Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
--------------------------------------------------------------------------------
Nunca foram científicos nem somente políticos os motivos que entusiasmaram os navegantes
portugueses na exploração da costa africana. Claro que as expedições, em sua maioria, eram custeadas
pelos cofres da coroa que tinha também interesse em tomar posse das terras descobertas para fazê-las
colônias. Com exceção das missões religiosas a serviço da catequese, a motivação responsável pelas
incursões ao mundo africano foi um misto de colonialismo oficial e de comercialização particular,
visando o aumento da área de dominação e o enriquecimento do tesouro real e de particulares, com a
venda de especiarias e mais produtos do continente.
E o escravo, durante mais de três séculos, foi a mercadoria mais procurada e, consequentemente, de
maior valor e que mais lucros proporcionou aos mercadores de negros. Do século XVI até 1830, a
escravidão humana foi, até agora, o período mais negro da história desta nação.
Capturado como se fosse um animal qualquer, atravessando o Atlântico no porão infecto dos navios,
misturado com ratos e dejeções, sem luz e quase sem ar, mal alimentado, o negro africano chegou ao
Brasil contando apenas a seu favor com a igualdade de condições climáticas contra toda uma enorme
série de adversidades entre as quais se avultava a completa negação de sua condição de ser humano. O
escravo que não era considerado gente pessoa; era apenas uma peça, como se dizia, na época. Do
século XVI até 1830, 4.830.000 escravos africanos - entre congos, cambindas, angolas, angicos e
macuas - chegaram ao Brasil, período em que, mais do que índio e do que o branco, ajudaram este país
crescer.
A participação do negro na vida brasileira é imensurável. A força de seus braços nos deu cana de
açúcar, o cacau, o café, o milho, o algodão, os minérios, o feijão. Todos os acontecimentos históricos
contam com a participação do negro: da marcha para o oeste á invasão holandesa, da guerra do
Paraguai à II Guerra Mundial. Cruzando com o Português ele nos deu a mulata de dentes claro, faceira ,
sensual, de corpo bem feito, andar bamboleante e olhos de amor. Deu-nos também, a morena jambo
que, com o mesmo dengo e faceirice, constituem os mais representativos tipos de beleza tropical
brasileira. Na música, o samba descido do morros cariocas e o maracatu pernambucano nos falam de
sua tristeza e das dores de amor constituindo, assim, o que se pode chamar de música brasileira. A
própria língua portuguesa falada no Brasil foi enriquecida com a contribuição do negro : acarajé e
angu, bangüê e batuque, cachaça e cafuné, dengoso e dunga e engabelar e Exu, fubá e fulo, guandu e
gambá, iaiá e inhame, jerebita e jiló, Iundu, mandiga e maracatu. Oxum e Orixá, papagaio e patuá,
quiabo e quitute, samba e senzala, tanga e tuta, vatapá, xangô, zabumba, zebra e mas de 368 vocábulos
que Renato Mendonça estudou, foram palavras, muitas delas gostosas trazidas pelo negro escravo.
Que dizer da enorme contribuição do negro à culinária brasileira do Nordeste? Inúmeros são os pratos
encontrados na área de sua maior freqüência; abará e acarajé, bambá e bobó, caruru e cuxá, dendê, efó,
fufu, humulucu, ipetê, lelê, mungunzá, e muqueca, olubo, quibêbe, quizibiu, sabongo, uado, vatapá,
xinxin e uma porção de outras comidas gostosas estudadas por Luís da Câmara Cascudo. Até à própria
religião católica professada no Nordeste o negro tem dado uma colaboração especial. Nas artes, nas
ciências e nas letras vamos encontrar negros enriquecidos e abrindo novos horizontes às suas
atividades.
O folclore brasileiro tem seu lastro maior na herança do português colonizador. Os índios, por sua vez,
mais filósofos do que os negros, sempre foram batuqueiros, e nos legaram muitas lendas explicando a
origem das coisas terrenas e sobrenaturais, feitiçaria e pratos ligados à mandioca. Depois da
contribuição portuguesa, a participação do negro no folclore brasileiro é a mais importante, quantitativa
e, mesmo qualitativamente. Contribuição mais musical do que oral. E muito mais rítmica. O coco, o
samba, o maracatu, a capoeira, o bate-coxa, a batucada, o batucajé, o bumba-meu-boi, o esquenta-
mulher, o caiapós, o carimbó, as superstições, os tabus, os fetiches, são do negro.
Quando Deus acabou de fazer o mundo, ficou muito cansado. Ficou muito cansado mas ficou também
muito contente. Os pássaros, as flores, as árvores, o mar, as borboletas, a brisa, o por-do -sol , tudo
ficou muito bonito. Mas, quem é que ia admirar as belezas do mundo? Precisava de alguém para ouvir
os pássaros, sentir o cheiro das flores ver o vôo colorido das borboletas, sentir a brisa, viver o por-do-
sol. Pensou, pensou, pensou e, com um pedaço de barro, fez o homem. Achando que o homem estava
muito só fez, depois, a mulher,. E assim foi se fazendo o povo. Só que tinha uma coisa: todos os
homens e mulheres eram pretos, da cor do barro, que era de massapé. Como não gostassem de ser
pretos, foram todos falar com Deus para que ele desse m jeito. Nosso Senhor ouviu a reclamação e
mandou que todos fossem se lavar num poço. Os que encontraram água limpa lavaram-se e ficaram
brancos. Os que vieram depois já encontraram a água meio toldada, e, quando tomaram banho, ficaram
mulatos. Os que chegaram por últimos já encontraram pouca água e, assim mesmo escura e só fizeram
lavar as palmas da mãos e a sola dos pés que ficaram quase brancos. Assim os homens são brancos,
mulatos e pretos desde o começo do mundo. É a estória que o povo conta, explicando porque os
homens têm cores diferentes.
Apesar de sermos um povo sem preconceito racial - qualidade que herdamos do português colonizador
que se mistura com o escravo africano e os índios, o que não aconteceu com o inglês na África, onde
viveu até hoje isolado dos nativos - o negro, muito poucos vezes, sofre restrições sociais da parte de
alguns brancos. De alguns brancos que nem são brancos de todo, é bom que se diga. Há entretanto, uma
rivalidade entre negros e brancos, principalmente entre brancas e mulatas quando se trata de conquistar
os homens. E essa briga vem de muito longe, desde os tempos colôniais quando os senhores de
engenho com ainda bom sangue lusitano correndo nas veias , amavam doces escravas, misturando seus
gemidos aos dos canaviais açoitados pelo vento. E esse problema sexual envolvendo senhores de
engenho, preferindo ebúrneas mucamas em detrimento de pálidas sinhás, já foi magistralmente
estudado por Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala.
Mas, os brancos portugueses gostavam tanto do negro, de suas comidas, de seus batuques, de suas
crendices religiosas, que incluíram no seu vocabulário muitas palavras ainda hoje correntes e vestiram
sua linguagem com muito carinho e com muito dengo quando usaram a palavra negro na sua corrutela
mais popular, nêgo. Minha nega, neguinha significam amor e carinho na boca dos brancos e até mesmo
dos próprios pretos quando dialogam com a mulher armada. Informa Luís da Câmara Cascudo que
Dom Pedro I, quando escrevia suas cartas e seus bilhetes à Marquesa de Santos, terminava sempre
assim: "Seu negrinho Pedro".
Acontece que essa rivalidade entre branco e negros- rivalidade muito mais folclórica do que racial-
continua existindo, cada um procurando enaltecer suas qualidades e diminuir as do outro, como
acontece nas disputas entre cantadores. A face mais popular dessa rivalidade, entretanto, é a proverbial,
adagiaria, riquíssima, jocosa, filosófica até.
Dizem os brancos:
Se negro fosse coisa de se gostar, todo mundo andava com um urubu debaixo do braço.
Negro só é gente quando está no banheiro. Quando batem na porta ele diz: "Tem gente"!
Quando o cabelo do branco fica branco pela idade, ele tinge de preto.