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«Não há uma via rápida filosófica na ciência, com placas (de trânsito) epistemológicas.
Não, estamos numa selva, e encontramos nosso caminho por tentativa e erro, construindo
nossas estradas atrás de nós conforme prosseguimos. De fato, não encontramos placas na
encruzilhada, porém nossos próprios escoteiros as erguem, para ajudar os outros»1
Max Born, 1943
A obra de Jakob von Uexküll, desde sua primeira publicação, em 1909, Umwelt
und Innenwelt der Tiere, até sua morte, em 1944, é permeada pela observação e busca de
discernimento dos mundos fenomenais, ou universos subjetivos dos animais. Através da
observação precisa das relações organismo-mundo, Uexküll pôde contrariar a interpretação
mecanicista da biologia de sua época, que basicamente pensava o animal como um sistema
maquínico que se dava num processo de inputs/outputs.
7 Onto-Ethologies, The Animal Environments of Uexküll, Heidegger, Merleau-Ponty and Deleuze, p.14.
vivos respondem a sistemas de leis físicas e macânicas de forma passiva. Os organismos vivos
são dotados de poder de engendrarem suas próprias leis e determinações, por regras autônomas.
Em vez de um mundo de leis físicas naturais eternas, Uexküll faz-nos ver que o sujeito, humano
e animal, é, de fato, o legislador do seu mundo. Para além das leis da física que regulam o
mundo “lá fora” deve-se relevar as leis subjetivas de cada organismo que seguem um plano. E é
precisamente a junção desses dois domínios que Uexküll denomina de Umwelt.
Uexküll recebe com desconfiança a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin.
Com várias referências à música em sua obra, Uexküll pensou numa organização harmônica do
mundo, num plano (Planmässigkeit). Cada organismo seria um tom que ecoa sobre o ambiente
e os outros organismos. Daí Uexküll “descobrir” que a geração e a comunicação de signos, no
mundo animal, pode ocorrer numa base puramente instintual. Apesar de Uexküll apresentar certa
resistência em face às teorias de Charles Darwin, uma teoria da evolução parecia ser fundamental
para a compreensão do conceito de Umwelt. Em vez da teoria da evolução de Darwin, Uexküll
preferiu atribuir um plano autônomo à Natureza, que garantisse a constituição única de cada
organismo. Exatamente a esse plano da natureza que Sebeok buscará explicações sofisticadas
em seu estudo interdisciplinar da biosemiótica, que estabelece pontes entre os estudos da
significação e a biologia: um «projeto que tem como objetivo nada menos que uma explicação
de como a experiência subjetiva do organismo, entendido diferentemente pela constituição
biológica particular de cada espécie - jogará um papel causal na atual co-organização da
natureza».8
Ao defender o microcósmos que cada organismo detém, Uexküll está contrariando a
antiga interpretação mecânica que tomava um ser vivo como um aparato técnico com fins de se
perpetuar. Em vez disso, Uexküll entende os organismos como a reunião de um aparato sensitivo
e um motor, que a todo momento percebe, ao mesmo tempo que age no mundo. Estes “dois
mundos” que qualquer organismo está imerso, que é o mesmo mundo porém ora como percebido
(Merken) ora como aquele que o organismo age sobre (Wirken), é o que Uexküll chamará
Umwelt.
Analisando a noção de Umwelt mais detidamente, vemos que o conceito já aparece
no título de uma monografia de Uexküll datada de 1909, Umwelt und Innenwelt der Tiere
(aproximadamente: O meio-ambiente e o mundo de dentro dos animais), em que podemos notar
Vemos emergir dessa teoria um modelo intersubjetivo da natureza. Perguntar pelo mundo
biológico é considerar as complexas relações entre os Umwelts dos animais. Ainda mais, em
Uexküll, um organismo que percebe e age no mundo necessita de um “dueto”, de outro ser vivo
que o complemente. Por isso o interesse em significação ser fundamental nas obras tardias de
Uexküll, o que o coloca como o principal arquiteto do que é hoje conhecido como biosemiótica.
A biologia assume então a função de descrever como o significado é gerado através
de interações entre diversos animais e seus respectivos mundos. Nesse ponto cabe a seguinte
observação: Uexküll conheceu pessoalmente Ernst Cassirer, que pode ter exercido considerável
influência sobre a questão dos signos. Os organismos são sistemas interpretantes e geradores de
signos e a natureza revela a intrincada rede de relações que daí surgem. No exemplo que demos
do carrapato, o mamífero aparece como um signo, que é interpretado, resultando de uma ação
específica. Os tons de ambos os animais se complementam, gerando significação num dueto.
Podemos vislumbrar a ontologia que se cria como pano de fundo a todas essas análises.
Um exemplo interessantíssimo para concluir nossa aproximação a Uexküll. Num livro
tardio chamado Teoria do Significado, Uexküll toma em consideração uma aranha que está
fazendo sua teia. De alguma forma, diz Uexküll, a aranha prevê o voo de algo, e, como algo que
voa ela também, constrói seu aparato de caça. Captando de alguma forma a melodia do voo, a
aranha antecipa-o. A aranha adaptou-se, instintivamente, a um signo presente em seu Umwelt e,
por isso, é bem-sucessida na previsão do voo. A estrutura do corpo da aranha é capaz de predizer
a aparição de um significante. Há algum tipo de intencionalidade em ação no animal? Sem
dúvida, no mínimo ao nível do movimento do corpo. Nesse cenário, as substâncias inorgânicas
também são relevadas na constituição de cada Umwelt, não somente materialmente falando, mas,
também, como forças: a temperatura, barulhos, etc.
Charles Sanders Peirce foi um químico, astrônomo, matemático e lógico que influenciou
decisivamente a história da ciência contemporânea. As relações de “signos” para Peierce
são: «uma espécie de gênero alargado de relações as quais a potencialidade se torna atualizada,
e o atualizado interage com outras “atualidades” da mesma forma, de forma que um padrão
é gerado.»12 Peirce buscou incessantemente assegurar uma teoria da ciência e uma teoria
da racionalidade, daí a necessidade de uma teoria dos signos, com primazia sobre qualquer
estabelecimento de uma lógica formal. Peirce legou-nos uma obra imensa, com mais de 80.000
páginas escritas, em vários domínios do conhecimento. O que levaremos a cabo aqui, como é
BIBLIOGRAFIA
UEXKÜLL, J. von (1920/28): Theoretische Biologie. 1. Aufl. Berlin, Gbr. Paetel/ 2. gänzl. neu
bearb. Aufl. Berlin: J. Springer.
_____________ Streifzüge durch die Umwelten von Tieren und Menschen (with Georg
Kriszat). Geibungsyoin Verlag, 1934.