser comidos pelo sacerdote e sua família. Ocorre que os
sacerdotes preparavam os pães e os sacrifícios no sábado, mesmo sob a proibição geral do trabalho nesse dia. Jesus então
argumenta que se as necessidades do culto no templo permitiam que o sacerdote profanasse o sábado, com muito mais razão a
missão de Cristo (o Messias) merece a mesma liberdade. Jesus ensina que a ética é mais importante que o ritual, e o espírito da
Lei maior que as letras e os mandamentos. Jesus declara que Ele é Deus, ao afirmar que é Senhor do sábado (Jo 5.17) e enfatiza
que o sábado foi dado à humanidade para o seu bem e não como uma obrigação prejudicial.
24 Mas os fariseus, ao ouvirem isso, mur- 32 Qualquer pessoa que disser uma pa-
muraram: “Este homem não expulsa lavra contra o Filho do homem, isso lhe
demônios senão pelo poder de Belzebu, o será perdoado; porém, se alguém falar
príncipe dos demônios”. contra o Espírito Santo, não lhe será
25 Entretanto, Jesus compreendia os pen- isso perdoado, nem nesta época, nem no
samentos deles, e lhes afirmou: “Todo tempo futuro.
reino dividido contra si mesmo será 33 Ou fazei a árvore boa e o seu fruto
arruinado, e toda cidade ou casa dividida bom, ou a árvore má e o seu fruto mau;
contra si mesma não resistirá. pois uma árvore é conhecida pelo seu
26 Se Satanás expulsa Satanás, está divi- fruto.
dido contra ele próprio. Como poderá 34 Raça de víboras! Como podeis falar
então subsistir o seu reino? coisas boas, sendo maus? Pois a boca
27 E se Eu expulso demônios por Belze- fala do que está cheio o coração.
bu, por quem os expulsam vossos filhos? 35 Uma boa pessoa tira do seu bom te-
E, por isso, eles mesmos serão os vossos souro coisas boas; mas a pessoa má, tira
juízes. do seu tesouro mau, coisas más.
28 Mas, se é pelo Espírito de Deus que 36 Por isso, vos afirmo que de toda a pa-
Eu expulso demônios, então, verdadei- lavra fútil que as pessoas disserem, dela
ramente, é chegado o Reino de Deus deverão prestar conta no Dia do Juízo.
sobre vós! 37 Porque pelas tuas palavras serás ab-
29 Ou ainda, como pode alguém entrar solvido e pelas tuas palavras serás con-
na casa do homem forte e roubar-lhe denado”.2
todos os bens sem primeiro amarrá-lo?
Só depois disso será possível saquear a O sinal da ressurreição
sua casa. 38 Então alguns dos mestres da lei e fari-
30 Quem não está comigo, está contra seus lhe pediram: “Mestre, queremos ver
mim; e aquele que comigo não colhe, de tua parte algum milagre”.
espalha. 39 Ao que Jesus respondeu: “Uma gera-
31 Portanto, Eu vos assevero: Todos os ção perversa e adúltera pede um sinal
pecados e blasfêmias serão perdoados miraculoso! Todavia, nenhum sinal lhe
às pessoas; a blasfêmia contra o Espírito será dado, exceto o sinal miraculoso do
Santo não será, porém, perdoada! profeta Jonas.3
2 Filho de Davi era um título exclusivo do Messias (Mc 3.22-30; Lc 11.14-22). A vinda e a vida de Jesus eram o evidente cumpri-
mento das profecias, especialmente de Isaías 42.1-4. Deus, assumindo a forma humana em Jesus, tratou os seres humanos com
misericórdia e delicadeza: como caniços (varas de pesca) que podem ser quebrados ou esmagados com facilidade; ou ainda
como pequenas chamas que podem ser apagadas com um simples movimento. Jesus percebeu, compreendeu (no original gre-
go eidôs) o que de fato os fariseus estavam tramando. Os judeus já praticavam o exorcismo (At 19.13-16) e Jesus os questionou
sob qual autoridade exerciam essa prática. Jesus já havia vencido Satanás em seus quarenta dias no deserto (4.1-11) e agora
estava invadindo o reino do Maligno (1Jo 3.8), para tirar das trevas as almas de todos aqueles que nele cressem, e para destruir a
“casa do homem forte” (Is 49.24-26; Lc 11.21). Por isso não pode haver neutralidade no Reino de Deus: quem não serve a Cristo
está servindo ao Diabo que é o diretor-geral do sistema (econômico, político, social e religioso) deste mundo. O único pecado
sem perdão é a rejeição consciente e sistemática da salvação graciosa em Cristo e a alegação de que Jesus e o Diabo são a
mesma pessoa ou as duas faces da verdade (o bem e o mal), como pensam algumas correntes filosóficas (Hb 6.4-6; 10.26-31).
Jesus acrescenta que o caráter de uma pessoa será sempre revelado por meio de suas palavras (Tg 3.2) e que essas palavras
pesam na balança da terra e do céu (Pv 18.21). Há três palavras gregas para designar milagres: 1) teras – algo portentoso; 2) du-
namis – poder maravilhoso; 3) semeion – uma prova ou sinal sobrenatural. No passado, muitos líderes de Israel haviam concedido
ao povo provas de sua missão por parte de Deus. Assim, para autenticar a obra de Moisés, o Senhor enviou o maná; para Josué,
o Senhor fez parar o Sol e a Lua; para Samuel, enviou o Senhor, trovões, de um céu claro e limpo, sem tempestades; para Elias,
mandou Deus, fogo do céu; para Isaías, fez recuar a sombra do relógio (da época) do Sol. Mas, para confirmar a obra de Jesus
Cristo, o Messias, seria realizado o maior milagre de todos: Deus ressuscitaria a Seu Filho Jesus da sepultura e esse seria um sinal
ainda maior do que aquele realizado para a conversão de toda a antiga cidade de Nínive (39-41).
3 O AT usa freqüentemente a metáfora: “adúltera” para significar “infiel a Deus”. Os três dias e três noites de Jonas e de Jesus
(Jn 1.17) referem-se ao período que vai da sexta-feira à tarde até o domingo de manhã. A expressão hebraica traduzida por
algumas versões como “baleia”, significa no original: “grande monstro marinho”. A rainha do Sul (também chamada de rainha do
meio-dia) é a mesma rainha de Sabá (1Rs 10) cujo reino ficava a sudoeste da Arábia, onde é hoje o Iêmen. Jesus recorre à história
de Israel para fazer referência ao processo de purificação da idolatria, entre os judeus, durante o cativeiro babilônico, mas cujo
estado atual – de incredulidade e dureza de coração – era muito pior que antes do exílio (Lc 11.24-26).
4 Jesus tinha quatro irmãos (mencionados os seus nomes em Mc 6.3) e mais um número de irmãs não especificado nas
Escrituras. Alguns teólogos defendem a idéia de que esses seriam primos de Jesus, filhos de Alfeu com a irmã da mãe de Jesus
que também se chamava Maria. Mas, Jo 7.5 e At 1.14 os distinguem claramente dos filhos de Alfeu. Jesus aproveita o que seria
uma interrupção do seu discurso para ilustrar a verdadeira fraternidade: uma nova família espiritual à qual todos os cristãos
pertencem e a quem devem amar como à própria mãe e aos irmãos. Em nenhum momento Jesus tem a intenção de divinizar sua
mãe, muito menos de tratá-la sem o devido carinho e respeito.
Capítulo 13
1 Jesus saiu da casa de Simão e André, em Cafarnaum (8.14), e dirigiu-se às margens do “mar da Galiléia”, chamado também de
“o grande lago”. Os hebreus não tinham apreço pelo mar, pois as antigas crenças semíticas diziam que a profundidade (abismo)
personificava o poder do mal que combatia contra Deus. Para Israel, entretanto, Deus era o criador do mar e seu controlador,
fazendo que o mar coopere para o bem da humanidade (Gn 1.9; Gn 49.25; Êx 14,15; Dt 33.13; Sl 104.7-9; Sl 148.7; Mt 14.25-33;
At 4.24). O triunfo final de Deus será acompanhado pelo desaparecimento total do mar (Ap 21.1). A expressão “parábola” vem
do original grego paraboles, que significa, colocar coisas semelhantes, lado a lado, para estabelecer comparação, estudo e tirar
um ensinamento. Em nossa língua, a parábola é uma figura de linguagem em que uma verdade moral ou espiritual é ilustrada
por uma analogia derivada da experiência cotidiana. Com essa parábola, conhecida como “do semeador” Jesus inicia o primeiro
grupo de histórias didáticas sobre o Reino de Deus, registradas em Mateus. Os evangelhos sinóticos contêm cerca de trinta
parábolas. O evangelho segundo João não apresenta parábolas, mas emprega outras figuras de linguagem.
4 Enquanto realizava a semeadura, parte olhos; para evitar que enxerguem com os
dela caiu à beira do caminho e, vindo as olhos, ouçam com os ouvidos, compre-
aves, a devoraram. endam com o coração, convertam-se, e
5 Outra parte caiu em terreno rochoso, sejam por mim curados’.
onde havia uma fina camada de terra, 16 Mas abençoados são os vossos olhos,
e logo brotou, pois o solo não era pro- porque enxergam; e os vossos ouvidos,
fundo. porque ouvem.
6 Porém, quando veio o sol, as plantas 17 Pois com certeza vos afirmo que mui-
se queimaram; e por não terem raiz, tos profetas e justos desejaram ver o que
secaram. vedes, e não viram; e ouvir o que ouvis, e
7 Outra parte caiu entre os espinhos. Es- não ouviram.
tes, ao crescer, sufocaram as plantas.
8 Contudo, uma parte caiu em boa terra, Jesus explica essa parábola
produzindo generosa colheita, a cem, 18 Portanto, atentai para o que significa a
sessenta e trinta por um. parábola do semeador:
9 Aquele que tem ouvidos para ouvir, 19 Quando uma pessoa escuta a mensa-
que ouça!”. gem do Reino, mas não a compreende,
vem o Maligno e arranca o que foi
O propósito das parábolas semeado em seu coração. Estas são as
10 Então, os discípulos se aproximaram sementes que foram semeadas à beira
dele e perguntaram: “Por que lhes falas do caminho.
por meio de parábolas?” 20 O que foi semeado em terreno rocho-
11 Ao que Ele respondeu: “Porque a vós so, esse é o que ouve a Palavra e logo a
outros foi dado o conhecimento dos aceita com alegria.
mistérios do Reino dos céus, mas a eles 21 Contudo, visto que não tem raiz em
isso não lhes foi concedido.2 si mesmo, resiste por pouco tempo. E,
12 Pois a quem tem, mais se lhe dará, e quando por causa da Palavra chegam os
terá em abundância; mas, ao que quase problemas e as perseguições, logo perde
não tem, até o que tem lhe será tirado. o ânimo.
13 Por isso lhes falo por meio de pará- 22 Quanto ao que foi semeado entre os
bolas; porque, vendo, não enxergam; e espinhos, este é aquele que ouve a Pala-
escutando, não ouvem, muito menos vra, mas as preocupações desta vida e a
compreendem. sedução das riquezas sufocam a mensa-
14 Neles se cumpre a profecia de Isaías: gem, tornando-a infrutífera.
‘Ainda que continuamente estejais ouvin- 23 Mas, enfim, o que foi semeado em
do, jamais entendereis; mesmo que sem- boa terra é aquele que ouve a Palavra e
pre estejais vendo, nunca percebereis. a entende; este frutifica e produz grande
15 Posto que o coração deste povo está colheita: alguns, cem; outros, sessenta; e
petrificado; de má vontade escutaram ainda outros trinta vezes mais do que foi
com seus ouvidos, e fecharam os seus semeado”.
2 A expressão original grega, aqui traduzida por “mistérios”, refere-se a revelações especiais a que somente os devotos (cren-
tes, consagrados) a Jesus Cristo têm acesso. O v.12 anuncia um princípio básico do mundo espiritual: quem aceita a Palavra de
Deus, com humildade e reverência, receberá muitas outras bênçãos do Senhor, mas aos arrogantes e incrédulos, até a parcela
de fé e bênçãos que lhes foi concedida será retirada. Veja os exemplos do “filho pródigo” (Lc 15.17-24) e o que aconteceu com
o Faraó do Egito depois de ter feito pouco caso do aviso de Moisés (Êx 8.1-32; 9.1-12). As coisas de Deus não fazem sentido
para aqueles dotados apenas de crítica racional. Precisam ser iluminados em sua compreensão espiritual e isso é dom de Deus
(Rm 5.15,16; 1Co 2.14-16; Ef 2.8). Os versos 14 e 15 são copiados, palavra por palavra, da Septuaginta (Is 6.9,10), que descreve
o chamado do profeta Isaías, a mensagem que deveria pregar e o estado de calamidade espiritual do povo. Como no tempo de
Isaías, assim também na época de Cristo, os judeus fecharam os olhos à verdade (Mc 4.12). Jesus e Sua Igreja são as últimas
grandes luzes a brilhar neste mundo para todo aquele que quiser abrir os olhos (Ef 3.2-5; 1Pe 1.10-12).
3 O propósito desta parábola é revelar o método por meio do qual Deus está agindo no mundo durante a era (tempo) do
Evangelho (das Boas Novas de Cristo). Jesus raramente interpretava suas histórias enigmáticas (parábolas). Isso porque sabia
que todas as pessoas que verdadeiramente amavam a Deus entenderiam sua mensagem. Mas, para que nada faltasse aos
discípulos, ele explica algumas delas (18-23; 36-43). O joio é uma erva daninha, também chamada de cizânia ou centeio falso,
que enquanto está crescendo é muito semelhante ao trigo. Apenas quando as espigas se formam é que é possível fazer uma
distinção correta. A farinha de trigo feita com a mistura desse centeio falso é venenosa. A semente de mostarda era a menor
semente que os agricultores da Palestina, na época de Cristo, costumavam semear. Em condições favoráveis, essas “plantas” (no
original grego lachanôn) podiam alcançar cerca de três metros de altura. Jesus aproveita essa ilustração da árvore para lembrar
as Escrituras (Ez 17.23, 31.5; Sl 104.12; Dn 4.12,21). Em Ez 17, por exemplo, a “árvore” é o “Novo Israel”, mas em Ez 41 e Dn 4,
a árvore representa os impérios dos gentios: Assíria e Babilônia (região onde hoje se situa o Iraque). Dessa maneira, a parábola
antecipa o desenvolvimento da Igreja de Cristo. Entretanto, as aves (v.19), como figura do Maligno, completam o quadro da Igreja
visível (na terra) em sua apostasia (tempo de frieza espiritual da Igreja) e revelam aos discípulos que o Reino de Deus, tendo um
início tão humilde quanto a menor das sementes, se expandiria até atingir domínio mundial, envolvendo pessoas de todas as
nações (Dn 2.35-45; 7.27; Ap 11.15). Nas Escrituras, o fermento quase sempre é um símbolo de algo perverso ou impuro. Nesta
parábola, entretanto, significa: crescimento, progresso. A expressão “uma medida” vem do hebraico seah (no original grego: sata)
e corresponde a cerca de seis litros. Ou seja, assim como o bom fermento se alastra pela massa, dessa mesma maneira, o Reino
de Deus envolve a alma da pessoa que recebe o Espírito Santo, e vai moldando seu caráter à imagem de Cristo (2Co 4.1-15). No
v.35, a citação bíblica vem do Sl 78.2-3, sendo que a primeira parte é tirada da Septuaginta (tradução grega do AT) e a segunda
parte, do hebraico. Mateus interpreta esse texto como mais uma profecia sobre Jesus Cristo. A palavra “filhos” neste contexto
e no original significa: “aqueles que pertencem”. No v.41 há uma alusão ao texto hebraico de Sf 1.3, sendo que a palavra grega
anomian, traduzida algumas vezes por “iniqüidade”, e aqui por “mal”, também significa: “ilegalidade”. A expressão “consumação
do século” como aparece em algumas versões, aqui traduzida por “final desta era”, como base a tradução dos melhores origi-
nais; nos quais, a palavra grega, éon, significa mais propriamente: um período de tempo marcante na história da humanidade,
ou seja, uma era. Literalmente: “finalização do éon” ou do período que vai do nascimento de Cristo à sua volta triunfante (Mt
24; 25; Mc 13). A expressão: “fornalha ardente”, mencionada muitas vezes nos textos apocalípticos (Ap 19.20; 20.14), ocorre
mais cinco vezes em Mateus (8.12; 13.50; 22.13; 24.51; 25.30) e em nenhuma outra parte do NT. Não compete à Igreja de Jesus
Cristo arrogar-se o direito de julgar e condenar pessoas antes do Dia do Juízo (a grande colheita). Essa parábola não se aplica
às questões da disciplina comunitária que é tratada em Mt 18; mas, sim, da necessária e inevitável convivência que deve haver
entre cristãos e descrentes enquanto estivermos neste mundo, até a segunda vinda do Senhor (1Co 4.5; 2Co 10.4). Não devemos
nos preocupar em destruir o joio, mas em levar a todos a Palavra da graça salvadora de Jesus Cristo e assim brilharemos por
toda a eternidade (Dn 12.3).
4 Depois que os judeus blasfemaram contra o Espírito Santo (12.24-30) e começaram a tramar seu assassinato (12.14), Jesus
passa a revelar aspectos mais profundos sobre o Reino de Deus, apenas aos seus discípulos, preparando-os para continuar
sua obra. O termo grego grammateus (escriba), significa “escrivão” ou “letrado”. Poucos sabiam ler e escrever naquela época e
lugar. Os escribas eram responsáveis por copiar e arquivar as leis e tradições judaicas, e assim se tornaram mestres, doutores e
advogados (Lc 5.21), pois não havia distinção entre a lei de Deus e a dos homens. A sinagoga era a principal instituição religiosa
judaica daqueles dias e podia ser estabelecida em qualquer cidade com mais de dez judeus casados. Teve origem no exílio e
servia de local onde os judeus podiam estudar as Escrituras e adorar a Deus. Jesus, como também Paulo (At 13.15; 14.1; 17.2;
18.4), aproveitou o costume judaico de convidar mestres visitantes para pregar nas sinagogas locais e lhes anunciou a chegada
do Reino de Deus: O Evangelho de Cristo. No original grego, a palavra aqui traduzida por “carpinteiro” é a mesma usada para
identificar o trabalho do “pedreiro”. Jesus, como filho mais velho da família, era o principal ajudante do pai nos trabalhos com
madeira e alvenaria, ofício que desempenhou para cooperar com o sustento da família, após a morte de José (Mc 6.3; Lc 8.19).
5 Existe uma clara correlação entre a fé e a realização dos milagres de Jesus em Mateus (8.10,13; 9.2,22,28,29). A arrogância dos
teólogos e líderes religiosos e a presunção dos que pensavam conhecer a Jesus desde criança, fizeram com que eles perdessem a
maravilhosa oportunidade de receber as preciosas revelações e bênçãos do Messias, o Filho de Deus em pessoa: Jesus Cristo.
Capítulo 14
1 Herodes Antipas, que reinou de 4 a.C. a 39 a.D., era o tetrarca (em grego tetrarches), ou seja, “aquele que rege uma quarta
parte do império”, no caso, a quarta parte da Palestina, mais a Galiléia e a Peréia, que foi herança de seu pai Herodes, o
Grande (Mt 2.1,22), quando dividiu seu reino entre quatro de seus muitos filhos. Depois das maravilhosas viagens de Jesus pela
Galiléia, muito cresceu sua fama em todas as regiões vizinhas, originando muitas idéias sobre sua pessoa e missão (16.13-14).
A consciência pagã, supersticiosa, culpada e amedrontada de Herodes, o fez criar a teoria de que Jesus seria a encarnação do
espírito de João Batista que ele mandara decapitar (Mc 6.16). Herodias era ex-esposa do meio irmão de Herodes, Filipe, tio de
Herodias. Ela fora persuadida a abandonar o marido para casar-se com Herodes Antipas, cometendo assim, incesto (Lv 18.16;
20.21). João Batista falou francamente com o tetrarca e o chamou ao arrependimento; e Herodes sabia que João era homem de
Deus e estava certo em sua denúncia (Mc 6.20). Salomé, filha de Herodias, tinha cerca de 20 anos e dançou de forma lasciva
diante de muitas autoridades, agradando a todos, em especial a Herodes. O grande historiador judeu Flávio Josefo, que viveu
entre os séculos I e II, conta que Salomé veio a se casar com um tio-avô, também chamado Filipe (filho de Herodes, o Grande),
que reinou sobre as terras do norte (Lc 3.1). O prato (v.11), no qual a cabeça de João é apresentada, era uma peça de madeira
onde serviam as carnes nas festas. João permanecera por mais de um ano no cativeiro, devido à indecisão de Herodes, que além
de permitir a visita dos discípulos de João, também gostava de ouvir o profeta (11.2).
2 Jesus, triste pela morte do grande amigo João, e não querendo ser confundido com o líder militar que muitos esperavam que
fosse, busca a solitude, um tempo a sós para orar e refletir. Atravessa o mar da Galiléia, deixando Cafarnaum e os territórios de
Herodes Antipas, e segue em direção a Betsaida Júlia. A multidão, entretanto, o vê partir só e caminha cerca de 8 km por uma
região deserta até se encontrar com Cristo nos planaltos do território de Felipe. Era alta primavera na Palestina (que começa no
meio de fevereiro), os campos estavam cobertos de relva e a Páscoa dos judeus estava próxima (Jo 6.4). Jesus se coloca entre a
multidão como o pai no meio de sua família. Esse é o único milagre de Jesus, registrado por todos os evangelistas (Mc 6.30-46; Lc
9.10-17; Jo 6.1-15). Mateus, entretanto, não tem uma preocupação cronológica em relação aos fatos, narra a história no passado
(vv. 1,2,13), pois deseja apresentá-la de modo que as pessoas a gravem na memória. De acordo com a tradição judaica, o chefe
da família proferia, no início de cada refeição, sobre o pão que ele partia, uma “oração de agradecimento” que era chamada de
“bênção” e, por isso, na KJ de 1611, esse termo aparece como blessed (abençoou). Jesus estava revelando ao povo que, assim
como o Pai libertou seu povo do Egito e os alimentou no deserto, Ele estava novamente no meio do seu povo para os salvar,
curar e alimentar. A palavra grega original kophinous, traduzida no vv.20 como “cestas” refere-se a uma pequena cesta de vime ou
folhas de palma, usada para compras domésticas. A “bênção” não acontece por ser costume, mas porque por meio de Jesus, a
fórmula é preenchida com um novo conteúdo: a presença do Cristo, que abre o acesso ao Pai (Jo 1.51). O povo e especialmente
os discípulos viram que a ação de graças de Jesus produziu milagres, e aprenderam que um método milagroso que traz bênçãos
é agradecer pelo pouco que temos, e dividi-lo com o próximo.
3 Jesus “insistiu” para que os discípulos saíssem depressa. A palavra grega usada aqui é enfática e significa “compeliu”,
sugerindo uma forte transição. João registra que depois do milagre dos pães e peixes, as multidões pretendiam proclamar Jesus
rei dos judeus, à força (Jo 6.15), o que indicava uma compreensão totalmente errada da missão de Cristo; nesse momento os
discípulos também haviam sido influenciados por essas idéias e Jesus precisou ser enérgico com eles e enviá-los para o outro
lado do mar. O dia judaico, isto é, o intervalo entre a aurora e o crepúsculo, era dividido em três partes: manhã, meio-dia e tarde
(Sl 55.17). Os judeus distinguiam duas tardes no dia: a primeira começava por volta das três horas, e a segunda ao pôr-do-sol (Êx
12.6, literalmente: entre as tardes). Portanto, os judeus contavam apenas três vigílias. No v. 13, trata-se da primeira tarde; no v. 23
refere-se à segunda. Mateus faz registro de Jesus orando apenas aqui e no Getsêmani (26.36-46). Para os romanos, entretanto, a
noite era dividida em quatro vigílias: 1) das 18 às 21h. 2) das 21h à meia noite. 3) da meia noite às 3h e 4) das 3h às 6h. O estádio
(em grego stadion), termo que aparece em algumas versões, equivalia a 1/8 de milha romana, ou cerca de 185 metros.
Durante a madrugada, Jesus se aproxima do barco sobre o mar revolto e lhes pede para ter bom ânimo (na KJ de 1611 Be of
good cheer!). Literalmente: “tenham coragem”. E, em seguida, revela a razão de se ter ânimo (coragem) e esperança no meio
das aflições: Sou Eu, mas que no original vem grafado: Eu Sou (em grego egô eimi), o nome e o caráter de Deus (Êx 3.14). A
proximidade do Senhor lança fora todo temor, destrói o mal e enche a alma de paz, alegria e vontade renovada de viver. Por isso,
no Reino de Deus, ser é mais importante que ter.
4 Apenas Mateus registra esse episódio na vida de Pedro. A expressão em aramaico, usada pelos discípulos para concluir
tudo o que se passou naquela madrugada no meio do mar da Galiléia, aqui traduzida como Verdadeiramente Tu és o Filho de
Deus, significa que aqueles homens haviam reconhecido, sem sombra de dúvida, que Jesus de Nazaré e Deus (Yahweh) são a
mesma pessoa. Genesaré, também conhecida como Planície Estreita, ficava do lado ocidental do mar da Galiléia, ao norte de
Magdala. Essa planície era um grande jardim na Palestina, fértil e todo irrigado, com cerca 6,5 km de extensão e 3 km de largura.
As pessoas receberam a Jesus com grande fé, e muitas maravilhas Ele realizou ali (Mc 5.28; At 19.12).
Capítulo 15
1 Os escribas e fariseus chegaram de Jerusalém para reforçar o grupo dos inimigos de Jesus, que já estava se estruturando, como
no caso dos fariseus com os herodianos (Mc 3.6). Mais tarde, até os saduceus, tradicionalmente rivais dos fariseus, se juntariam aos
perseguidores do Senhor (Mt 16.6). A “tradição dos anciãos” era a interpretação oral e escrita da Lei de Moisés, mas com muitas
outras doutrinas e preceitos que foram sendo adicionados com o tempo; e que tinha autoridade quase igual a da própria Lei, entre
os fariseus (5.43). Todas essas orientações deram origem, mais tarde (200 a.D.) à Mishná, a parte mais importante do Talmude,
que é a fonte da lei judaica. O legalismo e o volume de pequenos preceitos haviam crescido tanto que a simples tradição, por
motivos higiênicos, de se lavar as mãos antes das refeições, tornou-se um ritual de purificação para afastar a mínima possibilidade
de um judeu ter sido contaminado pela poeira vinda de algum pagão (10.14). A ocupação romana intensificou esse estado de
“guerra contra a impureza” mediante o cumprimento de inúmeras doutrinas e obrigações religiosas. A intenção por traz dessas
práticas, entretanto, era conseguir o favor de Deus para a expulsão dos pagãos (romanos). Jesus passa a citar os mandamentos
(Êx 20.12; Dt 5.16; Êx 21.17; Lv 20.9), mostrando como a tradição dos judeus e muitas interpretações e práticas religiosas estavam
em desacordo com a própria Lei e, portanto, se constituíam em maior pecado contra Deus. Por exemplo, se alguém desejava
livrar-se da responsabilidade judaica de cuidar dos pais idosos, era só fazer uma declaração falsa de que havia doado seus bens ao
templo (em hebraico korban, quer dizer, oferta). Assim, os bens dessa pessoa seriam registrados em nome do templo como uma
oferta ao Senhor, até a morte dos pais, quando então se “negociaria” com os escribas, um valor a ser pago para reavê-los. Jesus
censura esse tipo de amor às regras, maior do que o amor devido a Deus e às pessoas (Is 29.13). Adverte que a comida que não foi
preparada segundo as tradições dos antigos mestres não prejudica o corpo ou traz pecado sobre a alma (At 10.10-15). Jesus usa
um vocábulo raro (em grego aphedrôna), que significa: esgoto, privada, latrina. O que profana (em grego koinein), ou seja, torna
uma pessoa comum, impura e, portanto, sem direito a participar do culto público ou, sequer, aproximar-se de Deus em oração, é o
mal concentrado no íntimo do ser humano e que é expresso por meio das palavras da boca (Tg 3.6-12).
trinas que não passam de regras criadas 22 E eis que uma mulher cananéia, natural
por homens’”. daquelas regiões, veio a Ele, clamando:
10 Então, Jesus conclamou a multidão a “Senhor! Filho de Davi, tem compaixão
aproximar-se e pregou: “Ouvi e entendei! de mim! Minha filha está horrivelmente
11 Não é o que entra pela boca o que tor- tomada pelo demônio”.
na uma pessoa impura, mas o que sai da 23 Ele, porém, não lhe respondeu qual-
boca, isto sim, corrompe a pessoa”. quer palavra. Então, os seus discípulos,
12 Então, aproximando-se dele os discí- aproximando-se, pediram-lhe: “Manda
pulos, avisaram: “Sabes que os fariseus essa mulher embora, pois vem gritando
se ofenderam quando ouviram essas tuas atrás de nós”.
palavras?”. 24 Ao que Jesus replicou: “Eu não fui en-
13 Mas Ele respondeu: “Toda planta que viado, senão às ovelhas perdidas da casa
meu Pai celestial não plantou será arran- de Israel”.2
cada. 25 Chegou então a mulher e o adorou de
14 Deixai-os! Eles são guias cegos guian- joelhos, suplicando: “Senhor, ajuda-me!”
do cegos. Se um cego conduzir outro 26 Ao que Jesus lhe respondeu: “Não é
cego, ambos cairão no buraco”. justo tirar o pão dos próprios filhos para
15 Então, pediu-lhe Pedro: “Explica-nos a alimentar os cães de estimação”.
outra parábola?”. 27 Ela, porém, replicou: “Sim, Senhor, mas
16 Ao que Jesus replicou: “Também vós até os cães de estimação, comem das miga-
não compreendeis até agora? lhas que caem das mesas de seus donos”.
17 Não entendeis ainda que tudo o que 28 Então Jesus exclamou: “Ó mulher,
entra pela boca desce para o estômago, e grande é a tua fé! Seja feito a ti conforme
mais tarde é lançado no esgoto? queres”. E naquele exato momento sua
18 Entretanto, as coisas que saem da boca filha ficou sã.
vêm do coração e são essas que tornam
uma pessoa impura. Outra multiplicação de pães
19 Porque do coração é que procedem os (Mc 8.1-10)
maus intentos, homicídios, adultérios, 29 Partiu Jesus dali e foi para a orla do
imoralidades, roubos, falsos testemu- mar da Galiléia; e, subindo a um monte,
nhos, calúnias, blasfêmias. assentou-se ali.3
20 Essas coisas corrompem o indivíduo, 30 Então, multidões dirigiram-se a Ele,
mas o comer sem lavar as mãos não o levando consigo mancos, aleijados, cegos,
torna impuro”. mudos e muitos outros doentes, e os colo-
caram aos pés de Jesus; e Ele os curou.
Jesus atende ao clamor dos gentios 31 O povo ficou atônito quando viu os
(Mc 7.24-30) mudos falando, os aleijados curados, os
21 Deixando aquele lugar, Jesus retirou- mancos andando e os cegos enxergando.
se para a região de Tiro e de Sidom. E louvaram o Deus de Israel.
2 A expressão “cananéia” ocorre muitas vezes no AT, mas no NT, apenas aqui. Tem a ver com os descendentes dos cananeus
que Josué expulsou de Canaã, a Terra Prometida, cuja civilização ficou estabelecida na cidade de Tiro. Marcos chamava essa
senhora de “grega” (gentia), quer dizer, helênica, por causa de sua origem sírio-fenícia (Mc 7.26). A palavra “cães de estimação”
ou “cachorrinhos”, como em algumas versões, vem do grego original kunarion, que significa: pequenos cães de colo. Jesus
precisava deixar claro que a prioridade máxima de sua missão era salvar os judeus. Por algum motivo, aquela senhora grega e
gentia compreendeu perfeitamente a mensagem de Jesus, e reverentemente, usou a própria metáfora do Senhor para reivindicar
seu espaço no coração compassivo de Cristo. A fé daquela mulher humilde mostrou-se maior, mais verdadeira e pura que a fé de-
monstrada pelos mestres e líderes religiosos que haviam contestado a santidade (pureza religiosa) de Jesus e seus discípulos.
3 O monte era uma subida para a planície atrás de Cafarnaum, no sentido de quem sobe do mar da Galiléia. Nesse lugar Jesus
costumava pregar, ensinar e curar as muitas pessoas que sempre o procuravam; o mesmo local onde pregou o Sermão do Monte
(5.1). Ao contrário do que pensam alguns teólogos, esse milagre não é apenas outra versão do mesmo fato ocorrido em 14.15-21.
O próprio Jesus destaca claramente os dois acontecimentos (16.9 e10), além do que, essa segunda multiplicação ocorreu em
32 Chamou Jesus os seus discípulos para não podeis interpretar os sinais dos
dizer-lhes: “Tenho compaixão destas mui- tempos?
tas pessoas, pois há três dias permanecem 4 Esta geração perversa e infiel pede um
comigo e não têm o que comer. Não que- sinal; mas nenhum sinal lhe será conce-
ro mandá-las embora em jejum, porque dido, a não ser o sinal de Jonas”. Jesus se
podem desfalecer no caminho”. afastou, então, deles e partiu dali.
33 Mas os discípulos lhe disseram: “Onde
poderíamos, encontrar, neste lugar deser- O fermento dos religiosos
to, pães suficientes para alimentar tantas (Mc 8.14-21)
pessoas?” 5 Indo os discípulos para o outro lado do
34 Perguntou-lhes Jesus: “Quantos pães mar, esqueceram-se de levar pães.
tendes?” Ao que eles responderam: “Sete, 6 E Jesus lhes falou: “Estejais alerta, e
e mais uns pequenos peixes”. acautelai-vos do fermento dos fariseus
35 Ele mandou, então, que o povo se as- e saduceus”.
sentasse no chão. 7 Entretanto, eles discutiam entre si, di-
36 Tomou os sete pães e os pequenos pei- zendo: “É porque não trouxemos pães”.
xes e deu graças. Em seguida os partiu e 8 Percebendo a desavença, Jesus indagou:
os entregou aos discípulos, e estes distri- “Por que discordais entre vós, homens de
buíram à multidão. pequena fé, sobre o não terdes pães?
37 Todas as pessoas comeram até se far- 9 Não compreendeis até agora? Nem
tarem. E foram recolhidos sete grandes sequer lembrais dos cinco pães para
cestos, cheios de pedaços que haviam cinco mil homens e de quantas cestas
sobrado. recolhestes?
38 E assim, os que comeram eram quatro 10 Nem dos sete pães para aqueles outros
mil homens, sem contar as mulheres e as quatro mil e de quantos cestos recolhestes?
crianças. 11 Como não entendeis que não vos fala-
39 A seguir, Jesus se despediu da multi- va a respeito de pães? E, sim: tende, pois,
dão, entrou no barco e foi para a região cuidado com o fermento dos fariseus e
de Magadã. saduceus”.
12 Compreenderam, então, que não lhes
Religiosos pedem um sinal dissera que se guardassem do fermento
(Mc 8.11-13) dos pães, mas que se acautelassem da
outro lugar (Decápolis, Mc 7.31), com um número diferente de pães e peixes, uma multidão menor, menos sobras recolhidas,
os “cestos” (no original grego spyridas), mencionados aqui eram usados nos mercados da época e maiores do que as alcofas,
pequenas “cestas” de vime ou folhas de palma, usadas na primeira multiplicação (14.20). Jesus toma um rumo diferente, após a
segunda multiplicação, desta vez segue com seus discípulos para Magadã, também conhecida como Magdala e Dalmanuta (Mc
8.10), a cidade de Maria Madalena, que ficava entre Tiberíades e Cafarnaum.
Capítulo 16
1 A cidade de Cesaréia de Filipe ficava ao norte do mar da Galiléia, perto das encostas do monte Hermom. Seu nome antigo era
Panéias (em homenagem ao deus grego Pan). O filho de Herodes, Filipe, reconstruiu essa cidade, como parte de sua tetrarquia, e
lhe deu um novo nome, em homenagem a Tibério César e a si mesmo. Essa era, portanto, uma região extremamente pagã. Jesus
costumava se intitular de “o Filho do homem”, expressão que aparece mais de 80 vezes no NT, jamais se referindo a qualquer
outra pessoa. No AT, em Dn 7.13,14, esse título é usado para retratar a personalidade celestial a quem, no final dos tempos, Deus
confiou toda a sua glória, honra e poder (soberania divina).
2 Havia muitas lendas e superstições nessa época e lugar. O próprio Herodes cria na reencarnação de João Batista, que foi
um profeta muito estimado pelo povo e até pelo rei. A volta de Elias foi profetizada em Ml 4.5 e muitos judeus ligavam o nome
de Jeremias ao profeta prometido em Dt 18.15. Contudo, em meio a tantas idéias e correntes religiosas, Pedro (Bar-Jonas ou,
melhor traduzido, filho de Jonas), que falou em nome dos discípulos (v. 20), é agraciado com a maior das revelações que uma
pessoa pode receber de Deus: a compreensão de que Jesus de Nazaré (o Jesus histórico) é o Filho Unigênito de Deus, o Cristo
prometido (Messias, em hebraico), que significa,Ungido. Palavra que, no original hebraico, transmite a idéia de uma pessoa
escolhida por Deus, separada (consagrada, santificada), e revestida de poder para a realização de uma missão divina e específica
na terra (Êx 29.7,21; 1Sm 10.1,6; 16.13; 2Sm 1.14,16). No final do AT, essa palavra passou a ter uma conotação particular: referia-
se a um rei ideal, ungido e capacitado por Deus para libertar os judeus dos inimigos pagãos e estabelecer um reino de justiça e
paz (Dn 9.25,26). Por isso, na época de Cristo, o título Messias tendia a uma compreensão política, nacionalista, revolucionária e
militar e isso fez que Jesus evitasse usar o termo em relação à sua pessoa e missão (Mc 8.27-30; 14.61-63). Pedro obteve de Deus
a revelação de que Jesus é o Messias prometido desde a antiguidade, o Cristo. Essa é a pedra (o alicerce) sobre a qual a Igreja
seria construída e nada poderia deter o seu avanço e o cumprimento da sua missão até o Dia do Senhor.
3 Jesus comemora a bênção da revelação de Deus a Simão (nome comum em Israel, com origem no AT) conferindo-lhe um sobre-
nome marcante. Jesus conviveu com várias pessoas com o nome de Simão: um dos filhos de José e Maria, seu irmão (Mt 13.55; Mc
6.3), um amigo leproso, na casa do qual foi ungido (Mt 26.6; Mc 14.3), um homem de Cirene, compelido a ajudá-lo a levar sua cruz
e que, mais tarde, tornou-se cristão (Mc 15.21; At 13.1), um fariseu em cuja casa os pés de Jesus foram ungidos (Lc 7.40), Simão
Iscariotes, pai de Judas (Jo 6.71; 12.4; 13.2). Na época dos apóstolos, houve um outro Simão, samaritano, ilusionista, feiticeiro e
enganador, que misturava elementos de magia com ensinos helenísticos e judaicos. Foi o criador da doutrina gnóstica e alegava
ser o principal representante de Deus na terra. Dizia-se convertido ao cristianismo, mas desejou comprar o poder dos apóstolos e
recebeu enérgica repreensão de Simão Pedro (At 8.9-24). Em Pedro, temos o exemplo de que Jesus nos concede um novo nome, a
marca espiritual da salvação e da bravura cristã. O nome Pedro (em grego Petros) significa “pedra separada” ou “homem-pedra”. Na
frase seguinte, Cristo usou a palavra grega petra (“sobre esta rocha”), que significa “leito de rocha resistente” e que não era um nome
próprio. Jesus utilizou a arte dos significados das palavras para ampliar o poder do que desejava comunicar aos seus discípulos,
e não apenas para aqueles dias. Ele não disse “sobre ti, Pedro” ou “sobre teus sucessores”, mas sim “sobre esta rocha” – sobre
esta revelação de Deus e sobre este seu testemunho de fé em Jesus. O uso do tempo futuro do verbo demonstra que a formação
da Igreja ainda estava por acontecer. E, de fato, a Igreja – como a conhecemos hoje – teve início no dia de Pentecostes (At 2). Nos
Evangelhos a palavra Igreja (em grego ekkesia ou ekklesia; e em latim ecclesia) é usada somente por Mateus, aqui e duas vezes em
18.17. Na Septuaginta (o AT em grego), é usada para identificar a congregação (sinagoga) de Israel. Entre os gregos, nos tempos
de Jesus, significava a assembléia dos cidadãos livres e votantes da cidade (At 19.32,39,41). Hades (em grego haidês, e no hebraico
Sheol) é a palavra grega que consta nos originais das Escrituras neste texto e significa o lugar onde estão os espíritos dos que
morreram. Onde, também, os salvos desfrutam de paz e os descrentes de aflições. Todos, no entanto, aguardam a volta de Jesus,
quando os cristãos desfrutarão plenamente das bênçãos da vida eterna e os incrédulos (os que, na terra, rejeitaram a salvação) o
Juízo e a pena da segunda morte: o afastamento eterno de Deus (Gn 37.35; Jó 17.16). Assim sendo, “as portas do Hades” significam
“os poderes da morte” e todas as forças opostas a Cristo. Algumas versões usam a palavra “inferno” (em grego geena que deriva
do hebraico gê’ hinnõm, e significa: lugar de punição para pecadores), como sinônimo de Hades.
4 A partir daquele momento, Jesus estava concedendo a Pedro e aos demais discípulos, poder e autoridade para abrir as portas
da cristandade aos judeus, prosélitos e mais tarde a todos os gentios e pagãos em todo o mundo. Pedro usou essas chaves com
os judeus no dia de Pentecostes (At 2) e para os gentios na casa de Cornélio (At 10). Deus, e não os apóstolos ou discípulos, é
quem inicia o “ligar” e o “desligar” nos céus. Os apóstolos devem proclamar tais fatos (At 5.3,9). Em Jo 20.22-23 Jesus fala de
lém e sofresse muitas injustiças nas mãos 27 Mas o Filho do homem virá na glória
dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e de seu Pai, com os seus anjos, e então
dos escribas, para então ser morto e res- recompensará a cada um de acordo com
suscitar ao terceiro dia. suas obras.
22 Pedro, porém, chamando-o à parte, 28 Com toda a certeza vos afirmo que
começou a admoestá-lo, dizendo: “Deus alguns dos que aqui se encontram não
seja gracioso contigo, Senhor! De modo experimentarão a morte até que vejam o
algum isso jamais te acontecerá”. Filho do homem vindo em seu Reino”.6
23 E virando-se Jesus repreendeu a Pedro:
“Para trás de mim, Satanás! Tu és uma A transfiguração de Jesus
pedra de tropeço, uma cilada para mim,
pois tua atitude não reflete a Deus, mas,
sim, os homens”.5
17 Passados seis dias, Jesus tomou
consigo Pedro, Tiago e João, ir-
mão de Tiago, e os levou, em particular, a
24 Então Jesus declarou aos seus dis- um alto monte.1
cípulos: “Se alguém deseja seguir-me, 2 Ali Ele foi transfigurado na presença deles.
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e Sua face resplandeceu como o sol, e suas
me acompanhe. vestes tornaram-se brancas como a luz.
25 Porquanto quem quiser salvar a sua 3 De repente, surgiram à sua frente Moi-
vida, a perderá, mas quem perder a sua sés e Elias, conversando com Jesus.
vida por minha causa, encontrará a 4 Expressando-se Pedro, disse a Jesus:
verdadeira vida. “Senhor, é bom estarmos aqui. Se dese-
26 Pois que lucro terá uma pessoa se jares, farei aqui três tendas: uma para ti,
ganhar o mundo inteiro, mas perder a uma para Moisés e outra para Elias”.
sua alma? Ou, o que poderá dar o ser 5 Enquanto ele ainda estava falando, uma
humano em troca da sua alma? nuvem resplandecente os envolveu, e
pecados; aqui ele está falando de práticas. Veja um exemplo dessas práticas determinativas em At 15.20. Jesus pede aos discí-
pulos sigilo quanto à confissão pública de Pedro. Isso porque uma multidão dos seus seguidores queria proclamá-lo libertador
nacional e iniciar logo uma revolução contra Roma. Crescia a inveja dos doutores da lei e líderes religiosos, contra Jesus, e já
planejavam sua morte. O Senhor queria completar sua missão, mas o entusiasmo de Pedro e dos apóstolos poderia precipitar os
acontecimentos (9.30; 12.16; Mc 1.44; 5.43; 7.36; 8.4; Lc 8.56).
5 O Senhor reconheceu nas palavras de Pedro a influência de Satanás; a mesma artimanha que o Inimigo usou no deserto para
tentar persuadi-lo a ter compaixão de si mesmo e trocar o alto custo da sua missão pela glória e os prazeres deste mundo. Jesus
usa a palavra aramaica Enganador, não para dizer que Pedro estava endemoninhado, mas para alertar a todos que é muito fácil
cairmos na ilusão do Diabo e começarmos a pensar com os valores, conceitos e argumentos do pai da mentira. Jesus recorre
à força da linguagem (palavra) e usa a metáfora: “pedra de tropeço”, que no original significa: “rocha de ofensa” ou “motivo de
escândalo” (Rm 9.33), para admoestar Pedro quanto à sua recente revelação, nova posição no Reino de Deus e missão. Assim
como a palavra hebraica traduzida por “Satanás”, a palavra grega “Diabo” significa “Acusador” ou “Caluniador”. Em Jó, essa
expressão (Jo 1.6), no original hebraico, vem sempre acompanhada do artigo definido (o Acusador, o Caluniador, ou ainda, o
Enganador), mas com o passar do tempo essa palavra virou o nome próprio do Inimigo (1Cr 21.1 com 2Sm 24.1; 1Sm 16.14 com
2Sm 24.16; 1Co 5.5; 2Co 12.7; Hb 2.14; Ap 2.9).
6 Uma semana depois desses acontecimentos, Pedro, Tiago e João presenciam o cumprimento dessa profecia na experiência
da transfiguração de Cristo (17.1-8), que foi também uma antevisão da plenitude do Reino, com o Senhor aparecendo em glória
(Dn 7.9-14). A passagem bíblica de 16.13 a 17.8 trata do ministério do discipulado cristão. Os versículos de 13-20 falam da obra
do Messias; de 21-23 tratam da expiação; 24-26 advertem para o custo da missão; 27-17.8 dizem respeito à escatologia com suas
recompensas. Juntos, esses textos, tratam das verdades fundamentais da teologia bíblica do NT.
Capítulo 17
1 Lucas fala em “cerca de oito dias” em seu texto paralelo (Lc 9.28), pois indica os seis dias de intervalo mais o dia em que Jesus
falou e o dia em que a transfiguração aconteceu em algum ponto do monte Hermom (com cerca de 3000 metros de altura), a 20
km de Cesaréia de Filipe. Como prometera, Jesus oferece a alguns discípulos (mais íntimos), uma antevisão da exaltação futura
do Senhor e do pleno estabelecimento do seu Reino. Jesus foi visto em sua forma glorificada. Moisés comparece representando a
antiga aliança e a promessa da salvação (que dentro em breve seria cumprida no sacrifício de Jesus). Elias representa os profetas
e o cumprimento da Palavra de Deus. Lucas acrescenta que conversavam a respeito da iminente morte de Cristo (Lc 9.31). Jesus
é revelado como a realidade gloriosa à qual a totalidade do AT apresenta como o cumprimento de toda a história da redenção
dela emanou uma voz dizendo: “Este é o 17 Então Jesus exclamou: “Ó geração sem
meu Filho amado em quem me regozijo: fé e perversa! Até quando estarei convos-
a Ele atendei!”. co? Até quando vos terei de suportar?
6 Ao ouvirem isso, os discípulos prostra- Trazei-me aqui o menino”.
ram-se com o rosto em terra e ficaram 18 E Jesus repreendeu o demônio; este
atemorizados. saiu do menino, que daquele momento
7 Então Jesus, aproximando-se deles, em diante ficou são.
tocou-osedisse:“Levantai-vos,enãotemais!”. 19 Então os discípulos chegaram-se a
8 Ao erguer os olhos, a ninguém mais Jesus e, em particular, lhe perguntaram:
viram, senão somente a Jesus. “Por qual motivo não nos foi possível
9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes expulsá-lo?”.
ordenou: “A ninguém conteis a visão que 20 E Ele respondeu: “Por causa da peque-
tivestes, até que o Filho do homem res- nez da vossa fé. Pois com toda a certeza
suscite dentre os mortos”. vos afirmo que, se tiverdes fé do tama-
10 E os discípulos lhe perguntaram: “En- nho de um grão de mostarda, direis a
tão, por que os escribas ensinam que é este monte: ‘Passa daqui para acolá’, e ele
preciso que Elias venha primeiro?”. passará. E nada vos será impossível!
11 Ao que Jesus lhes respondeu: “Elias, com 21 Contudo, essa espécie só se expele por
certeza, vem e restaurará todas as coisas.2 meio de oração e jejum”.
12 Eu, todavia, vos afirmo: Elias já veio,
mas eles não o reconheceram e fizeram Jesus prediz novamente seu martírio
com ele tudo quanto desejaram. Da mes- 22 Ao se reunirem na Galiléia, compar-
ma forma, o Filho do homem irá sofrer tilhou com eles, dizendo: “O Filho do
nas mãos deles”. homem está prestes a ser entregue nas
13 Os discípulos entenderam, então, que mãos dos homens.
era a respeito de João Batista que Ele 23 Eles o matarão, mas no terceiro dia
havia falado. Ele será ressuscitado”. Então, profunda
tristeza abalou os discípulos.
A cura do menino possesso
14 Ao chegarem onde se reunia a multi- Jesus paga o imposto secular
dão, um homem aproximou-se de Jesus, 24 Quando Jesus e seus discípulos che-
ajoelhou-se diante dele e clamou: garam a Cafarnaum, os cobradores do
15 “Senhor, compadece-te do meu filho, imposto de duas dracmas abordaram a
pois tem sofrido horrivelmente com ata- Pedro e questionaram: “O vosso mestre
ques epiléticos. Muitas vezes cai no fogo, não paga o imposto das duas dracmas,
e outras tantas, na água.3 ao templo?”.
16 Apresentei-o aos teus discípulos, mas 25 “Sim, paga”, respondeu Pedro. Mas
eles não conseguiram curá-lo”. quando ele entrou em casa, Jesus se
humana, desde o dia em que Abraão foi chamado para obedecer a Deus e abandonou tudo o que tinha, para receber a herança
prometida (Gn 12.2,3; 15.4,5).
Na experiência da transformação de Jesus, Deus Pai intervém na história para consolar o Filho, que já estava a caminho da
crucificação (22-23 com 16-21), e também aos discípulos, a fim de darem toda a atenção às palavras de Jesus e continuarem
firmes na fé após sua morte e ascensão. Bem mais tarde, Pedro vai citar esse evento em suas pregações, como uma das provas
irrefutáveis da divindade de Jesus, o Messias (2Pe 1.16-18).
2 Os mestres da lei (escribas) defendiam, com base em Ml 4.5-6, que Elias deveria reaparecer em Israel para anunciar a vinda
do Messias. Contudo, Jesus demonstrou que foi João, o Batista, a pessoa que cumpriu essa missão profética, pois até suas
vestes, maneira de viver e personalidade revelavam o caráter de um Elias, e esse era o sentido da profecia.
3 A expressão grega original, em algumas versões traduzida por “lunático”, significa: “epilético”. Evidentemente nem todo
ataque epilético tem a ver com possessão demoníaca; mas, neste caso, o menino estava mesmo possuído por um demônio
muito poderoso. Todavia, qualquer discípulo que tivesse fé e comunhão com Deus (jejum e oração) poderia expulsá-lo e curar
o menino.
4 O imposto das duas dracmas era cobrado anualmente de todos os homens de 20 anos para cima, sendo destinado à manuten-
ção do templo. Havia cobradores para outros valores e tipos de impostos (Êx 30.13; 2Cr 24.9; Ne 10.32). Valia meio estáter ou siclo,
por pessoa (valor que correspondia a dois dracmas ou dois dias de trabalho braçal). Jesus se antecipa à confusão mental de Pedro,
ao demonstrar que os membros da família real ficam isentos de pagar os impostos do Reino. Assim, Jesus, o Filho de Deus (dono
do templo) não estaria pessoalmente obrigado a arcar com parte do sustento da casa do seu Pai (Lc 2.49). Como Pedro ainda não
tinha entendido a amplitude desse conceito e, além disso, já havia se comprometido com o pagamento, Jesus ilustra para ele, e para
nós, mais esse ensino sobre a Sua pessoa, Reino e Missão, além dos nossos deveres civis e religiosos (Rm 13.7).
Capítulo 18
1 Este é o último grande discurso de Jesus antes de ir para Jerusalém (Mc 9.33 com 17.25). Estavam todos reunidos na casa de
Pedro e Jesus notou que havia se manifestado entre seus discípulos o mal do ciúme, da inveja e da competição por proeminência
no ministério.
2 A expressão grega straphete significa “virar”, “mudar completamente” e está relacionada a uma nova vida voltada
(consagrada) para Deus e não apenas a adoção de certa religiosidade formal. Ser como as crianças, é admitir um novo começo
e dispor-se humildemente a aprender a viver como cidadão do Reino.
3 A referência aos pequeninos pode ser tanto às crianças quanto ao novos (neófitos) na fé cristã. O escândalo e o desprezo
14 Da mesma maneira, vosso Pai, que está dois dentre vós concordarem na terra em
nos céus, não deseja que qualquer desses qualquer assunto sobre o qual pedirem,
pequeninos se perca.4 isso lhes será feito por meu Pai que está
nos céus.
Como tratar o pecado de um irmão 20 Porquanto, onde se reunirem dois ou
15 Se teu irmão pecar contra ti, vai e, em três em meu Nome, ali Eu estarei no meio
particular com ele, conversem sobre a deles”.6
falta que cometeu. Se ele te der ouvidos,
ganhaste a teu irmão. Quantas vezes se deve perdoar
16 Porém, se ele não te der atenção, leva (Lc 17.3-4)
contigo mais uma ou duas pessoas, para 21 Então, Pedro chegou perto de Jesus e
que pelo depoimento de duas ou três lhe perguntou: “Senhor, até quantas ve-
testemunhas, qualquer acusação seja zes meu irmão pecará contra mim, que
confirmada.5 eu tenha de perdoá-lo? Até sete vezes?”.
17 Contudo, se ele se recusar a considerá- 22 E Jesus lhe respondeu: “Não te direi
los, dizei-o à igreja; então, se ele se negar até sete vezes; mas, sim, até setenta vezes
também a ouvir a igreja, trata-o como sete”.7
pagão ou publicano.
18 Com toda a certeza vos asseguro que A parábola do servo que não perdoou
tudo o que ligardes na terra terá sido li- 23 “Portanto, o Reino dos céus pode ser
gado no céu, e tudo o que desligardes na comparado a certo rei, que decidiu acer-
terra terá sido desligado no céu. tar contas com seus servos.
19 Uma vez mais vos asseguro que, se 24 Quando teve início o acerto, foi trazi-
por essas pessoas teriam o efeito de uma cilada (uma armadilha provocada pelo Diabo), afastando-as da verdadeira vida em
Cristo. O provocador de escândalos receberá o mais severo julgamento de Deus. Quanto aos anjos, são seres criados por Deus
para Sua adoração e serviço. Há várias classes de anjos com diversas especialidades. Aqui, Jesus se refere aos anjos guardiões,
destacados pelo Senhor para cuidar das crianças e do povo de Deus em geral (Sl 34.7; 91.11; At 12.15; Hb 1.14).
4 A história da ovelha perdida também se acha em Lc 15.3-7. Ali é aplicada aos incrédulos, mas aqui aos cristãos. O v.14 não
exclui a possibilidade da perdição, mas ressalta que a vontade de Deus é que todos sejam salvos. A pessoa que vai para o inferno,
desde já recusa a salvação e aceita – direta ou indiretamente – a condição de perdido, não porque Deus queira (25.41;1Tm 2.4).
Jesus usou a mesma parábola para ensinar verdades diferentes em situações específicas.
5 Jesus orienta seus discípulos quanto aos passos que devem ser observados para resolver os problemas de relacionamento
interpessoal, pecados evidentes, e casos de excomunhão da igreja (congregação local): 1) Como primeiro passo (muitas vezes
ignorado), o crente que se sente vítima de alguma ofensa ou que descobre um pecado em seu irmão de fé, deve convidá-lo para
uma conversa a sós (ninguém mais deve saber desse assunto) e tentar estabelecer um diálogo honesto, sincero e cordial com
o ofensor, a fim de “ganhar o seu irmão”; ou seja, que haja acertos e reparações (se necessário) para que os dois obtenham
paz e alegria, e sigam servindo ao Senhor, dando bom exemplo ao mundo. 2) No caso da recusa ou indiferença do ofensor, a
pessoa ofendida deve convidar um ou mais irmãos maduros na fé, que chamarão o ofensor para uma conversa em grupo, onde
se buscará o Conselho de Deus, as reparações necessárias e a celebração da paz em Cristo (Gl 6.1-5). Jesus cita o texto de Dt
19.15, da Septuaginta (o AT em grego), incorporando esse justo e sábio princípio da lei mosaica para benefício da Igreja Cristã. 3)
No caso de total indiferença ou falta de arrependimento por parte do ofensor, os líderes espirituais da igreja devem ser informados
pelo grupo que tentou trazer o irmão faltoso ao bom senso e à perfeita comunhão em Cristo. Os líderes devem fazer o possível
para “não perder” o irmão faltoso. No caso de claro desrespeito à Palavra de Deus e à liderança da igreja, então esse pecador
obstinado deve ser afastado da comunhão cristã, ao menos até que recobre a sensatez, reconheça suas faltas e se disponha
sinceramente a viver de acordo com os princípios da Palavra de Deus (1Co 5.4-5; 1Tm 1.20).
6 Essas são promessas dirigidas a todos os discípulos de Cristo (cristãos totalmente consagrados ao Senhor), pois saberão
agir com sabedoria celestial. O v.19 é uma das grandes promessas do Evangelho, em relação à oração. Entretanto, é preciso
observar a conexão desse versículo com o seu contexto imediato e o conteúdo do capítulo. Ou seja, a promessa é dada aos
discípulos reunidos, tendo Jesus Cristo em seu meio (v. 20), com o objetivo de restaurar um irmão que esteja vivendo no erro (pe-
cado – v. 17). Jesus confirma a autoridade dos discípulos para o exercício dessa função (v. 18 e 16.19), e a promessa é cumprida
porque agem da parte do Pai, em nome do Filho (v. 20). O verdadeiro entendimento e unidade entre os seres humanos é algo
raro, mesmo entre os cristãos. Deus só exige um acordo entre as pessoas: que Jesus Cristo, seu Filho, seja a grande paixão da
humanidade e o ponto comum e central da fé. Jesus é o fator básico da unidade (Jo 17.19-21). É possível discordar e viver em
comunhão, respeito e cooperação no Reino.
7 Os rabis e mestres judaicos ordenavam perdoar até três vezes. Pedro sugeriu um salto espiritual: sete vezes! O número
do à sua presença um que lhe devia dez padecer-te do teu conservo, assim como
mil talentos.8 eu me compadeci de ti?’
25 Porém, não tendo o devedor como 34 E, sentindo-se insultado, o rei entre-
saldar tal importância, ordenou o seu se- gou aquele servo impiedoso aos carras-
nhor que fosse vendido ele, sua mulher, cos, até que lhe pagasse toda a dívida.
seus filhos e tudo quanto possuía, para 35 Assim também o meu Pai celestial vos
que a dívida fosse paga. fará, a cada um, se de todo o coração não
26 O servo, então, com toda a reverência, perdoardes cada um a seu irmão”.
prostrou-se diante do rei e lhe implorou:
‘Sê paciente comigo e tudo te pagarei!’ Casamento e Divórcio
27 E o senhor daquele servo, teve compai- (Mc 10.1-12)
xão dele, perdoou-lhe a dívida e o deixou
ir embora livre.
28 Entretanto, saindo aquele servo, en-
19 E aconteceu que, concluindo Jesus
essas palavras, partiu da Galiléia e
dirigiu-se para a região da Judéia, no ou-
controu um dos seus conservos, que lhe tro lado do Jordão.
estava devendo cem denários. Agarrou-o 2 Grandes multidões o seguiam e a todos
e começou a sufocá-lo, esbravejando: curava ali.1
‘Paga-me o que me deves!’ 3 Alguns fariseus também chegaram até
29 Então, o seu conservo, caindo-lhe aos Ele e, para prová-lo, questionaram-lhe:
pés, lhe suplicava: ‘Sê paciente comigo e “É lícito o marido se divorciar da sua
tudo te pagarei’. esposa por qualquer motivo?”.2
30 Mas, ele não queria acordo. Ao con- 4 E Jesus lhes explicou: “Não tendes lido
trário, foi e mandou lançar seu conservo que, no princípio, o Criador ‘os fez ho-
devedor na prisão, até que toda a dívida mem e mulher’,
fosse saldada. 5 e os instruiu: ‘Por este motivo, o homem
31 Quando os demais conservos, compa- deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher,
nheiros dele, viram o que havia ocorrido, e os dois se tornarão uma só carne’?
ficaram indignados, e foram contar ao 6 Sendo assim, eles já não são dois, mas
rei tudo o que acontecera. sim uma só carne. E, portanto, o que Deus
32 Então o rei, chamando aquele servo lhe uniu, não o separe o ser humano”.3
disse: ‘Servo perverso, perdoei-te de toda 7 Replicaram-lhe: “Então por qual razão
aquela dívida atendendo às tuas súplicas. mandou Moisés dar uma certidão de
33 Não devias tu, da mesma maneira, com- divórcio à mulher e abandoná-la?”.
perfeito, completo. Mas, Jesus lhe respondeu com uma expressão matemática e filosófica que tende ao infinito. Ou seja: sempre!
O cristão, por sua fé no Senhor, deve perdoar todas as vezes que o ofensor arrependido lhe pedir perdão. Só assim será possível
ao crente compartilhar do amor, misericórdia e generosidade de Deus.
8 Jesus ilustra por que devemos perdoar sem limites. O perdão que Deus nos concedeu, ao nos abençoar com o dom da salva-
ção, é tão grandioso, que qualquer ofensa que outro ser humano venha a praticar contra nós torna-se irrisória, embora possa nos
fazer sofrer por algum tempo. Perdoar sempre dará mais espaço à plenitude divina em nossa alma. O “talento” era uma medida de
peso, usada para pesar ouro e prata, equivalente, a cerca de 35 quilos. Cada talento valia cerca de 6.000 denários. O “denário” era
uma moeda de prata que equivalia a um dia de trabalho braçal. Deus, finalmente, julgará a todos conforme seu amor longânimo
e justiça severa; e espera de nós o mesmo senso de misericórdia (Tg 2.13).
Capítulo 19
1 Jesus entrou na região da Peréia, em direção a Jerusalém, onde hoje se situa a Jordânia. Na época fazia parte das terras (tetrar-
quia) de Herodes Antipas, ficava a leste do rio Jordão, estendendo-se do mar da Galiléia até próximo ao mar Morto (Lc 13.22).
2 Mateus escreveu com o propósito de evangelizar os judeus, por isso, usa a expressão “Reino dos céus” significando “Reino de
Deus”, respeitando o cuidado extremo que os judeus tinham ao pronunciar o nome de Deus. Assim também, Mateus adiciona a frase
“por qualquer motivo” a esse versículo, que não consta do texto paralelo escrito por Marcos (Mc 10.2). Isso, para esclarecer ao leitor
quanto ao ensino de duas escolas rabínicas: Hillel, que permitia ao marido repudiar (rejeitar, mandar embora, abandonar, divorciar),
sua esposa por qualquer motivo que o desgostasse, até mesmo pelo sabor ou preparo de uma refeição. E a escola Shammai, a qual
pregava que o único motivo suficiente para um homem divorciar-se de sua esposa era a infidelidade conjugal comprovada.
3 Mais uma vez os doutores da Lei procuram desmoralizar Jesus, pois o assunto estava dividido, há muitos anos, entre duas
8 Ao que Jesus declarou: “Moisés, por cau- capaz de aceitar esse conceito, que o
sa da dureza dos vossos corações, vos con- receba”.5
cedeu separar-se de vossas mulheres. Mas
não tem sido assim desde o princípio”. Jesus abençoa as crianças
9 Eu, porém, vos afirmo: “Todo aquele (Mc 10.13-16; Lc 18.15-17)
que se divorciar da sua esposa, a não 13 Então, trouxeram-lhe algumas crian-
ser por imoralidade sexual, e se casar ças, para que lhes impusesse as mãos e
com outra mulher, estará cometendo orasse por elas. Os discípulos, contudo,
adultério”.4 os repreendiam.
10 Então os discípulos consideraram: “Se 14 Mas Jesus lhes ordenou: “Deixai vir a
estes são os termos para o marido e sua mim as crianças, não as impeçais, pois o
esposa, não é vantagem casar!”. Reino dos céus pertence aos que se tor-
11 Mas Jesus ponderou-lhes: “Nem todos nam semelhantes a elas”.
conseguem aceitar essa palavra; somente 15 E, depois de ter-lhes imposto as mãos,
aqueles a quem tal capacidade é dada. partiu dali.6
12 Pois há alguns eunucos que nasceram
assim do ventre de suas mães; outros Dificilmente os ricos serão salvos
foram privados de seus órgãos reprodu- (Mc 10.17-31; Lc 18.18-30)
tores pelos homens; e há outros ainda 16 Eis que alguém chegou perto de Jesus
que a si mesmos se fizeram celibatários, e consultou-o: “Mestre, que poderei fazer
por causa do Reino dos céus. Quem for de bom para ganhar a vida eterna?”.7
grandes e respeitadas correntes de pensamento. Mas Jesus apela, novamente, para o espírito da Lei e não apenas para a letra.
Jesus leva sua audiência para o princípio da criação e para o pensamento originário de Deus – O Criador – e cita a Septuaginta
(AT em grego), defendendo assim a doutrina da inspiração das Escrituras (Gn 1.27; 2.23-24). Portanto, o propósito divino na
criação é de que marido e esposa se unam de forma a se tornarem a mesma carne, sendo os corpos (o sangue) o meio para
a unidade indissolúvel do parentesco e comunhão, fazendo, assim, do casamento, a mais profunda forma de unidade física e
espiritual. Esse conceito vital deve ser ensinado às pessoas na época do namoro. Elas precisam aprender a namorar (se conhecer
bem) segundo a vontade de Deus. Isso evitaria muitos problemas no casamento.
4 A intenção dos fariseus não era compreender a verdade, mas achar um pretexto para destruir Jesus. Eles recorrem, assim,
à lei de Moisés (Dt 24.1). Mas Jesus demonstra que certas concessões, na história, não foram feitas por serem o plano original
de Deus para a humanidade, mas em atenção aos pedidos insistentes da sociedade; da alma dos homens, dos seus corações
arrogantes, vaidosos e egoístas. Características que acompanharam o ser humano após a sua Queda e que se relacionam com
a influência do Diabo na terra (Gn 3.8-13; 22-24).
5 A palavra “eunuco” (em hebraico sãrïs) é derivada de um termo assírio que significa “aquele que é cabeça” ou “o braço direito”.
No NT, o vocábulo grego eunouchos, é uma derivação de eunen echõ, que pode significar “conservar o leito” ou “manter a padrão”.
Nos escritos de Heródoto aprendemos que nos países orientais os eunucos eram contratados especialmente para tomar conta dos
haréns dos monarcas, sendo, entretanto, reputados como dignos de confiança em todos os sentidos. Em todos os casos, a palavra
refere-se a pessoas da mais alta confiança do rei e pode ser usada no sentido de: “oficial da corte” ou “castrado”. Em At 8.27 ambos
os sentidos estão em foco. Aqui, porém, a expressão original é clara e refere-se ao homem castrado. O judaísmo conhecia apenas
duas categorias de eunucos: Os “feitos pelo homem” (em hebraico sãrïs ’ãdhãm), e aqueles que nasceram congenitamente incapazes
ou sem libido (instinto e desejos sexuais) chamados de “natural” ou “eunuco do sol” (em hebraico sãrïs hammâ). Jesus usou uma
metáfora para mostrar o radicalismo do amor: na união com Deus e com o próximo, na aliança do matrimônio e no ministério cristão.
Jesus surpreende seus inquiridores com uma terceira classe de eunucos: os celibatários, aqueles que, de forma livre e espontânea,
sacrificaram seus desejos naturais e legítimos por amor ao Senhor e para melhor e maior dedicação ao Reino de Deus. Em nenhum
momento Jesus defendeu o asceticismo (doutrina dos primeiros séculos que exigia dos líderes cristãos a total abstinência sexual e
punia severamente os pensamentos impuros). Jesus e Paulo (dois celibatários) deixam claro que não é necessário que um homem
ou uma mulher se privem do casamento para serem bons obreiros ou líderes espirituais da Igreja de Cristo, isso é dom de Deus; e,
portanto, é graça e não maldição. Pessoas com esse dom devem ser orientadas a dedicar-se exclusivamente ao Senhor e à Igreja;
caso contrário, Satanás poderá se aproveitar disso e tentar recrutá-las para servir ao reino do mal (1Co 7.7,8,26,32-35). Orígenes, um
dos pais da Igreja do século II, interpretando erradamente essa palavra de Jesus, entendendo-a de forma literal, mutilou a si mesmo.
6 Era costume dos judeus levar as crianças para serem abençoadas por um rabino que fosse mestre comprovado da Lei. Ao
ouvirem o ensino de Jesus, as pessoas não tiveram dúvidas em enviar seus filhos para receberem a dádiva real (Gn 27). Entretan-
to, Jesus aproveitou o evento para pregar sobre a chegada e a disponibilidade do Reino de Deus para todos que o recebessem
com a humildade, sinceridade, fé e alegria das crianças (Mt 6.9; Rm 8.14).
7 Os judeus, no tempo de Cristo, criam que a realização de um grande e único ato digno podia garantir-lhes um lugar
17 Questionou-o Jesus: “Por que me per- que um rico entrar no Reino dos céus”.9
guntas a respeito do que é bom? Há so- 25 Ouvindo isso, os discípulos ficaram
mente um que é bom. Se queres entrar na atônitos e exclamaram: “Sendo assim,
vida eterna, obedeça aos mandamentos”. quem pode ser salvo?”.
18 Ao que ele perguntou: “Quais?”. E 26 Mas Jesus, fixando o olhar neles, re-
Jesus lhe respondeu: “Não matarás, não velou-lhes: “Isso é impossível aos seres
adulterarás, não furtarás, não darás falso humanos, mas para Deus todas as coisas
testemunho, são possíveis”.
19 honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o
teu próximo como a ti mesmo”. As recompensas no Reino
20 Replicou-lhe o jovem: “A tudo isso 27 Então Pedro manifestou-se dizendo:
tenho obedecido. O que ainda me falta?”. “Veja! Nós deixamos tudo e te seguimos;
21 Jesus disse a ele: “Se queres ser perfeito, o que será, pois, de nós?”.
vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos 28 Jesus lhes respondeu: “Com toda a
pobres, e terás um tesouro no céu. De- certeza vos afirmo que vós, os que me
pois, vem e segue-me”. seguistes, quando ocorrer a regeneração
22 Ao ouvir essa palavra, o jovem afas- de todas as coisas, e o Filho do homem se
tou-se pesaroso, pois era dono de muitas assentar no trono da sua glória, também
riquezas.8 vos assentareis em doze tronos, para jul-
23 Então disse Jesus aos seus discípulos: gar as doze tribos de Israel.10
“Com toda a certeza vos afirmo que 29 Também todos aqueles que tiverem
dificilmente um rico entrará no Reino deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe,
dos céus. filhos ou terras, por causa do meu Nome,
24 E lhes digo mais: É mais fácil passar receberão cem vezes mais e herdarão a
um camelo pelo fundo de uma agulha do vida eterna.
privilegiado no céu. Outros acreditavam que a completa e restrita observância da Lei os levaria ao Reino de Deus. Lucas revela
que esse jovem ocupava posição de grande prestígio (Lc 18.18). Marcos salienta que, ao aproximar-se de Jesus, correu e
ajoelhou-se (Mc 10.17). O jovem possuía tudo o que alguém pode desejar, mas lhe faltava a certeza da vida eterna. Entretanto, ele
não pensou na incompatibilidade que existe entre o mundanismo e o Reino de Deus (6.33). A riqueza gera soberba e arrogância,
provocando rejeição à simplicidade e humildade que existe na fé em Cristo. Após a Queda, o ser humano perdeu a capacidade
de ser bom e fazer o bem (continuamente). Por isso, Deus fez da Salvação um presente (dádiva), não podemos adquiri-lo, só
nos é possível aceitá-lo (Ef 2.8).
8 Jesus mostra que o jovem em questão (assim como algumas pessoas) imaginava obedecer a todos os mandamentos da Lei:
ele não matava, não roubava e não era um mau filho. Acontece que a própria Escritura garante que ninguém é capaz de cumprir
a Lei e, por isso, precisamos desesperadamente da Graça do Senhor. O rapaz tinha tudo, e queria também ser perfeito (em
grego teleios, aperfeiçoado, tendo alcançado a meta). Jesus, contudo, ao relacionar os mandamentos (Êx 20.12-16; Dt 5.16-20;
Lv 19.18) omitiu “não cobiçarás”. Esse era, pois, justamente, o grande obstáculo para que o rapaz recebesse, de graça, a tão
almejada vida eterna. Jesus não está ensinando que todo cristão deva ser pobre, muito menos que todo pobre vai para o céu.
Ele estava provando o coração daquele homem para revelar a ele (e a nós) a necessidade de arrependimento e conversão dos
pecados que, muitas vezes, pensamos que não temos.
9 Jesus recorre a outra metáfora: o maior animal na Palestina em contraste com a menor passagem conhecida pelo povo na
época: o buraco de uma agulha. A expressão também se refere, curiosamente, a uma pequena entrada, situada ao lado da porta
principal da cidade de Jerusalém, por onde (por motivos de segurança) um camelo não podia passar carregado e, mesmo assim,
somente conseguia atravessá-la de joelhos (Mc 10.25). A salvação não é possível pelo esforço humano. É um ato sobrenatural
de Deus, que busca corações humanos onde receba amor incondicional e tenha prioridade absoluta. Ele acrescentará todas as
demais coisas necessárias (6.33-34). O amor ao dinheiro e às riquezas pode escravizar uma pessoa, exacerbando seu egoísmo
e desviando-a do Reino (1Tm 6.9-10). Jesus faz ainda uma alusão ao AT e reafirma que para Deus nada é impossível (Gn 18.14;
Jó 42.2; Zc 8.6-7).
10 A expressão grega palingenesia, aqui traduzida por “regeneração” refere-se ao mundo renovado do futuro (o novo céu e a
nova terra de Ap 21.1). As doze tribos, com as dez tribos do norte (Israel), perdidas séculos antes de Cristo (pela mistura com po-
vos gentios), serão restauradas para o julgamento (25.31; At 3.20-21; Ap 7.4-8). O outro único uso da palavra “regeneração” tem
a ver com a renovação espiritual das pessoas (Tt 3.5). Jesus ensina que o Reino de Deus não é uma competição, como em quase
tudo nas sociedades humanas. Jesus tranqüiliza Pedro e promete que todos os que tomarem parte em sua batalha, comparti-
lharão igualmente das bênçãos de sua vitória completa e eterna. Entretanto, em 20.1-16, Ele adverte os seus seguidores sobre o
perigo de julgar o assunto das recompensas divinas por um padrão meramente político, econômico e financeiro (terreno).
Capítulo 20
1 A declaração de Jesus feita em 10.30, é explicada por meio desta história e repetida em 20.16, enfatizando a soberana gene-
rosidade de Deus Pai. Essa parábola foi registrada apenas em Mateus.
2 O denário ou dinheiro (em latim denarius) era uma moeda romana, de prata. Tinha o mesmo valor de um dracma (em grego
drachma), ou meio shekel judaico. Correspondia a um dia de trabalho de um soldado romano na época de Jesus. Um escrivão
de documentos altamente qualificado, na Palestina daquele tempo, ganhava dois denários por dia.
3 A contagem das horas começava às 6h da manhã. Portanto, a terceira hora correspondia às 9h da manhã e assim por
diante. Nos originais gregos, assim como na tradução KJ de 1611 constam as expressões: “da hora terceira; sexta; nona e da
décima primeira hora”. Entretanto, o Comitê Internacional de Tradução da Bíblia King James decidiu, para melhor compreensão
dessa parábola, pelo uso do atual sistema de divisão do dia natural em 24 horas. Tempo que a Terra leva para fazer uma rotação
completa sobre si mesma.
4 A Lei de Moisés garantia aos trabalhadores pobres (que ganhavam salário mínimo, ou um denário por dia) que fossem
pagos por seus contratadores até o fim do dia ou até que o brilho das primeiras estrelas pudesse ser observado no céu (Lv
19.13; Dt 24.14,15).
5 A parte final deste versículo no original grego é: “...ou o olho teu mau é porque eu bom sou?” Essa expressão está relacionada
ao suposto poder de amaldiçoar que existe nos olhos de uma pessoa que inveja (não apenas do invejoso compulsivo). Desde o
AT (1Sm 18.6-16), havia uma associação entre o olhar perverso e a inveja (daí a expressão popular: mau-olhado).
6 Esta parábola está repleta de ensino e sabedoria. Não é possível um comentário extenso aqui, mas é importante dizer que
Jesus usou uma história bem conhecida dos judeus para esclarecer um pouco mais sobre como é a vida no Reino de Deus.
Outra vez Jesus prediz seu sacrifício 21 “O que desejas?” - perguntou Jesus. Ela
(Mc 10.32-34; Lc 18.31-34) respondeu: “Ordena que no teu Reino
17 Jesus estava, então, pronto para subir a estes meus dois filhos se assentem um à
Jerusalém, quando chamou à parte seus tua direita, e o outro à tua esquerda”.
doze discípulos e lhes falou: 22 “Não sabeis o que pedis!”, contestou-
18 “Agora estamos subindo para Jerusa- lhes Jesus. “Podeis vós beber o cálice que
lém, e o Filho do homem será entregue Eu estou prestes a beber e ser batizados
aos chefes dos sacerdotes e aos escribas. com o batismo com o qual estou sendo
Eles o condenarão à morte. batizado?”. E eles afirmaram: “Podemos!”.
19 E o entregarão aos gentios para ser 23 Então Jesus lhes declarou: “Certamen-
zombado, torturado e crucificado; mas te bebereis do meu cálice; mas quanto ao
ao terceiro dia Ele será ressuscitado!”.7 assentar-se à minha direita ou à minha
esquerda, não cabe a mim outorgá-lo.
É preciso sabedoria para pedir Esses lugares pertencem àqueles a quem
(Mc 10.35-45) foram reservados por meu Pai”.9
20 Naquele momento, aproximou-se de 24 Ao ouvirem isso, os outros dez ficaram
Jesus a esposa de Zebedeu, com seus filhos injuriados contra os dois irmãos.
e, prostrando-se, fez um pedido a Ele.8 25 Então Jesus os chamou e explicou:
Desde o AT, muitos mestres e rabinos usavam parábolas para comunicar seus ensinos. Acontece que essa história, em várias
versões, era contada para realçar a doutrina das recompensas divinas, e seguia a mesma linha moral da conhecida fábula de La
Fontaine: “A Cigarra e a Formiga”. A história rabínica, em síntese, era assim: “Um rei recrutou muitos trabalhadores, mas um deles
trabalhou muitos dias para o reino. No dia do pagamento, o rei pagou pouco aos que tinham trabalhado pouco e recompensou
regiamente ao que fora fiel o tempo todo”. Ou seja: muito trabalho, muita recompensa; nenhum trabalho, punição ou nenhuma
recompensa. Jesus, porém, dá um desfecho novo, inusitado e ameaçador ao recontar essa parábola tradicional. Jesus declarou
que Deus dá recompensas aos seus filhos (Mt 5.12,46; 6.1; 5.16; 10.41). Mas, da mesma maneira inequívoca, ensinou que todos
os que servem a Deus com a principal intenção de com isso “merecer” bênçãos e favores, perderão a verdadeira felicidade, aqui
e na eternidade. Quem realiza boas obras contando com as recompensas, vai se aborrecer com a misericórdia e a bondade de
Deus. É por isso que os judeus, especialmente os que mais se esforçavam (escribas e fariseus), começaram a odiar a Jesus. Eles
tinham um lema na época: “A Torá (a Lei) foi dada a Israel para mostrar como adquirir méritos”. É até compreensível que eles se
irritassem com o novo ensino e com a generosidade de Deus; e que muitos deles, como na parábola, de “primeiros” se tornaram
“últimos”, ou como o irmão mais velho, que na história do “filho pródigo” irou-se e excluiu-se da alegria de reaver o irmão perdido
(Lc 15.11-32). Jesus ensina também, através dessa parábola, que os judeus, os primeiros a receber a gloriosa chamada divina,
não serão os primeiros a receber o galardão final (recompensa, prêmio), pois a Salvação não vem da herança racial, nem do
legalismo religioso, mas da generosidade e graça divinas. Assim também, a Salvação é a maior gratificação que um ser humano
pode receber em toda a sua vida e vale por toda a eternidade. Portanto, não existem “salvos de segunda classe”. Uma vez salvo;
salvo de primeira classe e para sempre. Deus é soberano e, absolutamente tudo depende dele. O ser humano não pode fazer
nada para salvar-se, a não ser aceitar humildemente a vontade do Senhor e andar segundo a Palavra. Entretanto, a graça de Deus
pode transformar qualquer fariseu em um dos “primeiros” (novamente), como aconteceu com Saulo de Tarso, nosso irmão Paulo
(At 9.1-31). A frase: “Pois, muitos serão chamados, mas poucos escolhidos”, não consta de alguns manuscritos gregos, embora
faça referência às palavras de Jesus em 19.23-26 e refíra-se a parte de todas as revisões da KJ desde 1611 até hoje.
7 Esta é a última viagem de Jesus a Jerusalém. Teve início na cidade de Efraim (Jo 11.54), passando pela Galiléia (Lc 17.11),
seguindo mais para o sul, chegando a Jericó, passando pela Peréia (Lc 18.35), por Betânia (Lc 19.29), até chegar a Jerusalém (Lc
19.41). Jesus desejou muito celebrar sua última Páscoa com seus discípulos; uma multidão de peregrinos os acompanhava. Jesus
seria o Cordeiro Pascal da humanidade; mas nem seus discípulos mais chegados conseguiam entender por que o Messias haveria
de ser humilhado e morto se as profecias apontavam para um grande libertador, maior que Moisés. Nesta terceira predição sobre o
seu sacrifício, Jesus acrescenta que Ele não seria executado pelos judeus, que o apedrejariam, mas pelos gentios (romanos). Todos
esses detalhes proféticos só fariam sentido na mente dos discípulos após a morte e ressurreição de Jesus (28.6).
8 Marcos nos revela que esses filhos de Zebedeu e Salomé (irmã de Maria, mãe de Jesus) eram os primos do Senhor: Tiago e
João. O pedido foi feito numa reunião com Jesus, solicitada pela mãe dos dois apóstolos (27.56; Mc 10.35; 15.40; Jo 19.25). Tanto
o pedido como a indignação dos outros discípulos revela que todas aquelas pessoas aguardavam para breve o estabelecimento
do poderoso reino do Messias na terra, apesar da clara profecia sobre a Paixão do Senhor.
9 Jesus usa uma metáfora bastante conhecida dos judeus, especialmente no AT (Sl 75.8; Is 51.17-23; Jr 25.15-28; 49.12; 51.7),
quase sempre associada ao juízo e à ira de Deus contra o pecado. A expressão hebraica: beber o cálice significava compartilhar do
destino de alguém. Assim, o cálice refere-se ao castigo divino que Jesus teria de receber em lugar de cada ser humano. O batismo é
outra figura de linguagem que, assim como o cálice, explica o sentido do sofrimento e morte do Senhor (Lc 12.50; Rm 6.3,4). Jesus
demonstra mais uma vez sua absoluta divindade ao revelar que conhecia o destino dos discípulos, mas que não podia usurpar a
“Sabeis que os governadores dos po- perguntou: “O que quereis que Eu vos
vos os dominam e que são as pessoas faça?”.11
importantes que exercem poder sobre 33 “Senhor! Que se abram os nossos
as nações. olhos”, responderam eles.
26 Não será assim entre vós. Ao contrário, 34 Jesus sentiu compaixão e tocou nos
quem desejar ser importante entre vós olhos deles. No mesmo instante os cegos
será esse o que deva servir aos demais. recuperaram a visão e o seguiram.
27 E quem quiser ser o primeiro entre vós
que se torne vosso escravo. Jesus é aclamado pelas multidões
28 Assim como o Filho do homem, que (Mc 11.1-11; Lc 19.28-40; Jo 12.12-19)
não veio para ser servido, mas para servir
e dar a sua vida como único resgate por
muitos”.10
21 Ao se aproximarem de Jerusalém,
chegaram a Betfagé, no monte
das Oliveiras. Então, Jesus enviou dois
discípulos,1
Os cegos recuperam a visão 2 e recomendou-lhes: “Ide ao povoado
(Mc 10.46-52; Lc 18.35-43) que está adiante de vós e logo encon-
29 Ao saírem de Jericó, uma grande mul- trareis uma jumenta amarrada, com seu
tidão acompanhava Jesus. burrico ao lado. Desamarrai-os e trazei-
30 De repente, dois cegos, que estavam os para mim.2
assentados à beira do caminho, tendo 3 Se alguém vos questionar algo, deveis
ouvido que Jesus passava, puseram-se a dizer que o Senhor necessita deles e
gritar: “Senhor! Filho de Davi, tem mise- sem demora os devolverá”.
ricórdia de nós”. 4 No entanto, isso ocorreu para que se
31 Entretanto, a multidão os repreendeu cumprisse o que fora dito por meio do
para que se calassem, mas eles clamavam profeta:
ainda mais: “Senhor! Filho de Davi! Tem 5 “Dizei à filha de Sião: ‘Eis que o teu rei
misericórdia de nós!”. chega a ti, humilde e montado num bur-
32 Jesus, parando, chamou-os e lhes rico, um potro, cria de jumenta’”.
autoridade do Pai. Assim, Tiago foi o primeiro dos apóstolos a ser martirizado (At 12.2). A última parte da pergunta de Jesus não
consta de alguns originais gregos, mas é clara em Mc 10.38 e consta de todas as revisões textuais da KJ desde 1611.
10 Não é aconselhável rejeitar a ajuda e o serviço dos nossos companheiros, mas “ser servidos” não deve ser a nossa ambição.
Devemos seguir o exemplo de Jesus que, sendo Deus, entregou “a sua vida” ou “a sua alma” (em grego ten psychen autou) para
pagar toda a punição imposta à humanidade pela quebra da ordem (Lei) de Deus no Éden: a morte eterna. Todo pecado demanda
indenização, expiação e pagamento. A Lei de Deus jamais ordenou sacrifícios humanos; mas, em relação ao pecado original, era
necessário que um ser humano sem pecado fosse imolado. Jesus se ofereceu para pagar nosso “resgate” (em grego lytron), palavra
derivada do verbo grego luo que significa “libertar” e usada na época ao se tratar da alforria de escravos. Jesus usou outra forte me-
táfora para comparar seu sacrifício ao ato de pagar o preço pedido pela venda de um escravo muito caro, comprado, todavia, para
ganhar a liberdade. Por isso, os cristãos estão livres, de uma vez por todas, do poder e da escravidão do pecado (do erro) e da pena
da morte eterna. Essa frase de Cristo é uma das poucas ocasiões em que a doutrina da redenção vicária é citada nos Evangelhos
sinóticos (1Tm 2.6). A salvação é oferecida de graça a todos, mas apenas os “muitos” a recebem em seus corações (1Jo 1.12-14).
11 Mateus cita dois cegos, enquanto os demais sinóticos destacam apenas um (Mc 10.46-52; Lc 18.35-43). Realmente eram
dois cegos, ocorre que Bartimeu, devido à sua personalidade, ganhou proeminência. A cura ocorreu durante a saída da Velha
Jericó para a Nova Jericó.
Capítulo 21
1 Betfagé, em hebraico significa “Casa dos Figos” (Lc 19.29). Segundo o Talmude, era uma pequena vila situada a cerca de
um quilômetro a leste de Jerusalém, na encosta sul do monte das Oliveiras. Aqui tem início a última semana da vida humana
de Jesus Cristo.
2 Jesus decide entrar em Jerusalém, desta vez, montado em um jumentinho (Jo 12.15). E isso, sob as homenagens das multi-
dões, para demonstrar claramente que Ele era o Messias prometido há séculos (Zc 9.9). O Filho de Davi, escolhido para ocupar
seu trono (1Rs 1.33,44). Os potros ou burricos (crias de jumenta), antes de serem submetidos a qualquer trabalho secular, eram
especialmente considerados para trabalhos religiosos (Nm 19.2; Dt 21.3; Sm 6.7), e simbolizavam humildade, paz, e a majestade
de Davi. Mateus revela o cuidado de Jesus em não apartar o jumentinho de sua mãe e levar ambos consigo para sua procissão
triunfal como Rei de Israel.
3 O próprio Jesus usa a expressão: “Senhor” (Senhor de Israel) como seu título divino (16.18). Mateus usou as profecias regis-
tradas na Septuaginta (AT em grego), em Is 62.11 e Zc 9.9 para mostrar que a maioria do povo havia compreendido que Jesus
era mesmo o Rei-Messias prometido.
4 Hosana é uma expressão grega (hõsanna), que significa “Salva-nos!” e vem do hebraico transliterado (hôshi´â nã´), que quer
dizer: “Salva, Senhor, por misericórdia!” Mateus revela que expressões de júbilo emanavam da multidão, e não que fosse uma
frase só a ser repetida indefinidamente. Essa aclamação do povo é baseada em 2Sm 14.4, Sl 118.25-27 e Sl 148.1-2, cantada
na Festa dos Tabernáculos e, em Mateus, aplicada a Jesus. Como um ato de homenagem régia, o povo pavimentou, com seus
próprios mantos (capas), o caminho por onde passou o Senhor. Com o passar do tempo, a palavra “hosana” tornou-se uma
exclamação de louvor e alegria espiritual.
5 O termo grego original (to hieron), que significa “o templo”, indica toda a área sobre o monte Moriá, ocupada pelos diversos re-
cintos e a corte do templo. No domingo, após a entrada triunfal, Jesus continua sua obra de purificação da Casa do Senhor, iniciada
três anos antes (Jo 2.14). Uma atitude para demonstrar o quanto os judeus haviam ofendido ao Senhor, permitindo que seus cora-
ções fossem corrompidos pela ganância, dominados pelo pecado, e faltos de amor sincero para com Deus e com seu próximo. Isso
ocorre infelizmente ainda hoje em alguns templos cristãos, e entre seus membros. Jesus citou as Sagradas Escrituras, usando, da
versão Septuaginta (AT em grego), os textos de Is 56.7 com Jr 7.11. As ofertas, taxas e compras de animais para sacrifícios no templo
só podiam ser pagas com moeda hebraica (siclo hebreu), pois as demais moedas eram cunhadas com a imagem de divindades
pagãs ou do imperador, considerado pelos romanos e outros gentios como um deus. Entretanto, esse serviço de troca de moedas
(câmbio), compra e venda de animais, e produtos para os sacrifícios, deveria ser realizado com dignidade, no “grande átrio exterior
dos gentios”, um espaço reservado para essas atividades com mais de 50.000 m2. Todavia, os cambistas estavam explorando os
romeiros que vinham de muito longe e com dinheiro gentio para ofertar e sacrificar no templo. Além disso, a venda dos animais cul-
tualmente aceitáveis transformara-se apenas em lucrativo comércio, tanto que a área antes reservada já não comportava os estandes
de vendas e haviam invadido até o recinto sagrado. Vários sacerdotes lideravam a corrupção institucionalizada no templo, posto que
ao receberem os animais para holocausto, em vez de efetuarem o ritual do sacrifício, matavam apenas alguns deles, e repassavam
todos os demais para comerciantes fraudulentos, que os revendiam sucessivas vezes.
6 Os líderes dos sacerdotes e os doutores da lei viram os milagres de Cristo e temeram por suas vidas e negócios. Tentaram
enredar o Senhor num sofisma, ao alegar que um mestre tão zeloso como Jesus, não deveria deixar que crianças o adorassem
em ti!”. E, no mesmo instante, a figueira nos indagará: ‘Sendo assim, por que não
ficou completamente seca. acreditastes nele?’
20 E quando viram o que ocorrera, muito 26 Porém, se alegarmos: humano, teme-
se admiraram os discípulos e exclamaram: mos o povo, pois todos consideram João
“Como foi possível esta figueira secar tão como profeta”.
depressa?”. 27 Por isso disseram a Jesus: “Não sa-
21 Então Jesus explicou-lhes: “Com bemos!”. Ao que Jesus afirmou-lhes:
certeza vos asseguro que, se tiverdes fé “Nem Eu vos direi com que autoridade
e não duvidardes, podereis fazer não procedo.9
apenas o que foi feito à figueira, mas da
mesma forma ordenardes a este monte: A parábola do pai e dois filhos
‘Ergue-te daqui e lança-te no mar’, e 28 Agora, qual a vossa opinião? Um ho-
assim acontecerá. mem tinha dois filhos. Aproximando-se
22 E tudo o que pedirdes em oração, se do primeiro, pediu: ‘Filho, vai trabalhar
crerdes, recebereis”.7 hoje na vinha’.
29 Mas este filho lhe disse: ‘Não quero ir’.
Líderes religiosos duvidam de Jesus Todavia, mais tarde, arrependido, foi.
(Mc 11.27-33; Lc 20.1-8) 30 Então chegou o pai até o segundo filho
23 Tendo Jesus chegado ao templo, en- e fez o mesmo pedido. Então este lhe res-
quanto ensinava, acercaram-se dele os pondeu: ‘Sim, senhor!’ Mas não foi.
chefes dos sacerdotes e os anciãos do 31 Qual dos dois fez a vontade do pai?”.
povo e o questionaram: “Com que auto- Ao que eles responderam: “O primeiro”.
ridade fazes estas coisas aqui? E quem te Então Jesus lhes revelou: “Com toda a
deu essa autorização?”.8 certeza vos afirmo que os publicanos e
24 Jesus, porém, replicou-lhes: “Eu igual- as prostitutas estão ingressando antes de
mente vos lançarei uma questão. Se me vós no Reino de Deus.
responderdes, também Eu vos direi com 32 Porquanto João veio para vos mos-
que autoridade faço o que faço. trar o caminho da justiça, mas vós não
25 De onde era o batismo de João? Divino acreditastes nele; em compensação, os
ou humano?”. E eles discutiam entre si, cobradores de impostos e as meretrizes
avaliando: “Se respondermos: divino, Ele creram.Vós, entretanto, mesmo depois
como se fosse Deus. Entretanto, Jesus citou novamente as Escrituras e revelou que mais uma profecia acerca dele se cumpria
naquele momento (Sl 8.2). Jesus foi, então, para a casa dos seus queridos amigos Lázaro e suas irmãs, Marta e Maria, que ficava
em Betânia, uma aldeia no declive oriental do monte das Oliveiras, uns dois quilômetros a leste de Jerusalém.
7 Mateus condensava suas narrativas, em contraste com o texto dos demais autores sinóticos (Marcos e Lucas). Marcos situa a
maldição da figueira na manhã de segunda-feira, mas na terça-feira pela manhã foi que os discípulos, passando por ela outra vez,
a observam completamente aniquilada (Mc 11.12-14, 20-25). Mateus, mais tarde, ao escrever seu Evangelho (testemunho ocular
da vida, mensagem e sinais de Jesus), segundo a inspiração do Espírito Santo, enfatiza o caráter imediato do Juízo de Deus.
Diversas podem ser as inferências teológicas acerca dessa passagem, especialmente em relação a Israel (Os 9.10; Na 3.12). Con-
tudo, a única aplicação que o próprio Senhor Jesus faz, tem a ver com a eficácia da oração que não duvida do poder de Deus.
8 Aqui começa a terça-feira da chamada “Semana Santa”. O Sinédrio (supremo juiz da corte de Israel) decide apelar para
o legalismo e pede credenciais autorizadas a Jesus por estar realizando um ato oficial no templo. Eles já haviam usado essa
estratégia com João Batista (Jo 1.19-25) e, em outra ocasião, com o próprio Jesus (Jo 2.18-22). Os líderes religiosos sentiam
em Jesus uma forte ameaça à sua posição, privilégios e lucros financeiros ilícitos. Por isso, procuravam apresentá-lo como um
revolucionário, fora da lei, e inimigo de Roma.
9 Grandes oradores e conhecedores do poder da palavra, os líderes religiosos procuram comprometer a Jesus por meio de um
questionamento ardiloso. Jesus é levado a declarar publicamente que era o Messias (como o povo aclamava). Assim poderiam
prendê-lo e entregá-lo aos romanos. A outra opção seria negar sua autoridade divina, passando então a ser totalmente desacre-
ditado pela multidão que o acompanhava. Jesus apelou para o testemunho de João Batista acerca dele e lhes propôs também
uma questão (Jo 1.32-34).
de presenciardes a tudo isso, não vos arre- para fora da plantação de videiras e o
pendestes para acreditardes nele.10 assassinaram.12
40 Sendo assim, quando vier o dono da
A parábola dos vinicultores maus vinha, o que fará com aqueles lavradores?”.
(Mc 12.1-12; Lc 20.9-19) 41 Diante disso, responderam-lhe: “Ele
33 E mais, atentai a esta parábola: Havia destruirá esses perversos de forma ter-
um certo proprietário de terras, que rível e arrendará seu campo de videiras
plantou um campo de videiras. Ergueu para outros cultivadores que lhe enviem
uma cerca ao redor delas, construiu um a sua parte no devido tempo das colhei-
tanque para prensar as uvas e edificou tas”.13
uma torre. Finalmente, arrendou essa 42 Então Jesus lhes inquiriu: “Nunca
vinha para alguns vinicultores e foi lestes isto nas Escrituras? ‘A pedra que
viajar.11 os construtores rejeitaram, tornou-se
34 Chegando a época da safra, enviou a pedra angular; e isso procede do
seus servos até aqueles lavradores, para Senhor, sendo portanto, maravilhoso
receber os seus dividendos. para nós’.
35 Porém os lavradores atacaram seus 43 Por isso, Eu vos declaro que o Reino
servos; a um espancaram, a outro mata- de Deus será retirado de vós para ser
ram, e apedrejaram o terceiro. entregue a um povo que produza frutos
36 Então lhes mandou outros servos, em dignos do Reino.
maior número do que da primeira vez, 44 Todo aquele que cair sobre esta pedra
mas os lavradores os trataram da mesma se arrebentará em pedaços; e aquele sobre
maneira. quem ela cair ficará reduzido a pó!”.14
37 Por fim, decidiu enviar-lhes seu pró- 45 Depois que os chefes dos sacerdotes e
prio filho, considerando: ‘Eles respeita- os fariseus ouviram as parábolas que Je-
rão o meu filho’. sus lhes havia contado, compreenderam
38 Contudo, assim que os lavradores que era sobre eles próprios que Jesus
viram o filho, tramaram entre si: ‘Este estava falando.
é o herdeiro! Então vamos, nos unamos 46 E por causa disso procuravam um
para matá-lo e apoderemo-nos da sua motivo para prendê-lo; mas tinham
herança’. receio das multidões, porquanto elas o
39 E assim, eles o agarraram, jogaram-no consideravam profeta.
10 As versões de Almeida invertem a posição dos versículos 29 e 30. Entretanto, a Bíblia King James e a NVI seguem a mesma
ordem original. Jesus resolve o debate com os sacerdotes, propondo duas histórias (as respostas parabólicas de Jesus). A
autoridade maior vem da obediência amorosa e sincera a Deus; não de uma liderança autoritária, maquiavélica e despótica, que
depende apenas de títulos e diplomas e, ainda mais, corrompida pela falta de dignidade. Como podem os eleitos para cuidar da
Casa do Senhor (autoridades eclesiásticas), rejeitar o dono da Casa e o Evangelho do Reino?
11 Segundo a tradição rabínica, uma “torre” deveria ser construída na vinha, para abrigar o responsável pelo campo, que vigiava
a plantação, especialmente quando chegava o tempo da colheita e as uvas ficavam maduras. Era, normalmente, uma plataforma
elevada feita de madeira, com cerca de 5m de altura por 2m de lado.
12 Assim como seria um absurdo que os agricultores de um campo arrendado pudessem herdar essa terra ao assassinar seu
dono, maior loucura foi os líderes espirituais e teólogos da época imaginarem que a incriminação e a crucificação de Jesus Cristo,
o Filho de Deus, lhes garantiria a herança e o domínio de Israel.
13 Ao se escandalizarem com o erro dos outros, sem atentarem para seus pecados, e julgarem severamente os lavradores da
parábola de Jesus, os sacerdotes estavam decretando sua própria punição: os judeus que não aceitassem a verdadeira men-
sagem de Deus em Cristo ficariam sem a herança espiritual. No ano 70 d.C. o Templo e toda a cidade de Jerusalém sofreram a
mais arrasadora destruição até hoje registrada em sua história. Uma vez que o Evangelho foi rejeitado pelos judeus, Deus dirige
sua graça salvadora aos gentios, salva e convoca Paulo para ser seu apóstolo (em grego apostellõ, enviado por Deus com uma
missão específica). Já no segundo século da era cristã, a Igreja era composta, quase que totalmente, por não judeus (gentios).
14 Jesus é o alicerce seguro, a pedra fundamental, para todos aqueles que confessam o seu nome e edificam suas vidas nele,
passando assim a fazer parte do grande edifício de Cristo, como pedras vivas (16.18; 1Pe 2.4-5). Entretanto, para os que rejeitam
o Senhor, recusando-se a crer em Jesus, o Cristo (o Messias prometido), Ele se torna em pedra de tropeço e de condenação
eterna (Is 8.14-15; Lc 20.17; Rm 9.32; 1Pe 2.6-8). Assim como um vaso de barro se despedaça ao ser arremessado contra uma
rocha, ou é esmagado ao ser atingido por uma enorme pedra, da mesma forma virá a destruição sobre todos aqueles que rejei-
tarem o senhorio de Cristo (Is 8.14; Dn 2.34,35,44; Lc 2.34). É importante notar que, mais tarde, o apóstolo Pedro fez questão de
salientar que Jesus era a sua Pedra, Rocha Principal, seu Sustentador, e que cada indivíduo deve aceitar a Pedra (Jesus), para
ser salvo e ganhar a vida eterna (At 4.8-12).
Capítulo 22
1 Jesus apresenta o Reino dos céus em outras parábolas, veja no capítulo 13.
2 A proclamação do Evangelho é o doce e insistente convite do Rei do Universo a todo ser humano, para tomar parte em seu
maravilhoso banquete de núpcias. Ainda assim, muitas pessoas estão de tal forma iludidas com suas exigências presentes e
materiais que se recusam a dar atenção à generosidade divina.
3 Todos aqueles que se apresentam como inimigos declarados do Evangelho, assim como os falsos cristãos, serão destruídos.
Da mesma forma como a cidade de Jerusalém foi completamente arrasada e queimada pelos romanos, no ano 70 d.C.
4 Era costume, naquela época e região, o anfitrião fornecer roupas adequadas ao casamento, para os convidados que não
pudessem comprá-las. Como esse grupo de pessoas veio diretamente das ruas, todos ganharam suas roupas cerimoniais.
Entretanto, um daqueles novos convidados, rejeitou também a hospitalidade e a generosidade do rei. A veste nupcial simboliza a
justificação com a qual Cristo veste todas as pessoas que aceitam o dom gratuito da Salvação (Rm 13.14; Ap 19.8).
5 Os fariseus, como nacionalistas radicais, eram contra o domínio romano. Os herodianos, entretanto, como a própria denomi-
nação revela, apoiavam o império romano de Herodes. Mas, diante de uma ameaça maior, fariseus e herodianos se unem numa
cilada dialética contra Jesus. Os maus se juntam no ataque ao Sumo Bem. Se a resposta de Jesus fosse “Não”, os herodianos
o delatariam ao governador romano, que teria o direito de executá-lo por traição. Se respondesse “Sim”, então os fariseus o
denunciariam diante do povo judeu, por deslealdade a Israel e ao judaísmo.
6 O dinheiro usado no império romano para pagar os impostos chamava-se “denário”. Uma moeda romana, cujo valor corres-
pondia a um dia de trabalho braçal, criada no governo de Tibério, e que trazia, em um dos lados, o retrato do imperador, e do
outro, a inscrição em latim: “Tibério César Augusto, filho do divino Augusto”. Jesus explana sua tese de forma magistral e deixa
todos atônitos diante de sua devoção ao Pai, sabedoria, simplicidade e coerência. Foi Deus quem deu a César poder e autoridade
(Rm 13.1-7). Todos os governos deste mundo, em todas as épocas, vivem de tributos recolhidos do povo. Entretanto, o governo
espiritual tem sua moeda própria e eterna: fé, amor, bondade, compaixão, misericórdia (Lc 20.20-25; Gl 5.22-26). O Reino de Deus
não é deste mundo. Seu modus vivendi (estilo de vida) é espiritual e visa o benefício de todos os seres e não a exploração do ho-
mem pelo homem. Jesus reconheceu a distinção entre responsabilidades políticas e espirituais. Ao governo devemos impostos e
obediência, política justa. No tributo às autoridades cívicas, apenas retribuímos parte daquilo que oferecem. Para Deus, devemos
nossa adoração, louvor, gratidão, obediência, serviço e a dedicação de todo o nosso ser.
7 Os “saduceus” formavam um partido aristocrático que dominava a vida política dos judeus, inclusive a posição do sumo sa-
cerdote. Não acreditavam na ressurreição, nem na existência dos anjos e, muito menos, na imortalidade da alma. Para eles, a vida
era apenas um “aqui e agora” e nada mais. Esse era um dos aspectos que mais lhes causava divergências com os fariseus.
8 Os saduceus apresentaram uma questão fechada para Jesus. Eles aceitavam apenas os primeiros cinco livros da Bíblia como
autoridade divina, e há séculos estudavam o assunto sobre o qual interrogaram Jesus. Reivindicaram a lei do levirato (do latim levir,
cunhado), promulgada a fim de proteger as viúvas, garantir as propriedades e a continuidade da linhagem familiar (Dt 25.5,6; Gn 38.8),
para zombar da doutrina da ressurreição defendida por Cristo e com isso desmoralizá-lo. Entretanto, Jesus usou o próprio Pentateuco
para mostrar que eles não estudavam as Escrituras com o devido amor a Deus e por isso erravam. Nos céus não há casamentos e re-
ceberemos novos corpos, como os de anjos, entre os quais não há macho ou fêmea. Portanto, debater esse assunto não faz sentido.
Além disso, os crentes ressuscitados viverão eternamente, uma verdade firmada no caráter de Deus (Êx 3.6; Lc 20.28).
9 Os fariseus eram muito legalistas, tanto que se emaranhavam em suas próprias leis e decretos. Discutiam sempre sobre
quais, dentre suas muitas ordenanças, eram prioritárias para que um judeu alcançasse o Reino dos céus e o Shabbãth (o grande
Sábado, ou o descanso eterno). Eles haviam interpretado e abstraído do AT um total de 248 preceitos afirmativos. E mais 365
negativos, que acreditavam ser da vontade de Deus, pois o número coincidia com o número de dias do ano. Além disso, o total
desses mandamentos: 613, era o mesmo que o número de letras contidas no Decálogo.
10 Jesus mais uma vez aproveita a oportunidade para mostrar àqueles líderes religiosos e a seus muitos discípulos ao redor, res-
ponsáveis pela continuação do ensino das Escrituras ao povo, que a mentalidade divina e o modo espiritual de raciocinar dife-riam em
muito da limitada e egoísta dialética humana. Jesus então cita Dt 6.5, uma parte do Shema, orações e reflexões diárias dos judeus. Na
Septuaginta (o AT em grego) a palavra aqui traduzida por “inteligência” é, literalmente, “mente” (Mc 12.30). O verbo grego traduzido
aqui por “amarás” não é phileõ, como em algumas versões, que significa uma afeição entre amigos; mas, sim, o verbo agapaõ: uma
obrigação de dedicação absoluta a alguém, determinada pela vontade (Mq 6.8; Am 5.4; Is 33.15; Hc 2.4). Jesus foi o primeiro líder
espiritual judeu a combinar os dois mandamentos de amor, para formar o mais sintético resumo da Lei (Lv 19.18), revelando aos
fariseus, e a todos nós, que não são os muitos regulamentos e leis que tornam uma pessoa santa; mas, sim, seu genuíno e sincero
amor a Deus e a seu próximo mais achegado (familiares), e a seus próximos e vizinhos (comunidade, sociedade).
11 Finalmente, é Jesus quem questiona. Os fariseus eram profundos estudiosos sobre o Messias e sua vinda, como Libertador
de Israel. Entretanto, há séculos interpretavam erroneamente a pessoa e a obra do Messias. Imaginavam um rei, pleno de poderes
divinos, que viria como guerreiro invencível, para libertar Israel do império gentio e conceder saúde, paz e riqueza ao povo judeu.
Conheciam o Messias como Filho de Davi, mas não como o Senhor de Davi (Sl 110.1), tampouco seu domínio espiritual em
amor e humildade (Lc 20.42-44). Jesus desejava que os seus compreendessem que ele era o Messias prometido: o descendente
humano de Davi e o seu divino Senhor.
Capítulo 23
1 Os escribas, doutores e mestres da Lei, bem como os fariseus, partido político religioso que defendia a observância literal
da Torah (Lei) e mais uma série de ordenanças e preceitos por eles criados para situações não diretamente cobertas pela Torah.
Convencidos de que possuíam a correta interpretação da vontade de Deus, afirmavam que a tradição dos anciãos, a lei oral (tôrâ
shebe‘al peh) vinha de Moisés e desde o monte Sinai. Fariseus e escribas eram, portanto, os sucessores autorizados da tradição
de Moisés como mestres da Lei.
2 Os filactérios ou tefilins eram pequenos rolos ou caixinhas de couro que os judeus religiosos usavam presos à testa, perto
do coração, e no braço esquerdo. Essas pequenas cápsulas continham quatro passagens da Torah: Êx 13.1-10 e 11-16; Dt
6.4-9 e 11.13-21. Com o passar do tempo, os judeus começaram a respeitar e honrar esses pequenos recipientes, tanto quanto
praças e de serem, pelas pessoas, chama- terras para fazer de alguém um prosé-
dos: ‘Rabi, Rabi!’.3 lito. No entanto, uma vez convertido, o
8 Vós, todavia, não sereis tratados de tornais duas vezes mais filho do inferno
‘Rabis’; pois um só é vosso Mestre, e vós do que vós!
todos sois irmãos. 16 Ai de vós, guias cegos! Porque ensinais:
9 E a ninguém sobre a terra tratai de vos- ‘Se uma pessoa jurar pelo santuário, isso
so Pai; porquanto só um é o vosso Pai, não tem significado; porém, se alguém
aquele que está nos céus. jurar pelo ouro do santuário, fica obriga-
10 Também não sereis chamados de líde- do a cumprir o que prometeu’.
res, pois um só é o vosso Líder, o Cristo.4 17 Tolos e cegos! Pois o que é mais impor-
11 Porém o maior dentre vós seja vosso tante: o ouro ou o santuário que santifica
servo. o ouro?
12 Portanto, todo aquele que a si mesmo se 18 E mais, dizeis: ‘Se uma pessoa jurar pelo
exaltar será humilhado, e todo aquele que altar, isso nada significa; mas, se alguém
a si mesmo se humilhar será exaltado. jurar pela oferta que está sobre ele, fica,
13 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, assim, comprometido ao seu juramento’.
hipócritas! Porque fechais o reino dos 19 Embotados! O que é mais importante:
céus diante dos homens. Porquanto vós a oferta, ou o altar que santifica a oferta?
mesmos não entrais, nem tampouco dei- 20 Portanto, a pessoa que jurar em nome
xais entrar os que estão a caminho!5 do altar, jura pelo altar e por tudo o que
14 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, está sobre ele.
hipócritas! Porque devorais as casas das 21 E quem jurar pelo santuário, jura pelo
viúvas e, para disfarçar, encenais longas santuário e em nome daquele que nele
orações. E, por isso, recebereis castigo habita.
ainda mais severo! 22 E aquele que jurar pelos céus, jura pelo
15 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, trono de Deus e em nome daquele que
hipócritas! Porque viajais por mares e nele está assentado.6
as Escrituras, e seu tamanho era considerado um sinal de zelo espiritual de quem os ostentava. Os fariseus acreditavam que o
próprio Deus usava filactérios. Por isso, eram considerados como amuletos de boa sorte e proteção contra o mal. As “franjas”
eram as borlas descritas em Nm 15.37-41 que todo judeu deveria usar. Jesus também as usava nas quatro pontas de seu manto
(em Mt 9.20 são chamadas de “orla”), essas borlas eram um tipo de madeixas de lã, branca e azul, e tinham a singela função
de declarar o amor de quem as usava a Yahweh (o Senhor) e a vontade do seu coração de cumprir a Torah (ou Torá, a Lei) da
maneira mais fiel possível. As borlas tinham o tamanho médio de até 10 cm; entretanto, os fariseus as alongavam muito mais em
sinal de maior espiritualidade. O que Deus criou para ser apenas um lembrete de fé e marca de devoção, tornou-se objeto de
adoração e ostentação (fetiche).
3 Os mestres da Lei e os fariseus gostavam de ocupar os melhores e mais importantes assentos na sinagoga, aqueles que ficam
defronte à representação da arca e que continha os rolos das Escrituras Sagradas. Além disso, os que se assentavam ali podiam
ser facilmente vistos por toda a congregação. Eles também apreciavam muito ouvir as pessoas os chamarem, insistentemente,
aos gritos e em público (nas praças do mercado) de Rabbei (em grego), que significa literalmente em hebraico: “meu professor,
meu mestre!”
4 A expressão “pai” ou “padre” (em hebraico ’abh) não deve ser usada como título de qualquer autoridade religiosa. Jesus faz uma
séria advertência quanto à busca desenfreada por reconhecimento e prestígio, coisas que alimentam a soberba humana. Entretanto,
devemos ter cautela com possíveis aplicações de literalismo insensato dessas passagens. Jesus está ensinando princípios de vida
espiritual a quem só conseguia enxergar regras exatas de comportamento religioso. Os cristãos, líderes (em grego kathegetai, guias
ou dirigentes) ou não, devem ser conhecidos por um espírito e atitudes diaconais (em grego diakonos, servo).
5 “Ai” é uma expressão de profunda tristeza e indignação da parte de Deus, expressa através dos lábios do seu Filho contra
a falsidade (hipocrisia) dos maiores conhecedores das Sagradas Escrituras da época e líderes religiosos dos judeus, o povo do
Cristo (Messias). Essa atitude apenas legalista, arrogante, soberba e desprovida de sincero amor a Deus e às pessoas, fazia que os
“prosélitos” (pagãos e gentios que se convertiam ao judaísmo) se tornassem ainda piores que seus mestres e não tivessem verda-
deira comunhão com Deus, o Pai (em aramaico: abba). Esses líderes religiosos e juízes de direito, eram tão dissimulados que chega-
vam a usar suas posições como juristas para processar viúvas ricas ou para fazer que elas lhes legassem suas propriedades.
6 Com relação aos juramentos, Jesus argumenta com os mestres fariseus, com seus próprios pressupostos em relação à Lei,
para lhes revelar o verdadeiro espírito da Lei e a vontade de Deus (5.33-37).
7 Oferecer ao Senhor a décima parte (o dízimo) de diversas ervas era uma prática religiosa baseada em Lv 27.30. Embora
o dízimo dos grãos, frutos, vinho e azeite fosse o exigido, dos judeus, pela Lei (Nm 18.12; Dt 14.22-23), os escribas e fariseus
haviam ampliado a lista dos itens especificados na Lei, para incluir o dízimo das menores e mais simples hortaliças. A hortelã
era usada como tempero e para adornar o chão das casas e sinagogas. O endro era usado como medicamento e para perfumar
ambientes. O cominho, que são as sementes de erva-doce, tinha vários usos culinários. Entretanto, o valor comercial dessas
ervas era mínimo; mas os fariseus desejavam mostrar ao povo um zelo religioso que, na verdade, não fazia parte de suas vidas
com Deus e com seus próximos.
8 Os escribas e fariseus coavam com muito cuidado toda água que bebiam através de um pano branco, bem tecido, para ter
certeza de não engolir nenhum pequeno mosquito; considerado pelos religiosos como o menor ser vivo impuro. Entretanto,
figuradamente, engoliam um camelo inteiro, um dos maiores animais impuros para os judeus, ao praticarem uma série de fraudes,
atrocidades e pecados.
9 Por ocasião da celebração da Páscoa, época em que os peregrinos de várias partes da Palestina iam a Jerusalém, e momento
no qual Jesus está falando, era costume pintar, várias vezes, toda a parte exterior dos sepulcros (túmulos) com cal. Isso para que
os túmulos pudessem ser vistos inclusive à noite, uma vez que, pela Lei, se alguém pisasse sobre um túmulo ou área de sepultura
tornava-se instantaneamente impuro (Nm 19.16). Por isso, todos pareciam iguais, limpos, belos e puros; mas em seu interior jazia
a morte, o mau cheiro e a podridão.
10 Os líderes religiosos judaicos no tempo de Jesus estavam acrescentando pecados sobre pecados à longa lista de seus pais
(antepassados) históricos. Jesus também seria um dos profetas martirizados. Seus apóstolos não seriam igualmente aceitos
(10.17,23). E Jesus resume a história dos martírios no AT citando o assassinato de Abel (Gn 4.8; Hb 11.4) e o martírio do profeta
Zacarias registrado no livro de Crônicas. Na Bíblia Hebraica, o último livro do AT (2Cr 24.20-22).
seus pintinhos debaixo das suas asas, mas ram mais perto dele para lhe apontar as
vós não o aceitastes!11 construções do templo.
38 Eis que a vossa casa ficará abandona- 2 Ele, entretanto, lhes observou: “Estais
da!12 vendo todas estas coisas? Com toda a
39 Pois eu vos declaro que, a partir de certeza Eu vos afirmo que não ficará aqui
agora, de modo algum me vereis, pedra sobre pedra, pois que serão todas
até que venhais a dizer: ‘Bendito é o que derrubadas”.1
vem em o Nome do Senhor!’”13
O princípio das dores
Jesus prediz o final dos tempos (Mc 13.3-13; Lc 21.7-19)
(Mc 13.1-2; Lc 21.5-6) 3Tendo Jesus se assentado no monte das
11 O próprio Jesus reconhece que os seus próprios irmãos não o receberam. Deus tem feito tudo para seu povo, mas a rejeição
de Israel ilustra o coração empedernido da raça humana, em relação ao seu Criador (Jo 1.11).
12 Jesus faz referência a 1Rs 9.7-8; Jr 12.7, 22.5 e adverte seu povo. No ano 70 d.C. toda a nação de Israel e, em especial, a
cidade de Jerusalém, foram assoladas e profanadas pelos exércitos pagãos de Roma.
13 Jesus se despede de Jerusalém e do seu povo, declarando que não os ensinaria mais em público até sua volta em glória
no final dos tempos, quando Israel o receberá como o Messias que fora rejeitado (Zc 12.10). De agora em diante a salvação dos
judeus, como de qualquer outra pessoa sobre a face da terra, do mais alto líder religioso ou político ao mais simples ser humano,
só tem uma única possibilidade: a confissão do Senhor Jesus Cristo, como Salvador, Senhor e Filho de Deus (21.9, Sl 118.26).
Capítulo 24
1 O primeiro Templo foi idealizado por Davi (2Sm 7.2; 1Cr 22.8,3; 2Sm 24.18-25). Entretanto, coube a Salomão (em hebraico
transliterado shelômõh, homem de paz), seu filho com Bate-Seba (2Sm 12.24), a honra da sua construção, que teve início no
quarto ano do seu reinado e foi concluída sete anos mais tarde. Mas o filho de Salomão, Reoboão, não deu a mesma atenção ao
Templo e sucessivas pilhagens ocorreram desde Sisaque, do Egito (1Rs 14.26), até a invasão de Nabucodonosor em 587 a.C.
(2Rs 25.9,13-17). Mesmo depois de sua destruição, alguns fiéis ainda iam oferecer sacrifícios entre suas ruínas (Jr 41.5). Hoje
em dia não há qualquer estrutura do antigo Templo de Salomão acima do nível do chão. Porém, curiosamente, sobre os seus
escombros foi construída a mesquita mulçumana, conhecida como “Cúpula da Rocha”, destaque na maioria dos cartões postais
de Israel (2Cr 3.1; 2Sm 24.24). O segundo Templo foi erguido por ocasião do retorno dos exilados da Babilônia, cerca de 537 a.C,
conforme autorização e ajuda de Ciro, rei da Pérsia, e do ministério de Neemias e Esdras (Nm 2.11-20). Toda a área teve de ser
limpa do entulho do primeiro Templo destruído (Ed 1; 3.2-10). A arca havia desaparecido no tempo do exílio e jamais foi encontra-
da. No lugar do candelabro de Salomão, com dez lâmpadas, foi colocado um novo, com sete hastes, juntamente com uma mesa
de ouro para os pães da proposição e o altar do incenso. Esses e outros objetos sagrados foram tomados como despojos pelo
rei da Síria, Antíoco IV Epifânio (entre 175 e 163 a.C.), o qual colocou um altar e uma estátua pagã no lugar santo, no dia 15 de
dezembro de 167 a.C. Os macabeus venceram os sírios e purificaram o Templo (1Macabeus 1.54; 4.35-59), substituindo todos os
seus móveis e transformando o Templo numa fortaleza que lhes permitiu resistir durante três meses ao cerco de Pompeu (63 a.C.)
quando foi, então, destruído (os livros dos Macabeus, com alguns outros, não são considerados canônicos, por isso não fazem
parte da maioria das Bíblias evangélicas em língua portuguesa, entretanto, muitos de seus relatos históricos são dignos de crédi-
to). A terceira construção, chamada de Templo de Herodes, começou no ano 19 a.C., mas seu motivo principal não foi glorificar
a Deus, e, sim, reconciliar os judeus com o seu rei gentio (idumeu). Mesmo assim, o rei teve grande cuidado com a reverência
ao Templo, convocou mil sacerdotes que foram treinados como pedreiros para conduzir a edificação do santuário, e procuraram
construir uma cópia do Templo de Salomão. Em uma área com mais de 144.000 m2, ergueu-se uma magnífica estrutura de
pedras creme, adornadas de ouro. Um muro feito com blocos de pedras com 60 cm de largura por até 5 metros de comprimento
circundava o Templo. Contudo, alguns anos após o término da construção, exatamente 40 anos depois da profecia de Jesus,
durante as celebrações da Páscoa judaica, as tropas do comandante romano Tito tomaram posição de combate, às portas de
Jerusalém. A cidade estava em festa e repleta de judeus de todas as partes. Os dois mais poderosos partidos judaicos, que deve-
riam estar atentos à defesa da cidade contra Roma, achavam-se em violenta guerra interna, a ponto de incendiarem os estoques
de alimentos um do outro. Somente quando os enormes aríetes dos romanos arrebentaram o primeiro portão de Jerusalém foi
que os políticos decidiram se unir contra o invasor. Tarde demais. Tito incendiou tudo, e até as pedras foram separadas para
colher o ouro derretido que se infiltrara nas junções. O comandante romano deixou apenas um resto da muralha, como símbolo
do aniquilamento de Israel, conhecido em nossos dias como ‘Muro das Lamentações’. Mais de um milhão de judeus morreram
naquela época. Todas as estradas que passavam por Jerusalém estavam tomadas por judeus crucificados. Os sobreviventes fo-
ram vendidos ou negociados como escravos. Israel desapareceu como nação e os judeus foram espalhados pelo mundo inteiro,
sob a maior humilhação já sofrida por um povo até nossos dias. Em homenagem à marcha triunfal de Tito, foi construído o arco
do triunfo, o “Arco de Tito”. Esse monumento persiste em Roma até hoje e mostra, em seus trabalhos de escultura, cenas das
legiões romanas carregando os objetos sagrados e valiosos do Templo, e os mais valorosos guerreiros judeus algemados. Tito
profanou o Templo, entrando no santo lugar, despojando todo o tesouro e utensílios preciosos, tais como o grande candelabro
de ouro maciço, uma réplica dourada da arca com os preciosos rolos sagrados da Lei, a mesa de ouro e muitos outros objetos
preciosos. Finalmente, o imperador Vespasiano, pai de Tito, declarou toda a nação de Israel como sua propriedade particular e
doou grandes propriedades a seus amigos e colaboradores, entre eles o conhecido historiador judeu e fariseu, Flávio Josefo, cujo
carisma e poder intelectual haviam conquistado a amizade do rei e a cidadania romana.
2 Jesus se retira do Templo e sobe com os discípulos em direção ao monte das Oliveiras - uma cordilheira, a leste de Jerusalém,
do outro lado do vale Cedrom, com quase dois quilômetros de extensão e cerca de 70 metros acima do nível da cidade (Mc
11.1). De agora em diante, nunca mais entrará no Templo. Tudo é parte da grande visão profética de Ezequiel, que viu a glória do
Senhor abandonar a cidade de Jerusalém e o Templo, mais precisamente em direção ao monte das Oliveiras (Ez 8.4-6). Naquele
momento estava se cumprindo a Palavra do Senhor que veio a Ezequiel em 592 a.C. Ao chegar ao alto do monte, Jesus lança
um último olhar sobre a cidade amada que o rejeitou. Ao pôr-do-sol, senta-se com seus discípulos e ficam observando a noite
chegar sobre o Templo e o povo de Jerusalém. Jesus não revela quando sucederão essas coisas, mas responde, em forma de
profecia, às demais questões: O fim dos tempos entre os versículos 4-14; a destruição de Jerusalém entre 15-22 (Lc 21.20), e o
glorioso retorno de Jesus Cristo entre 23-31.
3 A expressão grega, aqui transliterada por bdelugma tes eremoses vem do hebraico shiqquçe shõmem e significa: “a
profanação horrível”, “o sacrilégio terrível”, ou ainda, como em versões antigas: “o abominável da desolação”. Essas são formas
de traduzir o significado literal da frase original: “a coisa abominável que causa horror e repulsa” (Dn 9.27; 11.31; 12.11). Jesus
ressalta que os leitores do livro escrito pelo profeta Daniel poderão compreender melhor o que ele está dizendo. Jesus faz
referência a um tipo de idolatria tão perversa e antagônica a todos quantos crêem no Pai de Cristo, como ocorreu no ano 168 a.C.,
quando o rei Antíoco Epifânio erigiu um altar a Zeus no lugar do altar de Jeová (em hebraico transliterado por Yahweh –
1Macabeus 1.54-59; 6.7; 2Macabeus 6.1-5). Assim também aconteceu no ano 70 d.C., quando os romanos ofereceram sacrifícios
pagãos em Jerusalém, no lugar sagrado, ao proclamar Tito imperador supremo (2Ts 2.4; Ap 13.14-15). A história registra que
muitos cristãos e judeus, pouco antes do ano 70 d.C., lembraram-se das palavras de Jesus, cumpriram à risca as orientações
proféticas e tiveram suas vidas salvas daquelas catástrofes e perseguições. O Grande Retorno de Jesus, em glória, marca o final
da ordem mundana, na qual vivemos. Porém, antes disso, surgirão muitos enganadores, falsos messias (cristos), o tema guerra
e terrorismo dominará a mídia mundial, tribulações, terremotos, vulcões, tempestades, alterações na atmosfera, no clima, falsos
profetas por toda parte, multiplicação da iniqüidade (maldade) e da arrogância cientifica, lascívia, bestialidades, esfriamento do
amor e das virtudes morais e éticas. Todos esses são apenas sinais que criam o ambiente para a manifestação do maior dos
sinais: a pregação do Evangelho até os confins da terra (28.18-20). Então virá o fim.
4 A história registra que muitos cristãos, pouco antes do ano 70 d.C., fugiram de Jerusalém e se refugiaram nas montanhas
da Transjordânia, onde se localizavam as terras de Pella. Fuga semelhante haverá num período futuro de tribulação conhecido
como a 70a Semana de Daniel (Dn 9.27). Entretanto, aquelas pessoas que verdadeiramente crêem no Senhor (os salvos, a Igreja),
serão arrebatadas da terra no exato momento em que Cristo cruzar a atmosfera da terra. Os cristãos não precisarão fugir, apenas
devem perseverar até o Dia do Senhor.
5 Gestantes, idosos e pessoas com deficiência física terão maior dificuldade naqueles dias de tribulação e perseguição. Mateus,
como escreve principalmente aos judeus, observa os detalhes do inverno e do sábado, dia em que os judeus somente podiam
caminhar 800 metros.
6 O historiador judeu-romano Flávio Josefo foi testemunha ocular desta terrível tribulação e narra o episódio com palavras pareci-
das às de Jesus. Entretanto, aquela grande tribulação foi apenas mais um sinal da maior das tribulações ainda por vir (Dn 12.1).
7 Este último e terrível tempo de aflição será abreviado em relação ao que já havia sido pré-determinado nas profecias (como
a 70a Semana de Daniel – Dn 9.27, ou os 42 meses mencionados em Ap 11.2; 13.5). Os eleitos são o povo de Deus em todo o
mundo, a Igreja de Jesus Cristo.
8 Compare esta descrição com a pessoa do anticristo revelada em 2Ts 2.9-10.
9 Que ninguém se iluda. A segunda e definitiva volta de Jesus Cristo será um evento portentoso. Em segundos, a glória e o
brilho da sua presença varrerão o planeta, e os salvos (sua Igreja) serão arrebatados, sumindo instantaneamente de toda a terra.
(27, 31, 1Co 15.12; 1Ts 4.16,17). Jesus cita um antigo provérbio para explicar que seu glorioso retorno será tão certo quanto o es-
voaçar dos urubus (abutres: aves falconiformes e vulturídeas comuns no Oriente e Europa) sobre um cadáver. Ou seja, o mundo
está moribundo e os urubus já sobrevoam aqueles que morrerão e lhes servirão de banquete (Lc 17.37).
10 Fenômenos cósmicos acompanharão a volta triunfal do Filho do homem (Mc 8.31, Ap 1.7). O brilho, como um relâmpago,
que o mundo inteiro verá, é a Shekinah: a glória do Senhor (Is 13.10; 24.21-23; 34.4; Ez 32.7-8; Jl 2.10,31; 3.15; Am 8.9, 2Ts
1.6-10; Ap 19.11-16).
11 No Oriente as figueiras anunciam o início do verão, quando renovam seus ramos e novas folhas brotam. Esse evento é tão
certo e esperado quanto o será a volta de Cristo, e por isso todos os cristãos devem estar preparados para não serem apanhados
35 O céu e a terra passarão, mas as minhas 44Portanto, ficai igualmente vós alertas;
palavras jamais passarão. pois o Filho do homem virá no momento
em que menos esperais.14
Só Deus sabe o dia e a hora exatos
(Mc 13.32-37) O destino do bom e do mau servo
36 Entretanto, a respeito daquele dia e (Lc 12.42-46)
hora ninguém sabe, nem os anjos dos 45 Sendo assim, quem é o servo fiel e
céus, nem o Filho, senão exclusivamente sábio, a quem o senhor confiou os de
o Pai.12 sua casa para dar-lhes alimento no seu
37 Como aconteceu nos dias de Noé, devido tempo?
assim também se dará por ocasião da 46 Feliz aquele servo a quem o seu senhor,
chegada do Filho do homem. quando voltar, o encontrar agindo dessa
38 Porque nos dias que antecederam ao maneira.
Dilúvio, o povo levava a vida comendo 47 Com certeza vos afirmo que o senhor
e bebendo, casando-se e oferecendo-se confiará a seu servo todos os seus bens.
em matrimônio, até o dia em que Noé 48 Entretanto, supondo que esse servo,
entrou na arca, sendo mau, diga a si mesmo: ‘Meu se-
39 e as pessoas nem notaram, até que nhor está demorando muito’,
chegou o Dilúvio e levou a todos. Assim 49 e, por isso, passe a agredir os seus
ocorrerá na vinda do Filho do homem. conservos e a comer e beber com be-
40 Dois homens estarão na lavoura: um berrões.
será arrebatado, mas o outro deixado. 50 O senhor daquele servo virá num dia
41 Duas mulheres estarão trabalhando inesperado e numa hora que o servo
num moinho: uma será arrebatada, a desconhece.
outra ficará pra trás. 51 E o senhor o punirá com toda a seve-
42 Por isso, vigiai, porquanto não sabeis ridade e lhe dará um lugar ao lado dos
em que dia virá o vosso Senhor.13 hipócritas, onde haverá grande lamento
43 Contudo, entendei isto: se o proprie- e ranger de dentes.15
tário de uma casa soubesse a que hora
viria o ladrão, se colocaria em sentinela As virgens sábias e as tolas
e não permitiria que a sua residência
fosse violada. 25 Portanto, o Reino dos céus será
semelhante a dez virgens que pe-
de surpresa, como acontecerá com o mundo descrente. Jesus ainda afirma que a geração que presenciar o início dos sinais
também verá sua volta triunfal. A expressão “geração” (em grego antigo genea), também podia significar “raça” ou “família” e, por
certo, Jesus fez referência à profecia de que o povo judeu não seria exterminado da terra por mais que seus muitos inimigos, em
todas as épocas, tenham se empenhado nesse objetivo (Mc 13.30; Lc 21.32). As palavras de Jesus são todas mais verdadeiras
e duradouras que o Universo.
12 O Dia do Senhor é uma expressão que se refere ao AT como o dia em que Jesus voltará em glória para levar seu povo (a
Igreja) para a Nova Jerusalém (Am 8.3,9,13; 9.11; Mq 4.6; 5.10; 7.11). Mas o dia exato desse evento a ninguém foi revelado, e
Jesus, enquanto esteve na terra, também não pretendeu saber, pois decidiu em tudo obedecer ao Pai e viver pela fé como todo
ser humano deveria.
13 Jesus dedica seis parábolas para enfatizar a extrema necessidade da vigilância, enquanto estamos vivos na terra e ele não
retorna: O porteiro (Mc 13.35-37). O pai de família (Mt 24.43-44). O servo fiel (24.45-51). As dez virgens (25.1-13). Os talentos
(25.14-30). As ovelhas e os bodes (25.31-46). A vida passa, e passa muito rápido. É preciso estar com a consciência tranqüila de
que amamos ao Senhor e buscamos praticar sua vontade em todas as áreas de nossa vida íntima e relacional.
14 Jesus nos adverte de que perto da sua volta, o mundo estará descrente, religioso talvez, mas sem a convicção da salvação
nem da militância evangélica. O poder do sistema mundial forçará muitos religiosos a se afastarem de Deus e de sua Palavra.
Intérpretes de um “evangelho” que não é o de Cristo conduzirão milhões de pessoas à perdição. Até os cristãos fiéis correrão o
risco de ser enganados por um estilo de vida massificado pelo sistema (globalização do pensamento humanista, cético e hedonis-
ta) e serão apanhados de surpresa pela iminente volta do Senhor. Não é sábio tentar calcular a data do retorno de Jesus. É mais
errôneo, porém, negligenciar esse evento fatal. A expectativa da volta de Cristo confere senso de urgência e dinâmica à missão
evangélica em toda a terra. A parábola do “bom e mau servos” ensina como o filho de Deus deve viver sua vida cristã (45-51).
15 O contexto revela que “hipócrita” é aquele cuja vida prática não corresponde à sua alegada fidelidade a Cristo. A expressão
garam suas candeias e saíram para encon- 12 Contudo ele lhes respondeu: ‘Com
trar-se com o noivo.1 certeza vos afirmo que não vos conheço’.
2 Cinco delas eram sábias, mas outras 13 Portanto, vigiai, pois não sabeis o dia,
cinco eram inconseqüentes. tampouco a hora em que o Filho do
3 As que eram inconseqüentes, ao pega- homem chegará.4
rem suas candeias, não levaram óleo de
reserva consigo. O investimento dos talentos
4 Entretanto, as prudentes, levaram óleo 14 Digo também que o Reino será como
em vasilhas, junto com suas candeias.2 um senhor que, ao sair de viagem, con-
5 O noivo demorou a chegar, e todas fica- vocou seus servos e confiou-lhes os seus
ram com sono e adormeceram. bens.
6 À meia-noite, ouviu-se um grito: ‘Eis 15 A um deu cinco talentos, a outro, dois
que vem o noivo! Saí ao seu encontro!’ e a outro, um talento; a cada um con-
7 Então, todas as virgens acordaram e forme a sua capacidade pessoal. E, em
foram preparar suas candeias.3 seguida, partiu de viagem.5
8 As insensatas recorreram às sábias: ‘Dai- 16 O que havia recebido cinco talentos
nos um pouco do vosso azeite, porque as saiu imediatamente, investiu-os, e ga-
nossas candeias estão se apagando’. nhou mais cinco.
9 Porém as sábias responderam: ‘Não po- 17 Da mesma forma, o que recebera dois
demos, pois assim faltará tanto para nós talentos ganhou outros dois.
quanto para vós outras! Ide, portanto, 18 Entretanto, o que tinha recebido um
aos que o vendem e comprai-o’. talento afastou-se, cavou um buraco na
10 Mas, saindo elas para comprar, chegou terra e escondeu o dinheiro que o seu se-
o noivo. As virgens que estavam prepara- nhor havia confiado aos seus cuidados.
das entraram com ele para o banquete de 19 Após um longo tempo, retornou o se-
núpcias. E a porta foi fechada. nhor daqueles servos e foi acertar contas
11 Mais tarde, todavia, chegaram as vir- com eles.
gens imprudentes e clamaram: ‘Senhor! 20 Então, o servo que recebera cinco ta-
Senhor! Abre a porta para nós!’ lentos se aproximou do seu senhor e lhe
“ranger de dentes” só é usada em Mateus (8.12; 13.50; 22.13; 24.51; 25.30) e tem a ver com o profundo, doloroso e eterno arre-
pendimento que os incrédulos e os falsos cristãos (hipócritas) sentirão a partir do Dia do Senhor.
Capítulo 25
1 Havia duas fases nos casamentos judaicos típicos da época de Cristo. Na primeira, o noivo ia à casa da noiva e participava da
cerimônia de entrega da noiva. Na outra fase, o noivo voltava e a levava para um grande banquete em sua casa. As virgens eram
damas-de-honra e tinham o dever cerimonial de preparar a noiva para o encontro com o noivo.
2 Essas candeias eram grandes tochas, capazes de permanecer acesas ao ar livre, feitas com longas varas, com trapos
enrolados numa das pontas, embebidos em azeite de oliva. Pequenas candeias de barro eram comumente usadas no interior
das residências.
3 Quando o azeite era consumido pelo fogo cortavam-se as pontas chamuscadas dos trapos e adicionava-se mais óleo para
um novo período médio de iluminação de 15 minutos.
4 Essa parábola é continuação da mensagem de Jesus sobre a necessidade do cristão estar sempre preparado e vigilante, pois
a volta do Senhor é certa, repentina e iminente. Essa expectativa quanto ao glorioso retorno de Jesus confere ética, dinamismo e
senso de urgência à evangelização e ao estilo de vida cristão. A mensagem de Cristo é também um forte apelo aos israelitas em
todo o mundo, para que coloquem sua esperança no Noivo Eterno: O Senhor Jesus. Ele é o Messias prometido. A parábola das
dez virgens, como é conhecido este trecho das Escrituras, não está ensinando que Cristo arrebatará os atentos e preparados es-
piritualmente e deixará para trás “crentes” distraídos ou negligentes. Se cinco virgens ficaram sem óleo (o Espírito) é porque nun-
ca creram verdadeiramente no Senhor, pois todo o que crê – recebe o Espírito Santo – e será salvo (24.13; Jo 1.12; Hb 3.13-14).
5 Um talento correspondia à cerca de 35 quilos de prata pura, o equivalente a 6.000 denários (o denário, como já vimos, era uma
moeda de prata e valia um dia de trabalho de um soldado romano). Deus concede, aos cristãos, fé e capacidades espirituais para,
em primeiro lugar, compreenderem a pessoa e a obra do Seu Filho Jesus, e, em seguida, para servirem no Reino: testemunhando,
anunciando a Salvação e cooperando com o Corpo de Cristo, a Igreja. Curiosamente, o uso atual da expressão portuguesa
“talento”, significando o conjunto de dons, capacidades e habilidades de uma pessoa, originou-se com base nessa parábola
(Lc 19.13). Jesus não está ensinando que o julgamento das pessoas em geral e dos cristãos em particular tem algo a ver com
o esforço pessoal e o pleno uso dos dons e capacidades, pois o caminho da Salvação é bem diferente. O uso dos talentos é
entregou mais cinco talentos, informan- quem não tem, até o que tem lhe será
do: ‘O senhor me confiou cinco talentos; tirado.
eis aqui mais cinco talentos que ganhei’. 30 Quanto ao servo inútil, lançai-o para
21 Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, fora, às trevas. Ali haverá muito pranto e
servo bom e fiel! Foste fiel no pouco, ranger de dentes’.7
muito confiarei em tuas mãos para ad-
ministrar. Entra e participa da alegria do O juízo final
teu senhor!’. 31 Quando o Filho do homem vier em
22 Assim também, aproximou-se o que sua glória, com todos os anjos, então,
recebera dois talentos e relatou: ‘Senhor, se assentará em seu trono na glória nos
dois talentos me confiaste; trago-lhe céus.
mais dois talentos que ganhei’. 32 Todas as nações serão reunidas diante
23 O senhor lhe disse: ‘Muito bem, servo dele, e Ele irá separar umas das outras,
bom e fiel! Foste fiel no pouco, muito con- como o pastor separa os bodes das ove-
fiarei em tuas mãos para administrar. En- lhas.
tra e participa da alegria do teu senhor!’. 33 E posicionará as ovelhas à sua direita e
24 Chegando, finalmente, o que tinha os bodes à sua esquerda.
recebido apenas um talento, explicou: 34 Então, dirá o Rei a todos que estiverem
‘Senhor, eu te conheço, sei que és um ho- à sua direita:‘Vinde, abençoados de meu
mem severo, que colhe onde não plantou Pai! Recebei como herança o Reino, o
e ajunta onde não semeou. qual vos foi preparado desde a fundação
25 Por isso, tive receio e escondi no chão do mundo.
o teu talento. Aqui está, toma de volta o 35 Pois tive fome, e me destes de comer,
que te pertence’. tive sede, e me destes de beber; fui es-
26 Sentenciou-lhe, porém, o senhor: trangeiro, e vós me acolhestes.
‘Servo mau e negligente! Sabias que co- 36 Quando necessitei de roupas, vós me
lho onde não plantei e ajunto onde não vestistes; estive enfermo, e vós me cui-
semeei? dastes; estive preso, e fostes visitar-me’.
27 Então, por isso, ao menos devíeis ter 37 Então, os justos desejarão saber: ‘Mas,
investido meu talento com os banquei- Senhor! Quando foi que te encontramos
ros, para que quando eu retornasse, o com fome e te demos de comer? Ou com
recebesse de volta, mais os juros.6 sede e te saciamos?
28 Sendo assim, tirai dele o talento que 38 E quando te recebemos como estran-
lhe confiei e dai-o ao servo que agora está geiro e te hospedamos? Ou necessitado
com dez talentos. de roupas e te vestimos?
29 Pois a quem tem, mais lhe será con- 39 Ou ainda, quando estiveste doente ou
fiado, e possuirá em abundância. Mas a encarcerado e fomos ver-te?’.
apenas uma conseqüência natural na vida diária de quem já foi contemplado, abraçou a fé em Jesus e agora vive a alegria da
Salvação, mesmo em meio aos sofrimentos deste mundo. É um julgamento semelhante àquele pronunciado contra o convidado
que comparece à festa eterna sem vestir-se da justificação (salvação) em Cristo (22.12-14).
6 A palavra “banqueiro” vem do grego trapeza (mesa), e ainda hoje é comum ver essa palavra nas fachadas das instituições
financeiras na Grécia. Na época de Jesus, os “banqueiros” eram pessoas que ficavam sentadas atrás de pequenas mesas e
trocavam dinheiro (21.12). Outra palavra interessante é “juro”, que tinha o sentido de “prole”, ou seja, os juros eram considerados
“filhotes” do principal emprestado ou investido.
7 Os escravos foram libertos e elevados à posição de servos (mordomos), aos quais aquele senhor confiou todos os seus bens.
O servo que não fez uso do talento concedido, agiu assim porque não gostava do seu senhor e desconfiava dele. Não queria
trabalhar e se arriscar apenas para tornar o senhor mais rico. Preferiu a conveniência e a tranqüilidade de uma aparente isenção
de responsabilidade. Os dons e talentos de Deus multiplicam-se quando os utilizamos, pois transformam nossas vidas e ficamos
preparados para receber ainda mais da plenitude do Espírito Santo. O amor de Cristo em nós gera mais amor, a fé mais fé, o
caráter mais caráter de Deus nos crentes, e a obediência à Palavra do Senhor produz uma fonte de virtudes que influencia todo
o ambiente (2Pe 1.3-7).
8 Jesus ensina que o grande pecado do ser humano é a falta do exercício do amor verdadeiro: primeiro em relação ao seu
Criador e depois para com seu semelhante e próximo (Tg 4.1-17). Há duas interpretações escatológicas mais aceitas, sobre
esse aspecto do Julgamento: 1) Vai acontecer no início de um reino milenar na terra e definirá quem terá o direito de fazer parte
do Reino (vv.31,34), com base no tratamento dispensado ao povo israelense (“meus irmãos, mesmo que ao menor deles”
– vv.40-46) no período anterior à Grande Tribulação (vv.35-40, 42-45). 2) Para muitos estudiosos, o Julgamento ocorrerá diante
do Trono Branco no final dos tempos (Ap 20.11-15). Seu objetivo será identificar as pessoas de todas as épocas, culturas,
povos e nações que poderão ingressar no reino eterno dos salvos e aqueles que serão condenados a viver em punição eterna
no inferno (vv.34,36). A base desse julgamento definitivo será a atitude de amor com a qual, aqueles que afirmam crer em Deus,
trataram seus irmãos e semelhantes (1Jo 3.11-24).
Capítulo 26
1 Jesus deixou o templo para nunca mais voltar a ele (24.1). Com a saída de Jesus o templo perdeu sua característica de
habitação de Deus. Em frente ao templo, contemplando Jerusalém, Jesus prediz o futuro e seu glorioso retorno. Depois de um
período de grande atividade, chega o momento do silêncio e do sacrifício maior. Os Evangelhos não relatam quase nada sobre
a juventude de Jesus. Entretanto, narram a história do martírio e do holocausto do Salvador, praticamente, hora a hora. A Paixão
(o sacrifício) e a ressurreição, que inicialmente eram fatos enigmáticos e incompreensíveis para os apóstolos, tornam-se agora
o significado absoluto de suas vidas e obras. A Paixão de Cristo corresponde à Páscoa dos judeus (em hebraico Pêssach que
significa “passar por cima” ou “passar ao lado”): celebração do livramento do povo hebreu do jugo egípcio ocorrido há mais de
35 séculos (Êx 12.13,23,27). Os cordeiros (simbolização de Jesus Cristo) e os cabritos eram sacrificados, em penitência (arrepen-
dimento) pelos pecados cometidos, no dia 14 de Nisã (mês judaico por volta de março e abril). A refeição da Páscoa era comida
no fim dessa mesma tarde. Como o dia judaico começava após o pôr-do-sol do dia anterior, a Festa da Páscoa foi celebrada no
dia 15 de Nisã, uma quarta-feira. Em seguida ocorria a Festa dos Pães sem Fermento (ou Pães Asmos), durava mais sete dias, e
fazia parte das comemorações da Páscoa (Êx 12.15-20; 23.15; 34.18; Dt 16.1-8).
2 Os chefes dos sacerdotes, chamados de “principais” e os anciãos (sábios e líderes religiosos do povo), reuniram-se como
Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus) no palácio de Caifás, saduceu, eleito sumo sacerdote (de 18 a 36 d.C), genro e sucessor
de Anás (Jo 18.13), que ocupou o cargo entre os anos de 6 a 15 d.C.
indignaram e comentaram: “Por que este gue?”. E lhe pagaram o preço: trinta moe-
desperdício? das de prata.
9 Porquanto esse perfume poderia ser 16 E, desse momento em diante, procu-
vendido por alto preço e o dinheiro dado rava Judas uma ocasião apropriada para
aos pobres!”. entregar Jesus.
10 Percebendo isso, Jesus repreendeu-os:
“Por que molestais esta mulher? Ela pra- A Ceia do Senhor
ticou uma boa ação para comigo. (Mc 14.12-26; Lc 22.7-23; Jo 13.18-30)
11 Pois, quanto aos pobres, sempre os 17 No primeiro dia da festa dos Pães
tendes convosco, mas a mim nem sem- Asmos, os discípulos aproximaram-se de
pre me tereis. Jesus e o consultaram: “Onde desejas que
12 Ao derramar sobre o meu corpo esse preparemos a refeição da Páscoa?”.
bálsamo, ela o fez como que preparando- 18 Ao que Jesus os orientou: “Ide à
me para o sepultamento.3 cidade, procurai um certo homem e
13 Com toda a certeza vos afirmo: Em falai a ele: ‘O Mestre manda dizer-te: É
todos os lugares do mundo, onde este chegada a minha hora. Desejo celebrar
evangelho for pregado, igualmente será a Páscoa em tua casa, juntamente com
contado o que essa mulher realizou, meus discípulos.’”
como um memorial a ela”. 19 Os discípulos fizeram como Jesus
lhes havia instruído e prepararam a
O pacto da traição Páscoa.4
(Mc 14.10-11; Lc 22.3-6)
14 E aconteceu que um dos Doze, chama- Jesus revela o traidor
do Judas Iscariotes, foi ao encontro dos (Mc 14.17-21; Lc 22.21-23; Jo 13.21-30)
chefes dos sacerdotes e lhes propôs: 20Ao pôr-do-sol, estava Jesus reclinado,
15 “O que me dareis caso eu vo-lo entre- próximo à mesa, com os Doze.5
3 Era costume, no antigo Oriente, ungir a cabeça dos convidados em dias festivos, que praticamente deitavam-se sobre um tipo
de almofada ou divã, ao redor de uma mesa bem mais baixa do que as nossas. Com o braço esquerdo se apoiavam sobre as al-
mofadas e com o direito se serviam dos alimentos. Davi escreve um poema em louvor a Yahweh (O nome impronunciável de Deus,
em hebraico: ), no qual descreve a felicidade que há na comunhão com Deus usando a metáfora de uma ceia preparada
pelo Senhor (Sl 23.5). Jesus foi visitar alguns amigos em Betânia, uma aldeia que distava cerca de 3 km de Jerusalém. O anfitrião,
Simão, fora curado de lepra por Jesus (Mc 14.3). Lázaro estava presente, Marta servia e Maria, irmã de Lázaro e Marta, assume a
responsabilidade da hospitalidade amorosa e reverente (Lc 7.46), mas realiza o ato tradicional à sua maneira. Um escravo ungiria
a cabeça do hóspede do seu senhor com óleo e lavaria seus pés com água. Maria ofereceu a mais preciosa e cara essência de
plantas (nardo, palavra persa nard que em sânscrito nalàdá significa “óleo perfumado”) importada da Índia (em grego Myrón).
Marcos (Mc 14.5) informa que o valor daquele alabastro (frasco de mármore lacrado e com gargalo longo, o qual era quebrado no
instante do uso, e cujo conteúdo devia ser todo consumido em uma só aplicação para não perder suas propriedades químicas e
aromáticas) era de 300 denários, o que correspondia ao salário anual de um trabalhador ou soldado romano (20.2; Jo 6.7). Maria
ungiu a cabeça e os pés de Jesus (Mc 14.3-9; Jo 12.1-8) realizando a cerimônia completa de honra e hospitalidade com a qual os
judeus deveriam acolher seus irmãos e amigos, numa demonstração de temor a Deus, humildade e amor ao próximo, princípios
básicos da Torá (os primeiros cinco livros da Bíblia, a Lei de Deus) e dos ensinos de Jesus (Lc 7.44; Jo 13.1-17). Considerando
que Judas traiu Jesus por cerca de 120 denários, é fácil imaginar sua irritação ao ver a atitude de Maria em relação unicamente à
pessoa de Cristo (Jo 12.4-5). Na época da Páscoa era um costume judaico presentear os pobres. Jesus aproveita para esclarecer
os discípulos e amigos quanto à proximidade do seu martírio, salientando que Maria havia compreendido verdadeiramente quem
é Deus, qual o sentido da adoração (que é consagrar a Deus os nossos mais caros afetos), e que estava cuidando da preparação
(somente os nobres tinham seu corpo embalsamado ou mumificado) do seu corpo para o sepultamento. Jesus ainda faz uma
alusão à Lei e afirma que a ajuda e o acolhimento aos mais necessitados é tarefa contínua do povo de Deus todos os dias do ano
(Dt 15.11). Jesus ergue um memorial a Maria, uma pessoa desconhecida na história, mas cujo ato inspira gerações e gerações
em todo o mundo, a ter uma visão correta e prática do que significa amar a Deus.
4 Os discípulos prepararam a Ceia conforme a orientação de Jesus e as prescrições da Lei (Êx 12.1-11) e tiveram de imolar o
cordeiro pascal. Jesus celebrou sua última Páscoa judaica com seus discípulos na véspera da data oficial, pois no dia do feriado
religioso e nacional que marca a Páscoa, Ele mesmo estaria sendo retirado, morto, da Cruz. O Cordeiro Pascal Imolado para a
Salvação de todo aquele que nele crer (Jo 1.12).
5 É interessante notar a ordem dos acontecimentos daquela noite: a refeição pascal; o ato de lavar os pés dos discípulos (Jo
13.1-20); a revelação de Judas como o traidor (Mt 26.21-25); a deserção de Judas (Jo 13.30); a instituição da Ceia do Senhor (Mt
26.26-29); os discursos no Cenáculo e a caminho do Getsêmani (Jo 14, 15 e 16); a oração sacerdotal de Jesus (Jo 17); a angústia
de Cristo no Getsêmani (Mt 26.36-46); o desfecho da traição e a prisão de Jesus (Mt 26.47-56).
6 Jesus não foi vítima involuntária das artimanhas do Diabo nem da inveja ou da avareza dos homens. Jesus não foi surpre-
endido pelos ardis do inferno nem pelas fraquezas da humanidade. Ele, por sua livre e espontânea vontade, se ofereceu em
obediência ao Pai e em sacrifício (holocausto) para resgate de todo o mundo. Jesus respondeu, decerto, a Judas em voz baixa,
para que os demais discípulos não ouvissem e viessem a impedir o intento do traidor.
7 O NT apresenta quatro relatos sobre a Ceia do Senhor (Mt 26.26-28; Mc 14.22-24; Lc 22.19,20 e em 1 Co 11.23-25). Lucas
e Paulo registraram a ordem de Jesus para que a Igreja continuasse a celebrar a Ceia, como um memorial, até a Sua volta
iminente. Jesus escolheu o pão sem fermento e o vinho comum para serem apenas símbolos (metáforas físicas) do que Ele é
para os crentes (todos os que crêem em Cristo) e do seu ato de sacrifício, para pagar o preço do pecado de todo ser humano.
Por isso, todos os seguidores de Jesus (discípulos) são convidados e devem participar da Ceia do Senhor todas as vezes em
que for celebrada, comendo do pão e tomando do vinho; com consciência pura diante de Deus (1 Co 11.28), louvor e esperança
no coração. A palavra “eucaristia” vem de um termo grego que significa “dar graças”. A primeira “Aliança” foi estabelecida pela
aspersão do sangue de animais sacrificados (Êx 24.8; Jr 31.31; Zc 9.11; Hb 9.19-28). A nova e derradeira “Aliança” foi instaurada
pelo próprio sangue do Filho de Deus, vertido sobre a verga e umbral da Cruz (Hb 8.7-13). Depois de cearem, Jesus e seus
discípulos cantaram um hino tradicional de louvor a Deus, baseado nos salmos 115 a 118, chamado em hebraico Hallel (Louvor)
da Páscoa. Em seguida partiram para o Getsêmani (nome que significa em hebraico “prensa de azeite”), espécie de grande pomar
localizado na encosta inferior do monte das Oliveiras, também chamado de “Jardim das Oliveiras”, um dos locais preferidos de
Jesus para oração e meditação (Lc 22.39; Jo 18.2) e onde se esmagava o fruto das oliveiras para a produção de azeite.
8 Todos os seguidores de Jesus, inclusive os discípulos mais chegados, abandonariam o Senhor antes do final daquela noite
(verso 56) conforme já havia sido profetizado (Zc 13.7).
9 Este é um dos trechos bíblicos onde a completa humanidade de Jesus é retratada com mais evidência (Hb 5.7). Jesus demons-
tra que o verdadeiro caráter de uma pessoa se revela nos momentos mais difíceis e dramáticos. Aprendemos também a aceitar
que haverá ocasiões em nossa vida em que teremos de enfrentar o sofrimento sem o apoio, conforto ou companhia dos amigos. O
Senhor, porém, estará sempre presente. Por isso Jesus pede que os discípulos vigiem com Ele. Não apenas para seu consolo, posto
que se afasta dos discípulos à distância de um arremesso de pedra (como se relata nos originais), mas para que eles pudessem se
preparar espiritualmente para a grande batalha. Jesus clama por seu Abba (em aramaico “pai querido”). Experimenta a fraqueza
humana ao extremo, mas sem pecar. Cita Sl 43.5. Busca a orientação e o consolo do Pai. Sente quão terrível é ficar sem o amparo
de Deus, ainda que por instantes, e assume sobre si todo o pecado que a raça humana deveria pagar por sua infidelidade para com
Deus, desde os primórdios (Gn 2.15-17; 3.22-24; 4.1-8). O ato de obediência amorosa e aceitação espontânea de Jesus no Getsê-
mani corresponde à tentação no deserto, quando Jesus rejeitou governar o mundo sem Deus. Agora Ele concorda em morrer por
nós com Deus. Por isso, sua morte e ressurreição foram ainda mais relevantes que sua vida de testemunho e milagres, ao contrário
de todos os líderes que a terra já conheceu (1Co 2.2). Contudo, o Pai não responde. O Filho, em agonia, insiste por três vezes (Lc
22.44). Deus fica em silêncio na imensidão da noite; os amigos dormem. Jesus compreende que a resposta às suas aflições já havia
sido dada (Hb 5.8; 12.2). O Pai tinha de permitir o cumprimento da história. Jesus se levanta da batalha, liberto dos seus temores e
aflições; consciente do alto preço a pagar, mas resoluto quanto à sua missão (Lc 22.22; Hb 9.14).
10 A frase de Jesus, nos melhores originais, indica não que ele tenha procurado fugir, mas, sim, que partiu e convocou seus
discípulos para se encontrarem com os oficiais que o procuravam.
11 Judas organiza sua emboscada contra Jesus acompanhado dos mais importantes sacerdotes, mestres da Lei e líderes religio-
sos do povo. E cerca de 500 policiais armados e serventes do Sinédrio (Tribunal), destinados a manter a ordem pública; soldados
especiais da corte romana (Jo 18.3), vindos da fortaleza de Antônia, equipados com armas e lanternas (apesar da forte lua cheia da
época), pois conheciam e temiam os poderes sobrenaturais de Jesus, embora Ele nunca os tenha usado em benefício próprio.
12 A palavra grega usada para descrever o beijo de Judas é kataphilein, o mesmo tipo de saudação calorosa com que o pai
51 Eis que um dos que estavam com Je- 58 Contudo Pedro seguiu a Jesus de longe
sus, estendendo a mão, puxou a espada até o pátio do sumo sacerdote, entrou e
e ferindo o servo do sumo sacerdote, sentou-se junto aos guardas, para sondar
decepou-lhe uma das orelhas. qual seria o fim daquela ocorrência.
52 Mas Jesus lhe ordenou: “Embainha 59 Mas os líderes dos sacerdotes e todo
a tua espada; pois todos os que lançam o Sinédrio estavam tentando suscitar
mão da espada pela espada morrerão! um falso testemunho contra Jesus, para
53 Ou imaginas tu que Eu, neste momen- que tivessem o direito de condená-lo à
to, não poderia orar ao meu Pai e Ele co- morte.14
locaria à minha disposição mais de doze 60 Todavia, nada encontraram, apesar
legiões de anjos? de se terem apresentado vários depoi-
54 Entretanto, como então se cumpririam mentos inverídicos. Ao final, entretanto,
as Escrituras, que afirmam que tudo deve compareceram duas testemunhas que
acontecer desta maneira?”. alegaram:
55 E naquele mesmo instante Jesus se dirige 61 “Este homem afirmou: ‘Tenho poder
às multidões indagando-lhes: “Lidero Eu para destruir o santuário de Deus e re-
algum tipo de rebelião, para que venham construí-lo em três dias’”.15
contra mim com espadas e porretes e me 62 Então o sumo sacerdote levantou-se e
prendam? Pois todos os dias estive ensinan- interrogou a Jesus: “Não tens o que res-
do no templo e vós não me prendestes! ponder a estes que depõem contra ti?”.
56 Todavia, esses fatos todos ocorreram 63 Mas Jesus manteve-se em silêncio.
em cumprimento às Escrituras dos Diante do que o sumo sacerdote lhe inti-
profetas”. E assim, todos os discípulos mou: “Eu te coloco sob juramento diante
abandonaram a Jesus e fugiram.13 do Deus vivo e exijo que nos digas se tu
és o Cristo, o Filho de Deus!”.16
Jesus diante do tribunal 64 “Tu mesmo o declaraste”, afirmou-
(Mc 14.53-65; Lc 22.63-71; Jo 18.12-14, 19-24) lhe Jesus. “Contudo, Eu revelo a todos
57Então, os que prenderam Jesus o con- vós: Chegará o dia em que vereis o
duziram à presença de Caifás, o sumo Filho do homem assentado à direita do
sacerdote, em cuja residência estavam Todo-Poderoso, vindo sobre as nuvens
reunidos os mestres da lei e os anciãos. do céu!”.
recebeu o filho pródigo (Lc 15.20). Apesar de Judas estar cometendo uma ofensa terrível, Jesus consegue ver na pessoa de
Judas a figura do ser humano distante de Deus: avarento, invejoso, arrogante, iludido, tresloucado e perdido; mas, ainda assim,
alguém a quem Jesus amava e considerava como membro da sua família de discípulos. Da mesma maneira o Senhor amou os
seus próprios algozes (Lc 23.34) e pela salvação de todos nós se entregou (Lc 15.1-2; Jo 3.16).
13 O discípulo amado, João, escrevendo seu Evangelho, após a morte dos protagonistas, esclarece que foi Pedro quem, num
golpe de espada, cortou fora a orelha de Malco, um dos servos do sumo sacerdote (Jo 18.10). Jesus declara que poderia receber
de Deus uma ajuda imediata, com mais de 72.000 anjos (considerando que, naquela época, uma legião era formada por até 6.000
soldados). Lembremos que apenas um anjo foi suficiente para ferir todo o Egito (Êx 12.23-27) e libertar o povo de Israel do cativei-
ro. Jesus estava consciente de que a vontade do Pai deveria ser cumprida em todos os detalhes (Zc 13.7). Aceitou tomar o cálice
do sacrifício histórico e servir de holocausto para a libertação do crente (toda pessoa que crê em Sua obra vicária e Palavra).
14 O julgamento de Jesus foi injusto e ilícito por vários motivos, especialmente por ter ocorrido durante a noite e com
testemunhas e acusações forjadas, contrariando as leis judaicas (Dt 19.15) e romanas da época. Jesus foi levado primeiro para
uma audiência perante Anás, ex-sumo sacerdote (Jo 18.12-14, 19.23); depois para julgamento diante de Caifás, sumo sacerdote
em exercício e genro de Anás, e do Supremo Concílio Judaico, chamado de Sinédrio (26.57-68; 27.1). Em seguida, levado ao
julgamento romano, diante de Pilatos (Mc 15.2-5), depois levado à presença de Herodes Antipas (Lc 23.6-12), retornando à
presença de Pilatos (Mc 15.6-15) para conclusão e condenação final.
15 Obrigar um réu a declarar algo sob juramento diante de Deus era uma atitude ilícita, claramente expressa na jurisprudência
israelita, que não tolerava qualquer tipo de tortura ou coação moral e religiosa.
16 Jesus jamais fez tal afirmação. As falsas testemunhas distorceram as palavras de Jesus (Jo 2.19), para forjar uma acusação
de blasfêmia, cuja pena era a morte.
65 Diante disso, o sumo sacerdote rasgou 74 Então, ele começou a jurar e a pedir
as suas vestes denunciando: “Ele blasfe- a Deus que o amaldiçoasse caso não es-
mou! Por que necessitamos de outras tivesse dizendo a verdade, e exclamou:
testemunhas? Eis que acabais de ouvir tal “Não conheço esse homem!”. No mes-
blasfêmia!”.17 mo instante um galo cantou.
66 “Que vos parece?”. Responderam eles: 75 E naquele momento, Pedro se lembrou
“Culpado e merecedor de morte é!”. da palavra de Jesus que lhe advertira:
67 Neste momento, alguns cuspiram em “Antes que o galo cante, tu me negarás
seu rosto e o esmurravam, enquanto ou- três vezes.” E, deixando aquele lugar,
tros lhe desferiam tapas, vociferando: chorou amargamente.20
68 “Profetiza-nos, pois, ó Cristo, quem é
que te bateu?”.18 Jesus é levado a Pilatos
(Mc 15.1; Lc 23.1-2; Jo 18.28-32)
Quando Pedro negou a Jesus
(Mc 14.66-72; Lc 22.54-62; Jo 18.15-18, 25-27)
69 Pedro encontrava-se assentado do lado
27 Assim que o dia amanheceu, to-
dos os chefes dos sacerdotes, e os
líderes religiosos, anciãos do povo, cons-
de fora da casa, no pátio, quando uma piraram para condenar Jesus à morte.1
criada, aproximando-se dele, afirmou: 2 Então, amarrando-o, levaram-no e o
“Tu também estavas com Jesus, o galileu!”. entregaram a Pilatos, o governador.2
70 Ele, entretanto, negou a Jesus perante
todos os presentes, declarando: “Não sei Judas com remorso suicida-se!
do que falas.”. 3 E sucedeu que Judas, seu traidor, ao ver
71 E, saindo em direção à entrada do que Jesus havia sido condenado, sentiu
pátio, foi ele reconhecido por outra terrível remorso e procurou devolver
criada, a qual o denunciou a todos que ali aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos as
se achavam, exclamando: “Este homem trinta moedas de prata.
estava com Jesus, o Nazareno!”. 4 E declarou: “Pequei, pois traí sangue
72 Mas Pedro, sob juramento, o negou inocente”. Mas eles alegaram: “O que
uma vez mais, afirmando: “Não conheço temos a ver com isso? Esta é tua ques-
tal indivíduo”.. tão!”.
73 Algum tempo mais tarde, os que esta- 5 Judas atirou então as moedas de prata
vam ao redor aproximaram-se de Pedro dentro do templo e, abandonando aque-
e o acusaram: “Com toda a certeza és le lugar, foi e enforcou-se.
igualmente um deles, porquanto o teu 6 Entretanto, os chefes dos sacerdotes
modo de falar o denuncia”.19 ajuntaram as moedas e comentaram: “É
17 O sumo sacerdote era proibido pela lei de agir dessa maneira e com tamanha força emocional (Lv 10.6); mas, para caracterizar
seu horror diante do suposto pecado de infâmia e jogar o público presente contra Jesus, ele se permitiu o chamado “ato extremo”.
18 Marcos informa que vendaram os olhos de Jesus (Mc 14.65), o que explica a provocação em tom de zombaria.
19 Pedro, como Jesus, tinha um sotaque indiscutivelmente galileu, facilmente identificado pelos naturais de Jerusalém.
20 A seqüência de erros cometidos por Pedro tem muito a nos ensinar: 1) Demasiada autoconfiança e falta de humildade (v.33).
2) Desobediência ao pedido de Jesus para dedicar-se à vigilância e oração (vv.40-44). Esquecimento quanto às advertências e
conselhos de Jesus (v.75; conforme v.34). Conclusão: grandes quedas na vida cristã são conseqüência da prática de pequenos
erros despercebidos ou tratados com displicência.
Capítulo 27
1 Como a Lei não permitia que o Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus) tivesse reuniões juridicamente válidas, durante a noite, for-
mou-se um outro conselho logo ao nascer do dia com o propósito de oficializar a acusação de “traição” perante a autoridade civil (Lc
23.1-14), mais incriminadora para os romanos do que “blasfêmia” para os juízes judeus; e assim, levar Jesus à sentença de morte.
2 O Sinédrio tinha sido destituído pelo governo romano do seu poder de condenar qualquer cidadão à pena de morte. Por
esse motivo, Jesus só poderia ser executado por ordem expressa de Pilatos, o governador romano da Judéia (26 a 36 d.C.). Sua
residência oficial ficava em Cesaréia, no litoral do Mediterrâneo. Quando visitava Jerusalém, especialmente nas festas nacionais,
para garantir a ordem e ostentar o domínio de Roma, hospedava-se no deslumbrante palácio erguido por Herodes, o Grande,
localizado a oeste do Templo, onde presidiu o julgamento romano de Jesus.
3 Lucas (At 1.18) informa que Judas comprou um terreno argiloso (Campo de Sangue ou Vale da Matança de Jr 19.1-13 com
Zc 11.12,13 e Jr 18.2-12 com Jr 32.6-9), pois pela lei judaica considerava-se a aquisição em nome da pessoa da qual provinha
o dinheiro, mesmo no caso de falecimento. Enforcou-se e foi empalado (suplício persa usado algumas vezes pelos exércitos
israelenses, Gn 40.19; Et 2.23, e que consistia em espetar o condenado em uma estaca, pelo ânus, deixando-o assim até morrer).
Quando seu corpo caiu apodrecido sobre a terra, partiu-se ao meio. Mateus faz alusão a dois textos do AT para revelar o cumpri-
mento desta terrível profecia (Jr 32.6-9 e Zc 11.12-13). Era comum citar-se o profeta maior quando se combinavam seus escritos
com profetas menores (assim como Marcos 1,2,3 cita Ml 3.1 e Is 40.3, mas atribui todo o texto a Isaías). Judas sempre teve olhos
somente para si mesmo e seus interesses. Por isso, em vez de chorar e se arrepender como Pedro, não consegue tirar os olhos
de si mesmo e do seu pecado e só viu a morte como solução. Exatamente o que o Diabo espera que todo ser humano faça.
4 Flávio Josefo, historiador judeu que viveu em Roma entre os séculos I e II d.C.; narra vários atos de impiedade e falta de
sabedoria de Pilatos, cujo principal registro na história está ligado exclusivamente à sua atuação na condenação de Jesus. Pilatos
desviava fundos do templo, massacrou alguns samaritanos sem um julgamento justo, foi deposto pelos romanos e suicidou-se
entre os anos 31 e 41d.C.
5 Pilatos era muito supersticioso e pesou-lhe o sonho de sua esposa pagã. Além disso, o nome “Barrabás” em aramaico
significa “filho do pai” e Jesus era conhecido como “Filho do Pai” em relação a Deus. Pilatos percebeu a divindade de Jesus
(Jo 19.11-12). Tentou aproveitar a tradição do indulto de Páscoa para influenciar a multidão a pedir a libertação de Jesus. Mas
o povo, atiçado pelos sacerdotes e anciãos, sedento pela volta do bandido zelote (Mc 15.7,27; Jo 18.40) às suas atividades
subversivas contra Roma, rejeita o “Filho de Deus” e aclama o “filho do homem pecador”. A humanidade, narcisista e hedonista,
tende a ignorar o verdadeiro Deus e seus profetas e se entrega nas mãos de sua própria imagem e caráter, de um seu semelhante
induzido pelo Diabo.
6 Pilatos, de sua cátedra (trono, cadeira, estrado) de juiz, evoca uma tradição judaica de obediência à Lei de Moisés (Dt 21.1-9),
numa tentativa de esquivar-se da responsabilidade de condenar um justo à pena de morte, ainda mais sendo o “Filho de Deus”.
Entretanto, uma pequena multidão ensandecida tomou para si e para seus descendentes todo o ônus daquele julgamento injusto.
Alguns líderes justos se manifestaram contra, mas não foram ouvidos (Lc 23.51). Cerca de 40 anos mais tarde, mesmo antes do
cerco a Jerusalém, o sangue dos judeus jorrava por todo país. Ao final do ano 66 foram trucidados mais de 20.000 judeus em
Cesaréia, por seus próprios concidadãos gentios. Em Citópolis os sírios massacraram 13.000 judeus. Em Alexandria, mais de
50.000 judeus foram chacinados por cidadãos gregos e soldados romanos, e suas casas, reduzidas a cinzas. O massacre em Je-
rusalém não poupou nem os bebês. O próprio pátio do templo virou um lago de sangue. Durante o sítio, os poucos sobreviventes
esfomeados eram forçados a roer as próprias sandálias e cintos de couro. Diariamente mais de 500 judeus morriam crucificados,
até que não houvesse mais madeira para confeccionar cruzes. Segundo o historiador Flávio Josefo, mais de um milhão de judeus
foram mortos durante todo o período do sítio romano. Cerca de 97.000 homens jovens que sobreviveram foram vendidos como
escravos, transformados em gladiadores ou morreram na arena do anfiteatro, lutando contra animais ferozes.
7 Pilatos tenta evitar a morte “do divino”, como teria se referido ao Senhor mais tarde, e saciar a sede sanguinária da multidão,
submetendo Jesus a uma terrível sessão de açoites. Esse tipo de castigo era tão cruel que fora proibido aos cidadãos romanos, sob
qualquer motivo. Apenas escravos e provincianos eram chicoteados como preparação para a crucificação. Os chicotes eram feitos
de finas tiras de couro duro, trançadas com pedaços de osso, chumbo e espinhos agudos e venenosos. O martírio de Policarpo, por
exemplo, é descrito nos documentos da comunidade de Esmirna como: “dilacerado pelos açoites, a ponto de ser possível ver os
vasos sanguíneos interiores e a estrutura do seu corpo”. Eusébio relata sobre o flagelo do cristão Doroteu, sob Diocleciano: “até seus
ossos ficaram expostos”. Por isso, eram comuns os flagelados morrerem antes da crucificação. Mas Jesus suportou tudo em silêncio
(Is 53). Muito sacrifício foi oferecido para que os discípulos de hoje possam servir a Cristo com liberdade e alegria.
8 O Pretório era a fortaleza de Antônia, residência de Pilatos quando estava em Jerusalém. Dizia-se que uma “tropa” ou “coorte”
era composta de um décimo dos soldados que formavam uma “legião”, algo entre 360 e 600 homens.
9 Tem início a via crucis ou via-sacra, o caminho da cruz. O Talmude relata que era costume oferecer ao condenado, antes
da crucificação, uma bebida anestesiante, que algumas mulheres piedosas de Jerusalém mandavam preparar às suas custas.
Entretanto (v.34), Jesus nega-se a aceitar esse tipo de alívio (Sl 69.19-21; Pv 31.6; Mc 15.23). A cruz era composta de duas peças
de madeira, uma viga vertical staticulum e outra horizontal antenna. Na primeira, mais ou menos no centro, era fixado um pino de
madeira, chamado de cornu chifre, sobre o qual o crucificado ficava montado. Os crucificados viviam em média cerca de doze
horas. A febre que logo se manifestava causava um tipo de sede ardente. A crescente inflamação das feridas nas costas, mãos
e pés, o ataque dos insetos e aves carniceiras que se aproximavam devido ao odor de sangue e dos excrementos, assim como
a pressão do fluxo sanguíneo contra a cabeça, o pulmão e o coração, e o inchaço de todas as veias provocavam a mais horrível
agonia e dor. Cícero dizia: “A crucificação é o mais cruel e terrível dos castigos”. A execução tinha de ocorrer fora da cidade (Lv
33 Chegaram a um lugar conhecido como dadeiramente por ele tem piedade, pois
Gólgota, que significa Lugar da Caveira.10 afirmou: ‘Sou Filho de Deus!’”.
34 Deram-lhe para beber uma mistura 44 Igualmente o ultrajavam os ladrões
de vinho com absinto; mas ele, depois de que ao seu lado haviam sido também
prová-la, negou-se a beber. crucificados.11
35 E aconteceu que após sua crucificação,
dividiram entre si as roupas que lhe per- A morte de Jesus na cruz
tenciam, jogando sortes. (Mc 15.33-41; Lc 23.44-49; Jo 19.28-30)
36 E se acomodaram ali, para o vigiar. 45 Então, profundas trevas caíram por
37 Acima de sua cabeça fixaram por es- sobre toda a terra, do meio-dia às três
crito a acusação forjada contra ele: “ESTE horas da tarde daquele dia.12
É JESUS, O REI DOS JUDEUS”. 46 E, por volta das três horas da tarde, Jesus
38 Dois ladrões foram crucificados com ele, clamou com voz forte: “Eloí, Eloí, lamá
um à sua direita e outro à sua esquerda. sabactâni?”, que significa “Meu Deus, Meu
39 As pessoas que passavam lançavam- Deus! Por que me abandonaste?”.
lhe impropérios, balançando a cabeça. 47 Mas alguns dos que ali estavam, ao
40 E exclamavam: “Ó tu que destróis o ouvirem isso, comentaram: “Ele chama
templo e em três dias o reconstróis! Ago- por Elias”.13
ra salva-te a ti mesmo. Desce desta cruz, 48 Sem demora, um deles correu em
se és o Filho de Deus!”. busca de uma esponja, embebeu-a em
41 Do mesmo modo, os chefes dos sa- vinagre, colocou-a na ponta de um
cerdotes, os mestres da lei e os anciãos caniço, ergueu-a até Jesus e deu-lhe a
zombavam dele, vociferando: beber.
42 “Salvou a muitos, mas a si mesmo não 49 Entretanto, os outros o censuraram:
pode salvar-se. É o Rei de Israel! Desça “Deixa! Vejamos se Elias vem livrá-lo”.
agora da cruz, e passaremos a crer nele. 50 Então Jesus exclamou, uma vez mais,
43 Pregou sua confiança em Deus. Então em alta voz e entregou o espírito.14
que Deus o salve neste instante, se ver- 51 No mesmo instante, o véu do santu-
24.14), como um sinal da exclusão da sociedade humana (Hb 13.12). João relata que Jesus saiu da cidade (Jo 19.17) e, segundo
o costume (Mt 10.38), carregou pessoalmente sua cruz. Um seu discípulo africano, chamado Simão, de Cirene (região localizada
na Líbia, onde viviam muitos judeus), foi constrangido (em grego, engareusan – palavra que tem a ver com o costume militar
romano de obrigar os civis a entregar cartas) a seguir o caminho do Calvário, carregando a cruz de Jesus. Mais tarde, Simão e
sua família serviram à comunidade cristã que se formava (Mc 15.21; At 6.9; Rm 16.13).
10 A palavra Gólgota é a tradução latina do nome em aramaico da nossa palavra Calvário. Um monte fora dos muros de Jeru-
salém, que, visto de longe, se assemelha a uma caveira humana.
11 Jesus, Deus encarnado, foi cravado e erguido numa cruz entre o céu e a terra, fora da sua cidade amada, como sinal de
vergonha e horror, com uma acusação escrita nas três principais línguas da sua época. Posto entre dois criminosos, foi escar-
necido principalmente pelos mais religiosos e conhecedores das Escrituras. Cumpriram-se todas as profecias sobre o Messias,
notadamente as descritas por Davi no Salmo 22 (mil anos antes do nascimento de Jesus). Cristo morreu pelos nossos pecados
(1Co 15.3-4). Felizes são os que, humildemente, reconhecem esse fato.
12 Jesus foi crucificado às 9 horas da manhã (a terceira hora dos judeus da época, contada desde o raiar do sol). Ao meio dia (12
horas), densas trevas cobriram a terra. Às três da tarde Jesus expirou. As sete frases que Jesus pronunciou durante essas seis horas
de martírio, estão registradas na seguinte ordem: Lc 23.34; Jo 19.26-27; Lc 23.43; Mt 27.46; Jo 19.28; Jo 19.30 e em Lc 23.46.
13 Jesus, num último fôlego, brada em seu dialeto de família, aramaico nazareno, o início do Salmo 22. Chegamos ao mais
profundo do mistério da redenção. O Filho de Deus e Filho do homem experimenta a terrível e momentânea separação do Pai,
para que seu sacrifício pudesse ser aceito e consumado em resgate de todos os que nele cressem em todas as eras (2Co 5.21).
Os circunstantes não compreenderam bem essas palavras e deduziram que Jesus chamava por Elias.
14 Cristo não foi morto diretamente por alguém ou vencido por qualquer infecção (comum aos crucificados na época). Ele, vo-
luntariamente, e no auge do seu poder espiritual entregou a sua vida humana (Jo 19.31-37). Depois do seu brado de vitória, Jesus
explode seu próprio coração. Especialistas afirmam que foi por isso que, ao perfurarem seu lado com uma lança, imediatamente
verteu uma mistura de sangue coagulado e soro (este tem aparência de água). Esse quadro clínico ocorre nos casos de ruptura
ário rasgou-se em duas partes, de alto a qual ele próprio havia mandado cavar na
baixo. A terra estremeceu, e fenderam-se rocha. E, fazendo rolar uma grande pedra
as rochas.15 sobre a entrada do sepulcro, retirou-se.
52 Os sepulcros se abriram, e os corpos 61 Estavam ali, assentadas em frente ao se-
de muitos santos que haviam morrido pulcro, Maria Madalena e a outra Maria.
foram ressuscitados.
53 E, deixando as sepulturas, logo após a Pilatos manda vigiar o sepulcro
ressurreição de Jesus, entraram na cidade 62 No dia seguinte, isto é, no sábado,
santa e apareceram para muitas pessoas. reuniram-se os principais sacerdotes e
54 E aconteceu que o centurião e os que os fariseus e foram até Pilatos e argu-
com ele vigiavam a Jesus, vendo o terremo- mentaram:
to e tudo o que se passava, foram tomados 63 “Senhor, recordamo-nos de que aque-
de grande pavor e gritaram: “É verdade! É le enganador, enquanto vivia, prometeu:
verdade! Este era o Filho de Deus!”. ‘Passados três dias ressuscitarei’.
55 Estavam presentes várias mulheres, 64 Manda, portanto, que o sepulcro dele
observando de longe; eram discípulas, seja guardado até o terceiro dia, para que
que vinham seguindo Jesus desde a Ga- não venham seus discípulos e, raptando
liléia, para o servirem.16 o corpo, proclamem ao povo que ele
56 Entre as quais estavam Maria Mada- ressuscitou dentre os mortos. E esta der-
lena; Maria, mãe de Tiago e de José; e a radeira fraude cause mais dano do que a
mãe dos filhos de Zebedeu. primeira”.
65 Ao que ordenou Pilatos: “Levai con-
O sepultamento do corpo de Jesus vosco um destacamento! Ide e guardai o
(Mc 15.42-47; Lc 23.50-56; Jo 19.38-42) sepulcro como melhor vos parecer”.
57 Ao pôr-do-sol chegou um homem rico, 66 Seguindo eles, organizaram um siste-
de Arimatéia, por nome José, o qual havia ma de segurança ao redor do sepulcro. E
se tornado discípulo de Jesus. além de manterem um destacamento em
58 Teve ele uma audiência com Pilatos plena vigilância, lacraram a pedra.17
para pedir-lhe o corpo de Jesus, e Pilatos
ordenou que lhe fosse entregue. Jesus foi ressuscitado!
59 Então, José tomou o corpo e o envol- (Mc 16.1-8; Lc 24.1-12; Jo 20.1-9)
veu com um lençol limpo de linho.
60 E o colocou em um sepulcro novo, o 28 Tendo passado o sábado, ao raiar
do primeiro dia da semana, Maria
do pericárdio (o tecido celular que reveste o exterior do coração). Esse episódio anula uma teoria surgida no século XIX, a qual
tentando explicar a ressurreição, alegava que Jesus desmaiou nesse momento, para então despertar no túmulo.
15 Desde Moisés sempre houve, no santuário, uma cortina (véu) de tecido que separava o ambiente do Santo dos Santos (Êx
26.37; 38.18; Hb 9.3). Lugar sagrado onde ninguém podia entrar a não ser o sumo sacerdote, e este apenas no Dia da Expiação.
Este acontecimento foi trágico para os judeus, mas um grande sinal para os cristãos de todos os povos, culturas e épocas: Em
Cristo ficou abolida toda e qualquer separação entre o pecador arrependido (adorador) e Deus, nosso Pai (Jo 14.6). O fato de o
véu ter-se partido de alto a baixo, sem contato humano, demonstra que o próprio Senhor abriu um novo e vivo caminho para Sua
Santa presença (Hb 10.20; Ef 2.11-22). E muitos vieram a ser reconciliados para sempre com Deus (At 6.7).
16 Jesus sempre tratou as mulheres com o respeito e a dignidade que Deus requer, diferentemente da forma como os homens
as tratavam em sua época. Era proibido às mulheres aproximarem-se do crucificado. Aquela cena foi um escândalo. Várias dis-
cípulas seguiram o Senhor desde o início do seu ministério, na Galiléia, e permaneceram servindo até sua morte e novo começo
(28.1; Jo 20.11-18). O perfeito amor lança fora o medo (1Jo 4.18).
17 Dois juízes e membros do Sinédrio, que não compactuaram com a condenação de Jesus, José, da cidade de Arimatéia
(uma próspera aldeia montanhosa a cerca de 32 km ao noroeste de Jerusalém) e Nicodemos (Jo 19.38-39), cuidaram do sepul-
tamento de Cristo. Trataram das formalidades civis, das despesas, e proveram um túmulo novo (Is 53.9), nunca antes usado, que
pertencia a José de Arimatéia e localizava-se no monte do Calvário (Jo 19.41). Os líderes civis e religiosos, para evitar qualquer
tentativa de remoção do corpo e possível versão sobre a ressurreição do Mestre, violaram o sábado de Páscoa para tomar todas
as providências necessárias e vigiar a área do túmulo.
1 Conforme o horário judaico, o domingo começava logo após o pôr-do-sol do sábado. Lucas nos informa que Maria Madalena
e Maria, mulher de Clopas (Lc 24.1; Jo 19.25) saíram de madrugada, ainda escuro (Jo 20.12), para visitar o corpo de Jesus,
lamentar e ungi-lo com mais especiarias. Chegaram ao túmulo com os primeiros raios da aurora na esperança de que lhes fosse
autorizada a entrada para a continuação do ritual fúnebre (período de luto) judaico da época (Mt 28.1; Mc 16.2-3).
2 Deus manda seus anjos anunciarem o nascimento e a ressurreição de Jesus. Ele é concebido e ressuscitado pelo poder do
Altíssimo (Lc 1.35; Rm 6.4; Ef 1.20). Essas mensagens são comunicadas em primeiro lugar a mulheres devotas e humildes e que
receberam um nome simples, mas conhecido em todo o mundo: Maria (forma helenizada do nome hebraico Miriã, que foi derivado
de um antigo vocábulo egípcio Marye, e que significa: princesa, amada, mulher de esperança). O anjo não rolou a pedra para que
Jesus saísse do sepulcro, a pedra foi rolada para que as mulheres e, mais tarde, outras pessoas, entrassem e verificassem o túmulo
vazio, o selo (lacre estatal feito com cordas que envolviam a pedra e eram atadas ao sepulcro com as marcas de Roma e do Sinédrio)
rompido e nenhum outro sinal ou dano. Séculos mais tarde, expedições arqueológicas, como as organizadas pelo General Christian
Gordon, localizaram esse túmulo e confirmaram algumas alterações para acomodar um corpo maior do que o de José de Arimatéia
(segundo a tradição de baixa estatura). Contudo, análises físicas e químicas jamais atestaram qualquer vestígio de restos mortais na
sepultura. O túmulo era novo quando foi oferecido para sepultar o corpo do Senhor e continuou novo após sua ressurreição.
3 Agostinho (354-430 d.C.) observou: “Se acordados, por que permitiram a alguém raptar o corpo de Jesus? E, se dormindo,
como podiam declarar que foram os discípulos?” De qualquer modo seriam todos condenados à morte, não fosse o interesse dos
19 Portanto, ide e fazei com que todos os 20 ensinando-os a obedecer a tudo quanto
povos da terra se tornem discípulos, ba- vos tenho ordenado. E assim, Eu estarei
tizando-os em nome do Pai, e do Filho, e permanentemente convosco, até o fim
do Espírito Santo; dos tempos”.4
líderes religiosos judaicos em divulgar uma falsa versão sobre o desaparecimento do corpo de Cristo e levar a população a não
crer na intervenção divina, presenciada por soldados e discípulos, nas primeiras horas daquele domingo no monte Calvário.
4 Jesus recebeu todo o poder de Deus (em grego ) e do Senhor Ressuscitado parte a ordem plenipotenciária: Ide! (lite-
ralmente “indo”, em grego ~). Agora esse “envio” não é provisório, limitado e transitório como em Mt 10, mas definitivo,
ilimitado e permanente. Rompeu-se o estreitamento étnico das sinagogas e abriu-se a Salvação (comunhão com Deus) para
todos os povos, raças e culturas. A comunidade de Jesus que abrange o mundo inteiro substituiu a “velha aliança” pela “nova
aliança”, que congrega toda e qualquer pessoa cujo coração creia no Senhor para ser convertido em discípulo. Jesus ensinou e
demonstrou com a sua própria vida o que significa ser um discípulo do Senhor (obediência a Deus). A tríplice ordem missionária
(discipular, batizar e ensinar a discipular) é emoldurada pela garantia da onipresença de Jesus na alma daquele que crê (o crente).
A essência da Igreja de Jesus é que o Ressuscitado continua vivo e atuante no indivíduo e na comunidade. Ao orarmos, não é
mais necessário buscarmos a Deus nos céus, mas, sim, em nossos corações. A promessa da presença contínua de Deus é a
chave de ouro com a qual vários livros da Bíblia são concluídos (Êx 40.38; Ez 48.35; Ap 22.20).
Jesus, após ressuscitar, apareceu a várias pessoas em diversas ocasiões: a Madalena (Jo 20.11-18), a algumas discípulas
(28.9-10), aos discípulos a caminho de Emaús (Lc 24.13-33), a Pedro (Jo 21.15-19; Lc 24.34-35), a dez discípulos no Cenáculo (Jo
20.19), aos onze discípulos (Jo 20.24-29), a sete discípulos na Galiléia (Jo 21.24-29), aos onze no monte, na Galiléia (Mt 28.16-17),
a Tiago e a todos os apóstolos (1Co 15.7), a uma multidão no monte das Oliveiras (Lc 24.44-49), ao apóstolo Paulo (At 9.3-8).