Sunteți pe pagina 1din 114

4 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 5


6 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 7
8 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica
Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 9
A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO
UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA
Marina Francói¹
Marcia Cristina Sampaio Mendes²

1. Introdução e preconceito. Enquanto para outros, os di-


reitos humanos eram direitos naturais dos
O reconhecimento universal de que os homens, devendo ser entendidos como um
seres humanos merecem igual respeito, inde- conjunto de normas eternas, universais e su-
pendentemente de suas diferenças biológicas periores ao direito positivo.
e culturais não é fruto do mundo moderno. Dessa forma, o conceito dos direitos
A noção de direitos humanos, sendo aqueles humanos é adaptável conforme a concepção
inalienáveis e intrínsecos à pessoa e exigíveis político-ideológica da organização da vida
em todo lugar e tempo, acompanhou a evolu- social. Posto isto, tem-se que desde a Anti-
ção da humanidade nos seus vários estágios guidade certos valores humanos eram pro-
até a hodierna civilização. tegidos por meio de leituras religiosas tanto
Direitos fundamentais, direitos do pelo humanismo oriental, por intermédio das
homem, direitos naturais, direitos básicos, tradições hindus, chinesas e islâmicas, quan-
garantias individuais dentre outros são algu- to pelo humanismo ocidental judaico-cristão
mas desinências as quais designam o assunto e greco-romano. (DORMELLES, 1997).
em questão. Observa-se que qualquer defini- Segundo João Ricardo W. Dormelles
ção a ser usada corresponderá, de uma forma (1997, p.16) há três concepções filosóficas
simplificada, a um mínimo ético relacionado que possibilitaram o desenvolvimento con-
às necessidades fundamentais do homem ceitual dos direitos humanos, quais sejam:
que são iguais a toda pessoa e devem ser res- concepção idealista, concepção positivista e
peitadas para que o homem não se reduza a concepção crítico-materialista.
esse mínimo, perdendo a sua dignidade. Mi- A primeira concepção surge com a Es-
guel Reale (1991, p.210) enunciou que o ser cola do Direito Natural no século XVII, em
humano é “o valor fundamental, um valor- que os direitos humanos eram entendidos
fonte” que está acima de todo o ordenamento como valores divinos, advindos de uma or-
jurídico, um ser que vale por si só, um pos- dem supra-estatal. Portanto, os direitos hu-
tulado que reflete em um princípio basilar, a manos existiriam independentemente de um
dignidade da pessoa humana. reconhecimento do Estado, posto que eram
ideais.
2. Os Direitos Humanos A concepção positivista transfere os
direitos humanos para o campo do positi-
A idéia de direitos humanos esteve li- vismo jurídico. A partir dessa concepção os
gada a diversos momentos históricos em que direitos humanos não eram tidos como um
se buscava uma afirmação dessa dignidade. produto ideal de uma força divina, pois para
Para alguns autores, esses direitos surgiram garantir a sua existência e eficácia era preciso
de lutas e conquistas de cada povo, manifes- que cada direito estivesse positivado em lei.
tando-se assim, em diferentes textos e decla- Por último, a terceira concepção se
rações que eram o resultado de uma tentativa passa durante o século XIX e traz em seu
de resgate de qualquer opressão, exploração bojo os ideais de Karl Marx, sendo uma con-

¹Bacharelada em Direito pelas Faculdades COC


²Profa. Orientadora- docente das Faculdades COC na área de Direito do Trabalho.

10 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


cepção de perfil histórico que defende serem histórica a qual resultou na evolução das três
os direitos humanos normas decorrentes de gerações dos direitos fundamentais. Tais di-
lutas sociais travadas em prol de um mínimo reitos visam garantir e preservar a dignidade
ético de convivência humana. da pessoa humana, a qual resulta de condi-
Note-se que os direitos humanos são ções que viabilizam o pleno desenvolvimento
um conjunto de normas e valores que expres- do ser humano. Essa possibilidade de desen-
sam a essência do ser humano sendo um sus- volvimento pleno (material, espiritual e inte-
tentáculo do princípio da dignidade humana. lectual) se faz acerca da igualdade de oportu-
É nítido o caráter de não concorrência desses nidade que é fruto da igualdade humana, um
direitos em relação a outros, o que garante fundamento absoluto.
sua supremacia em detrimento ao Estado e
a sociedade. 2.2.As Gerações dos Direitos Humanos
No que tange, contudo, ao funda-
mento dos direitos humanos, Norberto Bob- A evolução dos direitos humanos é
bio (1992, p.46) afirma que a busca por um tratada pela doutrina clássica de forma fra-
fundamento absoluto de tais direitos perdeu cionada numa tríade conhecida como as três
o seu campo, vez que não se pode atribuir gerações dos direitos humanos. Essa divisão
esse fundamento absoluto a direitos histo- não indica que os direitos humanos são divi-
ricamente relativos. Todavia, algumas teses síveis e, por isso, foram implantados de ma-
atuais refutam esse pensamento no sentido neira sucessiva e fragmentada; apenas nos
de que a justificativa principal dos direitos traz a idéia de que os direitos foram conquis-
humanos reside no princípio guia da digni- tados por povos diferentes em momentos
dade da pessoa humana. Essa dignidade está históricos diversos.
intimamente relacionada as condições mate- O reconhecimento dos valores huma-
riais e espirituais que consintam com o de- nos foi gradativamente positivado a partir
senvolvimento do homem. dos direitos de liberdades, dos direitos so-
Vieira de Andrade (1983, p.94-95) es- ciais e por último dos direitos dos povos.
tabeleceu pela primeira vez uma correlação Sendo assim, primeiramente tem-se
entre os direitos humanos e o princípio da os direitos de primeira geração que são cha-
dignidade da pessoa humana, quando decla- mados de direitos civis e políticos, os quais se
rou em sua tese que: consolidaram com as reinvidicações da classe
burguesa no século XVIII em torno do direi-
(...) direitos fundamentais têm de to à liberdade, como o direito à liberdade de
ser os direitos básicos, essenciais, pensamento, de locomoção, de propriedade,
principais, mesmo que fora do de voto, de expressão etc. Esse movimento
catálogo ou da Constituição. E, o
elemento intencional do critério
teve início na Inglaterra com a Carta Magna
proposto, a referência ao princípio de 1215, em seguida com um documento cha-
da dignidade humana, deve ser mado Bill of Rights em 1689. Posteriormente,
enriquecido com esta nota, para na América surge a Constituição da Filadélfia
afastar direitos individuais que em 1787 que viabilizou a criação da Declara-
não mereçam aquele significativo. ção dos Direitos do Homem e do Cidadão na
(ANDRADE, p.94-95) época da Revolução Francesa em 1789.
Neste sentido, podemos concluir que Karl Marx criticava os direitos da pri-
o fundamento dos direitos humanos repou- meira geração, a qual dizia ter caráter retórico.
sa na luta por uma vida digna, uma batalha Neste diapasão, os direitos conquistados pela

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 11


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

segunda geração são indispensáveis para o de a existência de uma quarta geração dos di-
gozo das liberdades obtidas por meio da pri- reitos humanos, que está ligada aos direitos
meira geração. A segunda geração possui seu surgidos com a globalização, como o direito
cerne no valor da igualdade que é produto de à informação, à democracia e ao pluralismo.
várias lutas proletárias no século XIX, que Destarte, acreditamos que essas categorias
tinham como finalidade adquirir condições enunciadas pelo renomado constituciona-
essenciais para os trabalhadores, surgindo lista brasileiro se enquadram na terceira ge-
dessa forma, os direitos sócio-econômicos e ração, posto que os direitos dos povos têm
culturais, tais como o direito ao trabalho, à como eixo o valor solidariedade que abarca
moradia, à saúde, à educação, ao lazer dentre uma dimensão transindividual e planetária.
inúmeros direitos da classe trabalhadora. Pode-se dizer que a concepção que
Por se tratar justamente de direitos traduz os direitos humanos como indivisíveis
proletários, que esses direitos foram procla- e universais tem sua origem na modernidade,
mados pela primeira vez no Manifesto Co- quando partimos do pressuposto Renascen-
munista em 1848, fortalecendo-se na Cons- tista de que o homem e seus direitos indivi-
tituição Francesa de 1864 e, ganhando status duais estão no centro do universo; Portanto,
de direitos e garantias fundamentais do indi- segundo Flávia Piovesan (2007, p.135) “uma
víduo na Constituição Mexicana de 1917³ e geração de direitos não substitui a outra”,
também na Constituição de Weimar em 1919 ademais a idéia de tais direitos serem univer-
na Alemanha. sais não esbarra nas “particularidades nacio-
Já os direitos humanos da terceira nais e regionais e bases históricas, culturais
geração, alcunhados também de direitos dos e religiosas”, pois os direitos humanos de-
povos, que têm como valor a solidariedade, vem ser considerados globalmente exigíveis,
advêm de lutas e protestos sociais do século cabendo a cada Estado aplicá-los de forma
XX, principalmente a partir da situação ca- “justa e equânime, com os mesmos parâme-
tastrófica deixada pelas duas grandes guerras tros e com a mesma ênfase”.
(COMPARATO, 2003). Os direitos avocados
nessa geração são direitos transindividuais, 2.3. A Normatização Hodierna
como por exemplo, o direito ao patrimônio
genético intocável, o direito ao meio ambien- Como leciona Norberto Bobbio (1992,
te sadio, o direito à autonomia dos povos, o p.24), “o problema fundamental em relação
direito ao desenvolvimento, o direito à paz aos direitos do homem, hoje, não é tanto o
enfim, direitos transnacionais que trazem de justificá-los, mas o de protegê-los”. O Di-
uma noção ampliada e indivisível dos di- reito Internacional dos Direitos Humanos se
reitos humanos. Constam tais direitos em consolidou no século XX, a partir da Segunda
diversos tratados de direitos humanos, em Guerra Mundial como um movimento capaz
cartas constitucionais como a Carta Africana de responder a todas as atrocidades causa-
dos direitos humanos e dos povos (1981), em das pelas duas grandes guerras. Segundo
convenções como a Convenção sobre o Direi- Flávia Piovesan (2007, p.117), “se a Segunda
to ao Desenvolvimento (1986), bem como na Guerra significou a ruptura com os direitos
Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio humanos, o pós-guerra deveria significar sua
Ambiente e Desenvolvimento (1992) e na reconstrução”.
Declaração Universal sobre o Genoma Hu- A certeza de que era necessária uma
mano e os Direitos Humanos (1997). delimitação da soberania estatal por meio
Paulo Bonavides (2006, p.525) defen- de uma sistematização normativa interna-

³ Segundo Fábio Konder Comparato, a Constituição Mexicana de 1917 foi “a primeira a atribuir aos direitos
trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos
políticos”. A afirmação histórica dos direitos humanos, p. 174.

12 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

cional, a qual garantisse eficácia e proteção Pacto Internacional sobre Direitos Econômi-
aos direitos humanos, impulsionou numa cos, Sociais e Culturais. Enquanto o primeiro
preocupação em positivar todos os direitos abordava questões relacionadas à liberdade
humanos surgidos durante a história. das pessoas como um direito protegido con-
Assim, os direitos humanos contem- tra os abusos do poder estatal; o segundo
porâneos possuem como base normativa pacto preconizava os direitos de igualdade
internacional a Declaração Universal dos Di- àqueles grupos sociais menos favorecidos
reitos Humanos proclamada pela Assembléia que sofriam com a segregação econômica
Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro imposta por uma minoria dominadora.
de 1948, a qual deu início, juntamente com a Ainda na seara da internacionalização
Organização das Nações Unidas, a um desen- dos direitos humanos, tem-se pela primeira
cadeamento de elaborações de leis globais vez a cautela em criar tratados e declarações
capazes de proporcionar validade e solidez à que protegiam os direitos de terceira gera-
todas as gerações dos direitos humanos antes ção, como o direito ao meio ambiente salu-
vistos apenas em lutas sociais. bre do trabalho, à paz, à biodiversidade, ao
Observa-se com a Declaração Univer- meio ambiente ecologicamente equilibrado,
sal dos Direitos Humanos uma expansão aos à independência, ao desenvolvimento e auto-
direitos sociais, alguns salientamos: o direito nomia dos povos etc.
à seguridade social e à saúde5 (arts. XXII e
XXV); o direito ao trabalho e à proteção con- 2.4. A Constituição Brasileira de 1988
tra o desemprego (art. XXIII, “1”); os direitos
mínimos dos trabalhadores (arts. XXIII, “2” Com vistas ao direito interno, foi por
e “3”, e XXIV); o direito à educação gratuita meio do processo de democratização no Bra-
(art. XXVI) entre outros. Fortificou-se tam- sil que houve a possibilidade de se elaborar
bém com a Declaração Universal a indivisibi- uma nova Carta Constitucional, a qual foi
lidade dos direitos do homem, ao passo que promulgada em outubro de 1988 e levou o
se convergiram os direitos civis e políticos nome de Constituição-cidadã. A partir do ad-
com os direitos econômicos, sociais e cultu- vento desta os direitos humanos ganharam
rais, refutando o legado nazista de que cabia status constitucional, expandindo assim,
à determinada raça uma titularidade de di- o rol de direitos e garantias fundamentais,
reitos. tendo como alicerce do Estado Democráti-
Dessa forma, começa-se a perceber co de Direito a dignidade da pessoa humana
que o fundamento dos direitos humanos – (WEIS, 2006).
a dignidade humana – passou a ser o pon- Diante do que estabelece o art. 5º, §2º
to de partida na criação das legislações no da Constituição Federal de 88, “os direitos e
pós-guerra, uma vez que “a sobrevivência da garantias expressos nesta Constituição não
humanidade exigia a colaboração de todos os excluem outros decorrentes do regime e dos
povos, na reorganização das relações interna- princípios por ela adotados, ou dos tratados
cionais com base no respeito incondicional à internacionais em que a República Fede-
dignidade humana” (COMPARATO, p.210). rativa do Brasil seja parte”, José Afonso da
Dentre os mais relevantes documen- Silva (2007, p.178) alega que em nosso orde-
tos jurídicos-políticos promulgados no âmbi- namento jurídico os direitos fundamentais
to da ONU em 1966 e ratificados pelo Brasil possuem três fontes: a Constituição Federal;
em 1991, podemos mencionar o Pacto Inter- princípios e regimes legitimados por esta;
nacional sobre Direitos Civis e Políticos e o bem como os tratados e convenções inter-

5
Art. XXV: “Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar, a si e à sua família, saúde
e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação (...)”.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 13


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

nacionais que são adotados pelo Brasil. A 3. O Direito à Saúde do Trabalhador como
celeuma neste caso se instaurava sobre a in- um Direito Fundamental
corporação no sistema jurídico brasileiro dos
tratados e convenções internacionais de di- O direito à saúde é um direito natu-
reitos humanos, que teve uma solução com o ral quando analisado sob o prisma de ser um
advento da Emenda Constitucional 45/2004 direito inalienável, imprescindível e inato ao
que acrescentou o §3º ao art. 5º da Magna homem. Não podia ser tratado de maneira
Carta. Posto isto, a recepção deste parágra- diferente o direito à saúde do trabalhador,
fo garantiu status de norma constitucional um direito fundamental que está intimamen-
formal a todos os tratados e convenções in- te relacionado a uma vida digna e, na esfera
ternacionais de direitos humanos que forem trabalhista a uma boa prestação laboral ao
ratificados segundo o procedimento legal empregador.
inserto no art. 60 da Constituição, o qual é Esse direito contém um valor essen-
destinado para as aprovações das emendas cial para o ordenamento jurídico, vez que
constitucionais pelo Congresso. sem ele a dignidade da pessoa humana fica-
Neste sentido, José Afonso da Silva ria comprometida. Nesse sentido, observa-
(2007, p.179) declara que aquelas normas se que o direito à saúde, e de igual modo o
infraconstitucionais que violarem as normas direito à saúde do trabalhador têm natureza
internacionais incorporadas pela Constitui- jurídica de direito humano, estando ele po-
ção na forma do §3º, serão inconstitucionais sitivado ou não, é um direito que deve ser
e sujeitas ao controle de constitucionalidade. respeito e cumprido, afinal se refere ao pleno
Por meio de uma interpretação sis- bem estar físico e psíquico do ser humano.
temática da Constituição de 88, conclui-se O Estado, por sua vez, deve proporcionar a
que há uma rede normativa de interdepen- sua população serviços públicos de saúde
dência entre os direitos de primeira, segun- que ofereçam condições favoráveis tanto de
da e terceira geração, não podendo afirmar prevenção quanto de tratamento de doenças.
que existe uma hierarquia entre as mesmas, É direito de qualquer cidadão brasileiro exi-
ou que há uma primazia entre os direitos à gir prestações positivas ao Estado, posto que
vida, à saúde e ao meio ambiente. Cançado nosso sistema jurídico é dotado de diversas
Trindade (1993, p.191-192) critica a teoria normas de ordem pública e documentos in-
geracional dos direitos humanos ao passo ternacionais que aclamam o direito à saúde.
que sustenta que essas três gerações não se A própria Organização Internacional
sucedem ou se substituem; Para arrematar, do Trabalho (1919) exerceu significativas
as lições do magistrado José Antônio Ribeiro contribuições aos seus Estados signatários
de Oliveira Silva, que em sua obra “A saúde no que toca à criação de recomendações e
do trabalhador como um direito humano – convenções relativas ao direito à saúde do
conteúdo essencial da dignidade humana”, trabalhador. Há em seus textos uma idéia
aduz que: de interdependência entre o direito à vida, o
O fim último de se proteger a saú- direito à saúde e o direito ao meio ambiente
de do trabalhador é o de preservar sadio. Embora no Brasil a doutrina traba-
sua integridade física e moral, vale lhista seja considerada uma ciência jurídica
dizer, sua própria vida. Para tanto,
autônoma, é fundamental que haja um trata-
a prevenção do meio ambiente do
trabalho, local em que aquele pas- mento sistematizado dessa matéria, inviabi-
sa grande parte de sua vida, torna- lizando assim, uma dissolução entre o Direi-
se condição sine qua non para o to do Trabalho, o Direito Constitucional e os
sucesso da referida tutela. (SILVA, Direitos Humanos.
2007, p.59 )

14 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

3.1. Conceito de saúde – clássico e moderno tornando-se conhecidos na História como


engenheiros. Ademais, não se encontra estu-
O conceito de saúde por muito tempo dos referentes à saúde do trabalhador antes
foi tido como um conceito negativo em que se do período romano, em que foi estabelecida
levava em consideração apenas a inexistência pela primeira vez uma relação entre as doen-
de doenças. Ainda nos dias atuais, observa-se ças e o trabalho (ROSEN, 1994).
que esse conceito clássico exerce influência Diga-se de passagem, o desenvolvi-
no pensamento das pessoas, bem como na mento do sistema capitalista de produção
prática médica, visto que a preocupação em trouxe um significativo avanço tecnológico
relação à saúde não é maior em prevenção, e científico incontestável para a história. To-
mas na cura de doenças (OLIVEIRA SILVA, davia, paralelamente a todo esse progresso
2008). nascia outra história, que segundo João L.
O artigo 196 da Constituição Federal G. Medeiros (apud OLIVEIRA SILVA, 2008)
de 1988 enuncia que: era tida como epidemia da pobreza. O au-
A saúde é direito de todos e dever mento da jornada de trabalho, a exigência da
do Estado, garantindo mediante força de trabalho de mulheres e crianças nas
políticas sociais e econômicas que indústrias, o êxodo rural, a degradação do
visem à redução do risco de doen-
ambiente urbano foram alguns dos desastres
ça e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e que contradiziam o novo sistema (OLIVEIRA
serviços para sua promoção, pro- SILVA, 2008).
teção e recuperação. A época da Miséria Operária no sécu-
lo XIX relacionava o direito à saúde do tra-
A leitura desse dispositivo nos mostra balhador como uma luta pela sobrevivência,
que a Carta Magna adotou uma concepção de viver era para aquele tempo um não morrer.
saúde que não é simplesmente curativa, ou Pode-se falar que eram dois os objetivos fa-
seja, aquela que tem como escopo restabele- cilmente encontrados pelas lutas operárias
cer um estado saudável após a enfermidade, nessa “pré-história da saúde dos trabalhado-
mas também como sendo uma prestação so- res”: o direito à vida (ou a sobrevivência) e
cial que se volta aos aspectos da prevenção a liberdade de organização. “Salvar o corpo
em especial (SILVA, 2007). dos acidentes, prevenir as doenças profissio-
Percebe-se então, que não há dúvidas nais e as intoxicações por produtos indus-
de que o moderno conceito de saúde com- triais, assegurar aos trabalhadores cuidados
preende tanto a definição negativa quanto e tratamentos convenientes” era o guia das
a positiva e que o direito à saúde engloba o reinvidicações dos trabalhadores pela frente
bem-estar físico e funcional, sendo indispen- à saúde. Nesse sentido, a palavra que nor-
sável um meio ambiente social que ofereça teou todo o século XIX é a redução da jor-
boa qualidade de vida. nada de trabalho. Surge pois, no fim desse
século, algumas leis sociais que colocavam a
saúde em um plano mais acessível, como a
3.2. Direito à saúde e à vida lei sobre a higiene e a segurança dos traba-
lhadores da indústria (1893) e a lei sobre aci-
É remota a preocupação com a saúde dentes de trabalho e sua indenização (1898).
pública. Os romanos, após terem assumido Insta salientar que a aplicação dos benefícios
o legado da cultura grega, deixaram impor- alcançados pelo movimento operário não foi
tantes contribuições como a construção de capaz de abranger todas as esferas trabalhis-
sistemas de esgotos e de banhos, suprimen- tas, visto que a evolução dessa relação saúde-
tos de água e outras instalações sanitárias, trabalho era mais rápida nos pólos onde os

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 15


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

trabalhadores eram mais numerosos (gran- as modalidades de comando, as relações de


des empresas) e o trabalho possuía valor eco- poder etc) resultou em outra lesão à saúde do
nômico estratégico (DEJOURS, 1992). trabalhador, qual seja, o sofrimento mental.
Com efeito, no período das duas Inicia-se assim, uma nova frente de luta ope-
Grandes Guerras Mundiais intensificou-se o rária – a saúde mental – que devido ao seu
saldo qualitativo na produção industrial; os grau de complexidade é até hoje posta em
esforços de produção para poder atender as discussão.
demandas necessárias da guerra, as experi- Destarte, é sob essa perspectiva histó-
ências infrutíferas de redução da duração da rica que o direito à saúde no trabalho ganhou
jornada de trabalho, além da falta de mão- força atualmente. De acordo com a premissa
de-obra pelos altos números de mortos e fe- de que a saúde é o mais completo bem-estar
ridos decorrentes das guerras contribuíram físico, mental e social que o Estado deve pro-
para uma reviravolta na relação homem-tra- porcionar às pessoas, chegamos à conclusão
balho. Cresciam-se assim, novas reinvidica- de que o ser humano tem como direito hu-
ções operárias na busca de melhorias dessa mano fundamental o gozo no grau máximo
condição. Nesse diapasão, as iniciativas de da saúde adquirida tanto pelas prestações
proteção daqueles trabalhadores feridos e da positivas do Estado e de terceiros quanto
mão-de-obra desfalcada obtiveram avanço pelas abstenções de certas práticas lesivas a
em torno da jornada de trabalho, da medici- mesma.
na do trabalho e da indenização das doenças Converge com a saúde do trabalhador
adquiridas nesse âmbito (DEJOURS, 1992). também seu direito à vida, o que torna clara a
Por meio da criação da OIT (Organi- interdependência entre os direitos humanos
zação Internacional do Trabalho) em 1919, liberais e sociais, vez que o trabalhador não
houve um marco em relação à consagração terá uma vida digna se sua saúde estiver de-
do direito trabalhista no plano universal, in- bilitada, não havendo sentido em proteger os
clusive no tocante à saúde do trabalhador. direitos materiais dos trabalhadores caso es-
Essa etapa de internacionalização da tutela tes não tenham saúde para continuar a pres-
aos direitos trabalhistas buscava uma maior tar serviços (OLIVEIRA SILVA, 2008).
eficácia na proteção dos mesmos. Outras O direito à vida digna sedia todos os
batalhas foram vencidas como a redução da demais direitos fundamentais à pessoa hu-
jornada de trabalho para 8 horas diárias feita mana. José Afonso da Silva leciona que o di-
por Albert Thomas em 1916, a institucionali- reito à vida
zação da medicina do trabalho e da Previdên- é um fator preponderante, que há
cia Social, entre outras. (DEJOURS, 1992) de estar acima de quaisquer outras
Cristophe Dejours (1992) sustenta considerações como as de desen-
volvimento, como as de respeito
ainda que durante o período de 1914 a 1968
ao direito de propriedade, como
houve um significativo progresso advindo as da iniciativa privada. Também
das lutas trabalhistas em relação às condi- estes são garantidos no texto cons-
ções de trabalho, viabilizando assim que a titucional, mas, a toda evidência,
luta pela sobrevivência cedesse lugar à luta não podem primar sobre o direito
pela saúde do corpo. A palavra de ordem en- fundamental à vida, que está em
tão era melhoria das condições de trabalho, jogo quando se discute a tutela da
pela segurança, pela higiene e pela prevenção qualidade do meio ambiente. É que
a tutela da qualidade do meio am-
de doenças.
biente é instrumental no sentido de
Segundo o autor, após 1968 reconhe- que, através dela, o que se protege é
ce-se que a organização do modo trabalhista um valor maior: a qualidade de vida
(a divisão do trabalho, o sistema hierárquico, (SILVA 2004, p. 70).

16 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

Portanto, também nesta ótica aduz da proteção jurídica à saúde do trabalhador


José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva cresceu devido a sua maior importância dada
(2008) que o Estado Democrático de Direito pela Carta Magna de 1988. Percebeu-se que
em que se constitui a República Federativa a qualidade de vida do trabalhador está in-
do Brasil tem como um de seus fundamentos timamente lincada à sua integridade física e
a dignidade da pessoa humana (art.1º, III), bem-estar, ressaltando com veemência Se-
sendo inviolável o direito à vida (art.5º, ca- bastião Geraldo de Oliveira que é impossível
put), encontrando-se dentre os direitos e ga- ter qualidade de vida sem ter qualidade de
rantias fundamentais o direito social à saúde trabalho, pois o homem passa grande parte
(art.6º). da sua vida no ambiente laboral. Nesse senti-
do, o constitucionalista José Afonso da Silva
3.4. Natureza jurídica do art. 7º, XXII leciona que:
da Constituição Federal de 1988
é espantoso como um bem extra-
Promover o bem de todos (art. 3º, IV, ordinariamente relevante à vida
CF) é um dos objetivos traçados pela Consti- humana só agora é elevado à con-
dição de direito fundamental do
tuição pátria de 1988 que garante em seu art.
homem. E há de informa-se pelo
6º, dentro do Título dos direitos e garantias princípio de que o direito igual à
fundamentais e no art. 196 do Título da or- vida de todos os seres humanos
dem social, o direito à saúde a todos. significa também que, nos casos
Para definir a natureza jurídica de de doença, cada um tem o direito a
uma norma é preciso delimitar seu conteú- um tratamento condigno de acor-
do. Quando a saúde é vista como um direito, do com o estado atual da ciência
esta deve ser entendida sob um ângulo uni- médica, independentemente de
sua situação econômica, sob pena
versal, posto que sua importância é essencial
de não ter muito valor sua consig-
ao homem. Segundo esse entendimento, te- nação em normas constitucionais
mos que alguns direitos como o de liberda- (SILVA, 2006, p.308)
de, igualdade, propriedade dentre outros
perdem seu relevante papel caso o direito à 3.5. O princípio da prevenção no meio
saúde não seja respeitado. Cabe observar, ambiente do trabalho
portanto, a complementaridade dos direitos
fundamentais do ser humano. É, portanto, O direito ao trabalho é disciplinado
diante do prisma de direito humano que o pela Carta Magna de 1988 como um alicerce
direito à saúde tem sua natureza jurídica de- da ordem econômica, sendo fonte de dignida-
finida. de e meio que possibilita o alcance do bem-
Cumpre notar que as Constituições estar e da justiça sociais (ROSSIT, 2001).
anteriores não positivaram o direito à saúde Vale observar que o trabalho é uma
como um direito fundamental. Foi apenas condição imprescindível para que haja dig-
com a criação da Constituição Federal de nidade efetiva da pessoa humana, pode-se
1988 que se inovou o ordenamento jurídico pois afirmar que a boa condição social do
brasileiro por meio dos direitos e garantias trabalhador está intimamente relacionada à
fundamentais do homem, tratando a partir existência de condições dignas de trabalho.
dessa ótica o direito à saúde como um direito Verifica-se então um liame entre o trabalho
humano fundamental. Assim também é in- e a saúde, estabelecendo a necessidade de
terpretado o direito à saúde do trabalhador proteger o meio ambiente do trabalho para
no ambiente laboral. se obter uma melhor qualidade de vida e, por
No Direito do Trabalho a dimensão conseqüência, preservar a saúde do trabalhador.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 17


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

Augusto Cançado Trindade (1993) Sem informação organizada e sem pesquisa


sustenta que apenas em 1970 a internacio- não há prevenção (MACHADO, 2004).
nalização da luta por uma proteção ao meio Raimundo Simão de Melo (2004)
ambiente equilibrado ganhou seu espaço aponta o princípio da prevenção como um
por meio do advento da Declaração de Esto- princípio-mãe da ciência ambiental, o qual
colmo sobre o Meio-Ambiente Humano de está consagrado no art. 225 da Constituição
1972, havendo uma evolução paralela com Federal, bem como encontra seu fundamen-
a proteção dos direitos humanos. No Brasil to no princípio n.15 da Declaração do Rio de
em 1981 foi promulgada a Lei n. 6.938 que Janeiro de 1992, sobre meio ambiente e de-
instituiu no país a Política Nacional do Meio senvolvimento. Por fim, declara que referido
Ambiente, a qual tinha como objetivo princi- princípio “deve ser o norte para a apreciação
pal preservar a qualidade do meio ambiente das liminares e tutelas antecipadas nas ações
ecologicamente equilibrado, sem desfavore- que visem à tutela do meio ambiente do tra-
cer o desenvolvimento econômico e social. A balho e a preservação da saúde dos trabalha-
referida lei encontra-se em harmonia com a dores, considerando-se mera probabilidade
atual Constituição Federal que trata em seu de dano” (MELO, 2004).
art. 225, sobre a tutela de todos os aspectos A crescente preocupação com o am-
do meio ambiente, seja este natural, artifi- biente do trabalho culminou numa amplia-
cial, cultural ou do trabalho. ção do campo da tutela à saúde do trabalha-
José Afonso da Silva (2008) aduz que dor; não basta que o ambiente de trabalho
o ambiente do trabalho é um complexo de seja apenas salubre, uma vez que deve pro-
bens imóveis e móveis de uma empresa ou de piciar ao trabalhador tanto saúde física como
uma sociedade, objeto de direitos subjetivos mental. Portanto, dada a importância do tra-
privados e de direitos invioláveis da saúde e balhador estar inserido num âmbito laboral
da integridade física dos trabalhadores que que lhe garanta uma boa qualidade de vida,
o frequentam. Prossegue o jurista afirman- pode-se utilizar como inspiração a denomi-
do que embora o meio ambiente do trabalho nação meio ambiente ecologicamente equi-
esteja inserido no meio ambiente artificial, librado para criar um novo termo chamado
aquele é digno de tratamento especial, pois meio ambiente do trabalho socialmente equi-
se refere ao local o qual o trabalhador passa librado, o qual exprime o verdadeiro intuito
boa parte da sua vida, sendo que a qualida- de toda essa prevenção.
de de vida do mesmo depende, portanto, da
qualidade do ambiente onde labora. 3.6. As normas pertinentes ao meio
Neste diapasão, o dever jurídico de ambiente do trabalho
evitar a consumação de danos no meio am-
biente do trabalho encontra-se em normati- A classificação da saúde dada pela
zações internacionais e legislações nacionais, Lei Magna de 1988 como um direito social,
inclusive na Carta Política vigente, como possibilitou que o empregador recebesse a
anteriormente explanado. Esses arcabouços incumbência de diminuir a incidência de
jurídicos têm como denominador comum condições e fatores danosos à saúde; ade-
a necessidade de prever, prevenir e evitar mais, garantiu a redução dos riscos inerentes
transformações prejudiciais à saúde humana ao trabalho por meio de normas de saúde,
e ao meio ambiente. Surge assim, o princípio higiene e segurança, dentre outros direitos
da prevenção que significa agir antecipada- que foram elaborados com o escopo de pro-
mente, de maneira que para se ter ação é pre- teger todos aqueles que trabalham (ROSSIT,
ciso que haja um conhecimento formado, ou 2001). No que tange ao direito ao meio am-
seja, um estudo daquilo que irá se prevenir. biente equilibrado tem-se como classificação

18 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

um direito difuso, sendo um bem comum de todos, isto é, difusamente encontrado na


do povo e, portanto, indivisível e essencial sociedade. Da mesma forma também é tra-
à qualidade de vida (MACHADO, 2004). tado no título da Ordem Social, no capítulo
Trata-se também de um direito social que VI, o direito ao meio ambiente equilibrado.
exige prestações positivas por parte do Esta- Sendo assim, vê-se que a Constituição Fede-
do, assim como pela sociedade, sendo ambos ral pátria incorporou, em todos os aspectos,
os responsáveis pela prevenção e defesa do a tendência moderna de assegurar o direito
meio ambiente. Pode-se verificar um vínculo de todos ao meio ambiente ecologicamente
do direito à saúde com o direito ao meio am- equilibrado (art. 225), incumbindo ao Poder
biente saudável, uma vez que sem a existên- Público e à coletividade defendê-lo e preser-
cia deste, o direito à vida estaria inviabilizado vá-lo, inclusive no que tange ao ambiente do
em seu exercício e gozo pleno. trabalho, manifestamente expresso em seu
No tocante ao meio ambiente este é art. 200, VIII.
dividido em: meio ambiente natural; meio No âmbito infraconstitucional tem-se
ambiente cultural; meio ambiente artificial a Lei n. 6.938/81 (LPNMA) que juntamente
e meio ambiente do trabalho. O primeiro é com outros dispositivos legais como a CLT
constituído por meio de recursos naturais, e a Portaria n. 3.214/1997 do MTE, formam
como a água, o ar, o solo, a fauna e a flora. o controle jurídico de proteção ao meio am-
Em contrapartida, o meio ambiente artificial biente do trabalho e à saúde do trabalhador
é o espaço físico transformado pela ação do (MELO, 2009). A Organização Internacional
homem de forma contínua, tendo em mira do Trabalho criou também uma significativa
a vida em sociedade. Subdivide-se em meio normatização sobre segurança e saúde do
ambiente urbano, periférico e rural. Já o trabalhador em suas convenções de n. 148,
meio ambiente cultural constitui-se por bens, 155 e 161 que foram aprovadas e ratificadas
valores e tradições que fazem parte da identi- pelo Brasil. De acordo com Sebastião Geral-
dade e formação de uma sociedade. Por fim, do de Oliveira (2002) tais convenções são
o meio ambiente do trabalho – objeto des- consideradas por ele como as de mais impor-
se estudo – entende-se como o local onde é tância nesta seara, pelo fato de se aplicarem
desenvolvida a prestação de serviço, ou seja, a uma generalidade dos trabalhadores. Outra
onde o homem obtém os meios para prover relevante convenção é a de n. 187 de 2006,
a sua subsistência, podendo ser o estabeleci- que embora não tenha entrado ainda em vi-
mento empresarial, o ambiente urbano, no gor traz consigo uma vasta proteção a saúde
caso dos que executam atividades externas do trabalhador.
e até mesmo o domicílio do trabalhador, no Sobre a Convenção n. 148 da OIT
caso de empregado a domicílio. tem-se como foco o meio ambiente do traba-
Em relação ao meio ambiente do tra- lho (contaminação do ar, ruído e vibrações)
balho tem-se como bem jurídico tutelado a e responsabiliza o Estado na elaboração da
saúde e a segurança do trabalhador. Nesse legislação nacional sobre medidas de pre-
sentido, observa-se que o direito ao meio venção, os empregadores pela aplicação das
ambiente do trabalho equilibrado significa medidas definidas e os empregados pela ob-
um direito ao exercício de atividades laborais servância das normas, apresentação de pro-
em condições dignas, sem insalubridade ou postas, recebimento de informações, e orien-
periculosidade, isto é, com qualidade de vida. tação. Quanto à Convenção n. 155 o tema
Portanto, quando se fala em direito à saúde a abordado é segurança, saúde dos trabalhado-
Carta Magna remete ao Título VIII, que dis- res e meio ambiente, estabelecendo a com-
põe sobre a Ordem Social, capítulo II, seção petência do Estado na elaboração e execução
II, estabelecendo que se trata de um direito de políticas nacionais de saúde, segurança e

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 19


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

meio ambiente do trabalho, instituindo um aprofundar a temática para melhor conhecer


sistema de inspeção, para controle e aplica- e analisar elementos concretos que eviden-
ção da legislação, com reexame periódico das ciem a(s) forma(s) como estes direitos são
leis e políticas adotadas; aos empregados foi socialmente percebidos e efetivados.
assegurado o direito de deixar o local de tra-
balho, sem aplicação de sanção, sempre que
houver motivo razoável que traga perigo gra-
ve para a vida ou saúde; e aos empregadores,
estes devem zelar pela eliminação de riscos
e fornecer vestimentas e equipamentos de
proteção, além de prover os estabelecimen-
tos de meios para situações de urgência e aci-
dentes. Por último, a Convenção n. 161 trata
de serviços de saúde do trabalho que designa
um serviço investido de funções essencial-
mente preventivas, destinado a aconselhar o
empregador, o empregado e seus represen-
tantes sobre requisitos que são necessários
à manutenção de um ambiente de trabalho
seguro e salubre; ademais, determina que os
trabalhadores devem ser informados dos ris-
cos para a saúde inerente ao seu trabalho.

4. Considerações Finais

Embora haja um sistema jurídico do-


tado de avançadas normas de proteção ao
meio ambiente e a saúde do trabalhador, o
Brasil necessita de uma transformação na
mentalidade política e nos próprios valores
de sua sociedade para que se tenha eficiência
na prevenção e eliminação dos riscos à saúde
do trabalhador. É imprescindível que se as-
suma uma conscientização por um compro-
misso de adaptação do trabalho ao homem,
fazendo com que este não seja objeto daquele.
Enquanto a prevenção não atingir os
almejados fins, será preciso utilizar-se do ins-
tituto da responsabilização com o objetivo de
compensar as vítimas acidentárias pelos da-
nos sofridos, servindo também como medida
punitiva, preventiva e pedagógica (MELO,
2009). Não se pode afirmar ainda que o reco-
nhecimento dos direitos seja um progresso,
pois para sua existência efetiva é necessário
que a sociedade consinta e respeite as nor-
mas já conquistadas. Daí a necessidade de se

20 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A SAÚDE E A INTEGRIDADE DO TRABALHADOR COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL: UMA REFLEXÃO TEÓRICA |

Referências bibliográficas

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19 ed. São Paulo: Malheiros,


2006.

COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3 ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.

DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho. 5 ed. São Paulo: Cortez, 1992.

DORMELLES, João Ricardo. O que são direitos humanos. São Paulo: Brasiliense,
1997.

MACHADO, Paulo. A.L. Direito ambiental brasileiro. 12 ed. São Paulo: Malheiros,
2004.

MELO, Raimundo S. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador:


responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético. São Paulo: LTR,
2004.

OLIVEIRA SILVA, Jose A. R. Acidente do trabalho – responsabilidade objetiva do


empregador. São Paulo: LTR, 2008.

PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito internacional. 7 ed. São Paulo:


Saraiva, 2007.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

ROSEN, George. Uma história da saúde pública. São Paulo: Hucitec/ EDUNESP,
1994.

ROSSIT, Liliana A. O meio ambiente do trabalho no direito ambiental brasileiro.


São Paulo: LTR, 2001.

SILVA, José Afonso da. Comentários contextuais à constituição. 3 ed. São Paulo:
Malheiros, 2007.

TRINDADE, Augusto Antonio Cançado. Direitos humanos e meio-ambiente: para-


lelo dos
sistemas de proteção internacional. Porto Alegre, Fabris Editores, 1993.

VIEIRA DE ANDRADE, J.C. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa


de 1976. Coimbra: Almedina, 1983.

WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 21


AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE
AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO
PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Ana Carolina Marconato¹
Fabiana Cristina Severi²

1. Introdução da categoria genérica “sujeito de direito”,


constituído pela sua diferenciação. A pers-
As vivências das guerras mundiais pectiva defendida por Jakobs ganhou força,
no século XX levaram os países ocidentais a especialmente com os acontecimentos de 11
estabelecer uma nova ordem jurídica, em que de setembro de 2001 nos Estados Unidos, em
o foco era a universalização dos direitos fun- razão das medidas adotadas contra os nome-
damentais e a efetivação em todo o mundo ados terroristas, os novos inimigos do Es-
do ideal Iluminista da igualdade. De lá para tado. No contexto da América Latina, o uso
cá, acentuam-se os debates em torno, por cada vez mais acentuado dos mecanismos
exemplo, da garantia de direitos especiais às do sistema penal cautelar revela-se uma das
minorias e grupos sociais em situação de vul- formas mais importantes de manifestação do
nerabilidade. Direito Penal do Inimigo e de atuação de ex-
Ao mesmo tempo e paradoxalmen- ceção do Estado, mesmo nos marcos formais
te, também pode se verificar no século XX e de um Estado Democrático.
início do XXI o fortalecimento das discussões Nesse contexto, o presente texto
a respeito da fundamentação de modelos ju- tem como objetivo analisar o perfil social da
rídicos que permitam tratamentos diferen- população carcerária do Estado de São Pau-
ciados a determinados grupos e categorias lo, com apoio no censo penitenciário do ano
sociais não para minimizar as razões ligadas 2008, à luz das discussões formuladas por
à sua possível condição de vulnerabilidade Agambem (2002; 2004) e Zaffaroni (2007)
ou carência. Pelo contrário, o debate instala- sobre as características do inimigo e de Es-
se na tentativa de privá-los de direitos e ga- tado de Exceção no Direito Penal brasileiro.
rantias mínimas em relação ao “cidadão de Por meio de tal análise, pretende-se identifi-
bem”. O Ocidente passou a conviver com o car os espaços dentro dos territórios dos atu-
crescimento de, por exemplo, políticas crimi- ais Estados em que o direito e as garantias
nais com fortes traços autoritários, persecu- fundamentais aparecem suspenso em razão
tórios e totalitários, ao atuar de forma menos da configuração atual do poder punitivo do
garantista sob grupos considerados “inimi- Estado. Em outros termos, busca-se ilustrar
gos do Estado” (ZAFFARONI, 2007). a forma atual como o poder punitivo do esta-
As perspectivas teóricas ligadas à do brasileiro tem atuado recentemente como
idéia do Direito Penal do Inimigo, defendidas permanência da exceção. E isso de forma
no último século principalmente por Jakobs mascarada por toda uma estrutura teórica
(JAKOBS; MELIÁ, 2008) enquadram-se em fundada fantasiosamente no “Estado Demo-
tal cenário. Buscam, contraditoriamente, en- crático de Direito”. Este último contém em
contrar legitimidade dentro de uma mesma seu território campos demarcados em que o
racionalidade que afirma o ideal de univer- direito e a condição política do sujeito sus-
salização da igualdade e de universalização pendem-se. É o espaço de permanência do horror.

¹Bacharelada em Direito pelas Faculdades COC


²Profª. Dra. do curso de Direito das Faculdades COC.

22 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


2. O Direito Penal brasileiro como para- Nessa situação, pode-se observar que
digma de um direito penal de exceção as garantias trazidas pelo Direito Penal não
são efetivamente aplicadas, contrariando o
A maior parte dos Estados contempo- Estado democrático de Direito, que se encon-
râneos declararam, especialmente após o fim tra em crise devido aos efeitos negativos da
dos conflitos da Segunda Guerra Mundial, o globalização econômica, afetando de forma
Estado Democrático de Direito como mode- direta os direitos fundamentais. Os níveis de
lo de fato em suas constituições políticas. O poder social e econômico dos atores do cená-
caminho, a partir daí, foi a criação e forma- rio econômico são absurdos, controlando o
lização legal de uma enormidade de direitos poder Estatal, deixando sem proteção os que
que deveriam ser considerados por todos os necessitam de ajuda (SARLET, 2005).
países democráticos como sendo fundamen- Agamben (2004) mostra as carac-
tais e universais. terísticas dessa forma de política, que vem
Todavia, ficou claro para muitos te- cada vez mais sendo encontrada em Estados
óricos (AGAMBEM, 2004), particularmente que se intitulam de Direito, tornando-se um
após os ataques nos EUA em 11 de setembro problema mundial. Ele sugere que o estado
que, desde o surgimento dos Estados nazis- de exceção não mais deve ser compreendido
tas e fascistas que claramente promulgaram como uma situação extraordinária evocada
normas consideradas de caráter excepcional num momento de emergência, e sim, cada
porque feriam frontalmente direitos univer- vez mais, como uma técnica de governo que,
sais, a exceção em termos de criminalização por ser aplicada normalmente à administra-
seletiva tem sido a regra. ção da vida, se elevara ao patamar de para-
Nota-se que, apesar do horror que digma de governo nos atuais regimes demo-
traz a discussão sobre os campos de concen- cráticos.
tração do regime nazista, convive-se hoje Segundo Agamben (2004) o Estado
com a existência da prisão de Guantánamo, de exceção que existe dentro dos Estados
mantida pelos Estados Unidos, país que se democráticos de direito são formas de dita-
consagra democrático, ou mesmo no Bra- duras constitucionais. Existe uma normati-
sil, pode-se observar, como afirma Carvalho zação, um direito legitimamente posto, mas
(2007), tal sentido das leis, eis que policiais que, em determinado caso e em certa situa-
chegam nas grandes favelas atirando con- ção, será suspenso, como se não existisse, e
tra as pessoas, sendo que nestes locais não quem está no poder é que vai tomar essa de-
existem inocentes, pelo simples fato de suas cisão. Conforme o autor, a exceção seria uma
existências, mostrando que a vida humana é espécie de exclusão; um caso singular, que é
descartável e que os princípios existentes nas excluído da norma geral.
Constituições de nada servem atualmente. Assim, não se pode falar, basea-
Assim, convive-se hoje com a possibilidade dos nas perspectivas de Jakobs (JAKOBS;
da “barbárie civilizada”, com um terrorismo MELIÀ, 2008), de um modelo de Estado de
de Estado que não respeita as normas pos- exceção destinado a certos indivíduos consi-
tas. Por meio de argumentos favoráveis à derados perigosos, mas sim em uma exceção
manutenção da ordem pública e contenção permanente dentro de um Estado democráti-
da criminalidade, quaisquer medidas podem co de direito, que não conseguiu nem mesmo
ser tomadas, deixando as pessoas sem prote- efetivar suas garantias. Há uma situação de
ção, em especial os que pertencem às classes abandono e descaso com os direitos funda-
marginalizadas. mentais, em que a violência sempre foi colo-

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 23


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULOA |

cada pelas agências do sistema penal como acabar se abandonando o vivente do direito,
a melhor solução para os conflitos sociais, por isso o termo vita nua usado por Agamben
exterminando os excluídos. (2004).
Agamben (2004, p.11) afirma que a Desta forma, Carvalho (2007) através
situação excepcional é cada vez mais utiliza- das postulações de Agamben aduz que o ho-
da nos governos atuais e que “a implicação mem na atualidade tornou-se semelhante ao
da vida nua na esfera política constitui o vín- homo sacer, encontrando-se privado do que
culo originário – ainda que encoberto – do seria uma forma de governo autoritária, o
poder do soberano”. que lhe afasta tanto do ideal de lei positiva
Em Roma o homo sacer (homo sacro) quando dos direitos humanos. O homem vê-
era o individuo que cometia um delito e não se, então, diante da terrível diáspora de sua
era possível retirar sua vida diante disso. Po- vida matável e sacrificável. Com isso, mesmo
rém, caso alguém lhe matasse não cometeria perante a inserção dos direitos humanos nas
um homicídio. Sua vida não era importante. constituições dos Estados de Direito há sem-
Para Agamben (2002) a vida do homo sacer é pre uma exceção, de forma que perante qual-
a vida sacra, seria a vida insacrificável e tam- quer perigo, alega-se a necessidade, podendo
bém matável. Segundo Carvalho (2007) ele facilmente desperdiçar uma vida humana.
encontrava-se fora da jurisdição dos homens Para Agamben (2004, p. 41): “A teoria da
e também não encontrava respaldo na legis- necessidade não é aqui outra coisa que uma
lação divina. Será acobertada sua vida nua no teoria da exceção em virtude da qual um caso
interior da ordem jurídica, sem nenhuma pro- particular escapa à obrigação da observância
teção, de forma a lhe excluir, sendo que qual- da lei”.
quer pessoa e o soberano podem matá-lo. Atualmente a vida política se mos-
Agamben (2004) cita como principal tra pela da cultura do individualismo, da
referencia na afirmação de um Estado de reificação do indivíduo, onde medidas ex-
exceção como paradigma de governo o au- cepcionais de violência e autoritarismo são
tor Carl Schmitt. Para este, o soberano seria tomadas sob os argumentos de desenvolvi-
quem decide sobre o Estado de exceção. Para mento e proteção. De acordo com Carvalho
os que estão sob o poder do soberano, a vida (2007, p. 14): “No mundo contemporâneo,
se encontra nua e quem está no poder vai de- porém, a biopolítica se caracteriza essencial-
cidir sobre o que deve ser feito com as pes- mente como cultura do genocídio e do exter-
soas, se serão excluídas ou não da sociedade mínio”. Demais disso, referido autor coloca
em que vivem. que os objetos do poder do soberano, que
Nota-se que em determinados casos a são a igualdade e a dignidade, são usurpa-
lei ou os princípios jurídicos não serão apli- dos pelo individualismo exacerbado, através
cados, mesmo existentes não vão amparar da expansão mundial, com formas cada vez
certos indivíduos, diante de um ordenamen- mais abusivas de poder, justificadas através
to jurídico, este estará suspenso por determi- da expansão de mercado e de um discurso de
nação de quem está no poder. Para Agamben garantir a superioridade, através de racismo
(2004, p. 12) quando ocorre o Estado de ex- étnico, cultural, religioso, global. Exemplo
ceção há uma crise política, onde “medidas de tais afirmações é trazido por Agamben
excepcionais encontram-se na situação pa- (2004, p. 14), onde informa que a military
radoxal de medidas jurídicas que não podem order promulgada pelo Presidente dos EUA
ser compreendidas no plano do direito, e o em 13/11/2001 traz claramente um modelo
Estado de exceção se encontra como forma em que ocorre a suspensão de direitos de um
legal daquilo que não é legal”. Através de vivente, um verdadeiro Estado de exceção,
uma suspensão, no Estado de exceção, vai com relação aos não-cidadãos americanos

24 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

suspeitos de atividades terroristas. A ordem agências tornam-se cada vez menos proteti-
do presidente George Bush anula todo esta- vas, caracterizando um verdadeiro retorno
tuto jurídico de um individuo, produzindo ao estado de natureza. Diante disso, tem-se
um ser inominável e inclassificável. São ape- a repressão como forma de controle as pes-
nas detainees, a eles não serão aplicadas leis soas, tentando recompor as relações sociais
e nem mesmo um controle do judiciário. extremamente degradadas. Para Carvalho
A vida política atual remete seu (2007, p. 16): “são os fracassos da política e
desenvolvimento na figura de um verdadei- da democracia como alternativa à violência
ro Império, existe uma nova ordem jurídica que determinam o uso da força e da repressão
planetária, através de um poder superior como mecanismo de gestão dos conflitos”.
que governa o mundo (CARVALHO, 2007). Por meio das exigências de regulação
A figura do Império corresponde a um poder e segurança, bem como de um maior contro-
sem fronteiras e sem limites nenhum. Além le, cada vez mais latentes em face das classes
disso, para alcançar tal Império há sempre sociais afastadas da aquisição de bens e con-
uma luta. Para Negri e Hardt apud Carvalho sumo, tem-se um Estado de exceção como
(2007, p. 14-15) forma política dos Estados constitucionais.
O subdesenvolvimento viria a ser uma forma
O Império não só administra um de exceção permanente do sistema capitalista
território com sua população, mas na sua periferia. Através da idéia de Império,
também cria o próprio mundo que atualmente deve-se procurar a manutenção
ele habita. Não apenas regula as
da ordem, baseando-se na excepcionalidade
interações humanas como procu-
ra reger diretamente a natureza do que é urgente.
humana. O objeto do seu governo O Estado deixa de regular, como lhe
é a vida social como um todo, e as- cabe, as relações sociais, com o capitalismo,
sim o Império se apresenta como o mercado é quem define. Observa-se aí um
forma paradigmática de biopoder. processo de desinstituição que leva a elimi-
Finalmente, apesar de a prática do nação das relações sociais, bem como a vio-
Império banhar-se continuamen- lência, criando uma situação de anomia. Isso
te em sangue, o conceito de Impé-
porque há uma crescente marginalização
rio é sempre dedicado à paz – uma
paz perpétua e universal fora da econômica de certas classes sociais, diante
história. da revolução tecnológica que vem eliminan-
do postos de trabalho. Além disso, há a des-
O biopoder mundial pretende, mais truição das próprias instituições com o novo
do que por “fim a história”, reger a vida hu- modelo jurídico político, que busca o romper
mana, através de suas indicações e pela visão as fronteiras através do capital e com as re-
das classes que estão no poder do que seja des de comunicação.
viável a alcançar a dignidade. Assim, usa de Por certo a sociedade pós-moderna
mecanismos e formas de legitimação que le- não encontrou uma ordem necessária, para
vam a um “amplo e assombroso processo de se embasar na sociedade moderna, esta mar-
vitimação de abundantes contingentes popu- cada pela reafirmação do Estado-nação e
lacionais e de degradação da dignidade hu- pela pureza de seus indivíduos, que chega-
mana” (CARVALHO, 2007, p. 15). ram a casos extremos como o nazismo. Hoje
Essa nova ordem aparenta-se como o que se tem é uma sociedade voltada exclu-
desumana e excludente, o que importa é so- sivamente ao mercado e os que não podem
mente as relações sociais relativas ao mer- participar deste novo modo de vida, movido
cado, as pessoas se encontram vulneráveis somente pelo consumo, são excluídos. Tais
perante esta agressiva situação, sendo que as pessoas, encaradas a partir da nova perspec-

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 25


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

tiva do mercado consumidor são redundan- dispensável no sistema capitalista, deixando


tes, são objetos fora do lugar. trabalhadores sem trabalho. Se há permis-
Existe, conforme Carvalho (2007), são para que certas camadas da população
uma decomposição do espaço público, dian- não tenham importância, pois não são úteis
te da desregulamentação, deslegalização, para o consumo, para o senso comum da
desconstituição e de um direito de exceção, hegemonia, concede-se que estes sejam ex-
tornando as respostas buscadas privadas e terminados. Comparato (2008), em relação
aleatórias. Têm-se apenas duas exigências: ao capitalismo e os direitos humanos coloca
que sejam concedidas liberdades para ne- que neste sistema há uma atribuição de valor
gociações sempre maiores, reduzindo desta muito superior aos bens de capital do que as
forma a intervenção coletiva em negócios pessoas. Leciona Carvalho (2007, p. 21) que
privados, e uma exigência de contenção das
conseqüências da última. È necessário uma A justificação moral da “barbá-
afirmação de um discurso de “lei e ordem”, rie civilizada” torna-se a pedra
como afirma Zaffaroni (2007), para cuidar de toque para a pacificação das
consciências. O argumento é tan-
das consequências sociais ocasionadas pelo
to simples quanto perverso: quem
sistema capitalista. A sociabilidade centra- não é sujeito moral não é humano;
da no trabalho não pôde resistir, e a vitória quem não é humano carece de
ideológica do capital transformou-se numa direitos; suprimir a quem não é
guerra de todos contra todos. humano e carece de direitos está
Diante disso, nos Estados contempo- moralmente justificado e se faz
râneos a biopolítica se converteu em “Tânato necessário se com isso se restitui
política”, eis que não há mais uma proteção a ordem social e o próprio regime
de direitos.
da vida humana, é a vida nua trazida por
Agamben (2004). Existe cada vez mais uma Assim, pode-se identificar caracte-
forma repressiva de controle sobre as vidas rísticas de um Direito Penal do Inimigo, com
das pessoas, correspondendo a um Estado de suas justificações filosóficas, em que aqueles
Exceção, demonstrando que retirar uma vida que não servem para o convívio em socieda-
é apenas uma decisão política. Por conseqü- de devem ser eliminados. Diversas vidas são
ência, há um processo de vitimização, com a sacrificadas para manter a ordem dentro de
retirada de direitos caracterizando uma vida Estados democráticos que vivem sob o si-
política discriminatória. Existem, de um lado, mulacro de um regime de direitos, o homo
os sujeitos que vivem com dignidade inques- sacer vive com a violência institucionalizada
tionável e de outro, os que se encontram com (CARVALHO, 2007). Com a exceção perma-
os direitos suspensos e degradados por cor- nente e a atuação das agências policiais, os
responderem a seres perigosos para a visão desnecessários a população são eliminados,
dominante da sociedade. A biopolítica, na mesmo porque já não podem mais ser encar-
visão de Agamben (2002), seria o momento cerados como a maioria, devido a crescente
em que a vida entra na história, isto é, torna- decadência desta medida.
se objeto e objetivo das técnicas políticas de Nesse sentido, para Agamben
controle do saber e passa a ser concebida (2004) há uma exclusão-inclusão, a política
como domínio de valor e utilidade. existe porque o homem separa e opõe a si a
Encontra-se aberta a possibilida- vida nua e, ao mesmo tempo, se mantém em
de de uma nova “barbárie civilizada”, como relação com ela numa exclusão inclusiva. Os
ocorreu nos campos de concentração ale- presídios, reservatórios de inimicus, de hos-
mães. O ser humano é cada vez mais indi- tis, é a representação dos campos de concen-
vidualista, a massa trabalhadora tornou-se tração contemporâneos. A permanência, na

26 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

América Latina do horror inaugurado nos co (volkish). Torna-se mais fácil alcançar as
Estados modernos pelos fascismos do sécu- pessoas, que pelo baixo grau de cultura ade-
lo XX. É o espaço da eliminação dos corpos, rem ao que lhe são postos. A polarização da
da vida matável sem sacrifício, sem procedi- riqueza tornou a classe média anômica e a fez
mento, sem regras, na suspensão do Direito. reclamar por normas sem motivos. Existem
leis que se escondem atrás de um discurso
3. Poder seletivo, Estado de Exceção e autoritário simplificado e popular, prove-
o Direito Penal do Inimigo. niente do modelo norte-americano, que ser-
ve na verdade como controle para a classe
Historicamente, o poder punitivo que lhe reafirma.
do Estado sempre atuou de forma a selecio- Assim o poder legislativo aceita o
nar um número determinado de pessoas, so- discurso, elaborando normais penais mais
bre as quais exercerá todo o processo de cri- rígidas, eis que segundo Carvalho (2007, p.
minalização. Muitas vezes, destes indivíduos, 34): “leis penais são baratas, de propaganda
retira-se o caráter de ser humano, tratando- fácil e a opinião pública se engana com su-
os apenas como entes perigosos. Estes não ficiente freqüência sobre sua eficácia”. Neste
merecem a aplicação das garantias constitu- sentido, afirma Gomes (2009) que o Direito
cionais de um Estado de direito. Tais pessoas Penal serve como instrumento para soluções
são tratadas como os inimigos da sociedade. de problemas, porém é certo que seu uso re-
O tratamento diferenciado é observado tanto corrente não soluciona os conflitos, sendo
doutrinariamente quanto legalmente (ZA- que para tal autor isso reflete o simbolismo
FFARONI, 2007). do direito penal.
Zaffaroni (2007) considera que se A essência do tratamento diferen-
criou nas últimas décadas em todo o Ociden- ciado de certos indivíduos está na negação
te um novo discurso de autoritarismo cool no de ser considerado como pessoa, mas como
Direito Penal. Usado como propaganda, de- entes perigosos. Existe uma diferença entre
fende o que está na moda, o que é cool, não os cidadãos (pessoas) e os não cidadãos (ini-
há uma convicção profunda, apenas adere ao migos) conforme expõe Martín (2007). Esta
que se diz para não ser estigmatizado ou visto aceitação confronta o Estado de direito. Não
como antiquado, perdendo espaço na publi- será levado em conta se a “não pessoa” con-
cidade. O discurso autoritário cool carece de siderada perigosa possui certos direitos, mas
embasamento acadêmico. Trata-se de sim- se algum deles lhe é privado por sua condição
ples propaganda, como se o poder punitivo de ente perigoso.
fosse uma mercadoria. Os que vão difundir Na América Latina, o poder puniti-
este discurso único são formadores de opi- vo é exercido através de medidas de conten-
nião, não possuem dados empíricos. Muitas ção provisórias. A liberdade é privada antes
vezes o utilizam para manipular as opiniões de uma sentença definitiva, por uma medida
das vítimas ou de seus parentes, para reali- preventiva, apenas por presunção de pericu-
zarem uma campanha de “lei e ordem”, com losidade de um individuo. Em relação diver-
objetivo de vingança. Segundo Gomes (2009) sa ao que ocorre com o discurso norte ameri-
o discurso de lei e ordem trazido pela mídia cano nos Estados Unidos, nos países latinos,
expõe a violência como um produto de mer- o sistema penal pretende controlar os exclu-
cado. Através desta manipulação, vão influir ídos, como os desempregados, enquanto os
nas condutas dos políticos e abalar os pilares policiais controlam o poder político, sendo
da democracia. estes independentes e corrompidos (ZAFFA-
O autoritarismo é difundido no RONI, 2007). Nesta região, o discurso cool é
mundo, através desse discurso populares- inserido em uma sociedade onde há a inver-

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 27


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

são do sistema penal. Existem prisões lota- nunca será suprimida, apenas reduzida. Com
das de pessoas sem condenação e o direito à isso, a parte penal tornou-se o campo mais
execução penal é quase impossível, tendo em afetado pelo Estado de policia, já que é o lado
vista que é aplicado a um número reduzido mais vulnerável de um Estado de direito. Se
de detentos. uma legislação faz mais concessões ao poder
Cerca de três quartos dos presos da punitivo, a seletividade arbitrária também
América Latina encontram-se neste confi- será expandida pelas agências de criminali-
namento cautelar. A seletividade é praticada zação secundárias e menor será o exercício
através do processo de criminalização secun- do controle jurídico nestes casos.
dária, onde existe um tratamento diferencia- A seletividade se desenvolve por
do. Através de confinamentos de contenção, meio da criminalização primária e secundá-
prolongados ou indefinidos, todos são consi- ria. A primeira é elaborada pelas agências po-
derados inimigos. O instrumento do direito líticas, corresponde ao ato de elaborar uma lei
penal liberal é o direito processual, o qual vai penal que incrimine um fato, e a conseqüente
legitimar os confinamentos cautelares, es- punição de certas pessoas. Já a criminaliza-
gotando assim a maior parte do exercício do ção secundária será executado por meio de
poder punitivo. Nessa esteira, afirma Batista outras agências em relação àquelas em que
sobre o sistema latino-americano (2003, p. a lei foi elaborada. Corresponde à ação exer-
54) cida sobre pessoas em concreto. Inicia-se
O sistema penal está estruturalmen- nessa etapa o desencadeamento de uma série
te montado para que não opere a legalidade de atos, que poderão chegar até a imposição
processual e para exercer seu poder com o de pena a um indivíduo, restringindo-se sua
máximo de arbitrariedade seletiva dirigida liberdade. Serão responsáveis durante todo o
aos setores vulneráveis. Na América Latina, a procedimento as agências policiais, judiciais,
própria lei se ocupa de renunciar à legalidade e por fim a agência penitenciária (ZAFFARO-
concedendo ampla margem de arbitrarieda- NI; PIERANGELI, 2008).
de as suas agências. A criminalização primária é exten-
sa. Os conflitos criminalizados que existem
Assim, existe na América Latina um em uma sociedade são demasiadamente
desdobramento do sistema penal em sistema mais altos que aqueles que chegam ao co-
penal cautelar e sistema penal de condena- nhecimento das agências. Os números reais
ção, sendo que o primeiro tornou-se mais são nomeados como cifras ocultas (BARAT-
importante que o segundo, eis que corres- TA, 2002). As agências que vão exercer a cri-
ponde ao maior número de criminalização, minalização secundária são deficientes e por
produto de infrações de pouca gravidade. isso o sistema penal leva até o final da crimi-
Através de um direito penal autoritário, reco- nalização secundária uma pequena parte da
nhecendo ou não sua natureza penal, nega-se que foi prevista primariamente.
a vigência do principio da inocência, previsto De acordo com Baratta (2002), na
nas Constituições. O sistema penal cautelar, criminalização primária há uma expressão
como forma predominante no exercício do do sistema de valores nas leis. Dá-se prefe-
poder punitivo implica em um grave defeito, rência a cultura burguesa e individualista,
pois leva as agências executivas, em especial protegendo o patrimônio privado e se diri-
a policial, a defenderem sua arbitrariedade gindo às maneiras de desvios que são típicos
(ZAFFARONI, 2007). de grupos sociais mais baixos. Isto pode ser
Zaffaroni (2007) explica que o poder observado no elevado número de delitos con-
punitivo contém a elevada seletividade como tra o patrimônio, conforme estatísticas judi-
uma característica estrutural, sendo assim ciárias.

28 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

Verifica-se que a criminalização pri- Cria-se através da seleção dos atos


mária atua com certa seleção, porém de certo mais grosseiros cometidos por pessoas sem
modo distante, já que não é possível identifi- acesso à comunicação social, estereótipos
car a quem serão aplicados de fato os precei- perante a coletividade. Assim, são determi-
tos legais. Todavia, devido aos seus defeitos nados os inimigos da sociedade, através de
estruturais, sua pouca capacidade de opera- pessoas sem valor, aos quais são imputados
cionalização, as agências de criminalização todos os problemas existentes na coletivi-
secundárias agem de forma manifestamente dade. A imagem do delinqüente é formada
selecionante. Com isso, definem quem são as através de sua classe social, etnia, idade e es-
pessoas criminalizadas, bem como as vítimas tética, através do preconceito que é gerado.
que merecem proteção. Com a pouca capaci- Segundo Batista e Zaffaroni (2007, p. 46) “o
dade de atuação, resta a tais agências a inati- estereótipo acaba sendo o principal critério
vidade ou a seleção, escolhendo por esta últi- seletivo da criminalização secundária”. Dian-
ma, já que não é admissível a extinção destas te de tal fato vai se encontrar uma população
em um Estado. O poder de seleção é exerci- carcerária relacionada a valores estéticos.
do de forma latente pelas agências policiais As escolas biológicas criminológicas traziam
como ensina Batista e Zaffaroni (2007). como motivo para um crime o que na verda-
È de se ressaltar que a seleção pelas de trata-se de causa para a criminalização.
agências policiais é feita em conjunto com o A seletividade operacional das
poder de outras agências, como as políticas e agências secundárias e sua orientação buro-
de comunicação. Nesta última, os empresá- crática vai atingir apenas os que têm baixa
rios morais vão orientar a empresa crimina- defesa perante o poder punitivo, os que são
lizante, tanto as agências políticas na sanção mais vulneráveis a criminalização secundá-
de uma lei penal nova, quanto na seleção das ria. De acordo com Carvalho (2007, p. 35):
agencias secundárias. Ensina Batista (2003, “o perfil da população carcerária termina de
p. 56) que “os meios de comunicação de mas- corroborar os altos graus de seletividade e as
sa, principalmente a televisão, são hoje fun- características precisas dos segmentos vulne-
damentais para o exercício de todo sistema ráveis”. Noutro giro, podemos afirmar ainda,
penal [...]”. segundo Batista (2003), que a etiquetagem
Na criminalização secundária, se- assume o papel do estereótipo, sendo que as
gundo Baratta (2002), ocorre a acentuação pessoas selecionadas acabam por assumir os
da seletividade do sistema penal. Os precon- papéis que lhes são destinados.
ceitos e estereótipos guiam as ações dos ór- O modo seletivo como operam as
gãos investigadores e jurídicos, que levam a agências secundárias busca sempre um falso
procurar a criminalidade nos estratos sociais inimigo (BATISTA; ZAFFARONI, 2007), de
onde esta é esperada. Ensina Shecaira (2004, acordo com a classe social, etnia, religião etc.
p. 352) que os operadores jurídicos, princi- É mais fácil identificar um inimigo fingindo
palmente o magistrado pertence a um “mun- resolver os problemas reclamados pela co-
do diferente ao do processado”. Desta forma, letividade, através dos discursos midiáticos,
indivíduos de classes marginalizadas são co- viabilizando a atuação das agências, sem
locados de forma desfavoráveis no processo. grandes esforços. O sistema penal não atua
Assim, tem-se a impunidade como regra e de forma harmônica, mas sim de modo di-
a criminalização secundária como exceção. vidido, onde cada agência vai possuir inte-
Neste sentido, Vasconcellos (2007) entende resses próprios. Leciona Shecaira (2004, p.
que uma sociedade dividida preserva os va- 349) que tais agências “atuam como agências
lores que melhor atendem aos anseios dos independentes, quando não inimigas”.
detentores do poder. Dependendo da sociedade em foco

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 29


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

a seletividade possui medidas diferentes. afirma que se tratam de dados fidedignos da


Será mais latente em uma sociedade estrati- atual realidade carcerária de São Paulo.
ficada, com grande disparidade social, onde Inicialmente cumpre ressaltar que
as agências atuaram de forma mais violenta. a primeira parte dos dados é fornecida pela
Entretanto, em outras sociedades, onde não Secretaria de Justiça. A população do Estado
há o problema da polarização da riqueza, sua corresponde a 41.585,931 milhões de pes-
seletividade se dará pelos preconceitos ra- soas. Neste relatório existem dados sobre a
ciais e pela imigração (Shecaira, 2008). Para população carcerária fornecidos tanto pela
Baratta (2002) o sistema penal mantém a es- Secretaria de Justiça quanto pelos Estabele-
trutura vertical da sociedade, criando contra- cimentos penais.
estímulos à integração dos setores mais bai- Primeiramente observamos os da-
xos e marginalizados da população, ou ainda, dos referentes à quantidade de presos na po-
põe em ação mecanismos marginalizadores. lícia, cerca de 13.351 mil homens e mulheres.
Por certo se trata de uma quantidade consi-
4. Breve análise do Relatório de Infor- derável, confirmando a posição dos penalis-
mações sobre a população do Sistema tas, em especial Batista e Zaffaroni (2007),
Penitenciário do Estado de São Paulo. quanto à arbitrariedade das agências poli-
ciais em privar a liberdade de pessoas sele-
Os novos campos de concentração cionadas, as quais estão distantes do devido
nos Estados contemporâneos não se revelam processo legal.
facilmente enquanto tal. É preciso desnudá- Em segundo lugar nos dados da ca-
los, identificar os espaços dentro dos territó- tegoria de população, fornecidos pela Secre-
rios dos atuais Estados em que o direito está taria de Justiça, encontram-se a quantidade
suspenso e a vida é considerada cindida da de presos existentes nos estabelecimentos
sua condição política, é vida nua. Por isso, penais, sendo cerca de 145.096 mil pessoas.
importante se faz, a partir dos dados quan- A maioria cumpre pena em regime fechado
titativos oferecidos pelas próprias agências (80.654 mil), secundariamente estão os pre-
estatais, evidenciar o horror. sos provisórios, grande problema da América
Nesse sentido, após os dados teó- Latina, como já exposto, com cerca de 43.862
ricos levantados neste trabalho, pretende-se mil homens e mulheres. Neste item não hou-
fazer uma breve análise da situação carcerá- ve a separação entre os valores referentes a
ria atual, com ênfase no perfil das pessoas homens e mulheres. Um pequeno número de
que se encontram presas, e sua relação na homens (18.290 mil) e de mulheres (1.091
existência dos possíveis inimigos no direito mil) cumprem pena em regime semi-aberto
penal. Foi escolhido o relatório referente ao (19.381 mil no total). As medidas de seguran-
ano de 2008, do Estado de São Paulo, encon- ça de internação e tratamento ambulatorial
trado no site do Departamento Penitenciário também possuem números ínfimos, sendo
Nacional, tendo em vista que se trata do lo- 934 homens e 82 mulheres internados e, 65
cal onde podemos observar a realidade, além homens e 118 mulheres em tratamento am-
de seu notável desenvolvimento econômico bulatorial.
frente aos outros estados do Brasil. Ademais, Diante destas informações, um pon-
trata-se do Estado com maior quantidade to que merece atento é a latente disparidade
populacional em nosso país. entre a diferença do número de homens e
Observa-se que não se sabe quais mulheres encarcerados. A quantidade de ho-
os métodos e precisões utilizados para colher mens que estão detidos é infinitamente maior
os números constantes no relatório. Porém, do que mulheres. Com isso, relacionando-se
o site pertencente ao Ministério da Justiça com a teoria estudada, podemos afirmar que

30 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

a exclusão social que sofre um inimigo da so- to à liberdade, são privadas de seu direito à
ciedade, seja pela sua presunção de periculo- intimidade, à privacidade, à saúde, inclusive
sidade, seja por seu status no atual desenvol- sexual e reprodutiva; à segurança pessoal. As
vimento desenfreado do capitalismo, é maior situações específicas que afetam as mulheres
no caso dos homens, que geram mais insegu- em particular são potencializadas nos cárce-
rança a sociedade, eis que correspondem ao res para as mulheres em situação de maior
estereótipo do delinquente que não merece vulnerabilidade como grávidas, doentes,
as garantias penais e processuais. Nesta es- idosas, pessoas com deficiência mental, indí-
teira, outro apontamento que pode ser feito genas, vítimas de violência sexual e estran-
se relaciona com o crescimento industrial e a geiras. Existe uma completa ausência de po-
sobra da mão de obra dos trabalhadores, que líticas penitenciárias específicas para mulher
através de seu encarceramento desocupam presa.
os grandes centros urbanos, deixando um Um indicador objetivo disso é a não
bom cenário para a classe hegemônica que se elaboração e publicização, de dados consis-
encontra no poder, fingindo existir um Esta- tentes e suficientes para conhecer quantita-
do democrático de direito. tivamente os problemas das mulheres. As
Sobre a situação da mulher encar- informações pontuais que se tem acesso não
cerada, em 2007 a Centro Pela Justiça e pelo recebem o tratamento qualitativo da perspec-
Direito Internacional (CEJIL) e pelas enti- tiva de gênero, nem descriminação nas aná-
dades que constituem o Grupo de Estudos e lises quantitativas. Como conseqüência são
Trabalho Mulheres Encarceradas finalizaram raras as políticas públicas com perspectiva de
o Relatório sobre as mulheres encarceradas gênero, que incluam ou considerem a com-
no Brasil, realizando um levantamento a res- preensão sobre o problema com sensibilidade
peito dos números, do perfil e das condições para as peculiaridades da situação da mulher
gerais da mulher encarcerada, em termos encarcerada. De acordo com o relatório,
de garantias ou não direitos (civis, políticos,
sociais, econômicos e culturais). Nesse rela- Para além das violações (...) referi-
tório, em síntese, o que se constatou foi que das, as mulheres encarceradas são
a situação das de violação dos direitos nas objeto de violações geradas pela
unidades prisionais femininas no Brasil são discriminação de gênero, e pela
iguais aos homens. Tanto nas masculinas, negligência do Estado quanto à
quanto nas femininas, são vários os direitos identificação e atenção às suas ne-
violados, reproduzindo o mesmo desamparo cessidades específicas. A Conven-
experimentado pelos homens presos. ção Interamericana para Prevenir,
Todavia, essa realidade que ultra- Punir e Erradicar a Violência Con-
passa as condições inadequadas de habitabi- tra a Mulher (Convenção de Belém
lidade e salubridade e a recorrência de tortura do Pará) como instrumento inter-
e maus tratos no cotidiano do cumprimento nacional específico de proteção
de penas, soma-se e se agravada por conta é, da mesma forma, severamente
das recorrentes violações de gênero prati- violada. A mulher detida no siste-
cadas contra as mulheres. Apesar de terem ma prisional brasileiro, nas con-
recebido sentenças de restrição de liberdade, dições descritas a seguir, sofre
o que se verifica na prática é que há uma ex- violações decorrentes das carac-
tensão de privações nas unidades prisionais terísticas inerentes à qualidade de
femininas que se caracterizam violações aos pessoa do sexo feminino, quais se-
direitos humanos das mulheres presas. As jam violência física, sexual e sofri-
mulheres não são privadas só de seu direi- mento psicológico” (2007, p. 57).

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 31


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

Prosseguindo-se na análise, obser- de 31 cadeias públicas masculinas, o que não


vamos que o número de vagas existentes nos é permitido. Por fim, é de se ressaltar o pe-
estabelecimentos penitenciários, cerca de queno número de hospitais de custódia e tra-
96.540, é bem menor do que o número de tamento psiquiátrico, sendo 03 masculinos
detentos (145.096), demonstrando o proble- e 01 feminino. Sendo assim, muitas pessoas
ma do sistema carcerário que não atinge sua que necessitam de um tratamento diferen-
intenção de ressocialização, apenas deixam ciado por problemas mentais, inclusive os
as pessoas que lá se encontram em precária viciados em tóxicos, não recebem adequado
situação de subsistência, convivendo com di- tratamento, sendo encarceradas como as de-
versos tipos de violência, retirando a digni- mais.
dade daquele que cometeu um delito, a qual Prosseguindo a análise do relató-
é garantida a todas as pessoas conforme a rio encontram-se os dados relativos ao gasto
Carta Magna brasileira. mensal com o Sistema Penitenciário, cor-
Em seqüência, são fornecidos os da- respondendo a R$ 2.285.071.326 bilhões de
dos referentes ao número de estabelecimen- reais. Neste item verificamos que se tratam
tos penais. Existem apenas 84 penitenciárias de valores excessivos, que muitas vezes po-
masculinas e 10 femininas, mostrando certo deriam ser investidos em outras áreas, como
descaso com as mulheres que são ignoradas na educação e projetos sociais, prevenindo
pelo Estado, como colocado acima. que pessoas com baixa instrução e recursos
Retomando o número de estabe- econômicos cometam delitos. Não existe
lecimentos penais, observamos que existe uma separação entre os gastos com os esta-
um número ínfimo de colônias agrícolas, belecimentos femininos e masculinos, onde
industriais ou similares, correspondendo a provavelmente a maior parte é fornecida aos
12 masculinas e 01 feminina. Por certo isto detentos, deixando as mulheres em abando-
se mostra como um defeito, eis que nestes no, afinal estas não representam nada para a
estabelecimentos são cumpridas as penas atual sociedade.
que possibilitam o regime semi-aberto. Na Na segunda parte do relatório os
maioria das vezes os presos chegam nestes dados são fornecidos pelos estabelecimentos
estabelecimentos através da progressão de penais, onde alguns deixaram de responder
regime, benefício importante para a resso- determinadas informações. Encontram-se
cialização dos detentos e são impedidos pela cadastrados 143 estabelecimentos. O primei-
falta de vagas. Cumpre analisar também que ro dado fornecido corresponde a quantidade
no regime semi-aberto são dadas mais possi- de presos internados, que possui mínima di-
bilidades aos detentos, estes podem estudar ferença com os dados fornecidos pela Secre-
e trabalhar fora do estabelecimento, sendo taria de Justiça, dispensando nova análise.
uma medida adequada, devendo o Estado Secundariamente existem os números relati-
aumentar o número de colônias agrícolas ou vos a quantidade de presos provenientes da
industriais. Justiça Federal, que consideramos sem rele-
Em seguida cabe verificar que não vância para esta pesquisa.
existem casas de albergados, destinadas ao A segunda categoria respondida
cumprimento de pena cujo regime seja o pelos estabelecimentos relaciona-se com o
aberto. Isto configura outro problema em perfil do preso. Primeiramente observamos
nosso sistema penal, eis que o próprio Có- os dados relativos a quantidade de presos
digo Penal Brasileiro prevê a existência de por grau de instrução. Analisando os núme-
tal estabelecimento. Contudo, o Estado abre ros fornecidos vê-se que a gritante maioria,
um espaço de exceção, não cumprindo o que tanto de homens (57.092 mil) como de mu-
orienta a lei. Posteriormente, existem cerca lheres (2.654 mil), estudaram apenas até o

32 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

ensino fundamental incompleto. Em seguida mônio, principalmente por furto e roubo. Ve-
encontram-se os que cursaram até o ensino rificamos nestes dados novamente a questão
fundamental completo: 20.290 mil homens da seletividade de certas pessoas frente ao
e 1.215 mil mulheres. Por certo na realidade sistema penal. Na atual situação do mundo,
sócio-econômica em que vivemos o grau de em que o controle sobre a vida dos homens é
instrução das pessoas depende da classe so- feito pelas relações econômicas, não existem
cial a que pertencem, eis que se fazem parte empregos e oportunidades de uma vida dig-
de famílias com poucos recursos, terminam na para todos. Tal fato se relaciona com um
por deixar os estudos para trabalhar. verdadeiro abismo econômico existente en-
Segundo Baratta (2002) a seletivi- tre as classes sociais, onde algumas têm mui-
dade começa na escola. Isto ocasiona mui- to e outras nada, levando, por conseguinte, a
tas vezes em fatores que auxiliam a pessoa ocorrência dos crimes contra o patrimônio.
cometer um delito, como no caso de parcas A classe hegemônica acha que resolverá os
condições econômicas de sustentar a si e a problemas escondendo nas prisões aqueles
sua família. Demais disso, existe a questão considerados inúteis, os que não fazem parte
da vulnerabilidade de certas pessoas, que do mercado de trabalho, não são consumi-
são selecionadas pelas agências do sistema dores, tornando-se vidas desnecessárias ao
penal, sendo vistas com preconceito. Com atual sistema capitalista.
certeza as pessoas com baixa instrução se Continuando a análise, ainda sobre
tornam vulneráveis, eis que não possuem o perfil do preso, encontram-se os números
conhecimentos de seus direitos, tornando-se totais de delitos tentados e consumados, que
um fácil alvo de arbitrariedades. não se entende importante a essa pesquisa.
Em seguida, existe a quantidade de Na sequência estão os números de presos pri-
presos conforme a nacionalidade, outro pon- mários e reincidentes. Aqui cumpre ressaltar
to que não parece oportuno analisar com base que no caso dos homens a maioria detida se
na teoria levantada. Observa-se apenas que tratam de reincidentes (39.906 mil), confir-
a grande maioria se trata de brasileiro nato mando a falha no sistema penitenciário atu-
(134.063 mil). O dado posterior relaciona-se al, que apenas degrada um ser humano, sem
com a quantidade de presos por tempo total possibilidade de ressocialização e reeduca-
das penas. A maioria das mulheres cumpre ção, impossibilitando que exista outro cami-
pena de 04 anos. Por outro lado os homens nho a não ser o da criminalidade. Além disso,
em sua maioria cumprem pena de 04 a 08 o fato de ter sido encarcerado acaba geran-
anos, dado que se relaciona com a quantida- do um preconceito contra aquele ind ividuo,
de de detentos cumprindo pena em regime continuado a ser visto como um inimigo da
fechado. sociedade e esta, por sua vez, fecha as portas
O próximo dado fornecido que se para que o condenado se ressocialize, como
mostra importante para o presente trabalho, ensina Shecaira. Já no caso das mulheres a
ainda na categoria de perfil do preso, refere- maioria correspondente a 2.480 mil se trata
se com o número de detentos por crimes con- de presas não reincidentes.
sumados e tentados. Ressalta-se que alguns Prosseguindo, observam-se os da-
estabelecimentos não forneceram tais dados. dos relativos à quantidade de presos por fai-
Referente a quantidade de homens presos, xa etária. No caso dos homens (40.479 mil) e
que são considerados mais importantes a este também das mulheres (3.334 mil) são jovens,
trabalho por serem vistos como os estereóti- possuem entre 18 a 24 anos e 25 a 29 anos.
pos dos inimigos da sociedade, dos 135.725 Verifica-se que se tratam de pessoas que não
mil presos no total, 93.954 mil se encontram tiveram chances de acesso ao mercado de
detidos pela prática de crimes contra o patri- trabalho, pois como já exposto possuem uma

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 33


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

instrução baixa. Por certo tais pessoas dificil- tivamente a grande quantidade de pessoas
mente chegaram a uma idade mais avançada, presas, que não são fornecidos tratamentos
tendo em vista a elevada taxa de mortalidade ambulatoriais adequados, assim como fal-
entre elas. tam leitos para gestantes no caso das mu-
A informação seguinte correspon- lheres, apenas 81, em locais onde há gran-
de a quantidade de presos por cor de pele/ de incidência de contaminações e violência
etnia. A maioria dos homens e mulheres são contra os que lá se encontram. Mais uma vez
negros e pardos, sendo 68.134 mil e 3.198 ressalta-se o descaso do Estado, que tem o
mil respectivamente. Isto demonstra a exis- dever de propiciar condições para que todos
tência ainda de um preconceito contra estas vivam com dignidade, desrespeitando o que
pessoas, mantido ao longo dos séculos no di- determina nossa Constituição, configurando
reito penal. Devido a todo processo históri- novamente uma exceção.
co, onde os negros sofreram atrocidades por Os próximos indicadores, relativos
sua cor de pele, vemos que ainda permanece a quantidade de fugas, de abandono, reinclu-
a discriminação de tais pessoas e a sua pre- sões, presos envolvidos em motins e rebeli-
sunção de periculosidade, sendo inimigos em ões, quantidade de óbitos, procedimentos
potenciais, mesmo não se encontrando em disciplinares iniciados e concluídos não se
situação delituosa, as autoridades policiais mostram relevantes neste trabalho, de acor-
sempre os colocam como suspeitos, sendo do com a teoria levantada e o que se pretende
um público permanente para as arbitrarie- confirmar com esta sincrética análise.
dades dessas agências. Por fim, na categoria capacidade
Mudando a categoria para o Trata- de ocupação, observamos o número de va-
mento Prisional, ainda com o preenchimento gas existentes nos estabelecimentos penais,
pelo estabelecimento penal, encontram-se sendo certo que a capacidade existente para
a quantidade de presos que trabalham fora os presos no cárcere é bem menor do que o
dos estabelecimentos (8.307 mil homens e número real de presos. Fato considerado
458 mulheres) e no interior deste (29.934 importante a esta pesquisa é o número de
homens e 2.240 mulheres). Podemos obser- vagas disponíveis para presos provisórios,
var que os números são baixos, se relativos a correspondente a 16. 715 mil no total. Ocorre
toda população carcerária. É certo que o tra- que em todo o Estado de São Paulo existem
balho serve como uma medida de ressociali- cerca de 42.168 mil presos provisórios. Isto
zação, além do benefício da remição. Sendo confirma o grave problema das prisões cau-
assim, o sistema penitenciário de São Paulo telares na América Latina, exposto por Za-
não está apto a promover uma melhoria na ffaroni (2007), sendo que além de superlotar
vida do detento, para que volte ao convívio as prisões, há um desrespeito ao princípio da
da sociedade, deixando os encarcerados em inocência, também previsto na Constituição
precárias situações e sem uma ocupação. Federal.
Ressalta-se que a maioria, correspondente a Diante disso, podemos notar, mes-
14.657 homens e 1.172 mulheres, trabalham mo de forma superficial, a existência de um
ajudando no sistema penal, o que impossi- inimigo no sistema penal brasileiro e em
bilita a aprendizagem de uma profissão para decorrência a abertura de exceções, mesmo
quando deixarem o cárcere e procurarem estando em um Estado de direito. Observa-
uma vaga no mercado de trabalho. se a presença de características comuns a
Na quantidade de leitos, 598 mas- quase toda população carcerária, o que vem
culinos e 22 femininos, verificamos o precá- a confirmar a seletividade sofrida por algu-
rio atendimento prestado aos encarcerados. mas pessoas, conforme sua cor, sexo, grau de
Caso adoeçam vemos por estes dados, rela- instrução etc. Além disso, ressalta-se o pro-

34 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

blema do cárcere em nossa sociedade, que se ra confirma a exclusão causada pelo abismo
mostra cada vez mais uma medida precária entre as classes sociais, advindo do sistema
para a reeducação de quem praticou um deli- capitalismo. A marginalização que sofrem
to, atentando gravemente contra a dignidade os pobres, na maioria das vezes privados de
das pessoas. quaisquer direitos e garantias, termina por
incentivar que certos indivíduos sejam mais
5. Conclusão aptos a pratica de delitos, bem como são sele-
cionados pelas agências policiais mais facil-
No Brasil mesmo sob a égide de um mente devido a sua vulnerabilidade.
direito penal pertencente ao Estado demo- No Direito Penal atual, construí-
crático de direito, podemos ver que direitos e do ao longo dos anos por meio de batalhas
garantias não são cumpridos, tornando com travadas com o autoritarismo do Estado e a
que a exceção se torne a regra. O filosofo ita- supressão de garantias, analisa-se que ain-
liano Giorgio Agamben foi quem explicou a da não se pode afirmar a existência de um
situação de exceção dentro dos Estados atu- modelo ideal de um Direito Penal do Estado
ais, intitulados como democráticos de direi- democrático de direito. Pela incapacidade do
to, com maior precisão, alarmando para a Estado de resolver seus conflitos, pelo des-
gravidade que isto pode ocasionar. Na exce- comprometimento dos juristas, pela atuação
ção existe uma regra, uma lei, que em deter- da mídia ou do poder legislativo nas elabora-
minado caso não é aplicada. Assim, no Brasil ções das leis penais, vê-se que o poder puniti-
podemos observar tal situação constante- vo só consegue se efetivar em relação àqueles
mente, com a ação arbitraria das agências do advindos das classes marginalizadas, os quais
sistema penal, bem como em leis penais que são tratados de forma arbitrária, já que nem
confrontam princípios constitucionais. Nes- mesmo conhecem os direitos que possuem.
te diapasão, a existência de um direito penal Por certo os crimes praticados pelas classes
do inimigo, em situações excepcionais, é algo sociais mais elevadas, como crimes econômi-
que no Brasil não pode existir, porque, em cos e tributários, poucas vezes são incrimina-
regra, nos deparamos com um verdadeiro di- dos, sendo que causam muitas vezes ofensas
reito penal que trata de forma desigual deter- de maior grau à bens fundamentais do que os
minadas pessoas, os inimigos. Diante disso, pequenos delitos contra o patrimônio.
a possibilidade da barbárie torna-se possível,
como já assistimos por diversas vezes, tor-
nando-se a vida humana sem valor perante
o que determina o Estado e os detentores do
poder, se trata de uma vida nua.
Analisando um relatório do censo
penitenciário de São Paulo, pode-se confir-
mar, mesmo com dados obtidos sem muita
precisão, que a população carcerária confir-
ma os estereótipos escolhidos pela coletivida-
de. A maioria se trata de homens, com pouca
idade, baixa escolaridade e lá se encontram
devido à prática de crimes contra o patrimô-
nio. Outro elevado número corresponde aos
presos provisórios, pela simples presunção
de periculosidade, como afirma Zaffaroni
(2007). Isso mostra que a situação brasilei-

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 35


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

Referências bibliográficas

AGAMBEM, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo;
2004.

__________________ Homo Sacer, O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte:


Editora UFMG, 2002.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociolo-


gia do Direito Penal. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Curso de Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro
Revan, 2007. v. 1.

BATISTA, Vera Malagui. Difíceis ganhos fáceis: Drogas e Juventude Pobre no Rio de Janeiro.
2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

CARVALHO, Thiago F. O Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal do Homo Sacer da Baixa-
da. Revista de Estudos Criminais, v. 25, p. 85-120, 2007.

CENTRO PELA JUSTIÇA E PELO DIREITO INTERNACIONAL. Relatório sobre mulheres


encarceradas no Brasil. 2007, disponível em: <http://www.cladem.org/portugues/nacionais/
brasil/Relatorio%20sobre%20mujeres%20encarceladas%20-%20Brasil.pdf>.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008.

DAL RI JÚNIOR, Arno. O Estado e seus inimigos: a repressão política na história do direito
penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006.

GOMES, Luís Flávio. Mídia, direito penal e vingança popular . Jus Navigandi, Teresina, ano 13,
n. 2171, 11 jun. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12956>.
Acesso em: 13 jul. 2009.

_________________ Jovencídio. Jovens latinoamericanos são os que mais matam e mais


morrem. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2130, 1 maio 2009. Disponível em: <http://jus2.
uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12739>. Acesso em:13 jul. 2009.

________________ O Direito Penal antes e depois de Roxin . Jus Navigandi, Teresi-


na, ano 13, n. 2066, 26 fev. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.
asp?id=12370>. Acesso em: 11 jul. 2009.

JAKOBS, Günter; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo - noções e críticas. Tra-
dução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 2008.

36 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| AOS INIMIGOS, A EXCEÇÃO: UMA ANÁLISE SOBRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO |

MARTIN, Luis Garcia. O horizonte do finalismo e o direito penal do inimigo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007.

OLIVEIRA, Francisco de; RIZEK, Cibele Saliba (Org.). A Era da Indeterminação. São Paulo:
Boitempo, 2007.

SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e Proporcionalidade: o direito penal e os direitos fun-


damentais entre proibição de excesso e de insuficiência. Disponível na Internet:
<http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 15 de agosto de 2009.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

SISTEMA PRISIONAL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Sis-


tema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen). Relatórios Estatísticos-Ana-
líticos do sistema prisional de cada Estado da Federação. São Paulo, junho de 2008.
Disponível em:<http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE-
94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm>.

VASCONCELLOS, Mercia Miranda. Sistema penal seletivo. Reflexo de uma sociedade exclu-
dente. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1596, 14 nov. 2007. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10652>. Acesso em: 13 jul. 2009.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarrão. Rio de
Janeiro: Revan, 2007.

______________________ Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

______________________; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Bra-


sileiro. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v.1.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 37


A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE
LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS
EM TEMPOS DE CRISE
Michel Montefeltro¹
Laís Santos de Paula²
Denis Porto Renó³

1. Introdução publicados entre 19 de abril e 17 de maio de


2009 na editoria internacional. Inicialmente,
O mundo vive uma diversa aborda- realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre
gem sobre imigrantes, em especial na Euro- o jornalismo internacional e o El País. Foram
pa, onde a xenofobia e os processos migrató- adotados os conceitos dos estruturalistas
rios são intensificados devido às promessas Teun van Dijk (2002) e Patrick Charaudeau
de qualidade de vida e oportunidades de tra- (2003).
balho. Tal processo xenófobo se agrava a par- O artigo justifica-se por ser um tema
tir do momento em que os países europeus atual e relevante, pois as discussões sobre
entram em crise econômica e os cidadãos crise e xenofobia estão relacionadas com os
passam a disputar oportunidades de empre- países considerados ricos e os que sobrevi-
go com os estrangeiros. vem deste eixo econômico. Ao mesmo tempo,
A comunicação passa, em meio à cri- a mídia tem adotado o assunto como pauta
se, a discutir temas relacionados ao desem- principal, o que torna a discussão ainda mais
prego na Europa, com indícios de xenofobia. importante. Também foram discutidos du-
Em diversas matérias, de distintos periódicos rante o artigo conceitos sobre jornalismo in-
europeus, a questão crise se misturou com a ternacional, o que serviu para contextualizar
imigração, o que provocou uma contextuali- e dar embasamento sobre a temática.
zação na mensagem que nos levou a crer que
o discurso destes poderia ser analisado como 2. A Comunicação Internacional
preconceituoso e xenófobo. A opção desta
pesquisa foi o desenvolvimento de uma aná- De acordo com Traquina (2005,
lise do discurso para confirmar as impressões p.20), o jornalismo é uma forma de respon-
com relação às mensagens noticiosas produ- der às perguntas que as pessoas se fazem dia-
zidas pela imprensa européia. riamente, “o que aconteceu?”, “como foi?”,
Escolhemos, então, o jornal El País “onde foi?”, “quem foi?”, “o que está aconte-
como objeto de estudo, por ser o principal cendo no mundo?”, ou seja, o chamado lide.
periódico de um país que recebe um expres-
sivo número de imigrantes latino-america- Basta um olhar distraído aos di-
nos. Para o desenvolvimento desta pesquisa, versos produtos jornalísticos para
definimos como recorte um período da cole- confirmar que é uma atividade
criativa, plenamente demonstra-
ta do material para análise, com os jornais

¹Jornalista, graduado pela UNICOC, Ribeirão Preto. Prepara-se para cursar pós-graduação Lato Sensu sobre
Jornalismo Internacional. Atua como webjornalista. E-mail: michelmontefeltro@gmail.com
²Jornalista, graduada pela UNICOC, Ribeirão Preto. Estudou seis meses na Universidad Rey Juan Carlos, como
complemento de sua formação. Atuou como jornalista na EPTV de Ribeirão Preto. E-mail: lala_sdp@hotmail.com
³Jornalista, doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (Brasil), onde investiga so-
bre comunicação e novas tecnologias, em especial mobilidade e Internet. Foi orientador desta pesquisa, desenvol-
vida pelos alunos como trabalho de conclusão de curso. É professor visitante da Universidade Técnica Particular
de Loja (Loja, Equador), onde orienta estudos sobre a mesma temática. E-mail: denis@ojosenelmundo.com

38 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


da, de forma periódica, pela in- volta de 1.500, haviam sido insta-
venção de novas palavras e pela ladas máquinas de impressão em
criação do mundo em notícias, mais de 250 lugares na Europa –
embora seja uma criatividade res- 80 na Itália, 52 na Alemanha e 43
tringida pela tirania do tempo, dos na França. As prensas chegaram
formatos e das hierarquias supe- à Basiléia em 1466, a Roma em
riores, possivelmente do próprio 1467, a Paris e Pilsen em 1486, à
dono da empresa (TRAQUINA, Veneza em 1469, a Valência, Cra-
2005, p.22). cóvia e Buda em 1473 e a Praga em
1477. Todas essas gráficas produ-
Em uma breve passagem pelos jornais ziam cerca de 27 mil edições até
diários, segundo o autor, pode-se ver a vida o ano de 1500, o que significa que
dividida em seções que vão da sociedade, à – estimando-se uma média de 500
economia, à ciência e ao ambiente, à educa- cópias por edição – cerca de 13 mi-
ção, à cultura, à arte, aos livros e à televisão, lhões de livros estavam circulando
na Europa com cem milhões de
que cobre o planeta com a divisão do mundo
habitantes (BRIGGS & BRUKE,
em regional, nacional e internacional. “Um 2004, p.26).
exame da maioria dos livros e manuais sobre
jornalismo define as notícias em última análi- O surgimento dos jornais no século
se como tudo o que é importante” (Traquina, XVII aumentou os rumores e a ansiedade so-
2005, p.19). Para o autor, existe hierarquia bre os efeitos da nova tecnologia. Ainda de
que pode definir a importância entre nacio- acordo com Briggs & Burke (2004, p. 29),
nal e internacional. Por isso, se faz importan- com a invenção da prensa gráfica, ou tipo-
te abordar o que é o jornalismo internacional grafia, houve um problema. No começo deste
e como ele surgiu. período a dificuldade era a escassez de livros
Segundo o Oxford English Dictionary 4, e de informação. Já no século, XVI, o que
foi na década de 1920 que as pessoas come- aconteceu foi o oposto. Segundo os autores,
çaram a pensar e a falar sobre mídia. Uma “alguns escritores queixavam-se de que ha-
geração depois, na década de 1950, a popula- via tantos livros que as pessoas não teriam
ção do mundo passou a mencionar uma “re- tempo para ler os títulos”. Para Briggs &
volução na comunicação”. No entanto, para Burke, a invenção da prensa gráfica mudou a
Briggs & Burke (2004, p.13), o interesse pela estrutura ocupacional das cidades.
comunicação é muito mais antigo. A retórica, Uma das conseqüências mais im-
estudo da arte de se comunicar oralmente e portantes da invenção da prensa gráfica foi
por escrito era valorizada na Grécia e Roma o envolvimento intenso dos negociantes no
antigas. processo de difundir o conhecimento. Para
Porém, o surgimento do que hoje é vender mais livros, e lucrar mais, os editores
conhecido como imprensa aconteceu, de publicavam catálogos e se envolviam com
acordo com os autores (2004, p.25), no sécu- outras formas de publicidade. Somente na
lo XV, com a invenção de uma das máquinas Grã-Bretanha estima-se que 15 milhões de
mais importantes para a comunicação até jornais tenham sido vendidos no ano de 1792.
hoje. A prensa gráfica foi construída na déca- E o jornal diário, semanal ou bissemanal era
da de 1450 por Johann Gutenberg. complementado por publicações mensais ou
A prática da impressão gráfica se trimestrais, que foram chamadas, posterior-
espalhou pela Europa (...), Por mente, de periódicos ou revistas.

4
Disponível em http://www.oed.com/about/. Acessado em 05/10/2009. O Oxford English
Dictionary (OED) é um dicionário publicado pela Oxford University Press e é considerado um
dos mais conceituados da língua inglesa.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 39


| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |

Anos mais tarde, no final do século mandavam para Augsburgo informações so-
XIX, começo do XX, as pessoas assistiram a bre a cotação de determinadas mercadorias
uma revolução nas tecnologias de comuni- nas feiras, do câmbio e ainda dos conflitos
cação e informação. O que levou a formação existentes nas mais diferentes regiões e que
dos meios de comunicação como instituições podia prejudicar a economia e os negócios.
privadas de alcance global, tanto para o jor- As notícias eram transmitidas dentro das
nalismo quanto para o entretenimento – cul- próprias casas bancárias.
tura e diversão. Por causa disso, os meios De acordo com o autor, na época do
de comunicação foram se aperfeiçoando mercantilismo6 houve uma ascensão do jor-
cada vez mais para se adaptarem ao mundo nalismo internacional. Folhas com notícias
que estava se modernizando. Em 1980, por de economia e política de toda a Europa
exemplo, a rede de televisão CNN5, que hoje eram impressas e vendidas a quem quisesse
é uma das referências em jornalismo inter- comprar e não mais circulavam dentro de
nacional começou as transmissões de rede. O um mesmo aglomerado comercial e finan-
fato que a fez ganhar notoriedade foi a cober- ceiro, como acontecia com a casa de Függer.
tura da guerra do golfo, em janeiro de 1991. As informações impressas passaram a ser
compradas por grupos indistintos de pessoas
3. Jornalismo Internacional que mais tarde seriam chamadas de agentes
econômicos.
Segundo Natali (2004, p.19), jornalis-
tas de todo o mundo dizem que o jornalismo Pode-se falar quase que de uma
internacional nasceu em Londres, no século, epidemia de publicações pareci-
no século XIX, quando os periódicos impres- das que floresceu sobre a Euro-
pa na primeira metade do século
sos ampliavam a área geográfica de interesse
XVII. Entre 1610 e 1645, esses
e de cobertura em razão da expansão do im- jornais baseados em informações
pério colonial britânico. Levando as notícias econômicas e políticas estrangei-
sobre Londres a outras partes da Inglaterra. ras já circulavam a Suíça, Áustria,
Mas de acordo com o autor (2004, p.19), esse Hungria, Inglaterra e França (NA-
viés do jornalismo nasceu muito antes disso. TALI, 2004, p. 23)
Ainda segundo Natali (2004, p. 20),
Jacob Függer, um dos banqueiros mais im- Na segunda metade do século XIX, de
portantes da época (séculos XV e XVI) na 1861 até 1865, a Guerra Civil Americana foi
Europa, morava na cidade de Augsburgo, na acompanhada por 150 correspondentes de
Alemanha. O banco dele controlava as jazi- guerra. Os jornais e revistas já estruturados
das de cobre da Hungria e possuía reservas como empresas procuravam obter mais in-
de 4,7 floris, o equivalente a 13 toneladas de formações com menor custo. A idéia, então,
ouro. Com tamanha fortuna, ele financiou a foi a de constituir um local, onde um mesmo
campanha de Carlos V para tornar-se impe- repórter ou uma equipe de repórteres pu-
rador na época do Império Cristão do Oci- dessem produzir material para mais de um
dente. Függer tinha negócios com várias par- órgão de imprensa. Surge então a agência de
tes da Europa, e para se manter informado do notícias.
que acontecia em cada lugar, os agentes dele De acordo com Natali (2004, p. 31),

5
Disponível em http://dn.sapo.pt/inicio/interior.aspx?content_id=601301. Acessado em 25/11/2009. O site
é do jornal português “Diário de Notícias”. A matéria fala sobre o lançamento de um livro que traz a história
rede de TV CNN. Durante a reportagem o jornalista Miguel Gaspar faz um breve histórico sobre a CNN.
6Disponível em http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=746. Acessado em
06/10/2009. Pode-se dizer que o mercantilismo é um conjunto de práticas adotadas pelo Estado absolutista
na época moderna, com a finalidade de obter poder e riqueza. A concepção predominante parte do simples
fato de que a riqueza da nação é determinada pela quantidade de ouro e prata que ela [a nação] possui.

40 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |

em 1865, a agência Reuters, hoje uma das 4. Agências de Notícias


mais respeitadas e conhecidas do mundo, foi Uma forma comum entre os meios de
quem noticiou primeiro o assassinato do en- comunicação que noticiam os acontecimen-
tão presidente dos Estados Unidos da Amé- tos internacionais, e que não conseguem ter
rica, Abraham Lincoln. A notícia vinha por uma equipe jornalística no local dos fatos,
malotes transportados em navio. Mas como é comprar a informação de uma agência de
a situação política em Washington estava notícias.
tensa, a própria agência interceptou a cor- De acordo com a UNESCO7 (Organi-
respondência do correio, que ainda percorria zação das Nações Unidas para a Educação, a
o litoral da Irlanda, de onde foi transmitida a Ciência e a Cultura), as agências de notícias
Londres por um telégrafo. ou da informação são uma empresa que tem
Para o autor, “as agências deram principalmente por objeto, qualquer que seja
viabilidade econômica ao noticiário inter- a sua forma jurídica, obter notícias e docu-
nacional”. Um texto distribuído a centenas mentação de atualidades, que sirvam para
de jornais que assinam os serviços de uma exprimir ou representar os fatos, distribuin-
agência sai mais barato que um texto produ- do-os a um conjunto de empresas da infor-
zido e enviado por um correspondente. Com mação, e excepcionalmente, as particulares,
as notícias internacionais, a necessidade de mediante o pagamento de determinada im-
que o jornalista falasse cada vez mais línguas portância, de acordo com as leis e usos co-
se tornava maior. Atualmente, essa questão merciais, sempre à base de um serviço o mais
não é mais de atualidade pela simples razão completo e imparcial possível.
de que agências de notícias internacionais As agências de notícias surgiram no
como a francesa AFP, a alemã DPA e a ita- século XIX. Período este, em que houve vá-
liana ANSA, não dispõe mais de serviços em rios progressos técnicos e científicos na área
português. Elas distribuem os telegramas em da impressão, como a invenção da máquina
espanhol. Segundo Natali (2004, p. 73): rotativa, do linotipo e do telégrafo.
Fluência não significa “entender mais O surgimento das agências noticiosas
ou menos” ou “quebrar o galho”. É preciso data exatamente do período citado acima ca-
mergulhar a fundo no idioma para captar racterizado pela transformação da imprensa
certas mudanças que não permitirão apenas de opinião em imprensa informativa, mais
uma tradução correta, mas também dire- acessível e generalista. Favorecidas com o
cionarão nossa própria percepção sobre um progresso tecnológico da comunicação, so-
acontecimento. bretudo a invenção do telégrafo, que tornou
Ainda de acordo com Natali (2004, possível a partir da primeira metade do sécu-
p. 95), o jornalismo internacional tem uma lo XIX, a transmissão rápida e a distância de
característica que não é exclusiva dele. Boa informações. As agências passaram assim a
parte das pautas é previsível. Reuniões do encontrar o seu lugar no campo da mídia.
Conselho de Segurança da ONU e as nego- No nascimento desta nova ativida-
ciações que as precedem, conferências temá- de pode-se citar Charles-Louis Havas. Em
ticas ou regionais, viagens oficiais de gover- 1835, em Paris, arruinado em decorrência
nantes ou o jogo de pressões diplomáticas da derrota de Napoleão Bonaparte na bata-
para solucionar algum impasse. Porém, não lha de Waterloo, partindo de uma premissa
há previsibilidade quando há acidentes aé- de que nenhum jornal teria a possibilidades
reos, agressões militares contra terroristas, financeiras para manter uma rede de corres-
atentados, terremotos e crises. pondentes em todos os locais importantes

7
Disponível em: http://arturaraujo.blogspot.com/2008/04/o-que-agncia-hoyler-o-que-so-as-agncias.html.
Acessado em 13/11/2009. Artur Araujo é professor mestre em jornalismo e dá aulas na Pontifícia Universi-
dade Católica (PUC) de Campinas e possui um blog com os slides das aulas que ministra na universidade.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 41


| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |

sob o ponto de vista informativo. Ele então nacional com jornais da Itália, França, Ale-
transforma o estabelecimento de tradução manha, Inglaterra e Estados Unidos. Inovou
de correspondência estrangeira, que havia em vários aspectos jornalísticos, o que aju-
adquirido em 1832, e cria um serviço de di- dou a construir sua imagem de credibilidade
fusão de informações, conhecida como Agên- e prestígio. Em 1980, foi o primeiro jornal da
cia Havas. Mais tarde a Havas deu origem a Espanha a criar um Estatuto da Redação e a
uma das agências de notícias internacionais figura do ombudsman10.
mais importantes do mundo, a France Pres- Fundado no dia 04 de maio de 1976,
se (AFP). A partir daí começa a história das por José Ortega, Jesús de Polanco e Juan
agências de notícias internacionais em todo Luis Cebrián, o jornal nasceu num período
o mundo. de transição política do regime ditatorial
Havas marcou a evolução do campo para a democracia. Seis meses após a morte
jornalístico. A fundação da agência dele ins- do general Francisco Franco (1892 – 1975),
pirou a criação de outras, dois de seus anti- que liderou o período de ditadura na Espa-
gos colaboradores, Wolff e Reuter, fundaram nha e presidiu o país por 34 anos. Em sua
a Agência Wolff na Alemanha (1848) e a linha editorial, o El País ressaltava defesa à
Agência Reuter na Inglaterra (1851), respec- liberdade e apoio a essa mudança política e
tivamente. Em 1848, uma cooperativa de seis social11.
jornais nova-iorquinos fundava a Associated Em 1977, o jornal cria e pública o “Li-
Press. vro de Estilo do El País”12. Referência ainda
hoje para jornalistas não só espanhóis, mas
5. O jornal El Pais de diferentes partes do mundo. Apesar de
publicado e comercializado, o Grupo PRISA
O El País, propriedade do Grupo PRI- define o livro como um “código interno de re-
SA8, é o jornal diário de conteúdo geral com dação que recorre além das regras formais de
maior difusão e influência na Espanha. O jor- expressão, mas cláusulas de conduta essen-
nal se define como “um diário independente, ciais sobre como os profissionais do diário
de qualidade, vocação européia e defensor da devem realizar suas tarefas”13.
democracia pluralista”9, de acordo com seus Em 1981, no dia 23 de fevereiro, o
primeiros editoriais. jornal ganhou credibilidade após ao 23-F,
Com sede em Madri, possui hoje oito episódio em que um grupo de guardas civis
edições regionais na Espanha. Além de qua- tentou dar um golpe de Estado contra o Par-
tro edições internacionais, na Alemanha, lamento. Antes mesmo que o Rei Juan Car-
Bélgica, México e Argentina, onde se publi- los I se pronunciasse na televisão espanhola
ca uma edição global que é distribuída pela condenando o golpe, o El Pais publicou uma
América Latina. edição especial do jornal intitulada “El Pais,
Ao longo de sua história, o El País Con La Constituición”. Foi o primeiro diário
firmou vários acordos de colaboração inter- que saiu às ruas naquela noite posicionando-

8
Disponível em http://www.prisa.com/areas-actividad/elpais/. Acessado em 18/09/2009.
9 Idem.
10 Disponível em http://www.elpais.com/fotogalerias/popup_aninacion.html?xref=20041011el
pepusoc_2&k=breve_historia_pais. Acessado em 18/09/09.
11 Disponível em http://www.revistalatinacs.org/09/art/05_804_03_Brasil/Denis_Porto_

Reno_e_Ingrid_Gomes.html. Acessado em 18/09/09


12 Disponível em http://www.prisa.com/responsabilidad-social/periodismo-haciendo-escuela/.

Acessado em 18/09/09.
13 Idem.

42 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |

se claramente contra a tentativa de golpe, 6. Considerações finais


chamando aos cidadãos a manifestarem-se a
favor da democracia. Com a criação do Es- As análises das matérias foram feitas
tatuto e a resposta do El Pais em relação ao separadamente seguindo o conceito de análi-
23-F, a audiência do jornal aumentou de 843 se de discurso defendido por Morris (2003).
mil leitores em 1980 para 1,14 milhão de lei- Foram analisadas todas as matérias
tores em 198114. publicadas na editoria internacional do jor-
Em 1992, o El País foi o primeiro jor- nal El País por um mês. O El País é o jornal
nal espanhol a imprimir exemplares no ex- de maior difusão na Espanha e um dos jor-
terior, especificamente na França. No ano nais mais influentes da Europa. A forma em
seguinte, começa a sua publicação diária no que este veículo se refere aos países latino-
México15. Para conquistar o novo público la- americanos e os assuntos que ele aborda so-
tino, o jornal oferece um novo tratamento bre essa região constroem a imagem da figu-
aos temas de saúde, educação, ciência e co- ra dos cidadãos da América Latina, inclusive
municação em páginas especiais que se pu- dos imigrantes.
blicaram ao longo da semana. Ao total foram publicadas 37 matérias
Em 2000, o jornal inglês Internatio- que abordavam o tema no período analisa-
nal Herald Tribune encomendou uma pes- do. Apenas os discursos do tipo mítico e de
quisa feita em 17 países europeus que revelou propaganda não foram utilizados. Todas pos-
o El Pais como o nono jornal europeu com suíam o discurso político. Ou seja, todas de
maior credibilidade e o quinto em relação à alguma forma falavam sobre a política e os
influência exercida nos principais diários do líderes de governo da América Latina.
continente16. Problemas políticos internos ou ex-
Em 2007 o jornal passa pela “maior ternos no país foram tema de 30 matérias.
transformação de sua história”17, apostando Crises entre países ou entre governo e oposi-
em novos temas, mais fotos e gráficos e uma ção foram os temas mais freqüentes aborda-
nova diagramação. O jornal coloca o acento dos pelo jornal.
no logo e substitui o histórico slogan. “Diario Muitas vezes este discurso político foi
independiente de la mañana”, que o acompa- acompanhado pelo discurso crítico. O dis-
nhou desde sua fundação por “el periodico curso crítico é aquele que agrega valores, po-
global de noticias en español”. sitivos ou não, e por isso deve ser usado com
A partir de 2009, o principal objetivo muito cuidado pelo jornalismo, que deve
do El País é a integração das redações. Segun- aproximar-se da imparcialidade o máximo
do o grupo PRISA, a integração prevê promo- possível.
ver convergência. Para o grupo, a idéia é tor- O discurso crítico esteve presente em
nar o El País um grande produtor de conteúdo, 23 matérias. Enquanto o discurso científico,
tanto impresso quanto online. Mas o objetivo aquele que busca pesquisas, fontes e dados
de cortar custos se torna óbvio. Mesmo com confiáveis foi utilizado apenas em 20 maté-
a crise, nos últimos três anos, o jornal apre- rias. Ou seja, conclui-se que a opinião do jor-
sentou um crescimento de 8%. Atualmente, nal, dos autores e dos entrevistados buscados
dirigido por Javier Moreno, o El País possui por eles prevaleceu sobre a essência jornalís-
cerca de 2,2 milhões de leitores. tica que visa mostrar simplesmente os fatos

14 Disponível em http://www.elpais.com/fotogalerias/popup_aninacion.html?xref=20041011
elpepusoc_2&k=breve_historia_pais. Acessado em 19/09/09.
15 Idem.
16 Ibidem.
17 Disponível em http://www.prisa.com/areas-actividad/elpais/. Acessado em 20/09/09.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 43


| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |

como aconteceram.
Também é possível concluir que o jor-
nal constrói uma imagem de dependência da
América Latina em relação aos Estados Uni-
dos, principalmente Cuba. Foram publicadas
13 matérias que citavam de alguma forma,
sutil ou não, essa relação de dependência.
Apenas de Cuba, foram sete matérias. O jor-
nal se mostrou muitas vezes claramente con-
tra os governos de Cuba e Venezuela, criti-
cando Castro e Chávez.
Os governos das nações latino-ame-
ricanas foram retratas como esquerdistas e
o Brasil como líder na região. Sobre o Brasil
houve ainda uma contradição em duas maté-
rias. Uma delas publicou que com a doença
de Dilma Rousseff começou uma discussão
no Partido dos Trabalhadores e no país sobre
uma possível reforma na Constituição para
permitir o terceiro mandato do presidente
Lula. Já a outra, publicada poucos dias de-
pois, disse que surgiu um boato e não uma
discussão oficial.
Foram abordados também temas
como a violência de presos políticos e o nar-
cotráfico em diferentes países do continente.
Por esses motivos, conclui-se que
a imagem da população latino-americana
é construída sutilmente de forma negati-
va pelo El País. Abordando apenas temas
que mostram as fragilidades do continente,
aumenta-se no público espanhol a crença de
inferioridade e dependência destes povos em
relação às maiores potências mundiais.

44 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO PELO JORNAL EL PAÍS EM TEMPOS DE CRISE |

Referências bibliográficas

BRIGGS, Asa & BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à internet. Asa
Briggs e Peter Burke; tradução Maria Carmelita Pádua Dias; revisão técnica Paulo Vaz. – Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

CHARAUDEAU, Patrick. El discurso de la información: La construcción del espejo social.


Barcelona, Gedisa editorial, 2003.

DIJK, Teun A. Van. Cognição, Discurso e Interação. São Paulo: Contexto, 4ª ed. 2002.

EL País. Periódico El País. Disponível em:


http://www.elpais.com/fotogalerias/popup_aninacion.html?xref=20041011elpepusoc_2&k
=breve_historia_pais
Acessado em 19/09/2009

GRUPO Prisa. La renovación de um liderazgo. Disponível em: http://www.prisa.com/areas-


actividad/elpais/.
Acessado em 18/09/2009.

GRUPO Prisa. Periodismo haciendo escuela. Disponível em:


http://www.prisa.com/responsabilidad-social/periodismo-haciendo-escuela/
Acessado em 18/09/2009.

NATALI, João Batista. Jornalismo Internacional. São Paulo: Contexto, 2004.

OXFORD English Dictionary. About the Oxford English Dictionary. Disponível em: http://
www.oed.com/about/
Acessado em 05/10/2009.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo, porque as notícias são como são. Florianópolis:
Insular, 2ª Ed, 2005

UNITED Nations. Number of world’s migrants reaches 175 million Mark – Migrant popula-
tion has doubled in twenty-five years. Disponível em: http://www.un.org/esa/population/
publications/ittmig2002/press-release-eng.htm.
Acessado em 10/11/2009.

VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2005.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 45


A IMPORTÂNCIA DOS FATORES
DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A
INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
Adriana Antonia do Monte
Cristiane Botelho de Assis
Irma Alessandra Carvalho Pinto¹

1. Introdução Foi possível concluir que de fato a coesão e


coerência são elementos indispensáveis para
Produzir texto, seja ele falado ou que a mensagem seja efetivamente compre-
escrito, verbal ou não verbal é uma tarefa endida e o texto corretamente escrito, uma
complexa, pois tanto exige conhecimento de vez que estão relacionados com elementos
mundo, como conhecimentos linguísticos e gramaticais, bem como a conexão entre as
gramaticais dos falantes. A organização da sentenças.
linguagem escrita e a linguagem falada são Diante da necessidade do homem se
diferentes: as pausas, as interrupções, os comunicar com os outros indivíduos, torna-
marcadores são típicos da modalidade da lín- se primordial que ele se aproprie da lin-
gua falada e decorrem de sua produção, que é guagem oral e escrita para demonstrar sua
simultânea ao planejamento. Já a escrita, por competência linguística. Contudo, muitas
sua vez, por ter a possibilidade de ser plane- vezes percebe-se a dificuldade de transpor-
jada previamente, de correção dos erros, traz tar para o papel o que se pretende escrever,
mais frequentemente os padrões da norma principalmente porque na fala podem estar
culta. Porém, a maioria dos discentes des- representadas diversidades, sejam de caráter
conhece as diferenças entre as duas varieda- regional ou mesmo por conta do contexto em
des e acaba fazendo da escrita uma simples que se encontra, entretanto, essa praticidade
transcrição da fala, o que não é adequado, não pode refletir na escrita, ou seja, muitas
principalmente quando se leva em conta que pessoas costumam escrever da forma como
a norma padrão não permite que a língua es- falam e a escrita não aceita tais transcrições
crita seja um reflexo da língua falada. Essas de fala.
diferenças entre a linguagem oral e a escrita No papel, a linguagem escrita deve
podem gerar dificuldade para os alunos, po- obedecer aos padrões da norma culta, o que
dendo até comprometer a construção e/ou exigindo dos alunos a compreensão das es-
compreensão do texto. A presente pesquisa truturas do texto, incluindo os fatores de coe-
teve como objetivo analisar a eficiência da são e coerência, elementos importantes para
coerência e coesão no entendimento da men- a construção geral do texto, a fim de possibi-
sagem. A pesquisa consiste num estudo de litar seu entendimento por parte do leitor.
cunho bibliográfico sobre o assunto, fazendo Nesse sentido, percebe-se então a im-
referências e citações de autores que investi- portância da coerência e coesão na formação
garam o impacto desses elementos na com- do texto, na organização das ideias nas frases,
posição textual,dentre os quais, destacamos como também a ligação por certos elementos,
principalmente Ingedore Grunfeld Villa- facilitando a retomada de frases já mencio-
ça KOCK, Luiz Carlos TRAVAGLIA (1993, nadas. Convém enfatizar que nenhum texto é
2002), e Sueli Cristina MARQUESI (2004). uma peça isolada e que o significado das par-

¹Alunas do curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês da Faculdade Interativa COC.

46 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


tes é sempre determinado pelo contexto ao Kaufman e Rodríguez (1995) também
qual se encaixa numa dada situação. apresentam uma definição para o texto:
Diante da necessidade de investigar
sobre até que ponto os fatores de coesão e co- Produto da atividade verbal hu-
erência podem influenciar na interpretação mana é uma unidade semântica,
textual, a presente pesquisa objetivou iden- de caráter social, que se estrutura
mediante um conjunto de regras
tificar conceitos relevantes, tais como texto,
combinatórias de elementos tex-
contexto, coesão e coerência, bem como de tuais e oracionais, para manifestar
que forma esses elementos se articulam para a intenção comunicativa do emis-
a organização das idéias e entendimento da sor. Tem uma estrutura genérica,
mensagem. uma coesão interna e funciona
como uma totalidade. Os compo-
2. Considerações sobre Texto e Contexto nentes linguísticos do texto vincu-
lam-se entre si através de distintas
estratégias de coesão e de coerên-
2.1.Texto
cia (KAUFMAN; RODRIGUEZ
(1995, p.146).
Quando se fala em texto, não se tra-
ta apenas em reportar-se às letras impressas Nesse sentido, entende-se que texto é
em uma página, ou um conjunto de frases. uma ação entre os indivíduos e a sociedade,
De acordo com Koch (2005), o texto além de o seu funcionamento se dá com a ligação dos
proferir um enunciado com contexto especí- elementos de coesão e coerência, para uma
fico, também é considerado uma manifesta- melhor compreensão.
ção da linguagem: Segundo Platão e Savioli (2005) o tex-
to é composto por partes que são interdepen-
Texto é uma manifestação verbal dentes, e para que seja concebido um texto,
constituída de elementos linguís- é preciso que o sentido das frases esteja co-
ticos selecionados e ordenada
erente e manifestem as diferentes intenções
pelos co-enunciadores, durante a
atividade verbal, de modo a per-
do emissor, tais como informar, entreter,
mitir-lhes na interação, não ape- convencer, seduzir, etc.
nas a depreensão de conteúdos Para que se ampliem as possibilida-
semânticos, em decorrência da des de o aluno desenvolver sua habilidade de
ativação de processos e estratégias escrita, isto é, para que produza textos a par-
de ordem cognitiva, como tam- tir de seu próprio entendimento e não como
bém a interação (ou atuação) de repetição de ideias do autor, é preciso que ele
acordo com práticas sociocultu-
compreenda como funciona um texto. Para
rais (KOCH, 2005, p.27).
isso, é imprescindível que ele tenha acesso
Nessa perspectiva, entende-se que o aos mais diversos gêneros textuais, conhe-
texto se configura como um meio de comu- çam sua estrutura, finalidade, suporte, o que
nicação expressa de forma ordenada, pos- lhes possibilitará a construção de textos com
sibilitando aos indivíduos a compreensão suas próprias ideias, ou seja, escritores autô-
do conteúdo. Entre os elementos que fazem nomos.
parte do texto, destacam-se as frases, que
dependem diretamente do contexto no qual 2.2 Contexto
estão incluídas para emitir mensagens com-
preensíveis. Para Rethinking (apud KOCH, 2003,

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 47


| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |

p.21) não existe uma definição única de con- Embora muitos elementos interfiram
texto, ou seja, não há um conceito padrão na interpretação de textos por parte dos alu-
definido para determinar o significado de nos, a presente pesquisa aborda apenas as-
contexto. pectos relacionados aos fatores de coesão e
Com base em análises no contexto de coerência, os principais podem comprometer
situações, Hyme (apud KOCH, 2003, p.22) ou facilitar o entendimento do texto. Nesse
caracteriza contexto como um esquema que sentido, percebe-se a necessidade apresentar
contempla elementos diversos, tais como: os conceitos desses dois elementos, antes de
cenário e/ou lugar, falantes, propósitos e re- analisar sua influência na interpretação de
sultados, sequência de atos, normas de inte- textos, a fim de que seja possível ampliar as
ração e interpretação e gêneros textuais. possibilidades de pesquisas, estudos e rees-
Nessa perspectiva, entende-se que truturação de ideias.
para que um texto seja iniciado, é preciso
definir um lugar ou cenário onde os fatos 3.1 Definição e relação entre coesão e
acontecerão, os participantes que dele farão coerência
parte - distribuídos em falantes e ouvintes -
além do conteúdo ou mensagem que deseja De acordo com Koch e Travaglia
ser emitida, obedecendo a regras e a normas (1993), a coesão é um fator que facilita a re-
para que seja possível que o ouvinte e/ou lei- lação com a coerência, embora não seja um
tor compreenda. É necessário ainda a defini- fator indispensável para que exista a coerên-
ção de finalidades e propósitos. cia. Na verdade, a coesão ajuda a perceber a
No entendimento de Platão e Savioli coerência na compreensão do texto. De acor-
(2005), contexto é definido da seguinte forma: do com os autores, “coesão é, então, a ligação
entre os elementos superficiais do texto, o
É a unidade maior em que a uni- modo como eles se relacionam, o modo como
dade menor está inserida. Assim, as frases ou partes delas se combinam para
a frase (unidade maior) serve de assegurar um desenvolvimento proposicio-
contexto para a palavra; o texto,
nal” (KOCH; TRAVAGLIA (1993, p.13-14).
para a frase, etc. O contexto pode
ser explicito, quando é expresso Para Halliday e Hansan (apud KOCH;
com palavras, ou implícito, quan- TRAVAGLIA, 1993, p.14) a coesão está relacio-
do está embutido na situação em na às relações de significado que existem den-
que o texto é produzido (PLATÃO; tro do texto, ou seja, é o que faz dele um texto e
SAVIOLI, 2005, p.14-15). não uma sequência de frases sem sentido.
De acordo com Beaugrand e Dress-
Logo, é possível concluir que contexto ler (apud KOCH; TRAVAGLIA, 1993, p.16),
engloba um conjunto de conhecimentos lin- a coesão é o meio pelo qual os elementos do
guísticos que possibilitam uma situação co- texto se encontram relacionados entre si.
municativa. Ele adquire muita importância Com o objetivo de exemplificar como
na Lingüística Textual, que revolucionou a a coesão pode estar presente em um texto,
maneira de analisar os textos. Antes, o texto Cabral (2009) menciona um trecho de Jor-
era considerado em si, como algo fechado, dão e Bellezi (2007):
atualmente, analisa-se todas as referências
extratextuais que possam auxiliar na com- Os sem-terra fizeram um protesto
preensão. em Brasília contra a política agrá-
ria do país, porque consideram in-
3. Fatores de Coesão e Coerência e a Inter- justa a atual distribuição de terras.
Porém o ministro da Agricultura
pretação de Textos
considerou a manifestação um ato

48 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |

de rebeldia, uma vez que o proje- ída pela expressão “capital do Brasil”.
to de Reforma Agrária pretende Diante da importância dos termos de
assentar milhares de sem-terra coesão para melhor compreensão da mensa-
(JORDÃO; BELLEZI, 2007 apud
gem, também se torna necessário ressaltar o
CABRAL, 2009, p.1).
valor da coerência. Na definição de Franck
(apud KOCH; TRAVAGLIA, 1993, p.15) coe-
De acordo com a autora, os termos
rência significa:
destacados têm a função de unir as partes do A conexão formal e de conteúdo
texto, ou seja, são responsáveis pela coesão entre elementos seqüenciais (fra-
textual. Cabral (2009) esclarece que vários ses, enunciados, atos de fala etc.)
recursos estão associados à coesão de textos, que coloca estes elementos em re-
entretanto, a autora destaca: lação uns com os outros e o insere
numa forma de organização su-
• Palavras de transição – trata-se de perior como, por exemplo, nomes
em uma lista, frases em um texto,
palavras que estabelecem a inter-relação en-
atos de fala numa sequencia (dia-
tre os enunciados, sejam frases, orações ou lógica) etc.
parágrafos. Podem ser representadas por
preposições, conjunções, alguns advérbios e A coerência trata da continuidade dos
locuções adverbiais e podem indicar uma in- sentidos, ou seja, trata-se da “configuração
trodução (inicialmente, primeiramente, antes de conceitos e relações subjacentes à super-
de tudo), uma continuação (além disso, bem fície do texto e são mutuamente acessíveis e
como), conclusão (afinal, portanto, enfim), relevantes” (p.16).
tempo (enquanto isso, ocasionalmente, atu- A coerência está intimamente ligada
almente), conformidade (conforme, de acor- com a boa formação do texto, numa situação
do com, igualmente), causa e conseqüência comunicativa entre os usuários, fazendo com
(por isso, daí, assim), ou esclarecimento (isto que o texto faça sentido para os mesmos.
é, ou seja, quer dizer). Alguns exemplos são Sendo assim, está direcionada à interpreta-
mencionados a fim de ilustrar as possibilida- bilidade do texto e à capacidade que cada re-
des de coesão textual. ceptor tem de entender e compreender o seu
sentido. Porém, faz-se necessário esclarecer
• Coesão por referência – diz respeito que a coerência é vista também como uma
às palavras que têm a função de fazer refe- continuidade de sentido perceptível no texto,
rência. mas essa percepção não está ligada à grama-
- pronomes pessoais: eu, tu, ele, me, te, os... ticalidade apenas, pois, enquanto a coesão é
- pronomes possessivos: meu, teu, seu, nosso... explicitamente revelada por meio de marcas
- pronomes demonstrativos: este, esse, aquele... linguísticas presentes na superfície textual,
- pronomes indefinidos: algum, nenhum, todo...
a coerência é ao mesmo tempo semântica e
- pronomes relativos: que, o qual, onde...
- advérbios de lugar: aqui, aí, lá...
pragmática e, embora esses dois fatores pre-
(CABRAL, 2009, p.2). dominem, ela possui dimensão sintática gra-
matical e linguística. Koch; Travaglia (2008)
• Coesão por substituição – ocorre afirmam que:
quando o nome (de pessoa, lugar, objeto,
etc), verbos, períodos ou trechos do texto A coerência está diretamente liga-
são substituídos por uma palavra ou expres- da a possibilidade de estabelecer
são que se aproximem no sentido, evitando, um sentido para o texto, ou seja,
assim, a repetição do nome no decorrer do ela é o que faz com que um tex-
texto. A palavra Brasília, por exemplo, em to faça sentido para os usuários,
outros momentos do texto pode ser substitu- devendo, portanto ser entendido

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 49


| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |

como um princípio de interpreta- tivamente para que o texto seja construído


bilidade, ligada à inteligibilidade com coerência, possibilitando a compreen-
do texto numa situação de comu- são da mensagem e, portanto, garantindo a
nicação e a capacidade que o re-
interpretação segura do texto. Koch e Tra-
ceptor tem para calcular o sentido
do texto. Este sentido, evidente-
vaglia (2002) se referem a esses elementos
mente, deve ser do todo, pois a como fatores de coerência, os quais serão
coerência é global (p. 21). tratados a seguir.

Dessa forma, a coerência tem a ver 3.1.1 Elementos linguísticos


com a formação do texto num sentido de co-
municação, interação e interlocução numa si- Os elementos linguísticos têm grande
tuação comunicativa. Ao construir um texto, importância na determinação da coerência
é preciso que os elementos estejam ligados, de um texto. Koch e Travaglia (2002) reco-
estabelecendo uma relação de sentido. nhecem que as apenas as palavras não são
Independente da concepção teórica suficientes para garantir o sentido de um
apresentada, Koch e Travaglia (1993) afir- texto, mas são importantes elementos para
mam que todos os estudiosos concordam o estabelecimento da coerência. De acordo
que a coesão e coerência “estão intimamente com os autores:
relacionadas no processo de produção e com-
preensão do texto” (p.23). Esses elementos servem como
pistas para a ativação dos conhe-
cimentos armazenados na memó-
3.2 A interpretação de textos relacio- ria, constituem o ponto de partida
nada com a coesão e coerência para a elaboração de inferências,
ajudam a captar a orientação ar-
Para que um texto seja compreendido gumentativa dos enunciados que
pelo leitor, é preciso que ele tenha sido cons- compõem o texto, etc. (KOCH;
truído de forma coerente. Bernárdez (apud TRAVAGLIA, 2002, p.71).
KOCH; TRAVAGLIA, 1993, p.36) cita três
importantes etapas para construção de um Percebe-se que os elementos linguís-
texto coerente: a primeira diz respeito à in- ticos são importantes em seu significado,
tenção comunicativa do falante; a segunda se bem como na relação que estabelecem entre
refere ao planejamento que o falante desen- eles, ou seja, na integração dos recursos que
volve para conseguir que seu texto cumpra fazem parte do contexto linguístico.
sua intenção comunicativa, contemplando os
fatores situacionais, etc.; a terceira e última 3.1.2 Conhecimento de mundo
fase trata das operações que o falante realiza
para expressar-se, possibilitando ao ouvinte Koch e Travaglia (2002) atribuem
a identificação da intenção comunicativa. grande importância ao conhecimento de
Bortone (2008) alerta sobre a neces- mundo, citando-o como importante elemen-
sidade de estruturar os textos de acordo com to favorecedor da interpretação de um texto.
seu gênero. “Um poema, por exemplo, geral- De acordo com as autoras, é difícil entender
mente vem em versos, dispostos um abaixo o sentido de um texto se o conteúdo do qual
do outro, formando estrofes. Uma propa- ele trata não for do conhecimento do leitor.
ganda geralmente vem com gravuras e letras “É o que aconteceria a muitos de nós se nos
grandes para chamar mais a atenção do leitor defrontássemos com um tratado de física
etc.” (p.218). quântica!” (p.72).
Alguns fatores contribuem significa- Para Gonçalves e Dias (2003), o co-

50 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |

nhecimento de mundo é muito importante informação.


porque: Para que um texto seja coerente e bem
interpretado, Koch e Travaglia (2002) orien-
Favorece o processo de compre- tam que é preciso equilibrar as informações
ensão que se realiza por meio da dadas com as novas. As autoras explicam que
construção do mundo textual, da se um texto apresenta apenas informação
articulação entre os elementos
nova, certamente ele se torna incompreensí-
do texto e do estabelecimento da
continuidade de sentido. Assim, vel. Em contrapartida, se ele apresenta ape-
o conhecimento de mundo ou sa- nas informação dada, ele se torna redundan-
ber enciclopédico se constitui em te e não alcança seu propósito comunicativo.
um dos fatores pela construção de Para ilustrar a importância do co-
sentido e, consequentemente, pela nhecimento compartilhado, Koch e Trava-
coerência textual (DIAS, GON- glia (2002) apresentam o seguinte exemplo:
ÇALVES, 2003, p.2). “Hoje é dia de pagar o carnê”. Neste caso, o
“carnê” deve ser de conhecimento comum do
O conhecimento de mundo é amplia- produtor e do receptor da mensagem para que
do a partir das experiências vividas pelo in- a mesma tenha algum sentido, ou seja, o co-
divíduo, ou seja, quanto mais contato com o nhecimento deve ser compartilhado entre eles.
mundo ele tiver e quanto mais experiências
ele viver, certamente esse conhecimento irá 3.1.4 Inferências
aumentar e refletir positivamente na inter-
pretação (e produção) de textos. Koch e Travaglia (2002) consideram
Bortone (2008) exemplifica a impor- as inferências um fator importante para a
tância do conhecimento de mundo mencio- interpretação do texto e destacam que elas
nando um pequeno trecho: “Era um típico estão diretamente ligadas ao conhecimento
dia de verão em Salvador” (p.219). De acordo de mundo. De acordo com os autores, a in-
com a autora, essa pequena frase possibilita ferência estabelece uma relação implícita no
que vários esquemas mentais de conheci- texto, entre dois elementos ou mais.
mento de mundo possam ser utilizados para
caracterizar um dia de verão em Salvador. A Exemplo:
autora explica: Ana Maria viajou para Europa sozinha.
As inferências possíveis nessa frase são:
Podemos entender esse este dia
Ana Maria está de férias.
como um dia de muito sol e calor,
muitas pessoas na praia, sabore- Ana Maria tem dinheiro.
ando comidas típicas, como aca- Ana Maria é solteira.
rajé e camarão, tomando água de
coco, ouvindo música axé, vendo Não significa que todas as inferências
as baianas com traje típico, apre- são necessárias, principalmente porque al-
ciando os trios elétricos, entre ou- gumas dependem do contexto e da sequência
tras (BORTONE, 2008, p.219). do texto.
3.1.3 Conhecimento Compartilhado Nessa perspectiva, Bortone (2008)
destaca a importância de identificar o con-
O conhecimento compartilhado se texto em que o texto está inserido, afirman-
refere ao grau de similaridade do conhe- do que isso ajuda muito na compreensão do
cimento de mundo que emissor e receptor mesmo. A autora explica que:
apresentam, estabelecendo uma relação de Quando nossos alunos percebem o
contexto da leitura, torna-se mais
integração entre a informação dada e a nova

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 51


| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |

fácil a compreensão do texto, por- sidade de adequação de cada texto à situação


que esses indicadores facilitam a comunicativa que se pretende alcançar.
percepção das inferências, uma
vez que o contexto situacional em
3.1.6 Informatividade
que está inserido o texto faz parte
do nosso conhecimento de mundo
(BORTONE, 2008, p.225). A informatividade está relacionada ao
grau de previsão das informações contidas
A quantidade de informações explí- no texto, ou seja, quanto mais previsível ou
citas é proporcional ao grau de familiari- esperada for a informação nele apresentada,
dade ou intimidade entre os interlocutores. menos informativo ele será e vice-versa. Para
Para ilustrar esse conceito, Koch e Travaglia Koch e Travaglia (1993), “a informatividade
(2002) apresentam como exemplo o seguinte exerce, assim, importante papel na seleção
diálogo: e arranjo de alternativas no texto, podendo
– A campainha! facilitar ou dificultar o estabelecimento da
– Estou de camisola. coerência” (p.81). Para ilustrar esse conceito,
– Tudo bem. Bortone (2008, p.230) descreve o texto de
Percebe-se que não existe necessaria- Parcelo Pacheco:
mente uma relação entre as três falas. Con-
tudo, não é difícil estabelecer uma relação Arte
entre elas. O diálogo mencionado, para ser - Pai, você conhece o Miquelângelo?
completo, é apresentado pelas autoras da se- - Miquelângelo? Conheço. Foi um
guinte forma: grande artista. Pintou a capela...
– A campainha está tocando, vá atender. - A capela sistina, a casa do papa, as
– Não posso, estou de camisola. paredes, o teto... pintava bem, NE,
– Tudo bem, então eu atendo. pai? Foi o papa quem mandou pintar.
Pagava pro Michelangelo e dava ain-
É muito comum alguns textos, prin- da casa, comida e roupa lavada. Vida
cipalmente aqueles que se configuram como boa, NE?
um diálogo ou que apresentam algum, terem - E como você sabe disso tudo?
informações omitidas, mas que podem ser - Eu vi num filme. Legal esse negócio
facilmente inferidas, dependendo do grau de de pintar parede, heim, pai?
conhecimento de mundo do leitor, bem como - Hum, hum... legal, muito legal...
da familiaridade entre emissor e receptor. - Que bom que você acha legal, pai...
As paredes eu já pintei..., mas pra
3.1.5 Situacionalidade pintar o teto eu vou precisar de uma
mãozinha sua.
A situacionalidade, segundo Beau-
grande e Dressler (apud KOCH; TRAVA- Marcelo Pacheco (Paieê!) – Quinte-
GLIA, 1993, p.76), “refere-se ao conjunto de to Editorial, São Paulo.
elementos que tornam um texto relevante
para dada situação de comunicação corrente O texto amplia a possibilidade de
ou passível de ser reconstituída”. coerência na medida em que apresenta in-
Dessa forma, na intenção de cons- formações sobre Michelangelo, bem como o
truir um texto coerente, a situacionalidade é trabalho artístico que produzia, ou seja, a in-
relevante, na medida em que o texto pode ser formatividade do referido texto proporciona
compreensível e coerente em dada situação e maior coerência para o leitor.
pode não sê-lo em outra, indicando a neces-

52 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |

3.1.7 Intertextualidade dois textos para ilustrar esse conceito:

Bortone (2008) se refere à intertex- Texto original


tualidade como o momento em que, quando
lemos um texto, percebemos marcas e/ou re- Meus oito anos
ferências de textos anteriormente lidos. Casimiro de Abreu
É possível identificar elementos se-
melhantes nos dois textos que podem ser Ah que saudades que eu tenho
associados pelo leitor em momentos diferen- da aurora da minha vida
ciados, ou seja, mesmo que os textos não te- Da minha infância querida
nham sido lidos no mesmo momento é possí- Que os anos não trazem mais
vel identificar a intertextualidade. Que amor, que sonho, que flores
Bortone (2008) afirma que a intertex- Naquelas tardes fagueiras,
tualidade pode ocorrer de duas formas: por A sombra das bananeiras,
meio da paráfrase e da paródia. Sobre a pri- Debaixo dos laranjais.
meira, a autora afirma que ela pode ser cons- Como são belos os dias
truída com base em um texto inicial, man- Do despontar da existência! [...]
tendo as mesmas idéias. “A paráfrase retoma
o texto anterior, mas não altera suas ideias, e
sim as reitera” (p.266). Exemplo: Texto Parodiado

Texto Original Doze Anos


Minha terra tem palmeiras Chico Buarque
Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam Ai, que saudades que tenho
Não gorjeiam como lá. Dos meus doze anos
(Gonçalves Dias, “Canção do exílio”). Que saudade ingrata
Dar banda por aí
Paráfrase Fazendo grandes planos
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos E chutando lata
Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’. Trocando figurinha
Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’? Matando passarinho
Eu tão esquecido de minha terra… Colecionando minhoca
Ai terra que tem palmeiras Jogando muito botão
Onde canta o sabiá! Rodopiando pião
Fazendo troca-troca
(Carlos Drummond de Andrade, “Europa, Ai que saudades que tenho [...]
França e Bahia”).
Fonte: INFOESCOLA, 2009, p.1). Fonte: BORTONE, 2008, p.267-268.

Já sobre a Paródia, Bortone (2008) 3.1.8 Intencionalidade


esclarece que nela também há uma retomada
das idéias de um texto anterior, mas, ao con- Ao produzir um texto, é preciso de-
trário da paráfrase, corromper essas idéias. terminar objetivos ou propósitos para que se
“Rompe-se com a ideologia do texto anterior estabeleça estratégias de escrita que possibi-
por meio de recursos como o humor, a crítica litem a compreensão do mesmo. Para Koch e
e a brincadeira” (p.266). A autora menciona Travaglia (2002), a intencionalidade se refe-

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 53


| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |

re “ao modo como os emissores usam textos


para perseguir e realizar suas intenções, pro-
duzindo, para tanto, textos adequados à ob-
tenção dos efeitos desejados (p.97). Bortone
(2008) cita como possibilidades de intenções
do produtor do texto: produzir emoções, per-
suadir o leitor e passar informações.
Para Gonçalves e Dias (2003), todos
esses elementos linguísticos mencionados
são importantes e funcionam como meios
para ativar o conhecimento de mundo e se
referem à relação entre texto e contexto. De
acordo com as autoras, esses elementos são
imprescindíveis para se alcançar a coerência
textual, mas não são os únicos responsáveis
pelo significado do texto.

4. Conclusão

Diante dos conceitos aqui apresenta-


dos, é possível concluir que os elementos de
coesão e coerência são importantes no pro-
cesso cooperativo entre escritor e leitor, ou
seja, associados a outros elementos linguísti-
cos eles contribuem para favorecer a compre-
ensão e interpretação de textos. Por um lado,
a coesão está associada ao uso adequado de
alguns itens de ordem gramatical, enquanto
que a coerência se configura como uma ação
comunicativa entre emissor e receptor, ou
seja, trata-se no sentido que o texto produzi-
do tem para o leitor.
Não basta apenas determinar a or-
ganização e estética textual para que o texto
se torne compreensível. É preciso que suas
idéias se fundamentem na construção de um
sentido, para que o leitor possa compreender
a mensagem, ou seja, faz-se necessário que
exista uma harmonia entre as idéias e uma
relação entre as sentenças tornando, assim,
o texto coerente.
A pesquisa também identificou os prin-
cipais fatores de coerência, indispensáveis para
a produção e interpretação de textos, uma vez
que exercem grande influência nesses procedi-
mentos, já que determina a conexão de ideias.

54 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| A IMPORTÂNCIA DOS FATORES DE COESÃO E COERÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL |

Referências bibliográficas

BORTONE, Márcia Elizabeth. A construção da leitura 2. In: ZAMBONI, Lilian


Márcia Simões (Org.). Alfabetização e linguagem. Brasília: Universidade de Brasília,
2008.

CABRAL, Marina. Coesão. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/redacao/


coesao.htm#>. Acesso em: 28 set. 2009.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação.
São Paulo: Ática. 2005.

GONÇALVES, Fabíola; DIAS, Maria da Graça Bompastor Borges. Coerência tex-


tual: um estudo com jovens e adultos. In: Psicologia: Reflexão e Crítica. v.16, n. 1.
Porto Alegre, 2003. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-79722003000100005&lng=pt&nrm=isso>. Acesso em: 04 out.
2009.

INFOESCOLA. Intertextualidade: Paráfrase e Paródia. Disponível em: <http://


www. infoescola.com/portugues/intertextualidade-parafrase-e-parodia/>. Acesso
em: 03 nov. 2009.

KAUFMAN, Ana Maria; RODRÍGUEZ, Maria Elena. Escola, leitura e produção de


textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

KOCH, Ingedore G. Villaça. O Texto e a construção dos sentidos. São Paulo. 8.ed.
São Paulo: Contexto, 2005.

__________. Desenvolvendo os segredos do texto. São Paulo. 2.ed. São Paulo:


Cortez, 2003.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 14.ed. São
Paulo: Contexto, 2002.

__________. Texto e coerência. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1993.

MARQUESI, Sueli Cristina. A organização do texto descritivo em língua portuguesa.


2.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 55


ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E
PRÁTICA DOCENTE¹

Geisa Gabriela Flôres


Graziela Dias da Silva
Natália Cubianchi Furtado

É notável que a educação brasileira em seu sistema. Após esse momento e até
encontra-se com dificuldades, dados do IBGE nos dias atuais a democratização do ensino
e INEP confirmam essa afirmação ao indicar tem estado nos discursos políticos em busca
que muitas crianças ainda estão fora da es- da igualdade social, porém mesmo com au-
cola, mesmo no ensino fundamental, nível mento na oferta de vagas ainda grande par-
que teoricamente seria obrigatório a todos, e te da classe popular continua fora da escola
muitos que estão na escola não saem aptos ou não permanece nela, mesmo no ensino
para a convivência nessa nova sociedade que fundamental, nível obrigatório assegurado
se baseia na leitura e escrita. Constitucionalmente (SOARES, 2002).
Também se observa fatores muito pre- Segundo Soares (2002), as classes
sentes na educação, tais como a evasão e a re- populares viveram e vivem até hoje uma luta
petência, pois muitas crianças entram no sis- constante para acesso a escola pública: “Nes-
tema escolar, mas são obrigados a abandonar ta luta, porém o povo ainda não é vencedor,
o ensino, por diversos motivos, como ter que continua vencido: não há escola para todos, e
contribuir para um aumento da renda fami- a escola que existe é antes contra o povo que
liar, desencadeando um trabalho precoce, ou para o povo” (SOARES, 2002. p. 9).
por se deparar com um sistema que valoriza Ainda Soares (2002) prova que não
somente os costumes, valores e linguagem da há escola para todos ao mostrar dados do
classe dominante, fazendo com que os domi- censo realizado no ano de 1980, indicando
nados, sintam-se excluídos e marginalizados que cerca de 30% de crianças brasileiras de 7
do sistema escolar (SOARES, 2002). a 14 anos, encontravam-se fora da escola e ao
Segundo Soares (2002) na sociedade fazer análise dos dados por Estado, é possível
atual a necessidade da leitura e escrita se faz notar que em muitos estados metade da po-
cada vez mais presente, uma vez que, tudo pulação dessa mesma faixa etária encontra-
gira em torno desse mundo letrado, além da se fora da escola. E ainda mostra que a escola
grande era tecnológica que sofre constantes é antes contra o povo que para o povo, ao evi-
mudanças e está alicerçada na escrita, conse- denciar que estatisticamente de cada 1000
quentemente pessoas que apenas conseguem crianças que iniciam a 1ª série, menos da me-
decifrar o código escrito não conseguem se tade chega à 2ª, menos de um terço consegue
inserir nessa nova sociedade. Portanto não atingir a 4ª, e menos de um quinto conclui o
basta ser apenas alfabetizado, mas sim saber 1º grau, mostrando assim, as elevadas taxas
utilizar as práticas de leitura e escrita nas di- de evasão e repetência.
versas atividades cotidianas. Para uma possível transformação do
A democratização do ensino tem sido quadro educacional é necessário a mobili-
defendida desde 1882, por Rui Barbosa, ao zação e o investimento nos profissionais da
analisar a educação e perceber grandes falhas educação e na sua formação, é de extrema

¹Este artigo é fruto de pesquisa realizada como Trabalho de Conclusão de Curso, para a Graduação em
Pedagogia – Licenciatura, das Faculdades COC, realizado sob orientação da Profa. Dra. Marina Caprio.

56 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


importância prepará-los para utilizar os di- Teóricos procuram defender a grande
versos métodos existentes, de forma atender eficiência do método fônico para o desenvol-
todos os alunos, independentemente da clas- vimento dos processamentos fonológicos.
se social. “Os trabalhos de pesquisa mais rigorosos são
De acordo com Mortatti (2006), a unânimes em demonstrar que os métodos de
partir de 1980, os métodos deixaram de ser ensino que enfatizam a instrução direta e ex-
enfatizados e começou uma reflexão a cerca plícita do código alfabético são os que apre-
das salas homogeneizadas, surgindo assim, o sentam os melhores resultados”. (MORAIS
construtivismo, relacionado com os estudos et al, 1995, apud CAPOVILLA e CAPOVILLA,
da psicogênese da língua escrita desenvol- 2000. p. 31).
vidos pela autora Argentina Emília Ferreiro Quando um aluno está no processo
dente outros autores. Neste caso o mais im- inicial do desenvolvimento da leitura, é de
portante não é mais o método e sim o pro- extrema importância a decodificação fono-
cesso de aprendizagem dos alunos. O cons- lógica, pois esta coopera para o aprendizado
trutivismo surgiu não como um método, mas da ortografia das palavras, permitindo assim,
como uma mudança de conceito. A principal o desenvolvimento da rota lexical, porém a
ênfase, para o processo de alfabetização é a rota fonológica continuará sendo essencial,
não utilização de cartilhas, pois esse mate- uma vez que, os alunos sempre terão contato
rial considera a todos como iguais e para o com novas palavras (CAPOVILLA e CAPO-
construtivismo cada criança aprende de uma VILLA, 2000).
forma única em um momento único. Pesquisas tem comprovado a im-
Goulart (2000) argumenta que os portância da consciência fonológica que se
métodos tradicionais buscam alfabetizar refere tanto à consciência de que as frases
partindo de uma unidade menor, podendo podem ser divididas em partes menores (pa-
ser um fonema, sílabas e palavras sempre lavras, rimas, aliterações e sílabas) quanto
partindo de unidades mais simples até che- a capacidade de trabalhar com essas divi-
gar às mais complexas, sendo assim, o tra- sões de forma eficaz. Bertelson et al (1989,
balho de alfabetização de maneira geral não apud CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000) e
tem sido satisfatório, pois ao utilizar o méto- da Consciência fonêmica, que consiste na
do tradicional nota-se que ele não torna os habilidade de decodificação dos fonemas de
alunos letrados e cria uma barreira entre o forma mais específica (CAPOVILLA e CAPO-
aluno e o conhecimento, por ser um método VILLA, 2000).
que não valoriza o que os alunos trazem de Portanto através do estudo da abor-
bagagem e não trabalha através da realidade dagem fônica desenvolvido por Capovilla e
de cada momento. Capovilla (2000), fica evidente que além de
De acordo com Ferreiro e Teberosky trabalhar a partir de textos vivenciados coti-
(1983, apud LUIZE, 2008) para a corren- dianamente, é essencial práticas docente vol-
te construtivista um aluno alfabetizado não tadas para o desenvolvimento da consciência
é aquele que apenas conhece as letras, sabe fonológica nos seus alunos, uma vez que, “O
ler e escrever, o aluno alfabetizado é mais do procedimento para desenvolver consciência
que isso, é aquele que conhece os diferentes fonológica é um importante instrumento que
textos, os compreende e tem a capacidade os profissionais podem usar para melhorar as
de realizar outros, assim para alfabetizar, o habilidades de leitura e escrita de seus edu-
texto deve ser a base e não palavras e sílabas candos e clientes” (LEYBAERT et al, 1997,
desconexas com a realidade. apud CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000).

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 57


| ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E PRÁTICA DOCENTE |

De acordo com Goulart (2000), para A autora diz que o letramento é de-
formar cidadãos capazes de ler e interpretar corrente das sociedades grafocêntricas, pois
o que lêem, o modo de se ensinar deve se mo- tecnologia se desenvolve de maneira acelera-
dificar. Os educadores precisam levar textos da, utilizando-se primordialmente da escri-
do cotidiano dos educandos para as salas de ta, por isso ser alfabetizado não basta para
aula, além de permitir que os alunos iniciem acompanhar toda a evolução.
sua escrita da maneira que consideram cor- Ela explica que o surgimento do con-
retas, ou seja, inventada, para que no decor- ceito de letramento no Brasil, ocorreu desde
rer do processo cheguem próximos a escrita os tempos de Brasil Colônia, pois até recen-
convencional, além de respeitar a individua- temente, o problema era o analfabetismo, e
lidade de cada aluno. ao ser parcialmente resolvido, abriu espaço
Estes métodos auxiliam no processo para o letramento.
de alfabetização, portanto não pode-se deixar De acordo com Soares (2000) alfabe-
de lado o letramento, pois segundo Oliveira tização é um elemento indispensável do le-
(2005), mesmo o aluno dominando o código tramento e sendo assim, não se distinguem,
escrito, ele ainda necessita desenvolver a flu- ou seja, deve-se alfabetizar letrando.
ência de leitura e escrita, pois sem esta fluên-
Alfabetizar letrando significa
cia ele pode até compreender um texto, mas
orientar a criança para que apren-
não conseguirá redigir um texto. da a ler e a escrever levando-a a
De acordo com Soares (2000), letra- conviver com práticas reais de
mento é a capacidade do aluno de saber ler e leitura e de escrita, substituindo
escrever, mas não apenas ler, e sim interpre- as tradicionais cartilhas por livros,
tar os diversos textos que fazem parte do dia- por revistas, por jornais, enfim,
a dia, como jornais, cartas, bilhetes, receitas, pelo material de leitura que cir-
documentos pessoais, sem dificuldade. cula na escola e na sociedade, e
criando situações que tornem ne-
E para Kleiman (2007) letramento
cessárias e significativas práticas
focaliza no ensino e na aprendizagem dos de produção de textos. (SOARES,
aspectos sociais da língua escrita, portanto 2000, p.3)
assumir o letramento na aprendizagem dos
alunos implica em alfabetizar através de Ainda do ponto de vista da autora su-
práticas sociais trazidas de experiências dos pracitada durante o processo de escolariza-
educandos, levando em conta a diversidade ção o letramento deve ser responsabilidade
existente nas salas de aula. de todos os professores, pois, em todas as
Novamente de acordo com Soares disciplinas os educandos aprendem lendo e
(2000), o termo letramento ainda não está escrevendo e ao escolher os gêneros para se
presente nos dicionários, mesmo havendo trabalhar em sala de aula os critérios devem
arquivos e documentos que venham com esta ser bem fundamentados, afastando assim, os
palavra de título. O letramento não foi intro- aspectos negativos e o exagero na utilização
duzido pela mídia nem pelas escolas e profes- de diferentes gêneros.
sores, estando presente apenas no espaço de Já que o letramento é responsabili-
pesquisas. Portanto o conceito de letramento dade de todos os professores, sua formação
surgiu quando a alfabetização tornou-se in- e sua prática deve sempre estar em questão,
satisfatória, desde que passaram a pensar refletindo o que deve ser melhorado, para
sobre analfabetismo funcional -UNESCO na assim promover uma educação de qualidade
década de 70 - e perceberam que saber ler e para todos.
escrever sem saber fazer uso dessas habilida- Segundo Santos e Bernardes (2003),
des eram insuficientes. os cursos de formação de professores estão

58 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E PRÁTICA DOCENTE |

deixando a desejar, além de que, quando es- te dono exclusivo do saber tem o seu papel
ses docentes chegam às escolas se deparam modificado, pois o acesso as informações se
com apego aos modelos tradicionais de ges- tornam mais fáceis e rápidas, porém a escola
tão escolar, não permitindo mudanças, além não conseguiu ainda se adaptar a essa nova
de se depararem com reivindicações pela va- realidade, permitindo que o alfabetizador
lorização docente. passe a ser muito criticado. (SANTOS e BER-
Para Kleiman (2008) há alguns anos NARDES, 2003).
atrás o maior questionamento não era sobre Santos e Bernardes (2003), destacam
como o professor ensinava a ler e escrever, ainda que os cursos de formação inicial de
mas sim sobre a sua própria competência de professores mantêm a dicotomia teoria/prá-
conseguir fazer uso das práticas de leitura e tica, pois acreditam que ao ensinar a técnica,
escrita, uma vez que, uns nem conheciam a os professores se tornam aptos a desempe-
matéria que deviam ensinar, não liam e nem nhar um papel profissional de qualidade. E
escreviam corretamente. os cursos de formação continuam não apre-
A partir dos estudos de Santos e Ber- sentando resultados significantes.
nardes (2003), embasados nos teóricos Mag- Para Santos e Bernardes (2003) a
da Soares, Antônio Nóvoa e Sônia Kramer, mudança da realidade educacional depende
fica notável que a necessidade de alfabeti- da formação de professores, estes devem ser
zadores mais qualificados, não é atual e sim vistos como agentes construtores de conhe-
desde as primeiras décadas do século XIX e cimento.
o que é nítido são cursos de licenciaturas su- Segundo Brito (2006) a formação
perficiais que deixam grande lacuna, ao for- do profissional da educação para as séries
mar alfabetizadores despreparados. iniciais do ensino fundamental muitas ve-
Para Santos e Bernardes (2003) a for- zes parece não ser tratada com seriedade e
mação de professores está longe da realidade, compromisso, e ao longo dos anos o trabalho
ela necessitaria formar alfabetizadores que se docente passou por várias transformações,
vêem como produtores de conhecimentos. pois o educador não é mais considerado ape-
Santos e Bernardes (2003) defende nas transmissor de conhecimentos, e sim um
que se deve levar em consideração a histó- profissional reflexivo, com capacidade de re-
ria de vida de cada professor, considerando formular e criar um novo sentido ao seu fazer
que a maneira de viver dentro e fora da es- pedagógico.
cola deve ser estudada e que sua identidade Brito (2007) ressalta que para o pro-
e cultura oculta interferem no seu trabalho cesso de alfabetização ser de qualidade os
diário. cursos de formação de professores devem
“A formação dos alfabetizadores é um prepará-los para lidar com uma sala com di-
processo longo e complexo. Longo porque ferentes níveis de desenvolvimento, uns em
deverão estar sempre estudando. Comple- processo de alfabetização, outros em desen-
xo, porque não se tem um modelo pronto e volvimento de suas habilidades de escrita, ou
acabado, ideal para cuidar de sua formação” ainda em diferentes níveis de letramento.
(SANTOS e BERNARDES, 2003, p.10). Gauthier et al (1998, apud CAMPE-
Santos e Bernardes (2003) a partir de LO, 2002.) mostra que um processo de ensino
pesquisas notaram que os cursos de formação aprendizagem eficaz exige que a formação do
de professores não conseguem articular teoria professor seja adequada fazendo com que o edu-
e prática, não conseguem identificar os pro- cador tenha domínio de diversificados conheci-
blemas mais comuns na busca de soluções. mentos, sendo nas áreas disciplinares, curri-
E o que agrava ainda mais o proble- culares, das ciências da educação, da tradição
ma é que com as novas tecnologias o docen- pedagógica, experiências da ação pedagógica.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 59


| ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E PRÁTICA DOCENTE |

Brito (2007) enfatiza que por muito Também para Brito (2007) é de extre-
tempo o uso das cartilhas predominou e com ma importância a valorização da língua oral e
isso todos os alunos eram vistos como papéis suas diferentes formas de uso como ponto de
em branco que deviam ser moldados, como partida para a construção da escrita e tam-
também, vistos de forma homogênea, sem bém a compreensão de que a escrita infantil
considerar que cada um tem uma forma úni- é resultante de suas experimentações e hipó-
ca de aprendizagem e cada um se encontra teses não devendo ser vista como erro.
em um nível de desenvolvimento. Portanto os docentes devem ser me-
Santos e Bernardes (2003) concorda lhores preparados para entender a dinâmica
com a autora ressaltando que as práticas do- da aprendizagem, para que deixe de cometer
centes tem se resumido ao ensino da leitura sérios equívocos como o ensino da escrita
e escrita totalmente desvinculado com a rea- de forma mecânica e técnica, mas sim voltar
lidade, não trabalhando com textos da reali- atenção para a formação de alunos reflexivos,
dade social. Para Santos e Bernardes (2003, capazes de usar a leitura e escrita nas práti-
p.9) “O ensino de leitura estaria calcado na cas cotidianas. E um passo para isso é trans-
responsabilidade do alfabetizador de fazer ferir o enfoque do como ensinar para como o
com que a criança seja leitora e não simples- aluno aprende (BRITO, 2007).
mente alfabetizada”.
Com base nas pesquisas sobre letra-
mento a criança está em constante contato
com a escrita em diversos momentos na so-
ciedade letrada, entende suas funções e per-
cebe que a escrita aparece de diversas ma-
neiras como em um bilhete, jornal e revista,
dessa forma, a escola deve abrir espaço para
o letramento, levando para dentro das salas
de aula textos das práticas sociais (BRITO,
2007).
E ainda conforme Soares (1998, apud
BRITO 2007) existem diferentes níveis de
letramento dependendo da necessidade do
contexto e sendo assim a aprendizagem da
escrita não ocorre de forma linear é um com-
plexo processo que se constrói em cada indi-
víduo de forma diferente.
Para Brito (2007) as crianças que
chegam as escolas públicas são capazes de
aprender ler e escrever, o que falta são os
professores identificarem os níveis de desen-
volvimento de cada um, para que as ativida-
des sejam pertinentes para que avancem ain-
da mais e compreendam a real função social
da língua.
O professor deve ser capaz de refletir
sobre sua prática e conhecer profundamen-
te os conhecimentos lingüísticos (BRITO,
2007).

60 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E PRÁTICA DOCENTE |

Referências bibliográficas

BRITO, Antonia Edna. Formação do docente alfabetizador: revelando as exigências e desafios. IV


Encontro de Pesquisa em Educação da UFPI. Livro de resumos. Teresina/PI. p.01-10, 2006.

BRITO, Antonia Edna. Prática Pedagógica alfabetizadora: a aquisição da língua escrita com pro-
cesso sociocultural. Revista Iberoamericana de Educación, n. 44/4, p. 1 - 9, nov. s/l. 2007.

CAMPELO, Maria Estela Costa Holanda. Dos Saberes Docentes À Alfabetização De Crianças: Um
contributo à formação de Professores. ANPED. 25ª Reunião Anual, 2002. Disponível em: <http://
www.anped.org.br>. Acesso em 05/mai/2010.

CAPOVILLA, Alessandra Gotuzo Seabra e CAPOVILLA, Fernando César. Problemas de Aquisição


de Leitura e Escrita: Como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. 2ª ed, São
Paulo: Memnon, 2000.

GOULART, Cecília Maria. A Apropriação da Linguagem Escrita e o Trabalho Alfabetizador na


Escola. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n.110, p.157-175, Jul. 2000.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicí-
lio. Síntese de Indicadores, 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home. Acesso em: 20/
mar/2010.

INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Mapa do Analfabe-
tismo no Brasil...Disponível..em: <http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos> Acesso em: 31/
mar/ 2010.

KLEIMAN, Ângela B. O conceito de Letramento e suas implicações para a alfabetização. Pro-


jeto Temático Letramento do Professor. Campinas, Unicamp, p.01-10, fev.2007. Disponível em:
<http://www.letramento.iel.unicamp.br. Acesso em: 05/mai/2010.

KLEIMAN, Ângela B. Os Estudos De Letramento e a Formação Do Professor De Língua Materna.


Linguagem em (Dis)curso – LemD, v. 8, n. 3, p. 487-517, set./dez. 2008. Disponível em: < http://
www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0803/080304.pdf> Acesso em: 05/mai/2010.

LUIZE, Andrea. Texto com Sentido. Revista Vila XXI. 24/07/2008. Disponível em: <http/www.
vila.org.br/revistavi/a21/alfabetização.htm. Acesso em: 25/set/2009

MORTATTI, Maria Rosário Longo. História dos Métodos de Alfabetização no Brasil. Conferência
proferida durante o Seminário “Alfabetização e letramento em debate”, promovido pelo Departa-
mento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica
do Ministério da Educação. Brasília, 27 de abril, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
seb/arquivos/pdf/Ensfund/alf_mortattihisttextalfbbr.pdf> Acesso em: 21 mai. 2010.

OLIVEIRA, João Batista Araújo. Avaliação em Alfabetização. Ensaio: avaliação de políticas públi-
cas Educacionais. Rio de Janeiro, v.13, n.48, p. 375-382, jul./set. 2005.

SANTOS, Sônia Maria; BERNARDES, Vânia Aparecida Martins. História de Formação de Profes-
sores. Cadernos da FUCAMP. Monte Carmelo, v. 2, n. 2, 2003.

SOARES, Magda Becker. Letrar é mais que alfabetizar. Jornal do Brasil. 26/11/2000.

SOARES, Magda Becker. Linguagem e Escola: Uma Perspectiva Social. São Paulo: Ática, 2002.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 61


ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA
QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO
NO ENSINO À DISTÂNCIA
Ana Cláudia de Almeida Prado¹ Luciani Marconi Caetano Martins Sgarbi4
Aparecida de Fátima Murdiga² Elizabete David Novaes5
Gilvana Mara Boesso³

1. Introdução recer como se dá o processo de Ensino à Dis-


tância, utilizando para a análise dos dados,
Tendo em vista a expansão dos cur- alguns dos estudos teóricos realizados até o
sos à distância no Brasil nos vários níveis momento como alicerce para tal investiga-
de ensino, é de suma importância ao aluno ção. O universo de pesquisa envolveu uma
desenvolver técnicas de aprendizado especí- pequena amostra, referente a nove alunos de
ficas para que possa alcançar a certificação e uma instituição de ensino que frequentam o
garantir a aplicabilidade do conteúdo apre- curso de jovens e adultos na modalidade a
endido no seu cotidiano. Distância, no município de Jaú, interior de
As ferramentas tradicionais, associa- São Paulo. Embora a amostra seja reduzi-
das às novas tecnologias somam-se como im- da, permitiu um levantamento exploratório
pulsionadores de auto-aprendizado, fazendo acerca da problemática de pesquisa, clare-
com que o aluno não se limite ao aprendizado ando alguns aspectos significativos acerca
do conteúdo formal, mas também desenvolva da questão da autonomia e aprendizagem a
habilidades em outros campos necessários à distância.
demanda do mercado atual. O instrumento de coleta de dados foi a
Com o intuito de compreender me- entrevista semi-estrutura, definida em várias
lhor a dinâmica desse modelo de ensino, dimensões, sendo que este trabalho buscou
bem como as necessidades envolvidas nesse centrar sua análise nas dimensões que dizem
processo, este artigo tem por objetivo geral, respeito às dificuldades de aprendizagem e
verificar o desempenho de alunos ingressos freqüência às aulas. De acordo com a organi-
no curso Ensino à Distância de jovens e adul- zação das dimensões do questionário aplica-
tos de ensino fundamental e médio de uma do, construímos categorias de análise. Estas
escola da cidade de Jaú. Além disto, busca foram destacadas conforme fatores que con-
verificar nos alunos a sua percepção (e valo- sideramos importantes de serem relatados.
rização) acerca dessa oportunidade de resga-
te do seu direito ao aprendizado e ampliação
dos seus estudos. 2. Ensino à Distância
Ao pensar nessa problemática, busca-
mos esclarecer a seguinte questão: Quais as 2.1 Conceitos
dificuldades que o aluno enfrenta no curso
fundamental de jovens e adultos na modali- O Ensino à Distância no Brasil foi
dade de EaD? estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases
Nesta investigação, buscamos escla- da Educação Nacional (LDB). O Decreto

¹ Acadêmica do curso de Pedagogia, pólo de Jaú – SP, da Faculdade Interativa COC.


² Acadêmica do curso de Pedagogia, pólo de Jaú – SP, da Faculdade Interativa COC.
³Acadêmica do curso de Pedagogia, pólo de Jaú – SP, da Faculdade Interativa COC.
4
*Acadêmica do curso de Pedagogia, pólo de Jaú – SP, da Faculdade Interativa COC.
5
Profª. Dra. em Sociologia. Docente das Faculdades COC e da Faculdade Interativa COC

62 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


nº 2.494/98, que regulamenta o Art. 80 da seu desempenho. Pois, ao contrário, criaria
LDB, define a EaD como sendo a dependência do aluno em relação às suas
considerações, perpetuando a hierarquia das
... uma forma de ensino que pos- relações aluno–professor do EaD nos am-
sibilita a auto-aprendizagem, com bientes digitais de aprendizagem, para não
a mediação de recursos didáticos tornar situações tradicionais de sala de aula
sistematicamente organizados,
presenciais.
apresentados em diferentes su-
porztes de informação, utilizados De acordo com Landim (1997) a EaD
isoladamente ou combinados, e é o ensino/aprendizagem onde professores e
veiculados pelos diversos meios alunos normalmente não estão juntos, fisica-
de comunicação. (BRASIL, 1998; mente, mas podem estar conectados, inter-
p. 73) ligados por tecnologias, principalmente as
telemáticas, como a Internet. Como também,
Segundo Almeida (2003) o ensino a podem utilizar para isso, tecnologias seme-
distância é uma modalidade educacional cujo lhantes, o CD-ROM, o correio, o rádio, a te-
desenvolvimento relaciona-se com a admi- levisão, o vídeo, o telefone, o fax.
nistração do tempo pelo aluno, o desenvolvi- Para Aretio (1994), a EaD tem como
mento da autonomia para realizar as ativida- característica a inexistência de distâncias
des indicadas no momento em que considere e fronteiras para o acesso à informação e à
adequado, desde que respeitadas às limita- cultura, propondo uma aprendizagem in-
ções de tempo impostas pelo andamento das dependente, tornando o aluno capaz de
atividades do curso, o diálogo com os pares aprender a aprender e aprender a fazer, de
para a troca de informações e o desenvolvi- forma flexível, respeitando sua autonomia
mento de produções em colaboração. em relação ao tempo, estilo, ritmo e método
Para Oliveira (2009) normalmente a de aprendizagem, tornando-o consciente de
EaD apresenta combinação de tecnologias suas capacidades e possibilidades para sua
convencionais e modernas que possibilitam autoformação.
o estudo individual ou em grupo, nos locais Litwin (2001) dá uma definição rápi-
de trabalho ou fora, por meio de métodos da sobre a Ensino a Distância (EaD), desig-
de orientação e tutoria à distância. Assim, nando a um conjunto de métodos, técnicas e
as atividades individuais ou em grupos são recursos, postos à disposição de populações
uma exigências da EaD como interação sín- estudantis dotadas de um mínimo de matu-
crona (ao mesmo tempo, como, por exemplo, ridade e de motivação suficiente para que,
sala de bate-papo) e assíncronas (como, por em regime de auto-aprendizagem, possam
exemplo, fóruns de discussão). adquirir conhecimentos ou qualificações a
Com isso, Almeida (2003) nos diz qualquer nível. Com isso, baseia-se na idéia
que o ‘’estar junto virtual’’ o aluno tem o de que qualquer pessoa, pode aprender por
professor como orientador que acompanha si próprio, sem se postular a existência de
seu desenvolvimento no curso, fazendo-o a uma relação direta professor/ aluno, desde
refletir, compreender os possíveis equívo- que lhe seja fornecido à totalidade dos ele-
cos e depurar suas produções, não estando mentos didáticos associados ao aprendiza-
de plantão no período integral. O professor do de uma dada disciplina: textos de base e
se faz presente em determinados momentos complementares, indicações bibliográficas,
para acompanhar o aluno, e tirar suas dúvi- exercícios e trabalhos de aplicação, várias
das, mas não nem tem o papel de controlar formas de clarificação ou ilustração da maté-

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 63


| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |

ria e, finalmente, elementos para avaliações jada, e num ritmo próprio, regulado apenas
parciais e finais. pelo desejo de aprender e pela capacidade
Assim, pode-se dizer que a caracte- de assimilar e digerir o que se encontra pela
rística básica da EaD é o estabelecimento de frente, não é viável chamar essa experiência
um processo educativo que permita comu- de ensino a distância, como se fosse a In-
nicação e interação entre professor e aluno, ternet que ensinasse, ou como se fossem as
que se encontram distantes no espaço e no pessoas que estão por trás dos materiais que
tempo. ensinassem. Trata-se, outrossim, de apren-
dizagem mediada pela tecnologia, aprendi-
2.2. Educação, Ensino e Aprendizagem zagem não decorrente do ensino, portanto,
à Distância uma autoaprendizagem.
As palavras de Moran (2006, p. 22)
Para Chaves (1999) não resta dúvida sintetizam esta nova visão de educação, uma
de que a educação pode acontecer por meio educação inovadora, como no fragmento que
do ensino a distância. Porém, que a educa- segue.
ção pode acontecer por meio da autoapren-
dizagem, que não é provocada por nenhum Aprendemos melhor quando vi-
processo formal de ensino, mas que acontece venciamos, experimentamos,
por meio de interações com a natureza, com sentimos. Aprendemos quando
relacionamos, estabelecemos vín-
outras pessoas e com o meio cultural em que
culos, laços entre o que estava sol-
vive. Segundo o mesmo autor, a aprendiza- to, caótico, disperso, integrando-o
gem que assim ocorre é mais significativa em um novo contexto, dando-lhe
(acontece com mais facilidade, é retida por significado, encontrando um novo
mais tempo, é mais facilmente transferida sentido. Aprendemos quando
para outros domínios e contextos, entre ou- descobrimos novas dimensões de
tros) do que a aprendizagem que decorre de significação que antes se nos esca-
processos formais e deliberados de ensino pavam, quando vamos ampliando
o círculo de compreensão do que
(i.e., através da instrução).
nos rodeia, quando como numa
De acordo com Chaves (1999) nas cebola, vamos descascando novas
novas tecnologias à nossa disposição, em es- camadas que antes permaneciam
pecial na Internet, e dentro da Internet, na ocultas à nossa percepção, o que
Web, destaca-se não o fato de que podemos nos faz perceber de outra forma.
ensinar a distância com o auxílio delas: é que Aprendemos mais quando estabe-
elas nos permitem criar ambientes ricos em lecemos pontes entre a reflexão e
possibilidades de aprendizagem, nos quais a ação, entre a experiência e a con-
ceituação, entre a teoria e a práti-
que pessoas interessadas e motivadas podem
ca; quando ambas se alimentam
aprender quase qualquer coisa sem precisar mutuamente. Aprendemos quan-
de um processo de ensino formal e delibera- do equilibramos e integramos o
do. sensorial, o racional, o emocional,
Entretanto, quando alguém usa os o ético, o pessoal e o social. Apren-
recursos hoje disponíveis na Internet para demos pelo prazer, porque gosta-
aprender de forma explorativa, automoti- mos de um assunto, de uma mídia,
vada, ele usa materiais de natureza diversa, de uma pessoa. O jogo, o ambien-
te agradável, o estímulo positivo
preparados e disponibilizados em momentos
podem facilitar a aprendizagem.
e contextos os mais variados, não raro sem “Aprendemos mais, quando con-
nenhuma intenção didática, numa ordem to- seguimos juntar todos os fatores:
talmente imprevisível e, portanto, não plane- temos interesse, motivação clara;

64 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |

desenvolvemos hábitos que facili- gia dos sistemas educacionais para atender
tam o processo de aprendizagem; a grupos heterogêneos da sociedade que por
e sentimos prazer no que estuda- inúmeras razões não tiveram acesso a ser-
mos e na forma de fazê-lo.
viços educativos regulares. Partindo desse
Aprende-se com a realidade e a mes- ponto podemos afirmar que essa modalida-
ma está em constante movimento, e cabe a de de ensino evidencia-se como uma forma
nós enquanto profissionais da área de educa- de superar as dificuldades relacionadas a
ção criarmos situações que propiciem a nos- situações geográficas, sociais, econômicas e
sos alunos o prazer em aprender. profissionais, visto que permite a democra-
Assim, a tecnologia, com seu leque de tização do acesso a cursos de formação em
informações, pode ser vista como ferramenta in- diferentes áreas do conhecimento.
dispensável no processo ensino-aprendizagem. Assim, considerando o contexto mun-
dial de mudanças aceleradas em todas as di-
2.3. Novo Paradigma Educacional e a mensões da vida social que exigem adapta-
Educação a Distância ções dos sistemas educacionais a educação
a distância vem adquirindo reconhecimento
Segundo Lopes; Newman; Salva- como uma modalidade de educação apro-
go (2003) um novo paradigma educacional priada para o alcance de metas de políticas
aflora, e as pessoas precisam estar prepara- públicas, especialmente em países como o
das para aprender ao longo da vida, podendo Brasil, onde há grande dispersão geográfica
intervir, adaptar-se e criar novos cenários. dos alunos. E embora ela seja relativamente
Neste paradigma, a visão de fragmentação recente no país, devemos destacar iniciativas
e divisão vem sendo superada, marcando a ou movimentos que contribuíram de forma
sociedade do conhecimento, propondo a to- significativa para que tal modalidade fosse
talidade, reassumindo o todo. criando ao longo dos anos uma nova metodo-
Essa conscientização levará o profes- logia para a disseminação do conhecimento
sor a questionar a didática do “ensino-apren- (BELLONI, 2001).
dizagem” que prevê quem ensina (o profes- Além disso, tal modalidade de ensino
sor) e quem aprende (o aluno). Demo (2001, evidencia que o ciberespaço será o principal
p. 15) efetivamente derrota essa prática como ponto de apoio de um processo ininterrupto
“instrucionismo, pois este apenas ensina, de aprendizagem e ensino da sociedade por
treina, inculca, domestica”. Demo refere-se à si mesma. E assim será possível confirmar as
alusão de Paulo Freire em falar da “politici- perspectivas dos compromissos assumidos
dade da aprendizagem”, pois, para o autor, em conferências internacionais de educação,
“....aprender sempre acarreta a formação de isto é, “o direito de aprender por toda vida”
um sujeito capaz de construir sua própria au- (ROCHA; LIMA, 2008).
tonomia crítica e participativa”.
Nesta perspectiva, o Ensino a Distân- 2.4. Autonomia do Aluno no Ensino a
cia aparece como uma possibilidade, uma Distância
alternativa pedagógica. As necessidades se
diferem em cada período da história da hu- Segundo Moore (1996), a “autonomia
manidade, pois surgem novas necessidades do aluno”, é uma medida que permite que
na convivência social, e em especial no mer- seja o aluno e não o professor a determinar
cado de trabalho e consequentemente a edu- os seus objetivos de aprendizagem. Tal com-
cação precisa acompanhar esse processo. portamento para Malcolm Knowles deveria
Barreto (2006) apresenta a EAD ser natural para o adulto, que constitui, na
(Educação a Distância) como uma estraté- verdade, o tipo de pessoa, que já tem o seu

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 65


| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |

próprio conceito de independência. No en- na diminuição da probabilidade de acidentes


tanto por norma, os adultos “não estão pre- pessoais no trânsito e na escolha de um local
parados para uma aprendizagem indepen- mais confortável, tranquilo e, portanto, mais
dente; precisam atravessar um processo de adequado para estudar, nem sempre, encon-
reorientação para aprenderem como adultos” trado na maioria das escolas (MORAES FI-
(KNOWLES, 1970 apud MOORE, 1996). LHO, 2006).
Moore (1996) defende a necessidade Sendo assim, quando se fala em au-
de os “alunos compartilharem a responsabi- tonomia, deve-se pensar em uma formação
lidade dos seus próprios processos de apren- contínua, uma formação que exija do ser hu-
dizagem”. A autonomia do aluno tem a ver mano a capacidade de governar por si mes-
com a capacidade que este tem, perante os mo o seu desenvolvimento pessoal e profis-
conteúdos programáticos do curso, de esta- sional.
belecer os seus próprios objetivos, metodolo- Uma primeira ligação entre auto-
gias e materiais a utilizar, bem como etapas nomia e pesquisa é apresentada por Demo
e modos de avaliação da sua aprendizagem e (1988, apud LOPES; NEWMAN; SALVAGO,
aquisição de conhecimentos/competências. 2003), quando aponta o caminho para que o
Assim, parece haver uma relação en- conhecimento aconteça de uma maneira que
tre o aluno autônomo que prefere programas a informação possa ser distinguida, avaliada,
bem estruturados, que depois irá gerir, e o julgada, desdobrada e desenvolvida. Para ele,
aluno que prefere programas menos estru- a palavra chave é “pesquisa”; não no sentido
turados e mais dialógicos ou dialogantes, em de produzir conhecimento científico, mas
que o professor vai adequando as metodolo- como “princípio educativo”. É nesse conceito
gias e ritmos às necessidades do aluno (MO- que jaz o segredo da autonomia - a constru-
ORE, 1996). ção da “metodologia do aprender a apren-
Nesse sentido, segundo Barreto der”. A mola mestra no processo é “a arte de
(2002) a autonomia do aluno é construída questionar de modo crítico e criativo”, assim
muito mais em função da visão dos respon- possibilitando a autonomia emancipatória
sáveis pelo programa educativo sobre qual no caminho da aquisição efetiva e relevante
o papel do aluno no processo de ensino- do conhecimento.
aprendizagem e que estratégias devem ser Para Mccarthy (1998) apesar de a
pensadas para fomentar esse papel, do que autonomia ser possível sem treinamento e
em função das características da tecnologia treinamento não pressupor autonomia, am-
mediadora, mesmo reconhecendo que algu- bos estão relacionados de maneira dinâmi-
mas tecnologias possibilitam mais interação ca. O treinamento parece ser apropriado na
que outras de acordo com a estruturação do maioria das situações, porque pode oferecer
programa. ao aprendiz ferramentas para aprender mais
Sendo assim, a autonomia dada ao eficazmente e, por meio dessas ferramentas,
aluno, pode ser entendida, também, como pode se tornar autônomo.
uma forma de lhe possibilitar a construção De acordo com Daniel; Marquis (1979
do conhecimento e da cidadania, individual apud LOPES; NEWMAN; SALVAGO, 2003),
e coletivamente, determinando seu próprio a independência também aparece interligada
tempo e horário para a realização de suas ati- à autonomia. Ela vai além de uma visão sim-
vidades, conciliando com seu horário de tra- plista de liberdade de estudar quando e onde
balho e lazer. O seu espaço de estudo implica o aluno desejar, desconsiderando a intera-
na redução dos custos com transporte diário, ção. A independência no paradigma emer-
na diminuição do stress causado pela loco- gente não se refere a um objetivo externo,
moção nas vias urbanas das grandes cidades, mas a uma função cognitiva; refere-se ao fato

66 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |

de o estudante assumir responsabilidade na disposto a ceder o controle e permitir que os


construção de significados em um ambiente aprendizes também participassem nas de-
colaborativo e interativo. cisões no processo ensino-aprendizagem, e
Segundo Litwin (2001) a autonomia estes últimos precisariam estar dispostos a
não deve ser confundida com o autodidatis- engajar-se e a ter responsabilidades em sua
mo. Pois o autodidata é o estudante que se- própria educação (LOPES; NEWMAN; SAL-
leciona os conteúdos e não conta com uma VAGO, 2003).
proposta pedagógica e didática para o es- Tanto professor como aluno trazem
tudo. Por exemplo, em uma modalidade à consigo experiências educacionais prévias e
distância, apesar de permitir-se uma organi- expectativas do ambiente presencial. Quan-
zação autônoma dos estudantes em relação do se faz a mudança para o virtual, os alunos,
à escolha de espaço e tempo para o estudo, muitas vezes, esperam ser ensinados, e pro-
isso não significa que não haja uma proposta fessores esperam ensinar.
didática, seleção de conteúdo, orientações de Com isso, ambos merecem orienta-
prosseguimento dos estudos e propostas de ções em relação ao ensino a distância, prin-
atividades. cipalmente dentro deste paradigma vigente,
Neste sentido, segundo as autoras em que a autonomia parece ser prioridade
Lopes; Newman; Salvago (2003) a inovação para se alcançar o aprendizado permanente,
está no fato de que o papel da instituição pas- aquele que acontece ao longo da vida.
sa por uma transformação, deixando de ser
o único centro de informações, tornando-se 2.5. Dificuldades da Ead
espaço ideal para produção de conhecimento
e cultura, privilegiando valores humanos e a De acordo com Lopes; Newman; Sal-
afetividade, fornecendo contextos e saberes vago, (2003) a autonomia na relação peda-
para uma autonomia de sucesso no mundo da gógica, significa, de um lado, reconhecer no
diversidade. Hoje a tecnologia permite que se outro sua capacidade de ser, de participar, de
tome contato com a realidade indiretamente. decidir, de ter o que oferecer e partilhar; de
Como Leite (1999) destaca, a relação do edu- outro lado, significa a capacidade que o su-
cando com a realidade não se limita mais à jeito tem de “tomar para si” sua própria for-
sua experiência pessoal e ao que a escola e mação, isto é, de tornar-se sujeito e objeto de
a família lhe proporcionam, administrando a formação para si mesmo.
informação e os modelos de interpretação da Para o professor acostumado a se co-
realidade. locar como dirigente da formação dos seus
Para as autoras acima citadas as fon- alunos e para o aluno que não tem disciplina,
tes de informação estão muito mais diversi- metas, limites, em seu processo de aprendi-
ficadas, e a escola deveria estimular novas zagem, isto não é fácil, pois no ambiente on-
formas de experimentação e criação dos edu- line, as dificuldades existentes na busca pela
candos. Para que essa função seja cumprida, autonomia podem ser elencadas como a falta
os professores deveriam capacitar-se para de suporte técnico, falta de competência téc-
isso, principalmente quando esse ensino for nica do aprendiz e do professor, falta de inte-
feito a distância, via rede de computadores, resse do aluno em ser autônomo, responsabi-
porque suas características são diferentes lizando-se em grande parte pelo seu próprio
daquelas a que estamos acostumados no en- desenvolvimento, falta de flexibilidade do
sino presencial. professor em adaptar-se à aplicação de novas
O professor, tanto no ambiente pre- metodologias e estratégias de interação apro-
sencial como no ambiente online, sob a priadas ao contexto virtual, falta de atenção
perspectiva da autonomia, precisaria estar ou sensibilidade para detectar os obstáculos

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 67


| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |

psicológicos, sociais e técnicos a serem en- tudo mais outro menos, tiro minhas dúvidas
frentados pelos participantes de um proces- com a tutora ou na internet”.
so ensino/aprendizagem no contexto digital “Só no horário escolar, porque tenho
(LOPES; NEWMAN; SALVAGO, 2003). muito pouco tempo, então não dá pra estu-
dar em casa e tirar as dúvidas só na escola
3. Resultados da Pesquisa Empírica mesmo”.
“Posso dizer que 90% sim (tem tem-
Para alcançarmos os objetivos pro- po). Uma média de 3 dias por semana. Tiro
postos neste estudo, buscamos esclarecer minhas dúvidas em livros, tele curso e TV”.
as dificuldades que os alunos encontram no
processo do Ensino à Distância em uma ins- Quando foi pedida uma comparação
tituição de ensino na cidade de Jaú, interior com o ensino de hoje e o ensino que obtive-
do Estado de São Paulo. ram no passado, a maioria respondeu que:
O instrumento de coleta de dados foi “o ensino de hoje está mais avança-
uma entrevista semi-estrutura, definida em 5 do, mais aproveitado de que no passado, só
dimensões, sendo que este trabalho centrou deveria as aulas ser mais longas, e muita
sua análise nas dimensões 2 e 3, que dizem pouca hora para as aulas”.
respeito às dificuldades que os alunos encon- “ o ensino está mais atualizado, a lei-
tra no estudo a distância. tura está mais presente no dia a dia”.
Observou-se que quanto à classifica- “O que antes era bom, agora melho-
ção na faixa etária, 78% estão entre 15 a 20 rou bastante”.
anos. Constata-se que nesta faixa etária o in- “Hoje o ensino obtém mais dificulda-
dividuo encontra-se no auge de suas funções de para mim na área de matemática, pois
físicas, psíquicas e intelectuais. Sendo que ouve muitas mudanças em relação de letras,
22% então acima de 45 anos. e muitas contas em uma.”
Ao analisarmos cada uma das catego-
rias, trazemos as falas dos alunos como evi- Quando perguntados quanto ao tem-
dências de poder argumentativo, como colo- po que voltou a estudar e quais as mudanças
ca Demo (1998), possibilitando-lhes assumir observadas em relação ao seu aprendizado,
o lugar que lhes deve ser atribuído, ou seja, o ou seja, o que as mudanças ocorridas acres-
lugar dos principais atores deste processo de centaram em suas vidas, conferimos algumas
aprendizado. das respostas:
Questionando-se quanto às dificulda-
des que eles encontram para desenvolver seu “Por enquanto não mudou nada em
conhecimento, 100% dos entrevistados dis- minha vida, faz três meses que voltei a es-
seram que é a falta de tempo para estudar so- tudar, mas até lá (no final do curso) sei que
zinhos. A maioria é do sexo feminino, e, além vai mudar.”.
de trabalharem fora, também têm atividades “Voltei a estudar há oito meses. Vejo
do lar, filhos para cuidar, ficando muito difí- que em termos de conhecimento melhorou
cil para estudar, conforme apontaram. muito, abriu uma forma de enxergar outras
Para um total de 80%, o tempo dedi- possibilidades”.
cado ao estudo é somente no horário escolar, “A explicação é melhor com as aulas
e tirar as dúvidas, somente no dia de aula. de vídeo, você aprende mais e tudo o que é
Podemos conferir estas considerações em al- passado e sempre bem explicado”.
gumas falas: “Voltei a estudar há três meses, estou
“Eu estudo em casa também, não te- me sentindo mais segura, mais atualizada”.
nho horário certo para estudar. Um dia es- “Voltei a estudar depois de 12 anos

68 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |

e as mudanças foram muitas em todas as 4. Conclusão


matérias. Agora... foi bom para eu ver que
apesar das dificuldades nunca é tarde para Neste trabalho, pode-se concluir que
aprender”. a EaD é uma modalidade de ensino que vem
“Voltei a estudar há nove meses, e em se desenvolvendo consideravelmente e as no-
relação ao aprendizado eu aprendi muitas vas tecnologias de informação e comunicação
coisas: a história do Brasil, fazer as contas ampliam as possibilidades nesta modalidade,
de matemática, etc”. propiciando uma maior interatividade entre
os membros engajados neste processo.
Pode-se afirmar que na EAD o aluno Os resultados encontrados na pes-
não pode ser um sujeito passivo, este tem quisa mostram que a maior dificuldade en-
que desenvolver sua autonomia, administrar contrada pelos alunos é a determinação do
suas prioridades e o tempo necessário para tempo para realização das suas atividades
desenvolver as tarefas. Nesta modalidade o de estudo, dentre as quais, a possibilidade
aluno deixa de ser um mero receptor de in- de compatibilizar o horário de estudo com os
formações, como vemos em algumas situa- horários dedicados a outras atividades, como
ções do ensino presencial, pois o aluno é o trabalho, lazer, família.
principal responsável por sua aprendizagem, Portanto, é fundamental compreen-
que só aprenderá se houver o envolvimento der a flexibilização do espaço e do tempo na
deste sujeito. modalidade de ensino EaD, como uma for-
Este aluno passa a ser responsável ma de conferir ao aluno, condições de acordo
pela sua aprendizagem e, principalmente de- com as suas necessidades e características
senvolver, com a ajuda do professor media- pessoais para imprimir o seu ritmo de estudo
dor, a “aprender a aprender”. e adquirir conhecimento formal no local e no
Conforme Masetto (2002, p.144): tempo que ele julgar mais adequado.
Assim, nos permitimos afirmar que a
Por Mediação Pedagógica enten- autonomia não depende somente do apren-
demos a atitude, o comportamen- diz e de suas características individuais.
to do professor que se coloca como Muito mais complexa, a autonomia depende
um facilitador, incentivador ou
além do aprendiz, também da metodologia
motivador da aprendizagem, que
se apresenta como a disposição de adotada, bem como do material utilizado e
ser uma ponte entre o aprendiz e dos professores e agentes envolvidos no pro-
sua aprendizagem – não uma pon- cesso.
te estática, mas uma ponte “rolan- Acreditamos que a partir deste traba-
te”, que ativamente colabora para lho poderão surgir novas pesquisas que pos-
que o aprendiz chegue aos seus sam contribuir para esclarecer pontos que
objetivos. aqui não foram suficientemente aprofunda-
dos, indo além da restrita amostragem utili-
Assim entendemos que a EaD é uma zada na pesquisa que realizamos.
real possibilidade. Cabe ressaltar que sempre
será as pessoas o mais importante para que
o processo de ensino-aprendizagem ocorra,
portanto a aprendizagem se torna algo indis-
pensável e de irrevogável investimento nas
IES.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 69


| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Maria E. B. Educação à distância na internet: abordagens e contribuições dos


ambientes digitais de aprendizagem. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/
v29n2/a10v29n2.pdf>. Acessado em 09 mar. 2007.

ARETIO, G. Educação à distância (EAD)- conceituação, 1994. Disponível em:


<http://www.cciencia.ufrj.br/educnet.eduead.htm> Acesso em set./2009.

BARRETO, Lina Sandra. A teoria da distância transacional, a autonomia do aluno e o papel do


professor na perspectiva de Moore: um breve comentário. Revista Brasileira de Aprendizagem
Aberta e a Distância. ABED/Pólo Brasília. 30/08/2002

__________. Educação a Distância: perspectiva histórica. Educação a Distância (UNB), Di-


retora da EADTec, Coordenadora da ABED/Pólo Brasília. 2006. Disponível em: www.abmes.
org.br/Publicacoes/26/lina.htm. Acesso em 04 out..2009.

BELLONI, M. L. Educação a distância. 2. ed. Campinas, São Paulo: (Coleção educação con-
temporânea), 2001.

CNTE - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília. Caderno de Educação, 3.


1998.

CHAVES, Eduardo O. C. Tecnologia e Educação. Coleção Informática para a mudança na


Educação. Brasília, MEC, 1999. Disponível em: <http://www.edutec.net/Tecnologia%20
e%20Educacao/edconc.htm> Acesso em set./2009.

DEMO, P. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do conhecimento. Petrópolis:


Vozes, 2001.

____________. Questões para a teleducação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra.Coleção Leitura,1997.

LANDIM, Claudia Maria Ferreira. Educação à distância: algumas considerações. Rio de Ja-
neiro, s/n, 1997.

LITWIN, Edith (Org.). Educação à distância: temas para o debate de uma agenda educativa.
Porto Alegre: Artmed, 2001.

LOPES, M.C.L.P.; NEWMAN, B.A.; SALVAGO, B.M. Autonomia em Contextos Educacionais


Diferenciados: Presencial e Virtual. (Dissertação) Universidade Católica Dom Bosco. 2003.
Disponível em: <www.unitau.br/scripts/prppg/.../autonomiacontextos-N1-2003.pdf> Aces-
so em: out./2009.

MASETTO, M. A. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. São Paulo: Papirus, 2002.

70 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ALGUMAS INCURSÕES ACERCA DA QUESTÃO DA AUTONOMIA DO ALUNO NO ENSINO À DISTÂNCIA |

MORAIS FILHO, Luiz Augusto de. Especialista em Educação a Distância pela UFPE Profes-
sor: Luiz Augusto de Morais Filho %2 Pólo de Educação à Distância de Nova Cruz/RN. Dispo-
nível: <www.elearningbrasil.com.br/home/artigos/artigos.asp?id=3428>
Data: 26/07/2006. Acesso em set./2009.

MOORE, Michael G. Theory of transactional distance. In: KEEGAN, D. Theorical principles of


distance education. Routledge London and New York, 1997.

MOORE, M.G. Theory of transactional distance.D. Keegan ed.1996.

MORAN, J. M. Caminhos para a aprendizagem inovadora In: Moran, J. M.; Masetto, M. T.;
BEHRENS, M. A. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica, 12ª ed. São Paulo: Papirus,
2006. p.22-24.

OLIVEIRA, Roberto. Conceito sobre Educação a Distância. 2009. 12-43.

ROCHA, S. S. S.; LIMA, R. Educação a Distância: Uma Nova Forma de Aprender. Artigo apre-
sentado para a conclusão da disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisas à Universidade Esta-
dual de Maringá – UEM.2008. Disponível em:
www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/.../visit.php?cid... Acesso em out./2009.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 71


REDES NEURAIS ARTIFICIAIS:
UMA PROPOSTA PARA O ENSINO
A DISTÂNCIA
José Waldik Ramon¹
Daniela Barbato Jacobovitz²
Jean-Jacques De Groote³

1. Introdução disseminação das informações, especialmen-


te após o advento da Internet.
Neste trabalho desenvolvemos ins-
trumentos que buscam tornar eficiente o
aprendizado dos conceitos de redes neurais
por parte dos estudantes via web, por meio
de textos explicativos, imagens e softwares,
de forma a aproveitar os instrumentos do en-
sino de longa distância.
Redes Neurais Artificiais são abstra-
ções do cérebro humano que permitem estu-
dar e implementar conceitos do aprendizado
por meio de uma modelagem computacio-
nal. Dentre os diversos modelos existentes,
o perceptron mostra-se muito eficiente na Figura 1. a ciência de redes neurais utiliza
resolução de problemas de baixa complexi- como modelo a estrutura do cérebro, buscando re-
dade, sendo muito utilizado por pesquisado- produzir conceitos como memória e aprendizado,
res. Sua aplicação envolve a transformação por meio de modelos matemáticos.
de sinais de entrada em uma saída mediada
por pesos associados às conexões sinápticas A busca por estes materiais seja em li-
do modelo. As redes neurais artificiais vêm vros ou na Internet, e procurar interpretá-los
conseguindo cada vez mais espaço no mundo corretamente para obter uma compreensão
computacional. Este é um tópico com mais do tema, é um processo por vezes trabalhoso
de meio século de idade (remonta à década e que consome muito tempo de alunos que
de 40), que atravessou um período de crise almejam desenvolver pesquisa na área de In-
onde pouco se falou sobre o assunto, após teligência Artificial, seja em processamento
a verificação de limitações dos modelos ini- de imagens, robótica, aprendizado computa-
ciais, até ressurgir na década de 80 e, des- cional, dentre outros. Um outro problema re-
de então, vem experimentando um grande levante é que, por vezes, os textos são muito
crescimento e conquistando sua posição de densos e de difícil assimilação por parte dos
destaque. Com este longo histórico, encon- iniciantes na área, pois são, em sua maioria,
tramos na literatura vários tópicos sobre in- embasados por grande conteúdo matemáti-
teligência artificial, redes neurais artificiais e co e teórico, fatores que podem gerar grande
perceptrons, dentre outros, com uma grande desmotivação.

¹ Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações- Faculdades COC


² Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações- Faculdades COC
³ Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações- Faculdades COC

72 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


No trabalho apresentado neste arti-
go desenvolveu-se instrumentos que visam
facilitar e tornar eficiente o aprendizado dos
conceitos de redes neurais por parte dos estu-
dantes. Utilizando como meio de divulgação
a web, são apresentados textos explicativos,
imagens e softwares, de forma a aproveitar os
instrumentos do ensino de longa distância. Perceptron
Nas próximas seções apresentamos
detalhes da elaboração do projeto na seção Figura 2: O neurônio recebe sinais pelos
II, e a seguir, na seção III mostramos os re- dentritos, e passa um sinal para outros neurônios
pelas sinapses. O perceptron é um modelo onde os
sultados obtidos. A seção IV é dedicada às
sinais de entrada são somados, fornecendo ou não
conclusões. uma saída de acordo com uma regra definida por
uma função de ativação.
2. Metodologia
Para demonstrar as propriedades
O trabalho foi elaborado de forma do modelo computacional utilizou-se como
simples e clara, procurando explicar os con- base um perceptron de uma camada. Este é
ceitos de redes neurais artificiais na forma um modelo neural simples que se baseia no
de exemplos e associando esses exemplos a aprendizado supervisionado, e que utiliza o
nossa realidade, de modo a permitir ao leitor cálculo diferencial para reduzir gradualmen-
abstração suficiente para assimilar os concei- te o erro de suas respostas a padrões que lhe
tos de uma maneira eficiente. são apresentados (convergência dos valores
A linha de conduta adotada no que diz em busca de uma saída desejada).
respeito à definição dos conceitos, inicia com Apesar de ser limitado a soluções
uma breve pesquisa de conteúdo histórico particulares, conhecidas como linearmente
das redes neurais artificiais, descrevendo as separáveis, permite simular características
motivações que levaram ao desenvolvimento importantes do cérebro como aprendizado,
da inteligência artificial e das redes neurais
artificiais. A partir desse relato histórico, foi
iniciada uma descrição da relação do cére-
bro humano com as redes neurais artificiais,
sempre procurando associar cada uma de
suas partes constituintes, ou seja, o lado bio-
lógico e o artificial (Fig.1).

plasticidade e generalização.
Figura 3. Perceptrons ligados formando
uma camada para entrada de sinais e uma única
Neurônio para saída.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 73


| REDES NEURAIS ARTIFICIAIS: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO A DISTÂNCIA |

3. Resultados ram utilizados no conjunto de treinamento.


Para facilitar a compreensão deste tópico,
Textos explicativos e softwares em foi desenvolvido um software que executa o
JAVA foram desenvolvidos para mostrar via treinamento de uma rede neural artificial e,
web os algoritmos e conceitos envolvidos. A a partir da rede treinada, responde a padrões
abordagem visou uma linguagem clara e a aleatórios gerados no software. A exibição
utilização de analogias e programas. Os algo- da taxa de acerto da rede é exibida em forma
ritmos elaborados mostram etapas do apren- de gráfico, permitindo ao estudante verificar
dizado do perceptron linear e também de sua como a relação entre a quantidade de pa-
versão com saídas binárias (portas lógicas), drões (entradas) apresentada à rede versus a
além de permitirem verificar a rede neural quantidade de neurônios desta, interfere na
respondendo aos dados apresentados a ela. qualidade das respostas.
Uma explicação detalhada, acompa-
nhada de imagens, foi incluída para a discus-
são dos conceitos de separabilidade linear do
perceptron (também abordando o problema
do Ou-Exclusivo).
Finalizando, breves citações sobre
ruído e o modelo perceptron de múltiplas
camadas foram feitas. Ruído é considerado
na análise da capacidade de aprendizado da
rede estudante quando os padrões (dados)
Figura 4: janela desenvolvida para mos- lhe são apresentados com imperfeições.
trar o funcionamento do perceptron linear

Foram elaborados três softwares para


demonstrar o comportamento do perceptron.
O primeiro exibe o erro de aprendizado (di-
ferença entre a resposta gerada e a esperada)
diminuindo progressivamente com o ajuste
das conexões (sinapses). O segundo executa
o mesmo procedimento, porém de forma ite-
rativa, sem o uso da função derivada clássica
utilizada no modelo. Esta versão permite ao
estudante visualizar, efetivamente, o ajuste
das conexões da rede, o que é feito pela fun-
ção derivada quando aplicada ao perceptron.
O terceiro software é um aprimoramento do
primeiro, com a inclusão de uma função sig-
móide para modular as saídas da rede. Com
essa versão, em especial, é possível demons-
Figura 5. Imagem do site desenvolvi-
trar a utilização de uma rede neural artificial
do com o conteúdo do trabalho. Através dele
para resolução das portas lógicas AND e OR.
alunos podem adquirir informações sobre o
O erro de generalização é focado na
funcionamento básico das redes neurais de
seqüência. Trata-se de um fator que determi-
forma intuitiva, programas de demonstração
na a capacidade de uma rede em apresentar
da teoria.
respostas corretas para padrões que não fo-

74 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| REDES NEURAIS ARTIFICIAIS: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO A DISTÂNCIA |

4. Conclusões Referências bibliográficas

Um conteúdo teórico, aliado a ex- BITTENCOURT, G. Inteligência Artificial:


plicações detalhadas dos códigos-fonte e a Ferramentas e Teorias. 2. ed. Florianópolis:
interação com os softwares desenvolvidos, Editora da UFSC, 2001.
fornecem uma base consistente para o en-
tendimento das redes neurais artificiais. O CARVALHO et al. Redes Neurais Artificiais:
trabalho foi elaborado para permitir ao ini- Teoria e Aplicações. 1. ed. São Paulo: LTC,
ciante no assunto desenvolver uma seqüên- 2000.
cia crescente de seus conhecimentos. Para
reforçar esse objetivo, foram desenvolvidas HAYKIN, S. Redes Neurais: Princípios e
implementações que facilitam ao estudante Prática. 2. ed. São Paulo: Bookman, 2001.
essa assimilação gradativa de conceitos so-
bre redes neurais artificiais. REZENDE, S. O. (Coord.). Sistemas Inteli-
Todo o material abordado neste tra- gentes: Fundamentos e Aplicações. 1. ed.
balho está disponibilizado integralmente na São Paulo: Manole Ltda, 2003.
Internet, tanto os textos (com suas respec-
tivas figuras, tabelas e equações) quanto os RICH, E.; KNIGHT, K. Artificial In-
softwares em Java©, na forma de applets, telligence. International Edition.
no endereço http://redesneurais.insidesign. Singapore:McGraw-Hill.
com.br , permitindo que pessoas externas ao
grupo de trabalho também possam desenvol-
ver e aprimorar seus conhecimentos. Os sof-
twares foram alocados de forma a permitir a
execução e a interação do estudante com os
mesmos. Além disso, todo o código-fonte de-
senvolvido foi também disponibilizado para
download e devidamente explicado, permitin-
do análises e alterações por parte do usuário.

5. Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer C.


Ramon e insidesign por fornecer residência
em seu site para disponibilizar o trabalho du-
rante o período de desenvolvimento. Gosta-
riam também de agradecer Andréia Bonfante
por valiosas contribuições.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 75


SISTEMA AUTOMÁTICO PARA
A IDENTIFICAÇÃO DE PLACAS
DE VEÍCULOS
Ediel Wiezel da Silva¹
Jean Jacques de Groote²

1. Introdução veículo. O processamento de imagens será


utilizado para remover ruído por meio de fil-
Esta pesquisa visa fornecer uma so- tros passa-baixa. Para identificar a placa na
lução para o reconhecimento de caracteres imagem, sua borda será realçada com filtros
alfanuméricos, através do estudo de técnicas passa-alta, buscando a seguir isolar os carac-
de processamento digital de imagens e redes teres. Operações morfológicas de abertura e
neurais artificiais. O objetivo do trabalho é a fechamento também serão ser aplicadas no
aplicação destas técnicas na identificação de caso de falhas nas imagens dos caracteres.
placas de veículos automotores. A seguir, diferentes formatos de redes neu-
Quando olhamos uma imagem, so- rais artificiais serão treinadas a partir de um
mos capazes de identificar características e conjunto de exemplos. Para cada formato a
estabelecer uma finalidade para cada estru- capacidade de generalização das redes se-
tura presente. Esta tarefa, aparentemente rão testadas levando em conta efeitos como
trivial, é na verdade um processo de grande translações, ruído, e diferença nas fontes dos
complexidade do ponto de vista computacio- caracteres. A finalização do trabalho se dará
nal. O desenvolvimento de programas capa- com união das técnicas em um único pro-
zes de extrair informações relevantes de ima- grama. O objetivo é que este programa seja
gens representa um desafio que tem atraído capaz de fornecer os caracteres da placa de
a atenção de pesquisadores em áreas que vão forma automática, e com pequena margem
da digitalização de textos a sistemas de segu- de erro.
rança. Porém, com o desenvolvimento atual Na próxima seção mostramos o pro-
na área de processamento digital de imagens cesso inicial adotado para tratar as imagens,
e também de redes neurais, tornam-se pos- e a seguir a conclusão do trabalho que já foi
síveis avanços relevantes na identificação de realizado até o momento.
características presentes em uma imagem.
Através destas técnicas é possível desenvol- 2. Metodologia
ver modelos computacionais que sejam capa-
zes de identificar objetos em uma imagem de O objetivo do processamento das
forma automática, ou seja, sem a interferên- imagens neste trabalho é extrair apenas as
cia de usuários. informações relevantes para o posterior trei-
A proposta deste trabalho é inves- namento e aplicação das redes neurais. O re-
tigar técnicas de processamento digital de sultado do processamento deve restringir os
imagens (PDI) e de redes neurais artificiais dados extraídos ao mínimo necessário, para
(RNA) visando o desenvolvimento de um garantir a eficiência da rede neural com rela-
sistema computacional capaz de reconhecer ção ao tempo de treinamento e a sua capaci-
automaticamente caracteres da placa de um dade de generalização.

¹ Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações Faculdades COC


² Laboratório de Inteligência Artificial e Aplicações Faculdades COC

76 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


2.a Pré-processamento

O processamento de uma imagem não


precisa, necessariamente, resultar em uma
imagem melhor do ponto de vista da inter-
pretação humana e sim, para a aplicação que
irá utilizá-la. A melhor forma de transformar Figura 2: Exemplo em escala de cinza de
a imagem por esse ponto de vista depende de uma placa de carro que será utilizada nos testes.
um amplo estudo. Neste trabalho partiremos
do pressuposto que uma forma adequada de Primeiramente fizemos a limiariza-
transformar as imagens para a rede neural ção na imagem, limitando a intensidade de
será fornecer a esta, apenas o esqueleto dos pixels a apenas aos níveis, preto e branco (0 e
caracteres da placa. 1). Podemos notar que a imagem resultante,
As etapas do processo que será desen- apresentada na figura 3a, contém alguns ruí-
volvido são apresentadas na figura 1. dos. Os pequenos detalhes da imagem digital
são elementos de alta freqüência, enquanto
que o fundo da imagem e os objetos grandes
são elementos de baixa-freqüência. Desta
forma utilizamos um filtro passa-baixa, para
eliminar os objetos de alta freqüência, como
visto na figura 3b.
Figura 1: processo adotado para o reco-
nhecimento de caracteres

Após a aquisição da imagem o pré-


processamento é realizado por meio de sua
transformação para escala de cinza, redução
do ruído por meio de filtros passa-baixa, li- Fig. 3a
miarização para destacar os caracteres, e
operações morfológicas para remover o ruído
restante e completar falhas de segmentação.
A seguir um processo extrai os caracteres e
envia apenas o esqueleto para o treinamento
da rede neural. O mesmo processo é adotado
para o teste da rede neural que é realizado
Fig. 3b
após o treinamento. Durante a realização
das etapas anteriores, todas as informações
obtidas serão armazenadas em uma base de
dados.
Desta forma, buscamos uma estrutu-
ra de um sistema de visão artificial, que reali-
za as seguintes etapas: aquisição da imagem,
pré-processamento, segmentação, reconhe- Fig. 3c
cimento e interpretação. Para ilustrar os
processos envolvidos a placa da figura abaixo Figura 3. A imagem da figura 1 foi tratada
pelos processos, (a) binarização, (b) filtro passa-
será utilizada para demonstrarmos as técni- baixa para reduzir o ruído e (c) passa-alta para
cas básicas de processamento de imagem. destacar as bordas.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 77


| SISTEMA AUTOMÁTICO PARA A IDENTIFICAÇÃO DE PLACAS DE VEÍCULOS |

2.b Redes Neurais Artificiais 3. Conclusão


O projeto encontra-se na fase de
Redes Neurais Artificiais são técnicas com- desenvolvimento em que investigamos a me-
putacionais que propõem um modelo mate- lhor forma de destacar os caracteres da placa,
mático baseado na estrutura neural de or- enquanto analisamos em paralelo o treina-
ganismos inteligentes, mais especificamente mento da rede a partir de nosso protótipo. O
o cérebro humano [Tafner et al., 1995]. Se- objetivo final será unificar todo procedimen-
gundo Haykin [Haykin, 1999], sua principal to em um programa de reconhecimento au-
característica é a capacidade de aprender a tomático. A eficiência das redes neurais está
partir de exemplos e, assim, classificar novos associada a sua capacidade de generalizar, ou
padrões. seja, a capacidade de identificar caracteres de
Inicialmente desenvolvemos um placas que não foram utilizadas no processo
protótipo, apresentado na figura 4, onde a de treinamento. Esta capacidade determina-
imagem de um caractere, ou um desenho rá a escolha do tipo de rede.
realizado pelo mouse é apresentado à janela
principal, e em seguida reduzido às dimen-
sões desejadas pelo usuário. O objetivo desta
redução é diminuir o número de neurônios
de entrada da rede neural, aumentando a ve-
locidade de treinamento. Neste caso utiliza-
mos uma rede de múltiplas camadas (MLP)
que está sendo treinada por meio do algorit-
mo back-propagation. Os resultados obtidos
com a MLP serão comparados com aqueles
obtidos por redes de uma camada, os per-
ceptrons simples. Como observado por Gray
et al [Gray, 1995], estas redes podem levar a
bons resultados, mesmo sendo limitadas a
problemas linearmente separáveis.

Figura 4. Protótipo desenvolvido para treinar uma rede


neural a reconhecer caracteres.

78 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| SISTEMA AUTOMÁTICO PARA A IDENTIFICAÇÃO DE PLACAS DE VEÍCULOS |

Referências bibliográficas

GONZALEZ, R.C.; WOODS, R. E. Processamento de Imagens Digitais. SP: Edgard Blücher


Ltda, 1992.

GONZALEZ, R. C.; WOODS, R. E. Digital Image Processing. New Jersey: Prentice Hall,
2002.

HAYKIN, S. Neural Networks. New Jersey:. Prentice Hall. 1999.

GRAY, M. S., LAWRENCE, D. T., GOLOMB, B. A., SEJNOWSKI, T. J., A perceptron reveals
the face of sex. Neural Computation. San Diego: University of California, 1995.

MARQUES FILHO; VIEIRA NETO, Processamento Digital de Imagens. RJ: Brasport,


1999.

TAFNER, M. A.; XEREZ, M.; FILHO, I. W. R., Redes Neurais Artificiais: Introdução e Prin-
cípios de Neurocomputação. Blumenau: EKO: Editora da FURB, 1995.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 79


ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA
ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO
MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO
Alexandre de Castro Moura Duarte¹
Guilherme Vezzoni²
Ailton Luiz Banzi Junior³

1. Introdução A importância da função planeja-


mento, do pensamento estratégico e do es-
As organizações modernas, indepen- trategista no Brasil deve-se principalmente
dentemente de seu tamanho, buscam a todo ao fato de que, após 1994, com o processo
instante serem eficazes visando sua perpe- de abertura econômica, iniciado no gover-
tuação e crescimento. A maioria dos livros e no Collor, que tem resultado num aumento
artigos sobre estratégia empresarial, escritos considerável da competição entre empresas,
ao longo dos tempos procuram, em versões tornou seu ambiente cada vez mais dinâmico
infinitas, cada um ao seu modo, cada um ao e hostil.
seu tempo, responder a quatro questões fun- O modelo neo-liberal de economia
damentais: adotado pelo governo brasileiro obriga as or-
• Como criar valor para o cliente e ga- ganizações a projetarem mudanças em seus
nhar dinheiro; mercados, técnicas de mercado, produção,
• Como melhorar a competitividade modus operandi da organização, estrutura
diante dos atuais ou potenciais concorrentes; e crescimento, relações com fornecedores e
• Como prever as mudanças no meio clientes, obtenção e capacitação de recursos
ambiente que, favorável ou desfavoravelmen- humanos e liderança.
te, causarão impacto no seu negócio; Em função deste ritmo de mudanças
• Como escolher o melhor caminho a ser cada vez mais rápido, torna-se essencial
ser seguido no futuro e garantir o crescimento desenvolver na organização a capacidade de
a longo prazo. elaboração de estratégias, com o sentido de
Para responder a estas quatro ques- buscarem ser competitiva, zelando pela sua
tões, uma grande quantidade de pesquisado- permanência e fixação no mercado.
res, obras, e classificações surgiu no decor-
rer do tempo, na tentativa de explicar como 2. Metodologia
a estratégia é formada, quais os principais
parâmetros e variáveis e seus principais con- Visando atingir o objetivo propos-
textos. to, foi realizado um estudo de campo junto
Bateman & Snell (1998) afirmam a cinco empresas de pequeno porte, com-
que, para sobreviver e prosperar, os admi- preendendo os setores da indústria e servi-
nistradores atuais têm de pensar e agir es- ços. Como visto na fundamentação teórica,
trategicamente, utilizar-se dos quatro tipos um dos fatores de sucesso empresarial é a
de desempenho que fornecem valor para o estratégia, assim, na escolha das empresas
consumidor e que devem ser superados pela pesquisadas, foram procuradas aquelas re-
organização, que são: Qualidade, Custo, Ve- conhecidas por estarem entre as melhores de
locidade e Inovação. seus respectivos segmentos. A identificação

¹ Prof. Ms. Coordenador do Curso de Engenharia de Produção das Faculdades COC


² Aluno do curso de Engenharia de produção das Faculdades COC
³ Aluno do curso de Engenharia de produção das Faculdades COC

80 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


das pequenas empresas bem sucedidas desta
região foi facilitada devido o autor ser con-
sultor do SEBRAE-SP, entidade que man-
tém intenso contato com as mesmas.
A escolha destes segmentos se deve
a importância dos mesmos nas cidades de
Ribeirão Preto, Jardinópolis, Sertãozinho e
Cravinhos e também ao número expressivo
destes setores na quantidade de empresas
do Estado de São Paulo, conforme ilustra a
figura 1. O setor de comércio, apesar de ter
43% das empresas, não foi considerado, em
função de a grande maioria de estes esta- Figura 3 - Emprego formal em Ribeirão
belecimentos ter menos de 10 funcionários, Preto no ano de 2000. Fonte: CODERP-RP
caracterizando-se como micro empresas e,
portanto, fugindo do escopo desse trabalho. 2.1. Caracterização da Pesquisa

Conforme Gil (2002), de acordo com


os objetivos, a pesquisa pode ser classifica-
da em três grupos: exploratória, descritiva
e explicativa. Neste trabalho foi utilizada a
pesquisa exploratória. As pesquisas ex-
ploratórias, na maioria das vezes, envolvem
levantamentos bibliográficos, entrevistas
com pessoas que tiveram experiência prá-
Figura 1 - Distribuição das micro e pe- tica com o problema pesquisado e análise
quenas empresas do Estado de São Paulo por ramo de exemplos que ajudam a compreender o
de atividade. Fonte: SEBRAE - SP problema pesquisado. Este tipo de pesquisa
quase sempre aparece na forma de uma pes-
Em Ribeirão Preto, estes dois setores quisa bibliográfica ou de um estudo de caso.
estudados correspondem a 50% dos estabe- Ainda de acordo com o autor acima,
lecimentos empresariais, totalizando 5848 de acordo com os procedimentos técnicos, a
empresas, empregando cerca de 72.572 tra- pesquisa pode ser classificada em: bibliográ-
balhadores, 68% dos empregos formais, con- fica, documental, experimental, ex-post-fac-
forme mostram as figuras 2 e 3. to, levantamento, estudo de caso, pesquisa-
ação. Para Triviños (1987), o estudo de caso
é um tipo relevante de pesquisa qualitativa,
que possui como diferença fundamental em
relação a pesquisa tradicional o método, ou
mecanismo de determinação da amostra.
Enquanto que na pesquisa tradicional a es-
tatística se transformou no meio principal
para determinação da amostra, na pesquisa
qualitativa não há, em geral, essa preocupa-
Figura 2 -Estabelecimentos empresariais ção. Procura-se uma espécie de representati-
de Ribeirão Preto. Fonte: CODERP-RP vidade do grupo maior de sujeitos que farão
parte da pesquisa e, ao invés de aleatorie-

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 81


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

dade, a decisão dos sujeitos de pesquisa são As empresas pesquisadas têm como
intencionais, em função de características uma característica comum o reconhecido
específicas. sucesso em seus setores, mais de 13 anos de
Assim, este trabalho pode ser classi- atividades, número de funcionários superior
ficado como sendo um estudo exploratório e ou igual a 30, atuam em setores altamen-
multicaso observacional, pois, parte da análi- te competitivos, estão divididas em setores
se do processo de formulação de estratégia de conforme mostra a tabela 1 e foram selecio-
cinco empresas da região de Ribeirão Preto, nadas em função do relacionamento do pes-
tendo sua origem ao longo de processos de quisador com seus proprietários através do
reflexão, de consultorias em pequenas em- SEBRAE-SP.
presas e de leituras em bibliografias da área.
2.3. Instrumentos de Coleta de Dados
2.2. Escolha dos Casos de Estudo
O processo utilizado para coleta de
Na definição da unidade caso, partiu- dados foi o de entrevista semi-estruturada
se para a procura de pequenas empresas que realizada com o empresário. Esta entrevista
tivessem mais de 10 anos de existência, pois, foi baseada em um roteiro pré-definido, divi-
passaram pelos 5 anos mais difíceis decor- dido em 2 partes:
rentes da abertura do negócio (segundo SE- • Parte 1: referente aos dados gerais
BRAE-SP (1999)) e que fossem reconhecidas da empresa e empresários, tem como obje-
como empresas de sucesso em seu setor de tivo conhecer a empresa quanto a sua es-
atuação, seja em nível regional ou nacional. trutura organizacional, tamanho, mercado,

Tabela 1 - Empresas pesquisadas

82 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

produtos/serviços e características do em- foi de 20 horas, divididas em várias sessões


presário. de 2 a 3 horas. Para facilitar a compilação
• Parte 2: referente à formação da es- dos dados e aumentar a velocidade do pro-
tratégia na empresa. Aqui foram analisadas cesso, alguns empresários permitiram que
as principais características e variáveis cita- fossem gravadas as entrevistas afirmando
das nas 10 escolas de pensamento estratégico que tal procedimento em nada atrapalharia
(MINTZBERG et al, 1998) com a finalidade suas respostas, porém, alguns se opuseram
de comparar a teoria e prática. ao fato. Nenhum deles fez qualquer objeção
quanto à citação dos nomes de suas empresas
Farah & Cavalcanti (1998) citam e, apesar do extenso processo de entrevista,
que a entrevista é um dos instrumentos uti- todos ajudaram e contribuíram para a reali-
lizados pelos analistas para levantamento de zação da mesma, não se opondo a nenhuma
dados e possui as seguintes vantagens: questão e também não tendo dificuldades em
• permite que o entrevistado se sinta respondê-las.
encorajado a apresentar críticas ou suges- Os dados coletados nas entrevistas
tões; estão reproduzidos de maneira que os co-
• permite ao analista uma visão gené- mentários relevantes dos entrevistados estão
rica dos problemas e novas diretrizes, princi- entre aspas e em itálico. Os entrevistados,
palmente quando efetuada junto à alta admi- citados na tabela 1, são um dos sócios das
nistração; empresas.
• permite ao entrevistado exprimir Além disso, durante o processo de en-
idéias, oralmente, em clima informal. trevista foram analisados dados numéricos,
normas e políticas das empresas e outros do-
Como cuidados a serem tomados no cumentos internos. Outro fator importante
processo, tem-se: foi o prévio conhecimento que os empresá-
• necessidade de ressaltar ao entre- rios já tinham sobre o pesquisador, facilitan-
vistado a importância de sua contribuição; do o diálogo e a transparência dos dados a
• estabelecer um roteiro prévio da en- serem coletados.
trevista;
• abster-se de anotar diante do en- 3. Visões da Estratégia
trevistado, fazendo-o imediatamente após a
entrevista para que não se percam detalhes; Segundo Quinn (1980), estratégia é
• comparecer pontualmente à entrevista; um padrão ou plano que integra as principais
• abster-se de fazer críticas à estrutura metas, as políticas e a seqüência de ações de
existente, evitando julgamentos antecipados; uma organização em um todo coerente. Me-
• abster-se de formular promessas de tas ou objetivos dizem respeito à quantifica-
benefícios pessoais ou financeiros à pessoa ção de resultados em um espaço de tempo,
do entrevistado; mas, não dizem como serão alcançados. Polí-
• procurar não interromper o entre- ticas são regras ou diretrizes que expressam
vistado quando não esteja de acordo com as o limite dentro dos quais a ação deve ocorrer,
opiniões emitidas. e programas estabelecem a seqüência pas-
so a passo das ações necessárias para que se
Foram necessárias várias horas de atinja os principais objetivos.
entrevista com cada empresário, devido à ex- Andrews (1971) conceituou estratégia
tensão do roteiro e do pouco tempo do pro- como sendo um padrão de objetivos, propó-
prietário em respondê-lo de uma só vez. O sitos ou metas e os principais planos e polí-
tempo médio de duração de cada entrevista ticas para alcance dessas metas, colocadas

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 83


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

de tal forma, que definem em que negócio a tém os métodos de planejamento racional.
empresa está ou quer estar e que tipo de em- • Evolucionária – apóia-se na me-
presa ela é ou quer ser. táfora da evolução biológica, substituindo a
Para Chandler (1962), estratégia é a disciplina do mercado pela lei da selva.
determinação de objetivos e metas de longo • Processualista - ênfase na natureza
prazo de uma empresa, a adoção de cursos imperfeita da vida humana, estratégia emer-
de ação e a alocação de recursos necessários ge de um processo pragmático de aprendiza-
para o alcance desses objetivos. do e comprometimento.
Henderson (1998) conceitua estraté- • Sistêmica - relativista, propõe que
gia como a busca deliberada de um plano de os objetivos e práticas da estratégia depen-
ação para desenvolver e ajustar a vantagem dem do sistema social específico no qual o
competitiva de uma empresa. processo de desenvolvimento da mesma está
Para Porter (1999), estratégia é criar inserido.
uma posição exclusiva e valiosa, envolvendo
um diferente conjunto de atividades. A tabela 2 fornece uma visão sobre as
Whittington (2002) divide o estudo quatro perspectivas genéricas descritas por
de estratégia em quatro escolas, (aborda- Whittington (2002).
gens) que respondem a duas questões funda-
mentais: para que serve a estratégia e como
ela é desenvolvida. Estas abordagens são
descritas como:
• Clássica - mais antiga e influente con-

Tabela 2 - As Quatro Perspectivas da Estratégia

Fonte: Adaptado de Whittington (2002, p.46).

84 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

Mintzberg (1987, p.11) define estratégia • A escola de configuração - formula-


através dos “5 P(s)”: ção de estratégia como um processo de trans-
• “Estratégia é um plano, algum tipo formação.”
de curso de ação conscientemente engendra-
do, uma diretriz (ou conjunto de diretrizes) O autor ainda divide as dez escolas em três
para lidar com uma determinada situação; agrupamentos. As três primeiras são de na-
• Estratégia é um pretexto, apenas tureza prescritiva, mais preocupadas em
uma manobra específica com a finalidade de como as estratégias devem ser formuladas
enganar o concorrente ou o competidor; do que em como elas são formuladas. As seis
• Estratégia é um padrão, especifica- escolas seguintes consideram aspectos espe-
mente um padrão em um fluxo de ações, sig- cíficos do processo de formulação de estraté-
nificando um comportamento consistente, gia, preocupando-se menos com a prescrição
intencional ou não; do comportamento estratégico ideal do que
• Estratégia é uma posição, uma ma- com a descrição de como as estratégias são,
neira de colocar a organização no ambiente; de fato, formuladas. O último grupo contém
• Estratégia é uma perspectiva, seu apenas uma escola, a da configuração, que
conteúdo não apenas de uma posição escol- é uma combinação das outras escolas, onde
hida, mas de uma maneira enraizada de ver se busca a integração, agrupando o processo
o mundo”. de formulação de estratégias, o conteúdo das
mesmas, estruturas organizacionais e seus
Segundo Mintzberg et al (1998), contextos.
existem na literatura dez escolas distintas de Como se pode observar, são várias as
pensamento sobre a formação de estratégias, definições e incertezas que cercam este cam-
cada uma com um foco e uma perspectiva, po do conhecimento, o que caracteriza estas
todas importantes para o processo de forma- diversas escolas de estratégia e pensamento
ção da estratégia, porém todas também com estratégico. Outro fator interessante de se
suas vantagens e desvantagens. São elas: observar é que, apesar de farta, a literatura
• A escola do Design - formulação de existente enfoca apenas trabalhos voltados
estratégia como um processo de concepção; para as grandes empresas, que possuem car-
• A escola do Planejamento - formula- acterísticas estruturais totalmente diferentes
ção de estratégia como um processo formal; das pequenas.
• A escola do posicionamento - for- Após a revisão bibliográfica realizada neste
mulação de estratégia como um processo trabalho, e a constatação das diversas abor-
analítico; dagens sobre o tema Estratégia, optou-se
• A escola empreendedora - formulação pela abordagem e pela divisão feita por Mint-
de estratégia como um processo visionário; zberg (1998) por ser ampla, rica em detalhes,
• A escola cognitiva - formulação de abrangendo todas as propostas apresentadas
estratégia como um processo mental; por outros autores. Foram ainda pesquisa-
• A escola de Aprendizado - formula- dos alguns trabalhos voltados para estraté-
ção de estratégia como um processo emer- gia empresarial de pequenas empresas, im-
gente; portantes para a formulação do problema,
• A escola do poder - formulação da relativos à sobrevivência organizacional das
estratégia como um processo de negociação; mesmas, materiais de treinamento utilizados
• A escola cultural - formulação da es- pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
tratégia como um processo de coletivo; Empresas de São Paulo - SEBRAE-SP (1999)
• A escola ambiental - formulação de e reestruturação industrial de pequenas e
estratégia como um processo reativo; e médias empresas.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 85


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

As tabelas 3 e 4 nos dão uma noção das dimensões - chave destas escola.

Tabela 3 -Dimensões -
Chave das Escolas do Design, Planejamento, Posicionamento, Empreendedora e Cognitiva

Design Planejamento Posicionamento Empreendedora Cognitiva


Mapa,
Congruência/
quadro,
encaixe, Estratégia
conceito,
competência genérica, grupo
Programação, esquema,
Palavra distintiva, estratégico, aná- Golpe ousado,
orçamentação, percepção,
Chave SWOT, for- lise competitiva, visão, critério.
cenários. interpre-
mulação/ portifólio, curva
tação, racio-
Implemen- de experiência.
nalidade,
tação
estilo.
Posições genéricas
Planos decom- Perspectiva
Perspectiva planejadas Perspectiva
postos em sub mental
Estratégia planejada, (econômicas e (visão) pessoal e
estratégias e (conceito
única. competitivas), única como nicho
programas. individual)
também manobras
Visionário, intu-
itivo, em grande
Cerebral,
parte deliberado
simples e Formal, Mental,
Analítico, (como guarda
Processo informal, decomposto, emer-gente
sistemático, delib- chuva, embora
Básico arbitrário, deliberativo (dominante
erado (prescritivo) específico emer-
deliberado (prescritivo) ou forçado
gente) (descri-
(prescritivo)
tivo)

Enfrenta re-
Ocasional, opor- sistência ou
Periódica, incre- Aos poucos,
Mudança ocasional tunista, revolu- construída
mental freqüente
cionária mental-
mente
Agente Executivo
Planejadores Analistas Líder Mente
Central principal

Fonte: Adaptado de MINTZBERG et al (1998, p.356).

86 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

Tabela 4 - Dimensões - Chave das Escolas do Aprendizado, Poder, Cultural, Ambiental e Configuração

Aprendizado Poder Cultural Ambiental Configuração


Incrementalis-
Configuração,
mo, estratégia,
Barganha, con- Adaptação, arquétipo,
fazer sentido,
flito, coalizão, Valores, cren- evolução, período, estágio,
espírito em-
Palavra interessados, ças, mitos, cul- contingên- ciclo de vida,
preendedor,
Chave jogo político, es- tura, ideologia, cia, seleção, transfor-mação,
aventura,
tratégia coletiva, simbolismo. complexidade, revolução,
defensor,
rede, aliança. nicho. reformulação,
competência
revitalização.
essencial.
Padrões e
Padrões, Perspectiva co- Qualquer um à
Estratégia posições políticos Nichos
única. letiva, única. esquerda
e cooperativos
Emergente, Ideológico, Intera-
Conflitivo, Passivo, impos-
Processo informal, forçado, coleti- tivo, episódico
agressivo, con- to e emergente
Básico confuso (de- vo, deliberado (descritivo e
fuso (descritivo) (descritivo)
scritivo) (descritivo) prescritivo)

Não freqüente Ocasional e


Contínua, Freqüente, (enfrenta revolu-cionária
Mudança Rara e quântica
incremental pouco a pouco. resistência (outras vezes
ideológica) incremental)

Qualquer um
Especialmente
Agente Aprendizes com poder,
coletividade “Ambiental” o principal
Central (quem puder) organização
executivo
inteira

Fonte: Adaptado de MINTZBERG et al. (1998, p.357).

4 - Análise Geral das Empresas Pesquisadas existe uma forte necessidade de se formalizar
a visão. Talvez isso possa ser explicado pelo
A figura 4 resume e mostra as princi- fato destas empresas estarem em fase de
pais variáveis encontradas na pesquisa. Nela crescimento, serem referências em seus se-
podem ser comparadas as visões e demais as- tores, e, portanto, terem necessidade de dar
pectos ligados à estratégia empresarial. passos mais seguros, apoiando-se não só na
As visões da estratégia mais percebida intuição, mas também em dados quantitati-
nas entrevistas, de acordo com o pensamen- vos e ferramentas de gestão.
to dos empresários pesquisados, foram a da Verificou-se também que todas elas
escola do design e empreendedora, porém, passaram por programas de qualidade. Algu-
tanto a visão da escola do aprendizado e do mas sistematizaram-no na forma de normas
planejamento foram citadas. como a ISO 9000, e outras apenas implanta-
Todos empresários pesquisados sen- ram sistemas de gestão com base na filosofia
tem falta de um ferramental e metodologia da qualidade, fato este que explicaria a pre-
simples, mas que apóiem no processo de ela- sença de ferramentas como SWOT, missão e
boração e implementação da estratégia, pois, política da qualidade.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 87


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

Figura 4 - Principais variáveis encontradas nas entrevistas

DIMENSÕES
Frateschi Apis Flora Giglio & Bonfante Corrassol Consinco
CHAVES

Visão, intuição, Visão, intuição,


julgamento. A julgamento A
Perspectiva,
Perspectiva, Perspectiva, estratégia existe estratégia existe
Planejada,
Planejada, Única. Planejada, Única. na mente do líder na mente do líder
Única. Estraté-
Estratégia Estratégia é um Estratégia é um como perspec- como perspectiva,
gia é um com-
(principal comportamento comportamento tiva, especifica- especificamente
visão)
portamento da
da organização da organização mente um senso um senso de
organização
em relação ao em relação ao de direção a direção a longo
em relação ao
ambiente ambiente longo prazo, uma prazo, uma visão
ambiente.
visão do futuro do futuro da orga-
da organização. nização.
Processo Cerebral e Cerebral e Cerebral e Visionário e Visionário e
Básico visionário visionário ideológico cerebral cerebral
Agente Executivo princi- Executivo prin- Executivo princi- O estrategista,
Os planejadores
Central pal, líder cipal, líder pal, líder planejador
Atenta para
Atenta para
Atenta para Atenta para procedimentos,
procedimentos, Atenta para
procedimentos, procedimentos, atenta para
atenta para procedimentos,
Liderança atenta para atenta ao apren- aprendizagem,
aprendizagem, intuitiva e agente
análises, agente dizado, atenta para atenta para
agente de de mudanças
de mudanças análises análise, agente de
mudanças
mudanças
Participativo,
Processo Centralizado Centralizado nos Centralizado na Centralizado nos
mais descentral-
decisório nos sócios sócios diretoria sócios
izado
Plano Estra-
tégico formal, Sim Não Não Não Sim
escrito
Maior difi-
culdade na Implementação Implementação Implementação Implementação Elaboração
estratégia

Análise de custo,
orçamento tendên-
Ferramentas Swot, Porter, Pontos fortes e Pesquisas, custos, Orçamento,
cias, faturamento
para plane- orçamento, fracos, custos, lucro e fatura- custos, legislação
jamento
bruto, lucro, cli-
custos faturamento. mento. e políticas.
entes e concor-
rentes.
Estuda
ambiente Sim Sim Sim Sim Sim
externo
Estuda
ambiente Sim Sim Sim Sim Sim
interno
Horizonte
planeja- 2 a 4 anos 1 a 2 anos 1 ano Acima de 4 anos 1 a 2 anos
mento
Principal
dificuldade pessoas pessoas pessoas pessoas conhecimento
da empresa

88 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

As dificuldades enfrentadas pelas em- 5- Considerações Finais


presas em relação à formação de pessoal foi
um ponto comum que deve ser destacado. O grande sucesso do Plano Real,
O fato é que devido o processo decisório ser com a estabilização da economia, mudou
centralizado, ele acarreta um grande desgas- totalmente o cenário empresarial brasileiro,
te no dia-a-dia do empresário. Isto pode su- passando rapidamente de um ambiente
gerir uma necessidade de se incluir em um estável para um ambiente dinâmico e de
possível modelo de formação do pensamento forte concorrência.
estratégico, especificamente na implementa- Diante destas mudanças, as empresas
ção da estratégia, ferramentas, mecanismos brasileiras se viram em um processo de luta
e processos de gestão de RH. pela sobrevivência em um tempo muito cur-
Acima de tudo, o pequeno empresá- to, principalmente as pequenas, que, apesar
rio mostra-se um visionário. São necessários de serem mais flexíveis e velozes, dispunham
para seu crescimento: bons recursos huma- de menos recursos e políticas de incentivos.
nos, metodologias e recursos financeiros, as Nesta época iniciou-se um trabalho
três maiores necessidades citadas. A forma- com o SEBRAE-SP, especificamente na região
ção dos funcionários parece ser importan- de Ribeirão Preto, visando o treinamento em
te para a empresa e, quando se compara as implantação de sistemas de qualidade e técni-
dificuldades apresentadas, percebe-se que a cas de gestão. Em observações práticas, pode-
empresa que mais utiliza mão de obra qua- se notar que planejamento e estratégia eram
lificada é a única que não coloca a variável fatores não muito relevantes na gestão em-
“pessoal” como a principal dificuldade. presarial, e raras as empresas onde se podia
As ferramentas de análise financeira, encontrá-los, embora fosse uma característica
como custos, lucro e orçamento, são bastante comum nas empresas de sucesso da região.
utilizadas. Notou-se também uma forte ten- O que é estratégia, como ela é formu-
dência a não buscar financiamento externo; o lada, implementada e quais as principais va-
pequeno empresário prefere crescer mais len- riáveis e características deste processo foram
tamente a se endividar e pagar juros abusivos. as indagações chaves dos trabalhos de cam-
A competitividade do setor e a forma- po. Encontrar uma maneira de ajudar um
ção do empresário são fatores que influenciam empresário em sua busca de sobrevivência e
a formação da estratégia e o modo de dirigir a crescimento foi sempre uma grande procura.
empresa. As empresas industriais pesquisadas Ao longo deste trabalho, foi possível
mostraram-se mais maduras e preparadas que visualizar e levantar uma grande quantida-
as de serviço, isto poderia sugerir que a idade de de informações e fatores relacionados
do setor influencie no processo estratégico. à formulação do pensamento estratégico.
O processo estratégico é intuitivo na Longe de esgotar este tema, e tão pouco
maioria das empresas pesquisadas, há uma de generalizar as conclusões obtidas, ele
forte preocupação em estar em consonân- foi bastante útil no sentido de compreen-
cia com o ambiente, o que demonstra que a der aspectos da complexidade cognitiva do
adaptabilidade e a flexibilidade são fatores pensamento estratégico e de possibilidades
competitivos importantes para as pequenas de auxílio aos pequenos empresários brasi-
empresas. leiros em sua luta diária pela manutenção
O horizonte de planejamento é coeren- de sua organização.
te com o tipo de desenvolvimento do produto Baseado nas pesquisas de campo, e
ou serviço e objetivo, a Frateschi e o Corassol na experiência e conhecimento acumula-
têm projetos de prazos mais longos e por isso dos em trabalho com pequenas empresas,
fazem análises de tempo maior. pode-se verificar que o processo estratégico

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 89


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

é abstrato, complexo, baseado em análises delas bastante disseminadas nas escolas do


do ambiente, é dinâmico e fortemente ampa- Design, Planejamento e Posicionamento,
rado em razão e intuição conforme mostra a pois auxiliam na análise sistematizada dos
figura 5. problemas organizacionais.

fig. 5 – Processo de
formação da estratégia
Elaboração própria

Durante as entrevistas com os peque- Ao analisar o planejamento estratégi-


nos empresários, ficou evidente a diferença co e compará-lo com o processo de estratégia
entre planejamento e estratégia. Enquanto na pequena empresa, ficou claro que plane-
o primeiro é tratado como um processo de jamento estratégico não é estratégia, todas
formalização das decisões, o segundo é visto as pequenas empresas pesquisadas possuem
como um guia para o futuro, uma posição no uma estratégia, nenhuma delas possui plane-
mercado, ou seja planejamento pode ter uma jamento estratégico, e nenhum empresário
forte relação com a estratégia, mas não com acredita que ele funcione. Ainda em relação
a formação da mesma, conforme observado ao planejamento estratégico, pode-se verifi-
nos escritos de Mintzberg (1994). A tomada car na prática o que Mintzberg (1994) chama
de decisões por parte do empresário significa de falácias.
fazer escolhas sobre a direção, identidade e Quando perguntado sobre o horizon-
ritmo que os negócios irão tomar e isto tal- te de planejamento e previsibilidade do am-
vez sejam os propósitos do pensamento es- biente, os pequenos empresários foram qua-
tratégico. Não se trata de generalização de se unânimes em sua resposta: impossível.
resultados, existem muitas diferenças entre Embora os resultados de suas ações tivessem
as empresas de pequeno porte, tratou-se com perspectiva de tempo diferente, a falácia da
empresários de sucesso, que possuem nível predeterminação pode ser claramente vista
de conhecimento e formação diferenciados. nas palavras do empresário e estrategista Sr.
Outro fator importante no grupo Celso Frateschi, diretor e sócio proprietário
pesquisado foi o peso da intuição, fato da Indústrias Reunidas Frateschi Ltda, “pre-
este decorrente principalmente da vasta ver como as variáveis econômicas se compor-
experiência dos empresários no ramo de tarão em um ano é muito difícil, o próprio
negócio. Não se pode negar a importância passado nos ensina.”
deste fator na formação da estratégia, Em relação a falácia do desligamen-
mas também ficou evidente que existe a to, pude verificar que a figura do estrategis-
necessidade do uso de ferramentas de análise ta sentado em sua escrivaninha elaborando
e formalização do processo, sendo algumas planos para serem implementados pelos fun-

90 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

cionários não existe, na pequena empresa o lhá-lo, impedindo sua livre movimentação.
proprietário está presente em todos os luga- Eles tem pouca necessidade de pessoas que
res, é ele quem implementa, quem assume a os ajudem na formação da estratégia, neces-
dianteira de todos os processos. sitam de contrabalançar suas intuições por
Devido a centralização do poder no considerações mais sistemáticas das ques-
pequeno empresário, estes além de estarem tões, sentindo falta de planejadores aptos a
mais em contato com as operações estão tam- isso.
bém ligados com as importantes informações Pode-se perceber que não existe uma
factuais, tendo assim autoridade para gerar visão única do processo de formação de es-
a estratégia. São homens de ação, práticos, tratégia, ela reflete os anseios, modelos men-
preferem o oral ao escrito, muito embora, tais, cultura, aprendizado e conhecimento do
algumas vezes, sintam falta do processo de proprietário ou estrategista, não havendo,
formalização, acreditando que se os planos portanto, uma separação nítida, marcante,
estiverem no papel possam assegurar o su- entre as dez escolas de pensamento estraté-
cesso de sua implementação. gico estudadas.
Segundo Bennett et al (2001), o grande Bethlem (2003) afirma que em sua
vilão da área da estratégia é a implementação experiência de consultoria, em mais de 300
e não o planejamento, mais ainda, o que casos descrevendo o processo estratégico em
distingue as empresas bem sucedidas é a empresas brasileiras, não ter encontrado ne-
forma como se organizam e operam para nhum representante típico de qualquer das
concretizar suas aspirações. O autor cita dez escolas.
que em estudos recentes publicados pela Amoroso (2002) afirma que a arte de
revista Fortune, cerca de 70% dos fracassos criar, desenvolver, implementar e monitorar
dos presidentes não ocorrem por falha no estratégias competitivas vem sofrendo trans-
pensamento estratégico, mas por falha na formações profundas em razão das mudan-
execução. ças tecnológicas e da velocidade das informa-
Formalizar o processo de pensamento ções, de maneira que modelos tradicionais de
do estrategista parece se um grande dilema planejamento como SWOT, Análise Estrutu-
e também a grande falácia da escola do pla- ral da Indústria e da Concorrência e outras,
nejamento. A idéia de que sistemas formais já não funcionam em muitas circunstâncias.
podem substituir a criatividade e intuição é Existe uma grande necessidade de
no mínimo grosseira. As pequenas empresas aquisição de conhecimento pelo pequeno
são em sua essência informais, e talvez esta empresário. A parceria com associações co-
seja uma das principais características que merciais e industriais, institutos de pesquisa
lhe provém velocidade e flexibilidade. O pe- e com as universidades podem auxiliar na
queno empresário sente falta de alguém ou obtenção de dados mercadológicos setoriais,
de alguma ferramenta que o auxilie na im- na formação de pessoal e também na imple-
plementação, formalização, do pensamento mentação da estratégia, o que vem a ratificar
estratégico. Nenhuma das ferramentas de a importância da formação de grupos de pes-
análise propostas pelas escolas de estraté- quisa com foco na pequena empresa, como é
gia pode prover criatividade e intuição, nada o caso na EESC-USP do grupo dirigido pelo
pode substituir a cabeça do estrategista. Prof. Edmundo Escrivão Filho e da FEA-
Para Mintzberg (2004) na organiza- USP, Ribeirão Preto, com o grupo do Prof.
ção empreendedora, tudo gira em torno do Dante Martineli. A realização de fóruns de
executivo chefe, ele controla pessoalmente discussão sobre economia, política e tecno-
todas as atividades por meio da supervisão logias, que poderiam ser realizados por um
direta. O planejamento formal pode atrapa- conjunto de universidades e pesquisadores

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 91


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

que, em parceria com as empresas juniores, análise e formação da estratégia.


viabilizariam a ajuda tão necessária à peque- O uso da intuição agregado a treina-
na empresa, possibilitando uma diminuição mento, informações, políticas públicas favo-
na taxa de mortalidade das mesmas. ráveis, principalmente no que diz respeito
A figura 6 ilustra o que poderia ser ao financiamento a juros baixos de novas
um possível modelo do relacionamento entre tecnologias, e auxílio na implantação das
instituições e as pequenas empresas no pro- estratégias são fundamentais para o cresci-
cesso de estratégia. mento brasileiro, visto que as pequenas e mi-
A análise estratégica, papel cro empresas são 98% das empresas do país,
desempenhado hoje exclusivamente pelo mantém 35 milhões de pessoas ocupadas, o
pequeno empresário passaria a contar com equivalente a 59% da população empregada
o apoio de instituições governamentais e respondem por 40% do produto interno

fig. 6 - Modelo de formulação de estratégia na pequena empresa - Elaboração própria

e particulares de fomento aos pequenos nacional (SEBRAE-SP, 2000).


negócios, através de análises ambientais Neste trabalho pretendeu-se veri-
e uso ferramentas de sistematização. A ficar como se dá processo de formação da
formação da estratégia ficaria a cargo estratégia junto aos pequenos empresários.
do pequeno empresário, devido a sua Acredita-se serem importantes novas ex-
experiência e conhecimento do ramo. plorações não só do tema, mas também do
Posteriormente o empresário e seu pessoal desenvolvimento de modelos de implantação
chave escolheriam estratégias possíveis da estratégia, de novos grupos de pesquisa,
que seriam decodificadas em planos, com foco em pequenas empresas, nas mais
com o auxílio de empresas juniores, e diversas áreas de conhecimento, que possam
posteriormente comunicados a toda equipe assessorar governos e instituições públicas e
de pessoal da pequena empresa. Através dos privadas a desenvolver políticas que estimu-
resultados obtidos teríamos um feedback lem o crescimento e melhoria da gestão deste
constante para retro-alimentar o processo de grupo de empresas.

92 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA ESTRATÉGIA NA PEQUENA EMPRESA – UM ESTUDO MULTI-CASO NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO |

WHITTINGTON, R. O que é estratégia. São Paulo, Pio-


Referências bibliográficas neira Thomson Learning, 2002

AMOROSO,R. Lidando com o pensamento Estratégico. In Costa, B. K.; Almeida M. I. R. Estratégia, perspectivas e
aplicações, São Paulo, Atlas, Parte I, cap. 1, p. 31-51, 2002.

ANDREWS, K.R.. The concept of corporate strategy. Dow Jones, Richard D. Irwin, 1971

BATEMAN, T.S.; SNELL, S. A. Administração: construindo vantagem competitiva. Trad., São Paulo: Atlas, 1998.

BETHLEM, A. S. Evolução do pensamento estratégico no Brasil: textos e casos. São Paulo, Atlas, 2003.

CHANDLER, A.D. Strategy and structure; chapters in the history of industrial enterprise. Cambridge: MIT Press,
1962.

FARAH, O.E. Sobrevivência organizacional das micro, pequenas e médias indústrias na região de São Carlos e Ara-
raquara (uma aplicação das teorias do nicho). Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Economia e Administração,
São Paulo, 1985.

FARAH, O.E.; CAVALCANTI, M. Empresas criação & administração. 10a ed São Paulo: Fac. Integradas Cruzeiro
do Sul, 1998.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo, Atlas, 1999.

HENDERSON, B. Origens da estratégia. In: MONTGOMERY, C.A.; PORTER, M.E. (1998). Estratégia: a busca da
vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, p.3-9.1998.

MINTZBERG, H. The strategy concept: five ps for strategy. California: Management Review, Fall, p. 11., 1987.

MINTZBERG, H. The Fall and Rise of Strategic Planning, Harvard Business Review, january - february ,1994.

MINTZBERG, H. et al. Strategy safári: a guided tour through the wilds of strategic management. New York, Free
Press,1998.

MINTZBERG, H.; LAMPEL, J.; AHLSTRAND, B. Todas as partes do elefante. São Paulo: HSM Management, no
12, ano 2, janeiro-fevereiro, pg. 100-108., 1999.

MINTZBERG, H.; QUINN, J.B. The strategy process: concepts, contexts, cases. 2a ed. Prentice-Hall, Inc., 1991.

MINTZBERG, H. Ascenção e queda do planejamento estratégico. Porto Alegre: 3a ed., trad., Bookman, 2004.

PORTER, M.E. What is Strategy?. Harvard Business Review, vol. 74, no 6, november-december, 1996.

PORTER, M.E. Competição: On Competition: estratégias competitivas essenciais. Trad. Rio de Janeiro: Campus,
1999.

QUINN, J.B. Strategies for change: logical incrementalism. Richard D. Irwin, Inc., cap. 1. 1980.

SEBRAE-SP. Sistema de gestão empresarial (SGE). Apostila de Treinamento, Planejamento Estratégico para Micro
e Pequena Empresa, 1999.

SEBRAE .Tablóide Conexão . nº18, São Paulo, 2000.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo, Atlas,
1987.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 93


CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL DA
QUALIDADE DA ÁGUA DE UM TRECHO URBANO
DO RIBEIRÃO PRETO, RIBEIRÃO PRETO-SP
Rafael Baldini Teles¹
Alexandre Silveira2

1- Introdução denominado de autodepuração. Essa auto-


depuração é um fenômeno que consiste em
O crescimento populacional desacele- um restabelecimento do equilíbrio do meio
rado, o desenvolvimento industrial e outras aquático através de mecanismos naturais,
atividades humanas exigem cada vez mais o após alterações induzidas por lançamento de
uso da água. É cada vez maior o consumo de efluentes. A autodepuração converte os com-
água e conseqüentemente, geração de resí- postos orgânicos em compostos inertes não
duos líquidos que são muitas vezes lançados prejudiciais na visão ecológica.
in natura nos corpos hídricos, alterando as- Antes do lançamento de uma car-
sim suas características naturais. ga poluidora, o corpo d’água, inicialmente,
O lançamento de um efluente em um apresenta uma característica quanto ao seu
rio provoca um consumo de Oxigênio Dissol- ecossistema e após o descarte do efluente,
vido (OD). Teores mínimos de OD nos rios essa característica é afetada, desequilibran-
são necessários para a existência da biodiver- do o ecossistema que, posteriormente tende
sidade do corpo hídrico. a se reorganizar.
Após o lançamento de efluentes em A autodepuração é um processo
um corpo hídrico, ocorre um processo na- natural que ocorre ao longo do espaço e do
tural de degradação da matéria orgânica tempo e, considerando que o curso d’água

Figura 1.1 – Perfil das


zonas de autodepura-
ção ao longo do curso
d’água. (Von Sperling)

¹ Aluno do curso de Engenharia Ambiental – Faculdades COC


² Professor - Faculdades COC/Ribeirão Preto-SP
rbteles@pop.com.br

94 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


se restabelece ao longo de um certo trecho, 3- Metodologia
pode-se desmembrar esse reequilíbrio em
diferentes zonas de autodepuração. O rio, em 3.1- Caracterização da Área em Estudo
condições normais, apresenta-se em na zona
de águas limpas, e logo após o descarte da O Ribeirão Preto nasce na cidade de
carga orgânica, inicia-se o processo das zonas Cravinhos-SP, passa pelo distrito de Bonfim
de degradação, zona de decomposição ativa Paulista e encerra em Ribeirão Preto-SP,
e zona de recuperação, respectivamente, onde deságua no rio Pardo.
atingindo após, novamente a zona de águas O projeto em estudo é realizado em
limpas (Figura 1.1). um trecho do Ribeirão Preto (figura 3.1), que
apresenta uma extensão de aproximadamente
2- Objetivos 300 metros e uma largura média de 10
metros. A primeira etapa consistiu na
O objetivo geral deste trabalho é localização dos pontos de interesse: pontes
caracterizar qualitativamente um trecho do para monitoramento e coleta de amostras,
Ribeirão Preto após lançamento de efluentes, lançamento de efluente, galeria de água
através de medidas das concentrações de pluvial e outros.
oxigênio dissolvido (OD) e da demanda
bioquímica de oxigênio (DBO). A partir desta
caracterização, os dados serão utilizados para
determinar a capacidade de autodepuração
do curso d’água, utilizando o modelo de
Streeter-Phelps.
Os objetivos específicos estão
relacionados com a aplicação do modelo de
Streeter-Phelps que necessita de parâmetros
empíricos como dados de entrada. De uma
maneira resumida, os objetivos específicos
são:
1 Determinar os parâmetros
necessários para a utilização do modelo:
K1 – Coeficiente de desoxigenação e K2 –
Coeficiente de Reaeração
2 Realizar medidas de OD e de DBO
para auxílio da determinação dos parâmetros
necessários.
3 Modelagem e simulação de cenários
possíveis para a melhoria da qualidade de
água do trecho em questão.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 95


| CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL DA QUALIDADE DA ÁGUA DE UM TRECHO URBANO DO RIBEIRÃO PRETO, RIBEIRÃO PRETO-SP |

O trecho em estudo é circundado pela 4- Resultados e conclusão


urbanização, mais especificamente entre os
bairros Vila Tibério (jusante à esquerda), O trabalho está em andamento e
Vila Virgínia (ao lado esquerdo), Jardim Ma- atualmente passa pela etapa de coletas e
ria Goreti (montante à esquerda), Vila Santa análises de amostras de águas do trecho
Terezinha (montante à direita), Jardim Su- em estudo. Deste modo, não foi possível de
maré (ao lado direito) e o Centro da cidade incluir os dados. Conseqüentemente, esse
(jusante à direita). resumo expandido não contém os resultados
e conclusões, que constarão no trabalho
3.2- Análise das Coletas completo que será enviado dentro do prazo
determinado.

A análise dos resultados será feita


abordando os seguintes aspectos:

1. Concentração de OD e DBO do rio


(pontos 1, 3, 4, 5, 6 e 7) – enquadramento do
corpo de água segundo a resolução CONAMA
nº 357, de 17 de março de 2005

2. Concentração de DBO dos lança-


mentos de efluente (pontos 3 e 5) – caracte-
rização do efluente: doméstico ou industrial

As coletas serão realizadas a fim de 3. Determinação de K1 e K2


se analisar as condições em que o trecho do
rio se encontra, mesmo sendo visível em um 4. Medição da vazão do trecho do rio
primeiro instante que, o trecho em estudo se
encontra em condições deploráveis. Mesmo 5. Simulação dos níveis de OD e DBO
assim, é comum encontrar moradores vizi- em função do tempo e do espaço a jusan-
nhos pescando às margens do rio, entrando te dos lançamentos utilizando o modelo de
em contato direto com a água, sem nenhum Streeter-Phelps para prever a distância ne-
tipo de precaução e consciência (figura 3.3). cessária para que o Ribeirão Preto recupere
a carga assimilada
No trecho em estudo foram localiza-
dos lançamentos pontuais de rede de esgoto Portanto, cabe ao trabalho proposto,
e de galeria de águas pluviais, além de uma determinar a distância necessária para a
suposta mina d’água (segundo informação autodepuração.
de moradores), conforme já indicado na fi-
gura 3.1.

Serão realizadas 6 coletas nos pontos


1, 3, 4, 5, 6 e 7 (trecho a montante do ponto
6), conforme Figura 3.1. Após as coletas se-
rem devidamente realizadas, serão efetuadas
análises de OD e DBO e determinadas as va-
zões dos lançamentos e do rio.

96 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL DA QUALIDADE DA ÁGUA DE UM TRECHO URBANO DO RIBEIRÃO PRETO, RIBEIRÃO PRETO-SP |

Referências bibliográficas

AGÊNCIA ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS – Resolu-


ção CONAMA 357/05. Disponível em: http://www.cprh.pe.gov.br/frme-index-secao.
asp?idsecao=36. Acesso em 24 de maio de 2005.

CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – Resolução 20/86. Disponível em:


http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res2086.html Acesso em 25 de abril
de 2005.

BRAGA, B.; et al. Introdução à Engenharia Ambiental. São Paulo, Prentice Hall, 2003.
305p.

MOTA, S.; Introdução à Engenharia Ambiental. 1ª Edição. Rio de Janeiro: ABES, 1997.
280p.

NUVOLARI, A.: et al. Esgoto Sanitário: Coleta, Transporte, Tratamento e Reuso Agrícola.
FATEC-SP, CEETEPS. 2003. 520p.

VON SPERLING, M.; Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias: Intro-


dução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos - Volume 1. 2ª Edição revisada.
DESA – UFMG. 243p.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 97


ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À
EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP ATRAVÉS
DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA
AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING
Marcelo Abraão Figueiredo¹
Ricardo Adriano Martoni Pereira Gomes²

1. Introdução “splash” no solo é potencializado quando a


cobertura vegetal é escassa e a intensidade de
As atuais discussões sobre os chuva é alta, aumentando a susceptibilidade
problemas relacionados ao meio ambiente e do solo à erosão. O papel do “splash”
seus reflexos na qualidade de vida de diversas varia não só com a resistência do solo ao
comunidades e sobre o futuro do planeta têm impacto das gotas de chuva, mas também
levado em conta, cada vez mais, o papel dos com a própria energia cinética das gotas de
recursos geológicos, pedológicos, hídricos, chuva. Dependendo da energia aplicada à
atmosféricos e biológicos, nos quais ocorrem superfície do solo, ocorrerá, com maior ou
as maiores agressões e impactos ao meio menor facilidade, a ruptura dos agregados
ambiente (WHITE et al, 1992). e o espalhamento de pequenas partículas,
Uma bacia hidrográfica deve ser formando crostas que provocam a selagem
entendida como sistema geomorfológico do solo (GUERRA et al., 1999).
drenado por cursos de água, ou por um sistema Os sedimentos removidos de uma
de canais conectados, que convergem, direta bacia durante chuva intensa podem ser
ou indiretamente, para um rio principal ou transportados e ficar depositados em um
para um espelho de água, constituindo-se, curso de água e, ali, permanecerem até
assim, em uma unidade sistêmica ideal para outra precipitação, quando serão novamente
o planejamento do manejo integrado dos transportados para jusante (LOPES, 1980).
recursos naturais (BERTONI & LOMBARDI A principal causadora desse problema é a
NETO, 1990). A idéia de bacia hidrográfica erosão hídrica, processo no qual ocorre o
está associada à noção da existência de desprendimento e transporte de partículas
nascentes, divisores de águas e características do solo causado pela água. Constitui-se em
dos cursos de água, principais e secundários, uma das principais causas de deterioração
denominados afluentes e subafluentes. acelerada das terras utilizadas na agricultura.
Os cursos de água transportam detritos Segundo LE BISSONNAIS & SINGER (1988),
(sólidos) que têm origem principalmente a erosão hídrica resulta da interação de forças
na erosão superficial do solo, ou também ativas como: as características da chuva, a
chamada de erosão laminar. Nesse tipo de declividade do terreno e a capacidade do
erosão as partículas do solo desprotegidas, são solo em absorver água; e de forças passivas,
desagregadas pelo pisoteio, pelo vento e pelo como: a resistência do solo à ação erosiva da
impacto da chuva. O fenômeno denominado água, os métodos de cultivo e a densidade
“splash” (erosão por impacto das gotas de da cobertura vegetal. A resistência do solo
chuva) é responsável pela desagregação das determina a sua erodibilidade, que é a
partículas de solo pela chuva. O efeito do tendência inerente do solo de erodir-se em

¹ Aluno do do Curso de Engenharia Ambiental - Faculdades COC - mouabrahao@yahoo.com.br


² Orientador e Professor Doutor, docente das Faculdades COC - rampgomes@gmail.com

98 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


diferentes proporções, devido unicamente às com a Universidade de Purdue, é que foram
diferenças peculiares de cada classe de solo. compilados novos dados e acrescentados
A segunda fase da erosão hídrica aos já obtidos em épocas anteriores, para
é caracterizada pela remoção da camada posteriormente ser desenvolvida a equação
superficial do solo. Esse tipo de erosão mais difundida atualmente, a Equação
está associado ao escoamento superficial, Universal de Perdas de Solo (EUPS)
que muitas vezes é referenciado como (CAVALIERI, 1994).
escoamento laminar. Em contraste com o A Equação Universal de Perdas de
impacto das gotas, o escoamento laminar Solo (Universal Soil Loss Equation - USLE) é
tem pequena capacidade de desestruturação um modelo elaborado para predizer a perda
e alta capacidade de transporte. (BRADFORD de solo por erosão em culturas específicas
et al., 1987; GROSH & JARRETT, 1994). O com diferentes gerenciamentos de sistemas
impacto das gotas sobre o solo abre pequenas agrários. De acordo com WISCHMEIER &
crateras e partículas são desprendidas e SMITH (1978), o modelo proposto pela EUPS
lançadas a 1,0 m de altura e 1,5 m de raio de superou muitas das limitações encontradas
distância. BERTONI & LOMBARDI NETO nas equações anteriormente propostas.
(2005) comentam que pesquisadores têm Segundo GAMEIRO (1997), a
constatado que em uma única chuva ocorre sensibilidade de modelos desse tipo é definida
o desprendimento de mais de 200 toneladas como uma medida dos efeitos da variação
de partículas de solo por hectare. de um determinado fator no resultado final
Nesse contexto, a utilização de do modelo, e é uma importante ferramenta
modelos matemáticos para avaliar a perda na formulação, calibração e verificação de
de solo de uma área cultivada vem se modelos matemáticos. Ainda GAMEIRO
tornando uma prática de grande utilidade (1997), a forma como os fatores comprimento
para o planejador conservacionista e para e declividade de rampa são introduzidos
os estudos ambientais (GAMEIRO, 1997). O no modelo assumem grande importância
desenvolvimento de equações para calcular a quando o assunto é a sua sensibilidade.
perda de solos iniciou-se por volta de 1940 no Em frente a essa realidade o presente
Corn Belt, Estados Unidos. O processo para trabalho tem a finalidade de realizar um
estimar a perda de solo nessa região entre estudo para avaliar a suscetibilidade à
1940 e 1956 era conhecido como o método perda de solo por erosão laminar na Bacia
do plantio em declives (GAMEIRO, 1997). do Córrego São Simão, integrando-o com
Durante anos, diversas tentativas foram diagnóstico ambiental da microbacia do
realizadas com a finalidade de se quantificar córrego em estudo, visando subsidiar o
o efeito da erosão em conjunção com as planejamento e fornecimento de diretrizes
práticas de plantio (HUDSON, 1981). ao gerenciamento da bacia, utilizando como
BERTONI & LOMBARDI NETO ferramenta o geoprocessamento.
(2005), descrevem a evolução dos modelos
matemáticos para avaliação de perdas de solo 2. Material e métodos
e a introdução de outras variáveis tais como:
práticas conservacionistas, erodibilidade 2.1. Caracterização da área
do solo, precipitação. Estas variáveis foram 2.1.1. Aspectos geográficos gerais
sendo estudadas e introduzidas visando
adaptar o modelo do Corn Belt a outras áreas A bacia do córrego São Simão está
cultivadas. Somente a partir da criação, em totalmente inserida no município de São
1954, do Runoff and Soil – Loss Data Center, Simão – SP, e apresenta uma área de 52,8
pelo Agricultural Research Service dos Km2, como pode ser visto nas Figuras 2.1
Estados Unidos da América, em cooperação e 2.2.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 99


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

Figura 2.1. - Bacia Hi-


drográfica do Córrego
São Simão e a localiza-
ção do Município de São
Simão (GONÇALVES E
DIBIAZI, 2006).

Figura 2.1. - Bacia Hidrográfica do Córrego São Simão e a localização do Muni-


cípio de São Simão (GONÇALVES E DIBIAZI, 2006).

A nascente do córrego está localiza- 2.1.2. Pedologia


da na latitude 238467,3 UTM e longitude
7620130,9 UTM (fora da área urbana da ci- Predominam os solos do tipo areno-
dade), no seu trajeto ele atravessa a área ur- so (cerca de 50,8% da área da bacia – Areia
bana, e recebe efluentes industriais e domés- Quartzosa Profunda), sendo o restante da
ticos. Sua foz está na latitude 230037,5UTM área ocupado por: Latossolo Roxo 23,5%, So-
e longitude 7628438,5 UTM, na confluência los Litólicos 15,3%, Latossolo Vermelho Es-
com o Ribeirão Tamanduá. O município está curo 7,8%, Tipos de terreno 1,7% e Latossolo
localizado no nordeste do Estado de São Vermelho Amarelo 0,9%.
Paulo, e faz parte da região administrativa de Para essa determinação foram utili-
Ribeirão Preto, especificamente na área co- zadas as cartas pedológicas de Ribeirão Preto
nhecida como Alta Mogiana. Possui cerca de e Descalvado, escala 1:100.000 (INSTITUTO
629 km2, e sua área urbana conta com apro- AGRONÔMICO DE CAMPINAS,1983).
ximadamente 5,758 km2, e uma população
de 14400 habitantes (SEADE, 2004). Tem 2.1.3. Uso e Ocupação do Solo
como limite ao norte o município de Serra
Azul, a leste o município de Santa Rosa de Na bacia do córrego São Simão, grande
Viterbo, ao sul Santa Rita do Passa Quatro e parte da área (69% da área total) é ocupada por
a oeste Luis Antonio (Figura 2.2). Está dis- pastagem, silvicultura e atividades agrícolas.
tante cerca de 300 km da capital e a 50 km de Além disso, existe um distrito industrial, áreas
Ribeirão Preto por via rodoviária. (GONÇAL- de várzea, e de vegetação nativa, e também
VES E DIBIAZI, 2005). atividade de mineração no noroeste da bacia.

100 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

Figura 2.2. – Localização da Bacia Hidrográfica do Córrego São Simão e divisas


do Município de São Simão (GONÇALVES E DIBIAZI, 2006).

2.2. Material cartográfico Os softwares utilizados neste trabalho


foram: sistemas de informações geográficas
O material cartográfico de base uti- SPRING 4.3.3. e SCARTA 4.3.3..
lizado na presente pesquisa corresponde O SPRING é um SIG (Sistema de In-
a mapas e levantamentos de procedências formações Geográficas) no estado-da-arte
variadas. Devido à diversidade de origens e com funções de processamento de imagens,
finalidades para as quais foram confecciona- análise espacial, modelagem numérica de
dos, apresentam diferentes graus de detalha- terreno e consulta a bancos de dados espa-
mento, levantado e publicado em várias esca- ciais.
las e em datas não coincidentes. O SCARTA nada mais é do que um
Foram utilizadas as seguintes cartas: gerador de cartas que faz interligação com o
carta planialtimétrica Descalvado, escala módulo principal SPRING. Esta interligação
1:100.000, (IAC, 1983); Folha Ribeirão Preto é feita através do gerenciador de dados (ban-
Escala 1:100.000 (IAC, 1983). Também foi co de dados), portanto o gerador de cartas
utilizada a Carta do Brasil, folha topográfica não terá nenhuma função para reprocessar
de Cravinhos, Rio de Janeiro (IBGE, 1977), e alterar os dados. A responsabilidade do
escala 1:50.000 e Carta do Brasil, folha to- gerador de cartas será de edição e obtenção
pográfica de Luiz Antonio, Rio de Janeiro, de uma saída de apresentação gráfica de alta
(IBGE,1977), escala 1:50.000. qualidade.
Planilhas eletrônicas como o Micro-
2.3. Material de sensoriamento remo- soft® Office Excel 2003 para Windows, tam-
to e softwares bém tiveram sua utilidade durante a pesqui-

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 101


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

sa na execução de cálculos e manipulação de Onde EI é a média mensal do índice


arquivos numéricos segundo as exigências de erosão (MJ.mm/ha.L), r é a precipitação
do modelo USLE. média mensal em milímetros e P é a precipi-
tação média anual em m ilímetros.
2.4. Obtenção dos parâmetros da EUPS
EI = 67, 355* (r2/P)0,85 (2.2)
2.4.1. Obtenção do fator R
Onde EI é a média mensal do índice
O fator R foi obtido a partir de dados de erosão, MJ/ha mm; r é a precipitação mé-
pluviométricos médios mensais da região de dia mensal em milímetro; P é a precipitação
estudo, os quais se encontram na Tabela 2.1 e média anual mm/ano.
Tabela 2.2. Nestas mesmas tabelas apresen- Para um longo período de tempo
tam-se os cálculos do EI30 mensais segundo (geralmente utiliza-se 22 anos) essas duas
KUNTSCHIK (1996) Equação 2.1, e BERTO- equações estimam com relativa precisão os
NI & LOMBARDI NETO (1990) Equação 2.2, valores médios de EI de um local, usando so-
encontradas abaixo, juntamente com o valor mente totais de chuva, os quais são disponí-
do fator R anual considerado constante e não veis para muitos locais.
em formas de isolinhas de precipitação dada Foram utilizados dados de precipi-
as dimensões da microbacia e, também a tação media mensal de duas estações mete-
quantidade reduzida de pontos de monitora- orológicas localizadas em diferentes pontos
mento nesta bacia. Apenas duas estações se da bacia. A primeira estação continha dados
encontram no local. de um período de 54 anos de medições, en-
quanto a segunda continha um período de 33
EI = 89, 823 (r2/P)0, 759 (2.1) anos. Isso proporcionou maior confiabilida-
de aos resultados obtidos.

EI30 (MJ.mm/ha.L)
PRECIPITAÇÃO EI30 (MJ.mm/ha.L)
MESES (BERTONI & LOM-
(mm) (KUNTSCHIK, 1996)
BARDI NETO, 1990)
Janeiro 269,3 1715,03 1831,58
Fevereiro 204,1 1125,81 1143,14
Março 163,8 806,43 786,73
Abril 78,7 264,98 226,21
Maio 59,2 171,90 139,33
Junho 31,1 64,82 46,74
Julho 25,1 46,81 32,47
Agosto 23,6 42,51 29,14
Setembro 60,9 179,67 146,40
Outubro 134,7 599,18 564,09
Novembro 173,9 882,73 870,56
Dezembro 264,6 1670,07 1777,89
TOTAL 1489,1 - -
Fator R anual (soma dos EI30 mensais) 7569,93 7594,29
Tabela 2.1. - Distribuição da precipitação média mensal na área de estudo (SIGRH,
2004) e cálculo do EI30 para cada mês e valor do fator R anual (período de 54 anos).

102 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

EI30 (MJ.mm/ha.L)
PRECIPITAÇÃO EI30 (MJ.mm/ha.L)
MESES (BERTONI & LOM-
(mm) (KUNTSCHIK, 1996)
BARDI NETO, 1990)
Janeiro 273,4 1716,42 1833,24
Fevereiro 223,7 1265,63 1303,29
Março 160,6 765,17 741,80
Abril 80,7 269,41 230,45
Maio 54,6 148,63 118,39
Junho 35,2 76,41 56,20
Julho 25,8 47,62 33,09
Agosto 28,9 56,61 40,17
Setembro 68,4 209,49 173,88
Outubro 134,3 583,18 547,26
Novembro 178,0 895,07 884,19
Dezembro 269,5 1679,61 1789,27
TOTAL 1533,1 - -
Fator R anual (soma dos EI30 mensais) 7713,25 7751,22
Tabela 2.2. - Distribuição da precipitação média mensal na área de estudo (SIGRH,
2004) e cálculo do EI30 para cada mês e valor do fator R anual (período de 33 anos).

2.4.2. Obtenção do fator K NETO (2005) foram consideradas, para cada


horizonte as seguintes propriedades: argila
Os valores do fator K para cada tipo natural, argila dispersa e umidade equivalen-
de solo da região de estudo foram obtidos do te, tendo sido estudados somente os horizon-
livro Conservação do Solo (2005) de BER- tes A e B de solos com B textural e B latossó-
TONI e LOMBARDI NETO. Eles estudaram lico, estabelecendo-se as seguintes relações:
66 perfis de solo, para dois grupamentos de (a) relação de dispersão – definida como a
solo que ocorrem no estado de São Paulo, e relação teor de argila natural/teor de argila
os analisaram de acordo com o método de dispersa, (b) relação argila dispersa/umida-
MIDDLETON com algumas modificações. de equivalente; (c) relação de erosão – razão
MIDDLETON, um dos primeiros a entre relação de dispersão e a relação argila
tentar idealizar um índice de erodibilidade dispersa/umidade equivalente.
do solo baseado em suas propriedades físi- Verifica-se, por esses dados de BER-
cas, encontrou que a relação de dispersão, a TONI & LOMBARDI NETO (2005), o com-
relação de colóide/umidade equivalente e a portamento dos solos com B textural e B
relação de erosão foram os primeiros crité- latossólico, com relação à erosão, tanto nos
rios que diferenciam os solos com respeito à horizontes superficiais como nos subsuperfi-
erosão. Estabeleceu um valor-limite para se- ciais, indicando que, de maneira geral, os so-
parar solos erosivos daqueles pouco erosivos. los podzolizados são mais suscetíveis à ero-
Assim, solos que apresentassem a relação de são (BERTONI & LOMBARDI NETO, 2005).
erosão menor que 10 e a relação de disper- O manejo do solo a ser adotado nos latossolos
são menor do que 15 eram considerados não deve ser diferente daquele dos podzolizados,
erosivos. pois estes são mais facilmente erodíveis.
No caso de BERTONI & LOMBARDI Os valores de K, para cada tipo de solo

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 103


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

existente na área, foram obtidos por meio da O valor de Z = 0m, previamente co-
tabela definida a partir das classificações tado, deu aos divisores principais e secun-
sugeridas por SCOPEL & SILVA (2001) e dários o comprimento de rampa 0m, pois o
BERTONI & LOMBARDI NETO (2005), que caminho percorrido pelas águas inicia-se no
atribuem valores de erodibilidade corres- divisor de água e vai até o rio. Pelo comando
pondentes a cada classe de solo, levantados mosaico, copiaram-se os rios para dentro do
a campo, por meio de amostras georreferen- plano de informação e foi atribuída a esses
ciadas, determinando-se de forma indireta vetores a função de linhas de quebras.
pelo do nomograma, desenvolvido por WIS- Utilizando a ferramenta MNT, co-
CHMEIER & SMITH (1965) APUD RESEN- mando mapa de distância, criou-se o PI na
DE & ALMEIDA (1985), cujos valores foram forma de grade retangular, com resolução
adaptados para a microbacia do córrego São em X(10m) e Y(10m). Essa grade de distân-
Simão (Tabela 2.4.). Os valores de K utiliza- cia teve como ponto de partida os divisores
dos na EUPS são do horizonte superficial do de água (0m) até as linhas de quebras carac-
solo, pois o objetivo desta é a quantificação terizadas pelas linhas da hidrografia.
da erosão laminar presente na bacia. Para geração do fator S, a partir das
A espacialização do fator K foi fei- amostras da altimetria, na categoria Relevo -
ta através da criação de um PI no SPRING MNT, através do comando MNT - Geração de
(INPE, 2007) denominado solo onde foram grade triangular, criou-se a grade triangular
digitalizadas as distintas manchas de solo (TIN) usando os rios como linha de quebra.
abrangidas pela área de estudo, sendo cada A partir dessa grade, e com o comando MNT
uma delas vinculada ao valor correspondente - Geração de grade retangular, gerou-se uma
do fator K. O PI solo foi então convertido em grade altimétrica com resolução X(10 m) e
arquivo matricial para posterior cruzamento Y(10 m). A partir dessa grade retangular al-
com os outros fatores. timétrica, usando o comando MNT - Declivi-
dade, com as opções de entrada grade, saída
2.4.3. Obtenção dos fatores L e S declividade, unidade porcentagem, gerou-se
o PI Declividade, com resolução X(10 m) e
Para cálculos do LS utilizaram-se a Y(10 m). O mapa de declividade foi obtido
equação citada por BERTONI & LOMBARDI através do “fatiamento” da grade numérica,
NETO (2005). ou seja, da associação dos intervalos da grade
a classes temáticas.
LS = 0,00984 * L 0,63* S 1,18 (2.3) As grades retangulares do compri-
mento de rampa e declividade foram intro-
Onde L é o comprimento de rampa duzidas em um programa LEGAL. Esse pro-
em m e S é o declive em %. grama gerou na categoria Fator LS - MNT, na
Para determinação do LS, primeiro forma de grade retangular, com resolução de
procedeu-se à identificação individual do L X(10 m) e Y(10 m), o PI Fator LS.
(comprimento de rampa) e do S (declivida- Ressalta-se que, na determinação do
de %). Para determinação do L, criou-se uma L, levou-se em conta a encosta natural, sem
categoria MNT, que recebesse as informa- considerar a quebra da circulação da água
ções. Criou-se um PI dentro dessa categoria por barreiras, como mata ou práticas conser-
e pela ferramenta Editar, comando Vetorial vacionistas.
do SPRING, no qual foram traçados manual-
mente todos os divisores de água principais e 2.5. Cálculo do potencial natural de
secundários do retângulo do projeto (bacia e erosão
em torno). O potencial natural à erosão é defini-

104 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

do pelas características pluviométricas, pe- tros acima, gerando uma grade onde cada
dológicas e geomorfológicas combinadas. A ponto da superfície está associado ao valor
instabilidade emergente, definida pelos fato- potencial natural de erosão.
res antrópicos, combina o potencial natural De posse do mapa resultante, em
com o uso empregado ao solo. modelo numérico de terreno, foi feito seu fa-
Para estimar o Potencial Natural de tiamento, ou seja, foram definidas as classes
Erosão (PNE) na bacia foi utilizada a seguin- de potencial natural à erosão na microbacia,
te equação: possibilitando uma melhor visualização dos
locais onde a probabilidade de ocorrer ero-
PNE= R . K . LS (2.4) são é maior.

Onde R é a erosividade da chuva anu- 3. Resultados e discussão


al, K é a erodibilidade do solo e LS é uma va-
riável calculada a partir do comprimento da 3.1. Fator Erosividade das chuvas (R)
encosta L.
Neste trabalho o valor de R corres- BERTONI E LOMBARDI NETO
ponde a 7569,93 MJ.mm/ha.L. A erodibili- (1990) dizem que quando outros fatores,
dade do solo (K), ou seja a resistência deste à exceto a chuva, são mantidos constantes, as
ação da chuva, depende diretamente do tipo perdas de solos ocasionadas pelas chuvas em
de solo em questão. Para cada tipo de solo há terrenos cultivados são proporcionais ao va-
um valor associado de acordo com a Tabela lor do produto de sua energia cinética e in-
2.4.. tensidade máxima em 30 minutos. Esse efei-
A partir do mapa de altimetria, gerou- to representa a interação que mede como a
se um modelo numérico de terreno utilizan- erosão por impacto, o salpico e a turbulência
do-se o interpolador TIN (grade triangular). se combinam com a enxurrada para trans-
Desta grade, gerou-se outra grade de decli- portar as partículas de solo desprendidas
vidade e um mapa temático com classes de (RESENDE E ALMEIDA, 1985).
declividade. O valor do comprimento da en- Este fator é dimensional e permite
costa (L), ou percurso da água, foi obtido a a avaliação do potencial erosivo das preci-
partir de um mapa de distância entre o limite pitações de determinado local, além de ser
da bacia e os níveis mais baixos de altime- imprescindível aos cálculos dos fatores K
tria, resultando em um modelo numérico de (erodibilidade dos solos) e C (manejo das
terreno. culturas) dessa equação. Com a determina-
A partir desta formulação metodoló- ção dos valores de erosividade ao longo do
gica, é apresentado a seguir um programa ano, é possível identificar os meses nos quais
em LEGAL que realiza este procedimento. O os riscos de perdas de solo são mais eleva-
LEGAL foi utilizado para: dos, razão por que exerce relevante papel no
• Converter o mapa de solos em uma planejamento de práticas conservacionistas
grade de valores de erodibilidade, utilizando- fundamentadas na máxima cobertura do solo
se a função PONDERE; (plantio direto) nas épocas críticas de maior
• Converter o mapa de classes de de- capacidade erosiva das chuvas.
clividade em uma grade de valores médios Na presente microbacia existem
de declividade, utilizando o valor central de duas estações meteorológicas, o que é extre-
cada intervalo, também através da função mamente benéfico, pois oferece grande dis-
PONDERE; ponibilidade de dados para diversos estudos,
• Aplicar a equação universal da per- principalmente para este, que necessita de
da de solos considerando todos os parâme- dados com extrema segurança, possibilitan-

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 105


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

do uma gestão mais adequada da bacia. cada classe de solo.


O valor de erosividade encontrado na O processo de classificação dos valo-
bacia do São Simão que foi utilizado é igual res de erodibilidade para solos do Estado de
a 7569,93 MJ.mm/ha.L. Este foi utilizado, São Paulo está em expansão, porém de forma
pois oferecia mais precisão na base de cál- demorada.
culos, devido ao período de medições de 54 Não existem valores de erodibilidade
anos, realizada em uma das estações meteo- para os solos encontrados na microbacia do
rológicas encontrada na bacia. Esse valor está São Simão. Devido a isso, os valores utiliza-
dentro do intervalo encontrado para as con- dos nesse trabalho foram extraídos de outros
dições brasileiras que vai de 5000 MJ.mm/ trabalhos, de renomados autores como BER-
ha.L a 12000 MJ.mm/ha.L (COGO, 1988). TONI E LOMBARDI NETO.
Esta falta de classificação faz com que
3.2. Fator Erodibilidade dos solos (K) este trabalho não ofereça máxima seguran-
ça no tratamento de seus dados no software
As propriedades físicas, químicas, SPRING, podendo fornecer um mapa de sus-
biológicas e mineralógicas dos solos influen- ceptibilidade à erosão com alguns erros.
ciam no estado de agregação das partículas, No entanto, quando estes solos forem
aumentando ou diminuindo a resistência do estudados, seja pelo IAC ou algum outro pes-
solo à erosão. Com isso, cada tipo de solo quisador, seus valores de erodibilidade, não
apresenta um valor erodibilidade diferen- devem sofrer grandes alterações comparados
te, pois mesmo que os fatores declividade, com os utilizados neste trabalho.
precipitação, cobertura vegetal e práticas
conservacionistas fossem iguais em solos ar- 3.3. Fator Comprimento de rampa e
gilosos e arenosos, os últimos, devido às suas grau de declive (LS)
características físicas e químicas, são mais
susceptíveis à erosão. 3.3.1. Fator Comprimento de rampa (L)
As propriedades do solo que influen-
ciam na erodibilidade são as que afetam a O fator L é considerado como o mais
velocidade de infiltração, a permeabilidade, subjetivo, ou seja, de um intérprete para ou-
a capacidade de armazenamento de água e tro há uma variação nos valores de L. Como
oferecem resistência às formas de dispersão, este fator provoca uma alta sensibilidade no
salpico, abrasão, transporte e escoamento modelo EUPS, isto indica que a proposta de
pelas chuvas (LARIOS, 2003). quantificar o volume de sedimentos é ainda
Os solos menos erodíveis são os La- um objetivo a se aprimorar, principalmente
tossolos, que são solos maduros e profun- se automatizar a obtenção deste fator. Há al-
dos, isto é, mais intemperizados. À medida gumas propostas neste sentido como a utili-
que o grau de maturidade e profundidade vai zação de imagens aspectos e linearização dos
diminuindo, o grau de erodibilidade vai au- comprimentos de encostas (RISSO, 1993).
mentando. Dessa forma, na seqüência apare- Este fator tem forte ligação com o au-
cem as Areias Quartzosas e por último, com mento ou não da erosão. À medida que au-
maior grau de erodibilidade, estão os Solos menta o comprimento da rampa, maior será
Litólicos. o volume de água, aumentando também a ve-
O resultado da espacialização dos va- locidade de escoamento. Em alguns casos o
lores de K está diretamente relacionado ao comprimento da rampa diminui o efeito ero-
mapeamento dos tipos de solos presentes sivo, considerando-se que a capacidade de
na bacia, pois estes valores são diretamente infiltração e a permealibidade do solo reduz
dependentes das propriedades intrínsecas de o efeito. Porém, em princípio, quanto maior

106 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

o comprimento de rampa, mais enxurrada se metodologia fosse escolhida e aplicada para


acumula, e a maior energia resultante se tra- o cálculo do comprimento de rampa. A mi-
duz por uma erosão maior. crobacia apresenta uma topografia média
A metodologia aplicada neste traba- entre 580 a 780 m. Apenas pontos isolados
lho para cálculo do fator L não é a mais indi- da microbacia, como no seu sudeste, apre-
cada, pois não considera o fluxo acumulado sentam valores mais altos de topografia, va-
de água. A metodologia mais correta é aquela riando entre 880 a 980 m.
que emprega o conceito de contribuição de
área, contendo em sua formulação o fluxo 3.3.2. Fator Declividade (S)
acumulado. Para isso, deve ser utilizado para
o cálculo do fator de comprimento de verten- A declividade (fator S) é um dos fato-
te (L) o algoritmo de DESMET & GOVERS res mais relacionados com o nível de susceti-
(1996), que determina, de maneira informa- bilidade de risco. Quanto maior a declividade
tizada (automática), este fator. de uma encosta, maior é o movimento de ter-
O algoritmo de DESMET & GOVERS ra necessário para a ocupação, e esses cortes
(1996), que emprega o conceito de contribui- e aterros realizados sem obras de estabiliza-
ção de área, requer a geração de um mapa de ção geram níveis maiores de riscos associa-
fluxo acumulado. Para cada pixel, calculam- dos a escorregamentos.
se a declividade, a direção de fluxo e a quan- A declividade afeta diretamente o
tidade de fluxo que se acumulou a montante tempo que a água da chuva leva para concen-
daquele pixel. Dessa maneira, o fator topo- trar-se nos leitos fluviais que constituem a
gráfico para vertentes complexas pode ser fa- rede drenagem das bacias.
cilmente calculado. Assim, com base no MNT A magnitude dos picos de enchente e
e utilizando-se um software de geoprocessa- a maior ou menor oportunidade de infiltra-
mento determina-se: o mapa de declividade; ção e erodibilidade dos solos dependem da
o mapa de coeficiente da declividade; a dire- rapidez com que ocorre o escoamento sobre
ção de fluxo e o fluxo acumulado. A área de os terrenos da bacia.
contribuição é gerada pelo produto do fluxo A maior classe de declividade da mi-
acumulado e pela área de cada célula. O fluxo crobacia é de 0 – 10%, esta considerada uma
acumulado é obtido em função da direção do declividade baixa. No entanto, no centro–
fluxo, que, por sua vez, é obtido do MNT. leste e no sudeste da bacia onde a topografia
Quando comparado ao método tradi- é maior, os valores de declividade ultrapas-
cional de WISCHMEIER & SMITH (1978), o sam os 50%, mostrando que a microbacia
fator LS obtido pelo algoritmo de DESMET & também apresenta encostas íngremes, o que
GOVERS (1996) demonstra ter incorporado é bastante prejudicial, já que quanto maior a
de forma mais fidedigna os processos de va- declividade maior a velocidade de escoamen-
riação de declividade e convergência/diver- to superficial da água, menor a infiltração e
gência de fluxo nas vertentes; isso permite conseqüentemente maior a capacidade de
que a EUPS seja adequadamente aplicada na arraste de partículas de solo, causando a ero-
predição de perda de solo em bacias comple- são. Terrenos com altas declividades estão
xas. Isso foi observado em trabalhos como o mais suscetíveis a desabamentos e grandes
de SILVA (2003). movimentações de terra. Além disso, devido
No entanto, esta metodologia não à declividade, terrenos podem oferecer baixa
pôde ser utilizada neste trabalho, pois o sof- nota no que diz respeito à recarga de aqüí-
tware de geoprocessamento SPRING 4.3.3 feros e menor suscetibilidade de águas sub-
não realiza a geração de um mapa de fluxo terrâneas.
acumulado de água. Isso fez com que outra Os fatores L e S foram interligados,

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 107


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

apresentando as áreas onde o relevo, ou seja, potencial de perdas de solo e seu respecti-
o grau de declive, ou melhor, a inclinação do vo potencial natural à erosão em ton. ha-1
terreno e o comprimento da encosta é que de- ano-1. Os valores encontrados variam de 0
terminarão à velocidade de escoamento su- até mais de 4000, indicando diversas classes
perficial, caracterizando o potencial de carre- de potencial natural à erosão, o que pode ser
gamento pela erosão em termos de tamanho verificado também na Figura 3.1, que apre-
e quantidade de material e evidenciando que, senta também o mapa de susceptibilidade à
na bacia do Córrego São Simão, os valores de erosão na microbacia.
LS de 0 a 1,2 abrangem maior quantidade de
área e em seguida estão as classes de 1,2 a 2,0 Potencial Natural à
e 8,0 a 20,0. Classes de Potencial
erosão (PNE) (ton.
de perdas de solo
Valores mais elevados se associam ha-1 ano-1)
à área com declividades mais acentuadas. Baixa 0 - 100
Tendo em vista a grande complexidade do
Média baixa 100,1 - 200
relevo em uma bacia hidrográfica, a esti-
mativa automatizada dos comprimentos de Média 200,1 - 600
vertente dentro do SIG do tipo matricial, es- Média alta 600,1 - 1000
pecialmente nas áreas com vegetação natural Alta 1000,1 - 4000
ou em áreas de cultura sem terraceamento,
Muito alta > 4000,1
continua sendo um fator limitante da mode-
lagem da erosão (WEILL, 2001). Tabela 3.1. Classes de Potencial de perdas de solo e seu
respectivo potencial natural à erosão em ton. ha-1 ano-1
Portanto, em grande parte da micro-
bacia o fator LS exerce influência importan-
te no processo erosivo, se tornando um dos MACIEL (2000), em seu trabalho,
principais agentes causadores de erosão na obteve valores de PNE muito altos e extre-
microbacia. mamente altos, com perdas da ordem de
900 a 8.898 ton. ha-1 ano-1. NASCIMENTO
3.4. Carta de potencial natural à erosão (1998), encontrou valores do PNE alto e mui-
laminar to alto para a bacia do Rio João Leite, entre
388,33 ton.ha-1.ano-1 a 515,41 ton.ha-1.ano-
O potencial natural de erosão (PNE), 1, levando-se em consideração as perdas mé-
calculado para a microbacia do Córrego São dias, acima do limite de tolerância. Por outro
Simão - SP teve o objetivo principal de deter- lado, as perdas máximas de solos, atingiram
minar a erosão laminar, desconsiderando-se valores oscilando entre 1.574 ton.ha-1.ano-1
os aspectos de uso e cobertura vegetal. As a 4.833 ton.ha-1.ano-1.
classes de perdas de solo são válidas somente Na microbacia, os valores mais eleva-
para áreas continuamente destituídas de co- dos do PNE aparecem entre as classes alta a
bertura vegetal e sem qualquer intervenção extremamente alta, podendo variar de 1000,1
antrópica. a mais de 4.000 ton.ha-1.ano-1 (Tabela 3.1),
Segundo STEIN et al., (1987) e SCO- enquanto os menores valores mínimos (clas-
PEL (1988), estes valores não podem ser to- se baixa) correspondem à classe de 0 a 100
mados como dados quantitativos de perdas ton.ha-1.ano-1.
de terra por erosão, servindo assim, apenas Os maiores valores de PNE são en-
para categorizar qualitativamente as áreas contrados no centro-oeste e sudeste da ba-
quanto à sua maior ou menor susceptibilida- cia, exatamente onde o fator LS exerce maior
de à erosão laminar. influência, seguido também por uma menor
A Tabela 3.1 apresenta as classes de capacidade de suportar a erosão pelos so-

108 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

los litólicos encontrados nesta região. Neste Apesar de suas limitações, a espacia-
local foram encontrados valores de PNE de lização do potencial de perda de solo pode
9716 ton.ha-1.ano-1 , o que indica alta sus- ser utilizada em tomadas de decisão relativas
ceptibilidade à erosão laminar. É de fato, ao uso do solo, pois permite identificar áreas
este local que deve sofrer maior vigília quan- que devem ser monitoradas principalmente
do qualquer tipo de intervenção antrópica do ponto de vista dos processos erosivos. A
(agricultura, construção civil, etc.) resolver simulação do Potencial Natural de Erosão
ser desenvolvida nesse local. Sem o total por meio da USLE permitiu identificação de
cuidado, o seu potencial erosivo pode ser po- regiões com alta susceptibilidade ao proces-
tencializado, causando prejuízo econômico e so erosivo, como pode ser verificado em di-
ambiental à região da microbacia. versas áreas da microbacia, principalmente
Na microbacia existem também pon- em sua porção leste.
tos isolados onde o PNE apresenta valores As estimativas de PNE podem contri-
médios a altos, influenciados diretamente buir ainda para restringir o uso e ocupação
pelo fator LS, já que nesses locais se encon- de áreas potencialmente suscetíveis à erosão,
tram os solos com menores valores de ero- evitando assim onerar custos de infra-estru-
dibilidade, ou seja, os latossolos. Apesar de tura, patologias em obras da construção civil.
grande parte da bacia ser formada por areia É importante trazer a atenção dos planejado-
quartzosa, neste local os valores de PNE não res e autoridades locais para as regiões mais
ultrapassam 3000 ton.ha-1.ano-1, devido à frágeis, de relevo acidentado e com solos de
uma baixa influência do fator LS. alta erodibilidade. Nestas áreas podem e de-

Figura 3.1 - Mapa do potencial natural de erosão laminar na microbacia.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 109


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

vem ser estabelecidos programas de comba- lhorada, para que os valores de erodibilidade
te, controle e prevenção da erosão, que não associados a estes reflitam sua verdadeira lo-
descartassem a possibilidade de adoção de calização no mapa da bacia, trazendo maior
novas alternativas de uso, menos intensivas. segurança para quaisquer atividades que
possam ser realizadas, com base no mapa de
4. CONCLUSÃO susceptibilidade à erosão, sejam estas ações
de manejo ou de construção civil.
Em bacias hidrográficas, os Sistemas A equação universal de perda de solo
de Informação Geográfica são instrumentos (EUPS) pode ser empregada na estimativa
poderosos ao auxiliar no processo de mode- da quantidade de solo perdida por erosão e
lagem espacial, pois este oferece a possibili- o potencial natural de erosão em pequenas
dade de integrar dados obtidos por diferentes bacias (como a bacia do Córrego São Simão),
fontes, o que permite sua aplicação nos mais quando adaptada a um SIG.
variados campos relacionados às ciências da A metodologia utilizada para determi-
natureza. A ligação da informação espacial nação dos fatores da EUPS se mostrou muito
com a informação alfanumérica facilita a útil para a identificação das áreas com riscos
tomada de decisões e permitem a simulação de perda de solos por erosão laminar. No en-
dos efeitos da introdução de novos tipos de tanto, o modelo EUPS deixa muito a desejar
manejo, de diferentes tipos de cenário e de com respeito à qualidade e confiança nos
políticas alternativas. resultados obtidos, pois apresenta muitas li-
Neste caso específico, isso possibilita- mitações e erros quando utilizada em países
rá a gestão mais adequada da Bacia do Cór- como o Brasil. Por ser uma fórmula empírica
rego São Simão, restringindo determinados desenvolvida nos Estados Unidos, que apre-
usos do solo em áreas com maior fragilidade senta condições de solos totalmente diferen-
ambiental, o que irá incentivar a utilização de tes das brasileiras, apresenta resultados que
áreas com maior aptidão, tanto para agricul- demonstram a verdadeira situação do local,
tura, quanto para construção civil (rodovias, principalmente, no tocante à quantidade de
aterros sanitários, expansão urbana, etc...). solos perdida. Algumas correlações para o
O software SPRING, mostrou-se mui- fator K já foram propostas, mas sua precisão
to útil quanto à confecção do mapa de sus- esbarra sempre em muitas características re-
ceptibilidade a erosão laminar na microba- gionais não levadas em conta. No Brasil, uma
cia. As consultas ao banco de dados (através das maneiras de se contornar este problema
das linguagens próprias para esse fim) são seria repetir a metodologia desenvolvida pelo
simples e de fácil execução, apenas sugere-se Runoff and Soil – Loss Data Center só que
que os novos softwares que lidam com banco para uma maior gama de regiões e de solos
de dados venham permitir que várias consul- brasileiros.
tas possam ser feitas ao mesmo tempo atra- A carta de susceptibilidade à erosão
vés de um arquivo de regras. tem por objetivo fornecer diretrizes à ex-
Foi verificado que ao trabalhar com pansão urbana e de áreas cultiváveis, e ao
banco de dados, as informações devem ser gerenciamento da bacia. Se utilizada corre-
precisas e exatas, assim como os critérios tamente, esta pode nortear um maior desen-
para confecção do mapa de susceptibilidade volvimento econômico da cidade através da
à erosão. Portanto, existe a necessidade que construção civil, e no aumento de áreas agri-
sejam estudados critérios mais objetivos e cultáveis, utilizando sempre as áreas com
menos subjetivos, facilitando o trabalho com menor susceptibilidade à erosão para a sua
banco de dados. Foi notado também que o realização.
mapa de solos necessita ter sua precisão me- No caso da Bacia do Córrego de São

110 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

Simão, a carta de susceptibilidade à erosão


mostrou que o fator LS em conjunção ao
fator erodibilidade do solo são os que mais
exercem influência nos valores do potencial
natural à erosão, pois as áreas com maior
susceptibilidade à erosão laminar são respec-
tivamente as que apresentam maiores valo-
res de LS e de K. Dado que o fator R é pratica-
mente constante ao longo de toda a bacia.
Os dados expostos evidenciam que,
para o controle do processo erosivo laminar,
será necessária a readequação do uso da ter-
ra, através de uma sistematização dentro de
suas potencialidades naturais. Esse proce-
dimento pode ser realizado de duas formas
básicas: a primeira delas é pela readequação
do uso, adotando-se coberturas mais densas,
que sejam capazes de proteger adequada-
mente os solos mais susceptíveis à erosão; e
a outra é a adoção de práticas conservacio-
nistas mecânicas, que fragmentem o compri-
mento de rampa e diminuam a declividade
do terreno, e, dessa forma, diminuindo o
espaço e a velocidade de escoamento super-
ficial da água.
Portanto, esse trabalho traz uma con-
tribuição na determinação das perdas de solo
por erosão laminar, através de uma metodo-
logia sistematizada em SIG, que pode ser uti-
lizada em todo o Nordeste do Estado de São
Paulo e com algumas adaptações, para o res-
tante do Estado de São Paulo e outras regiões
do Brasil.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 111


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

Referências bibliográficas

ARONOFF, S. Geographic Information systems. WDL Publications, Canadá, 1989.

BAHIA, V. G.; CURI, N.; CARMO, D. N. Fundamentos de erosão do solo. Informe agropecuá-
rio, v. 16, n.176, p. 25-31, 1992.

BARBUDA, et. alii. Cadastro de um Complexo Portuário Integrado, 19p, In: Congresso Brasi-
leiro de Cadastro Técnico Multifinalitário • UFSC Florianópolis, 2002.

BERTONI, J.; LOMBARDI NETO, F. Conservação do solo. Piracicaba: Livroceres, 1985, 395 p.

BERTONI, J. E LOMBARDI NETO, F. Conservação do Solo. 5ª edição, Ícone Editora, São


Paulo, 2005.

BRADFORD, J.M.; FERRIS, J.E.; REMLEY, P.A. Interril soil processes: I. Effect of surface
seling on infiltration, runoff and soil splash detachment. Soil Science Society of America, Ma-
dison, v.51, n.6, p.1566-71, 1987.

CÂMARA, G.; CASANOVA, M.A.; HEMERLY, A.; MEDEIROS, C.M.B.; MAGALHÃES, G.


Anatomia de Sistemas de Informação Geográfica. SBC, X Escola de Computação, Campinas,
1996.

CASTRO, A.G. Técnicas de sensoriamento remoto e sistemas geográficos de informações no


estudo integrado de bacias hidrográficas (Dissertação de Mestrado em Sensoriamento Re-
moto) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, maio 1992. (INPE-
5494-TDI/511).

CASTRO, C.D.; ZOBECK, T.M. Evaluation of the topographic factor in the universal soil loss
equation on regular slopes. Journal of Soil and Water Conservation, 41 (2): 113- 116, 1986.

CAVALIERI, A. Erodibilidade do solo: Avaliação por meio de propriedades físicas e químicas.


Campinas (SP), Faculdade de Engenharia Agrícola – UNICAMP, 1994. (Dissertação de Mes-
trado).

COGO, N.P. Conceitos e princípios científicos envolvidos no manejo de solo para fins de con-
trole da erosão hídrica, In: Congresso brasileiro de ciência do solo, 21., Campinas, 1988. Anais.
Campinas, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo. pp.251-262, 1988.

COSTA, T.; LANÇA, R. Hidrologia de superfície, Área departamental de engenharia Civil, Nú-
cleo de hidráulica e Meio Ambiente, 2001.

COSTA, L.M; MATOS, A.T. Impactos da erosão do solo em recursos hídricos. In: SILVA D.D.;
PRUSKI F.F. (eds), Programa de suporte técnico a gestão de recursos hídricos. Recursos hídri-
cos e desenvolvimento sustentável da agricultura. Brasília, 1997, P 173 – 189.

CRESTANA, S. Harmonia e respeito entre homens e natureza: Uma questão de vida – A con-

112 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

tribuição da agricultura. Desenvolvimento Sustentado: Problemas e estratégias. São Carlos.


EESC/USP, 2000, Cap. 9, p. 169 - 180.

DESMET, P. J. J. & G. GOVERS. 1996. A GIS procedure for automatically calculating the
USLE LS factor on topographically complex landscape units. Journal of Soil and Water Con-
servation, 51 (5): 427-433.

EASTMAN, J. R. IDRISI for Windows User’s Guide Version 2.0. Introducion Worcester-MA
Graduate School of Geography, Clark University. USA, 1997.

GAMEIRO, M. G. Avaliação de métodos para obtenção dos fatores “L” e “S” da EUPS numa
microbacia, via geoprocessamento e banco de dados / M. G. Gameiro. – São José dos Campos:
INPE, 1997. 116p. – (INPE-9555-TDI/831).

GANDULLO GUTIERREZ J.M. Suelos y Erosión. Seminário sobre erosión: Evaluación y actu-
aciones para su control. CEDEX – MOPU, Madrid, 1988.

GUERRA, A. J. T.; SILVA, A. S.; BOTELHO, R. G. M. (organizadores). Erosão e conservação


dos solos: conceitos, temas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

GILBERTO CÂMARA. Anatomia de sistemas de informação geográfica/ (et.al). - Campinas:


Instituto de Computação, UNICAMP, 1996.

GONÇALVES, J.C.S. I et.al. Monitoramento da Qualidade da Água do Córrego São Simão –


SP, em Anais do IV Simpósio Brasileiro de Engenharia Ambiental, Ribeirão Preto, São Paulo,
Brasil, 2005, 2 a 6 de outubro.

GONÇALVES, J.C.S.I.; DIBIAZI, A.L.B. Diagnóstico ambiental da microbacia do Córrego São


Simão – SP. Faculdades COC, Ribeirão Preto, São Paulo, 2005.

HENKLAIN, J.C.; FREIRE, O. Avaliação do método nomográfico para determinação da ero-


dibilidade de latossolos do Estado do Paraná. Revista Brasileira de Ciência do Solo, 7 (2):
191-195, 1983.

HUDSON, N. Soil Conservation. Ithaca, N.Y., Cornell University Press, 1981.

INSTITUTO AGRONÔMICO DE CAMPINAS. Seção de Pedologia. Folha Descalvado. Escala


1:100.000. 1983.

INSTITUTO AGRONÔMICO DE CAMPINAS. Seção de Pedologia. Folha Ribeirão Preto. Es-


cala 1:100.000. 1983.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Censo 2000. <http//:www.


ibge.gov.br.>. Acesso em 14/04/07

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Carta do Brasil. Folha topográ-


fica de Cravinhos, Rio de Janeiro, IBGE. Escala 1:50.000.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 113


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Carta do Brasil. Folha topográ-


fica de Luiz Antonio. Rio de Janeiro, IBGE. Escala 1:50.000. 1977.

INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE). <http://www.dpi.inpe.br/


spring>. Acesso em 25/07/2007.

JURGENS, C.; FANDER, M.; TRIER. Soil erosion assessment and Simulation by means of
satellite remote sensing and ancillary digital data. GIS, 4:27-31, 1992.

KUNTSCHIK, G. Aplicação da equação universal de perdas de solo na microbacia do Ribeirão


das Araras, através de técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento (Dissertação de
Mestrado em Sensoriamento Remoto) – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais , São José
dos Campos, 1996. No prelo.

LABORATÓRIO DE GEOPROCESSAMENTO (LABGIS), Universidade do Estado do Rio de


Janeiro. Disponível em <http://www.fgel.uerj.br/labgis/gis_atualizada/conceitos/geopro.
html>. Acesso em 25/09/2007.

LARIOS, M. B. Resumo Histórico de Modelagem da Erosão. Disponível em <http://www.


drenagem.uf.br/06erosão-08-modelagemRest.htm>. Acesso em 04/09/2006.

LE BISSONNAIS, Y.; SINGER, M.J. Seal formation, runoff, and interill erosion from sevente-
en California soils. Soil Science Society of America, Cincinnati, v.57, n.3, p.781-4, 1988.

LOPES, V. L. Um Estudo da Erosão e Produção de Sedimentos Pelas Chuvas. Mossoró, Escola


Superior de Agricultura de Mossoró, 1980.

LOPEZ, M. T. WEPP (Water erosion Prediction Project): un modelo basado en procesos fisi-
cos para simular erosion hidrica. In: Firts Intl. Seminar of Watershed Management, Hermo
Sillo, Sonora, México, April, 1993. Proceeding. Universidad de Sonora, University of Arizona,
1993. 13-23 p.

MACIEL, M. M. Aplicação da equação universal de perdas de solo (USLE) em ambiente de


geoprocessamento e sua comparação com aptidão agrícola. Curitiba, 2000. 76 p. Dissertação
(Mestrado em Ciência do Solo) – Universidade Federal do Paraná.

MAFRA, N.M.C. Esquema metodológico para la planificación de usos del suelo em zonas tropica-
les húmedas:aplicación a la Región Norte del Estado de Rio de Janeiro, Brasil. Tese de Doutora-
mnto Universitat de Valéncia. Facultat de Farmácia, Unidad Edafologia. Valéncia Espana, 1999.

MÁXIMO, A. A.; LOCH, C., A utilização do Sistema de Informação Geográfica (SIG) e do Sis-
tema de Posicionamento Global (GPS) no combate da criminalidade pelos Serviços de Segu-
rança Pública, 18p, In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CADASTRO TÉCNICO MULTIFINA-
LITÁRIO • UFSC – Florianópolis, 2000.

MOTA, SUETÔNIO, Preservação e conservação de recursos hídricos / Suetônio Mota – 2.


Ed.rev. e atualizada. - Rio de Janeiro, 1995, ABES 200 p.

114 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

MOURA, ANA C. M., Geoprocessamento na gestão e planejamento urbano – Belo Horizonte:


Ed. da Autora, 2003.

NASCIMENTO, M. A. Bacia do rio João Leite: influência das condições ambientais naturais e
antrópicas na perda de terra por erosão laminar. Rio Claro, 1998.176 p. Tese (Doutorado em
Geografia) – Unesp.

NETO, I. U.; et. al. Uso de SIG na Determinação da Acessibilidade a Serviços de Saúde em
Áreas Urbanas, 20p, In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CADASTRO TÉCNICO MULTIFI-
NALITÁRIO • UFSC - Florianópolis, 2000.

NOGUEIRA, J. M.; MARCELINO A. A. de M (1997). Quando vale aquilo que não tem valor?
Valor de existência, economia e meio ambiente. In: ENCONTROS BRASILEIROS DE ECO-
NOMIA 25. Recife, dezembro, 1997. Anais. Recife: ANPEC, dezembro de 1997.

PELLETIER, R. E. Evaluating nonpoint pollution using remotely sensed data in soil erosion
models. Journal of Soil and Water Conservation, 40(4):332-335, 1985.

PINTO, D. R. S.; et. alii. Integração SIG e GPS em Aplicações Cadastrais como uma Solução
Economicamente Viável para Pequenos Municípios: o caso de São Gonçalo dos Campos (BA),
7p, In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO - Divulgação em Cd-rom.
Artigo 017, 1999.

PIRES, J.S.R. & SANTOS, J.E. Bacias hidrográficas: Integração entre meio ambiente e desen-
volvimento. Ciência Hoje, n.19(110), 1995, p. 40-45.

RESENDE, M.; ALMEIDA, J. R. Modelos de predição de perda de solo: uma ferramenta para
manejo e conservação do solo. Informe Agropecuário, 11(128): 38-54, 1985.

RISSO, A. Obtenção e manipulação dos parâmetros da equação universal de perda de solo


através de técnicas de Geoprocessamento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Insti-
tuto de Pesquisas Hidráulicas. Dissertação, 1993, 166 p.

RODRIGUES, WALDECY. Valoração econômica dos impactos ambientais de tecnologias


de plantio em região de Cerrados. Rev. Econ. Sociol. Rural, Jan/Mar. 2005, vol.43, nº. 1,
p.135-153. ISSN 0103-2003, 2001.

ROCHA, CEZAR H. B., Geoprocessamento: Teconologia transdisciplinar – Juiz de Fora, MG:


Ed. do Autor, 2000.

SCOPEL, I: Avaliação do risco de erosão através de técnicas de sensoriamento remoto e da


equação universal de perdas de solo a nordeste de Cornélio Procópio (PR). Curitiba, 1988. 156
p. Tese (Doutorado em Engenharia Florestal) – Universidade Federal do Paraná.

SCOPEL, I.; SILVA, M. R. Erodibilidade no Estado de Goiás. Uniciência, Anápolis, v.8, n.1 e
2, p. 123-132, 2001.

Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica | 115


| ELABORAÇÃO DE UMA CARTA DE SUSCEPTIBILIDADE À EROSÃO DA MICROBACIA DE SÃO SIMÃO – SP
ATRAVÉS DA EQUAÇÃO UNIVERSAL DA PERDA DE SOLOS ACOPLADA AO SISTEMA DE GEOPROCESSAMENTO SPRING |

SILVA, F.G.B. Relatório Cientifico Bianual relativo ao programa PRODOC – CAPES/ PPG –
SEA – EESC/USP. Erosão do solo e qualidade da água. O conceito de tolerância de perda de
solo com uma nova abordagem voltada ao planejamento ambiental. São Carlos, 2004.

SILVA, V. C. Cálculo automático do fator topográfico (LS) da EUPS, na bacia do Rio Paracatu.
Pesquisa Agropecuária Tropical, pag 29, 2003.

SAYAGO, J. M. Small scale erosion hazard mapping using Landsat information in the nor-
thwest of Argentina. In: International Symposium on Remote Sensing for Resources Develop-
ment and Environment Management, 7. Enshede, Netherlands, aug. 25-29, 1986. Proceedin-
gs. Rotterdam, A. A. Balkema, 1986, 669-674 p.

SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS (SEADE), Censo 2004. <http//:www.seade.


gov.br>. Acesso em15/06/2006.

SOUZA, A.D.G. Subsídios ao planejamento e operacionalidade de sistema de monitoramento


da qualidade da água - estudo de caso - bacias dos rios Jaú e Jacaré-Guaçu SP. Dissertação de
Mestrado, Escola de Engenharia de São Carlos/USP, São Carlos, 1996, 184p.

STEIN, D. P.; DONZELLI, P. L.; GIMENEZ; F. A.; PONÇANO, E. L.; LOMBARDI NETO, F.
Potencial de erosão laminar natural e antrópica na bacia do peixe Paranapanema. In: Sim-
pósio Nacional de controle de erosão, 4., 1987, Marília (SP). Anais... ABGE/DAEE, 1987. p.
105-135.

TAGLIANI, C.R. A mineração na porção média da Planície Costeira do Rio Grande do Sul:
estratégia para a gestão sob um enfoque de Gerenciamento Costeiro Integrado. Tese de dou-
torado – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002. 252f.

THUM, A. B.; ERBA, D. A.; Cadastro da vegetação do Campus da Universidade do Vale do


Rio dos Sinos – Unisinos, 21p, In: Congresso Brasileiro de cadastro técnico multifinalitário •
UFSC - Florianópolis, 2002.

VIEIRA, S. J.; et. alii. A Escolha de Áreas, utilizando Geoprocessamento para o Sistema de
Tratamento e Disposição Final de Resíduos Sólidos, 21p, In: Congresso Brasileiro de cadastro
técnico multifinalitário • UFSC – Florianópolis, 2000.

WEILL, M.A.M.; ROCHA, J.V., LAMPARELLI, R.A. Potencial natural de erosão e riscos de
degradação na bacia hidrográfica do rio Mogi-Guaçú (SP). In: SIMPÓSIO NACIONAL DE
CONTROLE DE EROSÃO, 7., 2001, Goiânia. Anais... CD-ROM.

WHITE, I. D.; MATERSHEAD D. N.; HARRISON S. J. Environmental Systems. Second edi-


tion Londres: Chapman & Hall, 1992.

WISCHMEIER, W. H. & SMITH, D. D. Predicting rainfall erosion losses: a guide to conser-


vation planning. US Department of Agriculture Agricultural Handbook N°. 537. USDA, Wa-
shington DC, 1978.

116 | Revista Multidisciplinar de Iniciação Científica

S-ar putea să vă placă și