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INTRODUÇÃO

Somos loucos imbecis, saídos de um hospital


psiquiátrico que pegava fogo.
Sim, fomos nós que ateamos fogo e assistimos a tudo, rindo feito loucos
ensandecidos, enquanto os bombeiros tentavam acalmar a balbúrdia que foi
propositalmente instalada.
Não corremos - pelo contrário...ficamos olhando e bebendo, comemorando a
derrocada da prisão mental em que vivíamos.
Agora estamos à solta – nós, os loucos – à espera de um momento triunfal e
espetacular que culminará – pra variar – com a morte de todos nós.
Escolhemos um nome, o mais imbecil possível, para que pudéssemos nos
encontrar nas esquinas dos desvairios repentistas.
Talvez nos verão através de nossos grafismos ou ouvirão o barulho de nossa
música, que será tocada às 4 da manhã de uma segunda-feira, embaixo de um
conjunto de prédios, onde todos dormem.
Não somos quem éramos...fugimos do hospício. Alguns Hermanos ainda estão
com a camisa-de-força, pois o nó que deram é tão apertado que não
conseguimos desatá-los.
Alguns ainda balbuciam palavras que fazem sentido...estamos tentando
reverter esta situação.
Zéfiro manda lembranças a todos, dizendo: "Te peguei, Arquiteto!"
- Porra Zéfiro, não foi Buda que disse isso?
- E daí? Finge que fui eu.
A Rafa não tá se agüentando de tanto rir, tadinha.
- Bio, Bio...sabia que ia dar certo!
Certos de que nos entenderão, damos o nosso adeus momentâneo, ao mesmo
tempo em que dizemos olá.

O Dia da Esbórnia
por Biottik

Me lembro como se fosse hoje o dia em que fugimos do hospício. Alguns


chamavam aquele lugar de Hospital Psiquiátrico, mas eu gostava mesmo de
chamar é de hospício...acho que soa melhor, mais verdadeiro. De hospital
aquilo não tinha nada, só os remédios em doses cavalares mesmo,
administrados como hóstia para os fiéis incrédulos.
Eu cheguei lá há um ano mais ou menos. Achei calmo o lugar.
Assim que cheguei quis logo fazer amizade, já que eu sabia que ia passar um
bom tempo lá, e como eu não tinha nenhum amigo imaginário, achei que
alguém pudesse me emprestar um.

Tenho saudade de alguns que ficaram lá fora. A Catarina é uma delas. Ô


menina louca... Só ela lê todos os jornais e revistas e livros por mais velhos
que sejam, ela lê, diz que é pra nunca ficar desatualizada. Coisa de gente
louca, só pode, mas ela é gente boa. A gente conversava durante horas as
mais diversas besteiras úteis e ela era pra mim como uma enciclopédia
ambulante, tipo o novo google. Era muito produtivo o nosso devaneio duplo.
Mas ela ficou fora daqui, pra sorte dela.

Aqui dentro conheci o Zéfiro, meu amigo até hoje. O Zéfiro é uma figura
incrível, sempre sabe o que falar, e quando falar. Nunca deu bola fora, nem
quando a gente inventava de esconder as pílulas malignas.
É uma maravilha conversar com o Z. Os banhos de sol sempre eram uma
alegria contínua, apesar de camuflada. Qualquer assunto banal vira assunto de
primeira ordem na mão do Zéfiro. Um dia eu inventei de falar das baleias do
Ártico, e o Z quis ir pro Ártico salvar as baleias. Foi um sufoco explicar pro
Zéfiro que se ele encanasse com isso iriam aplicar remédio na veia dele, coisa
que ele tem pânico. Por fim, o Zéfiro se convenceu de que por ora não ia dar
pra salvar as baleias do Ártico.

Uns dias depois de conhecer o Z eu conheci a Rafa. A Rafa é estranha...não sei


bem por que, mas é estranha. Tem fixação por dicionários, e aprendeu a falar
várias línguas só lendo os dicionários que apareciam. Não sei se ela fala certo,
mas várias vezes ela gritava em altíssimo som palavras ininteligíveis para
quem não fala o idioma em questão, mas dá pra perceber que as palavras
existem mesmo.
Eu conversei bastante em inglês com ela. Inglês pelo menos ela fala certinho.
Deve falar japonês e norueguês também.

Um dia eu e o Zéfiro, intrigados com a Rafa, resolvemos caçar a ficha dela nos
arquivos do hospício. As fichas tinham várias siglas, vários símbolos, nomes
estranhos, e também tinham a foto das pessoas.

A minha tava lá, linda...eu com a língua de fora e os olhos envesgados


propositalmente.
- Z, que cê acha da Rafa?
- Quê? Quem é Rafa, doido?
- A Rafa, porra!
(apontei pra rafa)
- Putz...essa mulher não tem jeito mesmo! Eu chamo ela de X. Incógnita,
saca?
- Hahahaha! Você é genial, Zéfiro! Você não fica curioso pra saber quem é ela?
- Eu já sei.
- E você não me conta cuzão?
- Acabei de te contar...ela é uma incógnita.

O Zéfiro é uma pessoa curiosa ao extremo. Eu, sabido disso, logo tratei de
instigar a curiosidade dele, porque eu queria saber quem era a Rafa.
- Z, que cê acha da gente tentar saber mais sobre ela? Sei lá, a gente podia
perguntar pro chefão.
- Ele não vai falar. Já viu aquele cara falar alguma coisa que presta?
- É...isso é verdade. O que a gente pode fazer então?
- Mas pra quê você quer desmascarar a guria? Não basta o que você já sabe?
- Ah! E o que eu sei?
- Sei lá, tô tentando te desmascarar. Hahahahahahahaha.
- Dez pontos pra você!

Eu e o Zéfiro temos essa de xadrez mental. Ele ganha na maioria das vezes,
mas a gente nunca compete pra valer, não tem rivalidade. É só uma diversão
mesmo.
- Zéfiro, falando sério. Vou invadir a porra da sala do arquivo pra achar a ficha
dela. Aproveito e olho a nossa, pra saber o que esses putos andam fazendo
com a gente.
- Posso ir junto?
- Deve!

E assim fomos eu e o Zéfiro adiante com o nosso plano. Mal sabíamos nós no
que ia dar isso tudo.

No hospício tinha um cara que sempre fazia uns barulhos estranhos na mesma
hora, todas as noites. De ouvido, parecia que ele rolava no chão, dava chutes
na parede, sei lá. Dava pra ouvir no corredor inteiro, isso quando eu não
tomava as pílulas malignas.
No dia da invasão dos arquivos, ficou combinado que nem eu nem o Zéfiro
iríamos tomar as pílulas malignas, e que quando os barulhos do cara
começassem, a gente iria pra sala.
Pois bem... Nesse dia o filho da puta não fez barulho nenhum. Esperei um
tempinho, achando que ele tinha se atrasado, e nada aconteceu. Resolvi ir até
o quarto-cela do Zéfiro.

Entrei devagar, e o Z tava com os olhos arregalados. Eu falei baixinho:


- Que foi Z?
O Zéfiro literalmente pulou da cama.
- Caralho! Seu filho da puta! Pra quê assustar desse jeito? Eu morro do
coração assim. Te odeio, te odeio!!!!
Esperei uns dez segundos:
- Acalmou?
- Sim. O viadinho não fez barulho, fiquei puto. Tava aqui esperando pra ver o
que acontecia.
- Porra, eu vim aqui, quê que eu podia fazer? Vamo lá?

E seguimos até a sala do arquivo. Dois caras-de-pau andando pelo hospício de


madrugada. Eu nem quero pensar no que ia acontecer com a gente se nos
pegassem.
Não achamos a ficha da. Procuramos em todas as pastas, todos os lugares, e
nada da ficha da Rafa. Procuramos tanto que desistimos de achar, e fomos
pros quartos, dormir um pouco.
Acho que a Rafa nunca ficou sabendo dessa história. Se soubesse ia ficar brava
com a gente.
Um dia a gente tava reunido no pátio. Umas dez pessoas mais ou menos,
sentadas em círculo e falando bobagem.
De repente sai uma mulher de dentro do corredor principal, gritando:
“Tão me fudendo, e tá doendo!”
Eu não agüentei, e comecei a gargalhar. A mulher correndo com a camisa-de-
força meio frouxa, gritando, dois enfermeiros e uma enfermeira correndo atrás
dela.
Conseguiram alcançar a mulher. Com muito custo apertaram a camisa-de-força
dela, e ela foi carregada pra dentro do corredor. Levaram ela pra sala-que-
ninguém-vai.
O Zéfiro ficou de cara amarrada durante a cena toda, e assim que entraram
com a mulher na sala, ele levantou e foi andando determinado até a sala.
Parou em frente à porta e tentou abrir. Não conseguiu.
Eu, vendo a cena toda, levantei e fui correndo até onde o Z tava. Assim que eu
levantei, o Zéfiro deu um chute na porta, que causou um barulho enorme.
A porta caiu como bosta, e todos os que estavam no pátio começaram a
comemorar. Só a Rafa que não.
O Z entrou correndo na sala, e logo eu cheguei também.
Assim que eu entrei na sala, vi o Zéfiro com uma seringa na mão, indo com ela
em direção ao pescoço do enfermeiro que todo mundo odiava. Vi também que
o outro enfermeiro vinha pra cima de mim.
Fiquei com medo, mas logo pensei: “É agora ou nunca!”. Fechei a mão, e dei
um soco com vontade no enfermeiro. Ele ficou meio atordoado, talvez nunca
tivesse pensado que eu – um sujeito pacato – pudesse dar um soco em algum
dos enfermeiros. Pois dei.
Nos engalfinhamos por alguns instantes. A gritaria era ensurdecedora, e a
adrenalina começou a voar pelas minhas veias.
O enfermeiro que o Zéfiro pegou, caiu. O que tinha na seringa não era fraco.
Logo o Z veio na direção do enfermeiro que eu tava tentando dominar e deu
uma seringada nele. Sarcástico como sempre, olhou pra mim e em silêncio deu
uma piscadela. Eu me segurei pra não rir, e continuei a luta corporal com o
enfermeiro, sabendo que dali a alguns instantes ele ia apagar. E apagou.
Na confusão toda eu não consegui ver o que aconteceu com a enfermeira, mas
a mulher tava deitada numa espécie de mesa veterinária, de aço, com um
ralinho. Tava desacordada ela, tadinha. Pegaram a mulher e a levaram
pr'algum canto.
Tinha um brilho especial nos olhos do Zéfiro. Logo eu percebi que ele tinha
alguma coisa em mente.
Ele pegou algumas seringas e algumas ampolas, se virou pra mim e disse: “Vai
até o depósito e acha alguma coisa que pegue fogo, rápido!”
Até tentei perguntar o porquê, mas ele não deixou. “Vai, caralho! Rápido!!!”
Eu voei até o depósito. Nunca tinha entrado lá, e não foi fácil achar alguma
coisa útil.
Tinha de tudo lá. De tudo mesmo. Depois de procurar até no teto, achei álcool
e estopa.
Peguei uma caixa de papelão que tava no cantinho e coloquei muitos litros de
álcool, e fui amassando os pacotes de estopa dentro da caixa também. Na hora
de erguer a caixa eu me assustei com o peso, mas fui correndo entregar pro
Zéfiro.
Quando eu entrei no corredor que o Z tava, me deparei com uma das cenas
mais engraçadas da minha vida.
O Zéfiro e mais três caras grandes (não lembro o nome deles), aqueles de
biotipo armário, se engendrando com os enfermeiros. Os quatro de seringa na
mão, apagando os enfermeiros e enfermeiras.
O resto dos hóspedes do hospício estavam correndo pelados, jogando as fichas
do arquivo no chão. Todos felizes, como se estivéssemos no paraíso. E
estávamos mesmo, apesar do lugar.
- Z, tá aqui. Trouxe álcool e estopa.
O Zéfiro gritou:
- “Senhoras e senhores! O espetáculo vai começar! Levem os inocentes lá pra
fora!”
O filho da puta do Zéfiro já tinha tudo planejado e combinado, só eu que não
sabia de nada.
Começaram a arrastar os enfermeiros que estavam caídos no chão lá pra fora.
O Z virou pra mim e deu a palavra de ordem:
- Tem isqueiro?
- Tenho.
- Então taca fogo.

Fiquei espantado, mas como eu sempre quis explodir aquela merda de lugar,
comecei a me divertir.
Abri uma garrafa de álcool e comecei a espalhar pelo hospício inteiro, junto
com as estopas.
Fiz isso de sala em sala, de banheiro em banheiro, e pensei: “Só assim pra
esse lugar ficar limpo.”
Depois de preparar tudo, fui procurar o Zéfiro. Ele tava no pátio, fumando um
cigarro, cabisbaixo.
- Z, tá pronto. Cadê todo mundo?
- Lá fora ué. Acha que alguém ia querer virar churrasco?
- E que porra você tá fazendo aqui?
- Tava te esperando.
- Você tinha planejado tudo isso, né?
- Sim.
- E não me contou...
- Não...quis te fazer uma surpresa.
O Zéfiro deu uma última tragada no cigarro, jogou fora e me abraçou. Depois
disse:
- Chega de putaria. Vamos terminar o que a gente começou.
Fomos em direção à porta principal do hospício. Tirei o isqueiro do bolso e
ofereci pro Zéfiro. Ele não aceitou, disse que por merecimento eu devia
finalizar a balbúrdia.
Ele saiu. Peguei um pedaço de estopa que tava no chão, acendi o isqueiro e a
estopa se incendiou.
Olhei pra cena toda, e disse em voz alta: “A gente só pode ser louco mesmo.”
Joguei a estopa longe, e consegui ouvir o barulho que o fogo faz quando
começa a queimar. Saí correndo de lá, e quando cheguei na rua, vi uma festa.
Alguns bebendo, outros deitados. Teve um que roubou a bola de futebol, e
estava chutando a bola como criança. Esse sempre fazia isso nos banhos de
sol.
Ficamos lá, observando a derrocada do hospício.
O Zéfiro se afastou...foi pra um cantinho do outro lado da rua, onde tem uma
espécie de terreno baldio.
Peguei a Rafa pelo braço e fui até o Z.
- E aí... vai fazer o que agora?
- Comprar um telefone. E você?
- Sei lá, acho que vou virar escritor. E você Rafa?
- Vou começar novamente.
- Como assim, Rafa? - eu disse .
- Agora eu posso ser quem eu sou, sem pudor ou constrangimento. Entrei
nessa merda aí pra fugir dos meus pais, que tentavam controlar minhas
atitudes. Fugi de casa, joguei meus documentos fora, fiz de tudo pra não me
acharem, e não me acharam.
O Zéfiro – sagaz como sempre – emendou:
- Incógnita revelada.
Eu emendei:
- E aí gente, como a gente vai fazer agora? Vamos cada um pro seu canto,
sumir um da vida do outro?
- Vem comigo vocês dois. - Ordenou a Rafaella, ex-incógnita.
- Andamos umas três horas sem parar, e chegamos numa casa que parecia
abandonada.
Era a casa da Rafaella. Ela disse que a casa tava no nome de uma amiga, e
que essa amiga mantinha as contas pagas. A Rafa prometeu que conta tudo
depois.
Entramos na casa, nós três.
- Bom...aqui tem lugar pra todo mundo. Tá meio empoeirado, mas em um dia
a gente deixa tudo brilhando. Bio, quer transformar seu sonho de ser escritor
em realidade?
- Porra, que pergunta Rafa.
- Então vem cá, tem um lugar aqui para você.
Entramos no escritório, que tinha uma estante fabulosa, lotada de livros.
- Pronto. Este é o seu destino momentâneo. Escreve uma história aí, vamos
ver se você serve pra ser escritor.
- Como assim Rafa?
- Escreve alguma merda, cara. Inventa alguma história aí! Tenho um plano na
cabeça.
- É coisa do Zéfiro isso?
- Não,não...é coisa nossa. Cadê o Zéfiro, por falar nisso?
- Sei lá. Zéfiroooooooooooo!
Chega o Zéfiro de mansinho no escritório
- Caralho, pra que gritar meu? Pra que tanta delinquagem? Já não basta o que
a gente fez hoje?

Olhei pra Rafaella e vi um brilho especial nos olhos dela, tipo o que eu tinha
visto nos olhos do Zéfiro. Ela se virou pra mim, com uma meiguice que só
poderia ser dela:
- Vai Bio, começa a história logo.

Catarina?
Interlúdio
O Z não lembrou da Catarina, a Rafa diz que lembra vagamente.
Será que só eu prestei atenção nela dentro daquele hospício? A figura dela era
tão icônica, tão singular.
Mas também, naquele ambiente não é de se espantar que alguém esqueça de
alguém.
Eu me espantaria se alguém se lembrasse de alguém. Ou não, vai saber.
O que são as lembranças de um tempo nefasto que não passa, embora tenha
ido?
Rafaella por ella
Por Rafaella Eliz
Muitos devem me achar diferente, pra não dizer estranha. Tudo bem, já estou
acostumada.
Quando a gente teve a idéia embrionária do Delinquagem, não era nada disso
aqui, desse bebezinho que a gente carrega no colo com todo o cuidado. Era
bem diferente.
Tivemos a idéia eu o Bio e o Zéfiro. Até agora o Zéfiro não se acostumou bem.
O Bio tá se divertindo. Disse que se não fosse por mim ele não teria o que
fazer, tá encarando tudo como uma grande roda-gigante.
Ele me disse que da última vez que tentou começar algum projeto deu errado,
quase surtou de novo, até vulto viu, e disse que tinha coisas a explicar, como a
topologia LSD, que ele diz que deu certo ao mesmo tempo que deu errado.
Me falou da Resistenza, explicou o que foi a RTZ, e disse que não queria que
isso morresse.
No dia em que houve o encontro com a francesa eu tava na casa dele. Ele
chegou quase chorando de emoção, falando da menina que entregou o DVD,
perguntando por alguém da RTZ. Foi aí que ele me explicou tudo.
A gente já tinha escrito uns textos juntos, nada sério. Só por diversão.
Resolvi então que um projeto ousado seria ideal. Ousado na forma, ousado na
linguagem, no conteúdo, em tudo.
Ele falou com algumas pessoas, e a gente conseguiu comprar o domínio do
Delinquagem.
Eu falei com algumas pessoas também, e gostei bastante de todo mundo. Às
vezes vocês devem me achar uma chata, né? Mas eu sou assim mesmo.
O Delinquagem tem uma equipe legal trabalhando nele. Aos poucos os nomes
vão aparecendo, não fiquem encafifados com isso.
Aos poucos também o nosso esquema de trabalho vai mudando. Aliás, precisa
mudar logo! Calma, gente. Estamos sintonizando nossos emissores e
receptores, então é normal que interferências ocorram.
Eu sou uma hospedeira-servidora. Hospedo e sirvo muito bem meus hóspedes,
diga-se de passagem. Hóspedes e visitantes, por que não?
Daqui a um tempinho o Triangulando vai ficar mais legal, vai ter mais gente
por aqui.
Já que eu estou na vibe explicativa, deixa eu explicar o que é o Triangulando.
Em poucas palavras, é um livro-coletivo, onde ninguém é ninguém, e todos
somos um. Juntos, escrevemos um capítulo de nossas vidas, que nunca será
apagado de nossa memória. Together Forever é nosso lema. What the fuck is
this é o que a gente mais se pergunta enquanto lê os textos postados pelos
amigos. E risada é o que mais sai durante as leituras, legais ou ilegais.
Mário Prata já fez uma coisa parecida, há uns bons anos atrás. Se ele estiver
lendo isto aqui: Mário, faz outro vai?
Ele escreveu um livro em que os internautas ajudavam na história. O
Triangulando não é muito diferente, só não tem um autor. Todos nós somos
autores e personagens ao mesmo tempo - logo, somos livres para criar a
história como quisermos, apesar das broncas que chovem quando o roteiro se
descostura.
O livro em si não vai ser publicável da forma tradicional, papel e tinta. Tem
várias formas: o Triangulando, o Delinquagem em si, que se atualizaram hoje
já tem coisa nova, as conversas do MSN, Gtalk... várias formas.
Todo mundo pode ajudar, não importa como. Se atrapalharem ajudam, se
ajudarem ajudam. Só não ajudam se não fizerem nada, mas nada-fazer às
vezes ajuda.

Bailando e Pairando
por Bailarina

Acordei com a cabeça girando naquele dia. Senti que alguma coisa estranha e
nova aconteceria, estava por vir, mas não sabia o quê. As coisas naquele lugar
caminhavam na mais perfeita ordem, mas sabe-se lá qual era a ordem daquilo.
Nunca entendi bem o porquê estava ali. Gostava de pensar que era como uma
colônia de férias, um acampamento por tempo indeterminado, mas eu bem
sabia que não era. Tinha saudade dos palcos, das piruetas, dos saltos, das
saias, das malhas cor-de-rosa e do cabelinho todo preso num coque no alto da
cabeça. Tinha saudade de um monte de gente, de coisas e cheiros que ficaram
para trás desde que fui internada naquele hospital psiquiátrico.

Segundo dizem, tive aquele surto depois que não fui chamada para integrar o
balé da Rússia, isso mexeu demais comigo. Fiquei de um jeito que não
conseguia mais fazer as coisas normalmente, além de não querer mais dançar.
Estranho, afinal, a Bailarina nunca pára de rodopiar, seja ao som dos bandolins
ou não. Mas eu parei. Chamo-me Milena, mas quase ninguém me chamava
assim, desde os tempos da escola de dança que me chamavam de ‘A Bailarina’.
Graciosa e sorridente, sempre disposta a fazer o que fosse preciso e também o
que não fosse. Sagaz e audaz, esses dois adjetivos me definiam bem.

Desde que fui internada na “colônia de férias”, há exatos 7 meses, sentia-me


confortável, porém só. Nunca quis fazer amizade com ninguém por lá e depois
de uns dois meses de indisposição voltei a dançar pelos corredores do hospital,
como que num palco. Sem pudores e sem vergonhas, apenas dançava
coreografias imaginadas na hora ou repetia aquelas que já havia dançado
outrora. Ouvia os comentários das pessoas pelos corredores, mas fingia que
não ouvia nada. Sempre os mesmos: “Olha lá, a bailarina dançando mais uma
vez. Será que ela é doida de verdade?” ou ainda “Essa menina não parou de
dançar o dia todo, ela vai acabar desmaiando.” Nunca dei ouvidos àqueles
caretas.
Mas, aquele dia estava estranho... Senti no clima, no olhar de alguns
delinqüentes insanos que aquilo ali estava confuso. Passei a manhã inteira
quieta, imaginando como seria retomar a vida depois que deixasse a “colônia”
e como seria voltar a dançar. Será que eu voltaria a dançar? Será que eu seria
chamada novamente para integrar outro balé tão importante? Eram tantas
dúvidas e questões na minha cabecinha que eu preferia só observar aquela
cena. Nada aconteceu. Até que um louco esmurrou um enfermeiro e tudo que
eu estava sentindo se materializou ali na minha frente. Corri. Até o meu quarto
e tratei de calçar as sandálias e sair correndo até o pátio novamente. Podia ser
uma rebelião, podia ser uma tentativa de homicídio, eu tinha que saber. Tudo
foi muito rápido, eles estavam mesmo com tudo bem planejado. Assisti tudo
de camarote e quando gritaram que era o dia da esbórnia tratei de sair dali.
Mas saí calma e andante. Sem euforias. Não queria parecer mais uma louca no
meio daqueles tantos que corriam pela rua como ex-reféns. Eu fui tranqüila e
calada. Quando avistei aqueles que eu julguei serem os idealizadores do
movimento libertador, segui-os de maneira sutil e sem que me vissem. E
quando entraram naquela casa, tive a plena certeza de que deveria tocar
naquela porta. E o fiz.

Desenhinho
Por Bernardo Ruiz

Foi como um clarão.


Levei uma porrada, e nem vi de onde veio.
Acordei no jardim, do lado de fora do Hospital. Meu corpo doía inteiro, dos pés
à cabeça.
Do meu lado estava uma pessoa querida, que há muito tempo eu não via.
- Oi. Você ficou bem?
- Sim, fiquei. E você?
- Preciso responder mesmo? Facilita minha vida, Bernardo. Vem...vamos para
outro lugar.
Ela me levantou com cuidado, parecia que queria retribuir o carinho que eu
tinha com ela.
Fomos andando sem rumo, e paramos em uma banca de jornais, daquelas
enormes, com livros, revistas, bomboniere e atendente simpático. Ficamos
olhando algumas revistas, nada em especial. Algumas da Austrália, até do
Japão tinha.
- Olha essa do Japão, que linda!
- A capa brilha, que coisa estranha.
- Ué, nunca viu capa brilhando?
- Não, eu sempre pulo a capa pra ler o que tem dentro.
- Tá certa. Pessoa objetiva é outra coisa. Então vamos lá. Como a revista está
comigo eu dou as cartas, tá?
- Oba! Eu quero! - ela disse sorrindo.
- Olha essas letras, que estranhas. Como os japoneses conseguem entender?
- Não são letras, bobo. São desenhinhos. Letra é á, bê, cê.
- Você sabe fazer desenhinhos?
- Sei, todo mundo sabe.
- Faz um pra eu ver?
- Faço, cadê o giz?
Fui até o atendente e pedi uma caneta emprestada.
− Me diz...onde você vai desenhar?
- Aaah, com caneta? - ela fez cara triste
- É, não tem giz.
- Mas caneta não escreve no chão, como eu vou desenhar?
- Boa pergunta.

Comprei um jornal, dei uma passada rápida nas manchetes da capa. Nada de
interessante pra variar.
Eu amo meu antigo ofício por isso. Cada dia é uma coisa nova. Tem alguns
pacientes que são difíceis, e acaba que os enfermeiros mais rígidos tomam
conta deles. É uma pena, mas infelizmente é assim. A metodologia da maioria
dos hospitais ainda é muito arcaica, e muitas vezes o uso excessivo de
medicamentos é feito. Se trabalhassem mais com a humanidade destas
pessoas ao invés de entupí-las com toxinas a taxa de sucesso dos tratamentos
se elevaria muito. Eu sugeri alguns tratamentos alternativos ao diretor do
hospital, mas pessoas inflexíveis não são flexíveis.
- Pronto. Aqui caneta desenha.
- Em qualquer lugar?
- Onde você quiser.
Ela escreveu algo no mínimo curioso.
- Quer explicar o que é?
- Você sabe o que é, não se faça de tonto. Vamos deixar aqui, e daqui a pouco
alguém te liga. Vamos embora?
- Pra onde você quer ir?
- Pro infinito.
- Nossa, mas por que tão longe?
- Simplesmente porque não precisa ser tão perto.
− Faz assim. Vamos pra casa, eu pra minha e você pra sua. Qualquer coisa
você me liga, ou vice-e-versa. Tá?
− Combinado.
− Ah! Valeu por ter me ajudado. Você sempre aparece nas horas certas.
Tomara que não seja tão difícil chegar até o infinito.
− Hahaha. Beijos, mon chèr.

E fomos cada um para um lado.

A Visita
por Biottik
Rafaella: Pera, vou atender à porta.
Bio: Ooooow....que título eu dou?

E a Rafa foi atender à porta. Zéfiro me olhou com um ar estranho, afinal,


tínhamos acabado de chegar na casa, era tudo muito novo.
- Z, você acha que a gente vai sentir falta dos remédios? Sei lá, o corpo não
vai estranhar?
- Vai. No começo vai. Entupiam a gente com aquelas merdas, o organismo
acostumou. Cara, ainda não consigo acreditar no que aconteceu!
- De boa, eu nem sei direito o que aconteceu, mas aconteceu!
Hahahahahaahhahaha!
- E essa mina, trazendo a gente pra cá...sei não, hein.
- Porra Zéfiro, a mina foi gente boa de dar um teto pra gente. Aqui tem
comida, tem água, tem onde dormir, tem computador. Olha essa estante velho!
Lotada de livro! Deixa eu ver que que ela tem aqui.

Me levantei e fui até a estante. Os livros estavam organizados por autor. Tinha
de tudo, mas em especial livros sobre Filosofia. Puxei um dos livros sem ver.
Era o “Investigação Acerca do Entendimento Humano”, de David Hume. Abri o
livro aleatoriamente, e quando me preparava pra ler algumas linhas, ouço a
voz de Rafaella.
- Gente, temos visita.
Me virei e olhei pra Rafa. Eu juro que eu não entendi nada, e pela cara que o
Zéfiro fez, entendeu menos do que eu.

Zéfiro:
- Que legal! Fundamos uma companhia de dança agora?
Rafaella:
- Zéfiro, para de ser assim cara. Porra, a menina nem chegou e você já
maltrata ela? Pelo menos você ouviu o que ela tem a dizer? Sabe porquê ela
tá aqui? Não, então cala a boca!
Bailarina, olhando pro Z:
- Podia dormir sem essa hein?

Sabe aquele silêncio sepulcral que às vezes se forma no ambiente?


Então...essa hora teve um desses. Durante o silêncio todo mundo se
entreolhou, e deu pra ver que o Z meio que se arrependeu. Ele não agüentou,
e foi o primeiro a começar a rir. Em um segundo nós quatro estávamos rindo.
Em três segundo todos nós estávamos literalmente rolando no chão, de tanto
rir com a comicidade da cena.
Depois da sessão de gargalhadas eu me levantei e fui até a sala. Sentei no
sofá e comecei a pensar. Não pensei em nada específico, apenas divaguei
sobre a vida.

Do nada eu gritei:
- Rafa, explica pra Bailarina a história da história!!!
- Você não quer nem saber o que ela tá fazendo aqui?
- Que pergunta!
- Depois vocês conversam então!

O Zéfiro saiu do escritório, olhou pra mim e começou a rir, e entrou no


banheiro. Pelo barulho ele só podia ter ligado o chuveiro. E eu fiquei um tempo
no sofá. Deitei, me revirei, me trivirei. Acho que passou bem uma hora.
O Z pegou um livro e foi pra um dos quartos ler. Consegui ver isso de canto de
olho. E do escritório sai a Bailarina, andando em minha direção.
- Bio! Não sabia o seu nome!
- Eu não sei o seu. Sei que o pessoal te chamava de Bailarina. Qual seu nome,
Bailarina?
- Milena. A Rafaella me explicou sobre a história. Eu sei escrever também,
sabia?
- Eu gosto de escrever, mas eu sempre escrevo coisas bestas, saca? Coisas
pessoais. Às vezes escrevo uns haikai sem nexo.
- Você inventa palavras?
- Porquê? Você inventa?
- Hmm...digamos que eu renovo o vocabulário.
- Gostei da definição...inventar palavras significa renovar o vocabulário. O povo
não te acha doida não?
- Achem o que quiserem ué. Não nasci pra viver mentindo.
- O que você faz da vida?
- Danço. Tu?
- Até umas horas atrás eu fingia não existir existindo. De umas horas pra cá eu
ainda não sei o que eu faço. O que você acha que eu devo fazer?
- Tu tem dinheiro?
- Bom...sabendo que a gente acabou de sair de um hospício em chamas e
estamos na casa que pertence a uma pessoa que estava no hospício com a
gente, acho que não tenho grana não. Tu tem?
- Não.
- A Rafaella tem?
- Ela é a dona da casa, deve ter alguma coisa guardada.
- Pra quê você quer o dinheiro?
- Vou te dar um presente.
- Quê???
- Quero te dar um presente! Ou você não quer?
- Faz tempo que eu não ganho nada.
- Vou falar com a Rafaella.

E eu fiquei no sofá, com a expectativa a milhão. Como assim um presente?


Quê que essa dançarina, bailarina tá fazendo?
Ela sai do escritório, vai em direção à porta, olha pra mim e diz:
- Já volto.
E saiu.

Ex-Namorado
Por Rafaella Eliz
Minha mãe disse: “Rafaella, rápido menina! Vamos nos atrasar!”.
Tínhamos sido convidados – eu, minha mãe e meu pai – para uma festa à
fantasia. Meu pai se fantasiou de Pierrot, minha mãe de Rainha de Copas, e eu
quis só uma máscara de monstro. Mas não daquelas vagabundas, de látex.
Uma máscara de monstro que desse medo.
Me vesti inteira de preto, dei uma olhadinha no espelho e vesti a máscara. Não
dava pra ver muita coisa pela máscara. O buraco para os olhos era estreito
demais, mas eu nem liguei pra isso.
Chegamos na festa e achei uma amiga de infância minha. Nem lembro o nome
dela, faz tanto tempo. Ela era minha amigona. Brincadeiras, todas com ela. Ela
era um ano mais velha que eu, e nossa amizade era de criança. Eu emprestava
brinquedo pra ela, ela me emprestava. Se bem que nem precisava...a gente
era vizinha, e todas as nossas brincadeiras a gente tava junta.
Nesse dia a gente resolveu atazanar a vida dos meninos que não iam com a
nossa cara. Eles sempre jogavam coisas na turminha que ficava brincando
tranquila, e a turminha nunca fez nada. Eu ficava puta com isso, desde
pequena eu sou revoltada. Eu esperei um pouco, e não deu outra! Vieram
encher nosso saco. Eu tava tomando refrigerante, e taquei na cabeça de um
dos meninos. Ele não sabia que eu era eu, por causa da máscara. Pra se
vingar, começou a puxar minha máscara, até que ela se rasgou. Comecei a
chorar. Poxa! Nem tinha começado a festa direito e eu já tava sem fantasia!
Persegui o menino a festa toda. Uns dias depois nos tornamos amigos.
Ironia do destino: namorei com ele por 7 meses e 21 dias, tudo contadinho.
Hoje em dia a gente não namora mais, mas sempre nos falamos. Ontem eu
contei pra ele sobre o projeto...ele amou; disse que quer participar.

Beto retifica
Por Beto
Fico puto com essa mania da Rafa de não contar nossa história direito.
A festa era à fantasia. Eu não. Pulei o muro do condomínio pra poder ir.
Quando fui entrar o segurança me barrou e disse que eu estava sem fantasia.
Tirei o maço de Marlboro do bolso, coloquei um atrás da orelha e disse que a
fantasia era de James Dean, em Juventude Transviada. Ele engoliu. Burro.
Encontrei alguns amigos riquinhos, mas ninguém interessante de verdade. Por
mera falta do que fazer, e por causa do tédio espontaneamente gerado pela
presença de tantos pais, começamos a jogar coisas na turminha que ficava
brincando tranqüila, e a turminha nunca fazia nada. Resolvemos procurar um
desafio mais interessante. As garotas-problema. Cada um de nós se
responsabilizou por uma delas. Eu escolhi a de preto com a máscara mal feita,
joguei um salgadinho nela e me virei de costas, pra disfarçar. Não deu tempo
nem de rir com a mão na boca e a filha da puta jogou uma lata de 7 Up na
minha cabeça. Pra não deixar barato eu ia arrancar a máscara da monstrinha,
mas o negócio era tão mal feito que rasgou. Eu conhecia aquela garota, linda
por sinal, de algum lugar, mas antes que eu pudesse a reconhecer ela gritou e
começou a chorar. Passou o resto da noite me perseguindo com cara de quem
ia matar alguém.
Alguns dias depois eu descobri de onde a conhecia. A vi sentada sozinha na
escada do colégio e fique com dó. No outro dia comprei uma máscara de
monstro. Bem feita. Quando a vi sentada no mesmo lugar, estiquei a mão com
a máscara nova. Ela subiu a cabeça e sorriu. Nos tornamos amigos.
Namorei ela por 7 meses, 21 dias, 3 horas e 14 minutos. Até o incidente com
outra lata de refrigerante, que fez com que terminássemos o namoro.
Ela me ligava bastante mesmo depois que terminamos, e me liga até hoje.
A Rafa tenta disfarçar com a imagem de durona. Porra, e que culpa tenho eu?

Loungeando
por Bernardo Ruiz

Meu telefone tocou, e o número que apareceu no display era um número


conhecido. Do outro lado da linha, uma voz feminina:

- Oi, tudo bem?


- Tudo ótimo, e com você?
- Comigo também. Alguma novidade?
- Sim, você acabou de me ligar.
- Como você é sem graça, Bernardo! [risos] Eu quis saber se o estímulo deu
resultado. Alguém te ligou, entrou em contato, algo assim?
- Ah sim! O nome dela é Catarina. Parece ter entendido o propósito todo.
- E o que vocês conversaram?
- Você sabe que a minha memória é defeituosa, facilita vai?
- Foi produtiva a conversa?
- Muito. Ela parece ser uma pessoa excelente. Me diz, o que você vai fazer
daqui uma hora?
- Hmm...se minha intuição está certa, vou te ver; se estiver errada, não sei.
- Sua intuição não falha. Marquei com a Catarina naquele lounge que a gente
sempre vai. Você pode ir? Daqui uma hora.
- Sim, sim. Beijos, vou me arrumar.
- Beijos, se cuida!

Fui pra casa, me arrumei e fui até o lugar combinado. Uma livraria com um
lounge excelente, difícil de achar por essas bandas. Difícil mesmo.
Quando cheguei lá, Catarina e Eduarda estavam à minha espera.

− Oi gente, desculpa o atraso. Você é? (apontei para um sujeito que estava


com elas)
− Beto. Beto Moraez, prazer. A Catarina me convidou, tem problema?
− Imagina, problema nenhum. Bernardo, prazer.

Todos pareciam bem à vontade. O lugar foi escolhido à dedo, justamente para
deixar todos tranquilos. Tomamos café, comemos algumas coisinhas e ficamos
batendo papo por um bom tempo.
Olhei no relógio e vi que a Rafaella deveria estar puta comigo, pelo meu
atraso.

− Bom...pessoal, se todos concordarem, iremos até a casa de uma amiga.


Combinamos de fazer algumas coisas, trocar idéias, e seria legal se todos
fossemos até lá. Ela mora perto, não é contramão nem nada; quem topa ir?
Todos concordaram. Saímos da livraria, entramos no meu carro e fomos até a
casa de Rafaella Eliz, para dar continuidade ao que foi começado no Hospital.

Cerveja com DJ
Por Rafaella Eliz

A casa estava silenciosa, bem diferente da atmosfera do Hospital. Meus lugares


preferidos da casa são a biblioteca e a sala-de-estar. Sou viciada em livros e
música. Compro livros que sei que não vou ler, apenas pelo prazer de tê-los.
Quem sabe na minha velhice eu não os leia; ou eu doarei todos quando não
servirem pra mais nada.

Quis saber como o Bio estava, e fui procurá-lo. Estava sentado no sofá, na
sala. Puxei assunto:

− Bio, porquê você tá quietinho?


- Eu tô quietinho???? A Bailarina do nada fala que vai me dar um presente e
sai? Fiquei curioso, por isso tô aqui. Tô ansioso pra ganhar o presente ué!
- Putz, voltou a ansiedade?
- É uma merda mesmo!
- Não fica tão negativo, cara. Faz mal. Deve ser a falta dos remédios.
- Sei lá! Tudo confuso, tudo estranho!
- Ah! Deixa eu te contar! Você vai conhecer um amigo meu hoje, o
Bernardo. Acho que vocês vão se dar bem. Ele é meio anormal assim que
nem você. Você já deve o ter visto lá no Hospital.
- Hospício, você quer dizer...
- É, qualquer coisa assim. Ele era um enfermeiro de lá. Nós já somos
amigos há algum tempo, e ele meio que ajudou o Zéfiro a preparar todo o
tumulto.
- Hummmm....interessante! Já gostei desse cara!
- Você bebe Bio?
- Até bebo, mas tenho medo de beber agora, por causa dos remédios, e
talz.
- Vou comprar alguma coisa pra gente beber então. Se você beber só um
pouquinho acho que não faz mal, só não pode abusar.
- Tá bom. Compra alguma coisa doce, vai? Jujuba, sei lá.
- Okay. Já volto.

Fui até o supermercado mais próximo, mas antes passei no banco pra sacar
dinheiro. Antes de me auto-internar no Hospital, deixei todos os meus
documentos na casa, para tê-los à mão assim que precisasse.
Com o dinheiro em mãos, fui até o supermercado. Adentrei o estabelecimento
e me dirigi à seção de bebidas. Sem querer esbarrei em uma menina. Nos
entreolhamos por alguns segundos, e ela se apresentou:
− Adelaide Navarro, você?
Confesso que fiquei sem reação, mas retribuí a gentileza.
− Rafaella. Desculpa, eu tava distraída, não te vi.
− Vai comprar o que?
− Cerveja e vodka acho.
− Pega esse vinho aqui. Saboroso e encorpado.
− Hum...parece ser bom. O que você faz da vida?
− Sou DJ, toco em alguns lugares quando aparece oportunidade. E você, faz o
quê?
− Pra ser bem sincera, não faço nada...literalmente.
− Mais ou menos como eu então. Vai fazer o que hoje à noite?
− Tem uma festa lá em casa, vim comprar bebida justamente pra isso. Tá
afim de ir?
− Eu ia tocar hoje, mas a preguiça me mata. Vou dar um jeito; espere, sim?

Gostei da menina. Tinha lá seus 19, 20 anos. Bem decidida, firme na voz e no
olhar. Ligou para sei-lá-quem e disse que não iria trabalhar. Facilidades da vida
moderna.

− Pronto. Eu vou ajudar então,vou comprar algumas coisas. Tô de carro aí, e


o equipamento tá lá; precisando...
− Equipamento de som?
− É...tudo que precisa tem lá.
− Que legal! Você cobra quanto?
− Se eu tô na festa me divertindo, nada.
− Uau! Vamos ter DJ ao vivo hoje então?
− Claro.
− Adelaide, você não acha estranho a gente se esbarrar em um supermercado
e termos esta conversa, justamente deste jeito?
− Estranho é, mas o destino age curiosamente bem. Aprendi a não brigar com
a vida. Se a intuição diz pra ir, eu vou...e ponto final.

Pegamos tudo o que tínhamos para pegar – incluíndo a jujuba – e fomos para
a fila do caixa. Pra variar a fila demorou, e ficamos conversando sobre
assuntos banais. Contei para ela um pouco da minha vida, minhas
experiências, e vice-versa.
Finalmente, pagamos tudo e saímos. Eu fui no carro da Adelaide, já que eu
tinha ido à pé ao supermercado.
É...realmente a vida moderna é super.

Z. e Bio
por Zéfiro e Biottik

− Zéfiro, seu maldito. Até agora você não fez nada, cara. Eu escrevi pra
caramba, a Rafa escreveu pra caramba, e você fica só aí de boa, lendo, sem
fazer nada. É um desocupado nato, só pode.
− Eu odeio escrever. Prefiro observar e falar, ao invés de escrever.
− Tá. Então faz um esforcinho, vai? Escreve sobre alguma coisa que a gente
viveu lá no hospício. Qualquer merda tá valendo, só pra constar seu nome.
Heheheheheh.
− Finge que fui eu...sei como é. Lá vai:

“Não sou escritor, não esperem coisas boas de mim. Na verdade, não esperem
nada de mim, não sou amiguinho de vocês.
Só estou escrevendo isso porque o Bio não para de dizer pra eu escrever.
Agora, um pouco sobre mim, pra quem estiver lendo poder fingir que me
conhece.

Chamam-me de Zéfiro. Quem me deu esse nome foi o Diretorzinho (o Bio


chama ele de Chefão). Uma vez ele contou que me chamou assim pois achou
que eu parecia o Vento Oeste que traz a Primavera. Ele adorava a Grécia e
mitologia, acho que ele não era muito certo das idéias.

Não lembro de nada anterior à casa. Talvez eles tenham mexido na minha
cabeça, talvez seja a minha cabeça que não quer lembrar, não importa agora.
Acredito que isso tenha sido bom. Porra, quem nunca teve vontade de começar
tudo de novo?

Lembrei de uma coisa curiosa agora, o nosso ultimo dia na casa foi o primeiro
dia da Primavera. Talvez o Diretorzinho não seja tão doido quanto eu pensava,
quase fiquei com pena de ter destruído a casa dele.

Sobre o dia que eu conheci o Bio....


Era um dia com sol, estava todo mundo no pátio. Meu primeiro dia na casa.
Cheguei e me senti totalmente perdido, não conhecia ninguém, nem eu
mesmo.
Fiquei sentado lá num canto, até que o Bio apareceu na minha frente e
começou a falar de subversão. Eu nem sabia o que era isso, mas fiquei
ouvindo, talvez por isso a gente tenha se dado bem, eu ouço as loucuras dele.
Ele veio com um papo estranho de Hakim Bey, Vitoriamario e sei lá mais o que.
Eu aprendi bastante com o Bio, gosto de observar mais do que falar.
Às vezes sinto falta das nossas conversas no pátio.
Às vezes não.

Lembrei de outra coisa agora hehe.


Nós tínhamos que desenhar às vezes, num dia desses sentei do lado do meu
amigo S.
Perguntei pra ele como eu deveria desenhar o Bio, como passar pro papel as
principais características dele. Ele respondeu: “Desenhar os pontos marcantes
do Biottik seria complicado, seria como tentar reproduzir um quadro do Dali,
depois de usar 1 quilo de drogas, com o pé direito e de cabeça pra baixo.”. Ou
algo assim.

Já escrevi demais, capítulo que vem tem mais.”

− E aí Bio, ficou bom?


− Tirando a parte do quadro do Dali, ficou bom. Será que vão ter medo de
você? Eu tenho às vezes. Huauhahuahuauhauhauha.
− É bom que tenham...muito.
− Eu hein Z. Ow...não tá com fome não? A Rafa foi no mercado, pedi pra ela
trazer jujuba pa nóis.
− Caralho, você não perde essa mania??
− Jujuba é bom, cara. Gostinho sensacional de azedinho, quando é azedinho.
Tem umas que são muito doces, outras que não tem gosto de nada, mas no
geral eu gosto de todas.
− Eu gosto de chimarrão. Tu gosta?
− Adoro. Sempre queimo a boca, mas adoro.

Durante nossa conversa gastronômica, Rafaella chega em casa, rindo aos


montes. Fomos eu e Zéfiro até a sala, e ficamos boquiabertos com a pessoa
que vimos.

− Gente, essa é a Adelaide, a DJ que vai tocar aqui hoje.


− Calma, Rafa...DJ? Bio, tu sabia que ia ter DJ?
− Eu não sei de nada, não vi nada, e não fui eu!

Adelaide:
− Oi gente. (cumprimentou Bio e Zéfiro polidamente)

Rafaella:
− Bio, ajuda a guardar as compras vai?

E lá fui eu ajudar a Rafaella a guardar as compras. Tudo eu, sempre eu. Mas
como ela ficou de comprar jujuba, tá em casa.
Guardamos as compras e ela me deu a jujuba. Fomos até a sala. O Zéfiro não
perdeu tempo, e já tava dando em cima da Adelaide. Sentamos no chão -
Rafa e eu - e ficamos conversando, nós 4. Comendo jujuba e tomando
cerveja-quase-quente.

Maria Quem
por Maria
Meu nome é Maria, Maria quem? na minha terra não é quem, é de quem?
Maria, filha do João e da d. Antonia, boleira e doceira, a totonha que trabalha
pro seu Edivaldo. Ah a Maria, filha da totonha, num é ela que trabalha pro dr.
Thomaz? Também na minha terra, somos aquilo que fazemos, os srs me
desculpem a escrita meio torta, mas escrevo como que penso, assim foi q
minha mãe Antonia me disse, me ensinou, e ói que não foi assim simples
aprender juntar letrinhas, teve é muita chinelada comendo no lombo, mas fui
aprendendo entre tapas e tropeços até chegar nos beijos, tenho saudades de
minha mãe. Sinto falta da minha terra, mas mesmo assim, coloco um sorriso
na cara, dia sim dia não, e conto histórias, pra velinhos e velinhas, às vezes
tenho a real sensação de que ali ninguém me entende, as caras intrigadas nem
são tantas, ao menos dos hóspedes, mas os que ali ganham o pão sagrado,
sempre cochicham e me seguem de rabo de olho, se não fosse o crachá e o
jaleco, qualquer um desses seria um daqueles, e eu ali perambulando entre
um conto e outro, recitando versos, as vezes para um pequeno grupo, as vezes
para uma pessoa, as vezes dormem, as vezes estão ali olhando fixamente em
meus olhos mas não estao ali realmente. Eu já não me importava, eu não
estava nem aqui e nem ali, até o dia que tudo virou de cabeça pra baixo,
gritos, estrondos, correria, fogo! Pensei em ficar parada, ou foi susto mesmo,
mas tive vontade de ver o fogo consumir as fronteiras, Tive saudades de
minha mãe, doeu forte, peguei dois livros, "a ponte para o sempre" R.b. tinha
acabado de ganhar, e um diário, nunca escrevi um diário, nem quando era
assim espevitada. Quando comecei a ler o diário, já não tinha certeza dos
motivos que me traziam dia sim dia não ao grande parque da vida. Corri, com
os dois livros na mão, do lado de fora no meio da confusão toda, vi uma
menina moça, que andava como quem dança, ela estava calma, tinha algo de
determinante nela, mas num entendo mt dessas coisas q não estão ali pra ver,
e até hoje não sei bem porque, corri tentando alcançar a moça que andava
como quem bailava, ela entrou em uma casa, ali perto, sentei na calçada,
encostei-se na parede da casa, espiei, ouvi gritos de felicidades, deviam ser da
turma dos sem crachás, os que ficam na tranca, tive medo e fascinação, tentei
escutar tudo, queria entrar, mas também queria fugir dali. Andei um pouco pra
despairecer as idéias mofadas. Fui, mas voltei.

Interlúdio
Uma poesia desconcertante, sonora e altiva. Fritando os miolos para ir além.
Sempre além, sempre além.
Ao alto e avante. Mas não, não querem deixar. Querem ter os pés no chão, e
desperdiçar a chance de sonhar.
Mariaum, Maria, Maria, Mariadois, Maria, Mariatrêsangulos.
Foco! Desfocado.
Esquizofrenia! Talvez.
Embargo! Desacreditado.
Delírio! Sempre.
Sempre desfocados, talvez desacreditados na esquizofrenia embargada pelos
delírios febris.

Na auto-lata
por Bernardo Ruiz

Estávamos atrasados para o encontro com a Rafaella. Tìnhamos combinado um


horário, mas sabe como é né? Uma gambiarra aqui, outra acolá, e acaba por
atrasar tudo. Às vezes é até bom dar uma atrasada, mas do jeito que a Rafa é
chata pra essas coisas....
No carro, estávamos eu, Catarina, Eduarda e Beto. Não nos conhecíamos
mutuamente. Éramos dois pares de estranhos, mas isso não impediu nossa
diversão.
Falamos muita besteira, e até falamos coisas sérias, mas nada pra ser levado
muito à sério.
O que eu queria mesmo era chegar logo na casa da Rafaella, tirar o tênis e me
jogar no sofá. O dia foi imensamente cansativo, porém recompensador.
O que acontecerá amanhã? Ou hoje mesmo? Impossível de se dizer. Essas
coisas não são previsíveis, apenas acontecem.

Enfim, chegamos na casa. Descemos todos do carro e adentramos o lar de Ms.


Eliz. Na sala estavam Zéfiro, Bio, Rafaella e uma desconhecida.

− Oi gente.
− Oi Bê! Que saudaaaade!

E tomei um abraço da Rafa. Zéfiro e Bio me olharam meio torto, com


desconfiança, afinal, pra eles eu era um carrasco, mas tenho certeza de que
não me vêem assim. Se chegamos a este ponto hoje, foi por esforço de todos.
Uns eram medicados, outros medicavam...alguns tentaram reverter toda essa
situação. E conseguimos. Tudo bem...alguns focos de incêndio aqui, algumas
caras-fechadas ali. Ossos do ofício, diria Rafaella.

− Gente, estes são meus amigos. Eduarda, Catarina e Beto.

Rafaella olhou pro Beto e parecia não acreditar. E Beto também não.
− Beto? O que você tá fazendo aqui, cara?
− A surpresa é minha, Rafa. Caralho, você sumiu!
− Sumi nada, te liguei algumas vezes vai...você que não foi me visitar no
Hospital, porra.
− Eu não tinha o endereço, ia te visitar como?
− Poxa...gente, fiquem à vontade, todos. Alguém quer cerveja? Tá meio
quente, mas dá pra tomar. Ah! Essa é a Adelaide. Acabamos de nos
conhecer.

Confesso que fiquei curioso com a figura da Adelaide. Meio desligada, meio
observadora. Enfim, não vem ao caso...

Rafaella:
− Bio, esse é o Bernardo, meu amigo que eu falei que você ia conhecer.
Vocês já se conhecem provavelmente, mas aposto que vão se dar muito
bem. Dois insanos...
− Três, com você Rafa.
− Quatro comigo – rebateu Adelaide.

Eu estava esperando um e-mail importantíssimo, e perguntei pra Rafaella se


eu podia usar o computadorum pouco.
− Claro Bê. Tá em casa, fica à vontade.
− Valeu!

Deixei todos na sala, e fui checar as coisas. Alguns e-mails inúteis, outros
interessantes. O que mais me chamou a atenção foi o de um tal de Hirozuki.
Desenhista, anexou alguns desenhos. Todos muito bem feitos.
Pensei comigo mesmo: “Vai render...”; enviei uma resposta, perguntando mais
sobre o que ele faz, como é a rotina dele, essas coisas.
Fiquei de bobeira por um bom tempo. Visitei a comunidade, me consultei com
uma Mãe de Santo, baixei algumas músicas. Nem vi o tempo passar, mas
passou.

Presente para o Bio


por Bailarina

O que ele não sabia é que um presente pode ser uma coisa e pode ser outra.
Na verdade, nem eu sabia o que poderia ser um presente para um ex-interno
de um hospital. Falei com a Rafa, ela me deu 20 paus. Pedi uma roupa limpa,
toalha e fui tomar banho. Tomei banho. Enquanto eu estava sob aquele jato de
água gelada, pensava no que poderia dar de presente pro Bio. Não sei o que
me levou a dizer que ele seria presenteado. Não sei, mas sentia que deveria
dar alguma coisa que realmente importasse pra mim e pra ele. Durante o
banho pensei em palavras novas a serem inventadas e pensei o quanto era
bom o sentimento de liberdade. Logo me veio a expressão: alma que voa. Ao
chegar na sala novamente, o vi sentado no sofá com a Rafa e o Z, acho que
estavam falando de mim, não sei, mas se calaram quando eu apareci. Não quis
perguntar nada e nem entender aquilo, apenas olhei pro Bio e disse: - alma
que voa. E ele ficou sem entender nada. Saí.

As ruas eram estranhas. Nem parecia que eu estava morando em São Paulo há
11 anos. Eu não tinha mais referências de bairros, nada. Tudo que eu me
lembrava referia-se ao Recife e à minha infância. Lembrava do parque 13 de
Maio, do parque da Jaqueira e do Recife Antigo aos domingos. Fui até o ponto
de ônibus e perguntei como fazia pra chegar na Paulista e um senhor me
indicou a linha. Durante todo aquele trajeto eu me perguntava se deveria
voltar ao Recife, o que eu daria de presente ao Bio e como eu iria reconstruir a
minha vida ao lado daqueles desconhecidos. Eu não queria voltar a ser quem
eu era no sentido de querer procurar meus antigos amigos, minha companhia
de balé, meus alunos, minha mãe no Recife. Nada daquilo me pertencia mais.
Eu agora era um começo, e um começo sem voltas.

De volta à casa da Rafa depois de andar a tarde toda pelo centro (e até acabei
dando uma passadinha no Ibirapuera pra caminhar e dançar ao ar livre) me
deparei com uma mulher sentada à porta. Parecia-me familiar sim, mas como
eu não prestava atenção nas coisas, achei que eu não a conhecia mesmo.
Aproximei-me.
O que você faz aqui sentada na porta?
Eu? Espero...
O quê, posso ajudar?
Esperava alguém passar aqui na porta. Talvez você possa me ajudar.
Então, como?
Eu acabei de ser liberta de um hospício e não tenho pra onde ir, posso ficar
aqui? Aqui é sua casa?

Na hora eu me lembrei que ela era de lá, como poderia ter esquecido?

Bem, a casa não é minha, eu fui convidada a morar aqui, mas posso ver com a
Rafaella, a dona, se você pode se abrigar. Vamos, entre.

Nós entramos e tinham umas pessoas estranhas na casa, não entendi. A


Rafa me olhou de um jeito estranho e com cara de interrogação. Logo me
dei conta que nem tinha perguntado o nome da moça que acabara de
colocar para dentro da casa dela.

- Então, pessoal, essa daqui é a?


Maria.
Isso, a Maria. E vocês, quem são? Se apresentem, a Maria quer conhece-los,
eu também.

Claro que todo mundo ficou com cara de paisagem e depois de uns breves
segundo se apresentaram todos. E falei pra Maria ficar a vontade que eu iria
conversar com a Rafa. Dei um ‘Oi’ pro Bio e disse em silêncio: falo com você
daqui a pouco. Ele entendeu. Chamei a Rafa até a cozinha e falei pra ela
que a Maria estava na porta da casa, tinha saído de lá do hospício e não
tinha pra onde ir. Ela simplesmente disse: Sim, e daí? E daí que eu fiquei
puta com ela, claro.

Porra, foram os meninos que fizeram aquilo. A culpa é deles. Eles vão dar
abrigo pros loucos de verdade desabrigados? Não. Então, vamo deixar ela ficar
aqui já que ela chegou até aqui. Além do mais ela me parece inofensiva e
faminta.
É? A gente mal se conhece e você ainda aumenta a rede de desconhecidos-
possíveis-sociopatas.

Sabe? Eu fiquei tão puta que soltei um sonoro VAI TE FUDER! E o Berna
chegou na cozinha pra ver o que acontecia.

Hey, o que tá havendo aqui, posso saber?


Nada, Berna.

Eu saí da cozinha e deixei a Rafa lá com ele. Ela deve ter contado o que
aconteceu e, pelo visto, ele deve ter concordado comigo. Ela me chamou de
volta lá e pediu desculpas e disse que a Maria ficaria conosco. Fui na sala e
fiz sinal pro Bio ir até a biblioteca.
Isso é tudo que consegui comprar e também é tudo que significa pra nós dois
quase as mesmas coisas.
Obrigado. (abrindo o saco)
O que me diz? Vamos escrever muitas coisas juntos? Palavras, haikais,
crônicas, poesias?
Cara, que legal! Valeu! Tava mesmo precisando de um caderno em branco.
De nada.

Comprei um caderno todo em branco para ele e outro para mim com dois lápis
e duas borrachas. Agora nós poderíamos escrever e desenhar tudo o que
quiséssemos.
Começava ali alguma coisa, gosto de chamar de gota de cumplicidade.
Amizade pra quem quiser.

Poslúdio
A festa foi maravilhosa. Todos se divertindo como crianças. Foi o ápice da
façanha. Trocamos muitas idéias, falamos o que devíamos e o que não
devíamos, e todos se respeitando muito.
Alguns dormiram, outros ficaram bêbados. Outros ainda desapareceram
durante a noite, vai saber o que aprontaram. Quem lembrar de algo, escreva.
E pensar que é só o começo dessa epopéia brazuca...

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