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ste manifesto-revista é resultado do seminário Crise de civilização.
é possível e
um outro mundo
03
“A busca de paradigmas de civilização As atuais crises climática,
alternativos e a agenda de transformação energética, alimentar e
financeira convergem numa
social”, realizado durante o Fórum Social
crise de civilização. O desafio,
Mundial 2011, em Dacar, no Senegal. diante dessa crise, é superar a
Organizado pelo Grupo de Reflexão e Apoio ao ordem capitalista e as relações
Processo Fórum Social Mundial (Grap), o seminário sociais, ambientais e culturais
discutiu os problemas do mundo atual, formas e que ela envolve. Um outro
propostas para superar a ordem capitalista. mundo é possível e é pra já.
Ao todo, 28 ativistas, pesquisadores, respresentantes
de organizações e governos participaram do seminário
(veja ao lado a lista de palestrantes). O evento durou dois
Boaventura de Sousa Santos dias, 8 e 9 de fevereiro, e ocorreu no Instituto Goethe, em Sociedade civil mundial Pós-capitalismo. No
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Dacar. O público foi de 200 pessoas por dia.
é
Carles Riera rumo à Rio + 20. Redes e mundo que buscamos, a
Edgardo Lander Para além de apresentar os resultados do movimentos sociais definiram valorização da vida, do bem
Emilio Taddei seminário, este manifesto é um chamado para que a no Fórum Social Mundial comum, a justiça social e
Esther Vivas sociedade civil ao longo de 2011 e 2012 se organize 2011, em Dacar (Senegal), os direitos da natureza serão
e se manifeste em prol de um outro mundo. Este um cronograma de discussões centrais. A competição
Gustavo Soto
e mobilizações por um acirrada, o consumismo, o
Iara Pietricovsky manifesto é uma provocação para discutirmos e
outro mundo, um outro racismo, o patriarcalismo
Janeth Cuji afirmarmos um outro paradigma de civilização. paradigma de civilização. darão lugar à igualdade, à
pra
Joan Martínez Allier Entre em contato conosco, escreva para A programação culminará cooperação, à tolerância, ao
João Antônio Moraes secretariagrap@gmail.com num evento paralelo à Rio bem viver. Os Estados irão
João Whitaker + 20, em junho de 2012. descentralizar o seu poder,
José Batista de Oliveira Até lá, haverá manifestações ganhar caráter plurinacional
Ladislau Dowbor públicas no G20, na COP17, e respeitar a diversidade e as
Lilian Celiberti além da Conferência de populações indígenas.
Luiza Bairros Cochabamba, sobre os
já
direitos da Terra, e de um
Luiz Arnaldo Campos
Fórum Social preparatório
Magdiel Carrión Pintado
para a Rio + 20.
Maher Al-Charif
Manoel Messias Melo
Marco Deriu
Nadino Calapucha GRAP – Grupo de Reflexão e Apoio ao Economia verde não Diálogo e
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Patrick Mooney Processo fórum social mundial
resolve o problema. descolonização do
Patrick Viveret www.grap.org.br
A promoção da chamada imaginário. Para viabilizar
Roberto Espinoza “economia verde”, um dos esse outro mundo, o diálogo
Rubens Born edição e produção:
motes principais da Rio + tem que ser a nossa cultura
Augusto Gazir
Silke Helfrich Filomena Siqueira 20 oficial, organizada pelas política. O diálogo é essencial
Susan George Marina Ghirotto publicado sob licença creative Nações Unidas, é ação para a construção de
commons. alguns direitos reservados:
Virgínia Vargas Laura Lisboa mitigatória e não resolverá os plataformas comuns entre os
Luiz Antonio Barata atribuição. problemas socioambientais mais variados movimentos,
Vitor Castro Você deve dar crédito ao autor
original, da forma especificada
do planeta. A Terra tem hoje ativistas e organizações sociais
Projeto gráfico e diagramação: pelo autor ou licenciante. boa parte da sua população e para a conquista da adesão
Mórula Oficina de Ideias uso não-comercial. com problemas no acesso de um público mais geral. O
Ilustrações:
Você não pode utilizar esta obra a alimentos, água, saúde, diálogo deve ser acompanhado
com finalidades comerciais.
Paula Santos saneamento. O aquecimento de uma nova maneira de ver
PERMITIDA A CRIAÇÃO DE OBRA global se agrava, e a indústria o mundo, do rompimento
DERIVADA.
As falas dos palestrantes neste Se você alterar, transformar
extrativista e o agronegócio com valores capitalistas, da
manifesto estão editadas. As íntegras ou criar algo a partir deste se ampliam. Não basta trocar descolonização do imaginário.
das falas, assim como outras trabalho, você pode divulgar
informações sobre o seminário, estão o resultado desde que sob uma
algumas peças. A crise é
disponíveis no site www.grap.org.br licença igual a esta. abrangente e está enraizada.
Maher Al-Charif
Instituto Francês do Para concebermos uma civilização alternativa, Como b
rincou
Oriente Próximo talismo Boaven
é preciso alguns princípios. Primeiro, o com um tura So
tariano” r osto hu usa San
direito do povo de escolher livremente . O des mano é tos dura
afio é su a mesm nte o ev
o caminho para o seu desenvolvimento. A ambien perar a a coisa ento, “c
tais e cu o rdem ca q ue um api-
democracia política não pode ser separada da lturais q p it tigre
ue ela e alista e vege-
nvolve. as relaç
democracia econômica. Deve haver a articulação Crise d ões socia
e civil is,
das lutas contra a exploração da natureza, a ização
revisão do conceito de progresso, uma ética E a t are
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que permita o controle da evolução científica, rio. O m ente. A
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e o respeito à diversidade cultural. culação m enfrent isso est
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Fórum Social Mundial tem desde
2001, ano da sua primeira edição, isso d
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proclamado que “um outro mundo é
um do strof é o problem rgética.
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possível”. O primeiro Fórum, na cida-
impotê
s noss
os des âmera a. Eu chamo
de brasileira de Porto Alegre, nasceu
ncia f afios lenta
como um contraponto ao Fórum Econômico rente é essa ,e
Mundial, evento símbolo do neoliberalismo, a isso n ossa
que reúne em Davos, na Suíça, governantes,
.
intelectuais, empresários e investidores.
Dez anos depois, Davos não tem mais a força
de antes, e governos neoliberais foram substituídos onda neodesenvolvimentista, a indústria extrativista e o agronegócio
por alternativas mais progressistas, principalmente se ampliam como se os recursos do planeta não tivessem fim.
na América Latina. O mundo, no entanto, não se Ao mesmo tempo em que as conferências sobre o clima fracas-
tornou por isso um lugar melhor para se viver. sam, que os países priorizam o crescimento econômico a qualquer
Os porquês e as alternativas para este mun- custo, a ênfase de alguns estudiosos, governos e organismos interna-
do e as suas crises foram o tema de um semi- cionais é na reforma do capitalismo, em medidas paliativas, como as
nário que reuniu cerca de 200 pessoas, duran- embaladas sob o rótulo de “economia verde”.
te o Fórum Social Mundial 2011, em Dacar, Não basta entretanto consertar ou trocar algumas peças. O pro-
Senegal. Os presentes, ativistas, pesquisadores, blema é mais enraizado e abrangente. As crises financeira, alimentar,
representantes de governos e organizações, ha- climática, energética convergem. Vivemos uma “catástrofe em câ-
viam participado da construção do Fórum, na mera lenta”, resumiu Ladislau Dowbor. A crise é de civilização. Um
última década. outro mundo é possível, necessário e é pra já.
O seminário “A busca de paradigmas de ci-
vilização alternativos e a agenda de transforma- Pós-capitalismo
ção social” teve 28 palestrantes (confira trechos Esse outro mundo, essa civilização pós-capitalismo, se organizará
de todas essas falas ao longo desta publicação) e em torno da valorização da vida. A preservação e o respeito aos limites
partiu da premissa de que só a crítica ao neoli- do planeta serão centrais. A natureza terá os seus direitos reconhecidos.
beralismo, só ser o anti-Davos, não bastava. As desigualdades sociais, a competição acirrada, a mercantilização da
vida, o padrão consumista, os persistentes racismo e
Magdiel Carrión Pintado Emilio Taddei
Segundo Silke Helfrich, “muda-se a lógica da acumu- No Peru, nossas comunidades e povos Os muitos movimentos críticos ao
lação de riquezas para uma do bem comum”. indígenas tiveram os seus territórios modelo extrativista apresentam um
“Não há leis dizendo que a democracia não pode invadidos por empresas extrativistas e horizonte novo. Uma perspectiva
entrar no terreno da economia”, frisou Susan George. de petróleo. Hoje estamos integrando crítica mais radical do capital
As estruturas políticas acompanharão as transforma- a luta com outras organizações, e da civilização está surgindo
exigindo que nossos direitos se como parte das lutas sociais e
ções. O Estado precisará descentralizar o poder, ga-
incluam nas Constituições dos ambientais na América Latina.
nhar caráter plurinacional, respeitar a diversidade e as países latino-
populações indígenas. Deverá existir uma governança americanos.
global participativa e igualitária.
A construção dessa alternativa não será, obviamen-
Janeth Cuji
As crises estão convergindo, e as soluções que estão sendo a COP17 (conferência das
propostas para elas também convergem. Nós temos ouvido que Rio + 20 e plano de Nações Unidas sobre cli-
a solução para a crise de recursos energéticos e matérias- mobilizações Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador – Conaie ma), em Durban, na África
primas é a tecnologia, a nanotecnologia, que vai permitir
Para que sigamos nesse do Sul, para uma segunda
a produção a partir de átomos e moléculas. Ou seja, eles
bonde, o Grap (Grupo de
A exploração de Conferência de Cochabam-
estão dizendo que não vamos mais precisar de matérias-
primas. Também temos escutado que não precisamos mais nos Reflexão e Apoio ao Proces- petróleo, de madeira e ba (Bolívia), sobre os direitos
preocupar com o declínio dos combustíveis fósseis, pois
o que um dinossauro pode fazer, uma planta também pode.
so Fórum Social Mundial), a mineração afetam os da Terra, e para um Fórum
que organizou o seminário Social temático preparatório
Tudo que precisamos é controlar a biomassa do planeta. A em Dacar e edita este mani-
territórios indígenas. para a Rio + 20, em Porto
terceira ameaça dessa convergência é relacionada à mudança
climática. Temos escutado que a indústria, que nos trouxe
festo, está promovendo em Estamos fortalecendo as Alegre, no início de 2012.
o problema, irá nos tirar da crise pela geoengenharia. E
conjunto com outras redes comunidades, trabalhando As mobilizações também
por conta dessa convergência, indústria e governos estão e movimentos sociais um serão um protesto contra o
dizendo que precisam de uma nova aliança para garantir o cronograma de discussões e os temas da autonomia, da G20 e a COP17, pela for-
controle que eles precisam sobre o planeta. Essas são as mobilizações por um outro nacionalidade dos povos ma excludente como esses
ameaças que a nossa civilização enfrenta. paradigma de civilização. A
indígenas, da possibilidade encontros são organizados e
programação, aprovada em tomam as suas decisões, sem
assembleia durante o último de um governo indígena nas a participação ativa da socie-
Fórum Social Mundial, cul- comunidades. dade, sem a transparência
Marco Deriu Universidade de Parma (Itália) Esther Vivas
Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais da Universidade Pompeu Fabra (Espanha)
O surgimento de paradigmas alternativos dependerá da
nossa capacidade de renunciar formas de pensar que Os movimentos por soberania alimentar são
são obstáculos às mudanças. Houve uma colonização do centrais no combate à globalização capitalista.
imaginário, e a mudança também tem a ver conosco, A soberania alimentar
e não apenas com o mundo que nos envolve. A era do é um paradigma
desenvolvimento acabou, e devemos abandonar esse alternativo ao modelo
paradigma. Esse processo de desenvolvimento nos traz agroindustrial que
algumas lições. O crescimento não garante a satisfação nos têm levado a
das necessidades, mas cria novas demandas. Ele acenou com uma crise alimentar
riqueza e liberdade para todos, mas isso foi assegurado e rural. Há milhões
apenas para um número limitado. A pobreza não acabou, de pessoas passando
surgiram novas. Pela primeira vez, há uma consciência fome no mundo, quando
Silke Helfrich
Commons Strategies Group
afirmou ela, “os trabalhadores rurais perderam a autonomia para produzir, e os dominante com um paradigima do bem comum. Se na lógica
consumidores perderam o controle sobre o que comem”. Calapucha do mercado, o foco é como produzir e vender, no
paradigma alternativo o foco é como reproduzir o que
Não à toa os movimentos pela reforma agrária ganharam uma “dimensão Confederação de Nacionalidades Indígenas
da Amazônia Equatoriana - CONFENIAE precisamos, é o valor de uso. No paradigma dominante,
maior”, lembrou José Batista de Oliveira. Num mundo em que o alimento
eles sempre falam de escassez, recursos e a alocação
virou commodity para a especulação financeira, a luta dos sem-terra agora é Temos escutado
de recursos. Somos treinados para competir uns com
por recursos naturais e pela soberania alimentar. muito a palavra
os outros. No paradigma alternativo, a ideia é que
desenvolvimento, mas
temos o suficiente para todos se a gente dividir. A
temos experimentado
Indignação e emoção questão não são os recursos, mas a maneira com que nós
destruição, violação
A situação de um país como a Nigéria ilustra bem as contradições das quais se nos relacionamos quando se trata de recursos. Isso
dos direitos humanos,
significa uma mudança da monopolização do poder para
alimenta o capitalismo. Maior produtor de petróleo da África, a Nigéria é destino ambientais e
a descentralização do poder e a autonomia. Temos que
de investimentos, conta com uma classe média crescente e registrou nos últimos socioculturais. Por
adotar a ideia de que o nosso próprio desenvolvimento
anos crescimento acima dos 5%. No entanto, saúde e educação estão em colapso, isso propomos Estados
depende do desenvolvimento dos outros. Isso significa
e a maioria dos 150 milhões de habitantes vive na pobreza. plurinacionais, um
mudarmos de uma lógica de acumulação de bens e riqueza
Estado verdadeiramente
para a do bem viver.
participativo,
democrático, onde
Carles Riera todas as opiniões
sejam respeitadas.
Centro Internacional Escarré para Minorias Étnicas e Nações – Ciemen (Catalunha)
No Equador, temos ações )
Trans rança
A civilização, a cultura, ligada ao três irmãos na prisão
iação p e l a Ta x aç ã
aos
o das
C ida dão s – ATTAC (F
acusados de terrorismo Assoc Ajuda
crescimento econômico capitalista, por defenderem a nossa
e org e Financ
eiras e
A cultura e a política
sem olharmos para o
consumo. Primeiro, a
outras. Há dez anos, era
central a luta contra o
nos mantermos apenas
com uma crítica ao
tornar desenvolvida.
Esse modelo é sedutor,
Fórum Social Pan-amazônico sustentabilidade. Já neoliberalismo. Agora neoliberalismo. A cria uma ideologia do
são dimensões que têm que
De acordo com dados consumimos cerca de 30% a nossa prioridade crítica é ao capitalismo consumo, de cenário
ser levadas em conta para
do Plano Decenal de acima da capacidade do é a articulação de e ao colonialismo, que das aparências, sob a
que possamos refazer a
Energia do governo planeta se renovar. A agendas. Nesses dez continuam vigentes em alegação de que se gera
nossa percepção de mundo,
brasileiro, está questão ambiental nos leva anos adquirimos uma nossas sociedades. É uma emprego, mas na verdade
falar além dos nossos
prevista a destruição a discutir a distribuição certa capacidade para dificuldade pensarmos é desastroso porque é
territórios, falar, por
de 5,3 milhões de km2² de recursos. É fundamental incorporar o aprendizado o novo a partir do concentrador de renda e
exemplo, para a população
da floresta amazônica dar a um imenso contigente de outros movimentos, de velho. Sem descolonizar gerador de miséria.
que vive nas favelas, que
para a construção de 61 da população acesso aos aprender com a ecologia as nossas cabeças e os
se organiza e que está se
novas represas. Ao todo, recursos. Isso só será social e suas lutas, com nossos saberes, nós não
constituindo como cidadã
15 delas vão afetar possível se o retorno da os movimentos que dicutem vamos chegar a lugar
com uma linguagem que não
áreas de preservação indústria de energia for a questão racial, com os nenhum.
é a nossa. A gente tem
ambiental, e 13 violarão de fato destinado ao povo. movimentos indígenas, de
que estabelecer conexões
território indígena. Tem E quanto mais pessoas no mulheres. Temos que criar
com outras linguagens e
ainda a construção de mundo discutirem energia, agendas comuns, criar
experiências, para além do
duas hidrelétricas no mais chances de êxito coletivos com capacidade
Fórum Social Mundial. Se
Peru, que vão desalojar teremos. A rediscussão do para serem ouvidos,
a gente não abrir a nossa
13 mil indígenas, padrão de consumo passará interagirem. Uma agenda
linguagem, não funcionar
inundando 45 mil km2. por isso. conjunta é o desafio.
multidimensionalmente,
vamos perder o bonde da
história.
Rubens Born
Rede Dialogue en Humanité