Sunteți pe pagina 1din 8

78 M.

ANCONA-LOPEZ

PSICOLOGIA E RELIGIÃO:
RECURSOS PARA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

PSYCHOLOGY AND RELIGION:


RESOURCES FOR KNOWLEDGE CONSTRUCTION

Marília ANCONA-LOPEZ1

RESUMO

O desafio metodológico enfrentado pela Psicologia da Religião é o de


evitar o reducionismo de uma a outra. Manter um equilíbrio entre as
áreas, respeitando suas especificidades, exige uma abordagem
interdisciplinar que, discutindo aproximações e distanciamentos
conceituais e metodológicos, permita uma análise crítica dessa relação.
O pesquisador precisa movimentar-se entre as duas perspectivas
mostrando competência e capacidade para estabelecer pontes entre
elas. Esse diálogo permite a aproximação a fenômenos da religião,
como o da meditação. Essa prática, na exegese cristã, inclui movimentos
que se aproximam das propostas do método fenomenológico utilizado
em investigações psicológicas; no entanto, aproximações e diferenças
entre as duas propostas salientam a necessidade de diferenciação
semântica.
Palavras-chave: Psicologia da Religião, Método Fenomenológico em
Psicologia e Religião, Interface Psicologia e Religião.

SUMMARY

The methodological challenge faced by the Psychology of Religion is to


avoid the Reductionism. To keep a balance between the two areas,
considering their singularities, it is necessary a multidisciplinary approach
which, discussing conceptual and methodological approaches and
differences, leads to the possibility of a critical analysis of this relation.
The researcher has to move between the two perspectives, showing

(1)
Dra. em Psicologia Clínica na PUC-SP - Endereço para correspondência: Rua Pamplona, 237 apto 32 - Bela Vista.
CEP 01405-000, São Paulo, SP. - Telefax: (11) 289 5726 - E-mail: ancona1@terra.com.br

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 19, n. 2, p. 78-85, maio/agosto 2002


PSICOLOGIA E RELIGIÃO: CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO 79

competence and capacity to establish links between them. This dialogue


allows approaches of phenomenon, as the meditation practice. This
experience proposes movements that get closer of the phenomenological
method proposals, as used in psychological investigations. Approaches
and differences between meditation shown by christian exegetic and the
phenomenological method in psychology, allows to emphasize the
necessity of semantic differentiation.
Key words: Psichology of Religion Phenomenological method in
Psychology of Religion Psychology and Religion Interface.

INTRODUÇÃO assunto que escapa à sua competência


(Wulff,1997). Além disso, parte do princípio de
A Psicologia da Religião estuda os que é possível excluir os componentes
fenômenos religiosos como fenômenos da subjetivos do fazer científico.
cultura, constituintes do ser humano. Nesse
Quando, pelo contrário, o investigador
sentido examina, entre outros temas, as
submete as explicações psicológicas às
práticas, crenças e experiências religiosas.
crenças e afirmações religiosas, ele reduz a
Um de seus desafios metodológicos é perseguir
psicologia a religião. Não se ocupa mais em
o conhecimento traçando formas de trabalho
construir uma psicologia da religião, mas sim
que respeitem a especificidade do saber
em fazer uma psicologia religiosa, isto é,
psicológico e a singularidade das tradições
inclui a transcendência em seus trabalhos de
religiosas. Manter “um pé em cada campo”,
modo radical, organizando os fenômenos e
buscando o equilíbrio entre as duas áreas e
experiências em termos e valores decorrentes
evitando aproximações redutivas, é o desafio
da fé.
que o pesquisador enfrenta.
Entre essas duas posições extremadas,
A redução nos trabalhos de Psicologia
que inevitavelmente levam a uma distorção do
da Religião apresenta-se de duas maneiras.
objeto de estudo por ignorar suas múltiplas
Quando o investigador se apropria de um tema dimensões, a visão interdisciplinar procura
religioso para explicá-lo a partir de uma teoria caminhos que permitam construir pontes
psicológica, ele reduz a religião a psicologia. entre as áreas sem negar as diferenças
Considera que os fenômenos religiosos são entre elas.
expressões de processos humanos iguais a
Hardy (2001) discute a possibilidade de
quaisquer outros e os descreve sem nenhuma
uma metodologia interdisciplinar em Psicologia
referência aos termos da cultura religiosa que
da Religião, partindo de quatro pressupostos:
os identifica, desacreditando, implicitamente,
1. toda linguagem é metafórica e
seus significados específicos (Paloutzian,
organiza a experiência de modo a salientar ou
1996). Este reducionismo rejeita a noção de
diminuir alguns de seus aspectos;
que as religiões estão presentes na sociedade
como corpos de conhecimentos, crenças e 2. a ciência é um empreendimento
valores que incidem na subjetividade humana. humano e, portanto, submetido a influências
Radicaliza o princípio da exclusão da culturais, sociais e históricas e aos valores
transcendência que diz que os psicólogos da nelas implícitos;
religião não devem nem afirmar nem negar a 3. qualquer estudo defronta-se com as
existência independente do objeto religioso, aderências dos investigadores a crenças e

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 19, n. 2, p. 78-85, maio/agosto 2002


80 M. ANCONA-LOPEZ

pressupostos, sendo impossível uma total utilizados em estudos da Psicologia e da


neutralidade e uma separação entre sujeito e Religião, abordando a questão do uso da
objeto de estudo; meditação por psicólogos. A análise crítica
4. toda ciência, conseqüentemente, é comparativa, nesse caso, permite salientar a
limitada e implica em alguma forma de redução, possibilidade de apreender e compreender as
portanto os trabalhos científicos precisam experiências humanas, utilizando outros
envolver autocrítica e expor publicamente suas recursos que não apenas os exclusivamente
limitações. racionais. Em outras palavras, o processo de
Nesta perspectiva, aponta Hardy (2001), comparação do método exegético utilizado na
a Psicologia da Religião que não se quer religião cristã com o método fenomenológico
redutiva, precisa se afastar dos radicalismos e usado em psicologia possibilita olhar para o
procurar modelos para a compreensão da processo de meditação, esclarecendo a sua
dimensão religiosa que sejam compatíveis configuração.
com as duas áreas. Não se trata de afirmar ou O método científico clássico aponta a
negar uma realidade transcendente, mas de racionalidade como o único instrumento para
reconhecer a especificidade das experiências a produção de conhecimento, baseada na
consideradas transcendentes e estudá-la
observação e experimentação realizadas com
seriamente nas suas particularidades. Em
o máximo de neutralidade, ou seja, sem a
outras palavras, o objeto de estudo informa a interferência da subjetividade do sujeito-
metodologia e a torna específica. investigador. Os vários recortes necessários
Concordo com o autor quando diz que para a produção científica assim concebida
uma atuação não radical, nem redutiva, em obrigam o experimentador a construir sebes
Psicologia da Religião exige uma aproximação ao redor dos inúmeros modos de estar no
ao objeto de estudo esperando algo qualitativa- mundo e compreendê-lo, restringindo seu
mente diferente, se comparado a outros objetos próprio potencial para experienciar, apreender
de estudo da psicologia, mesmo que haja e conhecer os fenômenos que o rodeiam.
igualdades e sobreposições significativas. Criam-se espaços proibidos, considerados
irracionais, inadequados ao desenvolvimento
Considero, também, que é necessária, simulta-
da ciência, e as religiões, com toda a sua
neamente, uma aproximação ao fenômeno
riqueza simbólica e cultural, são colocadas
que alterne pontos de vista, isto é, o pesquisador
nesse espaço. Como em qualquer processo
precisa se movimentar entre as perspectivas
repressivo, aquilo que foi reprimido começa a
psicológicas e religiosas mostrando
vazar, a manifestar-se pelas bordas, a desenhar
competência em ambas (Ancona-Lopez,
um espaço fora da fala oficial. Assim é que
2001).
abundam na área da Psicologia as formas
São estas condições que permitirão
alternativas de aproximação aos fenômenos.
discutir em profundidade crescente as
Entre as várias práticas oriundas de campos
aproximações e diferenças entre Psicologia e
que não o da Psicologia, mas que aparecem
Religião em interessantes percursos de ida e
aliadas a ela, encontra-se a da meditação.
vinda entre as duas áreas.
O número de psicólogos que pratica a
meditação, que se interessa pela mesma e
A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO EM que a considera um instrumento que produz
PSICOLOGIA E EM RELIGIÃO um certo modo de conhecer, é significativo.
Tanto em relatos de pesquisas sobre temas
Considero neste trabalho a possibilidade religiosos, quanto em autores clássicos que
de aproximar caminhos metodológicos se dedicaram a estudos de vivências alteradas

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 19, n. 2, p. 78-85, maio/agosto 2002


PSICOLOGIA E RELIGIÃO: CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO 81

de consciência, como na literatura das justificativa inicial na história de Hüsserl e


abordagens emergentes da Psicologia, como torna viável pensar que este pensador, filho de
a Psicologia Transpessoal ou a Psicossíntese, um pastor protestante, lançou mão, no
encontram-se textos que se referem ao uso da desenvolvimento de seu trabalho científico, de
meditação em Psicologia como forma de conhecimentos e experiências assimilados
transformação e aumento de compreensão. Já em sua formação religiosa.
em 1978, Rogers afirmava a existência de um Reconhecer as aproximações não implica
novo e recente interesse por sonhos, o uso de em transferir conceitos e práticas de um campo
vários tipos de meditação (pág. 256). Tabone disciplinar para outro, mas em analisar
(1995), em seu livro Psicologia Transpessoal, criticamente as propostas nos dois âmbitos
diz: uma tendência, atualmente, se expande em diferentes níveis de profundidade e assim
na prática da psicoterapia transpessoal, o produzir conhecimento em Psicologia da
emprego da meditação. Este emprego se dá Religião. Este modo de trabalhar possibilita,
na relação terapeuta/cliente ou no uso individual ainda, integrar de modo sistematizado
do terapeuta, ou mesmo do cliente (pág.119). conhecimentos científicos e compreensões
E na obra de Arcand (1997), encontram-se presentes nas tradições que nos rodeiam.
referências a 61 trabalhos de pesquisas sobre
os efeitos da meditação em Psicologia. Apesar
desses trabalhos, no entanto, o tema ainda é
A EXEGESE BÍBLICA
pouco explorado e talvez por essa razão os
psicólogos que praticam a meditação e Os monges de Camaldoli, na Itália,
consideram seus benefícios evitam falar desse dedicam-se à exegese bíblica e sua
recurso em ambientes profissionais. competência nessa área é reconhecida no
Boainin (1998) diz que temas tabus meio religioso cristão. Periodicamente
despertam a curiosidade científica em ministram cursos para formação de novos
psicólogos inovadores. E ao estudar Rogers exegetas. Em um desses cursos, em 1986,
aponta que este autor, em vez de se Gargano fala dos movimentos necessários
escandalizar com o que observava, procurava para a interpretação dos textos bíblicos. O
se aproximar dos fenômenos e compreendê- primeiro deles é o da meditação.
los. Acredito que essa é a atitude necessária Para ensinar aos novos exegetas o que é
para empreender estudos nas áreas menos a meditação, Gargano apresenta a seguinte
exploradas pela psicologia. Já em 1994 afirmei: metáfora, que pertence à tradição secular
a observação do volume de práticas extra- rabínica.
oficiais em nossa época exige essa proble-
A Torá (sagrada escritura) assemelha-se
matização (Ancona-Lopez, 1994, pág 57).
a uma linda mulher que vive escondida em um
Tanto o termo meditação quanto a sua aposento do seu palácio. Ela tem um amor
prática pertencem a tradições religiosas. O secreto. O homem que ela ama, e que a ama
esforço inicial de estabelecer uma relação também, passa horas diante do palácio
entre esse conceito e a área da Psicologia observando atentamente todos os movimentos,
parte do reconhecimento de uma similaridade procurando vê-la. Ela sabe que ele está lá e por
entre o que é chamado meditação nas religiões isso, às vezes, abre a janela de seu quarto, só
cristãs e os movimentos propostos pelo método um pouquinho. Por alguns instantes deixa
fenomenológico, como apresentado inicial- entrever o seu vulto, mas logo se esconde de
mente por Hüsserl e assimilado posteriormente novo. Se houver outras pessoas diante do
pelas ciências humanas, entre elas a palácio, dificilmente conseguirão vê-la, mas
Psicologia. Similaridade que encontra uma ele a vê e se sente cada vez mais atraído por

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 19, n. 2, p. 78-85, maio/agosto 2002


82 M. ANCONA-LOPEZ

ela e tem a certeza, em seu coração, em sua O segundo movimento assemelha-se à


alma e em todo o seu ser, que é por amor a ele atividade da abelha. Trata-se de retirar mel das
que ela se mostra por uns momentos. Assim palavras. Elas precisam ser trabalhadas,
é a palavra da Torá, ela se revela apenas aos reviradas de todas as formas possíveis e com
seus amantes. De início, ela deixa apenas todas as técnicas ao dispor até que algumas
vislumbrar sua beleza, mas, depois que ele a luzes surjam. Uma palavra faz lembrar uma
enxerga, ela começa a chamá-lo sutilmente. imagem, um personagem, um sentido
E, quando sabe que ele é capaz de ouvi-la, ela etimológico, associa-se a um ou outro texto, e
envia mensageiros para dizer: se você ouviu o esse trabalho começa a dar fruto. Nessa fase
meu murmúrio, venha para que eu possa lhe da meditação é preciso deixar-se atingir pelas
falar. Quando, finalmente, ele se aproxima palavras e estabelecer com elas um encontro
dela, ela começa a falar de forma mais clara, pessoal. Elas começam a se amalgamar entre
por detrás de seus véus, acostumando-o com si e a formar um sentido, para além do
sua linguagem. Ela transmite palavras conhecimento pessoal, e começa a mostrar
alegóricas, envoltas em luz. São palavras que uma possibilidade de interpretação.
introduzem o amado nos mistérios divinos e é A terceira fase realiza o trabalho da
somente quando ele se familiariza com essa peneira. É um trabalho de esclarecimento, em
linguagem que ela se revela face a face. Esse que há um confronto e um ajuste de
homem torna-se então um mestre, ou seja, o interpretações que estabelece um contorno e
esposo da Torá, para quem ela não esconde desenha uma compreensão. A luz dela
nada, mostra todos os segredos e para quem resultante invade a pessoa como uma espada
diz: veja quanta coisa havia por detrás daquele luminosa que a atravessa totalmente. Nesse
simples sinal que eu lhe dei quando entreabri momento, para Gargano, a meditação pode
a janela. E ele compreende, então, o significado transformar-se em oração assumindo
das palavras da Torá como se elas estivessem diferentes formas.
todas juntas diante dele. Palavras às quais ele
Assim, na meditação, o primeiro
não pode acrescentar ou subtrair uma única
momento é o da colheita, o segundo o do
letra.
amadurecimento e o terceiro o da iluminação
É apenas nessa relação de amor que se que tem um efeito transformador.
pode compreender a Torá, diz Gargano. O
sentido que se extrai dela depende da
capacidade de amá-la e o caminho que permite O MÉTODO FENOMENOLÓGICO
estabelecer essa relação de amor é o da
meditação. Ela se compõe de três movimentos. Hüsserl procurou estabelecer a Filosofia
O primeiro movimento é de escuta. É no como uma ciência de rigor e partiu do conceito
silêncio e na solidão que se pode entrever de intencionalidade mostrando a indisso-
algum sentido, ou seja, perceber o murmúrio ciabilidade da consciência e do objeto
ao qual a metáfora da Torá se refere. Isto intencionais e a sua constituição unívoca.
significa buscar um local exterior e interior que Esta unicidade resulta na participação da
permita escutar as palavras e colocá-las dentro subjetividade do pesquisador na produção de
de si, mesmo sem ainda compreendê-las. É conhecimento. Apesar de a proposta de Hüsserl
um movimento de recolhimento que permite incluir a afetividade nesta participação, ela se
ouvir murmúrios e guardar as palavras em seu caracteriza por um racionalismo, isto é, um
coração para, em seguida, deixar-se abraçar incessante movimento de elucidação que
pelo silêncio. É um trabalho de formiga que procura, através de uma seqüência de reduções,
guarda e armazena. atingir a essência da constituição intencional.

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 19, n. 2, p. 78-85, maio/agosto 2002


PSICOLOGIA E RELIGIÃO: CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO 83

Essência que não é anterior à existência, mas As pesquisas fenomenológicas em


constituída no campo intencional (Hüsserl, psicologia trabalham a maior parte das vezes
1935). com relatos de experiências, orais ou escritas.
A afirmação da intencionalidade como A descrição da análise desses relatos pelos
limite de conhecimento, que impede a pesquisadores mostra procedimentos comuns.
aceitação de um mundo “em si” e substitui Trata-se, em primeiro lugar, de ler e reler os
“real” por “fenômeno”, colocou em pauta a textos, tantas quantas forem necessárias para
questão dos sentidos e da interpretação. mergulhar nos mesmos, conhecer suas
Conseqüentemente, o desenvolvimento da nuances, explorar as relações, os termos
fenomenologia, principalmente com as usados, deixar-se atingir por ele. É possível,
contribuições de Heidegger, desembocou na em seguida, trabalhar o texto separando
unidades de significado, agrupando-as,
discussão da hermenêutica e envolveu autores,
organizando categorias, estabelecendo um
entre os quais Bultman e Ricoeur, que
relato descritivo de seu conteúdo ou
consideravam em seus trabalhos as posições
expressando-o através de uma narrativa.
exegéticas e religiosas. A influência do
Atividade que, amadurecendo, permite que se
judaísmo é evidente em Hüsserl, de tal modo
organize uma figura, uma gestalt na qual os vá-
que os primeiros escritos da fenomenologia
rios significados se organizam entrelaçando-se
são eivados de termos religiosos. Ele associa, e formando um desenho que revela um dos
entre outros, os efeitos da redução à conversão modos possíveis de compreensão do fenômeno.
religiosa e a busca das essências à meditação
infinita (Hüsserl, 1935). Essa influência, aliada Forghieri (1993) descreve esses
aos questionamentos privilegiados pela movimentos quando relata o seu próprio modo
fenomenologia - possibilidade de afirmar ou de trabalhar em uma de suas pesquisas:
negar o transcendente, abertura do campo inicialmente li o relato inteiro de cada sujeito,
intencional, universalidade da essência, procurando me envolver e penetrar na sua
vivência, dele sentindo-me próxima... Depois,
existência de um sentido, condições de
fiz uma releitura de cada um dos tipos de
interpretação -, formou um tecido propício ao
vivência, separadamente, de acordo com a
diálogo da Fenomenologia com a Religião.
seqüência na qual foram descritos pelo sujeito
Em outro interessante movimento e me detive em cada parte do relato...Ao me
interdisciplinar, os discursos fenomenológicos deter, procurei envolver-me na vivência do
desenvolvidos no âmbito da Filosofia tiveram sujeito ou nela penetrar para captar,
seus efeitos na Psicologia. Embora a intuitivamente, o seu significado para ele
passagem dos conceitos de uma área para a (pág. 65). Ela afirma que o pesquisador precisa
outra nunca tenha sido claramente resolvida, é abrir-se à vivência que quer conhecer,
inegável a apropriação das discussões da estabelecendo com ela uma profunda sintonia,
hermenêutica pelas psicanálises e do método ou seja, nela se envolvendo. Apenas então
husserliano pelas pesquisas fenomenológicas poderá trabalhar sobre o relato mantendo um
em psicologia. O método fenomenológico, distanciamento reflexivo. Nesse movimento,
amplamente utilizado pelas correntes para compreendê-lo, relaciona-o à sua própria
humanistas, pela gestalt e pelas psicologias vivência e à de outras pessoas, reflete sobre
fenomenológico-existenciais passou a ser tudo isto (pág. 61).
entendido como um conjunto de movimentos A mesma atitude é expressa por Day e
que permite compreender as experiências Naedts (1994): quando encontramos uma
psicológicas e construir os seus significados. pessoa em uma entrevista de pesquisa, ou
É assim que o tratamos neste artigo. temos que lidar com o texto que foi gravado

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 19, n. 2, p. 78-85, maio/agosto 2002


84 M. ANCONA-LOPEZ

nesse encontro estamos engajados em um semelhantes em suas investigações, mas a


processo de conversação com o texto, que é diferença incidirá na interpretação e no valor
dialógico (...) Achamos melhor considerar que atribuído aos resultados.
os textos são lidos apropriadamente quando A análise das proximidades e diferenças
eles são lidos responsavelmente; quando eles entre as duas propostas permite outras
são lidos e relidos... (pág. 175). considerações sobre o tema da meditação.
O caminho da meditação, como proposto
por Gargano, explicita um conjunto de
PROXIMIDADES E DISTANCIAMENTOS
habilidades a serem desenvolvidas e descreve
os modos de fazê-lo. Meditar significa buscar
Em uma primeira análise, a metáfora da
o silêncio interior, desenvolver a escuta, a
Torá é muito similar às propostas fenomeno-
atenção, o cuidado. Essas habilidades são
lógicas. Dizer que o amado fica às grades do
consideradas pela psicologia, mas esta não
palácio observando todos os movimentos,
guarda em si as palavras da Torá para depois propõe uma prática que as abarque e
desenvolva. Assim, se alguns psicólogos
trabalhá-las e deixar que se revelem é
meditam no sentido religioso, é possível que
semelhante a dizer que o pesquisador deve ler
outros meditem no sentido laico, isto é,
e reler o texto atentamente, confrontá-lo com
realizem uma prática que busca desenvolver
a própria vivência e trabalhá-lo reflexivamente
recursos próprios úteis ao trabalho psicológico.
até que ele se organize e possa ser expresso
em uma narrativa. Os dois discursos, enfim, Esta observação mostra a necessidade de
desenvolver pesquisas que trabalhem a
propõem um mergulho no texto, um
distinção semântica entre as áreas, facilitando
envolvimento com o mesmo, o estabelecimento
a cada um delimitar com clareza o lugar de sua
de uma relação laboriosa, dedicada e íntima.
ação e nomear adequadamente a sua prática.
As similaridades, no entanto, não podem
A análise comparativa possibilita, ainda,
ser confundidas com identidade.
dar visibilidade aos aspectos afetivos presentes
Diferenças fundamentais podem ser na produção do conhecimento. Gargano,
observadas. A fenomenologia coloca o coerentemente com a sua tradição cristã,
conhecimento em uma esfera intencional e anuncia a importância do amor na produção do
afirma a impossibilidade de transcender esse conhecimento e, de forma poética, explicita o
espaço. O exegeta cristão fala de uma palavra aspecto afetivo emocional presente na relação
que tem origem divina. Se a fenomenologia do exegeta com a Torá. Amor expresso na
busca o conhecimento de um sentido dedicação do tempo, da atenção, do interesse,
construído na existência, para Gargano o da procura e que concretiza uma relação que
conhecimento é o alcance de um sentido ultrapassa aspectos meramente intelectuais.
último, que é a própria razão da existência. Estas qualidades estão implícitas na descrição
Trata-se, portanto, de colocações originadas da investigação fenomenológica, mas são
em diferentes contextos, escritas com objetivos menos valorizadas, já que o trabalho se
diversos e que assumem pontos de partida desenvolve em um contexto que enfatiza, acima
divergentes no que diz respeito aos conceitos de tudo, a racionalidade.
de mundo, de homem e de conhecimento. Os No entanto, o movimento de amor
fenomenólogos ouvem um texto buscando a apontado por Gargano pode ser reconhecido
constituição de um fenômeno, os exegetas nas relações propostas para o desenvolvimento
cristãos ouvem o texto buscando a voz de do conhecimento fenomenológico: dedicar-se
Deus. Fenomenólogos e exegetas seguem ao objeto de estudo, ouvi-lo, escutá-lo, entregar
caminhos paralelos e podem obter resultados a ele o seu tempo, esvaziar-se diante do

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 19, n. 2, p. 78-85, maio/agosto 2002


PSICOLOGIA E RELIGIÃO: CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO 85

mesmo, deixar-se afetar são termos freqüentes ARCAND, M. (1997). S‘initier à la méditation.
nos discursos sobre as práticas e pesquisas Paris, Le Jour.
psicológicas e implicam em mobilizações de
BOAINAIN JR, E. (1998). Tornar-se
sentimentos, abertura e acolhimento do que Transpessoal: Transcendência e
queremos conhecer. A análise comparativa Espiritualidade na Obra de Carl Rogers.
salienta a importância de acrescentar calor e São Paulo, Summus Ed.
afeto como componentes do trabalho de
produção de conhecimento e lembra que os DAY, J. M. & Naedts, M. H. L. (1997). A
atos de apreender e aprender envolvem também Reader’s Guide for Interpreting Texts of
Religious Experience: a Hermeneutical
o coração.
Approach. In J. A. Belzen (ed.)
Afinal, Hüsserl sempre afirmou a Hermeneutical Approaches in Psychology
impossibilidade de separação entre sujeito e of Religion. Ed. Rodopi, Amsterdam.
objeto e o sujeito não pode ser pensado apenas
FORGHIERI, Y. C. (1993). Psicologia Fenome-
como racionalidade. A unicidade do
nológica: fundamentos, método e
pesquisador com o seu objeto de estudo envolve
pesquisas. São Paulo, Pioneira.
o investigador em toda a sua subjetividade:
sua razão, seu corpo e seu afeto e a “meditação” GARGANO, I. (1996). Natureza, Pressupostos
surge como possibilidade de trabalho sobre e Critérios da Lectio Divina. Círculo de
todos esses aspectos. O que seu uso nos conferências sobre a Lectio Divina,
sugere é que, talvez seja importante, em termos Camaldoli, 30 junho a 5 de julho de 1986,
metodológicos, dedicar maior cuidado ao modo fita gravada cedida pelas Irmãs da Consolata,
como nossas disposições afetivas, para não São Paulo.
dizer “como o amor”, facilitam ou dificultam, HARDY, D. S. (2001). Radical Reductionism
cerceiam ou potencializam nosso modo de in the Psychological Study of Religion:
conhecer. É nessa mobilização de afetos que prospects for an alternative critical
podemos encontrar a forma única de methodology. Annual Meeting of the
compreender o mundo e contribuir de forma International Association for the Psychology
pessoal para o aumento do conhecimento of Religion, Soesterberg, The Netherlands,
psicológico. 28-30 de setembro de 2001.

HÜSSERL, E. (1935/1976). La crise dés


sciences européennes et la phénoménologie
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
transcendantale. Ed. Gallimard,Paris.
ANCONA-LOPEZ, M. (1996). Caminho de PALOUTZIAN, R. F. (1996). Invitation to the
Acesso à Análise Crítica das Práticas psychology of religion. Boston, Allyn &
Psicológicas Alternativas. Anais do VI Bacon.
Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio
Científico da ANPEPP, Teresópolis, RJ. ROGERS, C. (1978). Sobre o poder pessoal.
São Paulo, Martins Fontes.
ANCONA-LOPEZ, M. (2001). Marisa: a
psychologist’s difficulties in connecting TABONE, M. (1995). A Psicologia
religious life with professional practice. Transpessoal. São Paulo, Cultrix.
Annual Meeting of the International
Association for the Psychology of Religion WULFF, D. M. (1997). Psychology of Religion:
- Post Conference, Maarchen, The classic and contemporary. New York, John
Netherlands, 01-02 de outubro de 2001. Wiley & Sons.

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 19, n. 2, p. 78-85, maio/agosto 2002

S-ar putea să vă placă și