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Este modo de dizer não se permite hoje, pois repeti-lo seria prova de
ingenuidade, quando menos. Mas o pior dos conceitos que esta definição contém
aparece com freqüência em formulações pretendidamente racionalistas.
Não esperem de mim tomar partido contra a máquina ou contra a técnica. Muito
ao contrário, julgo que frente a elas, os arquitetos e os artistas em geral viram
ampliar-se o seu repertório formal assim como se ampliaram seus meios de
realizar. Alinho-me entre os que estão convictos de que a máquina permite à arte
uma função renovada na sociedade.
De outro lado, fazer a história é, também, como se diz hoje, um dom de amor. É
fazer as relações entre os homens, a história como iniciativa humana.
Na história da luta que o homem vem travando com a natureza, a técnica e a arte
caminham juntas quando não se confundem. O grafismo paleolítico, a origem do
desenho, nossa linguagem, certamente nasceu antes da linguagem oral. Foi a
linguagem de uma técnica humilíssima e também a linguagem dos primeiros
planos da natureza humana rudimentar. No pensamento mais primitivo há traços
do espírito científico.
O argumento mais sério, sobre a tentação pela técnica, características dos pré-
socráticos, encontra-se com Platão que os comentou: — "Eles pretendiam que a
intenção ou arte nasceu depois" — acusou Platão, que, como sabemos, defendeu
a inutilidade da arte, fazendo-se a origem do pensamento dos que hoje insistem
em interpretar a civilização como fruto do lazer, e não do trabalho humano.
Mas nem tudo se perde no ácido diálogo porquanto Platão, ao igualar arte e
intenção, levanta o véu sobre o que mais tarde virá a acontecer com nossa
linguagem. Ela será desenho mas também desígnio, intenção. Pois a arte é obra
do homem e não da natureza.
A técnica e as artes cumpriram seu papel. Na verdade a técnica moderna tem sua
origem no Renascimento.
A ciência médica descobriu mais tarde a glândula que destruiu essa noção e
também descobriu que o coração é uma bomba com o que todos concordam. A
poesia inclusive.
Em nossa língua, a palavra aparece no fim do século XVI. D. João III, em carta
régia dirigida aos patriotas brasileiros que lutavam contra a invasão holandesa
no Recife, assim se exprime, segundo Varnhagem: "Para que haja forças
bastantes no mar, com que impedir os desenhos do inimigo, tenho resoluto etc.."
A arte que para nós é uma das formas concretas e necessárias da ação do homem
na criação de uma natureza propriamente humana, Ruskin a transformou num
sentir eterno e imutável, de imobilidade total. A máquina só poderia manchá-la.
Só no artesanato, enquanto remanescente medieval, estaria a salvação. Portanto,
o seu programa teria que ser — restabelecer o artesenato — opor, à produção
industrial feroz e quantitativa, a qualidade do trabalho manual e individual.
Para não alongar-me, deixo de tecer considerações, que até seriam oportunas,
sobre o desenho industrial inglês e denominações análogas para esta modalidade
de desenho que outros países adotaram. Mereceria um exame à parte. Nesse
exame o nosso país teria representantes de importância. Esta Escola, na pesquisa
da História de nossas artes, coleciona informações preciosas sobre figuras
brasileiras eminentes nas artes industriais, quase todos pintores de talento
consagrado, entre as quais, mesmo sem o perfeito conhecimento de sua obra,
não posso deixar de mencionar Eliseu Visconti.
Como é inegável que o ensino do desenho entre nós, tem sido considerado
ensino de disciplina sem importância prática alguma, tanto no curso primário
como nos cursos secundários, o estudo feito por Rui Barbosa ganha mais
saliência ainda, na história do desenho brasileiro.
Creio que das considerações que fiz até agora já é possível concluir que o
ideário nos tem impedido de enfrentar o ensino racional, cuidadoso e interessado
do desenho, nas escolas brasileiras. Para desenhar é preciso ter talento, ter
imaginação, ter vocação. Nada mais falso. Desenho é linguagem também e
enquanto linguagem é acessível a todos. Demais, em cada homem há o germe,
quando nada, do criador que todos homens juntos constituem. E como já tive
oportunidade de sugerir antes, a arte e com ela uma de suas linguagens — o
desenho — é também uma forma de conhecimento.
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... "os efeitos triviais da produção em massa com sua abjeta dependência de um
grande mercado" ...
... "a bárbara indecisão dos editores modernos ante a publicação de poemas" ...
De toda uma série de considerações dessa ordem, que, sem dúvida, cada uma
delas pode trazer uma parte de verdade, sem contudo serem a verdade
fundamental — conclui que não se deve quantificar o uso da máquina mas
qualificá-lo. Conclusão que é impossível aceitar como boa, em face de suas
considerações anteriores sobre desenvolvimento excessivo. Melhorar a
qualidade — de acordo — mas isto não implica necessariamente em diminuir a
quantidade de produtos. Mais além declara Mumford, confirmando nossas
objeções: "Coloco-me plenamente ao lado do autor de Ajuda Mútua, Campos,
Fábricas e Oficinas, que compreendeu que o avanço da máquina, como agente
de uma vida verdadeiramente humana, significava o uso de unidades em escalas
pequenas, possíveis pelo ulterior progresso da própria técnica".
O que significa, em termos bem menos herméticos, que cada um de nós devia ter
em casa um pequeno moinho para o trigo provavelmente colhido no fundo de
nosso próprio quintal.
E, para o autor, uma máquina que pudesse ser controlada, da qual se pudesse
puxar as orelhas quando não produzisse de boa qualidade ou produzisse
excessivamente.
Para o sr. Mumford a estética é uma rota de fuga, um refúgio para o medo da
máquina.
Siegfried Giedeon acompanha Mumford. A máquina se transforma num novo
dramaturgo, um novo deus, que tem o poder de tudo decidir, enquanto ao
homem que ambos consideram ao nível de um fenômeno natural, imutável,
incapaz de modificar-se, nada mais resta que se dobrar aos desígnios da
máquina.
Daí a volta a uma vida exclusivamente biológica, que chamam "orgânica". Volta
à natureza, ao abandono bucólico, ao campo.
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A consciência humana, com seu lado sensível e seu lado racional, não tem sido
convenientemente interpretada como um inteiro, mas como a soma de duas
metades.
Os novos símbolos são irmãos das novas técnicas, e filhos dos velhos símbolos.
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Como se viu, ninguém desenha pelo desenho. Para construir igrejas há que tê-las
na mente, em projeto. Parodiando Bluteau, agrada-me interpelar-vos,
particularmente aos mais jovens, os que ingressam hoje em nossa Escola: que
catedrais tendes no pensamento? Aqui aprendeis a construí-las duas vezes:
aprendeis da nova técnica e ajudareis na criação de novos símbolos. Uma síntese
que só ela é criação.
A "obra do homem com sua longa vida histórica é uma obra de arte".
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Sobre qualidade.
Sobre quantidade.
Quanto temos.