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Advogado e consultor jurídico na área de Direito Ambiental no Rio Grande do Sul. Mestre em Direito
Público. Doutor em Direito UNISINOS. Coordenador e Professor na Especialização em Direito Ambiental –
FEEVALE. Professor na Graduação e na Pós-Graduação da UNISINOS e FEEVALE. Professor de Direito
Ambiental no curso de Mestrado em Qualidade Ambiental FEEVALE. Professor convidado no curso de
especialização em Direito Ambiental da UFRGS/AJURIS Instituto o Direito por um Planeta Verde.
Endereço:
Comercial: Av. Pedro Adams Filho 5757, conjunto 1.206, Centro, Novo Hamburgo – RS.
Residencial: Av. Azambuja Fortuna 420, apartamento 33, Fião, São Leopoldo – RS, CEP 93020-
570.
A CONSTITUIÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DANO AMBIENTAL
FUTURO
RESUMO: As exigências impostas pela emergência de uma Sociedade caracterizada pela produção de riscos
globais e invisíveis, dos quais o ecológico adquire destaque, expõe as estruturas do Direito a uma necessária
comunicação acerca do risco. A formação de uma Teoria do Risco que tenha por escopo a formação de
observações e vínculos com o futuro é a condição de possibilidade para a tutela das futuras gerações. Como
elemento operacional dogmático, a responsabilidade civil desenvolve um importante papel na assimilação
(investigação, avaliação e gestão) dos riscos ecológicos pelo Direito, a partir da noção de dano ambiental
futuro. A caracterização deste, a partir da ponderação jurídica acerca dos riscos ambientais ilícitos, capacita o
Direito a impor medidas preventivas (obrigações de fazer ou não fazer) a todos aqueles que estejam
produzindo riscos e perigos intoleráveis. A ênfase preventiva do Direito Ambiental é potencializada pela
formação de uma comunicação jurídica do risco, condensada na avaliação da probabilidade, gravidade e
irreversibilidade de um dano ambiental futuro.
1
BECK, Ulrich. “The Anthropological Shock: Chernobyl and the Contours of the Risk Society”. Berkeley
Journal of Sociology, p. 154-156.
atividades, reduzindo a probabilidade de sua concretização em danos futuros, bem como
oportunizando a minimização das conseqüências futuras das degradações ambientais já
ocorridas.
2
Sobre a existência de uma matriz pragmático-sistêmica na Teoria do Direito, ver: ROCHA, Leonel Severo.
“Três Matrizes da Teoria Jurídica.” In: Epistemologia Jurídica e Democracia. São Leopoldo: UNISINOS,
2003.
3
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA: La responsabilidad por el dano ambiental.
México: Oficina Regional para a América Latina e Caribe do PNUMA, 1996, p. 671 (série Documentos sobre
Derecho Ambiental, n. 5). p. 664.
A caracterização do dano ambiental futuro faz-se possível a partir de uma Nova
Teoria do Risco (Teoria do Risco Abstrato) em diferenciação ao seu sentido dogmático
clássico (Teoria do Risco Concreto). Para a Teoria do Risco (Concreto), exige-se a
ocorrência de um dano para a atribuição de responsabilidade civil, prescindindo apenas da
comprovação de culpa para a responsabilização o agente causador de um dano já
configurado. Na verdade, as mutações sociais ocorridas nos últimos séculos, que redundam
numa Sociedade caracterizada pela produção de riscos globais 4, exigem do Direito, cada
vez mais, processos de tomadas de decisão em contextos de risco (expectativa de danos
futuros, fundada sobre descrições de alta probabilidade), antecipando-se à concretização
dos danos. Assim, ao contrário do que ocorre na Teoria do Risco concreto, não se pode
exigir a ocorrência de um dano atual como condição para imputação objetiva à atividade
perigosa ou arriscada quando se está falando em dano ambiental futuro, sob pena de perda
da função ambiental do bem ambiental em perigo e do sentido preventivo do Direito
Ambiental.
Talvez seja, exatamente, a transposição de, conforme Ulrich Beck5, uma primeira
modernidade para uma modernidade reflexiva que redunda no surgimento de uma
Sociedade de Risco em detrimento de uma Sociedade Industrial, que esteja a exigir e
justificar, cada vez mais, a existência de parâmetros e critérios para instrumentalizar
decisões jurídicas que avaliem não apenas os danos já concretizados, mas, sobretudo,
situações de risco.
4
BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo Global.
5
Idem. Risk Society: Towards a New Modernity; Idem. La Sociedad del Riesgo Global.
Ambiental, fomentando a construção de observações e vínculos com o futuro 6, com o
escopo de gerir os riscos ambientais produzidos pela Sociedade de Risco.
O dano ambiental futuro consiste em dano reparável, mesmo diante das incertezas
científicas que demarcam o dano ambiental em sua dimensão futura, acarretando em um
enfraquecimento da necessária certeza da concretização futura do dano e do dogma da
segurança jurídica, para a incidência da responsabilidade civil. Para Lucía Gomis Catalá
“La complejidad de los efectos del dano ambiental debe conducirnos además a afirmar que
6
DE GIORGI, Raffaele. Direito, Democracia e Risco: vínculos com o futuro. 1993, p. 193.
7
DOUGLAS, Mary. La aceptabilidad del riesgo según las ciencias sociales. Barcelona: Payados, 1996, p.
64; no mesmo sentido LUHMANN, Niklas. Sociologia del riesgo, p. 105; BECK, Ulrich. La Sociedad del
Riesgo Global, p. 78-9.
8
TEUBNER, Gunther. “A Cúpula Invisível: crise da causalidade e imputação coletiva.” In: Direito, Sistema e
Policontexturalidade. São Paulo: UNIMEP, 2005, p. 198.
el riesgo de dano se incluirá en el concepto global de dano al medio ambiente y será
necesario, por tanto, aplicarle el mismo régimen de responsabilidad que al dano cierto.”9
11
LOUREIRO, João. “Da Sociedade Técnica de Massas à Sociedade de Risco: prevenção, precaução e
tecnociência – algumas questões juspublicistas.” In: Boletim da Faculdade de Direito – Studia Iuridica, p.
865.
12
(Agravo de Instrumento 01.002842-0 – 2ª Câmara Cível – j. 20.06.2002 – rel. Des. Rafael Godeiro).
Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 806, ano 91, dez. 2002, p. 322.
a ação proposta. Constituição/88, art. 23. Foro competente da Justiça Estadual
caracterizado por ser o local onde ocorreram os danos denunciados. Citação da
firma ré, e sua notificação, quanto à liminar para suspender as obras em
desenvolvimento no local, mediante carta precatória. Recurso tempestivo CPC,
art. 241, IV. Preliminares de incompetência do Juízo, de impossibilidade da
concessão da liminar nos autos da ação principal, e de caducidade da medida,
pela sua não execução imediata, rejeitadas. Petição inicial apresentada com
elementos justificativos dos requisitos relativos ao „fumus boni iuris‟ e ao
„periculum in mora‟ proporcinando a decisão judicial interlocutória proferida nos
limites dos poderes jurisdicionais do magistrado. Agravo improvido. 13 (grifos
inexistentes no original).
Diante dos julgados ora apresentados, pode ser observado que, em havendo a
constatação de um dano ambiental já caracterizado e seu provável agravamento, os
13
Agravo de Instrumento n. 1996.002.05160, Quinta Câmara Cível, TJRJ, rel. Des. Ronald Valladares,
julgado em 10.02.1998. (grifos inexistentes no original).
14
Apelação Cível n. 70012622171, Segunda Câmara Cível, TJRS, rel. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano,
j. 22.11.2006.
Tribunais têm adotado uma postura “preventiva”, impondo medidas para evitar as
conseqüências futuras do dano atual.
15
AGA – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 77201, Terceira Turma, Tribunal Regional
Federal da Quarta Região, rel. Juíza Luiza Dias Cassales, publicado no DJU em 30.05.2001.
As dificuldades do Direito para proferir descrições acerca dos danos ambientais
futuros „stricto sensu‟ (em que não houve a concretização do dano) fazem-se ainda mais
árduas, em virtude de uma profunda limitação semântica ao sentido atribuído pela
dogmática jurídica à Teoria do Risco. Cabe esclarecer que, uma vez desprovido de uma
Teoria do Risco compatível à Sociedade atual, o Direito faz uso de uma Teoria do Risco
fundada e enraizada a noções semânticas provenientes da Sociedade Industrial clássica,
ocasionando um hiato epistemológico entre realidade social e comunicação jurídica. Por
óbvio que as decisões envolvendo os danos ambientais futuros „stricto sensu‟ são dotadas
de maior grau de complexidade do que quando se tratam de decisões acerca das
conseqüências futuras de danos ambientais atuais, no que respeita à avaliação do maior ou
menor grau de probabilidade de ocorrência de efeitos negativos futuros.
16
Apelação Cível n. 1999.001.19840, 18 Câmara Cível, TJRJ, rel. Des. Jorge Luiz Habib, j. 14.03.2000).
17
(ApCiv 1998.008761-9 – 6 Câmara Cível – TJSC – rel. Des. Luiz Cezar Medeiros, j. 01.04.2002). Revista
de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 32, ano 8, out.-dez. 2003, p. 333.
Ao passo que a responsabilidade civil objetiva prevista no art. 14, parágrafo
primeiro, da Lei n. 6.938/81, estabelece a necessária reparação ou indenização nos casos de
danos causados ao meio ambiente, o art. 187 do Código Civil e a Nova Teoria do Risco
(Abstrato) estabelecem que a produção de riscos ambientais intoleráveis por determinada
atividade enseja a imposição de medidas preventivas ao agente que desenvolve a atividade
perigosa, sem a necessidade da concretização do dano ambiental. A ilicitude do dano
ambiental futuro é acompanhada do seu respectivo efeito desencadeador da imposição de
obrigações civis àqueles que desenvolvem atividades que ocasionam riscos ambientais
dotados de alta probabilidade de ocorrência e grave ameaça ao meio ambiente.
18
PERALES, Carlos Miguel. La Responsabilidad Civil por Daños al Medio Ambiente, p. 94.
19
Idem, p. 95.
mercadorias perigosas, o Convênio do Conselho da Europa e na Proposta de Diretiva sobre
responsabilidade civil em matéria de resíduos. Lucía Gomis Catalá esclarece o sentido que
o termo “medidas preventivas” adquire em tais estatutos internacionais, compreendendo
“tanto las medidas adoptadas antes de la producción del daño cuanto las medidas
adoptadas tras el evento dañoso e incluso tras su reparación con el fin de prevenir daños
futuros mayores.” 20
Considerações Finais:
20
CATALÁ, Lucía Gomis. Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente, p. 80.
21
Neste sentido faz-se o texto do art. 1 da Lei n. 7.347/85: “Regem-se pelas disposições desta lei, sem
prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados: I – ao meio ambiente; II – ao
consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a
qualquer outro interesse difuso ou coletivo.”
manipulação genética fornecem inúmeros exemplos do potencial destrutivo de riscos
marcados pela globalidade e imprevisibilidade de suas conseqüências.
Enquanto que a era Industrial exige prevenção aos riscos cuja previsibilidade é
possível a partir do conhecimento científico existente (risco concreto), a era do Risco
apresenta o surgimento do Princípio da Precaução como instrumento para impor a cautela
como valor para as tomadas de decisão em face de situações em que não haja certeza nem
conhecimento científico suficientes para um diagnóstico seguro acerca das probabilidades,
conseqüências e gravidade dos riscos ambientais (risco abstrato).