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Artigo

A educação no período colonial:


o sentido da educação na dominação das almas. *
Jerusa da Silva Gonçalves Almeida*
Gilson Ruy Monteiro Teixeira**

RESUMO
O presente estudo procura compreender o sentido
do empreendimento colonial jesuítico, no seu aspecto
educacional, enfocando a rápida difusão do ensino jesuítico PALAVRAS-CHAVE: Período colonial,
no Brasil Colônia e o conteúdo cultural de que se faziam
educação brasileira, Companhia de Jesus,
portadores os padres da Companhia de Jesus. Para tanto,
realiza-se uma breve reflexão histórica acerca dos objetivos formação e dominação das almas, expulsão
práticos da ação educacional jesuítica com a finalidade de dos Jesuítas, cultura brasileira.
suscitar uma discussão em torno da compreensão da
educação como dominação das almas.

INTRODUÇÃO brasileiros, em sua maioria, possui acerca da sua


própria história.
O que significa fazer um exame do passado? Nesse caso, as máquinas do tempo, possíveis
Pensar a história exige, além de correlações apenas na ficção, seriam úteis, agora, para que
refinadas, a maturação de um foco compreensível pudéssemos examinar de perto, sem os riscos que
acerca do processo dinâmico que a própria história esses fatos tão distantes apresentam ao
se encarrega de estabelecer; incluindo as pesquisador, a chamada educação no período
capacidades de abstrair e concretizar, ao nos colonial, desde a vinda da Companhia de Jesus ao
confrontar com um tempo e com um espaço que Brasil em 1549, até a sua expulsão pelo marquês
não nos é familiar, e uma vigilância constante para de Pombal em 1759.
evitar o tão costumeiro presentismo. Afinal, ensinar Embora o plano deste exame tenha por
a história afirmando que o presente é o que é, objetivo o desenvolvimento de um tema acerca da
porque o passado foi desse ou daquele modo, obra missionária, educativa e política, empreendida
parece não fazer mais sentido, quando nos pelos jesuítas, torna-se necessário observar que a
propomos a admitir as diferenças, reconhecendo análise pormenorizada das condições da vida social
que tudo aquilo de que dispomos foi historicamente na metrópole e na colônia, com todas as suas
produzido, e como último desafio aos que se variáveis históricas, escapa ao âmbito deste estudo.
aventuram, neste país, a examinar o passado, não Apenas pretendemos pensar a educação a partir
podemos deixar de destacar a necessidade de do marco da história da educação no Brasil: o
constante superação da formação precária que nós, sistema educacional fundado pelos jesuítas.

* Mestranda do Programa de Pós-graduação em educação: história, política, sociedade, da PUC/SP. Professora da


Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB.

** Mestrando do Programa de Pós-graduação em educação: história, política, sociedade da PUC/SP. Professor da Universidade
da Amazônia – UNAMA.

38 Trilhas, Belém, v.1, n.2, p. 56-65, nov, 2000


Por se tratar de um estudo voltado para o logo substituídas pela cultura alienada dos jesuítas.
processo educacional desenvolvido pelos jesuítas, Mas, por que encarar o sistema educacional
achou-se de bem verificar o tempo de existência implantado pela Companhia de Jesus como
da Companhia de Jesus no Brasil. Ficamos possuindo um conteúdo alienante? Antes de
perplexos diante do poder de conquista deste considerarmos de perto esta questão, é importante
grupo, que durante 210 anos não relegou suas observar que os jesuítas, desde as suas origens,
funções como dominadores espirituais, ancorando tomaram uma posição de vanguarda, em defesa
a sua linha curricular de forma muito competente, da Igreja, “ocupando uma posição proeminente nas
por fazer maciço investimento na erudição de seus lutas que se travavam na Europa contra a Reforma
alunos. Seriam os padres jesuítas meros e o ‘modernismo’ que esta representava” (Werebe,
controladores das mentes de brancos, índios e 1997, p. 21).
mestiços? Parece-nos que o controle das almas Cabe aqui, no entanto, analisar algumas
exigia extrema habilidade, pois era preciso, conseqüências decorrentes da posição assumida
mediante o ensino, manter inabalável a estrutura pelos padres jesuítas. Como sabemos, a posição
da sociedade nascente com a predominância de da Companhia de Jesus sempre foi a de
uma minoria dominante sobre um grande número restauradora do dogma e da autoridade. Sendo
de escravos e agregados. No dizer de Sodré assim, a repulsa às atividades inovadoras,
(1994): trouxeram-nos alguns prejuízos, claramente
O ensino jesuítico, por outro lado, expostos por Fernando de Azevedo (1997)
conservado à margem, sem aprofundar a
sua atividade e sem preocupação outras ... O livre exame, o espírito de análise e de
senão as do recrutamento de fiéis ou de crítica, a paixão da pesquisa e o gosto da
servidores, tornava-se possível porque não aventura intelectual, que apenas
perturbava a estrutura vigente, amanheciam na Europa, teriam, sem
subordinava-se aos imperativos do meio dúvida, alargado o nosso horizonte mental
social, marchava paralelo a ele. Sua e enriquecido, no campo filosófico, a nossa
marginalidade era a essência de que vivia cultura que ficou sem pensamento e sem
e se alimentava. (p. 17). substância, quase exclusivamente limitada
às letras. (p. 508).
Contudo, a nossa inquietação nos leva a
perguntar: de que lado estavam os jesuítas? É Com a rápida difusão do ensino jesuítico,
possível pensar a história como um campo minado parece-nos que a sociedade colonial esteve, durante
invadido por “mocinhos e bandidos”? Quem sabe, todo o período de permanência da Companhia de
refletindo acerca das bases do ensino jesuítico, Jesus, no Brasil, afastada das atividades criadoras
possamos entender um pouco melhor os motivos que se faziam presentes na Europa, reduzida,
que tornam tão esgaçada a rede de relações que portanto, ao domínio intelectual dos jesuítas –
constitui a nossa cultura. padres avessos à liberdade e defensores da
Os dados históricos permitem-nos concluir autoridade. Poderiam esses homens serem vistos
e supor que, subordinando-se aos imperativos do como os inventores de um triste começo para a
meio social, o sistema educacional dos jesuítas, história da educação no Brasil? É necessário
“completamente alheio à realidade da vida da destacar, como já salientado nesta introdução, que
colônia” (Romanelli, 1997, p. 35), pôde o ensino ministrado por esses padres mostrava ser
permanecer inviolável, fortalecendo, assim, as “uniforme e neutro” (Romanelli, 1997, p. 34).
fileiras de fiéis e servidores. O seu papel Desse modo, como encarar a Companhia de Jesus,
conservador possibilitou que culturas inteiras, cuja cultura, numa época em que florescia na
como aquelas pertencentes às comunidades Europa idéias modernas, era de respeito à tradição
primitivas indígenas, fossem esmagadas, sendo escolástica?
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É importante assinalar que “a ‘cultura Nesse caso, não poderíamos deixar de
brasileira’ não podia ser considerada ‘nacional’, recorrer, mais uma vez, a Fernando de Azevedo,
pois tendia a espalhar sobre o conjunto do território pois na tentativa de organizar a leitura do Brasil e
e sobre todo o povo seu colorido europeu” (Sodré, a leitura da educação em sua obra, A cultura
1994, p. 15). brasileira, o autor construiu o paradigma da
Deve-se ter em conta, por outro lado, que educação brasileira. Ao fazer as primeiras
“a instrução em si não representava grande coisa considerações sobre o sentido da educação
na construção da sociedade nascente” (Romanelli, colonial, Azevedo (1996) nos acrescenta:
1997, p 34). Sendo o “ensino destinado a formar
uma cultura básica, livre e desinteressada, sem Quando naquele ano seis jesuítas aportaram
à Bahia com o primeiro governador-geral
preocupações profissionais e igual, uniforme em Tomé de Souza, não tinha mais de nove anos
toda a extensão” (Azevedo citado por Sodré, 1994, de existência canônica a Companhia de Jesus
p. 15), percebe-se, dessa forma, que os jesuítas, (...) e que, apenas confirmada em 1540 por
inclinados a satisfazer o ideal europeu, forneciam, Paulo III, se dispersava, no continente
exclusivamente, aos elementos das classes Europeu, em missões de combate à heresia
e, além dos mares, à propaganda da fé entre
dominantes uma educação clássica. “E assim se os incrédulos e à difusão do evangelho por
iniciou a educação no Brasil, respondendo aos todos os povos. (p. 495).
interesses políticos da metrópole e aos objetivos
religiosos da Companhia de Jesus” (Werebe, 1997, Interessante observar que antes de sua vinda
p. 21). Não se trata, portanto, de uma simples ao Brasil, os jesuítas ligados entre si e à Igreja
invenção de um começo difícil para a história da Católica por uma disciplina extremamente
educação no Brasil. rigorosa, já desbravavam terras à procura de novos
Como se pode perceber, interessa-nos saber seguidores. Parece-nos que a função militar desses
com que propósito, a Companhia de Jesus veio ao homens esteve todo tempo visível aos seus olhos.
Brasil, além de considerar os objetivos práticos da Os fatos históricos apresentados por
sua ação missionária. Outro desafio que emerge Azevedo ajuda-nos a entender que estamos lidando
do nosso estudo diz respeito ao contato com o com algo muito maior – o poder da Igreja.
“estranhamento”, pois, como já salientado, é Observamos que a conversão e o combate à heresia
preciso ter coragem para ir a um tempo e um eram atividades específicas da Companhia de Jesus.
espaço que não nos é familiar. Nesse sentido, Viviam a serviço da Igreja, divulgando seus dogmas
pretendemos, mediante reflexões acerca das muitas e dispostos a todos os sacrifícios. Neste caso, os
questões levantadas neste texto, desenvolver com dados apresentados na citação ajudam-nos a
clareza o tema proposto. compreender a posição assumida pelos jesuítas,
no período em que a reforma protestante passou a
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DOMINAÇÃO espalhar pela Europa o gosto pela independência
DAS ALMAS NO PERÍODO COLONIAL. do espírito. Desse modo, a luta feroz da Companhia
de Jesus contra a Reforma, deixa-nos uma pista
Grupo organizado, homens intrépidos, bastante interessante.
determinados, zelosos, soldados de Cristo – os Sobre essa base, o movimento protestante,
jesuítas. Que sentido emprestaram à educação no longe de proibir o espírito crítico, o exigia, o que,
Brasil? É o que passaremos a enfocar, daqui para sem dúvida, atingia frontalmente o poder da Igreja.
a frente. As dúvidas pairam sobre nossas cabeças. A autoridade e a disciplina estavam sendo postos
Sentimos fortemente a necessidade de pensar a à prova pelo protestantismo; e o espírito da
história, contextualizando-a. Reforma corroía os pilares da verdade imposta pela
Igreja.

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Imaginamos, agora, um terreno pronto para ... Daí os traços da cultura que elaboram, o seu
o combate. Lembrando que não estamos entre o teor desinteressado, a sua desvinculação com
a realidade, a sua alienação quanto ao meio
bem e o mal, mas diante de um jogo de interesses – transitando, finalmente, para uma sorte de
estritamente político. Nesse sentido, ao comentar erudição livresca, vazia, meramente
acerca das condições objetivas que favoreceram a ornamental, que satisfazia a vaidade do
ação educativa dos jesuítas no Brasil, Romanelli indivíduo, mas em nada concorria para a
(1997) faz um comentário bastante esclarecedor: comunidade. (p. 17).

A segunda condição consistia no conteúdo Refletindo as palavras do autor, as


cultural de que se faziam portadores os perspectivas de ordem cultural para o Brasil
padres. Que conteúdo era esse? Era, antes de Colônia não pareciam animadoras. O desinteresse
tudo, a materialização do próprio espírito da
Contra-Reforma, que se caracterizou
quase total pela ciência, forçosamente,
sobretudo por uma enérgica reação contra o caracterizou toda a educação na colônia. A
pensamento crítico, que começa a despontar metrópole, por outro lado, reforçava essa realidade
na Europa, por um apego a formas por manter-se fechada ao espírito crítico e de
dogmáticas de pensamento, pela análise, à pesquisa e experimentação (Romanelli,
revalorização da escolástica, como método e
como filosofia, pela reafirmação da
1997).
autoridade, quer da Igreja, quer dos antigos, Nesse sentido, o que contribuiu, na realidade,
enfim, pela prática de exercícios intelectuais para que o começo da história da educação no
com a finalidade de robustecer a memória e Brasil fosse marcado pela descontextualização?
capacitar o raciocínio para fazer comentários Fernando de Azevedo (1996) faz um comentário
de textos. (p. 34).
interessante em sua obra, o qual, provavelmente,
nos ajudará a refletir sobre o assunto:
Interessante como a autora nos ajuda a
perceber o movimento histórico da época. ... As diferenças de idéias e de processos de
Romanelli aponta a organização social da colônia educação, na América do Sul e na do Norte,
(uma minoria de donos de terras e senhores de provêm não só da diversidade de
engenho sobre uma massa de escravos) e o temperamentos dos povos que conquistaram
conteúdo cultural de que se faziam portadores os e colonizaram essas regiões, mas da oposição
entre duas concepções cristãs: a que se
padres, como sendo as “molas propulsoras” para manteve fiel à ortodoxia católica e a que
o rápido progresso da educação jesuítica no Brasil. implantou o cisma religioso, fixando-se nos
É lícito destacar que a alienação, sem dúvida, países Europeus do Norte, enquanto os do
caracterizava o ensino jesuítico. A sua tendência Sul, como Portugal e Espanha, se
internacionalista, inspirada por uma ideologia conservaram católicos. (p. 507).
religiosa católica, manteve-se, todo tempo, alheia
às fronteiras políticas (Sodré, 1994). Conservado Como vimos, Portugal e Espanha
à margem, servia simplesmente à ilustração de mantiveram-se católicos, o que significou para
alguns espíritos ociosos (Romanelli, 1997). esses países a não independência de espírito.
Consideramos que correspondendo ao ideal Quanto à diversidade de temperamentos dos povos
Europeu da época, cujo interesse dirigia-se a colonizadores parece-nos que os nossos
formação do homem culto, os padres jesuítas não conquistadores não se preocupavam muito com
visavam a outra coisa a não ser formar letrados os ditos processos da educação. Assim confirma
eruditos. No dizer de Sodré (1994), Fernando de Azevedo (1996):

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O governo de um país como Portugal, ‘que ... Os padres, acabaram ministrando, em
se exauria em tentativas coloniais princípio, educação elementar para a
desproporcionadas com seus recursos em população índia (sic) e branca em geral (salvo
homens e meios materiais’, tendia as mulheres), educação média para os
forçosamente a concentrar todo seu homens de classe dominante, parte da qual
pensamento e todos os seus esforços na continuou nos colégios preparando-se para o
exploração e defesa das colônias: a educação ingresso na classe sacerdotal, e educação
não lhe interessava senão como meio de superior religiosa só para esta última.
submissão e de domínio político, que mais (Romanelli, 1997, p. 35).
facilmente se podiam alcançar pela
propagação da fé, com a autoridade da Igreja De acordo com Fernando de Azevedo
e os freios da religião (p. 516). (1996), a educação de elite, com o ensino literário
de fundo clássico, tornou bastante influente o
Nesse sentido, é provável que os “Soldados sistema educacional da Companhia de Jesus.
de Cristo” tenham servido como instrumentos Segundo os interesses políticos que
poderosos nas mãos do governo português. Afinal, predominavam, “a vocação dos jesuítas era outra
“o processo dito de ‘colonização’, sem dúvida, certamente, não a educação popular primária
alinha numerosos aspectos predatórios, na sua profissional, mas a educação das classes dirigentes”
exigência de produzir em grande escala” (Sodré, (Idem, p. 520).
1994, p. 12). Essas considerações nos levam a pensar que
Pelo que foi dito, a educação como meio de a educação no período colonial não visava à
submissão e domínio político, nos ajuda a começar formação do povo. Pelo contrário, o povo foi
a entender a posição assumida pelos jesuítas, pela excluído do sistema educacional dos jesuítas. A
Igreja e pelo governo português. Os primeiros, com educação de elite possuía seu público alvo, e servia
seu espírito de autoridade e de disciplina, possuindo como patamar de ascensão social. Afinal,
uma incrível arma intelectual de domínio,
representada por um ensino nitidamente dogmático Já não era somente pela propriedade da terra
e abstrato, exerceram um papel eminentemente e pelo número de escravos que se media a
conservador; a Igreja católica, ameaçada pelo importância ou se avaliava a situação social
espírito crítico que rondava a Europa, parecia dos colonos: os graus de bacharel e os de
mestre em artes passaram a exercer o papel
empenhar-se, mediante o ensino jesuítico, pela de escada ou de elevador, na hierarquia social
reafirmação de sua autoridade; quanto ao governo da colônia (...) A universidade de Coimbra
português, observamos que confiou à Companhia passou a ter, por isso, um papel de grande
de Jesus, já famosa pela superioridade de suas importância na formação de nossas elites
escolas, uma larga obra de penetração e de culturais. (Azevedo, 1996, p. 512-513).
colonização das terras de Portugal. Afinal, o seu
principal interesse era o de exploração e defesa Na verdade, além de fortalecer a organização
das colônias (Azevedo, 1996). social da época, por auxiliar na perpetuação de
Em vista de tudo isso, entendemos que esses uma classe dominante, o sistema educacional dos
interesses, na realidade, convergiam para um único jesuítas, alimentava uma “cultura intelectual
objetivo – a manutenção da ordem. Nesse sentido, transplantada, alienada e alienante” (Romanelli,
a educação jesuítica refletia claramente o seu 1997, p. 35).
caráter elitista. Assim,

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Desperta a nossa atenção, o fato de que o questões acerca do tema escolhido para este
ensino das ciências humanas, das letras e das estudo.
ciências teológicas, nada acrescentavam de O conceito de “civilização transplantada”
realmente substancial ao pensamento colonial. Pelo poderá nos ajudar a desenvolver uma maior
contrário, “toda a vida intelectual, no que toca ao compreensão acerca da questão proposta, pois “o
estudo do mundo externo, ficou reduzida a que se tem em vista, na cultura transplantada, é a
comentários. Comentar os livros da antigüidade; imposição e a preservação de modelos culturais
comentar, sutilizar, comentar” (Azevedo, 1996, p. importados, sendo, pois, diminuta, uma
509). minimização de suas funções” (Romanelli, 1997,
O que dizer do espírito crítico e de análise, p. 23).
da pesquisa e da experimentação? Aos brasileiros O primeiro ponto a ser levado em
da época colonial era apenas permitida a formação consideração é que com a “descoberta”, o Brasil
do humanista e do filósofo. As forças da tradição surge na história e se incorpora ao mercado
imperavam na metrópole e a educação ministrada mundial. Contudo, não havia antes, no nosso
na colônia, refletia fortemente o seu espírito território, nada que interessasse ao Europeu; o que
conservador. O poder de influência dessa tornou necessária a criação de riquezas, à base de
mentalidade, oposta a liberdade de investigação, é mercadoria existente na troca (Sodré, 1994, p.28).
muito bem expressa por Otaíza O. Romanelli Desse modo, convém não esquecer que
(1997):
Foi ela, a educação dada pelos jesuítas, Os elementos destinados à empresa de
transformada em educação de classe, com as ‘colonização’, isto é, de ocupação produtiva –
características que tão bem distinguiam a no caso do Brasil – provém do exterior, são
aristocracia rural brasileira, que atravessou para aqui transplantados, tanto os senhores –
todo o período colonial e imperial e atingiu os que exploram o trabalho alheio – como os
o período republicano, sem ter sofrido, em trabalhadores – os escravos. (...) Assim, provém
suas bases, qualquer modificação estrutural, do exterior tanto os elementos humanos como
mesmo quando a demanda social de educação os recursos materiais. (p. 4-5).
começou a aumentar, atingindo as camadas
mais baixas da população. (p. 35) Nesse sentido, qual a relação existente entre
uma produção transplantada, montada em grande
De fato, a educação jesuítica, com seus escala, e uma cultura transplantada? Ora, a última
fundamentos clássicos, alcançou outros tempos e torna-se conseqüência da primeira. Desse modo,
conseguiu manter as suas bases praticamente como já salientado neste estudo, “a ‘alienação’,
intactas. Não pretendemos abordar, com este inerente a qualquer transplante colonial,
exame, questões relacionadas aos períodos imperial acrescentava-se, no ensino jesuítico, à ‘alienação’
e republicano ou os fatores que contribuíram para que lhe conferia o seu caráter internacional”
a permanência dos pressupostos do sistema (Xavier, 1992, p. 21).
educacional jesuítico na história da educação Portanto, diante da questão, seria procedente
brasileira. Mas, simplesmente, destacar o poder de refletir acerca do comentário de Fernando de
influência da Companhia de Jesus que, submissa à Azevedo (1996) sobre a obra civilizadora dos
autoridade da Igreja, fincou raízes profundas na jesuítas. Para ele, essa obra jamais poderá ser
formação do povo brasileiro. compreendida se não situada na sua época. Torna-
Partindo desse princípio, poderíamos se necessário entender que, ao pensar a educação,
considerar os padres jesuítas os responsáveis pelo não caberá ao examinador determinar a posição
desenvolvimento de um sistema de educação assumida pelos personagens da história, mas
alienante para o Brasil? Esta questão, pretende nos compreender nitidamente as circunstâncias
conduzir mais uma vez a reflexões e a novas

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atenuantes de cada período. Ora, poderiam os Afinal, os dois séculos de permanência da
jesuítas instituir bases contrárias à herança Companhia de Jesus foram utilizados para o
escolástica e à cultura clássica na disseminação da desenvolvimento e a extensão do sistema
sua obra educativa? A servidão à Igreja e a luta educacional, pois, no século XVI, os jesuítas
pelo poder, possibilitariam um começo para a possuíam, além de escolas e outros colégios
educação no Brasil, voltado à pesquisa e à menores, um total de onze colégios. No entanto,
experimentação? Um outro comentário de se acrescentarmos a estes, os seminários fundados
Fernando de Azevedo (1996) nos ajuda a resolver no século XVIII, alcançaremos dezessete
estas questões. instituições de ensino e cultura mantidas pelos
jesuítas (Azevedo, 1996, p. 510).
Para apreciar com justiça essa cultura Nesse contexto histórico, outra questão está
padronizada, de tendência universalista e tipo
clássico, transmitida pelo ensino jesuítico, é
a merecer nossa atenção: como encarar uma obra
preciso que não se veja à luz da civilização educativa que ao mesmo tempo que forja a unidade
atual, mas que, remontando aos séculos XVI política e lança as bases da educação popular,
e XVII, se examine e se meça pelos costumes mantém como base da sua educação, uma cultura
e ideais de então. (p. 502). clássica, resistente ao “gosto da aventura
intelectual”? Deve-se atentar aqui para um fato de
É importante compreender que o autor, grande importância: as atividades dos padres
mediante as considerações feitas, alerta-nos contra jesuítas não foram apenas missionárias, mas
o presentismo e nos convida à “des-familiarização” também educadoras e políticas.
histórica. Assim, não nos cabe encarar a história Os interesses da religião ditavam os passos
como um campo de batalha, ou, nesse caso, da Companhia de Jesus e, sem hesitar, os padres
responsabilizar a Companhia de Jesus pelo trágico marchavam destemidos para a concretização dos
começo da história da educação no Brasil. Porém, seus objetivos.
é possível nomeá-los como principais agentes de
uma cultura transplantada. “Incontestavelmente, Para se ter idéia do plano que traziam e da
a influência da ação educacional dos jesuítas no rapidez com que entraram em ação, basta
Brasil ultrapassou os limites do período em que lembrar (...) que ‘na Bahia enquanto se
aqui estiveram. Essa ação marcou profundamente fundava a cidade de Salvador, quinze dias
depois de chegarem os jesuítas, já
nossa cultura” (Werebe, 1997, p. 24).
funcionavam uma escola de ler e escrever –
As considerações que acabamos de tecer início daquela sua política de instrução, que
podem ser melhor compreendidas, se entendermos, eles haviam de manter inalterável através dos
segundo Azevedo (1996), que os jesuítas forjaram, séculos, de abrir uma escola onde quer que
na unidade espiritual, a unidade política de uma erigissem uma Igreja (Azevedo, 1996, p.
497).
nova pátria. Pelo visto, a Companhia de Jesus
trouxe-nos, além do elemento da Contra-Reforma,
Contudo, uma de nossas maiores
a unidade nacional, graças às redes de colégios e
contradições reside no fato de que a política de
missões. “Foi, de fato, em grande parte pela
educação, posta em ação pelos jesuítas, substituiu
influência dos padres que se preparou a base da
a catequese por uma educação de elite, a qual
unidade nacional na tríplice unidade de língua, de
tornou-se instrumento eficaz na construção das
religião e de cultura, em todo o território” (Idem,
estruturas do poder da colônia. “Casaram-se,
p. 521).
assim, portanto, a grande propriedade, o
Analisando o fato, os padres jesuítas como
mandonismo e a cultura transplantada expandida
guias intelectuais e sociais na colônia, souberam
pela ação pedagógica dos jesuítas” (Romanelli,
como usar o tempo que dispuseram no Brasil.
1997, p. 36).

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É importante, mais uma vez, considerar que acerca dos processos dinâmicos da história.
a cultura de elite criada pelos padres jesuítas era Retornando aos fatos, observamos que,
artificial e universalista em sua essência. Segundo Em Portugal, intervinham ainda, para tornar
os autores lidos para este estudo, foi especialmente mais acirrada essa campanha tenaz, dois
por esse caráter artificial, distante da realidade da elementos de propaganda contra os jesuítas: o
vida na colônia, que o sistema educacional jesuítico monopólio do ensino que eles exerciam desde
1555, quando D. João III lhes confiou a direção
inteiro apresentou as primeiras fissuras em seus
do Colégio das Artes, e a miséria econômica e
alicerces de base intelectualista. “O ensino jesuítico, intelectual do reino, pela qual esses religiosos
na opinião de seus adversários, envelhecera e eram apontados como os principais sacerdotes
petrificava em várias gerações e, anquilosando-se (Azevedo, 1996, p. 523).
nas formas mais antigas, já se mostrava incapaz de
adaptar os seus métodos às necessidades novas” Diante dessas considerações, entendemos
(Azevedo, 1996, p. 523). que as acusações sofridas pelos jesuítas,
Nesse contexto, as campanhas realizadas na apresentavam elementos políticos, que, sem
Europa, no século XVIII, não testemunhavam a dúvida, embasaram as críticas referentes ao
favor dos jesuítas. Enquanto no Brasil Colônia, as monopólio do ensino e a miséria econômica e
obras educativas da Companhia haviam atingido intelectual do Reino. Podemos dizer, então, que
o seu ápice, as críticas na Europa atacavam “a principal razão que levou à expulsão dos jesuítas
frontalmente o seu sistema educacional. As de Portugal e das colônias não estava, na verdade,
universidades, os parlamentos, as autoridades civis ligada ao caráter religioso de suas atividades”
e eclesiásticas colocavam-se contrários à expansão (Werebe, 1997, p. 26)
da obra. Mas por que motivo houve da parte dessas A ação educativa, que antes havia sido
autoridades uma reação adversa à Companhia de utilizada apenas como meio de submissão e
Jesus? Segundo Azevedo (1996): domínio político, agora era vista como a
responsável pelo descompasso entre o governo
Alegava-se por toda parte que a Companhia português e o resto da Europa, sendo os seus
de Jesus, perdido o antigo espírito de seu ministros acusados como “bodes expiatórios”.
fundador, entrara em decadência, e que, Teriam sido justas tais acusações? Interessa-nos
dominada pela ambição do poder e de
riquezas, procurava manejar os governos saber que a metrópole e a colônia, já não poderiam
como um instrumento político, ao sabor de continuar à parte da agitação modernizadora que
suas conveniências e contra os interesses invadia a Europa.
nacionais (p. 522). Desse modo, o Marquês de Pombal, “cuja
linha de pensamento estava estritamente vinculada
Ora, desde a sua chegada em 1549, a ao enciclopedismo” (Romanelli, 1997, p. 36)
Companhia de Jesus não servia como instrumento expulsou, em 1759, a Companhia de Jesus do
político, lutando incansavelmente pela reafirmação Reino e dos seus domínios. “Influenciado pelas
do poder da Igreja? Teriam sido os jesuítas idéias dos enciclopedistas franceses, Pombal
“contaminados” pela sede de poder, claramente pretendia modernizar o ensino, liberando-o da
evidenciada pela Igreja – sua tutora oficial? estreiteza e do obscurantismo que imprimiram os
São tantas as perguntas que o exame do jesuítas” (Werebe, 19967, p. 26). Porém, a sua
passado faz emergir, que nos sentimos ansiosos política radical não resultou numa reforma de
para desenvolver, como já mencionado na ensino. A história confirma este fato:
introdução deste trabalho, um foco compreensível É, pois, toda a estrutura do ensino que entra

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em derrocada; a reforma pombalina, que pela reafirmação do seu poder, desta vez atrelada
decorre de necessidades ligadas à expulsão ao Estado. A educação, por outro lado, continuou
dos jesuítas, não cria estrutura nova, como “pano de fundo” para este cenário político.
limitando-se a prescrições gerais. Dela, no Além disso, “a repercussão das reformas
que afetou a colônia, a conseqüência
pombalinas no Brasil foram muito reduzidas e se
ostensiva esteve na fragmentação, na
dispersão, que passa a constituir, no ensino, fez indiretamente por intermédio da Universidade
a característica maior, e é o antípoda da de Coimbra” (Werebe, 1997, p. 27).
unidade que tanto marcara aquele a que os Finalmente, o que realmente mudou na vida
jesuítas haviam emprestado o seu nome. da colônia, após a expulsão dos jesuítas?
(Sodré, 1994, p. 28).
Com o financiamento e a administração a
Apesar de imposta a necessidade de cargo do governo metropolitano, que
modernização, compreendemos que a reforma obviamente pouco se interessava em equipar
pombalina, ao tomar medidas de transformação a colônia com o sistema educacional eficiente,
radical, torna-se responsável pela falta de a educação colonial ficou reduzida a algumas
poucas ‘Escolas e Aulas Régias’ (Xavier,
organização de um novo sistema educacional no 1992, p. 22).
Brasil. Pois, “inúmeras foram as dificuldades daí
decorrentes para o sistema educacional. Da Nesse sentido, a história da educação no
expulsão até as primeiras providências para a Brasil, após a reforma pombalina, continuou
substituição dos educadores e do sistema jesuítico, reduzida a segundo plano pelas classes dirigentes;
transcorreu um lapso de treze anos”. (Romanelli, e foi desse modo que “chegou à independência
1997, p. 36). destituído de qualquer forma organizada de
Este fato é, sem dúvida, surpreendente. Um educação escolar” (Ibidem). Importante salientar
lapso de treze anos, para que o sistema educacional que desde o início da reorganização dos estudos,
jesuítico pudesse ser substituído, deve ter causado e do estabelecimento das aulas de primeiras letras,
uma grande confusão nos rumos da história da de gramática, latim e grego no Rio de Janeiro e
educação no Brasil. “Em vez de um único sistema, nas principais cidades das capitanias, em 1772,
passaram a existir escolas leigas e confessionais, meio século já havia passado até a independência
mas todas seguindo os mesmos princípios herdados em 1822. O Brasil, no entanto, ainda se encontrava
do passado” (Werebe, 1997, p. 26). Contudo, na sem qualquer forma organizada de educação
reorganização do ensino, algumas medidas foram escolar. Afinal,
tomadas. Como podemos notar, Não foi um sistema ou tipo pedagógico que
se transformou ou se substituiu por outro, mas
Suprimida, pois, a Companhia, e afastada do uma organização escolar que se extinguiu
ensino, o Estado, que não intervinha na sem que essa destruição fosse acompanhada
gestão das escolas elementares e secundárias, de medidas imediatas, bastante eficazes para
tomou a seu cargo, por iniciativa de Pombal, lhe atenuar os efeitos ou reduzir a sua
a função educativa, que passou a exercer em extensão (Azevedo, 1996, p. 524).
colaboração com a Igreja, aventurando-se a
um largo plano de oficialização do ensino Em suma, a história da educação esteve,
(Azevedo, 1996, p. 527).
durante o período colonial, a serviço de interesses
alheios ao sentido real da instrução, ou seja, o da
Interessante que a Igreja, que antes tinha na
formação integral do indivíduo. Mesmo
Companhia de Jesus o seu maior instrumento de
conscientes do fato de estarmos reforçando um
conquista, após a reforma pombalina passa a
velho conceito, sentimos a necessidade de torná-
colaborar com o Estado nas intervenções do
lo explícito neste estudo, pois, o início da história
ensino. Pelo visto, a Igreja continuou empenhada

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da educação no Brasil, revela-nos claramente o submissão e domínio. O sentido da educação,
sentido empregado pelos nossos conquistadores, portanto, na “dominação das almas”, parece-nos
ao ato de educar. Parece-nos que o domínio bastante evidente, referindo-se a um sentido de
político constituía a palavra de ordem e a submissão educação basicamente elitista. Isso porque esse
dos colonizados, a meta mais importante. Eis aqui tipo de educação não visava à formação do
a educação como domínio de almas. indivíduo, mas privilegiava, mediante um conteúdo
clássico, a ascensão social de um pequeno grupo
CONSIDERAÇÕES FINAIS dominante. Portanto, é fundamental compreender
que,
Ao longo de todo este estudo, procuramos
mostrar, segundo Romanelli (1997, p 19), que “a As desigualdades econômicas e sociais se
refletem no sistema educacional. Assim, ao lado
forma como se origina e evolui uma cultura define de uma elite bem educada, formada em boas
bem a evolução do processo educativo”. Ora, escolas, encontra-se uma população analfabeta
sendo a cultura “um fenômeno social que ou semi-analfabeta que não conseguiu ingressar
representa o nível alcançado pela sociedade em no sistema escolar ou foi dele excluída
determinada etapa histórica: progresso, técnica, precocemente (Werebe, 1997, p. 283).
experiência de produção e de trabalho, instrução,
educação, ciências, arte e instituições que lhes Entretanto, a grande perspectiva que
correspondem” (Rosental e Iundi citado por Sodré, devemos ter é a de poder examinar criticamente o
1994, p. 3-4), então, resolvemos, mediante as que há nas entrelinhas da história da nossa
considerações postas neste trabalho, situar a educação, no sentido de entender que tipo de
cultura brasileira em seu desenvolvimento. democracia nós podemos, eventualmente, construir
Ao passo que avançávamos em nossas como perspectiva futura.
leituras, percebíamos que no campo
especificamente educativo, é ilusório pensar que, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
simplesmente, a partir do diagnóstico de seus
problemas, estaremos aptos para enfrentar e AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira.
superar as dificuldades presentes nas relações que 6 ed. Rio de Janeiro/Brasília: UFRJ e UnB,
conectam poder e cultura. Além do diagnóstico 1996.
preciso, entendemos que o elemento fundamental ROMANELLI, Otaíza de O. História da
seja a vontade política daqueles envolvidos educação no Brasil. 19 ed. Petrópolis: Vozes,
diretamente na prática escolar. Não assumir nosso 1997.
lugar e responsabilidade nesse espaço, significa SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história da
entregá-lo a forças que certamente irão moldá-lo educação brasileira. 17 ed. Rio de Janeiro:
de acordo com seus próprios objetivos. Este não Bertrand Brasil, 1994.
é, contudo, um processo fácil e simples, pelo fato XAVIER, Maria Elizabete S. P. Poder político e
de sermos herdeiros de uma história, cujos alicerces educação de elite. 3 ed. São Paulo: Cortez,
são profundamente de base autoritária e alheia aos 1992.
interesses da coletividade. WEREBE, Maria José G. Grandezas e misérias
Como vimos, os interesses religiosos e do ensino no Brasil. 2 ed. São Paulo: Ática,
políticos da Companhia de Jesus, sem dúvida, 1997.
moveram a ação educativa desses padres, que
encontraram no ensino, um meio eficaz de

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