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SUMÁRIO:
• Resulta claro da relatividade das classificações no âmbito económico e social que as
estatísticas, contrariando a visão positivista dos ‘dados’ estatísticos como simples
imagem tendencialmente adequada a uma realidade socialmente desencarnada,
podem ser lidas não só de uma forma crítica, mas também de uma forma
sintomática, como reflectindo o olhar que em determinado contexto socialmente
definido, a sociedade tem sobre si própria. Com o objectivo de ilustrar esta
proposição, analisam-se as formas de produção da informação estatística oficial,
recorrendo a alguns exemplos ilustrativos, como o das estatísticas do suicídio e do
desemprego.
PALAVRAS-CHAVE:
•Sociologia, estatísticas, suicídio.
SUMMARY:
• It’s clear from the relativity of classifications in social and economic field, that
statistical information, in opposition to the positivistic view of statistical “data” just
as an image, asymptotically adjusted to a socially boneless reality, may be
understood not only from a critical perspective, but also from a symptomatic point
of view, which reflects the way, that in a social defined context, society sees itself.
To illustrate this proposition, we analyse the production methods of official
statistics, using some illustrative examples like suicide and unemployment statistics.
KEY-WORDS:
• Sociology, statistics, suicide.
As ciências sociais estabelecem com a estatística uma relação com dois sentidos:
considerada no seu sentido singular, a ciência Estatística fornece às ciências sociais
todo um instrumental técnico que permite operacionalizar a recolha e o tratamento da
informação, funcionando ainda como um dos meios de prova das hipóteses de
investigação e portanto de validação de teorias. Neste sentido, a Estatística assume um
carácter universalizante, indiciado pela padronização dos conteúdos curriculares e dos
vários manuais de Estatística utilizados pelos estudantes e investigadores nas ciências
sociais.
Neste sentido, costuma afirmar-se que “as estatísticas não reflectem a realidade,
reflectem o olhar da sociedade sobre si própria” (ib.). Esta perspectiva, subvalorizando
a questão da verdade ou falsidade das estatísticas, em nome de algum relativismo,
coloca-nos perante o problema de saber como é que algo que apenas tem um valor
relativo, pode ter alguma utilidade social.
Só uma concepção ingénua das estatísticas poderia admitir que estas permitem
conhecer tudo. Este sonho da transparência generalizada assenta na confusão da
observação estatística com a fotografia (aérea). Tal como a cartografia, a informação
estatística é de natureza estratégica, uma vez que resulta de um processo de
objectivação: a observação transforma o observado em objecto. Constitui uma relação
de poder, real ou simbólica. Este facto permite entender alguns episódios conhecidos de
resistência à recolha de informação estatística. Alguns dos obstáculos colocados pelos
indivíduos aos recenseamentos provêm historicamente das sua consequências fiscais e
militares ou actualmente, da protecção da vida privada.
É que as categorias estatísticas usadas, quer pelos actores sociais, quer pelos
actores institucionais encarregados da produção estatística, “exprimem a priori
baseados num certo consenso a propósito da realidade económica, social, cultural, etc.”
(ib., p.49). Este carácter de construção social das categorias estatísticas permite que o
uso de comparações, no espaço ou no tempo, mostre as variações das noções
estatísticas e portanto a sua contingência.
É também este mesmo carácter que revela que em cada fase do processo de
observação estatística, se insinua o qualitativo: quer nas escolhas relativas à definição
do objecto de observação, ou na redacção do instrumento de notação no qual se
inscreve o compromisso entre as exigências do inquérito e as possibilidades de
compreensão dos inquiridos; nos critérios utilizados na escolha da amostra; na forma de
inquirição, na qual se poderá ponderar as consequências de um questionário por
correspondência, por contraposição ao papel da relação dos entrevistados com os
entrevistadores; e mesmo na fase de codificação, na qual se tenta traduzir uma
linguagem muitas vezes vaga e imprecisa, marcada por múltiplas condicionantes, na
linguagem das nomenclaturas; a própria análise dos dados, a escolha dos cruzamentos,
das variáveis, as sínteses efectuadas, transparecem o qualitativo.
Um dos critérios para que um caso seja classificado como suicídio, é o de que
este deve assemelhar-se a um suicídio. Isto significa que deve comportar um certo
número de elementos observáveis para se aproximar da ideia profissional ou corrente do
que são os suicídios:
Criminalidade e desemprego
O desempregado económico caía no campo dos que não podiam suprir as suas
necessidades. O desempregado era identificado ao indigente e situava-se no campo
assistencial. Por exemplo, no Recenseamento da População de 1890, os desempregados
eram incluidos na classe dos improdutivos com profissões desconhecidas, da qual
faziam parte:
Mas a existência de especificidades nacionais, não deve ser vista apenas como
um enviesamento da universalidade da ciência e como um obstáculo à comparabilidade.
É um material original para comparações de tipo diferente, como se revela na análise de
três tradições exemplares na produção de estatísticas: a inglesa, a alemã e a francesa.
Esta relação umbilical entre as estatísticas e o meio social de que são imagem,
coloca no momento presente algumas perplexidades. Há quem pense que as mutações
recentes da realidade económica e social põem em causa o sentido e a pertinência duma
parte importante das estatísticas (Cf. Comte: 1992).
a) por um lado, o alojamento familiar já não é uma entidade tão bem definida:
- marcado por divórcios, re-casamentos, coabitações, presença de crianças
‘alternantes’ conduz o estaticista à necessidade de distinguir entre centro e
periferia do agregado familiar.
b) por outro verifica-se um enfraquecimento da homogeneidade interna do
agregado familiar:
- um sintoma desta situação é o facto da satisfação das necessidades
“colectivas” da família se traduzir por um desenvolvimento de consumos
individuais, ilustrados pela posse múltipla de bens (vários automóveis,
aparelhos hi-fi) ou pela individualização crescente do consumo familiar.
Conclusão
Perante evoluções deste tipo que dificultam o campo estatístico já de si não isento
de dificuldades e de armadilhas, pode-se afirmar, para concluir, que os estaticistas, sob
condição de saberem recusar uma visão ingenuamente positivista da sua actividade,
estão bem colocados para conhecerem os limites da sua própria actividade.
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