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Até o presente momento demos ênfase ao aspecto da regulação positiva da resposta imune, ou
seja, como os mecanismos imunes são ativados e eliminam o antígeno. Assim também ocorreu com os
primeiros cientistas que estudaram o sistema imune: estes inicialmente deram muita ênfase aos
mecanismos de ativação e só posteriormente, a partir dos anos 70 do século XX, os mecanismos de
regulação negativa começaram a ser abordados.
Estes mecanismos de inativação são tão importantes quanto os de ativação porque tendem a
manter a homeostasia e evitar que alterações patológicas induzidas pela exacerbação da resposta imune
ocorram.
Como já foi visto, os linfócitos T apresentam TCRs que reconhecem estruturas próprias
(moléculas do MHC) associadas a estruturas não próprias (peptídeos) e para proteger o organismo de
respostas de auto-agressão estes linfócitos são selecionados no timo (Capítulo 7). A seleção dos
linfócitos T no timo ocorre pelo contato com moléculas próprias em altas concentrações. Os linfócitos T
com TCR auto-reativo morrem por apoptose e este mecanismo é denominado deleção clonal.
CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 159
Além desta seleção que ocorre no timo, denominada seleção central, existe uma seleção
periférica que ocorre nos órgãos linfóides secundários.
Este tipo de controle periférico é importante porque com a resposta imune ativada nos tecidos,
produtos celulares liberados em grandes concentrações podem levar a alterações das células locais e
possíveis respostas auto-imunes.
A seleção periférica nos órgãos linfóides secundários consiste na indução de tolerância dos
linfócitos T aos antígenos, ou seja, apesar de apresentarem receptores para os antígenos, estes linfócitos
não são ativados.
Não apenas os linfócitos T estão sujeitos à indução de tolerância central e periférica mas
também os linfócitos B. No entanto, têm se tornado cada vez mais evidente, que os linfócitos T estão
mais sujeitos a mecanismos de tolerância que os linfócitos B, isto porque, a maioria dos tipos de
resposta imune são T-dependente.
TOLERÂNCIA DE LT
TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DE LT
A tolerância dos linfócitos T nos órgãos linfóides secundários pode ocorrer por:
Figura 1 – Interações moleculares que levam à ativação (A.) ou anergia (B.) de linfócitos T
A. Ativação B. Anergia
Linfócito T Linfócito T
TCR TCR
CD4 CD4
CD3 CD3
CD28 CTLA-4
A anergia também pode ser induzida quando os peptídeos apresentados estão mutados
(Peptídeos Ligantes Alterados). A anergia dos linfócitos T ocorre porque apesar dos sinais co-
estimulatórios estarem presentes, o sinal de reconhecimento do peptídeo + MHC pelo TCR está alterado
(Figura 2). Existem alguns microorganismos, tais como o HIV, que produzem peptídeos deste tipo o que
resulta no escape da resposta de linfócitos T.
Linfócito T
TCR CD4
CD3 CD28
CD40-L LFA-1
CD40 ICAM-1
MHC-II B7(CD80)
Os linfócitos T ativados co-expressam Fas e FasL o que resulta na morte destas células e de
células vizinhas. Este mecanismo é potencializado pela IL-2. A molécula Fas é o principal mediador da
morte por apoptose de células Tauxiliares CD4+.
O Fas é uma molécula que faz parte da família do receptor de TNF-α e o FasL é
estruturalmente homólogo ao TNF-α. O receptor de TNF-α (rTNF-α) é o principal mediador da morte
por apoptose de células Tcitotóxicas CD8+ (Figura 3).
Fas
Mø
LTh
FasL
rTNF
LTc
Apoptose
TNF
CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 163
Linfócitos Th2, macrófagos e Linfócitos B produzem IL-10 que inibe a produção de TNF-α e
outras citocinas pró-inflamatórias e a expressão de moléculas co-estimulatórias em macrófagos (Figura 4).
Linfócitos Th1 e linfócitos Th2 podem ser contraregulados pela produção de citocinas. Por
exemplo, a produção de IFN-γ por linfócitos Th1 reduz a produção de IgE por linfócitos B, porque inibe
a troca deste isótipo, mediada pela IL-4. Por outro lado, as IL-4, IL-13 e IL-10, produzidas por linfócitos
Th2, inibem a ativação de macrófagos pelo IFN-γ.
Na mucosa oral, por exemplo, a tolerância é induzida por células Th3 que pela síntese de TGF-β
reduz a proliferação dos linfócitos e a ativação de macrófagos.
Ignorância clonal.
Evidências de que este tipo de mecanismo ocorre têm sido demonstrado em camundongos
transgênicos (camundongos que recebem intrauterinamente, um determinado gen inexistente ou pré-
existente, induzindo ou aumentando a sua expressão, respectivamente).
peptídeos virais na membrana das células pancreáticas e possuem LT com TCRs específicos para estes
peptídeos associados ao MHC. No entanto, as células T destes animais não são mortas nem são ativadas
frente aos antígenos virais expressos pelas células pancreáticas. Elas também não se tornam anérgicas
porque podem ser ativadas quando são colocadas in vitro frente ao antígeno.
Mø
LTh0 LTh1
LTh1
LTh1
IFN-γγ
IL-10
LTh2
IL-4
LTh2 Mø
LTh2
TGF
TOLERÂNCIA DE LB
Os linfócitos B podem se tornar tolerantes aos antígenos para os quais as suas Igs de membrana
são específicas tanto na medula óssea (tolerância central) quanto nos órgãos linfóides secundários
(tolerância periférica).
TOLERÂNCIA CENTRAL
Os linfócitos B são selecionados na medula óssea durante o processo de maturação assim como
os LT o são no timo.
No entanto, quando estas células entram em contato com Ag próprio multivalente são deletadas
por apoptose na fase em que apresentam apenas IgM de membrana (Figura 5B).
Figura 5 – Maturação (A.) e indução de tolerância dos linfócitos B por deleção (B)
ou anergia clonal (C) na medula óssea
A. Maturação dos LB
IgM
IgM
Migração para os
órgãos linfóides
secundários
IgD
B. Deleção clonal
Ag multivalente IgM
APOPTOSE
C. Anergia clonal
IgM
Ag solúvel
IgM
ANERGIA
IgD
CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 167
TOLERÂNCIA PERIFÉRICA
Em uma resposta imune normal linfócitos Tauxiliares reconhecem peptídeos associados com
moléculas do MHC classe II presentes na membrana de macrófagos e LB. Os linfócitos B ativados por
citocinas liberadas linfócitos T proliferam e originam plasmócitos secretores de anticorpos e linfócitos B
de memória (Figura 6A). Os plasmócitos inicialmente secretam IgM e posteriormente passam a secretar
IgG (Capítulo 9).
No entanto, quando linfócitos B maturos, nos órgãos linfóides secundários, reagem com
antígenos próprios multivalentes, da mesma forma que na medula óssea, morrem por apoptose levando
à deleção clonal (Figura 6B).
Se os linfócitos B reagirem com Ag próprio solúvel, p.ex., proteínas hepáticas, as IgMs que
reconhecem estes antígenos são endocitadas e ficam sequestradas no RE, ou seja, não são reexpressas na
membrana. Estas células conseqüentemente apresentam baixa expressão de IgM e alta de IgD na
membrana e tornam-se anérgicas (Figura 6C).
LINFÓCITOS T SUPRESSORES.
Figura 6 Ativação (A.) e indução de tolerância dos linfócitos B por apoptose (B)
ou anergia (C) nos órgãos linfóides secundários
LT
IgD
B. Deleção clonal
Ag multivalente IgM
APOPTOSE
IgD
C. Anergia clonal
IgM
Ag solúvel
IgM
ANERGIA
IgD
IgD
CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 169
Além dos mecanismos de tolerância, a resposta imune é regulada por diversos outros
mecanismos, dentre eles:
Os antígenos de acordo com suas características físico-químicas podem induzir diferentes tipos
de resposta.
Além das características físico-químicas também é importante a dose administrada, sendo que
quando são administradas soluções proteícas em altas concentrações ou de forma repetitiva, as células T
tornam-se tolerantes ao antígeno em questão. Por outro lado, altas concentrações de polissacarídeos
induzem tolerância de LB.
A via da administração também pode tornar um antígeno mais ou menos imunogênico. Quando
administrados por via sc (subcutânea) ou id (intradérmica), os antígenos são imunogênicos, enquanto
que por via oral ou iv (intravenosa) há indução de tolerância ou de LT supressores.
170 FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA
O tipo de APC pode condicionar o tipo de resposta. Macrófagos em repouso ou naive e LB não
estimulados são deficientes em co-estimuladores, levando clones de linfócitos T a se tornarem
tolerantes. A proporção de macrófagos, LB ou células dendríticas apresentando Ag determina qual o
tipo de resposta será desencadeada. Acredita-se que quando ocorre um predomínio de LB como APCs a
resposta tende a ser Th2 enquanto que macrófagos e células dendríticas tenderiam a induzir uma
resposta tipo Th1.
Durante a resposta imune, a produção de anticorpos leva à eliminação dos antígenos por
mecanismos de opsonização, ADCC ou lise pelo complemento. Estes eventos reduzem os antígenos
livres no organismo e com isto, a fagocitose e a apresentação dos antígenos são reduzidas e
conseqüentemente, a ativação dos Linfócitos.
A. B.
Antígeno Complexo
Ag-Ac
IgM
IgG
FcγγRIIB
IgD
A produção de citocinas pró-inflamatórias também pode ser regulada por complexos Ag-Ac.
Quando complexos Ag-Ac associam-se aos receptores para Fc de IgG, nos macrófagos, durante a
opsonização, um inibidor da IL-1 - a IL-1Ra - é produzido e compete pela ligação com receptores para
IL-1 nas células, reduzindo a ativação destas e reduzindo a resposta inflamatória (Figura 8).
rIL-1
IgG IL-1
rFcIgG
rC3b/C4b Macrófago
C3b/C4b IL-1RA
172 FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA
REDES IDIOTÍPICAS
A idéia da rede idiotípica surgiu em 1974 com o cientista Niels Jerne que demonstrou que
animais inoculados com suas próprias Igs produzem anticorpos contra as regiões variáveis destas
moléculas. Estas regiões reconhecidas por estes auto-anticorpos foram denominadas idiótopo e o
conjunto dos idiótopos foi denominado idiótipo.
Estes experimentos levantaram a hipótese de que podem ser gerados anticorpos que
reconhecem os idiótipos das Igs, existindo uma conectividade entre estes anticorpos o que leva à criação
de uma rede de interações - a rede idiotípica.
Como uma Ig é específica para um determinante antigênico mas pode também se associar a um
idiótopo, a conclusão lógica é de que ambos são iguais ou similares, ou seja, dentro do organismo
existem idiótopos que atuam como imagens internas dos antígenos. Os anticorpos anti-idiotípicos, ou
seja, os que reconhecem os idiótipos (ou imagens internas do antígeno) são reconhecidos por
anticorpos-anti-anti-idiotípicos e assim por diante. De acordo com esta idéia, os anticorpos dentro do
sistema imune são interdependentes e estão associados formando uma malha em que todos os anticorpos
estariam conectados. A entrada de uma molécula estranha quebra a homeostasia do sistema, competindo
com as imagens internas do antígeno (anticorpos anti-idiotípicos) pela associação com os anticorpos,
alterando todo o sistema e levando, ao término da resposta a um novo padrão homeostático.
O sistema não é tão previsível como se pensa e para cada indivíduo a evolução de suas
respostas depende da história de seus contatos com o meio ambiente desde o momento do nascimento
sendo estas dependentes do tempo e do espaço, na qual ocorreram.
Se um dia você quiser ter um melhor contato com estas idéias leia o livro Guia Incompleto de
Imunologia: imunologia como se o organismo não importasse, dos professores Nelson M.Vaz e Ana
Maria C. de Faria, ambos da UFMG e publicado pela editora da própria universidade.
CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 173
Para dar uma pausa e pensar, caso você nunca leia o tal livro; um trecho da introdução escrita
por um cientista chileno (Humberto Maturana), que estuda a fisiologia do olfato e da visão, com a
mesma abordagem que os professores de imunologia da UFMG:
“... o modo de olhar não apenas determina o que se vê e se faz, mas também determina o que se
pergunta e o que se explica. Por isso, uma mudança no olhar e no conversar, em um âmbito experiencial
particular, muda o entendimento do que se faz e, também, a natureza desse âmbito.”
HORMÔNIOS E NEUROTRANSMISSORES
Desde o início dos anos 70 do século XX, estão sendo acumuladas evidências do fluxo de
informações entre o sistema imune e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, o qual governa as reações do
corpo frente a mudanças metabólicas e stress ambiental.
As interações entre o Sistema Nervoso Central (SNC), o sistema endócrino e o sistema imune
provavelmente ocorrem a partir do sistema límbico, local no qual as informações do córtex cerebral e do
hipotálamo interagem e onde surgem as emoções. Dados neurológicos mais recentes indicam que
embora o sistema límbico seja o responsável pelo impulso emocional, a maneira como expressamos
estas emoções é regulada por regiões situadas no córtex pré-frontal, logo atrás da testa.
Cada lado do córtex pré-frontal lida com um conjunto diferente de reações emocionais. As
emoções que nos fazem ter medo ou repulsa são reguladas pelo lado direito e sentimentos, como a
felicidade, pelo esquerdo.
linfócitos são ativados eles produzem moléculas similares àquelas produzidas no cérebro como as β-
endorfinas que atuam por sua vez sobre o sistema límbico do cérebro.
O ACTH é produzido pela hipófise anterior quando esta é ativada pelo Fator Liberador de
Corticotropina (CRH), secretado pelo Hipotálamo. O ACTH é derivado de uma molécula precursora – a
pró-ópio-melanocortina (POMC) - que origina também as endorfinas e encefalinas.
O principal efeito do ACTH sobre o sistema imune parece ser indireto pela indução da
biossíntese de esteróides pelo córtex da adrenal principalmente glicocorticóides, dentre os quais o
cortisol. Os glicocorticóides têm efeito supressor na produção de anticorpos, na anafilaxia e na rejeição
de enxertos.
Prolactina (PRL)
A prolactina é um hormônio secretado pela hipófise anterior e é induzido por estresse físico
agudo ou comportamental. Pode ser produzida também por LT no sangue periférico e órgãos linfóides
CAP. 14 - REGULAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE 175
A produção de estrógenos (estradiol) nas fêmeas tem sido associada a uma resposta imune mais
vigorosa, com maior produção de anticorpos, uma resposta imune primária e secundária mais forte,
maior resistência à indução de tolerância e a maior habilidade em rejeitar tumores e transplantes.
No entanto, nem sempre o estrógeno é o fator deletério nas doenças auto-imunes: no caso da
artrite reumatóide, o estrógeno melhora a doença. Isto pode ser devido aos mecanismos envolvidos na
doença auto-imune: no caso do LES em que estão envolvidos LB produtores de anticorpos anti-DNA e
176 FILOMENA M. P. BALESTIERI - IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA
formação de complexos imunes circulantes, o estrógeno aumenta este tipo de resposta enquanto que na
Artrite reumatóide, dependente de LT, o estrógeno atua como supressor.
Glicocorticóides
O Cortisol é o principal glicocorticóide produzido pelo córtex adrenal, sendo responsável por
cerca de 95% da atividade exercida pelos hormônios adrenocorticais; o restante da atividade se deve a
corticosterona. O estresse físico ou mental aumenta a secreção de ACTH que estimula a produção de
cortisol. Em altas concentrações o cortisol reduz o processo inflamatório pela inibição da fosfolipase
A2, reduzindo a síntese de ácido aracdônico, precursor dos Leucotrienos, Prostaglandinas e
Tromboxano. Os linfócitos, principalmente os LT, também são sensíveis aos efeitos imunossupressores
dos glicocorticóides. Estes induzem a produção de IL-4 e a resposta humoral (Th2) e inibe a produção
de IL-2 e a resposta celular (Th1). Corticosteróides também inibem a expressão de moléculas do MHC-
II em macrófagos e a produção de TNF-α, IL-1, IL-6, IL-3, GM-CSF e IFN-γ. Glucocorticóides em
concentrações altas mas ainda fisiológicas controlam a proliferação de células com alta afinidade para o
antígeno.