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VIABILIZAR O FUTURO1-2
RESUMO: Falar em história é, antes de mais nada, falar em natureza e por conseqüência em sociedades
humanas. É assim que antes de darmos conta dos grupos sociais com os quais temos nos ocupado, devemos
construir os conceitos a partir dos quais os pensamos. Baseados nisto e de posse de conceitos diversos,
estamos trabalhando no Programa Arqueológico Puri-Coroado, com o intuito de reconstituir as sociedades
indígenas que pela região de Visconde do Rio Branco, Zona da Mata de Mineira, circulavam até meados do
século XIX, quando da chegada, em massa, do elemento branco e da destruição definitiva de sua natureza,
seja a da sociedade, seja a de seu meio ambiente.
PALAVRAS-CHAVE: Arqueologia, História, Meio-Ambiente
Apresentação
conseqüência em sociedades humanas. É assim que antes de darmos conta dos grupos
sociais com os quais nos ocupamos como objeto de trabalho, alguns dos grupos indígenas
1 - Este artigo é uma versão revisada do texto apresentado, e não publicado, no XXIII Simpósio Nacional de História, realizado em julho de 2005 em Londrina - PR
2
- Editora UNIVALE – E-Book, História, Natureza e Território. Coletânea de História Ambiental
apresentados nos simpósios temáticos: Historia, meio ambiente e sociedade & história ambiental: balanços e
perspectivas, durante o XXIII Simpósio Nacional de História, da ANPUH, na Universidade Estadual de
Londrina, no período de 17 a 22 de Julho de 2005, tendo como organizadores: Haruf Salmen Espindola e
Gilmar Arruda, disponível em http://www.univale.br/sites/editora/e_books/listar.asp?codgrupo=63
3 - Bahcarel em Arqueologia, Mestre em História do Brasil e Doutor em História Social; Diretor e Pesquisador do Centro Regional de Ensino e Pesquisa Palmyos
Paixão Carneiro; Coordenador do Programa Arqueológico Puri-Coroado, Professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos; luft@globo.com -
luft.rlk@terra.com.br
4 - Marx, Karl. Contribuição à crítica da economia política, editora Martins Fontes, coleção Novas Direções, São Paulo – SP, 1983
5 - Engels, Friedrich. A dialética da natureza, editora Paz e Terra, coleção Pensamento Crítico, volume 8, 4a edição, Rio de Janeiro – RJ, 1979
6 - Kosik, Karel. Dialética do concreto, editora Paz e Terra, coleção Rumos da Cultura Moderna, 4a edição, Rio de Janeiro – RJ, 1976
7 - Whitehead, Alfred North. O conceito de natureza, editora Martins Fontes, Coleção Tópicos, São Paulo – SP, 1994
8 - Fleischer, Helmut. Concepção marxista da história, edições 70, coleção Lugar da História, Lisboa – Portugal, 1978
9 - Jameson, Fredric. O marxismo tardio: Adorno, ou a presistência da dialética, editora UNESP, coleção Biblioteca Básica, São Paulo, 1997
homem, fruto de sua “evolução” biológica é capaz de construir-se socialmente e com isso
produzir seu modo de vida, a partir do conhecimento do meio que o circunda. É desta
Baseados nesta concepção, ou seja, de que, antes de mais nada, somos um produto
da natureza e de que ao vivermos, vivemos nela e não ela a partir de nós, e de posse de
região de Visconde do Rio Branco, Zona da Mata de Minas Gerais, circulavam até meados
10 - Habermas, Jurgen. O futuro da naturaza humana, editora Martins Fontes, Coleção Tópicos, São Paulo – SP, 2004
11 - Morin, Edgar. O método – 1. a natureza da natureza, editora Sulina, 2a edição, Porto Alegre - RS, 2003
12 - Chartier, Roger. A história cultural, entre práticas e representações, Difel editora, coleção Memória e Sociedade, Lisboa – Portugal, 1990
13 - Quaini, Máximo. Marxismo e geografia, editora Paz e Terra, coleção Geografia e Sociedade, volume 1, Rio de Janeiro – RJ, 1979
14 - Marx, Karl e Engels, Friedrich. A ideologia alemã, editora Moraes, São Paulo – SP, 1984
15 - deste projeto também fazem parte as professoras Dra. Márcia Gomide da Silva Mello e Ms. Mônica Armond Serrão
conforme o que fazemos e acreditamos, baseados nos autores acima indicados, de que
”fazer” História é antes de mais nada buscar as sociedades e entendê-las em seu meio.
Silva16, onde,
duas formas de ver a natureza. A primeira é pelo fato de a mesma existir, independente da
presença do homem e neste caso somos um sub-produto dela, ou seja, somos um de seus
16 - SILVA, Andréa Cristina Fontes. Ecossistema como relação social ?, trabalho apresentado no XXIII Simpósio Nacional de História, Londrina – PR, 17 à 22 de julho
de 2005
17 - Op. Cit.
A segunda forma de vermos a natureza é pelo fato de somente existir quando
constituintes, a partir dos quais acontece a evolução das espécies animais, dentre as quais
está o homem, e vegetais. Para tanto, a conexão com a História e a Arqueologia, através do
Rio Branco, faz-se pela práxis cotidiana, expressa em Quaini19 quando diz que
18 - Op. Cit.
19 - Op. Cit.
do tempo, em uma mesma área, pode influenciar na qualidade de vida das comunidades
que ocuparam aquele espaço até os dias de hoje. Dessa forma, buscamos evidenciar como
demonstrem o modo de vida, mas a forma como aquele ambiente foi ocupado pelos seus
habitantes. Sobre esta construção, teórica, Quaini20 mais uma vez nos diz que
“... não pode haver análise histórica (digna deste nome) sem
conceituação, isto é, sem teoria, sem tipificação sociológica, em
suma, sem aquelas abstrações empíricas ou científicas, ... Portanto,
não será possível, em conclusão, história sem teoria, isto é, sem
ciência, nem poderá existir, por sua vez, ciência (das disciplinas
“morais”) que não proceda do sentido vivo e marcante da
diversidade das épocas ou que esqueça, de algum modo, as
distinções entre as várias formações histórico-sociais.” p. 21
chegada do elemento europeu, permitindo, dessa forma, a compreensão das relações entre
ocupado pelos grupos indígenas Puri, Coroado e Coropó, nos apontam para as serras de
Santa Maria, Piedade e São Geraldo, que são uma extensão da serra da Mantiqueira na
Zona da Mata Mineira, e onde estão a maioria dos eventos, históricos e arqueológicos,
localizados até este momento, nos Municípios de Visconde do Rio Branco e São Geraldo.
20 - Op. Cit.
AS TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS AO LONGO DO TEMPO
1 - A ocupação humana
chegada, ou a estada, destes grupos nesta região pode ser vista por duas versões21. Na
primeira delas, os índios Puri e Coroado seriam provenientes do Norte do Estado do Rio de
Janeiro, conhecido como Norte Fluminense, onde, segundo alguns documentos, teriam
migrando, através do rio Paraíba do Sul e posteriormente o rio Pomba e o rio Muriahé, para
o então sertão22 mineiro, até atingirem as fraldas da Mantiqueira, nas proximidades do rio
Chopotó, tributário da margem esquerda do rio Pomba e que corta o atual Município de
Visconde do Rio Branco. Na segunda versão estes índios teriam como berço estas mesmas
serras e a partir delas feito sua dispersão, chegando a atingir, além do Sudeste do Estado de
Minas Gerais, o Sul do Estado do Espírito Santo, o Norte do Estado do Rio de Janeiro e o
Nordeste do Estado de São Paulo. É com esta segunda versão que trabalhamos.
Chopotó, fazendo o mesmo caminho que supõe-se para a primeira versão de dispersão dos
índios Puri e Coroado, ali estabelecendo-se e lançando os fundamentos de uma nova forma
de ocupar aquele espaço. As informações históricas indicam que até aquele momento o uso
21 - LUFT, Vlademir José. Da História à Pré-História: as ocupações das sociedades Puri e Coroado na bacia do Alto Rio Pomba (o caso da serra da Piedade), Tese
apresentada para a obtenção do grau de doutor no Insituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ, 2000
22 - Termo definido e historisizado por Márcia Amantino em seu artigo “O sertão Oeste em Minas Gerais: um espaço rebelde”, publicado pela revista Varia Historia, da
UFMG, número 29, Janeiro 2003, pp. 79-97
é, explorava-se apenas os recursos naturais encontrados no ecossistema florestal, o que não
É a partir do final do século XVIII, quando se deu uma ênfase à catequese indígena
XIX que se tem, com maior intensidade, as transformações daquele ambiente, antes
coberto por densas florestas que começaram a dar espaço às lavouras de culturas trazidas
pelo elemento europeu. É neste momento que temos, de forma mais sistematizada, o
2 – Os problemas ambientais
em que cresceu a população regional. Segundo dados fornecidos pelo censo do Instituto
do Rio Branco, 74 % estariam vivendo na zona urbana e 26 % na zona rural, valores que se
comparados aos da década de 50, indicam um processo do êxodo rural no município. Fato
econômica da região.
Este processo tem levado à região um alto nível de degradação ambiental, o que
entre outras coisas, tem provocado a erosão do solo, dificultando, por exemplo, o trabalho
de pesquisa Arqueológica, principalmente no que diz respeito ao fato de se poder encontrar
os locais com os restos das ocupações humanas anteriores à chegada do elemento europeu.
Isto ocorre devido a retirada da vegetação, principalmente, das encostas, o que provocou,
com a ação do tempo, uma erosão que levou, e continua a levar, os sedimentos e com eles
os restos materiais, que poderiam comprovar as ocupações até as regiões mais baixas da
serras, soterrando os restos ali já existentes e dispersando os que da serra foram trazidos.
que se passa a encontrar, portanto, são materiais diversos e dispersos pelas regiões mais
produção frutífera, da recuperação das nascentes e margens dos rios e riachos que nas
serras da Piedade e Santa Maria nascem, está sendo iniciada. Este processo está sendo
população com costumes rurais, onde sua atividade produtiva será calcada na produção
3 – Em busca de solução
sua população ?
Essas são questões que talvez possam ser respondidas a partir da análise e
sistematização dos dados obtidos por nossa pesquisa, que tem como objetivo o
possam ser resgatadas formas harmônicas de interação com o meio ambiente. Pois, ao
levar em conta as experiências seculares, e até milenares, que esses povos estabeleceram
com o ambiente ocupado, refletindo um conhecimento profundo dos seus habitats naturais.
Com base nos resultados dessa pesquisa, pretende-se fornecer subsídios para que
Tais propostas, para serem consideradas realmente inovadoras, deverão considerar em suas
atividades a utilização das potencialidades locais, de forma a não causar impactos
tecnologia moderna, em uma nova síntese, que utilize as muitas lições que os ancestrais
É neste sentido que desde 2001, a partir dos estudos realizados, principalmente
objetivo destas, é familiarizar e envolver a população local e regional com seu ambiente,
adequada para os problemas cotidianos vivenciados e com isso propiciar um futuro com
problemas, sua participação na solução dos mesmos, bem como evitando o avanço em sua
“destruição”.
É assim que questões como o tratamento do esgoto (de origem sanitária, de cozinha
córregos, riachos e rios); o tratamento do lixo (de origem residencial e urbana com a coleta
áreas com restos históricos) e o tratamento econômico (com a criação de condições para
produção econômica adequada às necessidades locais), têm sido tratadas, buscando-se uma
solução com a qual a comunidade possa ter um modo de vida mais apropriado, gerando,
23 - 2001, Arqueologia e Meio Ambiente (Vlademir José Luft); 2002, Xopotó dos Coroados (Theresinha de Almeida Pinto); 2003, Plano Diretor do Comitê Gestor da
Bacia do Xopotó (Marco Aurélio Carone)
por sua interação com o natureza, condições de continuar produzindo e consumindo em
A - a área de ocupação
metade do século XVIII, fazendo o mesmo caminho que se supõe para uma das versões de
dispersão dos grupos indígenas Puri e Coroado, ou seja, a de que seriam provenientes da
proximidades do rio Chopotó, tributário da margem esquerda do rio da Pomba, que corta,
entre outros, o atual território do Município de Visconde do Rio Branco. Com isso
região.
As informações históricas indicam que até aquele momento, o uso dos recursos
XIX que se tem, com maior intensidade, as transformações daquele ambiente, antes
coberto por densas florestas e que começaram a dar espaço às lavouras de culturas trazidas
pelo elemento europeu. É neste momento que temos, de forma mais sistematizada, o
culturas de subsistência como o arroz, o milho e o café, além das pastagens para o
desenvolvimento da pecuária.
Branco - MG, 74% estariam vivendo na zona urbana, valores que, comparados aos da
década de 50, indicam um acentuado processo no êxodo rural, fato que reforçou a
Estes dados indicam que o processo de concentração urbana, decorrente de um êxodo rural
das ocupações anteriores à chegada do elemento europeu. Isto ocorre devido a retirada da
vegetação das encostas que provocou, por conseqüência, com a ação do tempo, uma erosão
que retira o sedimento, e com ele os restos de ocupações, levando-o até as regiões mais
baixas, soterrando os restos ali já existentes e dispersando os que da serra foram trazidos.
Dessa forma as possíveis ocupações existentes no sopé das serras estariam soterradas pelo
sedimento que desceu das mesmas devido a erosão, bem como as ocupações existentes nas
encostas estariam destruídas pela erosão e tendo seu material disperso pelos "vales" atuais.
Para a Arqueologia isto significa a impossibilidade de encontrar muitos dos locais
de ocupação indígena. Em nosso caso, esta poderia ser uma das explicação para o fato de
encontramos hoje, dispersos pelas regiões mais baixas, uma quantidade muito grande de
material arqueológico dos mais variados tipos. Sempre isolados e dissociados de qualquer
estrutura arqueológica.
trabalho significa, antes de mais nada, falarmos a respeito das pesquisas arqueológicas
realizadas nos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, sobre as quais Dias Júnior24,
realizadas nesta região, dois distintos panoramas foram traçados. O primeiro deles, que
pode ser considerado como de caráter arqueológico, nos mostra os sítios arqueológicos, seu
panorama, que pode ser considerado como de caráter histórico, antropológico e/ou
etnológico, nos mostra as possíveis associações destes sítios arqueológicos e seu respectivo
26 - DIAS JÚNIOR, Ondemar Ferreira. Evolução Cultural em Minas gerais e no Rio de Janeiro. In: Anuário de Divulgação Científica, Universidade Católica de Goiás
/ Instituto Goiano de Pré-História e Antropolgia, números 3 e 4, Goiânia, 1976 / 1977, pp. 110-130.
material cultural, com os grupos indígenas historicamente, antropologicamente e
anos terem sido passados, pouco de seu panorama, construído em meados da década de 70,
foi modificado no que diz respeito ao Norte do Estado do Rio de Janeiro e ao Sudeste do
Estado de Minas Gerais. É dessa forma que o esboço para a ocupação destes Estados,
27 - op. cit.
28 - DIAS JÚNIOR, Ondemar Ferreira. O Paleo-Índio em Minas Gerais. In: Anuário de Divulgação Científica, Temas de Arqueologia Brasileira # 1 – Paleo-Índio,
Universidade Católica de Goiás / Instituto Goiano de Pré-história e Antropologia, número 5, Goiânia, 1978 / 1979 / 1980, pp. 51-54.
29 - DIAS JÚNIOR, Ondemar Ferreira. Os Cultivadores do Planalto e do Litoral. In: Anuário de Divulgação Científica, Temas de Arqueologia Brasileira # 5 – Os
Cultivadores do Planalto e do Litoral, Universidade Católica de Goiás / Instituto Goiano de Pré-história e Antropologia, número 9, Goiânia, 1978 / 1979 / 1980, pp. 15-
74.
atingir escala superior a 20.000 anos. ... O período
cerâmico é representado por três grupos.
Podemos caracterizar os primeiros grupos como ... vindos
do interior, talvez de Goiás, sendo que alguns grupos se
fixaram na região e outros alcançaram o litoral fluminense e
o interior de São Paulo. Trata-se das fases filiadas à
Tradição Una.
Outro grupo, mais recente, mas que conviveu com o
primeiro, ... deixou seus vestígios em grandes sítios de
campo aberto. É bem possível que se relacione às
migrações relatadas pelos cronistas como que vindas do
Norte, subindo o vale sanfranciscano. É possível ainda que
tenha se expandido igualmente para o interior paulista e
muito possivelmente tenha relações com a Tradição Aratu,
de Calderón. Trata-se da Tradição Sapucaí.
O grupo que aparentemente chegou por último é o
tupiguarani. Este se estendeu por todo o vale do São
Francisco, da região da floresta atlântica ao cerrado.
Grosso modo, deve refletir a migração Sul-Norte, mas
também pode estar relacionado aos movimentos costa-
interior referido por alguns autores, entre eles Pierson e
Senna. ...
O Estado de Minas Gerais, pois, ao que tudo indica, foi uma
região de intensa troca de influências culturais, cujo estudo
cada vez mais se reveste de importância e cujos resultados
poderão esclarecer muitos problemas ainda pendentes na
pré-história da região Sudeste e Centro-Oeste.”, (Dias
Júnior, 1978/1979/1980, pp. 124-126)28
vez, especificamente ao Estado do Rio de Janeiro, Dias Júnior & Carvalho29 propõem que .
28 - op. cit.
31 - DIAS JÚNIOR, Ondemar Ferreira & CARVALHO, Eliana. A Pré-História Fluminense e a utilização das grutas do Estado do Rio de Janeiro. In: Pesquisas, série
Antropologia, número 31, Instituto Anchietano de Pesquisa, São Leopoldo, 1980, pp. 43-86.
período. No interior, caçadores com pontas de projéteis e
pequenos artefatos. Nenhum dado ainda tecnicamente
comprovado da existência de grupos relacionados ao
horizonte pré-pontas, embora o avanço da pesquisa posa vir
a localizar sítios do tipo em ambas as áreas. Até o
momento, dado ainda à escassez de sítios e aos trabalhos
reduzidos, não dispomos de suficientes informes que possam
nos dar idéias claras sobre as origens e a procedência dos
elementos constituintes do período.
B – Período cerâmico: Provavelmente se desenvolveu
localmente uma ocupação antiga de grupos ceramistas
vinculados à Tradição Una. No litoral central e Norte,
ocupando a planície, os grupos da fase Una; na serra, baixo
e médio curso do rio Paraíba, aqueles da fase Mucuri. No
início da Era Cristã, novas levas, desta vez vinculados à
Tradição Tupiguarani e, provavelmente, oriundas do Sul: na
costa central localizaram-se aqueles grupos denominados
atualmente, dentro da fase Guaratiba, seguidos por aqueles
da fase Sernambetiba, com os quais repartiram a região
durante um certo tempo. Estes se estenderam mais para o
Norte e devem ter mantido contato com os elementos da fase
Una; ao Norte, após a foz do rio Paraíba, localiza-se a fase
Itabapoana, mais recente. No médio curso do rio Paraíba, a
montante da área da fase Mucuri, está situada a fase
Itaocara, com ocupação que se estende até o início do alto
curso daquele rio. Ainda em médio curso e se alongando
em direção à foz do rio, atingindo ainda boa porção de seu
afluente Muriaé, estabeleceu-se, mais recentemente, a fase
Ipuca, com contatos marcantes com a fase Mucuri. É
interessante notarmos que se não podemos observar traços
deste contato na fase Itaocara, eles se materializam na
morfologia cerâmica da fase Ipuca, demonstrando a
existência de um processo de aculturação, que muito
provavelmente foi prolongado, entre grupos pertencentes a
Tradições culturais ceramistas diferenciadas.”, (pp. 56-57).
Para o Sudeste do Estado de Minas Gerais, por sua vez, além de apresentar as
se uma série de fases30 (Piumhi, Unaí, Mucurí e Una, entre outras31) e tradições32 (Una,
32 - Definida por MENDONÇA DE SOUZA, Alfredo Augusto Castro.. Dicionário de Arqueologia, ADESA, Rio de Janeiro, 1997, como: “Qualquer complexo de
cerâmica, lítico, padrões de habitação, etc, relacionado no tempo e no espaço, num ou mais sítios (PRONAPA, 76).”, p. 55.
31 - A fase Unaí, com pontos de contato com a fase Mucuri, no Estado do Rio de Janeiro, possui uma datação de 1.135 DC; localizada inicialmente na bacia do alto rio
Paracatu; possui um sentido de deslocamento que vai de Oeste para Leste, ou seja do interior para o litoral. A fase Piumhi, com sítios arqueológicos localizados
Sapucaí e Tupiguarani, entre outras33) que auxiliam na conformação deste panorama, como
relacionada, por pesquisadores das mais diversas áreas, aos grupos indígenas Puri e
Coroado, grupos estes que, acrescidos dos Coropó, são o objeto de nosso trabalho, e citada
como uma das principais tradições arqueológicas para o Sudeste brasileiro, é apresentada
basicamente em cavernas; possui um vasilhame cerâmico de pequeno porte, em formato globular, cônico e piriforme e de cor predominantemente negra; com datação de
110 DC; foi localizada inicialmente na bacia do alto rio São Francisco; possui um sentido de deslocamento que segue do interior para o litoral. A fase Mucuri, com
localização na região da bacia sedimentar de Campos dos Goitacases, possui datações de 520 à 1.230 DC; paupérrima em material lítico. A fase Una, com localização
litorânea, principalmente na área de Cabo Frio, possui uma datação de 890 DC; é possível encontrar seu material cerâmico sobre os sítios arqueológicos da tradição
Itaipú; possui um material lítico vasto e variado e em conformidade com as narrativas de viajantes e cronistas.
32 - Definida por MENDONÇA DE SOUZA, Alfredo Augusto Castro.. Dicionário de Arqueologia, ADESA, Rio de Janeiro, 1997, como: “1 - Grupos de elementos ou
técnicas, com persistência temporal (PRONAPA, 76). 2 - Uma seqüência de estilos ou de culturas que se desenvolvem no tempo, partindo uns dos outros, e formam
uma continuidade cronológica.”, p. 124.
33 - A tradição Sapucaí, associada, por viajantes e cronistas, ao grupos indígenas Cataguá, com sítios arqueológicos de grandes dimensões e associados a ocupações em
campo aberto. Apresenta grande quantidade de material cerâmico, onde o vasilhame, com pouca decoração, quando reconstituido, apresenta um porte que pode variar
de médio a grande. Suas urnas funerárias são geralmente em formato piriforme. Suas principais fase são Ibiraci, Paraopeba e Jaraguá. A tradição Tupiguarani, a mais
recente das ocupações pré-históricas da região, influênciou, provavelmente, vários outros grupos indígenas, fato registrado através da mistura de seu material cultural
arqueológico com o de vários sítios arqueológicos da tradição Una, principalmente em suas fases Piumhi e Mucuri. Não há certeza do momento de sua chegada ao
territ´roio mineiro.
36 - op. cit.
de osso, pingentes e adornos ósseos, cabaças, etc.).” (pp.
117-118).
35 - SCHMITZ, Pedro Ignácio. O povoamento do Brasil. In: História Pré-Colonial do Brasil (Coordenado por ALVES FILHO, Ivan), Editora Europa, Rio de Janeiro,
1993, pp. 27-49.
36 - PROUS, André. Arqueologia brasileira, Editora UNB, Brasília, 1992.
duas variedades, sem que que esta operação, prática
didaticamente, talvez não seja justificada pelas pesquisas
posteriores.
A tradição Una variedade "A", definida geograficamente (o
Norte mineiro e Goiás meridional) e cronologicamente, já
que forneceu as datações mais antigas atualmente
disponíveis para a tradição. Parece, portanto que esta
variedade corresponde à zona nuclear a partir da qual a
tradição ter-se-ia espalhado." (p. 333)
que engloba o Norte do Estado do Rio de Janeiro e o Sudeste do Estado de Minas Gerais,
que por proposição e trabalho de Dias Júnior, por ter os mesmos problemas e questões,
• as pesquisas realizadas pelo Instituto Superior de Cultura Brasileira, com seu Programa
Janeiro, com seu trabalho na Pedra da Babilônia, Município de Rio Novo – MG;
Por sua vez, sobre a morfologia das populações indígenas, Beltrão38, diz que
principalmente, aos sítios da tradição Una, nos Estados do Rio de Janeiro e de Minas
Gerais, aos grupos indígenas Puri e Coroado. Apesar dos diversos autores que fazem esta
relação, são nas conclusões de Dias Júnior & Carvalho39 que encontramos as principais
37 - BELTRÃO, Maria da Conceição de Morais Coutinho. Pré-História do Rio de Janeiro, Forense Universitária / Instituto Estadual do Livro, Rio de Janeiro, 1978.
38 - op. cit.
41 - op. cit.
“Embora não possamos relacionar com certeza absoluta os
dados etnográficos aos arqueológicos, podemos utilizá-los
como elementos de raciocínio e reconstituição e acreditar
que o povoamento pré-histórico ... , da serra guardou traços
de similaridade com aquele do período histórico e que
existem elementos de coesão entre ambos.
Por outro lado, as provas arqueológicas apontam um
povoamento Tupiguarani (fase Ipuca) para a mesma área
referida pelos cronistas como habitat dos Coroados (rio
Muriaé) e também para o local onde eles foram aldeados no
início do século XIX, em São Fidélis. Embora Métraux, entre
outros, classifique-os como do mesmo grupo lingüístico do
Puri (daí denominá-los Puri-Coroado) e avente a hipótese de
que ambos tenham partilhado um passado comum, a
reconstituição arqueológica não confirma a teoria, pela
existência, até o momento, de vestígios não Tupiguarani na
área designada para os Coroado. Aliás, observando-se
atentamente NeuWied, nota-se que ele aponta diferenças
somáticas e culturais entre os dois grupos, além de se referir à
tradicional inimizade entre ambos. Ele se refere, ainda, ao
uso dos antigos Coroado, de enterrar seus mortos sentados,
isto é, fletidos, em urnas que chamavam "camucis", ... ”, (pp.
75-76)
"Em todo caso, não nos parece haver dúvida de que os dados
arqueológicos confirmam, aqui, o que a tradição etnográfica
indica, de que Guaitacá, Coropó e Puri compartilhavam uma
tradição cultural comum, da qual a evidência mais notada,
além dos artefatos, era a língua aparentada." (p. 77)