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Fabio Ciardi

CARISMAS

EVANGELHO QUE SE FAZ HISTÓRIA

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I – UMA IGREJA CARISMÁTICA

Quando nasceu a Igreja?

Presente no plano de Deus, ela existe desde toda a eternidade. Se seus


membros, como afirmava Santo Agostinho, vão desde Abel até o último dos justos, ela
inicia-se no tempo com o início da própria humanidade. "Não creiam - já havia dito
Orígenes em seu comentário sobre o Cântico dos Cânticos – que eu fale da noiva e da
igreja somente a partir da vinda do Salvador na carne, mas eu falo desde o início do
gênero humano e da própria criação do mundo, para ressaltar ainda mais a origem do
mistério sob a guia de Paulo, antes mesmo da criação do mundo". Essa é a parte do
mistério escondido por séculos, para recapitular todas as coisas em Cristo.

O Primeiro Testamento a anuncia e a profetiza através de tipologias de pessoas


e acontecimentos bem como através de múltiplas imagens. É prefigurada na arca de
Noé como lugar de salvação, no êxodo do Egito no caminho para a Terra Prometida
como um povo que aguarda a Páscoa eterna, no Sinai como povo da Aliança, em
Jerusalém como o Reino de Deus, a comunidade de culto e santa. No anúncio dos
profetas aparece como a prometida, virgem esposa, mãe, Jerusalém celeste, rebanho,
vinha. Sabendo que estava prefigurada no Mistério, podemos no perguntar: quando
"historicamente" a Igreja nasceu?

Para alguns, ela tem início com o evento da Encarnação, quando o Verbo eterno
se fez carne em Maria, e estabelece a aliança com a humanidade inteira por ela
representava e expressa. Para outros, o nascimento da Igreja é visto na entrega de
poder a Pedro e aos Apóstolos. Para outros ainda nasce do mistério da ceia na qual é
instituída a Nova Aliança; ou quando na cruz, do lado transpassado, jorram sangue e
água; ou na ressurreição, no o corpo glorioso de Cristo. Para outros, finalmente, a
Igreja tem sua origem em Pentecostes, quando o Ressuscitado envia o seu Espírito
sobre os fiéis reunidos no Cenáculo, com Maria.

A pluralidade das eclesiologias, compreensões e interpretações do mistério da


Igreja, que se sucederam na história da teologia, é principalmente devido à
preferência de um dos momentos fundacionais do que outros. As diferentes respostas
à pergunta sobre a origem da Igreja não se contradizem entre elas, na verdade
manifestam a riqueza do mistério. A forma como se atualiza o plano de salvação nos
ajuda a compreender que estes momentos não são desconexos entre si e ao e muito
menos atrapalham um ao outro. Sendo projeto de Deus para a humanidade, se
desenvolve necessariamente dentro das coordenadas de tempo e espaço. O evento de
Jesus, Filho de Deus, conhece a gradualidade do crescimento, da pregação, da
revelação, até a plenitude no mistério pascal.

A pergunta sobre quando nasceu a Igreja, exige portanto, uma resposta que
leve em consideração seu progressivo transformar-se - já prefigurado por Jesus em
2
várias semelhanças, como aquela do grão de mostarda ou do fermento na massa – sem
absurda pretensão de uma pontualização cronológica que modificaria o mistério
reduzindo-o em sua essência.

Onde quer que se coloque seu início, em cada instante de sua existência e em
seu progressivo atuar, não podemos não colher na vida da Igreja a constante presença
do Espírito.

É ele que desde o primeiro momento do ato criado, quando estava sobre o caos
primordial para imprimir harmonia ao cosmo, é presente em cada novidade, e cada
nova criação.

É ele o sopro vital que dá origem ao homem e o guia no caminho através dos
séculos. Ele sustenta o peregrinar de Abrão e dos patriarcas, unge os reis e inspira os
profetas de Israel. Também nos fatos que, na plenitude dos tempos, assinalam o
formar histórico da Igreja, o Espírito Santo esta presente e é ativo. É presente na
Encarnação, quando desde sobre Maria e a cobre com sua sombra, e está ao longo da
vida de Jesus, do batismo à efusão do sangue e água sobre a cruz, da Ressurreição à
Pentecostes.

Como no batismo no Jordão a efusão do Espírito dá início à vida pública de


Jesus, assim em Pentecostes o Espírito que desce sobre os discípulos coloca em
movimento a comunidade cristã. Os Atos dos Apóstolos nos mostram o Espírito em
ação constante, pronto para iluminar, aconselhar, guiar... O corpo de Cristo é animado
pelo Espírito, segunda a imagem que sempre acompanha a reflexão eclesiológica.

Tudo nela traz a sua marca: A Palavra é espírito e vida, os sacramentos são
espirituais, os ministérios e cargos são espirituais; palavra, sacramento, ministério,
que constituem os três pilares da vida eclesial, o fundamento estável da unidade da
Igreja como povo de Deus, são frutos do Espírito. Mas também as formas de vida e
dos dons que animam a Igreja são espirituais. A Igreja de Cristo é a Igreja do
Espírito. Nenhuma dicotomia, como não há dicotomia na Santíssima Trindade entre o
Verbo e o Espírito (2).

A Constituição dogmática Lumem gentium do Concílio Vaticano II recupera a


antiga tradição de uma Igreja toda carismática, que uma reflexão secular teria talvez
ofuscado acentuando uma leitura irreal sobre o dado cristológico (3). Relendo o
conjunto dos dados neo-testamentais, a Constituição mostra como o Espírito “habita
na Igreja e no coração dos fiéis como um templo (cf. 1 Cor 3,16; 6,19), e neles atesta
a sua condição de filhos adotivos (cf. Gál 4,6; Rm 8,15-16.26). Ele guia a igreja em
direção da verdade total (cf. Jo 16,13), a unifica na comunhão e no serviço, a constitui
a dirige mediante os diversos dons hierárquicos e carismáticos, e a enriquece com
seus frutos (cf. Ef 4,11-12; 1 Cor 12,4; Gál 5,22). Com a força do Evangelho faz
rejuvenescer a Igreja, a renova continuamente e a conduz a união perfeita com seu
Esposo. De fato o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: Vem! (cf. Ap 22,17)” (n.
4; cf. n.7).
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A Lumem gentium reconhece no Espírito aquele que plasma a Igreja, a constrói,
a guia, a purifica, a recria, a santifica com uma ação dinâmica, atual e necessária. Ele
não acrescenta nada para animar uma instituição já realizada em seu ato de fundação
da parte de Jesus, mas é o “co-instituidor”, que a mantém aberta ao dinamismo e a
leva até a pela realização, até quando, passando através do mistério da Cruz,
alcançará “à luz que não conhece ocaso” (n. 9). O Espírito é a garantia de sua
permanência e o frescor de sua perene novidade.

Vale à pena reler neste propósito a conhecida reflexão do metropolita ortodoxo


Hazim di Lattaquié: “O acontecimento pascal, ocorrido uma vez por todas, como se
torna atual (interrogação) Por obra Daquele que desde o início e na plenitude dos
tempos é o artífice: o Espírito Santo. Ele é pessoalmente a novidade que opera no
mundo. Ele é a presença de Deus conosco, “unido ao nosso Espírito” (Rm 8,16); sem Ele
Deus está distante. Cristo está no passado, o evangelho é letra morta, a Igreja uma
simples organização, a autoridade uma dominação, a missão é propaganda, o culto uma
evocação, e o agir cristão uma moral de escravos. Mas Nele e em uma indissociável
sinergia, o cosmo é levado e geme no parto do Reino, o homem luta contra a “carne”,
Cristo ressuscitado está aqui, o Evangelho é potência de vida, a Igreja quer dizer
Comunhão trinitária, a autoridade é um serviço libertador, a missão é um pentecostes,
a liturgia é memorial e antecipação, o agir humano é glorificado.

O Espírito Santo faz acontecer a Parusia em uma epíclese sacramental e


misticamente realista, faz nascer, fala por meio dos profetas, restabelece cada coisa
no diálogo, coloca em comunhão através de sua efusão, atrai em direção ao segundo
advento. Esta energia do Espírito Santo introduz no nosso mundo horizontal um
dinamismo novo, em um tempo diferente e interior.

A esta “redescoberta” da presença e da ação do Espírito está ligada, da parte


do Concílio, a redescoberta do elemento carismático, do qual a teologia parecia ter
perdido. A posição tradicional considerava que com a morte do último apóstolo tivesse
terminado a sua época; tese sustentada durante o Concílio pelo Cardeal Ruffini, que
se opunha a inserção do tema na Lumen gentium.

Em resposta o Cardeal Suenes, ao invés, a escassa atenção ao argumento, como


se os carismas constituíssem na eclesiologia uma realidade acidental. O Espírito Santo
é dado a todos os fiéis e não somente aos pastores. Uma posição que o cardeal
exprime com estas palavras em seus escritos: “De agora em diante não precisará mais
perder de vista que a Igreja não pode existir sem sua dimensão carismática: ser
despida desta dimensão seria para ela não somente um empobrecer, mas uma negação
de seu ser. Sem a essa dimensão a Igreja não seria privada somente de uma parte de
si mesma – como um homem privado de suas mãos- mas deixaria de ser a Igreja, a sua
própria essência seria afetada” (5).

Ao lado dos dons do ofício e do sacramento, que constituem a ossatura do


mistério da Igreja e são asseguradas da presença constante do Espírito, o Concílio

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trouxe à luz outros diferentes desses: os carismas, intervenções livres e gratuitas do
mesmo Espírito Santo. “O Espírito Santo não se limita a santificar o povo de Deus por
meio dos sacramentos e dos ministérios, que o guia e o adorna de virtudes, mas
distribui também entre os fiéis as suas graças especiais, ‘dispensando a cada um os
próprios dons como lhe agrada’ (1 Cor 12,11). Com estes dons ele torna os fiéis
capazes e prontos a assumirem responsabilidades e ofícios úteis a renovação e ao
maior desenvolvimento da Igreja, segundo as palavras: ‘A cada um... a manifestação do
Espírito é dada para a utilidade comum’ (1 Cor 12,7)” (LG 12).

Na mentalidade comum a guia da Igreja parecia reservada ao ministério, a


hierarquia, sob a assistência do Espírito. Assim a santificação parecia estar ligada
exclusivamente a ação sacramental que se torna operante pelo Espírito. O Espírito
sem dúvidas conduz o povo de Deus em direção a plenitude do Reino, garantindo a ele
a estabilidade através do ministério e do sacramento. Mas ele opera também com
livres intervenções, imprevistos, não ligados a determinados ofícios.

A Constituição Lumen gentium, no texto que acabamos de ler, fala de “guia” e


“santificação” do povo de Deus através dos carismas que podem ser doados a todos os
membros da Igreja, dilatando assim a intervenção do Espírito e a sua ação.

Ministério, sacramentos e carismas constituem juntos, os elementos fundantes


da Igreja, e todos estão sob o dinamismo do mesmo Espírito. Seria “fora do lugar”
opor os carismas a instituição. Tanto que o próprio ministério é considerado um
autêntico carisma, no sentido de obra do Espírito: é recebido através da imposição
das mãos, claro sinal epiclético (cf. 1 Tim 4,14). A Eucaristia, à qual são ordenados
todos os sacramentos e ministérios (cf. PO, 5), é fruto da ação do Espírito, que desce
sobre o pão e vinho sempre graças a epíclese. Ministérios e carismas são ambos co-
essenciais a Igreja em sua rica múltipla unidade.

Uma das vozes mais explícitas e fortes sobre isto foi a de João Paulo II que,
em 1987, falando dos novos movimentos de espiritualidade, os descrevia como
fundados “sobre estes ‘dons carismáticos’ os quais, junto com os dons ‘hierárquicos’ –
ou seja os ministérios ordenados- fazem parte dos dons com os quais o Espírito Santo
adorna a Igreja, esposa de Cristo. Dons carismáticos e dons hierárquicos- continuava
o papa- são distintos, mas também reciprocamente complementares(...). Na Igreja,
tanto o aspecto institucional, quanto aquele carismático, tanto a hierarquia quanto as
associações e movimentos de fiéis, são ‘co-essenciais’ e concorrem para a vida, para a
renovação, santificação, seja de modo diverso , mas que haja uma troca, uma
comunhão recíproca” (6).

Mais tarde, falando da objetiva ausência de contraste e contraposição entre


dimensão institucional e dimensão carismática, afirmava novamente que “ambos são
co-essenciais à constituição divina da Igreja fundada por Jesus, porque concorrem
juntas a tornar presente o mistério de Cristo e a sua obra salvífica no mundo” (7).

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Na presente reflexão teológica sobre a Igreja comunhão, o lugar reservado aos
carismas permanece ainda marginal, sem influenciar a visão de conjunto, como resulta
evidente na maior parte dos manuais de eclesiologia. O mesmo relevo poderia ser
colocado a respeito do espaço dado a Virgem Maria, que certamente não é ainda
aquele que desejou assinalar a Lumen gentiun. O fato de ter unido os carismas a Maria
na imaginação eclesiológica não é privado de significado, tendo em vista a estreita
realização entre a dimensão carismática e a dimensão mariana da Igreja (8). A
consequência do escasso significado do tema na reflexão teológica, espelha e junto
encontra a sua ressonância na marginalidade na qual os carismas foram tidos na praxe
pastoral.

Em uma eclesiologia de comunhão devera se reservar uma melhor consideração


aos carismas históricos dos santos, à sua pessoa, suas obras, missão e espiritualidade.
Portanto aos movimentos e as famílias espirituais que eles originaram. Isto vale
também para os carismas atuais, que se exprimem sobretudo nos novos movimentos
eclesiais e nas novas comunidades. Estes, junto com as antigas formas carismáticas,
continuam sendo ações sempre novas do Espírito na Igreja e como tais devem ser
acolhidas, na lógica da destinação eclesial dos carismas. “Quem tem ouvidos ouça o
que o Espírito diz a Igreja” (Ap 2, 7ss)

O carisma é essencial na Igreja de hoje porque era na Igreja das origens e


sempre foi ao longo de sua história.

Quando em Pentecostes, a Igreja se manifesta, ela aparece una e ao mesmo


tempo multiforme.

Una, antes de tudo. As 120 pessoas reunidas no cenáculo tinham já o hábito de


estarem juntas: “estavam juntas” (Atos 1,14), “encontravam-se todas juntas no mesmo
lugar” (2,1). A comunidade “representa em miniatura o novo povo de Deus sem
discriminação ou privilégios. Todos fazem parte: os discípulos da primeira hora, as
mulheres fiéis, as mães e parentes. Passam à segunda ordem a ligação por parentela
ou social e qualificações culturais. Um novo princípio de agregação une este grupo de
pessoas: a adesão a Jesus, o Senhor ressuscitado, a seu projeto de vida. O dinamismo
do Espírito de pentecostes fará expandir esta força de coesão além do pequeno
âmbito do cenáculo de oração” (9).

A unidade se dilata – “Todos aqueles que haviam se tornado crentes estavam


juntos” (2,44) – e , não obstante as tensões, os conflitos, os episódios escuros, essa
se torna inconfundivelmente a fisionomia da primitiva Igreja de Jerusalém. A
primeira descrição resumida mostra os seus membros “assíduos no escutar o
ensinamento dos apóstolos e na união fraterna, na fração do pão e nas orações (...)
estavam juntos e tinham tudo em comum; quem tinha propriedade ou bens os vendia e
repartia entre todos, conforme a necessidade de cada um” (cf. 2, 42.44-45).

Esta unidade entre eles é o fruto da efusão do Espírito operada pelo


Ressuscitado. Também a segunda descrição, que retrata a comunidade em seu ser
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como um só coração e uma só alma (4, 32-35), aparece como consequência de uma
anterior descida do Espírito, o assim chamado pequeno Pentecostes: ‘o lugar na qual
estavam reunidos tremeu e todos ficaram plenos do Espírito Santo’ (4,31). O Senhor
ressuscitado, mandando o seu Espírito, recolhe o fruto de sua obra pascal. Do grão de
trigo caído na terra e morto, germinou a espiga.

A unidade operada por Cristo no Espírito não é todavia niveladora da


diversidade. A comunidade inicial, una, aparece ao mesmo tempo múltipla e rica na
variedade de pessoas, dos deveres, dos dons. As línguas de fogo descem dividindo-se
e pousam sobre a cabeça de cada um (cf. 2,3): o mesmo fogo do Espírito em muitas
línguas de fogo; a única linguagem aramaica é ouvida em diversas línguas (cf 2,6).
Significativa a variedade em torno dos apóstolos, composta de ‘homens religiosos de
todas as nações que estão sob o céu’(2,5)

O longo elenco de povos reportado pelos Atos não é certamente um resumo


cronista, mesmo que descrito em um preciso esquema geográfico. Lucas sublinhou que
naquele dia o Espírito reconstituiu a unidade do gênero humano. Todas as nações
estavam presentes e todos encontravam na unidade da compreensão recíproca, a mais
profunda comunhão, sem que fosse mortificada a multiplicidade e a riqueza dos povos
e línguas. O Pentecostes assinala assim a origem da nova humanidade, do novo povo de
Deus, caracterizado por uma comunhão que sabe valorizar a diversidade.

Os Atos dos Apóstolos documentam também que o surgir da variedade de


deveres ao interno da primeira comunidade cristã, a começar da criação dos Sete,
‘plenos de Espírito e de sabedoria’, aos quais foram impostas as mãos, sinal do dom
carismático (cf. 6,1-6). Um deles, Felipe, chamado ‘evangelista’, realiza milagres – ‘de
muitos endemoniados saíam espíritos imundos, emitindo altos gritos e muitos
paralíticos e coxos foram curados’(8,5-7)- fala de Cristo – ‘levava a Boa Nova do Reino
de Deus e o nome de Jesus Cristo’ (8, 12) - , é guiado pelo Espírito ao encontro com o
eunuco funcionário da rainha da Etiópia (cf. 8,2ss).

Junto aos apóstolos, aos diáconos, aos evangelistas, Jerusalém vê surgir os


profetas. Os Atos recordam aqueles que desceram da Antioquia. Entre ele, um de
nome Ágabo, anuncia ‘por impulso do Espirito’ que viria uma grave carestia sobre toda
a terra (11, 27-28). Na mesma comunidade de Antioquia, segundo polo eclesial depois
de Jerusalém, encontramos profetas e doutores: ‘Barnabé, Simão chamado Niger,
Lúcio de Cirene, Manaém, companheiro de infância de Herodes o tetrarca, e Saulo’.

A eles, enquanto celebravam o culto ao Senhor e jejuavam, se revela o Espirito


Santo pedindo para reservar Barnabé e Paulo para a obra que Ele os havia chamado.
São eles que impõe as mãos e enviam os escolhidos (cf. 13, 1-4). No capítulo 15 são
citados outros dois profetas, Judas e Silas, que sabem encorajar e fortificar os
irmãos (cf. V. 33); um outro de nome Ágabo prevê a prisão de Paulo em Jerusalém (cf.
21, 11-12).

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Pouco a pouco a boa nova se difunde e nascem as igrejas, são animadas por
pessoas carismáticas. Em Éfeso, Paulo apenas impõe as mãos sobre cerca de doze
homens, vê descer sobre eles o Espírito Santo e falam em línguas e profetizam (cf.
19, 6).

Uma comunidade particularmente rica de carismas é a de Corinto. Paulo nos


oferece um elenco de onze carismas presentes na cidade: a linguagem de sabedoria, a
linguagem de ciência, a fé, o dom de operar curas, o poder de milagres, o dom de
profecia, o dom de distinguir os espíritos, a variedade de línguas, a interpretação de
línguas, os dons de assistência e de governo (cf. 1Cor 12, 8-10.27).

A mesma variedade carismática se encontra na comunidade de Roma, onde


aparecem dois carismas – dom de dar e cumprir obras de misericórdia – não
mencionados na carta aos Coríntios (cf. Rom 11, 8). Outros dois carismas, o de
evangelista e de pastor, aparecem na carta aos Efésios (cf. 4, 11). Como atesta o
Apóstolo, a Igreja se fundamenta sobre os apóstolos e profetas (cf. Ef 2,20).

A palavra carisma pode ser considerada um “neologismo” criado por Paulo.


Desconhecida no grego clássico, na mesma koiné aparece somente nas cartas do
Apóstolo, 16 vezes, com exceção de uma anterior menção na Primeira carta de Pedro
(11). A carta recorda a palavra charis, graça, aqui entendida como o infinito amor de
Deus que em Cristo Jesus se derrama gratuitamente - grátis! de gratia, portanto, de
charis- sobre a humanidade. A charis, a graça, é única porque Deus se doa sempre
totalmente. Por isso no Novo Testamento a palavra charis é constantemente usada no
singular, nunca no plural charites, assim também é frequente no helenismo profano.
Quando porém, a única charis diz respeito a a pessoa, essa assume conotações
concretas e particulares. A charis se torna charis-ma, dom “particular”, como faz
entender o sufixo –ma.

Deus ama com totalidade de seu único amor, é sempre para cada um Amor, mas
doa a si mesmo com um amor que se adapta a qualquer um: o único dom se concretiza e
se individualiza para cada pessoa. Por isso a palavra carisma pode ser empregado no
plural, charismata. Em uma única charis, tantos carismas, porque Deus comunica o
mesmo dom em uma maravilhosa multiplicidade e variedade.

É o Espirito Santo que, derramado no coração do crente, transmite os dons de


Deus e distribui os carismas, como lemos em 1 Cor 12, 4-6: “Há diversidade de
carismas (charísmata), mas um só é o Espirito; ha diversidade de ministérios
(diakonía), mas um só é o Senhor; há diferentes atividades (energhémata), mas é o
mesmo Deus que realiza tudo em todos”. As atividades, as energias, que provém do
Pai, fonte da vida, e que tomam forma dos ministérios em referência a Cristo que veio
para servir, nascem em forma de carismas, por obra do Espírito que exprime toda a
gratuidade, a imprevisibilidade e a perene novidade do dom concedido pela Trindade.

Enquanto dom sobrenatural, o carisma não pode nunca ser considerado


separadamente de sua fonte. Dele não se pode apropriar. É um dom gratuito que pode
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ser somente acolhido. Isso o diferencia do “talento”, que é um simples dote humano
inerente a natureza do homem, mesmo que todo o “humano” seja revestido do dom do
Espírito e por Ele seja plenamente envolvido, interagindo como projeto divino. O
carisma é um dom destinado a toda a Igreja, à sua construção. Os dotes humanos, os
“talentos” (nome que deriva da conhecida parábola evangélica), que mesmo sendo dons
com os quais enriquece a pessoa em Cristo, são dons pessoais, mesmo se, no
carismático, esses possam servir no exercício do carisma.

Se com a palavra charisma se refere a uma concreta aplicação da graça e do


Amor de Deus, com essa se pode indicar todas as intervenções de Deus a favor do
homem. Por isso Paulo a usa para indicar a graça por excelência, a justificação (cf.
Rom 5, 15-16) e a vida eterna (cf. Rom 6, 23), como também os dons concedidos ao
povo de Deus na Antiga Aliança (cf. Rom 11, 29), uma particular forma de vida(cf. 1
Cor 7, 7), a libertação do perigo da morte (cf. 2 Cor 1, 11), a imposição das mãos (cf. 1
Tim 4, 14; 2 Tim 1, 6), a sua própria pregação (cf. Rom 1, 11).

Paulo, todavia, emprega esta palavra de modo todo particular quando se refere
a vida da comunidade. Nos capítulos 12-14 da primeira carta aos Coríntios e no
capítulo 12 da Carta aos Romanos ele usa a palavra charisma para indicar a variedade
dos dons, papéis e vocações presentes na comunidade eclesial. Eles foram distribuídos
para que toda a comunidade possa crescer e alcançar a sua plena maturidade. Cada
dom se transforma em serviço, também aquele pessoal, como o falar em línguas: “A
cada um é dada uma manifestação particular do Espírito para a utilidade Comum” ( 1
Cor 12, 5).

Quanto mais os dons contribuírem para a edificação do Corpo de Cristo, maior


será o seu valor. Por isso Paulo corrige os Coríntios que procuram não tanto os dons
que eram mais úteis ao crescimento da comunidade, mas aqueles mais espetaculares,
que colocam a pessoa em destaque. O critério de identificação é claro: eles são “para
a edificação da comunidade” (1Cor 14, 12), portanto “tudo se faça para a edificação” (!
Cor 14, 26). A caridade, tendo a máxima eficácia na construção e crescimento da
Igreja, é o dom supremo que da sentido a todos os outros dons.

Presentes na Igreja primitiva, os carismas permanecem uma constante ao longo


de toda a historia. A terminologia e elaboração doutrinal tiveram uma história toda
particular que aqui não é momento de recordar (11). De fato o Espírito nunca deixou
de guiar a sua Igreja e de santificá-la mediante estes dons que distribui como quer e
a quem quer, Ele que é a “criatividade”; se sente o sopro sem saber de onde vem e
nem para onde vai (Jo 3, 8). Mesmo quando, ao longo da história da Igreja, se perde a
noção de carisma ou se relega a fenômenos particulares e marginais, a vida dos santos
e das santas mostra a realidade de sua constante presença.

Homens e mulheres como o Pseudo Gionigi, Ildegarda de Bingen, Matilde de


Magdeburgo, Angela de Foligno, Meister Eckhard, Caterina de Siena, Margherita
Maria

9
Alacoque, Leonardo da Porto Maurizio, John Henry Newman, Frédéric Antoine
Ozanam, são somente alguns entre a inumerável multidão de carismáticos, leigos,
religiosos, padres, bispos, que mesmo não tendo dado vida a uma própria família
religiosa, são expressão de santidade e renovação, e erradicaram a Igreja de luz
evangélica.

É todavia inegável que, onde maiormente aparece a ação carismática do Espírito,


é no suscitar homens e mulheres capazes de profecia, que dão vida a novas formas de
vida crista, a leituras particulares do Evangelho, a espiritualidade, a movimentos, a
ordens e famílias religiosas. O carisma adquire, nestes casos, uma validade coletiva,
capaz de envolver mais homens e mulheres no mesmo ideal evangélico e de serviço,
assegurando a continuidade na Igreja, a expansão no espaço e no tempo a inicial
experiência carismática.

Para os Padres do Concílio Vaticano II a vida consagrada, em suas inumeráveis


manifestações históricas, aparece como uma tipica manifestação da “infinita potência
do Espírito admiravelmente operante na Igreja” (LG 44). Eles davam destaque a
providencialidade da multiplicidade dos carismas – mesmo se este termo, aplicado a
vida consagrada aparecerá somente no magistério pós-conciliar- expressos na
variedade das famílias religiosas. O decreto conciliar Perfectae caritatis fala de uma
“maravilhosa variedade de comunidades religiosas” desenvolvidas por desígnio divino
ao longo dos séculos; da “variedade de dons” dos quais a Igreja é rica e que a rendem
“esposa adornada para o seu esposo”, manifestação da “multiforme sabedoria de
Deus”(n. 1); dos “diversos dons segundo a graça”(n.8), do “espírito e índole genuína do
instituto”, da “natureza própria de cada um” (n.20).

Como inseriu na reflexão eclesiológica o carisma, do mesmo modo o Concílio


considerou também a vida Consagrada enquanto vida carismática, no âmbito da
reflexão sobre Igreja. A ela reservou um inteiro capitulo na Constituição dogmática
Lumem gentiun, reconhecendo sua natureza dogmática e eclesiológica.

A afirmação segundo a qual o estado dos consagrados “se se guarda a divina e


hierárquica constituição da Igreja, não é intermédio entre a condição clerical ou
laical, mas de ambas as partes alguns fiéis são chamados a usufruir deste especial
dom na vida da Igreja e ajudar, cada um a seu modo, a sua missão salvífica” (LG 43),
parece indicar a vida consagrada, e com ela os carismas dos quais é expressão, como
um dom na Igreja.

De outra parte no n.44 se lê que o estado religioso “mesmo não concernente a


estrutura hierárquica da Igreja, pertence todavia, indiscutivelmente (inconcusse) a
sua vida e a sua santidade”. Aqui ela aparece como uma realidade da Igreja. “Este
estado de vida – comenta João Paulo II no contexto do Sínodo sobre a vida
consagrada em 1994- permanecerá sempre como elemento essencial da santidade da
Igreja” (12).

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Um dos frutos maduros do Concílio sobre o assunto é a exortação apostólica
pós-sinodal Vita consecrata. Desde o primeiro número esta particular forma
carismática é apresentada como manifestação do mistério e da missão da Igreja: “Ao
longo dos séculos nunca faltaram homens e mulheres que, dóceis ao chamado do Pai e
a moção do Espírito, escolheram esta via de especial seguimento a Cristo (...). Deste
modo eles contribuíram para manifestar o mistério e a missão da Igreja com os
múltiplos carismas da vida espiritual e apostólica que lhes foi dado pelo Espírito
Santo(...). n.1

A Exortação continua afirmando que a vida consagrada, próprio quanto vida


carismática, pertence à vida da Igreja não de modo genérico, mas no mesmo coração,
como “elemento decisivo para a sua missão”. Ela de fato – e aqui se toma um texto da
Ad gentes

“exprime a íntima natureza da vocação cristã”. Quando no Sínodo se tratou


desta vocação os Padres eram conscientes de ter diante se si “não uma realidade
isolada e marginal”, mas uma realidade que “diz respeito a toda a Igreja”. Podiam
dizer com verdade: de re nostra agitur (cf. n. 3).

No número 29, retomando o que esta na Lumen gentium, se afirma que a vida
consagrada pertence intimamente à natureza, à santidade, à missão da Igreja, a ponto
de resultar em “parte integrante” de sua própria vida. Ela se apresenta como um
“elemento irrenunciável e qualificante (da Igreja), enquanto expressão de sua própria
natureza”. Consequentemente “a concepção de uma Igreja composta unicamente por
sacros ministros e leigos, não corresponde, portanto, as intenções de seu divino
Fundador, como nos mostra os Evangelhos e de outros escritos neo-testamentais”.

Não se poderia afirmar de modo mais explicito o caráter divino da fundação da


vida consagrada e carismática, a co-essencialidade do carisma a respeito do
ministério, mesmo se contemporaneamente e, diria, indissociavelmente se tem bem
presente a sua dimensão histórico-evolutiva. A explicitação da vontade fundante de
Cristo encontra de fato o seu desenvolvimento em concretas formas carismáticas ao
longo da história da Igreja graças a ação do Espírito. O carisma não é portanto dado
uma vez por todas, como é ao invés o ministério, mas se atualiza em formas sempre
novas no tempo.

A Igreja não pode renunciar aos carismas diante da rotina burocrática e


tornar um fim em si mesma, o enrijecer tradicionalístico, o fechamento ao novo, a
extinção do Espírito. Paulo VI, na Exortação apostólica Evangelica testificatio,
falando da vida consagrada, fazia entender o valor de cada realidade carismática:
“Sem este sinal concreto, a caridade que anima toda a Igreja arriscaria esfriar-se, o
paradoxo salvífico do Evangelho seria minimizado, o “sal” da fé de diluir-se em um
mundo em fase de secularização” (n. 3).

11
II - EM DIRECAO À PLENITUDE DA VERDADE

Com o Verbo que se faz homem irrompe na história uma novidade absoluta.

Jesus deixa todavia, vislumbrar uma anterior novidade, a escatológica,


anunciando uma criação nova (cf. Mt 19,28). O apocalipse já mostra como realizados
novos céus e novas terras, são feitas novas todas as coisas (cf. 21, 1.5). A Igreja vive
no tempo o “novo” inaugurado por Jesus, e junto prepara e se prepara ao “novo”
escatológico, definitivo. Mas entre o novo do evento Cristo e o novo escatológico, o
velho é sempre uma armadilha. A tentação da Igreja é dobrar-se sobre o passado,
sobre o já vivido, sobre a reiteração das formas tradicionais, e até mesmo pré-
cristas, porque frequentemente o passado parece sempre mais confortante e requer
menos empenho, não necessita de criatividade.

Para salvaguardar a novidade evangélica Jesus manda o seu Espirito. A Ele o


dever de recordar as suas palavras, não de maneira estática, repetitiva, mas dinâmica
e aberta a uma compreensão sempre mais plena, dilatando sobre o futuro escatológico
(cf. Jo 16,13). Os carismas são as intervenções do Espírito na história voltados a
garantir esta novidade evangélica, a explicitar as novidades germinais nela contida, a
guiar a Igreja e com ela a inteira criação em direção a definitiva novidade
escatológica.

Um carisma é uma luz que investe uma pessoa transformando-a em Evangelho


vivo, que nela se faz carne, vida, obras. Quando essa pessoa se revela capaz de guiar
outros sobre a mesma estrada, tornando-os participantes da mesma experiência e
orientando-os em direção ao Evangelho acolhido em toda a sua novidade, para fazer
de todos eles uma única Palavra vivente, o carisma adquire uma validade “coletiva” e
pode ser transmitido e perpetuado no tempo. Disto nasce um movimento, uma
espiritualidade, frequentemente uma família religiosa, um corpo que junto encarna a
novidade do Espírito respondendo de maneira criativa as questões da história. .

Mais uma vez devemos voltar à origem da Igreja, em Jerusalém. Em Jerusalém,


no dia de Pentecostes, o Espírito Santo desce em plenitude, com toda a sua força, e
da início a sua missão: introduzir os cristãos na dimensão mais profunda da novidade
12
evangélica. Começando de seu coração: o mandamento novo do amor recíproco (Jesus
mesmo o define “novo” porque “seu”, vindo do próprio coração da Trindade (cf. Jo
13,34;15, 12) e a unidade que dele surge; a unidade que é o seu último desejo e objeto
de sua mais ardente oração (cf. 17, 20-22).

Mesmo se desde o início não faltam dificuldades e tensões, a vida da primitiva


comunidade é logo caracterizada pela unidade. Os Atos dos Apóstolos recordam
algumas vezes que os crentes estão juntos rezando, unidos na escuta da experiência
que os apóstolos narravam de quando estavam com Jesus, tinham um só coração, uma
só alma e colocavam em comum os bens (cf. 2,42-45; 4, 32-35). A vida da primeira
comunidade, na descrição idealizada por Lucas, é como um “rascunho”, um modelo para
a vida da Igreja sempre. É a vida cristã em seu mais alto momento carismático, o
Pentecostes. De agora em diante a unidade será também a primeira das “notas” da
Igreja de sempre: una, santa, católica e apostólica.

Na Igreja de Pentecostes, porque vive o mandamento novo e a unidade, estão


reunidos, quase de forma incandescente, todas as palavras do Evangelho, contidas e
expressas na realidade da unidade. Vem a mente a teoria do “Big Bang”, segundo a
qual a origem do universo estava condensada toda na energia que depois teria sido
liberta dando vida às galaxias, às estrelas, aos planetas... Também a plenitude de vida
de Pentecostes, origem da Igreja, deveria pois expandir-se ao longo do curso dos
séculos e, no contato com a história, dar origem a múltiplos carismas e
espiritualidades, e cada um tem sido uma encarnação de uma palavra do Evangelho,
uma explicação vital.

O Espírito “abre” por assim dizer, a unidade inicial e pouco a pouco faz com que
seja liberada toda a riqueza nela contida. É um caminho sofrido e ao mesmo tempo
apaixonante, um crescimento gradual através do qual Ele conduz a Igreja à plenitude
de vida. A consumação final será ainda mais bela do que o princípio. As palavras do
Evangelho voltarão todas a unidade inicial da qual foram liberadas, após terem sido
traduzidas em vida e ter cumprido a obra de Deus. Todos os carismas e todas as
espiritualidades que dela derivam, nascem da única fonte do Espirito, de Pentecostes
e todos são destinados a tornarem-se unidade.

A Constituição dogmática Dei Verbum explica nesta linha a sempre nova e mais
profunda compreensão da insondável riqueza da Palavra de Deus. Ela, afirma o
Concílio, progride com a assistência do Espírito Santo, graças ao trabalho do
Magistério e dos teólogos. Mas existe um outro tipo particular de exegese que
acontece “com a experiência de uma mais profunda inteligência das coisas
espirituais” (n. 8). Aqui se pode ver a constante presença, ao logo da história da
Igreja, de homens e mulheres “espirituais”, iluminados e guiados pelo Espirito,
tornados por Ele capazes de uma compreensão e atualização nova da Palavra de Deus.

A Comissão Teológica Internacional, partindo deste texto magisterial,


reconhece que a interpretação da Escritura “se realiza a luz da fé; recebe o próprio

13
impulso dos carismas e do testemunho dos santos que o Espírito de Deus doa a sua
Igreja em cada época”(1). Hans Urs von Balthasar, falando dos santos, afirmou que
eles são “uma nova interpretação da revelação, um enriquecimento da doutrina diante
dos novos trechos até agora pouco considerados. Mesmo se estes santos não tenham
sido teólogos ou doutores, a existência é um fenômeno teológico que contém uma
doutrina verdadeira, doada pelo Espírito Santo”. Eles representam “aquela parte viva
e essencial da tradição que, em todos os tempos, mostra o Espírito Santo no ato de
interpretar de modo vivo a revelação de Cristo fixada na Escritura. (...) Sou o
“evangelho vivo”. (...) Somente quem habita o espaço da santidade pode compreender e
interpretar a palavra de Deus”(2)

O surgir de sempre novos carismas pode ser lido como um implantar de Cristo
ao logo dos séculos, como um Evangelho vivo que se atualiza sempre com novas formas,
apresentando a todos Cristo “ou enquanto Ele contempla sobre o monte, ou anuncia o
Reino de Deus à multidão, ou cura os enfermos e os feridos e converte para uma vida
melhor os pecadores, ou abençoa os pequenos e faz o bem a todos, sempre obediente
a vontade do Pai que O enviou” (LG 46)

Para recolher a validade evangélica dos carismas ocorreria repercorrer a


inteira história do Povo de Deus. Veríamos então “encarnar-se”, em lugares, tempos e
modos diversos, as palavras de Jesus, uma a uma; Veríamos o próprio Jesus através
dos carismas, constantemente presente entre os seus, como prometeu (cf. Mt 18,
20;28, 20). O façamos com rápidas menções, percorrendo apenas a história da
espiritualidade cristã. (3).

Uma das primeiras palavras que o Espírito diz novamente a sua Igreja é o
mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração, com toda a sua alma e
com toda a sua mente” (Mt 22, 37). Sobre esta palavra, poucos anos depois da
experiência dos primeiros cristãos, vemos nascer um modo particular de atualizar o
Evangelho. Alguns homens primeiro, e depois algumas mulheres se sentem impelidos
pelo Espírito Santo a retirar-se na solidão, no deserto. Em um tempo no qual a
radicalidade evangélica, que caracterizava os inícios da vida cristã, estava se
perdendo, era necessário reafirmar o primado do absoluto de Deus. Até aquele
momento isto era testemunhado através do martírio, mas agora que o martírio era
cada vez mais raro, o Monaquismo tornou-se o substituto e a continuação.

O primeiro a escolher este estilo de vida – pelo menos idealmente – foi Antônio
do deserto, que viveu no século III no Médio Egito. Tinha entre 18 e 20 anos, quando
em um domingo, na igreja, ouviu a leitura dos Atos dos Apóstolos, na qual se narra que
os primeiros cristãos vendiam o que possuíam e entregavam o que conseguiam aos
Apóstolos. Ele ficou profundamente impressionado. No domingo seguinte foi lido o
trecho do Evangelho no qual Jesus, dirigindo-se ao jovem rico, o convida: “Se queres
ser perfeito vai, vende tudo o que tens, da aos pobres, e depois vem e segue-me” (Mt
19, 21).

14
Antônio acolhe aquelas palavras como se fossem endereçadas a ele: se sente
interpelado pessoalmente. Vende tudo o que tem, dá aos pobres e vai para o deserto.
A sua resposta é sem dúvida condicionada a particulares fatores culturais, todavia, a
sua escolha permanece motivada pela Palavra de Deus. As primeiras páginas da Vita
Antonii atestam o quanto a Palavra era central em seu itinerário espiritual: “estando
atento a sua leitura guardava para si o fruto copioso”(4). A sua vida é como um campo
aberto, arado, pronto para a colher a semente da Palavra e fazê-la frutificar; “era
tão atento na leitura das Escrituras, que nada do que estava escrito era estéril na
terra de sua mente” (5).

Para ele e no sucessivo Monaquismo a vida solitária se inspira no exemplo de


Elias, de João Batista, e sobretudo no exemplo de Jesus que se retirou no deserto
por quarenta dias para lutar contra o diabo e que frequentemente, na madrugada, saía
para rezar sozinho na montanha. Os solitários querem realizar o mandamento de
Jesus de rezar sempre, sem cansar. O carisma aparece como um Evangelho vivido.

Logo se descobre que a via de santidade é mais fácil se um ajuda o outro.


Nascem os primeiros cenóbios, “laure”, os mosteiros, onde os monges estão juntos
para caminhar mais rapidamente em direção a Deus. É a experiência de Pacômio e
Basílio no Oriente, de Agostinho e Bento no Ocidente. É a experiência de grande
parte do Monaquismo do primeiro milênio da era cristã.

É significativo o caminho de Basílio, o Grande, que viveu no século IV na Ásia


Menor. Atraído pela fama de santidade dos monges do deserto vai em peregrinação
aos mais famosos lugares de solidão: no Egito, na Síria e na Palestina. Fortemente
marcado pelo testemunho de vida deles, deseja seguir o exemplo. Mas logo, graças
também ao relacionamento de comunhão com os seus antigos amigos, que se tornaram
santos como ele, compreende a importância de condividir, do auxílio recíproco, dando
vida a uma fraternidade. Quando os discípulos lhe perguntaram se era melhor viver
sozinhos ou junto, ele explica a superioridade da vida em comum, seja porque a pessoa
humana, assim como Deus a desejou, é chamada a relação, seja porque existe o
imperativo evangélico que é viver o mandamento do amor.

Se os anacoretas com sua escolha de vida, iluminavam o primeiro mandamento,


se poderia dizer que aos cenóbios o Espirito Santo faz descobrir o segundo: “Amarás
o próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 37)

O Carisma monástico, em todas as sua múltiplas forma e reformas, se alimenta


portanto do Evangelho, e o Evangelho vive constantemente na Igreja em toda a sua
atualidade. Se dizia que os monges ruminassem a Escritura; a deixam penetrar
lentamente e constantemente no coração, de modo que inspirasse o seu
comportamento, o pensamento, a oração.

A emblemática Regra de Bento é colocada inteiramente sob o ensinamento da


escuta da Palavra de Deus: “Escutemos a voz de Deus que todos os dias se dirige a
nós...”(6); “O que pode ser mais doce para nós irmãos caríssimos, do que esta voz do
15
Senhor que nos chama?” (7). Trata-se de tornar-se discípulos da Palavra, acolhê-la,
colocá-la em prática: “O Senhor espera a cada dia que nós respondamos com os fatos
as suas santas admoestações” (8). Bento estima a sua Regra como uma simples
iniciação para os principiantes, para o restante indica a Escritura como “norma
retíssima para a vida do homem”(9).

Na Regra atribuída a São Bruno, lemos um análogo pensamento: “O Evangelho de


Nosso Senhor Jesus Cristo, interpretado pelos doutores da Igreja católica, servira
de regra a todos os Cartuxos”(10)

No século XII, santo Estéfano de Muret, fundador da Ordem de Grandmont,


reassume o anseio do Monaquismo do primeiro milênio a viver o Evangelho com estas
famosas e significativas palavras: “Em direção da casa do Pai supremo (...)existem vias
diversas(...), Diversos Padres nos recomendaram estas vias em textos que são
denominados Regra de São Basílio, de Santo Agostinho, de São Bento. Mais tais
regras não são a fonte da vida religiosa. Elas são derivadas (...) De fato para a fé e
para a salvação existe somente uma regra primeira e principal, da qual derivam todas
as outras como córregos da fonte: se trata do santo evangelho que o Salvador
transmitiu aos apóstolos e que eles anunciaram fielmente a todo o universo”.

Dirigindo-se depois aos seus monges os admoesta: “Se alguém vos pergunta que
profissão ou de qual regra, ou de qual ordem sois, respondereis que sois da primeira e
principal regra da religião cristã, ou seja, o Evangelho, fonte e princípio de todas as
regras”. E de fato intimamente convicto que ‘não há outra regra que não seja o
Evangelho”(11). A multiplicidade dos carismas encontra origem no viver as muitas
palavras do único Evangelho.

Com o nascer dos Mendicantes o movimento de retorno ao Evangelho se faz


ainda mais intenso, “como se fosse possível”.

Domingos de Gusmão “em todos os lugares se manifestava como um homem


evangélico, nas palavras assim como nas obras”(14). Por isso “frequentemente, seja
oralmente, seja através de cartas, admoestava e exortava os freis da Ordem a
estudar continuamente o Novo e o Antigo Testamento. (...) Ele levava sempre consigo
o Evangelho de Mateus e as Epístolas de Paulo, e as estudava tanto que sabia quase
de memória”(15). Ele era portanto, um Evangelho vivo, capaz de anunciar o que vivia, e
assim queria que fossem também os seus pregadores, “homens evangélicos”(16).

Para Francisco de Assis a Regra é “a vida do Evangelho de Jesus”(15), ele


afirmava que o Altíssimo lhe havia revelado que deveria viver sob a forma do santo
Evangelho”(16). A Regra bollata inicia com o mesmo teor: “A Regra e a vida dos frades
menores é esta, observar o santo evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo...”(17). E
não foi diferente com Clara de Assis que compreendeu plenamente a experiência de
Francisco: “A forma de vida da Ordem das pobres irmãos (...) é esta: observar o santo
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo”(18). Ela também com suas irmãs, “por divina
inspiração” escolheu “viver segundo a perfeição do santo Evangelho”(19).
16
Para Francisco e Domingos o Espírito Santo faz descobrir novas palavras
evangélicas: aquelas dirigidas aos seus discípulos quando os envia dois a dois a
anunciar o Evangelho, pedindo a eles de não levarem nada para a viagem e viverem na
pobreza (cf. Mt 10,5ss). Os frades vão como discípulos de Jesus em direção aos
quatro cantos do mundo para proclamar o Reino de Deus e testemunham a
fraternidade que derrubam as barreiras e as hierarquias feudais e aristocráticas que
eram fortes naquela época.

Francisco e Domingos souberam interpretar as novas sensibilidades e as novas


exigências populares expressas pelo vasto “movimento pauperismo” que surgiu na
Europa, na busca de uma Igreja pobre e simples e que chegava até mesmo a heresia.
Os dois santos vivem e ensinam aos seus frades uma pobreza verdadeira, toda
impregnada de motivação evangélica, que se contrapõe a avidez por dinheiro própria
do tempo. A altíssima pobreza de espírito se torna escolha e proposta de vida, a
ponto de levar Francisco, nos últimos anos de sua vida, a uma solidão também física,
aquela que passou, no Alverne, quando o Espírito o configura a Cristo pobre e
crucificado. “Eu, frei Francisco pequeno, escreve a Santa Clara como sua última
vontade, quero seguir a vida e a pobreza do altíssimo Senhor Nosso Jesus Cristo e de
sua santíssima Mãe, e nisso perseverar até o fim”(20).

Nos Países Baixos e na Alemanha, um século mais tarde, entre os anos 1300 3
1400, surgem novas espiritualidades graças a outros grandes misticos, Maestro
Eckhart, Giovanni Tauler, Enrico Susone, Jan van Ruysbroec, homens carismáticos que
dão origem a espiritualidade da mistica chamada “renana” – porque floresceram nos
vales do Reno- e a chamada “devotio moderna”, ligada à escola flamenga.

São pessoas apaixonadas pela Escritura. A maior parte de seus escritos são
homilias e sermões dirigidos ao povo comentando as leituras da Bíblia. Colocam a
disposição de todos a Palavra de Deus, dão vida aos grupos dos “amigos de Deus”, na
convicção que a todos é acessível a experiência de Deus.

Buscam a Deus no “fundo da alma”, naquela parte mais íntima do próprio ser, na
qual acontece a geração do Filho e o movimento do amor trinitário. É o Espírito Santo
que convida a entrar em si mesmo para encontrar além de si mesmo a união mais
profunda com Deus e participar de sua vida, fazendo a Igreja experimentar as
palavras de Jesus sobre a morada interior e sobre o estreito relacionamento entre a
Palavra de Deus e a inabitação da Trindade na alma: “Se alguém me ama, observara as
minhas palavras e meu Pai o amará e nós viremos a ele e faremos nele nossa morada”
(Jo 14, 23).

Mas para chegar a esta união com Deus é necessário renunciar inteiramente a si
mesmo, esvaziar-se de tudo. Somente assim o “a alma” é plenamente disponível a
Deus. Desapego, abgescheidenheit, se torna a cifra desta mística. “Quer que Deus
consiga entrar ? – se pergunta Taulero- Então as coisas criadas e tudo aquilo que tens
em tua posse deve dar espaço a ele”(21). E eis o Espírito sugere outras palavras

17
evangélicas, com as quais Jesus convida ao desapego de tudo e de todos para poder
segui-Lo com o coração livre e puro.

Um pouco mais tarde, no novo clima cultural trazido pelo Humanismo e


Renascimento, o Espírito suscita na Igreja uma nova onda de carismas que reavivam a
presença, a meditação e a atualização da Escritura. Enquanto o Concílio de Trento
coloca sérias restrições ao uso da Bíblia na vida dos fiéis, ao ponto que a Palavra de
Deus parece ter sido levada ao “exílio”, deixando órfão grande parte do povo cristão,
sobretudo os leigos, do outro lado, a Bíblia encontra plena acolhida e morada em
homens como Inácio de Loyola, Teresa d’ Ávila, João da Cruz(1500), o nos séculos
seguintes, em Francisco de Sales (1600), Grignon de Monfort, Afonso de
Ligório(1700).

Também nestes séculos, nos quais a luz da Escritura parece obscurecida, ela
continua a iluminar o nascimento de novas formas de vida evangélica. O Espírito
permanece fiel à sua missão de recordar as palavras de Jesus e transforma-las em
vida.

Os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola são autênticos “exercícios” para


entrar na Palavra de Deus e para levá-la com a própria vida. Paulo II, aprovando este
livro, reconhecia que os Exercícios eram “ex Sacris Scriptura elicita”(22). Através
deles o Espírito recorda toda a Igreja que devemos discernir a vontade de Deus e
aderir a ela com plena obediência, continuando a obediência e a missão de Jesus.

O Castelo interior, obra-prima de Teresa d’ Avila, contém mais de 300 citações


bíblicas explícitas ou implícitas da Bíblia. Através dele o Espírito recorda à toda a
Igreja o chamado a perfeita comunhão com Deus e que se entra na intimidade com
Deus sobretudo através da oração, experimentada como “um relacionamento amigável,
retomado e desejado repetidas vezes, realizado à sos com Aquele que sabemos que
nos ama”(23).

Para João da Cruz o recorrer contínuo as Escrituras é a ultima garantia da


verdade de sua experiência e das intuições espirituais: tudo deve ser “confirmado e
explicado mediante as sentenças da Escritura divina”(24). Ele recorda as exigências
do caminho de sequela, que requer o mais completo despir-se, o “nada”, a passagem
através das noites mais escuras, para chegar a plena união com Cristo e a
transformação Nele.

Estes grandes carismáticos são movidos pela paixão de viver como Jesus, de
serem transformados na imagem Dele, o Filho Amado. A meditação de sua vida e de
suas palavras é toda projetada a viver como Ele, ao ponto de sentir a paixão pela
Igreja e a paixão pelo homem concreto amado por Deus e ajudado a viver até o fim a
experiência do amor de Deus. Criticam a religiosidade e a mística, próprias do
barroquismo nascente, que não transforma o coração e que permanece somente nas
formas externas, promovendo um novo modo de vida cristã, que leva em conta a
centralidade e o valor do homem, de cada homem.
18
Nos séculos seguintes ao Concílio de Trento o Espírito doa à Igreja novos
carismas que levam a uma atenção as necessidades cotidianas das pessoas, sobretudo
dos pobres e últimos. Os santos se sentem chamados a responder às grandes
necessidades sociais, a humanidade em toda a sua miséria: enfermos para serem
curados, jovens para serem instruídos, pobres para serem ajudados.

A configuração com Jesus Crucificado e Redentor os faz experimentar a sua


misericórdia e os torna capazes de misericórdia e de doar a vida em obras de
misericórdia, imitando Jesus que passou pelo mundo fazendo o bem a todos.

É a época de São Camillo de Lellis, de São João de Deus, de São Vicente de


Paula, de São João Batista de la Salle, aos quais o Espírito revela as palavras do
Evangelho que giram em torno do juízo final: “Estava enfermo e me visitastes, com
fome e me destes de comer...Todas as vezes que fizeste qualquer coisa ao mais
pequeno destes meus irmãos, foi a mim que fizestes” (Mt 25, 31ss).

Deles nascem espiritualidades de serviço, de amor concreto que terão um novo


incremento no século XIX e inicio do século XX, com o extraordinário florescer das
Congregações religiosas, através das quais a Igreja aparece “preparada para toda
obra boa” (LG12), Os novos carismas operam com criatividade evangélica, expressão
do amor por Deus e por todos os homens, imagem de Deus. Aliviar as diversas formas
de pobreza é “entrar em seus sentimentos (de Jesus) – dizia São Vicente de Paula,
interpretando todos os santos da caridade- , fazer aquilo que ele fez e seguir o que
Ele ordenou...Ele mesmo desejou nascer pobre, ter pobres em sua companhia, servir
os pobres, colocar-se no lugar dos pobres, ao ponto de dizer que o bem e o mal que
fizermos aos pobres, estaremos fazendo à sua pessoa divina”(25).

Nos anos 1800 o Espírito, através do grande movimento missionário repete de


maneira nova uma outra palavra do Evangelho: “Ide por todo o mundo, evangelizai toda
criatura...”(Mc 16, 15). E eis novos grandes carismáticos: Eugênio de Mazenod, Antônio
Maria Claret, Francesco Maria Paolo Libermann, Arnold Janssen, Daniele Comboni,
Charles-Martial Allemand Lavigerie...

E estamos nos nossos tempos. Também na Igreja de hoje não faltam carismas
que se exprimem sobretudo nos movimentos eclesiais e nas novas comunidades, os
quais colocam em relevo a consagração batismal de todos os cristãos e o sacerdócio
comum, quase um Pentecostes leigo, capaz de reviver a frescura da Igreja primitiva.

Em 30 de maio de 1998, vigília de Pentecostes, quando os Movimentos e as


novas comunidades eclesiais se encontraram pela primeira vez juntas, na Praça São
Pedro, João Paulo II disse à proposito: “O que aconteceu em Jerusalém há mais de
dois mil anos, é como se nesta tarde se renovasse nesta praça!”

Os novos carismas encontram a via para atuar o universal “chamado à plenitude


da vida cristã e a perfeição da caridade” invocada pelo Concílio (LG). Vivaz é a
participação ativa na missão da Igreja, corrente da mesma vocação batismal, e
19
redescoberta em sua especificidade: levar o Espírito de Cristo em todas as
realidades temporais, uma missão aberta às inúmeras iniciativas, sejam pessoais,
sejam comunitárias (cf. LG, 31-36), em um comportamento positivo em direção ao
mundo e um estilo de vida fortemente inserido nas realidades sociais e políticas. A
novidade trazida pelos novos carismas é uma

profunda carga espiritual, evangélica, de comunhão que faz reviver os


elementos da vida cristã com insólita genuidade, fresqueza e simplicidade.

Depois que nestes séculos de história que foram vividas uma a uma tantas
palavras do Evangelho, agora parece que o Espírito de Deus queira reportar os
cristãos a viverem o Evangelho em sua centralidade dos inícios pentecostais: o
mandamento novo, a unidade, compreendidos de maneira mais profunda, graças ao
percurso de dois mil anos de Evangelho encarnado, palavra por palavra, através da
experiência dos santos.

III - PALAVRAS NA PALAVRA

Uma notável contribuição à compreensão dos carismas como palavras do


Evangelho encarnado foi oferecido por Chiara Lubich, uma das maiores mulheres
carismáticas de todos os tempos, fundadora do Movimento dos focolares. A entrega
do doutorado honoris causa em Teologia da vida consagrada a ela da parte do
Instituto “Claretianum” da Pontifícia Universidade Lateranense, em 24 de outubro de
2004 é um alto reconhecimento disto. (1)

Ela vê o suceder-se dos carismas como um Cristo encarnado nos séculos, um


Evangelho vivo que se atualiza sempre em novas formas. Esta leitura teológica, hoje
familiar, deve muito a ela, que diversas vezes a delineou de modo sintético em seus
escritos e em seus discursos. Assim anotava, por exemplo, em 1950:

“Jesus é o Verbo de Deus encarnado.


A Igreja é o Evangelho encarnado. Assim é Esposa de Cristo.
Nos vemos através dos séculos florescer tantas Ordens religiosas sob
tantas inspirações. Cada Ordem ou Família Religiosa é a encarnação de uma
“expressão” de Jesus, de uma sua Palavra, de seu comportamento, de um fato
de sua vida, de uma dor sua, de uma parte Dele.
Vemos São Francisco e os franciscanos como expressão da Palavra
Evangélica: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque...”(Mt5,3). Santa
Terezinha e seus seguidores como encarnação da Palavra: “Se não vos
converteis...” (Mt 18,3). As irmãs de Belém, de Nazaré, de Betânia, etc.,como
expressão de um comportamento ou de um momento da vida de Jesus; os
Estigmatinos como encarnação da dor de Jesus em suas Sagradas Chagas,
ect.;Santa Catarina do Sangue de Cristo; Santa Maria Margarida M. Alacoque

20
do Coração de Jesus, etc.
Ou seja, nós vemos a Igreja como um Cristo spiegato através dos
séculos. (...)
A Igreja é um magnífico jardim no qual florescem todas as Palavras de
Deus: floresce Jesus, Palavra de Deus, em todas as mais variadas
manifestações.(...)
Como a água se cristaliza em estrelinhas de todas as formas quando cai
como neve sobre a terra, assim o Amor assume em Jesus a Forma por
exelência, a Beleza das Belezas (“o mais belo dos Filhos dos homens”cf Sal
45,3).O Amor assume na Igreja diversas formas e sâo as Ordens e as Famílias
religiosas.
Na Igreja floresceram e florescem todas as virtudes. Os fundadores
das Ordens são a virtude feita vida e subiram ao Céu somente porque eram
Palavra de Deus. Realizaram o desígno de Deus, que não é outro que Verbo,
Palavra. No Paraíso não se entra se não se é Palavra: “Passarão os céus e a
terra, mas as minhas Palavras não passarão” (cf. Mt 24, 35). (...)
Jesus é a Palavra.
Os fundadores (chefes de seus pequenos Corpos místicos) são Palavra de vida.

Todas estas Palavras formam a Igreja, um outro Crisro ou um Cristo


continuado, a Esposa de Cristo. É a Nova Jerusalém coberta por todas as virtudes”

“Em todas as Ordens tem raio da Ordem que é Deus. Em todas as


espiritualidades uma luz da luz que é Jesus”.

Deste texto se pode colher alguns elementos de valor para a elaboração de


uma teologia daqueles carismas coletivos, que Chiara Lubich vê encarnados nas
Ordens religiosas e, analogamente, nas diferentes Famílias carismáticas e nos
Movimentos eclesiais.

Mas antes de tudo esta página é um hino à Igreja entendida em sua dimensão
carismática. Ela é intitulada simplesmente A Igreja. Naqueles anos o desenvolvimento
de tal título teria levado a pensar com naturalidade ao Magistério, aos sacramentos,
ou

também do Corpo místico, mas certamente não dos carismas. (2) E também,
para Chiara A Igreja recorda imediatamente a sua realidade mais profunda e
permanente, o Verbo encarnado, o Evangelho vivido. Nesta ótica se inclui também a
Igreja em sua dimensão hierárquica e sacramental enquanto expressão do Evangelho.
Por onde se encontra o Evangelho – ministério e sacramento estão ligados
substancialmente à Palavra – aií está a Igreja.

21
A própria Chiara, recentemente, comentando este texto, destacava: “(...) a
Igreja carismática, descrita nestas páginas, não é uma parte da Igreja que está ao
lado da hierarquica, mas é toda a Igreja, no sentido que exprime toda a realidade. De
resto, também a Igreja institucional nasceu do Evangelho, de uma palavra de Jesus:
“Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja(...). A ti darei as chaves do
reino dos céus...” (Mt 16, 19-19). Portanto, também ela é depositaria de um carisma”.

O suceder-se dos carismas e das espiritualidades ao longa da história da Igreja


é lido como um progressivo “florescer” de todas as “Palavras de Deus”. Cada fundador,
escreve, “ordenou em família” os próprios seguidores “com as leis eternas do
Evangelho, que ouviram ressoar com nova e atual força do Espírito Santo em seu
espírito”, quase um ressoar a experiência de São Paulo, que é aquela de cada
carismático: “Com efeito, Deus, que disse: Do meio das trevas brilhe a luz, é o mesmo
que fez brilhar a luz em nossos corações, para que resplandeça o conhecimento da
glória Divina, que está sobre a face de Jesus Cristo” (2 Cor 4, 6).

O carisma é uma luz que o Espírito projeta sobre as palavras evangélicas,


fazendo-as brilhar com nova compreensão aos olhos dos fundadores e das fundadoras.
É uma autêntica inspiração.

Além da variedade das experiências espirituais, Chiara descobre um aspecto


que é comum em todas: a dimensão cristológica e evangélica, Em cada uma dessas se
espelha um mistério de Cristo, uma Palavra sua, se rifrange à luz que emana da face
de Cristo, esplendor do Pai: “Em todas as Ordens tem um raio da Ordem de Deus. Em
todas as espiritualidades uma luz da luz que é Jesus”.

Todos os carismas, na verdade, se convergem na Palavra de Deus, como em um


comum terreno de inexaurível fecundidade. É por isto que cada fundador ou
fundadora compreendeu seguir não um aspecto de Cristo, mas o Cristo todo, não uma
palavra do Evangelho, mas o Evangelho em sua totalidade. Quando de fato se vive uma
palavra do Evangelho se vive todo o Evangelho, e como cada palavra do Evangelho é
amor, vivendo uma palavra se é o amor. Em seus escritos que levam o título A Igreja,
Chiara escreveu:

“(...) os diversos fundadores destas Ordens são em Deus a


perfeita expressão particular de Jesus a eles inspirada, e são, como uma gota
do Sangue contido no cálice para a Santa Missa, ou um pedacinho da Hóstia
Santa. (...)
O Coração de Jesus, o Sangue de Cristo, Ele como Palavra, A Eucaristia, etc,
etc. São todos sinais de Amor, todos expressões de Jesus verdadeiro e autêntico”.

Afirmada a unidade, que mostra o que é comum em todos os carismas, Chiara


contemporaneamente fala da diversidade. Se de fato, todos são manifestações de
Cristo e do único amor, se são o idêntico Evangelho, cada um é também uma expressão

22
particular, “encarnação de uma ‘expressão’ de Jesus, de uma sua Palavra, de seu
comportamento, de um fato de sua vida, de uma dor sua, de uma parte Dele”.

Os homens e as mulheres que, sob a ação do Espírito Santo, estão na origem de


um novo tipo de leitura carismática do Evangelho, consideram a particular e
determinada palavra ou dimensão evangélica sob a qual foram atraídos pelo Espírito,
como a “pérola preciosa”, o “tesouro” a eles revelado de modo privilegiado. Sentem
que devem compreendê-lo e penetrá-lo em profundidade, interpretá-lo com uma
modalidade nova, talvez nunca alcançada antes: são do Evangelho uma “exegese viva”.

A vida da Igreja, em seus santos, aparece assim como a progressiva experiência


do mistério cristão, a participação sempre mais plena, livre e consciente da vida de
Cristo, a gradual assimilação dos valores evangélicos e a consequente integral
transformação do próprio ser em Cristo.

Naquela particular expressão de Cristo e do Evangelho, a qual é engrandecida,


em cada carisma, e isso comporta a espiritualidade e a família religiosa que dele
nasceu, Chiara reconhece um “algo a mais” dentre as outras(5). Quando de fato os
fundadores e as fundadores olham para a própria obra a veem sempre como a mais
bela. Apreciam as outras e por vezes as acham melhores sob múltiplos aspectos, mas
na própria obra encontram sempre algo de original, que aos seus olhos os faz ver como
a mais perfeita.

Camillo de Lellis costumava dizer aos seus companheiros: “Irmãos, agradeçam a


Deus porque deu a vocês a grande da caridade dos enfermos”, por isso “a nossa
religião não deve invejar nenhuma outra Religião do mundo”. Com efeito, “esta Religião
precede as outras, enquanto consiste nas obras de caridade ministrando e servindo os
pobres e enfermos que são filhinhos de Cristo”(6). O fundador dos Oblatos de Maria
Imaculada, Eugenio de Mazenod, nao tinha medo de afirmar: “Não há nada sobre a
terra maior que nossa vocação”(8)

A afirmação do “algo a mais” de cada carisma diante de outros leva a afirmação


complementar que cada um deles, diante dos outros é também “algo a menos”, porque
colocam melhor à luz aspectos que aquela determinada espiritualidade e família
religiosa não sublinha de modo explícito e completo.

Da natureza cristológica e evangélica que une todas as experiências


carismáticas, surge portanto, também sob este anterior aspecto, um intrínseco
relacionamento de unidade e distinção. O sopro do Espírito as une na origem enquanto
fruto da mesma ação carismática. No mesmo tempo o Espírito as distingue guiando a
diferentes experiências evangélicas. São unidas na mesma identificação ao mistério
de Cristo, convergindo na sua Palavra, como em um comum terreno de inexaurível
fecundidade e juntas são expressões diferentes do Evangelho, um modo de seguir o
único Cristo por vias diversas.

23
A profunda unidade que soggiace ao carismas aparece evidente também em sua
destinação eclesial: a edificação do corpo de Cristo (cf. LG 45). Quem anuncia o
Evangelho o faz para levar todos a unidade dos filhos de Deus. Quem vive na
contemplação e na oração, que cuida dos enfermos, quem ensina o faz para que se
alcance logo a unidade de toda a família humana ao redor de Cristo (cf. Ef 1, 10), a
realização da oração de Jesus ao Pai, “...que todos sejam um”(Jo 17,21). Para que a
Igreja possa cumprir sua missão de sinal e sacramento de unidade dos homens com
Deus e entre eles. É necessário a contribuição específica de cada palavra evangélica,
de cada carisma e espiritualidade. Cada palavra do Evangelho é em função da
realização do testamento de Jesus, é inerente nele e tem valor porque indica o modo
de persegui-lo.

Se torna assim incompreensível viver o próprio carisma e exercer o ministério a


ele ligado fora da comunhão com todos os outros carismas e ministérios, assim como é
reavaliada a diversidade e complementariedade dos carismas e dos movimentos que
eles suscitam. Também entre os carismas, porque são obra do Espírito, se pode ver
refletida a dinâmica pericoretica da Trindade onde os Três são iguais e cada uma das
Pessoas, na distinção, aparece ora mais, ora menos. As espiritualidades, afirma Chiara
naqueles escritos de 1950, “são Amor porque são Deus, são Espírito Santo.
Substancialmente idênticas, externamente diferentíssimas”, e depois escreve:
“próprio como as Pessoas da Trindade”.

Esta harmonia entre a variedade dos carismas que exprimem a riqueza da


Palavra de Deus, faz Chiara entender a dimensão estética da Igreja. Em seu texto
recordado no início, exprime esta harmonia com a imagem de “um magnífico no qual
florescem todas as palavras de Deus, floresce Jesus, Palavra de Deus, em todas as
mais variadas manifestações”. Da imagem do jardim à imagem da água: Como a agua
se cristaliza em estrelinhas de todas as formas quando cai como neve sobre a terra,
assim o Amor assume em Jesus a Forma por exelência, a Beleza das Belezas (“o mais
belo dos Filhos dos homens”cf Sal 45,3).O Amor assume na Igreja diversas formas e
são as Ordens e as Famílias religiosas.

Sera graças a esta circularidade pericorética entre os carismas que a


Igreja poderá apresentar-se a Cristo como esposa esplendente e bela, sem
mancha nem ruga, santa e imaculada (cf. Ef 5, 26)?

Da compreensão teológica dos carismas como palavras na Palavra, surge uma


original metodologia hermenêutica que pode ajudar a redescobrir e a viver no hoje as
diferentes espiritualidades.

Uma primeira pista emerge da imagem da Igreja como jardim. Se os carismas e


os Institutos podem ser comparados a flores brotadas do Evangelho, de certo eles
conservarão ou re-encontrarão a sua fresqueza na medida em que forem capazes de ir
à raiz da qual nasceram, emergindo no inteiro Evangelho e aderindo o mistério de
Cristo.

24
Sendo os carismas uma experiência vivida na história, as famílias espirituais
nascidas deles estão sujeitas a um progressivo distanciamento das origens e portanto
do Evangelho, “somente no qual tem valor- recorda Chiara -, e no qual somente devem
ser”.

As vezes os fundadores foram “mal interpretados por seus seguidores –


escreve ainda Chiara- que imitaram dele certos comportamentos externos, ao invés
de ser come ele a Ideia de Deus sobre em ato(Vocação)” Tirando da experiência
inicial do fundador o fundamento evangélico, corre-se o risco de seguir “a sua via,
esquecendo a Via”, da qual ela (via) é expressão.

Com efeito, como escrevi em outra obra(10), olhando para o jardim da Igreja se
tem frequentemente a expressão que tantas flores secaram. Para dar vida novamente
a própria flor, os que são chamados a viver aquele determinado carisma, por algumas
vezes aparecem com a intenção de soprar sobre as pétalas – para permanecer na
imagem- ou a cutucar-lhes para que se levantem É uma operação efêmera e inútil.

Para que a flor volte a viver é necessário intervir na raiz, não nas pétalas. É
necessário dar água a planta. Fora da metáfora: se tenta de todos os modos salvar a
identidade da própria espiritualidade, procurando protegê-la de pretensas
interferências externas... E um trabalho válido, mas insuficiente. É necessário
coragem de ir mais profundo. É necessário encontrar

Cada carisma, cada espiritualidade, cada Instituto religioso deve voltar a ser
palavra na única Palavra. Vivendo o Evangelho em plenitude haverá luz para colher a
particular dimensão evangélica da qual o carisma é pleno. Definitivamente, recorda
Chiara,

“Todas estas Ordens, estas espiritualidades nascidas através dos séculos


devem reencontrar a sua verdadeira essência, o seu princípio: todas são Jesus; são o
Amor encarnado(...O. São todas sinais de Amor, Espírito Santo. (...) Para dar
novamente a verdadeira espiritualidade as Ordens devemos fazer com que os
seguidores vejam o seu fundador como Deus o vê. Deus não vê São Francisco, mas vê
a Ideia da Pobreza. Em Santa Terezinha ve a pequenez, em Santa Catarina o Sangue
de Cristo. Deus ama cada ordem porque O recorda a Si mesmo, recorda Jesus, a
Ideia de Si humanizada” a plenitude da vida evangélica que alimenta aquela
determinada espiritualidade. A água e o húmus fecundo são comum a todas as flores,
qualquer que seja a sua variedade.

A proposta hermenêutica de Chiara Lubich é ainda mais profunda quando


orienta em direção a Jesus crucificado e abandonado. O grito de Jesus na cruz: “Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”(Mc 15,34;Mt27,46) pode ser considerado
como culme das palavras do Evangelho, a Palavra por excelência, aquela na qual todas
as outras palavras do Evangelho encontram a mais alta explicação. “Agora Jesus é o
25
próprio Jesus- escreve Chiara- , isso é o Salvador, o Redentor, quando redime e
redime no ato do abandono (...). Jesus abandonado é a verdadeira figura de Jesus, a
mais verdadeira, a mais genuína, a mais expressiva”. Consequentemente, quando ela
pensa nas espiritualidades como “palavra de Deus”, não pode não vê-las se não em
referência a Jesus abandonado. Todos os carismas são, de fato, nascidos daquela
“chaga”, de onde é jorrado o Espírito Santo, autor dos carismas.

Os carismas são contemplados “Naquele no qual cada virtude alcançou o cume,


tocou o vértice: Jesus crucificado e abandonado. Quem saberá cantar a sua pobreza,
afrontar a sua obediência, medir a sua sabedoria, alcançar a sua humildade? Quem
conhece a sua força?Quem pode imaginar a sua confiança? Quem pode perscrutar o
abismo de sua misericórdia ou imitar a sua magnanimidade?Quem queimar do seu
amor? É à sua luz que muitos religiosos redescobrem a raiz do próprio carisma da
própria família religiosa”(11).

Em um de seus escritos Chiara Lubich exprime assim o relacionamento entre


Jesus abandonado e os carismas:

“Se para os franciscanos é importante a pobreza, da qual Francisco é o


carisma encarnado, quem mais “Senhora pobreza” de Jesus, o qual no
abandonado perdeu Deus?
Se os jesuítas colocam em relevo a obediência, quem mais obediente do
que Jesus que, desolado do sentido da presença do Pai, a Ele se abandona?
Jesus abandonado é o modelo dos beneditinos, “ora et labora”, porque o
seu grito é a mais estupenda oração e obra mais fabulosa.
Jesus abandonado é o modelo dos dominicanos, porque é ali que exprime,
que dá toda a sua Verdade.
Jesus abandonado é o modelo dos seguidores de S. Vicente de Paula e de
quantos se ocupam de obras de misericórdia, porque é ali que sobretudo a
misericórdia infinita de Deus é derramada sobre o gênero humano.
Jesus abandonado é o crucifixo daqueles que, como Teresa D’ Ávila,
oferecem ao mundo os frutos de uma vida de contemplação, porque naquele
grito ele doa a Sabedoria, a sua luz, a sua glória, a possibilidade da impossível
penetração do mistério. (...)
A espiritualidade de Jesus abandonado pode penetrar todas as outras ,
devolvendo-as conforme a necessidade, ao seu verdadeiro significado, ao carisma
colocado do Céu no coração do fundador, e iluminando os discípulos a entender o que
seu mestre deixou nas suas regras de vida.”

Em Jesus abandonado os carismas e os Institutos encontram a expressão mais


plena. No cume de sua paixão Jesus exprime o amor maior, capaz de conter e exprimir
todos os atos de amor. Cada carisma é fruto e expressão deste amor.

26
Do ponto de vista hermenêutico o retorno ao Evangelho é levado as suas
extremas consequências: deve alcançar o cume do Evangelho, o amor maior, capaz de
dar a vida, sob o exemplo de Jesus abandonado. “Estas Ordens e espiritualidades –
explica Chiara- se mantem se vão a Fonte onde encontram Vida: Deus, o Evangelho
inteiro, Jesus na expressão mais completa de Si”. Havia a pouco recordado que “Jesus
é o próprio Jesus, ou seja, o Salvador, o Redentor, quando redime e remime no ato do
abandono”.

Ir a Jesus abandonado, quer dizer descobrir a fonte última da própria


espiritualidade e, junto, o que pode constantemente alimentá-la. Quem coloca “os
olhos do coração sobre Ele”, explica ainda Chiara Lubich, encontra “não uma
espiritualidade, mas a Espiritualidade (que é a Unidade); não encontra uma Ordem,
mas a Ordem; não uma regra, mas a Regra, ou seja o Evangelho puro”. Para viver em
plenitude o próprio carisma os seguidores de uma espiritualidade são chamados a esta
fonte, ao maior amor: Jesus abandonado.

Retomando a metáfora da Igreja como jardim, uma anterior lei metodológica


para a compreensão profunda dos carismas poderia ser assim formulada: não olhar
tanto a própria flor, quanto a outras flores.

“Deus – pela espiritualidade coletiva que Ele nos deu- pede a nós olhar todas as

flores – escreve Chiara- porque em todas está Ele e assim, observando a todas, se

ama mais Ele do que as simples flores. (...) O olhar todas as flores é ter a visão de

Jesus, de Jesus que é (...)tudo: toda a Luz, a Palavra, enquanto nós somos Dele

palavras. Mas se cada um de nós se perde no irmão e faz célula (célula do Corpo

Místico), se torna Cristo total, Palavra, Verbo (...) Mas é necessário saber perder o

Deus em si para encontrar Deus nos irmãos. E isto faz somente que conhece e ama

Jesus crucificado e abandonado”..

Para colher em plenitude a “palavra” da qual qual cada carisma é portador, e


portanto o divino que há nela, não se pode limitar aprofundar a própria palavra
particular, é necessário então, viver a comunhão eclesial sobre todas as realidades
divinas da Igreja.

Somente no relacionamento de unidade se compreende a raiz comum que liga


todos os carismas e o “divino” que cada um exprime. Ao mesmo tempo neste
relacionamento de unidade se pode colher a peculiaridade de cada um. Se chega assim
a uma gradual aquisição experimental da “admirável variedade” da qual a Igreja é rica.
E isto faz sentir o próprio carisma, a própria família religiosa não algo de absoluto,
mas como parte de uma realidade vasta e inserida em um organismo vivo.

27
Pelo fato de qu o mistério de Cristo é inexaurível e inexaurível é a riqueza de
sua palavra, cada carisma tem necessidade do dom do outro, da luz do outro, para
entender em profundidade a si mesmo, assim como cada mistério de Cristo, para ser
compreendido em toda a sua profundidade, tem necessidade de ser lido no conjunto
de seus mistérios, e assim como um trecho evangélico, para uma frutuosa exegese,
tem necessidade de ser colocado em seu contexto e na economia de todo o Evangelho.
Sem a visão unitária do mistério de Cristo, sem a leitura unitária de sua palavra, os
particulares, presos a si, podem ser distorcidos. Assim sem a plena comunhão entre
todos os carismas e espiritualidades a eles ligados, dificilmente pode haver sentido
verdadeiro neles.

“Se o Evangelho deve ser pregado em sua integridade, e se o Cristo não deve
ser apresentado dividido e dilacerado, a urgência de recompor em unidade o
Evangelho encarnado e implantado no tempo e no espaço é um chamado urgente a
comunhão e a unidade entre os religiosos, em todos os níveis. Se de fato cada carisma
é carteira de identidade da própria família religiosa, é também capacidade de
comunhão com todos os outros carismas. O Cristo total atrai como um imã todos os
seus fragmentos em direção a unidade. O Espírito da unidade chama todos a estarem
em comunhão recíproca, juntos, para que Cristo seja anunciado e comunicado e o
mundo creia” (16).

Talvez neste ponto se pode compreender melhor o acréscimo específico da


espiritualidade da unidade própria do Movimento dos focolares às outras
espiritualidade na Igreja: “Ajuda a desenvolver as potencialidades já existentes na
própria vocação e as enriquece, ao mesmo tempo, de novos valores”. (16) As duas
“dobradiças” do carisma da unidade – Jesus abandonado e ‘Jesus no meio”- podem se
tornar as coordenadas concretas para viver em plenitude cada palavra carismática.

Vimos o acréscimo fundamental de referência a Jesus abandonado. Igualmente


vale pela realidade de Jesus que se torna presente entre os que estão unidos em seu
nome e vivem o amor reciproco. É Ele, o Senhor Ressuscitado, que uma vez presente
entre pessoas de diferentes carismas e espiritualidade, explica as Escrituras, assim
como se fez presente entre os discípulos de Emaus (cf. Lc 24, 27). Assim como
naquele tempo, comunicando o seus Espírito, ele continua a iluminar os companheiros
de viagem. As “palavras” evangélicas confiadas a todos os que são participantes de um
determinado carisma, adquirem nova compreensão e passam a ser realidades vivas e
atuais. A ação de “Jesus em meio” aos seus discípulos ilumina a mente e faz arder os
corações. Consente uma compreensão doutrinal da própria identidade espiritual e
carismática, e junto envolve toda a pessoa, que assim adere plenamente ao projeto de
Deus e encontra a força para traduzi-lo em vida.

“Quando Jesus disse ‘Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, Eu estou
no meio deles’ – observa a fundadora do Movimento -, não tinha excluído certo de
sublinhar também: ‘Onde um franciscano e um beneditino, ou um carmelita e um
passionista, ou um jesuíta e um dominicano...estão unidos em meu nome, ali estou’”.
28
Através disso queria dizer que se Jesus estivesse verdadeiramente entre eles, o
resultado seria que o encontro com Ele, faria o franciscano melhor franciscano e o
dominicano melhor dominicano. Assim a Igreja poderá resplandecer – também com a
contribuição da obra de Maria – mais bela e digna esposa de Cristo, na maravilhosa
variedade e em sua altíssima unidade. (17)

A espiritualidade da unidade tem uma graça particular para ajudar a viver o


mandamento novo e dar as condições para que se realize a presença de Jesus entre os
que são unidos em seu nome. Amar um ao outro ao ponto de dar a vida, “perder-se no
irmão e fazer célula com ele” – precedentemente nos lemos-, ao ponto de “perdere il
Dio in sé per Dio nei fratelli”, para tornar “Cristo total, Palavra, Verbo”, “o faz
somente quem conhece e ama Jesus abandonado”.

Uma hermenêutica integral dos carismas implica portanto, paradoxalmente, o


momento do “saber perder”, ou não “considerar um tesouro ciumento” o próprio
carisma e a própria espiritualidade (cf. Fil 1,6), mas junto com os membros de outras
espiritualidades e institutos colocar-se em busca do Evangelho em sua totalidade, ir
ao seu coração pentecostal: a unidade. O amar como Cristo amou, condição do
mandamento novo, comporta a via da kenosis, do esvaziar-se, do dom da própria vida
que, para um grupo carismático, se exprime no propor o próprio dom para acolher o
dom do outro, para ir em direção à raiz da qual germinou. Para chegar a ser outro
Cristo, se é chamado a ir em direção a outro carisma e amá-lo como se fosse seu.
Deste modo não se pára em seu próprio dom, mas se alcança diretamente ao Doador e
Nele se compreende o valor do próprio dom; encontrando-o através da dinâmica
kenotico-pascal de morte e vida. É lei evangélica: para encontrar a vida é necessário
perdê-la, doá-la ao outro e acolhendo o dom do outro (cf. Mt 16, 25).

Desta forma se entra na dinâmica trinitária. “Nós – explica Chiara falando da


própria contribuição à outras vocações na Igreja – devemos somente fazer circular
através das diversas Ordens o Amor. Devem compreender-se, entender-se, amar-se
como se amam (entre eles) as Pessoas da Trindade. Entre eles há como
relacionamento o Espírito Santo que os liga para que cada um seja expressão de Deus,
do Espírito Santo”.

É assim, continua, que a espiritualidade da unidade “clareia as diversas


espiritualidades fazendo-as una, todas Espírito Santo, todas expressões de Jesus
vivo e autêntico”. É Ele que as unifica “levando-as ao seu princípio santo”. “Nós-
conclui reafirmando o dever de seu carisma – devemos somente fazer circular entre
as diversas Ordens o Amor”.

O Movimento dos focolares pode absorver esta missão não somente porque,
como recordamos, ele esta centrado no dúplice mistério de Jesus crucificado e
abandonado e na unidade, mas também porque é Obra de Maria, Maria que opera na
Igreja, como afirma Chiara com simplicidade: “Se (o Movimento dos focolares) é obra
sua (de Maria) se compreende como ela, mãe de todos os fiéis e da Igreja, possa ter

29
suscitado um Movimento eclesial que reúna todas as vocações da Igreja. E, porque
plena de todos os carismas de Deus, não tenha excluído os religiosos que ama com um
amor particularíssimo. Ela quer, através desta sua obra, dar uma mão aos filhos
prediletos”(18).

Recordando ainda uma vez a imagem do jardim da Igreja, poderemos concluir,


sempre com as palavras de Chiara: “Eis Maria que através de sua Obra (Obra de
Maria) concorre também hoje, com uma sua espiritualidade, fazer com que este
janteiros (as diferentes espiritualidades e institutos que os exprimem) sejam sempre
mais florescidos aos olhos de Deus e do mundo”(19)

IV - A INCIDÊNCIA SOCIAL E CULTURAL

Nada de mais espiritual… do Espírito Santo. Mas o espiritual não se contrapõe à


vivência histórica concreta, não está avulso à realidade humana em casa sua dimensão.
É exatamente por obra do Espírito Santo que o Verbo se faz carne no seio da Virgem
Maria e se faz homem, entrando no tecido histórico de seu tempo e da sua cultura,
tornando-se protagonista deles. É por obra do Espírito que Jesus de Nazaré, na sua
morte e ressurreição, é proclamado Senhor e penetra intimamente no cosmo e na
história de cada tempo para levá-lo ao seu cumprimento.

Assim acontece com todo aquele que é tocado pelo Espírito. Cada homem, cada
mulher feito por ele “espirituais” tornam-se co-atores da sua ação recriadora. Os
dons que ele efunde sobre eles, os carismas, não os excluem da história, mas as
habilitam para operarem nela com nova lucidez e energia.

Depois de ter visto a dinâmica espiritual do carisma podemos observar sua


incidência social e cultural. A leitura evangélica oferecida pelo carisma acende uma
luz não somente sobre o mistério de Deus, ilumina não somente a face de Cristo e a
suas palavras, dilatando a alma sobre olhares de conhecimento sempre mais amplos e
profundos e infundindo o dom da sabedoria, mas cria também uma nova capacidade de
ler os “sinais dos tempos”. Porque o Espírito perscruta e conhece os segredos de Deus
(cf. 1 Cor 2, 11), sabe perscrutar e reconhecer também os segredos do coração do
homem e os revela a quantos ele chama a colaborar na sua obra de salvação. Dá a eles
olhos novos para ver as urgências da Igreja e da sociedade civil; os leva a perceber
em profundidade as concretas necessidades, as aspirações, os anseios e o gemidos de

30
todos que vivem ao seu redor, até que seja suscitado o desejo de oferecer uma
resposta adequada comprometendo-se em primeira pessoa.

Nos carismáticos este olhar se transforma em “com-paixão”. Eles podem se


identificar com o que os outros sentem, como se fosse uma arte de "fazer-se um"
ensinado por São Paulo, que se fazia judeu com os judeus, grego com os gregos, sem
lei com os sem lei (cf. 1 Cor 9 20). É a arte de fazer-se pobre com os pobres,
ignorante com os ignorantes, de ir até o outro em um completo vazio de si mesmos, de
modo a serem livres e puros para acolher suas instâncias sem algum diafragma. A
"com-paixão" e o consequente fazer-se próximo, os torna sensíveis e atentos ao
convite que se esconde em situações simples ou complicadas, e os movimenta para
encontrar uma resposta. Nenhuma forma de pobreza, nenhuma situação crítica,
nenhum mal social pode ser resolvido sem ser amado, só quem sabe "co-mover-se"
diante dessas situações e mover-se em direção a eles é capaz de resgatá-los. O
carisma mostra assim o seu valor social.

A sociedade antiga, por exemplo, considerava que o trabalho manual era


adequado apenas para o escravo, Bento teve uma visão mais diferente, viu algo a mais,
fecundado com a oração, colocou-a no centro da nova vida de seus mosteiros: ora et
labora. A cidade de Assis considerava o pobre como resto da sociedade, Francisco viu
a expressão de "Senhora Pobreza" e de Cristo pobre e crucificado. Cada vez que a
miséria ou as epidemias ou ignorância afligem a Europa, brilham as palavras do
Evangelho: "Eu estava com fome, era forasteiro, enfermo, encarcerado..." (cf. Mt 25,
34-40), e os santos encontram aí o rosto de Cristo e necessitado. Os carismáticos e
suas congregações religiosas dos últimos três séculos, dão a resposta social: Luísa de
Marillac, Francisco de Sales, Joana de Chantal, e depois Bartolomea Capitanio e
Vincenza Gerosa, João Bosco, Maria Domenica Mazzarello, Leonardo Murialdo,
Giuseppe Benedetto Cottolengo, Francisca Xavier Cabrini, Madalena de Canossa, Paula
Frassinetti, Padre Calabria, Padre Guanella, Dom Orione ... Eles receberam olhos
para ver nos pobres, nos vergonhosos, nos abandonados, nas crianças de rua, nos
imigrantes, nos doentes, e por fim nos deformados, algo grandioso e belo que valia a
pena gastar suas vidas e as de centenas de milhares de homens e mulheres que se lhe
seguiram, atraídos e inspirados por esses carismas, dando vida a obras corporais e
espirituais, à formação de jovens, à humanização da saúde e à atenção às novas
pobrezas.

Outros carismas iluminaram outras feridas ocultas, tais como a perda de Deus,
o enfraquecimento da tensão escatológica, a diluição do Evangelho, a ignorância de
Cristo. Eis, então, as "ideias" luminosas do Monaquismo, nas suas diversas
experiências, capazes de repropor a escolha incondicionada e radical de Deus. Diante
da heresia, Domingos de Guzman percorre cidades e vilarejos para anunciar a Palavra
de Deus e transmitir a verdade contemplada. Diante da Reforma luterana que separa
nações inteiras de Roma, Inácio de Loyola está intimamente ligado ao Papa e repete
com Cristo: "Eis que venho ... para fazer, ó Deus, tua vontade" (Hb 10, 7). Quando

31
“olhos novos” percebem a ignorância de Cristo surge o grande movimento missionário
do século XIX com os carismáticos que já nomeamos aqui: Eugenio de Mazenod,
Antonio Maria Claret, Francisco Maria Paulo Libermann, Arnold Janssen, Daniel
Comboni, Charles-Martial Allemand Lavigerie... Hoje é a vez de Luigi Giussani, Chiara
Lubich, Kiko Arguello..., dispostos a interpretar as novas expectativas e novos apelos.

Dado pelo Espírito num contexto cultural específico, o carisma torna-se


devedor d'Ele e, ao mesmo tempo, está destinado a informá-lo, para responder suas
exigências presentes nele e contribuir para criar uma nova cultura, mais adequada à
mensagem do Evangelho.

Para ilustrar a contribuição dos carismas religiosos na sociedade e as inovações


trazidas por eles seriam necessários dois mil anos de história da Igreja. Será
suficiente uma simples referência a quatro momentos-chave. Continuamos, em certo
sentido, o caminho do segundo capítulo deste livro, mas o olhar não será mais sobre a
sucessão de espiritualidade, mas sobre seus efeitos sociais1.

Num primeiro momento-chave que nos dá a entender a contribuição dos


carismas na sociedade podemos encontrar em Bento de Núrsia e no movimento
monástico que ele fundou.

O surgimento na Europa Ocidental dos novos povos do Norte e do Leste,


colocou o continente em um estado de constante mobilidade e agitação, com
repercussões significativas na vida da Igreja. Bento contrapôs stabilitas-loci.
Gradualmente, os mosteiros tornaram pontos fixos, lugares catalizadores poderosos,
em torno do qual coagulam as hordas que os romanos chamavam "bárbaros", dando
início à construção da nova civilização medieval.

O deslocamento de povos de diferentes também colocava em confronto culturas


diversas: "romanos" e "bárbaros" se encontravam de repente frente a frente no
conflito. Nesta época de crise, o mosteiro se revela centro de encontro e de fusão
das múltiplas culturas e foco de fraternidade e de amor evangélico, ensinado por
Bento, nascem expressões culturais e sociais e originais. "O Abade – lemos na regra -
não faça distinção de pessoas no mosteiro... Nunca anteponha o nobre a quem entrou
para o mosteiro na condição de escravo ... E se, por razões de justiça, o abade decide
promover um irmão, ele o faça prescindindo a consideração da classe social da qual o
monge pertencia. No mais, cada um tenha seu próprio lugar, porque escravo ou livre
todos somos um em Cristo "2.. A mensagem cristã, cuja regra faz referência explícita
- "Aqui não há grego nem judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro, cita, escravo,
livre, mas Cristo é tudo em todos" (Gl 3, 11) - torna-se expressão da vida, entrando
em novos critérios de relação, torna-se cultura. Em um período em que o modelo
imperial (o "velho") corre o risco de impor-se sobre o evangélico (o "novo"), Bento

1
Per un primo approccio alla rilevanza sociale dei carismi cf. S. Abbruzzese, La vita religiosa. Per una
sociologia della vita consacrata. Prefazione di Léo Moulin, Guaraldi, Rimini 1995.
2
RB 2, 16.18-20, o.c., p. 129.
32
atualiza a novidade evangélica da igualdade entre nobres e plebeus, entre latino e
alemão e eslavo.

No equilíbrio do ora et labora mostra o homem em sua terra mais autêntica e


profunda dimensão terreno-divina, abrindo o caminho para um novo humanismo. O
trabalho encontra sua dignidade e a contemplatio não é separada da atividade eficaz;
o monge deverá “dedicar-se ao trabalho manual e em outras horas à lectio divina”. O
mosteiro torna-se o início de uma nova agregação. Em torno dela são formados
centros habitados, formados por colonos, agricultores, artesãos e operários, gente
que redescobre o gosto de viver juntos e encontrar um lugar seguro. Através da
ramificação nas terras próximas, o mosteiro torna-se também um centro de
irradiação espiritual e de assistência religiosa com suas igrejas, capelas rurais, casas
de campo, as celas e a hospedaria; um lugar de intensa atividade econômico-social a
favor das populações rurais; um viveiro de muito empenho intelectual e atividade
burocrática. A partir deste experiência, nasceu a economia do período medieval, já
inscrita na Regra: “Na medida do possível, o mosteiro seja estruturado de tal maneira
que tenha em seu interior tudo que for necessário, como água, moinho, horta e
equipamento para executar as várias profissões”. A pax benedictina, nascida na
profundezas do espírito, tem a capacidade de derramar do mosteiro sobre toda a
sociedade transformando-se em pax social3.

Ao lado de Bento, João Paulo II destacou a “atualidade sempre viva” de Cirilo e


Metódio “como modelos concretos e sustento espiritual para os cristãos de nossa
época, e especialmente para as nações do continente europeu 4. Aquilo que foi Bento
para o Ocidente o foram os dois irmãos para todas as culturas das nações eslavas,
criando até mesmo o alfabeto. Eles quebraram um estreito e enraizado preconceito
cultural que pretendia que somente três línguas, hebraico, grego, latim, fossem
capazes de expressar a liturgia cristã, e, em seguida, a cultura europeia, e se abrem
para uma nova língua e expandem a cultura para novos horizontes. Portanto, "seu
trabalho foi uma contribuição valiosa para a formação comum de raízes cristãs da
Europa”5.

O projeto monástico foi retomado várias vezes ao longo da Idade Média e


atualizado por várias reformas monásticas. Particularmente significativa, a
experiência cisterciense, liderada por Bernardo de Claraval. As abadias cistercienses
que, em centenas, com uma velocidade surpreendente, tomam conta de toda a Europa,
“difundem em todos os lugares um ideal de unidade, já contido na Carta Caritatis, o
principal documento de fundação, no qual se pede “que em nossas ações não haja
qualquer discordância, mas vivamos todos com a mesma caridade ... "6. Ao século de
Bernardo, o XII, é atribuído o título de "renascimento", "Renascença", para indicar

3
L. Bruni – A. Smerilli, Benedetta economia. Benedetto di Norcia e Francesco d’Assisi nella storia
economica europea, Città Nuova, Roma 20092.
4
Slavorum apostoli, 2.
5
Ibidem, 25.
6
I, 3
33
as transformações econômicas, políticas, da ciência, do direito, da cultura em seus
vários aspectos.

As ordens mendicantes se colocam em um outro momento delicado de transição.


A transformação da Europa, no século XIII, é um conjunto político e cultural. A
Idade Média perde gradualmente sua própria estrutura feudal que garantia a unidade
dos povos, e busca novas conquistas como a liberdade para um governo mais
participativo e uma nova ordem política, de comércio e novas estruturas econômicas.
Evidentes os contrastes e as tensões: por um lado, o desejo desenfreado pelo luxo e
pelo bem-estar por outro a inspiração de uma Igreja pura e pobre, como a original. O
movimento das Cruzadas, favorece a corrida da riqueza, mas também abre caminho
para a redescoberta da dimensão humana do Cristo e para o nascimento de um forte
interesse para um evangelismo radical.

O Espírito, nesse período de dificuldades, suscita novos carismas, entre os


quais se sobressai o Domingos e Francisco, que souberam interpretar e canalizar a
difundida aspiração por uma vida que melhor reproduz o modelo da vida de Cristo e
seus apóstolos, considerada na sua dimensão de pregação itinerante e de real
pobreza, que se opõe à ganância do dinheiro de seu próprio tempo para promover um
novo equilíbrio social, político, econômico. Se, durante o período de Bento, era
necessária a estabilidade como freio à excessiva mobilidade dos novos povos, agora
tempo de uma nova flexibilidade, que facilite o contato com as pessoas, especialmente
nas cidades, agora os conventos surgem nas cidades. Se antes, os mosteiros estavam
nas montanhas e nos campos, agora os conventos estão na cidade, nos bairros
populares, onde são capazes de inserir as forças evangélicas que qualificam as
relações interpessoais, não se vive mais na solidão dos lugares desertos isolados, mas
ao lado do povo.

Os membros das novas comunidades carismáticas já não se chamam monges,


mas frades, pois a fraternidade caracteriza seu estilo de vida, estremamente
necessário na cidade marcada pelas tensões e ódios partidários. Daí a popularidade do
movimento franciscano, a profunda incidência entre o povo, o envolvimento dos leigos
na experiência carismática através do movimento da Ordem Terceira.

Domingos e Francisco revolucionaram a organização política. Conduzindo o


convento dominicano não é mais um abade ou um superior, mas um prior, um primus
inter pares. Francisco criou o nome de ministro (aquele que serve) e de guardião
(aquele que está atento ao seu irmão e cuida dele), criando um novo tipo de governo
feito de serviço à coletividade e não de privilégio. O mesmo regime social, com o
princípio de eleição e de representação, reflete e também influencia as novas
liberdades de maior participação.

Enviados dois a dois, como discípulos de Cristo no Evangelho aos quatro cantos
do mundo para anunciar o Reino de Deus, os frades, dominicanos e franciscanos,
testemunham aquele fraternidade que rompe as barreiras e as hierarquias feudais e

34
aristocratas. São colocadas assim, mais uma vez, as bases para uma nova liberdade e
união dos povos.

As universidades foram fundadas há pouco tempo e, neste âmbito cultural, os


novos carismas irrompem com a força nas ideias e da vida. O ideal que inflamou
Domingos foi difundir em todos os lugares a Verdade, doar a todos a luz do
Evangelho, iluminar com a Sabedoria Divina, o caminho de cada homem e mulher.
Compreendia-se que, para irradiar a Verdade, era preciso primeiro possuí-la. A
evangelização não pode jamais ser separada do estudo, da busca da verdade, da
sabedoria, da contemplação: “Contemplari et contemplata aliis tradere”. É o tempo
das grandes Summae de Tomás de Aquino e Boaventura de Bagnoreggio.

O advento do Humanismo e do Renascimento, junto ao surgimento dos estados


nacionais, são o humus no qual nascem novos carismas que expressam e, ao mesmo
tempo, contribuem para criar as culturas das nações europeias daquele período.

Com a diversificação das culturas, se diversificam também as sensibilidades


religiosas e os carismas que eles respondem. A maior expressão da produção
espiritual e mística dos Países Baixos, coincide com o período áureo desta região do
ponto de vista econômico, artístico, cultural. A nova espiritualidade carmelitana, que
nasce dos carismas de Teresa d'Ávila e João da Cruz, situa-se dentro de uma escola
de espiritualidade espanhola e é levada ao máximo esplender. O mesmo acontece na
Itália, no final de 1500, com Antonio M. Zacarias, Gaetano da Thiene, Filipe Neri... e
na França com Francisco de Sales, Vicente de Paulo, Luísa de Marillac... O século de
“ouro” dessas nações, Itália, Espanha, França, coincide com as expressões mais
felizes da sua produção espiritual e mística. Sempre nesse período, vemos surgir uma
espiritualidade russa, que adquire pleno conhecimento de si em 1800. Ao lado da
espiritualidade católica a Reforma, acelerando o fenômeno da identidade nacional,
permite o nascimento de uma espiritualidade protestante e anglicana. Cultura e
espiritualidade crescem ou diminuem juntas. Não é possível ser de outra forma, dada
a intrínseca unitariedade da pessoa e da sociedade humana.

Do novo clima cultural criado pelo Humanismo e pelo Renascimento surge uma
nova consciência do valor individual da pessoa humana: Deus confiou a ela o mundo
colocando-a no centro do universo.

No Período Medieval, as catedrais inscreviam na abside circular, quase que,


considerado, ícone do mundo, o Cristo Pantocrator, ou cruz com pedras preciosas. Até
mesmo, Leonardo da Vinci desenha um círculo, mas nele inscreve o homem, com os
braços abertos como um crucifixo. O círculo de Leonardo é ainda o ícone do mundo,
mas ele não é mais dominado pelo Cristo Senhor ou pelo Crucificado, mas pelo homem,
novo senhor do universo, feito centro do mundo. É esta uma das mais imagens mais
expressivas da renovação cultural trazida pelo Humanismo. Se o homem está no
centro da história, é preciso colocar em luz toda sua singularidade. Nicoló Maquiavel o
faz com seu escrito O Príncipe.

35
Assim, é natural que as espiritualidades nascidas dos novos carismas deste
período sejam mais atentos à pessoa, ao seu itinerário formativo, à sua interioridade
psicológica. São analisados com uma profundidade até então desconhecida os vários
movimentos da alma. Leis são elaboradas para o discernimento dos espíritos. Novas
disciplinas são desenvolvidas, como por exemplo, a psicologia espiritual e direção
espiritual.

Neste contexto, Inácio compõe seus Exercícios Espirituais. Cria um novo


método para que nasça um homem novo, capaz de liberdade e de espírito crítico, por
completo, de acordo com o projeto de Deus. São formados colégios para formação de
novas elites, agora que são as grandes personalidades que começam a guiar o destino
dos povos. Nova era cultural, novo carisma para um novo humanismo. O Espírito
continua a interagir com a história.

Com congregações religiosas de 1800 e 1900, fruto de outros tantos dons


pequenos ou grandes do Espírito, assistimos uma autêntica inundação de carismas que
se reagruparam quase para formar constelações capazes de individuar e responder
com nova criatividade as necessidades locais, urgências sociais e eclesiais das mais
variadas. É o tempo da Revolução Industrial, da urbanização e das mudanças que ela
traz para a vida sociedade.

Das centenas de carismas que surgem neste período nascem os jardins de


infância para atender pais que trabalham nos campos ou nas fábricas; a formação
profissional permite que meninos e meninas enfrentem a vida com uma boa
preparação; empenho caritativo e assistencial particularmente necessário nos
subúrbios em que confluem as forças operárias dos novos estabelecimentos
industriais ou nos guetos nacionais do Novo Mundo. É toda uma infinidade de
iniciativas que partem da base, na qual, sobre o plano apostólico e caritativo, nota-se
uma iniciativa importante e de impacto, com o progressivo surgir do “fim específico”,
como elemento peculiar das Congregações: o setor da educação, especialmente a
educação das meninas, o cuidado com os enfermos, a ajuda às pessoas socialmente
mais frágeis, sempre mais especializado: órfãos, idosos, pessoal de serviço doméstico,
jovens trabalhadores, encarcerados, cegos, surdos e mudos ...7.

Só para lembrar, entre tantos carismas, o Instituto Cavanis, os Irmãos


Maristas, o Pavonianos, as Irmãs da Caridade do Bom Pastor, as Irmãs da Caridade de
São Bartolomea Capitão e S. Vincenza Gerosa (Irmãs de Maria Menina), os Josefinos
do Murialdo. Não há nenhuma área do contexto humano ou social em que os seguidores
de novos carismas não estejam presentes dando testemunho de amor concreto de
Deus para o homem, cuidando de toda pobreza e abrindo novas fronteiras, levando
autêntica inovação no campo da educação, do trabalho infantil, da mídia, mas também
da catequese, da pastoral …

7
Cf. «… l’avete fatto a me». Le sfude sociali e i religiosi, F. Ciardi (ed.), Città Nuova, Roma 1995.
36
A partir do final de 1800, tornam-se sempre mais fortes as exigências de
comunhão e de unidade. Muitos fenômenos da vida política, cultural, econômica,
religiosa, demonstram a necessidade de comunhão e a tensão pela unidade dos povos e
nações. Basta pensar no fenômeno dos socialismos e do nascimento de instituições
como a Sociedade das Nações antes e as Nações Unidas depois. Ciência e técnica
aumentam o intercâmbio cultural e aproximam os povos. No campo eclesial se adverte,
de mais nunca vista antes, a necessidade do diálogo ecumênico entre as Igrejas e
entre as religiões. Dentro da Igreja Católica, o aprofundamento eclesiológico, que
tem seus momentos cume na encíclica Mystici Corporis, e especialmente no Concílio
Vaticano II, faz nascer uma nova necessidade de comunhão em todos os âmbitos. É
como se da humanidade e das próprias Igrejas de hoje se elevasse um pedido, quase
um grito de unidade.

No campo civil passa-se da coletivização violenta ao liberalismo desenfreado, da


massificação política ao separatismo nacionalista. Todos os fenômenos anormais, que
em uma análise mais aprofundada revelam a necessidade de uma lista da comunhão
autêntica, capaz de conjugar unidade e liberdade, respeitando a identidade e a
diversidade.

Como em toda a história da Igreja, o Espírito Santo ainda no século XX voltou a


dar respostas adequadas às necessidades da sociedade, porque foi ele quem as
colocou no coração dos homens e mulheres de hoje. Assistimos assim ao surgimento
de novos carismas, capazes de dar origem a movimentos eclesiais e novas
comunidades, diferentes umas das outras e, juntamente com traços comuns, porque
respondem às necessidades comuns de hoje.

Eis Andrea Riccardi, Pe. Lorenzo Benzi, Ernesto Olivero... Pessoas que não
fogem diante dos problemas da sociedade, mas atraídos por eles, até amá-los e
transformar a dor em amor, a cruz em ressurreição.

Chiara Lubich, em meados do século XX, criou um movimento cristão


fortemente espiritual, mas exatamente porque se trata de um autêntico carisma, ele
tem implicações práticas na vida social, econômica, política. Em uma nota ao seu
escrito, Ressurreição de Roma, escreveu assim: "Pensa-se, às vezes, que o Evangelho
não resolva todos os problemas humanos e entenda o Reino de Deus apenas no sentido
unicamente religioso.

Mas não é assim. Este não é o Jesus histórico enquanto Cabeça do Corpo místico
que resolve todos os problemas. Que faz isso é o Jesus-nós, Jesus-tu... É Jesus no
homem, naquele determinado homem – quando a sua graça está nele-, que constrói a
ponte, faz uma estrada. Jesus é a personalidade verdadeira, mais profunda, de cada
um. Todo homem (todo cristão), de fato, é mais filho de Deus (= outro Jesus), que
filho de seu pai.

37
É como outro Cristo, membro do seu Corpo místico, que todo homem dá seu
contributo típico em todas as áreas: ciência, arte, política... É a Encarnação que
continua, encarnação completa que diz respeito a todos os Jesus do Copo Místico de
Cristo8. E eis o nascer dentro do Movimento dos Focolares a "economia de comunhão"
e "movimento político pela unidade".

A criatividade do espírito não pára nem mesmo no século XX. Nos últimos anos,
ele continua a inspirar novas fundações, centenas: novas comunidades, movimentos
eclesiais, grupos carismáticos variados. É um pulular de vida fresca e jovem. Os
institutos "históricos" veem com alegria o nascimento destas novas formas de vida
consagrada, capazes de envolver institucionalmente leigos e consagrados, famílias e
celibatários, bem como ordens monásticas viam com alegria o avanço do novo
movimento mendicante no in ício do século XIII.

V - A CONCRETICIDADE DO AMOR

Depois de dar uma olhada diacrônica na incidência dos carismas sobre a


sociedade aos longo dos séculos podemos agora nos perguntar, em uma visão
sincrônica, quais são os âmbitos nos quais exercitaram tal influxo. Deixando de lado o
mais óbvio, mas talvez a mais importante, das ciências filosóficas teológicas,
pedagógicas, seriam ainda muitas as tarefas nas quais as pessoas animadas por um
carisma coletivo ofereceram e continuam a oferecer os próprios contributos.

Antes de tudo, as artes. O monaquismo beneditino, em suas múltiplas formas


históricas se expressou na arquitetura, pintura, poesia, música, literatura. O mesmo
para os Movimentos mendicantes. Francisco de Assis tem um lugar privilegiado no
nascimento da língua italiana e o seu movimento deixou uma marca indelével na
arquitetura como na pintura. Teresa d'Ávila está entre os maiores expoentes da
poesia espanhola, assim como Francisco de Sales entre aqueles da cultura do Gran
siécle na França. Coma tradução da Bíblia, Cirilo e Metódio deram forma à língua
eslava, assim como Lutero à língua alemã

No campo econômico lembramos que o sistema feudal da Idade Média era ligado
ao modelo da abadia; os Mendicantes contribuíram para o nascimento os montes de
piedade, os Jesuítas às Reduciones do Mundo Novo.

O influxo político é igualmente considerável e determinante. Um século antes da


Magna Charta da Inglaterra existia o Capítulo Geral de Citeaux, com seus sistemas de
representatividade e de votações. Foram os monges a colocar as bases do espírito
democrático. Papel fundamental tiveram os Dominicanos e suas instituições de

8
“Nuova Umanità”, 17 (1995) 5-8.
38
governo. Poucas instituições como aquelas que nasceram dos carismas tiveram a
vantagem de continuar ao longo dos séculos, graças à sua inteligente organização.

Poderíamos pensar também, neste campo, à incidência sobre o mundo político do


tempo de um Bernardo, de uma Catarina de Sena, de um Lutero, de um Tomás More,
bem como ao valor da utopia social de Joaquim da Fiore, Francisco de Assis, Tomás
Campanella, Jerônimo Savanarola, Giordano Bruno; ao influxo sobre os direitos
humanos exercitado por Francisco da Vitoria, Barlomé de las Casas, Francisco
Suarez...

Os frutos dos carismas estão presentes também nos campos mais impensados,
como os da agronomia, matemática, astronomia, botânica, siderurgia, farmacêutica,
medição do tempo, meteorologia, física... Limito-me a reclamar, por acenos, somente
alguns deste muitos âmbitos nos quais se fez presentes este serviço à sociedade9.

Começando da terra. Basta lembrar o que foram na história da agricultura os


mosteiros de Bobbio, Pomposa, Farfa, só para ficar na Itália, ou então a contribuição
dada à silvicultura e às ciências botânicas do Camaldoli e Vallombrosa.

O objetivo não era a civilização, mas a necessidade do trabalho para viver, a


obediência a Deus que confiou a terra ao homem, a busca da penitência, o “cuidado do
trabalho bem feito” como imposto pela Regra beneditina. Porém, o fruto foi, sem
dúvida, ter bonificado terrenos não cultiváveis e pantanosos, favorecido novas
culturas e ter ensinado a populações inteiras as técnicas agronômicas e o sentido da
trabalho. Que não sejam experiências confinadas ao passado o diz quanto os
missionários continuam a atuar ainda hoje, neste setor, em tantos países da Ásia,
África e da América Latina.

Com os campos os vinhedos. Os primeiros monges a cultivar as videiras foram


provavelmente os Pacomianos do IV século, no Egito, logo seguidos pelos Basilianos.
Mas foi, principalmente, o Ocidente a ver o grande desenvolvimento da viticultura. O
vinho era um elemento fundamental nos mosteiros, servia para a missa, para a
refeição (a alimentação do tempo requeria que cada pessoa ingerisse 2-4 litros por
dia), para os hospedes, para os pobres... Beneditinos e Cistercienses foram aqueles
que elaboraram as técnicas mais apropriadas, fazendo de suas abadias os centros de
produção do vinho melhor e a melhor preço na Europa. Na Itália, o Chianti, o Greco di
Tufo, o Ciró, são vinhos beneditinos; são camaldoleses os vinhos Bardolino, Frascati,
Colli Euganei. Na França, foi um beneditino, dom Pierre Pérignon, a produzir em 1698,
o moderno Champagne inventando o método champenoise para produzir a segunda
fermentação e a tampa para a garrafa. Poderíamos lembrar vinhos cistercienses,
agostinianos, premonstratenses. Na Itália. É carmelitano o Sauvigny francês. E

9
Podem ser encontrados, entre as inúmeras vozes do Dizionario degli Istituti di Perfezione (Edizioni
Paoline): Agricoltura (vol. 1, cc. 435-450), Scienze, esplorazioni e tecniche di vita materiale (vol. 8, cc.
1068-1115), Storia della carità (vol. 9, cc. 252-285), Studi (vol. 9, cc. 443-527).
39
poderíamos continuar com os liquores, desde o “Beneditino” à “Gemma d'abeto”, até
os amargos...

Junto ao cuidado da terra, que fornecia os alimentos para o sustento próprio e


dos pobres, monges e religiosos se dedicaram ao cuidado do corpo e da mente das
pessoas que viviam ao redor deles. A história da caridade cristã, escrita e re-escrita
em inúmeras obras monumentais, colocou-os entre os protagonistas em primeiro plano;
Suas modalidades são infinitas.

Durante muitos séculos, antes que os estados modernos começassem a


considerar como próprio dever a tarefa da assistência, as instituições em favor dos
pobres, enfermos, encarcerados, ignorantes, jovens iniciantes no trabalho, foram
monopólio dos monges e religiosos. Os hospitais públicos, as escolas, os institutos de
assistência são, na maioria das vezes, criações se não invenções das Ordens religiosas.

Já o primitivo monaquismo egípcio, com Antão, Pacômio, e sucessivamente com


Basília e Agostinho, interessava-se pelos pobres, enfermos, viandantes, instituindo
hospedarias e hospitais e assistindo todos aqueles que se encontram nas mais
diferentes necessidades. No Ocidente, os mosteiros tornam-se rapidamente, centros
de assistência, com locais adequados onde os pobres são lavados, nutridos, cuidados,
abrigados... Com o movimento franciscano e das outras Ordens mendicantes, os
religiosos não somente acolhem na casa os necessitados, mas vão ao encontro deles lá
onde eles vivem, inventando verdadeiras e próprias estruturas da caridade e da
assistência, que alcançarão a máxima expansão a começar em 1600 quando o
pauperismo anterior e o proletariado operário invadirão a Europa.

Nascem hospitais, “albergues dos pobres”, caixas de ajuda ao socorro, casas de


recuperação para pessoas portadoras de deficiência ou idosos, colônias agrícolas,
instituições para defender jovens artesãos ou mães solteiras... No século XIX, dom
Bosco foi reconhecido pelo Governo piemontês como o primeiro estatuto do
aprendizado juvenil.

Chegamos assim, ao século XX, quando sempre mais se desenvolvem novas


formas de solidariedade, feita de partilha, sustento, formação à auto-gestão e à
independência econômica, que se colocam ao lado das iniciativas governamentais ou,
em todo caso, públicas, contribuindo também para seu constante aperfeiçoamento,
graças a competência.

Ao mesmo tempo, com o cuidado do corpo, o cuidado da mente. Já o mosteiro


medieval era um centro de estudo. Como não lembrar o Vivarium de Casiodoro, o
renascimento carolíngio graças à doação de Bento di Aniane, as bibliotecas e os
escritores que passado todo o conhecimento antigo e produzido novos conhecimentos,
as instituições como verdadeiras escolas para jovens? A cultura antiga acontecia ao
redor do mosteiro. Ainda hoje, ficamos impressionados ao visitar as bibliotecas de
alguns grandes mosteiros, o lugar mais belo e mais rico junto à igreja e à sala
capitular. Se, ainda, pensamos ao significado dos colégios dos Jesuítas, dos
40
Barnabitas, as escolas capilares dos Irmãos das Escolas Cristãs, dos Irmãos Maristas,
e aqueles das inúmeras congregações femininas dedicadas ao ensino, percebemos o
imenso patrimônio de cultura e distribuido pela vida carismática.

Ao lado das escolas de ensino fundamental e médio, os religiosos instituíram


verdadeiras universidades, ainda hoje incontáveis em todo o planeta. É aqui,
principalmente, do tempo do ensinamento de Tomás de Aquino e Boaventura de
Bagnoregio nas instituições universitárias do tempo, que se elabora também a
doutrina que sempre emerge dos grande carismas.

O amor pela humanidade faz seguidores dos carismas também entre


farmacistas e matemáticos. Em um primeiro tempo se advertia uma rejeição a estes
âmbitos. A farmacologia na antiguidade era, frequentemente, ligada à magia e a
matemática ao mundo pagão, daqui o distanciamento de um dos grandes iniciadores do
monaquismo oriental, Basílio o Grande. Todavia, ele sabe também que as ervas são
criadas por Deus para o bem do homem. “As ervas – escreve redescobrindo o sentido
da criação como obra de Deus ('viu que tudo era bom' e podia estar à serviço do
homem) – que se adaptam para cada enfermidade...

Foram produzidas por vontade do Criados, para nossa vantagem. Portante,


aquelas qualidades naturais que são encontradas nas raízes, nas flores, nas folhas, nos
frutos, nos sucos, ou aquilo que provém das minas ou do mar... de tudo isso... é lícito
usar livremente”10. A cuidados dos enfermos e dos pobres a quem se dedicam os
monges cria as condições para a experiência e alojamento para viandantes, são
necessários remédios para curá-los!

O mesmo princípio da bondade da criação e do serviço à humanidade vale para a


matemática: a descoberta de cada novo princípio era uma redescoberta da grandeza
de Deus e da ordem com a qual havia criado o universo. Seu uso se revelava também
um válido instrumento para ajudar os camponeses na medição dos campos, no traçar
os canais, no pesar os produtos... Os primeiros elementos práticos da matemática já
estão presentes nas “enciclopédias do saber” de Cassiodoro, fundador do mosteiro de
Vivarium na Calábria, como naqueles de Isidora de Sevilha na Espanha, do Venerável
Beda na Irlanda, de Rabano Mauro (776-856) abade de Fulda na Alemanha… O monge
Gerberto d’Aurillac levou para a França os procedimentos de cálculo e as cifras
indianas consentindo a difusão do ábaco em toda a Europa. Dominicanos e
Franciscanos se distinguem com a tradução das obras árabes, o que permitiu um
avanço nos conhecimentos matemáticos. Tornou-se famoso Luca Pacioni do Borgo
Santo Sepulcro, franciscanos conventual, que desenvolveu intensa atividade de
ensinamento e nos deixou obras como Summa de Arithmetica, Elementi di Euclide, De
divina proportione. No mundo anglo-saxão destacou-se, entre outros, Riccardo de
Wallingford, beneditino; na França, o domenicano Vincenzo di Beauvais, no mundo
alemão, o franciscano Alberto di Sassonia, primeiro reitor da univerddade de Viena e
cisterciense João de Gmunden. E poderíamos prosseguir ao longo dos séculos com
10
Grandi Regole, 55
41
Francesco Maurolico, beneditino de 1500, Boavetura Cavalieri da ordem dos Jesuítas
de São Jerônimo em 1660, cuja fama é ligada à teoria dos indivisíveis. Encontramos
ainda insígnes matemáticos entre Jesuítas, Oratorianos, Camaldoleses (Guido Grandi),
Minimos, Barnabitas, Scolopios, Teatinos...

A exploração da terra e o estudo de culturas desconhecidas no mundo


ocidental, ulterior campo no qual se distinguiram os religiosos, é também esse fruto
da paixão pelo anúncio do Evangelho e do amor para com os novos povos aos quais
esses se dirigiam, assim como o desejo de mostrar-lhes suas descobertas a todos nos
países de origem os enviou em missão e sustentavam suas obras.

As mais antigas relações com Mongóis (XIII sécolo) são dos franciscanos de
Pian del Carpine e Guglielmo da Rubrouck, que oferecem um quadro minucioso e
articulado dsas várias tribos nômades que populavam o imenso império. O mesmo o
fará João de Montecorvino e Oderico de Pordenone para a Índia e China. Será
também a volta de Mattelo Ricci e outros jesuítas que compilarão em 1655 o Novus
Atlas Sineses e ampliaram as observações científicas em Manciuria, na Coreia, no
Japão. Á Índia, com suas línguas e culturas, será ainda objeto de estudo. Roberto de
'Nobili, assim como, sempre da parte jesuítas, o Tibet. Os missionários de Paris,
contribuirão para conhecimento do Tonchino, os Barnabitas da Birmânia, os Teatinos
de Java, Borneu e Sumatra, os jesuítas do Bengala, Butan, Nepal. Onde quer que se
transcrevam às línguas, compilam gramáticas e dicionários, aprofundam tradições
religiosas, usos e costumes com outros ambientes culturais... o mesmo na América.
Determinante o apoio dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada, no século XIX e
XX, ao estudo e à conservação de línguas e culturas das tribos indianas do Canadá e
dos Inuit. Entre todos, se dintingue Emilio Petirot, que explorou as regiões do
Nordeste redigindo cartografias, descrevendo com muito cuidado culturas de
esquimós, especialmente os Tchiligh, hoje desaparecidos , recolhendo-os em suas
tradições e lendas, estudando línguas e dialetos. De 1600 também na África e
sucessivamente na Austrália e Oceania, tornam-se lugares de exploração e de estudo
da parte de um grupo sempre mais numeroso dos Institutos religiosos.

Uma similar incidência cultural deve-se também ao fato de que os membros seja
das ordens monásticas como dos sucessivos movimentos religiosos eram geralmente
pessoas cultas. Eis porque entre eles encontramos históricos, letrados, geógrafos,
antropólogos, matemáticos, astrônomos, cientistas... Poderia parecer estranho que
pessoas que deixaram tudo para servir Deus no seguimento de Cristo se encontrem
imersas tão profundamente nas realidades humanas. A incidência cultural deles é
ligada ao carisma e à espiritualidade dos quais são portadores, que os impelem, de
acordo com a graça, a agir em favor da pessoa vista por inteira e concretamente, em
uma atitude de autêntico serviço, que leva a ocupar-se de cada expressão
autenticamente humana.

É o testemunho da circularidade do amor de Deus e do próximo, um único


indivisível amor apesar das diferentes manifestações. Buscando Cristo, as pessoas
42
carismáticas encontram a humanidade e indo em direção a humanidade encontram
Cristo. A oração os leva a ir em direção do Cristo que se identificou com cada pessoa,
e dedicando-se ao serviço da pessoa sentem de rezar e ir em direção a Deus. A vida
“interior” sempre advertiu para a necessidade de expressar-se em obras “exteriores
e estas, longe de serem mera filantropia, se alimentaram da visão evangélica e
conduziram ao Evangelho: nenhuma dicotomia entre espiritualidade e compromisso
com a humildade.

Como no passado, também hoje, a sociedade precisa dos mosteiros, dos centros
de espiritualidade, de comunidades carismáticas, oásis de contemplação e escolas de
oração e e humanidade, de educação à fé do acompanhamento espiritual, esboços de
humanidade realizada. Precisa de quem reproponha o sentido da vida, as verdades
eternas do Evangelho. Precisa de quem esteja ao lado dos jovens e das famílias, dos
pobres, dos imigrantes, dos enfermos, das pessoas sós, dos dependentes do álcool,
droga, prostituição..., quase uma continuação da presença de Jesus que passou
fazendo o bem a todos. Precisa daqueles que saibam testemunhar a fraternidade, que
saibam acompanhar em uma nova unidade as diferentes almas que atravessam e os
novos povos que ali colocam suas ancoras. E os novos continuam a ser uma resposta à
humanidade.

Mas a criatividade do Espírito não termina nos carismas evangélicos, assim como
sua ação recorda à Constituição pastoral Gaudium et spes (n. 11), sopra onde quer e
anima quem quer. Podemos portanto, nos perguntar se tantos grandes homens e
mulheres em outras tradições religiosas não sejam essas pessoas carismáticas,
movidas pelo Espirito. Se Deus deixou transportar pelo vento do Espírito as
“sementes do Verbo” entre todos os povos e culturas, terá suscitado também homens
e mulheres e donas capazes de acolhê-los e terá mandato também água do Espírito a
faze-los brotar.

Também os grandes gênios da humanidade, que contribuem para o crescimento e


progresso, podemos pensá-los não privados de uma particular moção do Espírito que
continua com sua obra criadora e iluminativa. É sempre a Gaudium et spes a recordar-
nos que “o Espírito de Deus, que, com admirável providência, dirige o curso dos tempo
e renova a face da terra, está presente nesta evolução” (n. 26).

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VI – MARIA TODA CARISMÁTICA

Se os carismas são Evangelho que se faz história, a Virgem Maria é a


carismática por excelência: nela a Palavra se faz carne, se faz homem, se faz
história. Maria acolhe toda a Palavra, a guarda, a faz sua vida, a doa ao mundo.
Olhando para ela e para o seu relacionamento com a Palavra podemos ver refletido
o caminho do carisma. A via Mariae

Como a chama Chiara Lubich, é a via percorrida por todo carismático. (1)

O anúncio do anjo é uma intervenção inesperada na vida de Maria (cf Lc 1,


26-38). Por mais que pudesse estar preparada e pronta, graças sobretudo a sua
Conceição Imaculada, a eleição para ser mãe de do Filho do altíssimo não era para
ela previsível, e nem devida, Por que kecharitomène , cheia da plenitude do carisma
e da benevolência de Deus? Por que escolhida entre todas as filhas de Israel? Por
que o Espírito criador, doados dos carismas, desce sobre ela e o Altíssimo a cobre
com a nuvem de sua presença? Por puro dom, por pura graça. Não exite um porque
no amor.

O anúncio do anjo é o anúncio de uma missão: “Conceberás um filho”. Tudo é


tão novo e grande que as primeiras palavras de Maria são uma exclamação de
maravilha e junto um pedido de iluminação para melhor compreender como podera
realizar-se o designo de Deus e como ela poderá colaborar. Diante de Maria se
abre um novo futuro, uma missão confiada por Deus, e que ele mesmo levará ao
cumprimento.

Este é o carisma, Deus que se torna presente na história porque tem um


designo de amor para realizar. É uma luz que brilha no coração de uma mulher, de
um homem e revela um projeto divino. É um evento inesperado tão grande e novo ao
ponto de deixar surpreso até perturbado. Tornou-se diante da Potência do
Altíssimo, acolhida plena e incondicional

de serviço à Palavra: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim a sua


palavra”. É o início de um evento que consente a Palavra fazer-se carne, fazer-se
história.

Maria, terreno bom, guarda a Palavra revelada e acolhida, a trabalha


(meditava em seu coração), a faz crescer, a doa...Inicia a interação entre a Palavra
e Maria, modelo do dinamismo carismático da Igreja.

A Virgem é a imagem da progressiva compreensão da Palavra que, ao longo


dos séculos, através dos carismas, caracterizará os caminho do povo de Deus. A
Igreja é a Virgem que, como Maria e porque feita Maria, acolhe a Palavra e nela
cada palavra do Evangelho, que se encarna nos carismas. A Igreja é a Mãe que,

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como Maria e porque feita Maria, gera a Palavra e faz florescer nos carismas todas
as palavras.

Na Igreja, como para Maria, os carismáticos recebem um “anúncio do anjo”.


“O mesmo Altíssimo me revelou que deveria viver sob a forma do santo Evangelho”,
testemunhou explicitamente São Francisco de Assis, chamando revelação o impulso
que o levou a tomar aquele novo caminho na Igreja do qual nasceria o seu
Movimento. Outros, para exprimir o mesmo fenômeno, falam de luz, inspiração,
intuição, visão. Até em nossos dias quando, por exemplo, a irmã Magdeleine escreve
que sua Fraternidade foi desejada pelo Espírito Santo “me inspirou com a força do
Amor...Não tive muito no que refletir, porque tudo era imponente, com a
luminosidade e rapidez de um relâmpago”(5). “Padre Alberione é o instrumento
eleito por Deus para esta missão - escreve ele mesmo- trabalha para Deus e
segundo a inspiração e o querer de Deus”(6). O Concílio Vaticano II reconhece que
os fundadores, no dar a vida as suas famílias religiosas, agiram “indo atrás do
impulso do Espírito Santo”(PC1).

Como Maria o carismático sente-se nas mãos de Deus, totalmente


dependente dele: “Sim, testemunha Chiara Lubich, porque a caneta não sabe o que
deverá escrever. O pincel não sabe o que deverá pintar. A espátula não sabe o que
deverá esculpir. Assim, quando Deus toma em suas mãos uma criatura, para fazer
surgir na Igreja qualquer obra, a pessoa não sabe o que deverá fazer. É um
instrumento. E este, penso, pode ser o meu caso”7

Maria não retem para si o anúncio da novidade do anjo, o comunica a


Elizabeth: “Grandes coisas fez por mim o Onipotente” (cf, Lc 1, 37-56). Ocorre o
mesmo na vida das pessoas carismáticas. Quando encontram alguém aberto a
acolher a sua descoberta, transmitem a experiência até envolvê-lo no projeto
carismatico. Frequentemente quem fala é o testemunho da própria vida. Os seus
seguidores descobrem nele o nela um perfeita ressonância com as próprias
aspirações e os próprios desejos e, não partilha do seguimento, a plena satisfação
de quanto o Espírito já colocou em seus corações, em sintonia com a aspiração dada
ao carismático. E nisto acontece uma convergência de ideais que permite a
agregação para o cumprimento de um projeto de vida em comum.

Em Paris Inácio de Loyola dava os exercícios espirituais a alguns jovens


universitários, comunicando a eles o próprio ideal de vida. Estavam lá Francisco
Xavier, Diego Laínez, Alfonso Salmeron… que se tornaram seus primeiros
companheiros. O meu fundador, Eugênio de Mazenod, quando em seu coração
percebeu a luz de sua missão escreveu para alguns amigos para comunicar o próprio
ideal, Francisco Xavier Tempier que será o primeiro companheiro respondeu:
“Condiviso plenamente as vossas ideias e , não esperarei outros pedidos para
entrar nesta santa obra que tem ressonância com minhas aspirações, e asseguro
que, se soubesse antes, teria sido eu a implorar para que me acolhesse...

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Vejo que querem para os vossos colaboradores: desejam sacerdotes que não
hajam como uma máquina, assinalando o passo, mas prontos a percorrer a via dos
Apóstolos e trabalhar pelo bem das almas sem esperar aqui outra recompensa que
penas e fadigas. Por graça de Deus sinto em mim este desejo e se não sentisse
desejaria imensamente senti-lo; e tudo será mais fácil ao lado de vocês. Contem
comigo de olhos fechados”(8) Iniciava a sintonia plena. O Espirito, que havia
iluminado o fundador, já havia predisposto o discípulo a acolher a sua luz
inspiradora.

Maria dá a luz ao Verbo da vida; é a mãe de Deus (cf. Lc 2,1-7).

A palavra evangélica que se encarna no coração das mulheres e homens


carismáticos, dá origem a um movimento de pessoas, uma comunidade capaz de
viver a mesma palavra e torná-la operante na história. Paternidade e Maternidade
constituem o aspecto mais evidente para os que são destinatários de um carisma
que deve dilatar-se no espaço e no tempo. Eles se tornam geradores de uma família
de filhos e filhas que participam e mantem viva a missão confiada a eles por Deus;
Nasce uma obra nova na Igreja, o Verbo volta a fazer-se carne.

A história da espiritualidade conhece muitas imagens para descrever o


relacionamento que liga os fundadores e discípulos: a imagem da plantação que vê a
continuidade entre semente e planta; a imagem da cabeça e corpo; a imagem do
fundamento e do edifício; a imagem de um pastor seguido por um pequeno ou
grande rebanho. A imagem da paternidade e da maternidade permanece todavia, a
imagem mais usada e mais fecunda de sugestões. Francisco de Assis na carta a Frei
Leão, chama com naturalidade o seu companheiro de “Meu filho”, comparando-se
com uma mãe. E depois diz “ser uma mulher que o Senhor havia dado ´engravidar-
se´ com sua Palavra e havia dado a ele filhos espirituais”

A mesma consciência de maternidade declara Angela Merici em seus


Preceitos, quando afirma que Jesus Cristo “me elegeu para ser mãe viva e morta, di
sì nobile Compagnia» Durante a eleição de Inácio de Loyola a superior geral, um de
seus primeiros companheiros, Cláudio Jay, na ficha de votação motivava a escolha
no fato “que Deus deu a todos nós já há muitos anos Pe. Inácio como Pai”. Um forte
chamado a paternidade é o do meu fundador Eugenio de Mazenod, quando escreve
que Deus “me predestinou a ser pai de uma família numerosa na Igreja”; “Eu sou pai
e como sou pai!”. Assim ele incentivava o ardente amor aos seus missionários: “Amo
meus filhos mais que qualquer criatura poderia amá-los...É sem dúvida a causa pela
qual ele se dignou a colocar-me nesta posição na Igreja”. Deus, comunicando a ele o
carisma de fundador, deu-lhe a capacidade de transmitir aos outros, em um
processo gerador, o seu projeto apostólico, com todas as riquezas nele contidas.

As pessoas carismáticas podem fazer uma comparação do relacionamento


com os discípulos, no trecho em que São Paulo fala aos Coríntios (cf. 1Cor4,15) e
aos Gálatas (cf. 4,19): “Vos gerei em Cristo Jesus”.

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Maria, que se tornou mãe, apresenta o filho no templo onde é acolhida pelo
velho Simeão e por Ana (cf. 2,22-36). Eles “movidos pelo Espírito”, reconhecem na
“obra” de Maria “a salvação, preparada para os povos, a luz dos gentios”. Ao mesmo
tempo surge a perseguição: Herodes quer matar Jesus, a “obra” de Maria (cf. Mt
2,13-18). Simeão reconhecendo Jesus, afirmou que ele não seria reconhecido, mais
ainda, ele seria perseguido, e seria “sinal de contradição”

É a história de cada carisma. Suscitado pelo Espírito deve ser reconhecido


pelo Espírito. Nascido na Igreja para a Igreja deve ser acolhido por quem tem o
carisma do discernimento: “Aqui tem o dedo de Deus!”, costuma repetir o bispo
quando lhe é apresentado um carisma autêntico. Há que acolha com alegria a
novidade, talvez tão esperada. Há também quem a segue com convicção o
instrumento que Deus escolheu para levá-lo a Igreja, sentindo-se chamado a
condividir o dom; há quem se sinta impulsionado à conversão...

Mas também quantos obstáculos e dificuldades encontra o carisma em seu


caminho. Por vezes surgem no próprio ambiente eclesial, motivados pelo ciúmes,
incompreensões...As vezes fruto de um severo discernimento que coloca à prova.
Em um documento eclesial se lê: “Todo carisma autêntico traz consigo uma carga
de genuína novidade para a vida espiritual da Igreja e operoso empreendimento ,
que no ambiente pode talvez aparecer incômodo e pode também levantar
dificuldades, porque nem sempre é fácil reconhecer que é obra do Espírito...O
justo relacionamento entre carisma genuíno, prospectiva de novidade e sofrimento,
comporta uma constante conexão entre carisma e cruz, a qual, sem mencionar os
motivos justificados da incompreensão, é útil para discernir a autenticidade de
uma vocação”.

Chega finalmente o momento em que a novidade carismática é reconhecida e


encontra o seu lugar na Igreja, ao lado de outras obras que o Espírito gerou ao
longo dos séculos.

Maria segue Jesus, já adulto, na vida pública. A sua primeira aparição


acontece em Caná da Galileia, onde com o Filho, participa de uma festa de núpcias.
Ali ela vê a necessidade do vinho. Antes de ser um símbolo do “vinho novo” para os
tempos novos que Jesus está para inaugurar- como justamente compreenderam os
Padres da Igreja - aquele fato tem um significado importante. Uma festa de
núpcias não seria a mesma sem o vinho! Para Maria se trata da percepção de uma
necessidade concreta e a necessidade de dar uma resposta. Como solução, ela
indica as palavras de Jesus: é necessário fazer o que Ele disser, colocar em prática
a sua palavra (cf Jo 2,1-10).

Também nesta etapa da via Mariae podemos colher um aspecto do percurso


do carisma na história. O carismático acolhe as urgências de seu tempo e encontra
na Palavra de Deus, aquela que o Espírito sugere e constitui o carisma, a resposta
adequada. Vimos anteriormente como os carismas nos fazem ver coisas que outros

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não veem; como eles sabem vir ao encontro às necessidades não somente eclesiais,
mas em todo campo social.

Maria, a partir das núpcias de Caná, segue o filho, o escuta falar as multidões
com palavras de sabedoria, o vê operar milagres, percorrer as estradas do mundo
fazendo bem a todos. Analogamente a obra que o carismático dá vida é como um
Jesus que de novo se torna presente na sociedade, caminha entre as pessoas,
acolhe as perguntas, responde, age, infunde esperança...A Alegria de Maria ao ver
o filho em ação é a alegria dos iniciadores dos movimentos carismáticos que veem
os próprios filhos atuarem e entregarem-se ao projeto que o Espírito mostrou a
eles na inicial “centelha inspiradora”. Podem repetir, como Jesus, “fareis obras
maiores do que as minhas”(cf Jo 14,12).

Para Maria chega o tempo de seguir o filho aos pés da cruz (cf Jo 19, 25-27).
A profecia de Simeão se realiza: uma espada lhe transpassa a alma. Impotente,
mas firme, impotente, mas firme, vê a sua “obra” imolada, aparentemente falida, e
ela fica como “desapropriada de seu filho”: ‘Mulher, eis o teu Filho’. É associada ao
mistério redentor do Filho,também ele desapropriado, escutando o seu grito “Meu
Deus, Meu Deus, por que me abandonastes?”(Mt 27, 45). Maria, aos pés da cruz,
vive e exprime o maior dos carismas, o martírio, sempre presente e atual na vida da
Igreja, e mostra a validade redentora de cada carisma.

Para todo carismático, como Maria, chega o momento no qual vê separar-se a


própria criatura, a obra que ele deu vida. É impossível seguir este percurso os
santos e as santas, tão diferente é o caminho de purificação através do qual o
Espírito os conduz.

As vezes, como na experiência de Camillo de Lellis, ele deve deixar a própria


obra nas mãos de outros e tem a impressão de que ela está se desviando. Um
fundador como Paulo da Cruz fala de “morte mística”, de “puro padecer”, da “a
noite mais escura da fé”, de seu “horrível nada que parece ser mais horrível que o
Inferno”(13). Esta se tornando cada vez mais notável a longa e atormentada noite
de Teresa de Calcutá. Enquanto ela se fazia voz de Deus, dando esperança, não
sentir nem a sua voz, nem a sua consolação. Até o fim da vida experimentou a
sensação de abandono da parte de Deus, o sentimento, como lemos em seus
escritos: “de não ser querida por Deus, rejeitada, vazia, sem fé, sem amor, sem
zelo”. Ao seu pai espiritual dizia: “Desejo ser toda de Deus...Mas quanto quanto
mais o desejo, menos me sinto por ele querida. Desejo amá-lo porque não é amado e
provo aquela separação, o terrível vazio, aquele sentimento da ausência de Deus”
(14).

Maria, no Calvário, “perde” a maternidade do filho Jesus por uma maior


maternidade: Jesus feito Igreja. Ali Maria se torna Mãe da Igreja.

E assim é para os fundadores e fundadoras. A sua prova é ligada a missão de


gerar uma obra nova, que deve dilatar-se sempre mais, até se tornar Igreja. João

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da Cruz, aludindo a transverberação de Teresa d’ Ávila ou aos estigmas de
Francisco de Assis, escrevia: Poucas são as lamas que chegam a tal estado, mas
algumas de fato chegaram, especialmente aquelas que as virtudes e o espírito deve
se difundir na sucessão de seus filhos, porque Deus concede as riquezas e os dons
das primícias do Espírito aos fundadores, segundo o número de seus descendentes
na doutrina e no espírito”(16)

Este é o sentido da noite também de Teresa do menino Jesus que, mesmo não
sendo fundadora, é uma grande carismática, capaz de inspirar tantas realidades na
Igreja do século XX.

Nada de divino vem à luz se não for pago com a dor, nem a família, nem a
comunidade cristã, nem um nova obra de Deus. Assim Jesus deu a vida à sua
Igreja, a nova humanidade, assim Maria se torna Mãe da Igreja, assim os
fundadores geram sua família.

Também aqui podemos ver refletida a experiência de Paulo: “Filhinhos meus,


que eu novamente dou a luz, na dor, até que seja formado Cristo em vós!”(Gal 4,19).
É a dor do parto que, junto às graças místicas de luz, concorre para o nascimento
de uma vida nova. “Alegrias e dor – escreveu Chiara Lubich deixando transparecer
sua experiência de mulher do Espírito- não são o fim, são meios para que a Igreja
tenha uma nova obra de Deus, onde o Senhor desenha uma fisionomia com
características inconfundíveis, na qual coloca sangue divino, que é o particular
espírito que a informa e do qual parte a humanidade que naquela época deve ser
beneficiada”(16).

Maria no cenáculo, em Pentecostes, vê o fruto da obra cumprida por seu


Filho: o grão de trigo se torna espiga, o seu Jesus se multiplicou em seus
discípulos, o

Espírito do qual ela foi revestida na Anunciação é agora multiplicado,


dividindo-se em tantas línguas de fogo, tornando toda a Igreja carismática (cf
Atos 1, 14).

O carismático vê a sua obra inserida na grande tradição da Igreja, entre


outros carismas históricos, na pluralidade de vocações e de ministérios. O próprio
carisma, que no início era sublinhado por sua novidade e unidade, entra em
comunhão com todos os carismas, e se faz realmente Igreja-comunhão, onde tudo
concorre, em unidade, para a edificação do Corpo Místico de Cristo, a dilatação do
Reino de Deus sobre toda a humanidade.

É particularmente significativo o testemunho de Chiara Lubich quando fala


da contribuição específica do próprio carisma: “É evidente que no tempo no qual
vive e outros vivem são úteis conceitos, frases, slogan que tornavam o Evangelho
aderente à época moderna, as estes pensamentos, estes ditos, estas quase
“palavras de vida”, passarão... A própria espiritualidade da unidade que hoje é

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remédio do tempo, alcançado o objetivo, será colocada ao lado de tantas outras
nascidas dos vários carismas dados por Deus à Igreja ao longo dos séculos... O que
devemos sempre fazer é retornar constantemente ao início do Movimento e
recordar como Deus nos tenha oferecido preciosíssima chave para entrar no
Evangelho...Se assim fizer, a Obra de Maria permanecerá verdadeiramente como
outra Maria: toda Evangelho, nada mais que o Evangelho, porque o Evangelho não
morrerá”(17)

Estamos na última etapa da via Mariae , a Virgem é assunta ao céu,


eternizando o seu ser carismático; inteira palavra de Deus vivida.

A assunção faz intuir a dimensão escatológica dos carismas. Pronunciadas


pelo Espírito no tempo, as múltiplas palavras do Evangelho, através dos carismas,
entraram na historia e a fermentaram, orientando-a em direção a meta definitiva:
o céu.

Em sua duração histórica os carismas são transitórios. Alguns operaram por


décadas, outros por séculos, outros parecem acompanhar a Igreja durante toda a
sua história, mas finalmente, cumprida a missão para a qual foram dados, eles
“passarão”, como nos recorda Paulo (cf. 1 Cor 13, 8).

Não podemos todavia, esquecer que, em sua natureza mais profunda, os


carismas são palavras na Palavra, autênticas palavras de vida encarnadas, e como
tais não passam: “O céu e terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”
(Mt 24, 35). Em cada palavra está de fato a Palavra, o Verbo; o Verbo é amor e o
amor, segundo Paulo, permanece (cf 1Cor 13,8).

No Paraíso veremos resplandecer uma a uma as palavras de Jesus vivas e


luminosas, eternizadas pelos santos que as repetirão uns aos outros, junto com
seus seguidores. Será o Cântico Novo.

Programação Escola de Formação para Formadores - 2010

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Dia 05/07 2ª feira 10:30h – 2ª Colocação –

17:00h Abertura com a Santa Missa 11:30h – Plenário

12:00h - Almoço

Dia 06/07 – 3ª feira 14:00h – Animação e Oração

08:00h – Adoração 14:15h – 3ª Colocação –

09:00h – 1ª Colocação – 15:15h – Intervalo

10:00h – Intervalo 15:45h – 4ª Colocação –

10:30h – 2ª Colocação – 16:45h – Intervalo

11:30h – Plenário 17:00h – Missa –

12:00h - Almoço

14:00h – Animação e Oração Dia 02 – Quinta-feira

14:15h – 3ª Colocação – 08:00h – Missa

15:15h – Intervalo 09:30h – 1ª Colocação –

15:45h – 4ª Colocação – 10:30h – Intervalo

16:45h – Intervalo 11:00h – 2ª Colocação –

17:00h – Missa – 12:00h – Almoço

Dia 07/07 – 4ª feira

08:00h – Adoração

09:00h – 1ª Colocação –

10:00h – Intervalo

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