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associação fóruns do campo lacaniano

Stylus
revista de psicanálise

Stylus Rio de Janeiro nº18 p.1-192 abril 2009


© 2009, Associação Fóruns do Campo Lacaniano (AFCL/EPFCL-Brasil)
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Stylus
Revista de Psicanálise
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Paulo Rona Eliane Schermann (EPFCL)
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Assessoria de Edição deste Número Gabriel Lombardi (UBA/EPFCL-Buenos Aires)
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113dc Design+Comunicação de Campinas)
Raul Albino Pacheco Filho (PUC-SP/EPFCL-SP)
Tiragem Sonia Alberti (UERJ/EPFCL-RJ)
500 exemplares Vera Pollo (PUC-RJ/UVA/EPFCL-RJ)

FICHA CATALOGRÁFICA
STYLUS: revista de psicanálise, n. 18, abril 2009
Rio de Janeiro: Associação Fóruns do Campo Lacaniano

Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil - 17x24 cm

Resumos em português e em inglês em todos os artigos.

Periodicidade semestral. ISSN 1676-157X
1. Psicanálise. 2. Psicanalistas – Formação. 3. Psiquiatria social. 4. Psicanálise lacaniana.
Psicanálise e arte. Psicanálise e literatura. Psicanálise e política.
CDD: 50.195
2
sumário

7 editorial: Ana Laura Prates Pacheco

ensaios
13 Gabriel Lombardi: O compromisso e o encontro
25 Antonio Quinet: Tempo de laiusar
33 Dominique Fingermann: O “tempo” de uma análise.
41 Maria Vitoria Bittencourt: O inconsciente: trabalhador ideal

trabalho crítico com os conceitos


51 Bernard Nominé: O tempo: um objeto lógico
61 Sonia Alberti: Tempo e entropia
73 Ângela Mucida: Sob a persistência do real: memória e tempo
89 Ronaldo Torres: Lacan e o grupo de Klein: tempos do sujeito
na experiência analítica
115 Maurício Castejón Hermann: A banda de moebius e o tempo
do sujeito para a construção da fantasia inconsciente

direção do tratamento
135 Susy Roizin: O tempo do sujeito-criança do inconsciente
147 Pablo Peusner: Sobre a antecipação na clínica psicanalítica lacaniana
com crianças (Voltar ao futuro)

entrevista
155 Dominique Fingermann: V Encontro Internacional: um movimento
de “Fórum” (por Silvana Pessoa e Ana Laura Prates Pacheco)

resenhas
165 Sandra Leticia Berta: Por causa da questão
Resenha do livro O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan: da questão
do sujeito ao sujeito em questão, Antonio Godino Cabas. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar ed., 2009.
173 Lou de Resende: (Maria Lúcia de Resende Chaves): Costura de um
retrato para o álbum do futuro.
Resenha do livro Escrita de uma memória que não se apaga – Envelhe-
cimento e velhice, Ângela Mucida. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
177 Érico Nogueira: Eles só pensam “naquilo”.
Resenha do livro Falo no jardim: Priapeia grega, Priapeia latina, João
Angelo Oliva Neto. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 3


4 o tempo na psicanálise II
contents
7 editorial: Ana Laura Prates Pacheco

essays
13 Gabriel Lombardi: The meeting (appointment) and the encounter
25 Antonio Quinet: Time to dare-laios
33 Dominique Fingermann: Psychonalysis “tempo”
41 Maria Vitoria Bittencourt: The unconscious: ideal worker

critical paper with the concepts


51 Bernard Nominé: The time: a logical object
61 Sonia Alberti: Time and entropy
73 Ângela Mucida: Under the persistence of the real: memory and time
89 Ronaldo Torres Lacan and the Klein Group: Times of the subject in
psychoanalytical experience
115 Maurício Castejón Hermann: The Möbius band and the subject’s
time to build the unconscious fantasy

the direction of the treatment


135 Susy Roizin: The time of the subject-child of the unconscious
147 Pablo Peusner: About anticipation in lacanian psychoanalytical clinic
with children (Back to the future)

interview
155 Dominique Fingermann: V International Meeting: a “Forum”
movement (by Silvana Pessoa e Ana Laura Prates Pacheco)

reviews
165 Sandra Leticia Berta: Because of the question
Review of the book O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan: da questão
do sujeito ao sujeito em questão, Antonio Godino Cabas.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2009.
173 Lou de Resende: (Maria Lúcia de Resende Chaves): Sewing a picture
for a future photo álbum
Review of the book Escrita de uma memória que não se apaga – Envelhecimento
e velhice, Ângela Mucida. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
177 Érico Nogueira: Eles só pensam “naquilo”.
Review of the book Falo no jardim: Priapeia grega, Priapeia latina,
João Angelo Oliva Neto. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 5


6 o tempo na psicanálise II
Editorial

Em julho de 2008, a comunidade psicanalítica da Interna-


cional dos Fóruns do Campo Lacaniano e de sua Escola – a EPFCL
– reuniu-se na cidade de São Paulo para o V Encontro Internacio-
nal do Campo Lacaniano. Foram apresentados, nesse Encontro, 80
trabalhos de diversos países, apresentados em plenárias ou mesas
simultâneas, em torno do tema: “Os tempos do sujeito do incons-
ciente: a psicanálise no seu tempo e o tempo da psicanálise”.
A Revista Stylus 17 (novembro de 2008) – cujo tema foi
O tempo na psicanálise – publicou vários textos apresentados no
V Encontro. Neste Stylus 18, damos continuidade a esse trabalho,
reunindo outros tantos textos de colegas de vários países e estados
do Brasil, que ofereceram sua contribuição teórica e clínica sobre a
questão do tempo.
No texto de apresentação do V Encontro, chamado “Atua-
lidade”, Colette Soler afirmava:

“A questão aberta por esse tema não é simplesmente clínica. Uma


clínica do tempo é possível, sem dúvida, mas para dizer a verdade,
ela não está mais por ser feita, pois já se encontra bem balizada pelo
ensino de Lacan. Tempo do sujeito que se ‘hystoriza’ puxado entre
antecipação e retroação: tempo próprio de cada estrutura clínica,
que marca com seu selo a temporalidade universal do sujeito e cuja
tipicidade já é o índice de um real, conforme elas se ‘hystorizam’
ou não: ‘tempo lógico’ de produção de uma conclusão a partir do
‘não sabido’, produção cuja duração, incalculável, é própria de cada
analisante, o que leva a pensar que, por mais lógico que seja esse
tempo, ele é algo não só lógico, participando antes de um real que
se manifesta na ‘textura’ do tempo. O ponto crucial de nosso tem-
po hoje está, porém, noutro lugar, mais ético que clínico: o que
uma análise sempre longa pode prometer ao homem apressado pela
civilização? Efeitos terapêuticos às vezes e mesmo frequentemente
rápidos, sem dúvida alguma, contrariamente ao que se crê. Mas,
além disso, ‘o tempo necessário’, conforme a expressão de Lacan,
permitiria produzir um novo sujeito?”

Trata-se de uma questão da mais alta relevância, e que nos


convoca a pensar sobre a atualidade da psicanálise em nosso mundo

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 7


contemporâneo. Nessa mesma direção, Dominique Fingermann –
que foi Presidente do V Encontro e é colaboradora de Stylus 18 –
reafirma a importância desse tema no editorial da revista eletrônica
Heteridade 7.

“Quando, no mundo globalizado, o tempo transformou-se em


mercadoria – ‘Time is Money’ -, quando a ciência, a tecnologia e o
mercado juntam-se para nos fazer ganhar tempo a qualquer preço,
a psicanálise persiste e insiste na manutenção de sua via. Suas vias
e desvios proporcionam uma experiência do tempo na contramão
da experiência subjetiva do “tempo que passa”, inflacionada pelos
tempos que correm. Entre o ‘Já foi!’ e o ‘Pode ser?’, o tempo que a
consciência apreende é a sucessão irreversível do passado ao futuro,
passando pelo instante presente, sempre fugidio e inapreensível. As
modalidades subjetivas desse a priori temporal de toda experiência
declinam a vivência do tempo com matizes que vão da nostalgia até
a esperança, com versões “patológicas” conhecidas como angústia,
mania, melancolia, tédio que testemunham uma maneira outra de
vivenciar o tempo.Os ‘tempos que correm’ e sua ciência implacá-
vel, pretendem remediar essas modalidades existenciais e os afetos
consequentes. A psicanálise preconiza outro tratamento: dar-se um
tempo.”
A entrevistada de Stylus 18 é justamente Dominique Finger-
mann, que testemunha sobre a importância da diversidade dos tra-
balhos apresentados, “pois isso indica que nós conseguimos pro-
duzir um autêntico campo epistêmico a partir das elaborações dos
psicanalistas (“práxis da teoria”). No entanto, se essa diversidade é
necessária, ela não é suficiente. Precisamos ter prova de uma orien-
tação comum: a orientação pela ética da psicanálise regulada a par-
tir do encontro com o real.”

A Stylus 18 pretende, através dos textos aqui publicados, contri-


buir para a continuidade dessa diversidade e qualidade desse debate.
Na seção “Ensaios”, temos quatro textos extremamente origi-
nais sobre nosso tema: Gabriel Lombardi o trabalha pela via da
distinção entre cita e encuentro que deu muito o que pensar a nosso
tradutor. Antonio Quinet propõe uma leitura original do Édipo,

8 o tempo na psicanálise II
Dominique Fingermann relaciona o movimento da análise com
o tempo na música e Maria Vitoria Bittencourt recupera o sonho
como a via régia do inconsciente.
Na seção “Trabalho crítico com os conceitos”, contamos com
a excelência do trabalho de Bernard Nominé que trata o tempo
como um objeto lógico. Sonia Alberti produz um minucioso estudo
sobre a aproximação entre o conceito de entropia na física e na psi-
canálise. Angela Mucida avança em sua pesquisa sobre a memória
e o tempo, Maurício Hermann trabalha a relação entre a banda de
Moebius e a fantasia inconsciente e Ronaldo Torres propõe uma
rigorosa articulação entra o ‘grupo de Klein’ revisitado por Lacan e
os tempos do sujeito na experiência psicanalítica.
Na seção “Direção do tratamento”, Susy Roizin apresenta um
caso clínico para tratar do tempo do sujeito do inconsciente. E Pa-
blo Peusner propõe um instigante debate a respeito da ‘antecipação’
na clínica psicanalítica lacaniana com crianças.
Na seção “Resenhas”, Sandra Berta nos apresenta o importan-
tíssimo livro de Antonio Godino Cabas – O sujeito na psicanálise
de Freud a Lacan: da questão do sujeito ao sujeito em questão – que
recupera com um incrível senso de oportunidade, o conceito de
sujeito para a psicanálise. Lou de Resende resenha o livro de nossa
colega Angela Mucida – Escrita de uma memória que não se apaga
– Envelhecimento e velhice – que prossegue trabalhando com esse
tema fundamental, a partir da psicanálise. E Érico Nogueira escre-
ve sobre o livro Falo no Jardim: Priapeia Grega, Priapeia Latina, do
latinista João Angelo Oliva Neto que nos ajuda a compreender as
inspirações freudianas para o conceito de falo.
Em nome da Equipe Editorial de Stylus, desejo a todos uma
ótima leitura, com o tempo necessário para fazer traço e laço.

Ana Laura Prates Pacheco

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10 o tempo na psicanálise II
ensaios

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12 o tempo na psicanálise II
O compromisso e o encontro
Gabriel Lombardi

Existe, para nós, aquilo que não se escolhe: muitas vezes senti-
mos, e com razão, que é muito pouco o que depende de nós mes-
mos, de nossa vontade consciente ou inconsciente; Colette Soler
falou disso há alguns anos no Rio de Janeiro. Pois bem, sem dúvida
é nessa estreita margem de liberdade que nos resta o local onde re-
side o que para cada um de nós é decisivo, o núcleo ético de nosso
ser, ali onde o pulsional pode conjugar-se, ou não, com o desejo que
vem do Outro.
Por isso em nossa vocação, no amor, em nossa condição de seres
livres, um pouco livres, não escolhemos o que ocorre na modalida-
de do necessário. Enquanto psicanalistas, tampouco buscamos aí a
etiologia dos sintomas. A história e a clínica da psicanálise sugerem
fortemente que o que chamamos de causa, causa do sintoma, causa
subjetiva, não responde ao regime do necessário, senão a outras co-
ordenadas lógico-temporais.
A causalidade que nos interessa, e que nos interessa no gozo
como ponto de enlace do desejo do Outro, é a que ocorre “por aci-
dente”, como dizemos em termos aproximados, e talvez seja melhor
dizer “por trauma”, por descontinuidade, por ruptura temporal que
marca um antes e um depois. Ocorre como por acaso, de um modo
não programado.
Para considerar as causas acidentais, Lacan1 se inspirou no se- 1 Lacan, O Seminário, livro
11: os quatro conceitos
gundo livro da Física no qual Aristóteles explica que a causalidade fundamentais da psicanálise
por acidente se ordena em dois registros diferentes do ser: o evento (1964/1990).
que ocorre em um ser incapaz de escolha é denominado autómaton,
o evento que ocorre em um ser que seja capaz de escolher é deno-
minado túkhe; termo que usualmente se traduz para o espanhol
como “fortuna”, mas que Lacan, sob a influência de Freud, prefere
traduzir como rencontre, encontro ou reencontro.
O exemplo de túkhe que propõe Aristóteles é o seguinte: um
homem teria podido, se o soubesse, dirigir-se a determinado lugar
para recuperar uma soma em dinheiro, justo quando seu devedor
recebe uma soma considerável. Chega ao local exatamente no mo-
mento oportuno, mas não com essa finalidade, senão por acaso. Por
acidente lhe ocorre que tendo chegado aí, chega também para reu-
nir-se com o devedor e encontrar o dinheiro que lhe era devido. E
não porque venha a esse lugar frequentemente ou necessariamente,

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ocorre por acaso algo que ele desejava, e se ativa assim uma escolha
em um momento inesperado, por um efeito de fortuna, um efeito
de encontro acidental de algo desejado.
O verbo tukhêin significa então estar presente no lugar e no mo-
mento oportuno para encontrar alguém ou algo que talvez não se
esperasse conscientemente, mas se desejava encontrar. Antecipa a
dimensão do inconsciente.
Qual é, para nós, a importância do que ocorre por acidente, por
trauma? O que extrai do necessário, dando lugar à escolha, que é o
ato essencial do ser falante?

O compromisso e o encontro
O exemplo de Aristóteles tem a virtude de descrever um encon-
tro sem compromisso prévio, sem rendez-vous agendado.
A clínica da neurose nos acostumou, por outro lado, aos exem-
plos de compromissos sem encontro: o compromisso foi marcado,
mas o encontro não se produz, falha, é postergado, deixa-se passar
a ocasião. A tensão essencial que faz da neurose uma patologia do
tempo, uma defasagem entre o desejo e o ato, se expressa cotidia-
namente na brecha lógico-temporal entre compromisso e encontro.
Um esclarecimento para este Rendez-vous multilíngue: os ter-
mos “compromisso” e “encontro” se recobrem parcialmente, mas
podem ser diferenciados em algumas línguas: espanhol, francês,
inglês e também se pode contrapor o termo latino cito ao grego
tukhêin.
Compromisso Encontro

Cita Encuentro

Rendez-vous Rencontre
2 Um exemplo de Tucídides
em suas Crônicas da Guerra
Appointement Meeting/ Encounter
do Peloponeso: Tés hekástou
bouléseos te kaì dóxen
Citote (imperativo: rendez-vous!) Tunkhano (encontrar por acaso)
tukhêin (responder ao desejo
e à expectativa de cada um).
Cito: chamar, fazer vir Tukhêin: responder ao desejo e à expectativa .2

3 Lacan, O Seminário: Em seu seminário Problemas Cruciais para a Psicanálise Lacan3


Problemas cruciais da
psicanálise (1964-65/inédito). dá um exemplo de compromisso tomado da teoria do signo de Pier-

14 o tempo na psicanálise II
ce: “cinco vasos na janela com a cortina puxada para a esquerda”,
cujo significado, segundo o linguista, seria: estarei sozinha às cinco.
Lacan observa, no entanto, que não se trata de um signo que cons-
titua uma mensagem unívoca. O que quer dizer “sozinha às cinco”?
Remetamo-nos à aula de 5 de maio de 1965 para a preciosa análise
que ali se realiza: sozinha, seule, significa também única, somente
para ele, o único que recebe a mensagem diante dos olhares cegos
da vizinhança. Retenhamos somente este comentário nosográfico
de Lacan: quem receber este signo responderá de um modo diferen-
te de acordo com seu tipo clínico; no caso do psicótico a atenção
recai sobre a mensagem e seu lekton, o perverso se interessa pelo
desejo em jogo e o segredo possuído, o neurótico põe a ênfase no
encontrar, ou melhor dizendo, reencontrar o objeto.
O neurótico enfatiza o que os estoicos chamavam tunkhánon,
mas com a seguinte particularidade no que se refere ao encontro:
para frustrá-lo. De fato, as diferentes neuroses podem ser entendi-
das como formas diversas de evitar o encontro, de faltar ao com-
promisso com o desejo. O hiato acentuado por elas entre compro-
misso e encontro as distingue de outros tipos clínicos, destacando a
defasagem temporal que separa o sujeito de seu ato, revelando essa
ordem causal descrita por Freud e antes vislumbrada por Aristóte-
les, na qual o perdido e o desejado foram esquecidos e só se reen-
contram acidentalmente.
Quando, ainda assim, alguma vez o encontro ocorre é, de ma-
neira geral, completamente ignorado pelo sujeito, ou então é con-
siderado como um mau encontro, um acontecimento a destempo;
muito cedo para o histérico, muito tarde para o melancólico, o ob-
sessivo, por sua vez, emprega uma estratégia temporal mista para
faltar ao encontro: antecipa tarde. Em qualquer caso trata-se de
um acontecimento a destempo que de todo modo leva a marca do
desconhecimento.
Os sonhos de desencontro são típicos da neurose, e é fácil en-
contrar neles exemplos que ilustram bastante bem essa evitação que
é essencial nesse tipo clínico. Uma paciente solteira, atraente ainda
que não tão jovem, procura a análise justamente por não conseguir
encontrar um homem que ao mesmo tempo seja interessante e que
ainda não esteja casado. Relata dois sonhos frequentes em sua vida

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 15


antes de começar sua análise. No primeiro sonho está em sua casa,
entrincheirada, rodeada de índios. “Que susto!” - diz em tom infan-
tilizado. No segundo sonho sai de sua casa, mas como um espírito,
sem que os outros possam vê-la, um espírito sem corpo. “Fico en-
cantada!”, comenta, divertida.
As estratégias de desencontro são diversas na neurose. É típico
da histeria ceder a corporeidade a Outra mulher, assim como faz
parte das estratégias do obsessivo realizar o desejo sem que se note,
de contrabando. Mas se prestamos atenção, podemos perceber que
as técnicas de desencontro nas neuroses situam-se eminentemente
sobre o eixo do tempo. A espera, a programação, o aborrecimen-
to, a antecipação fora de tempo, o demasiado tarde, o demasiado
cedo, a falta ao compromisso sem dar-se conta e pelos mais diversos
motivos e inclusive a urgência subjetiva desorientada são algumas
das modalidades de encobrimento do tempo nas neuroses. A inter-
venção analítica tratará de reintroduzir o tempo como coordenada
ética, como chamado à finitude, feito a partir do único ponto de
transcendência que resta ao ser falante: o desejo do Outro, desejo
que cabe ao analista encarnar.

O ato do analista
Esta tensão essencial que faz da neurose uma patologia do tem-
po, esta brecha temporal entre compromisso e encontro, se apresen-
ta também na cura psicanalítica, pondo à prova a eficácia do trata-
mento. Por causa dela a psicanálise não se reduz à aplicação de um
método que se atenha a encontros rotineiros. A psicanálise tem um
método, aquele que prescreve a regra fundamental freudiana, mas o
cumprimento desse método depende da autorização que confere ao
analisante, a cada vez, o ato do psicanalista, ato que há de responder
à lógica do encontro, com o que ela implica de oxímoro. Lacan o
disse magistralmente em seu seminário O desejo e sua interpretação:

A análise não é uma simples reconstituição do passado, não é tam-


4 Lacan, O Seminário: O pouco uma redução a normas preestabelecidas, não é um epos, não é
desejo e sua interpretação
(1958-59/inédito, aula de 1o um ethos; eu a compararia com um relato tal, que o relato mesmo seja
de julho de 1959). o lugar do encontro daquilo que se trata no relato4.

16 o tempo na psicanálise II
Evocarei aqui o exemplo de outra paciente que relata sua inter-
pretação de um sintoma duradouro, mas já desaparecido, a bulimia,
como um sintoma da falta de intervenção de seu pai, 60 anos mais
velho do que ela, em algumas situações precisas de sua infância e
adolescência, situações dominadas pelos caprichos da mãe. Curio-
samente, o diz em tom de censura, como se essa censura se dirigisse
atualmente ao analista, pelo que eu me autorizo a dizer-lhe, sem
ocultar certo incômodo:
- “Você esperaria que eu interviesse no passado antes que esta
análise comece?”
- “Não, não! Eu não diria ‘esperaria’, eu esperava uma inter-
venção, mas ela não chegou, e por certo, agora é tarde, tive que
cortar eu mesma essas situações com meu sintoma, e depois tive
que terminar eu sozinha com meu sintoma quando me encontrei
diante do limite do sangue no vômito. Bem, sua intervenção chega
tarde!” Acrescenta com raiva. “Que quer que eu faça?” Mais adiante
consegue matizar: “Está tudo mal, mas de todas as formas creio que
aqui poderei elaborar e talvez já esteja elaborando de outra maneira
isso que me ocorreu, essa falta de intervenção que me forçou a ter
que ajeitar eu mesma as coisas.”
Esta vinheta ilustra para mim um encontro analítico, neste caso
pela reedição que o analisante teve que realizar diante da falta de in-
tervenção do Outro, com a diferença, nesta reedição, que o analista
encarna agora uma causa mais desejável do que aquela que animou
a instalação ou o desaparecimento do sintoma-acting bulímico. As
tesouras da interpretação analítica melhoram, sem dúvida, o ins-
trumental precário que o sujeito encontrou anos antes para cortar:
os limites impostos ao sujeito pelo corpo, a angústia diante do san-
gue. Agora o analista chega demasiado tarde à sua vida, é verdade,
mas ao acolher seu pedido anacrônico traz alívio ao sofrimento e
dialetiza as posições libidinais da analisante. Os pedidos do neuró-
tico são sempre anacrônicos, o que há de particular neste caso é que
esse traço temporal nesta oportunidade não foi camuflado. 5 Winnicott, D. On
Transference. Este precioso
Para sua concepção do ato psicanalítico, Lacan se inspirou em texto é citado por Lacan
On Transference5, um texto em que Winnicott sustenta que em de- no Discurso na Escola
Freudiana de Paris (1967),
terminados momentos do tratamento analítico o analista deve: “... in: Outros Escritos (2003,
permitir que o passado do paciente seja presente”, para reviver esse p. 280).

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 17


momento em que a criança, no momento do corte disruptivo em
que deveria ter experimentado fúria, não encontrou o Outro diante
do qual fazê-lo. O relato atual ao analista não poderia realizar-se
verdadeiramente sem que esta fúria se manifestasse. Somente se
esta vez ela não só se revela mas também se realiza, o analisante
pode encontrar o Outro de uma maneira diferente do que através
da assunção de um falso self - máscara que repete e assinala aquele
desencontro primeiro.

A clínica freudiana do encontro


A Psicologia da Vida Cotidiana de Freud oferece ao psicanalista
a possibilidade de sensibilizar-se em relação à clínica do encontro.
Trata-se de um texto maravilhosamente enredado nos golpes da
fortuna, naquilo que ocorre como por acaso, nos pequenos atos que
se afirmam tanto mais fortemente como atos na medida em que
representam falhas no fazer. A divergência entre o compromisso
e o encontro foi particularmente ali objeto de observações e co-
mentários. Tomemos o exemplo de um encontro milagroso com
uma pessoa em quem justamente estávamos pensando, um exemplo
“simples e de fácil interpretação”, segundo o próprio autor:

Alguns dias depois de me outorgarem o título de professor, que


confere considerável autoridade nos Estados de organização monar-
quista, ia eu passeando pelo centro da cidade quando, de repente,
meus pensamentos se voltaram para uma fantasia infantil de vingan-
ça dirigida contra determinado casal. Meses antes, eles me haviam
chamado para ver sua filhinha, em quem surgira um interessante sin-
toma obsessivo logo depois de um sonho. Interessei-me muito pelo
caso, cuja gênese eu acreditava discernir; entretanto, minha oferta de
tratamento foi recusada pelos pais, e eles me deram a entender que
estavam pensando em consultar uma autoridade estrangeira que rea-
lizava curas pelo hipnotismo. Eu fantasiava que, após o fracasso total
dessa tentativa, os pais me rogavam que instituísse meu tratamento,
dizendo que agora tinham plena confiança em mim, etc. Eu, no en-
tanto, respondia: “Ah, sim, agora vocês têm confiança em mim, agora
que também me tornei professor. O título nada fez por alterar minhas

18 o tempo na psicanálise II
aptidões; se vocês não puderam usar meus serviços enquanto eu era
docente, também podem prescindir como professor.” — Nesse pon-
to, minha fantasia foi interrompida por um sonoro “Bom dia, senhor
professor!” e quando ergui os olhos, vi que passava por mim exata-
mente o mesmo casal de quem eu acabara de me vingar mediante a
recusa de sua proposta. Uma reflexão imediata destruiu a impressão
de algo milagroso. Eu estivera andando em direção ao casal por uma
rua larga, reta e quase deserta; a cerca de vinte passos deles, erguera
o olhar por um momento, vislumbrara de relance suas figuras impo-
nentes e os reconhecera, mas afastara essa percepção — seguindo o
modelo de uma alucinação negativa — pelas razões emocionais que
então se efetivaram na fantasia surgida de modo aparentemente es- 6 Freud, Sobre a
pontâneo6. psicopatologia da vida
cotidiana (1901/1996, pp.
258-9).
Não se trata, neste exemplo, de um encontro com alguém em
quem Freud estava pensando conscientemente; os pensamentos aí
se produzem mais como consequência de uma percepção prévia.
Este exemplo nos mostra outro traço que caracteriza os fatos funda-
mentais da psicanálise: as coordenadas do encontro e do desencon-
tro não necessariamente são percebidas pela consciência, e como
em outras manifestações do inconsciente, frequentemente podem
ser situadas entre a percepção e a consciência, depois da percepção,
mas precedendo a consciência.
A alteração anti-intuitiva da ordem causal é típica destes “fatos”
que na verdade são atos, como também ocorre nas premonições oní-
ricas que “se cumprem”; se cumprem, explica Freud, apenas pela in-
versão da sequência temporal dos fatos. Um encontro sem compro-
misso prévio responde às coordenadas de uma escolha inconsciente,
na qual o ser falante se expressa fora do domínio egoico.
O voluntário no ser falante não se reduz à vontade consciente.

Nossa política de Escola


A distinção entre compromisso e encontro pode ser relevante
não só na clínica da psicanálise, mas também em sua política.
Como designação de uma reunião internacional, o termo ren-
dez-vous (cita, compromisso agendado) é mais prudente que ren-

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contre (encuentro, encontro) porque nada garante efetivamente que
em um compromisso haja encontro e, menos ainda, que o que se
encontra seja o esperado. Em todo caso, o desejo que pode animar
alguns não poderia cumprir-se no registro do necessário, sem dar
lugar ao que do desejo, em um ser capaz de escolha, se realiza no
modo da túkhe.

O “Encontro” de 1998, por exemplo, assim foi chamado, mas


não houve propriamente um encontro, ou pelo menos, não houve
um bom encontro. Isso ilustra este traço estrutural do encontro,
que responde a uma temporalidade que não obece ao programa, o
tempo da escolha.

O compromisso (cita) que nos convoca em modo imperativo


(citote/rendez-vous!) é uma convocatória que pode facilitar ou não
o encontro. Comentando a distinção entre tu és o que me seguirás
−Tu es celui que me suivra(s)− com ou sem “s”, Lacan mostrou que
há diferentes maneiras de citar ao Outro, de chamá-lo, é diferente
convidá-lo a partir do desejo do que dar-lhe instruções como a um
7 Lacan, O Seminário, livro autômato7.
3: as psicoses (1955-56/1985,
aula de 13 de junho de
O compromisso opera na modalidade do necessário, mas o en-
1956). contro só se produz em seres capazes de escolha e na modalidade
da contingência. A ética da psicanálise incita a perceber o que se
encontra de real, e o que se encontra de real não necessariamente é
um bom encontro, às vezes se apresenta sob a forma do que decep-
ciona, do fracasso e, inclusive, da crise.
Haverá nestes primeiros dias de julho de 2008, em São Paulo,
um encontro? Isto não está garantido de antemão. Coincidiremos
na história que aqui se elabora, a história que, segundo dizia Heine,
é a profecia do passado? Que fizemos nestes dez anos? Que espera-
mos para os próximos?
Os que comparecemos a esse compromisso (cita, rendez-vous)
enfrentamos, por exemplo, a pergunta: qual é a regulamentação
que necessitamos? Aproveito para deixar aqui minha opinião, que
acredito ser coerente com o que acabei de expor. A regulamenta-
ção que necessitamos é a mínima necessária para assegurar o ato
analítico em suas diferentes incidências: em intensão, facilitando o

20 o tempo na psicanálise II
funcionamento dos dispositivos específicos da Escola que dão lugar
a opções reais desde a perspectiva da psicanálise; em extensão, faci-
litando o acesso do psicanalista a outros contextos nos quais ele te-
nha a chance de fazer de seus compromissos profissionais, ocasiões
de encontro psicanalítico.

Tradução: Luis Guilherme Coelho Mola


Revisão: Conrado Ramos

Referências bibliográficas
FREUD, S. (1901). Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. Trad.
sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
(Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas
de Sigmund Freud, vol. VI).
LACAN, J. O Seminário, livro 3: as psicoses (1955-56). Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar Editor, 1985.
LACAN, J. O Seminário: O desejo e sua interpretação (1958-59).
Inédito.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
LACAN, J. O Seminário: Problemas cruciais da psicanálise (1964-
65). Inédito.
LACAN, J. (1967). Discurso na Escola Freudiana de Paris. In: Ou-
tros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 21


Resumo
A tensão essencial que faz da neurose uma patologia
do tempo, uma defasagem entre o desejo e o ato, expres-
sa-se cotidianamente na brecha lógico-temporal entre
compromisso e encontro. O compromisso foi pactado
pelo neurótico, mas o encontro não se produz, falha, se
posterga ou se deixa passar a ocasião. Essa brecha lógico-
temporal entre compromisso e encontro se apresenta
também na cura psicanalítica, pondo à prova a eficácia
do tratamento. Por causa dela a psicanálise não se reduz
à aplicação de um método que se atenha a um compro-
misso rotineiro, nem a um final programável. Para fazer
lugar para o desejo em um ser capaz de escolha, a psica-
nálise tem que realizar-se no modo do encontro (túkhe) e
não do compromisso, do ato e não da tarefa programada.
A distinção entre compromisso e encontro pode ser re-
levante não apenas na clínica da psicanálise, mas tam-
bém na sua política. Como designação de uma reunião
internacional, o termo “compromisso”, “rendez-vous”, é
mais prudente que “encontro” ou “rencontré”, porque
ninguém garante que efetivamente em um compromisso
haja encontro, e menos ainda que o que se encontra seja
o esperado.

Palavras-Chave
Compromisso, encontro, túkhe, desejo, ato, tempo.

22 o tempo na psicanálise II
Abstract
The essential tension which makes neurosis a time
pathology, a mismatch between the desire and the act is
expressed in everyday life in the logical time gap between
appointment and encounter. The meeting, the appoint-
ment has been agreed by the neurotic, but the encounter
does not occur, fails, is postponed or the opportunity is
missed. This logical time gap between appointment and
encounter is also present in the psychoanalytical cure,
putting the effectiveness of the treatment to the test. For
this reason psychoanalysis is not simply the application
of a method which sticks to a routine appointment, nor
to a programmed conclusion. To be receptive to desire in
a being capable of choice, psychoanalysis must take place
in the encounter mode and not in that of the appoint-
ment, or in other words, the act not the planned task.
The distinction between appointment and encounter
may be relevant not only in clinical psychoanalysis but
also in the politics of psychoanalysis. It is wiser to call
an international conference a “meeting”, “rendezvous”,
rather than an “encounter” or “rencontre”, as there is no
guarantee that in a meeting there is an encounter and
much less that one encounters there what one expects.

Keywords
Appointment, encounter, túkhe, desire, act, time.

Recebido
23/04/2009

Aprovado
30/06/2009

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 23


24 o tempo na psicanálise II
Tempo de Laiusar
Antonio Quinet

Estamos em tempos de Pai real. A figura representativa do Pai


simbólico, aquele que une o desejo com a lei, que barra o gozo de-
vastador da Mãe, o pai normativizador que protege e apazigua, esse
pai está desaparecendo na aletosfera espessa produzida pela fumaça
do desmatamento da subjetividade no mundo contemporâneo. De
nada adianta lamentar o declínio da autoridade paterna, acusar o
pai de humilhado, impotente e desdentado e receber o que todos já
sabem que quem é o escravo da família é o papai.
A figura paterna que tem emergido de seu obscuro anonimato
é o Pai real, “o grande fodedor”1, como diz Lacan, o pai sacana 1 Lacan. O Seminário, livro
fora da lei, gozador, que trata os filhos como objeto. Temos como 7 (1959-60/1991, p. 368).

exemplos recentes o austríaco Joseph Fritzl, mantendo em carcera-


gem sua filha por 18 anos, nela engendrando seus próprios filhos;
e o pai violento, possuído por uma ignorância feroz, como o pai de
Izabela, que auxiliado pela madrasta num ato insano a atirou pela
janela abaixo.
Nossa sociedade contemporânea parece viver o mito de Totem e
Tabu às avessas: o desmoronamento da Lei simbólica deixa aberto o
caminho para o retorno do cadáver vivificado do pai morto, o Ur-
vater, figuração do Pai real, como pai gozador da horda primitiva,
tirânico abusador e assassino. O assassinato do pai e sua substitui-
ção simbólica por um totem fizeram Freud dizer que no início era
o ato – no início da civilização era o ato. Nesses tempos de barbárie
contemporânea o que faz aparição não é o ato dos filhos impondo
a Lei e sim os atos desmedidos do Pai real que faz a sua lei – lei do
gozo – fora de qualquer Lei do campo do Outro.
Retomemos o mito de Édipo à luz do pai real e de Totem e
Tabu. Quem é o pai de Édipo? Na verdade, ele teve dois pais: o pai
biológico Laio, rei de Tebas, que ele não conheceu e sem saber o
matou; e Pólibo, que o criou em Corinto. Mas é Laio, que aparece
como Pai real cuja desmedida constitui a Até, a desgraça, a maldi-
ção dos Labdácidos e que será transmitida e paga por três gerações:
o próprio Laio, Édipo e seus filhos Etéocles, Polinice, Antígona e
Ismênia. Laio é filho de Lábdaco, rei de Tebas e quando este é assas-
sinado, ele é levado aos 2 anos de idade para a Frígia sendo recebido
pelo rei Pélops que o adota. Laio tem também dois pais. Pélops tem
um filho, Crísipo, o qual, ao chegar na adolescência, é entregue a

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 25


Laio para educá-lo. Este se apaixona pelo menino e o rapta e Pélops
lança, então, a maldição: “se tiveres um filho ele te matará e toda
tua descendência desgraçada será”. Daí vem a maldição e toda a
história cujo desdobramento está na peça de Sófocles. A desmedida
de Laio não foi ter tido relações com Crísipo, pois a relação pedagó-
gica erastes-erômenos era aceita como uma relação pedófila normal
de amante-amado, professor-aluno na qual o saber não é transmi-
tido sem Eros. A hybris de Laio foi tê-lo sequestrado e com isso ter
rompido as leis da hospitalidade e traído aquele que o acolhera. A
maldição de Pélops para Laio é o que o faz furar os pés de seu filho
Édipo e mandar matá-lo.
Na minha interpretação, Édipo não quis saber do crime do pai
e nem de sua tentativa de assassinato. Ele, em sua investigação, foi
até o ponto em que descobre que matou o pai e que a mulher com
quem está é sua mãe. Mas não vai além disso, pois não quis saber
da maldição herdada e da desmedida paterna.
Se compararmos o desenvolvimento trágico da investigação
de Édipo sobre sua origem, como o fazem Freud e Lacan, com o
percurso de uma análise podemos dizer com Lacan que se Édipo
tivesse tido tempo de laiousar ele talvez não tivesse tido o desfecho
que teve.
Lacan introduz esse comentário sobre a peça de Sófocles Édipo
Rei no seminário RSI quando aponta que o furo do simbólico, cor-
respondente ao recalque originário, é a morte. A peste, diz Lacan,
é isso: a morte é para todos. “É preciso que a peste se propague em
Tebas para que esse ‘todos’ cesse de ser de puro simbólico e passe
a ser imaginável. É preciso que cada um se sinta concernido pela
2 Lacan. O Seminário: RSI presença da peste”2. Esta é, portanto, o real do furo do simbólico
(1974-1975, lição de 17 de
dezembro de 1974).
imaginarizado – peste que é o desdobramento da calamidade pro-
vocada pela Esfinge, outra figura da morte e da Até, desgraça, dos
Labdácidas. Édipo, continua Lacan, só matou o pai por não ter
se dado o tempo de Laiusar. Se o tivesse feito, o tempo que fosse
preciso, teria sido o tempo de uma análise, pois era para isso que ele
3Ibid estava na estrada.3
Laiuser em francês é derivado de lalue, que significa discurso,
fala, peroração no jargão das Escolas. User em francês significa uti-
lizar e também gastar, usar até acabar como uma sola de sapato que

26 o tempo na psicanálise II
de tanto se usar vai gastando e acaba. Na análise é preciso tempo
para usar e gastar o pai real. Tempo para se ir para além do desejo
de salvar o pai, defrontar-se com seu crime e vencer a ordem de
ignorância feroz.
Passando do mito à estrutura: é preciso tempo para se haver com
o impossível do furo do simbólico lá onde jaz o gozo do pai real
imaginarizado, uma vez que pai real e pai imaginário tendem a se
imiscuir um no outro. É o pai que aparece como abusador e crimi-
noso na histeria e na neurose obsessiva cujo gozo se sintomatiza no
filho. É o pai de tal paciente do hospital que a espancava quando
ainda bebê ela chorava e que hoje seu sintoma é um choro sem fim e
sem razão; ou o pai militar que colaborou com a ditadura militar de
tal outra analisante que faz de seu corpo um palco de torturas, ou
o pai fiscal do imposto de renda de um obsessivo que se enriqueceu
ilicitamente deixando para o filho a dívida do eterno desemprego.
O neurótico prefere salvar o pai a se deparar com sua canalhice;
ele prefere sofrer com seu sintoma a saber do crime do pai e suas
consequências. Prefere, como Édipo, se sentir culpado de seus atos
a desvelar a desmedida do gozo paterno. Deparar-se com o real do
pai é confrontar-se com a consequência da falta radical do Outro,
ou seja, o gozo mortífero para além do desamparo. E para isso é
preciso Laio-usar – gastar o Laio de cada um.
A posição do pai real, segundo Lacan4, está articulada em Freud 4 Lacan. O Seminário, livro
17: O avesso da psicanálise
como um impossível e não é surpreendente, diz ele, que encontre- (1969-70/1992).
mos sem cessar o pai imaginário. É uma dependência necessária, es-
trutural. É o que vemos na figura do fantasma do pai: o espectro do
cadáver vivo, como o pai do Homem dos ratos que apesar de morto
lhe aparece vivo no meio da noite, e o pai de Hamlet, que além de
aparecer, tem fala. O espectro é o habitante dessa zona entre-duas-
mortes, campo de gozo, do Hades ao inferno, onde penam as almas
pecadoras e criminosas à espera da segunda morte. “Sou o espírito
de teu pai e vivo errante noite e dia até que a podridão de meus cri-
mes seja queimada e purificada” – diz o pai de Hamlet no início da
peça. As mitologias criaram esse habitat para o pai real. Mas quem
queima é o filho. Ele arde por causa dos pecados do pai, como diz 5 Lacan. O Seminário,
livro 11: Os quatro conceitos
Lacan.5 Pai, não vês que estou queimando por causa de teus pecados? fundamentais da psicanálise
E o espectro do pai de Hamlet lhe diz que “a menor de minhas (1964/1990).

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 27


faltas angustiaria tua alma, gelaria teu jovem sangue e teus olhos
saltariam das órbitas como os astros de suas esferas...”
Os crimes do pai são de um real que não cessa de não se dizer
para o filho e, no entanto, insiste e se tornam um sintoma do filho
– como a dívida do pai do homem dos ratos e o gozo oral do pai
de Dora.
O espectro recobre, mascara, vela e também desvela o pai real
ou o real do Pai. O espectro é a encenação da articulação entre o
pai real e o pai imaginário. É o que se encontra, como diz Marc
6 Strauss. Trèfle: Bulletin Strauss6, na fantasia de Bate-se numa criança em que as cenas veem
de L’association Freud Avec
Lacan (1999, p. 48).
ao sujeito petrificar, cristalizar um excesso como um ciframento
primeiro, uma representação do inominável do gozo. Não importa
se é efetivamente do gozo do Pai que se trata ou do gozo imaginari-
zado do Pai e sim do dispositivo que o sujeito emprega para endos-
sar um gozo que se apresenta a ele como exterior, vindo do Outro.
O pai do crime não é o pai da lei, o Nome-do-Pai. O pai es-
tuprador, ladrão, assassino, são figuras do pai imaginário que dá
forma à hybris do pai: o gozo desmedido. A desmedida do pai com
seu real é aquilo que o filho, com força, não quer saber. O homem
é como Édipo, filho de Laio – ele não quis saber da desmedida
7 O Seminário, livro 17, op. paterna. No lugar do pai real existe, diz Lacan7, a ordem de uma
cit., p. 159. ignorância feroz.
Há uma interdição: “Está excluído que se analise o pai real, diz
Lacan em Televisão, o melhor que se pode é o manto de Noé, quan-
8 Lacan. Télévision (1974, do o pai é imaginário”8. Um dia Noé se embriagou e ficou nu em
p. 35).
sua tenda. Um de seus filhos, Chan, o viu e foi chamar os outros
dois que, ao chegar, taparam os olhos e o cobriram com um manto
para esconder a nudez paterna e saíram de costas. Estes se salvaram
e toda a descendência de Chan foi amaldiçoada. O que Noé fazia
nu na tenda, jamais saberemos, mas sem dúvida era algo da ordem
de um gozo que filho algum poderia em tempo algum ver ou saber.
Toda nudez do pai será castigada... no filho.
O pai que mata o filho é abordado por Lacan a partir do sacri-
fício de Isaac por seu pai Abraão, comentado por Kierkegaard des-
crito em Temor e tremor em que descreve quatro variações do mito
que se diversificam a partir do ponto em que Deus diz a Abraão:
“sacrifica teu filho, mate-o”. É na primeira que ele descreve a tenta-

28 o tempo na psicanálise II
tiva de filicídio. Abraão agarrou Isaac pelo peito, jogou-o no chão
e gritou: “Estúpido! Crês tu que sou um pai? Não, não sou teu pai.
Sou um idólatra! Crês que estou obedecendo a um mandato divino?
Não. Faço isso somente porque me dá vontade e porque me inun-
da de prazer!”. Abraão aparece como o pai real que diria: “Vou te
matar por puro gozo!”. “Então Isaac exclamou, angustiado: ‘Deus
de Abraão, tende piedade de mim! Sê meu pai, já não tenho outro
neste mundo!’. Abraão se dirigiu a Ele, dizendo: Senhor onipoten-
te, receba minha humilde ação de agradecimento, pois é mil vezes
melhor que meu filho acredite que sou um monstro do que perca a
fé em ti”9. O pai monstro, capaz de matar o filho nem que seja por 9 Kierkegaard. Temor e
amor a Deus, é o que é transmitido ao filho como seu pecado. tremor (2004, p. 22).

É a propósito dessa passagem de Kierkegaard que Lacan diz no


Seminário XI que o que se herda é o pecado do pai. Isaac herda o cri-
me do pai de ter desejado matá-lo. Eis a herança de Isaac e também
a de Édipo. Diferentemente de Abraão, que no mito judaico-cristão
recebe a ordem de Deus de matar o filho predileto como prova de
seu amor, Laio ele mesmo decide matar seu filho Édipo para evitar
que este o mate segundo a maldição oracular, fura-lhe então os pés
e o entrega a um pastor para ser jogado no lixão do monte Citéron.
O Urvater de Totem e tabu, Noé com sua nudez, o Deus de
Abraão, Yavé, com sua ignorância feroz e Laio são figuras imagina-
rizadas e míticas do pai real.
Édipo carrega em seu nome e em seu corpo a marca do crime
do pai. A ferida causada por seu pai ao furar-lhe os tornozelos para
pendurá-lo como um animal e expô-lo, e o edema que ocasionou
foi o que lhe deu o apelido de Óidipous, de oiden, edema nos pés.
O apelido virou nome próprio e a ferida deixou-lhe coxo. Seu pé
carrega um saber (oida) sobre o crime do pai do qual Édipo não
quis saber. A esfinge, como aponta Jean-Pierre Vernant, enunciava
o enigma dos pés e equivocava com seu nome: “tetrapous, dipous,
tripous” disse ela para Óidipous que ao dizer o homem como res-
posta suprimiu, como diz Lacan10, o suspense da verdade. A verda- 10 O Seminário, livro 17, op.
de sobre a castração e o gozo de Laio – o pai real se manifesta em cit., p. 113.

Édipo como aquele que determina a Até família dos Labdácidos do


qual ele e sua descendência são herdeiros e também se manifesta
como ignorância feroz: mandamento superegoico de não-saber. Eis

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 29


porque para além do desejo de saber que o impulsiona a querer
investigar sua origem, Édipo é possuído pela paixão da ignorância.
Aliás, não será a força dessa paixão que faz Lacan dizer que final-
mente não existe desejo de saber algum?
O que Édipo ignora é que seu nome é uma letra que cifra um
gozo, o gozo do Outro paterno: o “x” da função do synthoma, ou
seja, uma escrita do gozo do Inconsciente.
Óidipous, Pé Inchado é o signo do gozo do Pai que desejou
matá-lo e do qual ele não quis saber; Óidipous, Pé-que-sabe é a letra
que confere a marca do saber do real, saber do crime do pai da ori-
gem da Até dos Labdácidas – móvel do filicídio que faz de Édipo o
objeto rejeitado pelo Outro – é o selo de seu ser de dejeto. Rejeitado
pelos pais e, no final da peça de Sófocles, ao se apagar como sujeito,
pelo Outro social, que representa Tebas. Óidipous não acredita em
seu ser de synthoma, não acredita que ele seja capaz de um dizer,
pois ele não quer saber que se trata aí de uma cifra do gozo. Eis
porque erra em sua ignorância e fica escravizado pelo gozo do Pai,
servo do destino. Édipo está preso à ignoerrância.
O crime do pai real, como gozo desmedido, é transmitido como
erro trágico que o filho carrega como óidipous com seu sintoma no
pé.
Por um lado encontramos a herança da castração que se trans-
mite de pai para filho: Lábdaco, o manco; Laio, o torto; e Édipo, pé
inchado. Por outro lado, há a transmissão da maldição que Édipo
herda como lote do gozo do pai inscrito em seu nome e seu corpo.
Essa letra é o nome do gozo do pai real. O nome que condensa o
gozo inscrito no enigma da Esfinge que Óidipous não ouviu.
O tempo da análise é o tempo de Laiusar: tempo de laio-ousar
– tempo de ter a ousadia de se confrontar com o crime e o gozo
desmedido e ectópico do sujeito, que ele localiza no lugar do vazio
do Outro – lugar topológico da desmedida do Pai real. É preciso
tempo de peroração para o sujeito gastá-lo o suficiente para que se
revele o que é: um nada esvaziado de gozo. O tempo de Laiusar é o
tempo de olhar para os pés, ouvir os pés e pensar com os pés.

30 o tempo na psicanálise II
Referências bibliográficas
KIERKEGAARD, S. Temor e tremor. São Paulo: Abril Cultural,
2004.
LACAN, J. O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-60).
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise (1969-
1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.
LACAN, J. Télévision. Paris: Seuil, 1974.
LACAN, J. O Seminário: RSI (1974-1975): lição de 17 de dezembro
de 1974. Inédito.
STRAUSS, M. Les issues du transfert. In Trèfle: Bulletin de
L'association Freud Avec Lacan. França, vol.1, n.2 1999.

Resumo
O artigo inicia com a discussão da emergência, na con-
temporaneidade, da figura do pai real, articulada ao des-
moronamento da Lei simbólica. Em seguida, analisa o
mito de Édipo à luz do pai real, para destacar, na pas-
sagem do mito à estrutura, a função do gozo do pai na
produção de sintomas do neurótico. O neurótico, assim,
é aquele que prefere salvar o pai e nada saber dos crimes
deste. O artigo conclui afirmando que o tempo da análi-
se é o tempo de laiousar, tempo que Édipo não se deu por
não levar a investigação de sua origem até os crimes de
Laio, seu pai. É preciso tempo para se confrontar com o
gozo desmedido do sujeito, para gastá-lo o suficiente até
que se revele o que é: um nada esvaziado de gozo.

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Palavras-chave
Pai real, mito de Édipo, tempo da análise.

Abstract
The article begins with a discussion about the appea-
rance, nowadays, of the real father-figure, bound to the
downfall of the symbolic Law. Next, it analyzes the Oe-
dipus myth seen through the prism of the real father, in
order to point out, at the passage from myth to structure,
the function of the father’s jouissance in producing the
neurotic’s symptoms. Thus the neurotic is the one who
prefers to save the father and know nothing of his crimes.
The article ends with the affirmation that the duration
of the analysis corresponds to the time to dare-laios, the
time Oedipus did not give himself, the time to trace the
investigation of his background to his origins in Laio,
his father’s, crimes. It takes time to behold the subject’s
boundless jouissance, to let it waste enough to show itself
for what it is: nothing, emptied of jouissance.

Key words
Real father, Oedipus myth, duration of the analysis.

Recebido
28/04/2009

Aprovado
01/07/2009

32 o tempo na psicanálise II
O “tempo” de uma análise
Dominique Fingermann

1 - O “Tempo” em música é o movimento característico com o


qual se executa uma obra musical, é o seu ritmo, o seu “andamen-
to”. Os movimentos [adágio, andante, moderato] são definidos pela
duração de uma nota batida certo número de vezes por minuto. É
essa distribuição de uma duração em uma sequência de intervalos
regulares, tornados sensíveis pelo retorno periódico de algum mar-
co, que produz o ritmo de uma sequência musical.
Por extensão o “Tempo” é o ritmo do desenrolamento de uma
ação (filme, obra literária) do começo ao fim. Com sequências
melódicas, pausas, arranjos harmônicos [simultâneos], disposição
regular de tempos fortes, contratempos e contrapontos, repartição
dos acentos, e cesuras, o ritmo faz a obra. O “tempo”, o andamento,
faz a obra ao explorar e atravessar as suas possíveis modulações via
repartição de descontinuidade, num fluxo contínuo. A cadência,
repartição da descontinuidade no fluxo contínuo (de sons, imagens,
significantes) recorta instantes, distribuindo silêncios e evidencian-
do sequências, parece produzir a efetivação, progressiva e irreme-
1 Soler. O tempo que falta
diável, do ponto de conclusão. Passado este ponto, qualquer música (2008).
seria litania fastidiosa.
Da mesma forma, o andamento de uma análise do começo até 2 Lacan. Radiofonia
o fim resulta do seu “tempo”, recortando instantes que isolam sequ- (1970/2003, p. 425). Lacan
nesse texto explora o “cristal
ências, que produzem consequências. O “Tempo”, conduzido pela da língua” que repercute a
batuta do desejo do analista, produz o tempo de uma análise, a etimologia latina de fallire
e fallere, e espirra em todos
medida de sua duração. os sentidos, do equívoco de
A cadência da entrada do analista – nos ditos do sujeito – con- “il faut” do verbo “falloir”
(é necessário) ao “il faut” do
diciona uma descontinuidade que produz, em ato, no final das verbo “faillir”: falhar, faltar,
contas, o limite, a conclusão, fazendo da “série sem fim dos ditos passando por faux (falso) e
uma sequência finita”1. Por isso “Il faut le temps2” um tempo é faux (foice do tempo).

necessário, para extrair do tempo que passa o tempo que falta e o


3 Referência ao título da
transformar no tempo que resta.3 obra de Giorgio Agamben,
A temporalidade peculiar e necessária de uma análise permite Le temps qui reste (Paris,
Éditions Payot & Rivages,
passar de um tempo perdido até o tempo encontrado. Não o tempo 2004).
“re-encontrado”, isto é, o tempo que se encontra numa análise não
é o tempo da busca do tempo perdido, é o tempo encontrado en-
quanto encontro com o Real, é o tempo achado, com o qual a gente 4 Marcel Proust. À la re-
cherche du temps perdu: Paris,
“topa” como “trouvaille”4. Éditions Gallimard, 1987.

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2 - Desde o início, desde as entrevistas preliminares, uma aná-
lise revela uma estranha temporalidade. Embora a fala, que se des-
dobra e se descobre aí quase que imediatamente, tenha uma estru-
tura temporal diacrônica e esteja se desenvolvendo na forma linear
da sucessividade, desde as primeiras voltas nos ditos, abre-se uma
temporalidade atordoante para quem chega desprevenido e fica
aturdido. Um tempo “sem pé nem cabeça” inaugura-se aí, já que
nessa ficção que artificia a verdade do sujeito, o presente se anuncia
atropelado por um futuro suposto, formatado por um passado hi-
potético que nunca foi. Muitas vezes, nessa estranha temporalida-
de, reminiscências, novela familiar, sintoma, repetição traumática
parecem dar notícias de um tempo que não passa.
O tempo do cronos – que devora sua cria: os instantes evanes-
centes, na medida em que eles nascem – não é suficiente para ex-
plicar essa temporalidade que Freud descobriu no fundamento e no
funcionamento dos processos inconscientes, intemporais – diz ele.
É que os traços mnêmicos inscrevem algo que não tem registro – a
vivência real. As “formações do inconsciente”, retorno do recalcado,
não cessam de escrever, essa falha na origem que não cessa, de não
se inscrever. Em 1932, nas Novas Conferências, Freud aponta para
a incidência da clínica psicanalítica sobre essa, supostamente inegável,
5 Freud. Novas conferências intemporalidade5. O progresso na clínica psicanalítica não pode se
introdutórias sobre psicanáli-
se (1932/1996).
reduzir à leitura e à descoberta do desejo indestrutível, mas, como
aponta e aposta Freud nessa conferência, uma análise deve condu-
zir um sujeito a outra vivência do tempo que passa. Curiosamente,
ele lamenta, então, não ter explorado melhor essa característica do
inconsciente, na teoria e, consequentemente, na clínica:

Muitíssimas vezes, tive a impressão de que temos feito muito pou-


co uso teórico desse fato, estabelecido além de qualquer dúvida, da
inalterabilidade do reprimido com o passar do tempo. Isto parece
oferecer um acesso às mais profundas descobertas. E, infelizmente,
6 Ibid., Conferência XXXI: eu próprio não fiz qualquer progresso nessa parte6.
A dissecção da personalida-
de psíquica, p. 79 (itálicos
meus). 3 - Onde Freud descobre a intemporalidade, Lacan produz a
a-temporalidade, que ele põe em função na direção da cura como
“tempo lógico”. O desenvolvimento de seu ensino explicita que não

34 o tempo na psicanálise II
é o passado que estorva e atravanca o presente, é o Real, uma falha
na origem que constrange o sujeito à repetição e às declinações infi-
nitas de sua falta-a-ser. A estrutura do significante precipita o sujeito
no tempo lógico de antecipação/retroação que o faz se produzir/ se
parir/ se causar, a partir da função negativa que sua afirmação pelo
significante do Outro inscreve. A estrutura do significante inaugura
um tempo perdido, nunca acontecido e que não acontecerá nunca
– “terei sido” –, tempo real que a repetição não cessa de inscrever.
Onde isso era – repetição – Lacan faz advir o ato como descon-
tinuidade no sentido da neurose. É no ponto mesmo da “inaltera-
bilidade do reprimido” que ele insere o tempo lógico, produtor do
momento de concluir, intrusão do analista e de seu naipe (silêncio,
voz, presença, corte) que orienta e conduz a análise até sua con-
clusão. É assim que podemos apreender como o ato do analista
produz no final das contas o momento de concluir da análise: o ato
do analisante.
Como? Como o manejo pelo desejo do analista do instante do
corte na sessão, como a produção do instante do corte causa a dura-
ção da análise como finita e não infinita? A medida de uma análise,
o seu tempo, a sua finitude depende da marcação do “tempo” pelos
cortes das sessões. Uma análise não se mede em anos, nem horas
nem minutos: a sua medida é o corte. Quantos cortes sua análise
durou? (donde a importância da frequência das sessões que acolhe a
alternância sessão – corte – intervalo). O ato “fait d’une pierre deux
coups”7 causa efeitos de sujeito: surpreende, evidencia e esvazia a 7 Em português, faire d’une
pierre deux coups equivale à
suposição do sujeito no Outro e, ao mesmo tempo, surpreende e expressão “matar dois coe-
evidencia o sujeito como resposta do real. lhos numa cajadada só”.

4 - O analista, todas as vezes, corta as sessões que sejam de


tempo variável ou curtas (tema de nossos debates), é imprevisível:
é responsabilidade intempestiva do ato analítico. Ao suspender a
continuidade, isola-se uma sequência na qual pode ser lida uma
suposição do sujeito. O que se ouviu? O que foi dito? 1, 2, 3? Ou
21, 34? Ou 5, 8, 13? Em que ponto eu parei mesmo? 8, 13, 21!! 144?
Não entendi! Não fez nenhum sentido para mim a sua interrupção
da minha última sessão! O corte não faz sentido. 0, 0, 1? É isso?
Reconhecemos nessas sequências trechos de uma série de Fibonac-

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 35


ci, uma série matemática infinita na qual cada elemento é cons-
8 Criada pelo matemático truído a partir da soma dos dois números precedentes8; é simples
italiano Leonardo de Pisa
(1175-1250), na relação
como princípio de recorrência, mas quando se escuta esses trechos,
de recorrência da série de é necessário um tempo antes de poder concluir o tempo que falta,
Fibonacci: cada termo da
série é a soma dos dois
o cálculo do intervalo entre um e outro. “Assim, a linguagem faz
termos precedentes: F0 = 0, uma novação do que revela do gozo e faz surgir a fantasia que ele
F1 = 1; logo, F2 = F0+F1, realiza por algum tempo. Ela só se aproxima do real à medida que o
ou seja, F2 = 0+1, isto é, F2
= 1, F3 = 2, F4 = 3 e assim discurso reduz o dito a cavar um furo em seu cálculo”9.
sucessivamente. Apesar de todos os Uns dos enunciados que se agregam um a
um 1, 1, 1..., um tempo sempre faz falta para o sujeito (“il faut
9 Radiofonia, op. cit., p. 446. le temps”): ele nunca resgatará o “um-a-mais”10, embora sempre
tente recuperar o tempo perdido na sua demanda, no seu “blablá”,
10 Lacan. Do um-a-mais. na sua suposição de um Outro. A associação livre, aparentemente
In: O Seminário, livro 16: de
um Outro ao outro (1968- linear, desenrola, na diacronia, o que a sincronia do instante de ver
69/2008, pp. 361-374).
apreendeu: “falta o tempo”11. A estrutura própria da fala desenrola
11 Radiofonia, op. cit. nos ditos as consequências do dizer, desdobra, estica, infla, pinça,
desinfla, costura e recorta o espaço topológico da estrutura do sujei-
to, tornando patentes suas descontinuidades, seus furos, suas vizi-
12 Lacan. O aturdito nhanças. “A topologia de nossa prática do dizer”12. Pouco a pouco,
(1972/2003, p. 488). as voltas dos ditos, contornando o oco da demanda, configuram e
exibem o espaço topológico da neurose: um toro, logo apreensível
como enodado com outro toro, do qual ele preenche e escamoteia
o furo estrutural. Esse toro do sujeito neurótico enlaçado com o
toro do Outro é o enredo principal da novela familiar, moldada
pela fantasia fundamental. A novela familiar gira em torno de uma
volta não contada – falha nas suas contas dos ditos que o étourdi
– o avoado – vai atribuir ao Outro, ligando sua falta-a-ser à fal-
ta – falha – pecado do Outro e, daí, sua suposição de que o seu
tempo perdido está no saber do Outro. Como demonstra Lacan
13 Ibid. no seu texto L’Étourdit13, é o corte do analista na série infinita da
associação livre, nas voltas dos ditos, que faz aparecer o “tempo”
da neurose, e suspende por um tempo a sua razão fantasmática:
“vamos suspender!”
A interrupção produz o corte mediano da fita de Mœbius, re-
14 Ibid., p. 448. Na versão aliza o dizer que não está nos ditos. “Que se diga permanece es-
francesa: “Qu’on dise reste
oublié derrière ce qui se dit quecido atrás do que se diz no que se ouve”14. Mas, de novo, na
dans ce qui s’entend”. sequência a esse dizer, por definição fora do sentido, será atribuído

36 o tempo na psicanálise II
um sentido, cujo segredo está alojado no Outro e suas leis: 8, 13,
21.... 34! Vamos suspender!
Quantas vezes se interrompe a suposição de saber no Outro para
que caia a ficha da sua inconsistência?
15 Lacan. L’angoisse –
O desejo do analista que suporta o corte da sessão valida o in- Séminaire X (1962-63/s.d.,
tervalo, como instância do dizer. “Cette dimension temporelle est p.180). “Esta dimensão
temporal é a angústia, esta
l’angoisse, cette dimension temporelle est celle de l’analyse. C’est parce dimensão temporal é a da
que le désir de l’analyste suscite en moi la dimension de l’attente que je análise. É porque o desejo do
analista suscita em mim esta
suis pris dans l’efficace de l’analyse”15. dimensão da espera que estou
O analista em ato – actually – suscitando a dimensão da espera preso na eficácia da análise.”
faz valer as intermitências – os interditos como causadores, como
causação do sujeito. A atualidade do analista, o seu a-tempo tem
uma incidência clínica na intemporalidade do sujeito do incons-
ciente16. O ato analítico produz, extrai, da repetição, essa outra 16 Se o inconsciente é
intemporal, o analista é
dimensão do tempo, conhecida pela filosofia da Grécia e até na atual.
China: o Kairos, “o momento oportuno”.
No fim, o momento de concluir é ato do analisante. O momen-
to de concluir interrompe a diacronia da associação livre, interrom-
pe, insuccès de l’une-bévue17. A interrupção da sua sucessão é da 17 Lacan. Séminaire
ordem do ato que se faz sem o saber suposto ao Outro e produz a XXIV: L’insu que sait de
sua suspensão. “Vamos suspender!” l’une-bévue s’aile à mourre
(1976-1977/1998).
No fim é momento de concluir que a indecidibilidade da par-
tida se transforma numa carta na mão do analisante – não o
“mico-preto”, carta da impotência que estorva o jogo e impede a
partida (separação), mas a carta que chega a seu destino na forma
de uma letra.
Quanto tempo necessário para chegar ao fim! “É, portanto, so-
mente depois de um longo desvio que pode advir para o sujeito, esse sa-
ber de sua rejeição original”18. Quanto tempo necessário para chegar 18 Lacan. O Seminário: a
identificação (1961-62/2003,
ao fim? O tempo é preciso, até que o “tempo” do analista produza, p. 194).
à medida de seus golpes, o suspense da espera, e a suspensão do
sentido: falha no tempo do Outro onde o sujeito é flagrado como
resposta do real. Um longo tempo é necessário para sacar a falha
inaugural do tempo do sujeito. É isso: “... ce qu’ il faut de temps pour 19 Lacan.
faire trace de ce qui a défailli à s’avérer d’abord ”. “...é preciso o tempo Radiophonie (1970/2001,
p. 428); Radiofonia, op. cit.,
para fazer traço daquilo que falhou em se revelar de saída”19. p. 427.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 37


Referências bibliográficas
FREUD, S. (1932). Novas conferências introdutórias sobre psicanálise.
Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago,
1996. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Com-
pletas de Sigmund Freud, vol. XXII).
LACAN, J. O Seminário: a identificação – Seminário IX (1961-62):
Recife, Publicação não comercial exclusiva para os membros do
Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2003.
LACAN, J. L’angoisse – Séminaire X (1962-63): Paris, Publication
hors commerce – Document interne à l’A.L.I, s.d.
LACAN, J. O Seminário, livro 16: De um Outro ao outro (1968-69).
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
LACAN, J. (1970). Radiofonia. In: Outros escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2003, pp. 400-447.
LACAN, J. (1970). Radiophonie. In: Autres Écrits. Paris: Seuil,
2001, pp. 403-448.
LACAN, J. (1972). O aturdito. In: Outros escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2003, pp. 448-497.
LACAN, J. L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre (1976-1977)
Séminaire XXIV : Paris, Publication hors commerce – Docu-
ment interne à l’A.F.I, 1998.
SOLER, C. O tempo que falta. In: Volume Preparatório para o V
Encontro Internacional da IF-PFCL [on line]. Disponível em:
<http://www.vencontro-ifepfcl.com.br/volprepa.html>. Acesso
em: 1 de julho de 2008.

38 o tempo na psicanálise II
Resumo
O andamento de uma análise do começo até o fim re-
sulta do seu “tempo”, recortando instantes que isolam
sequências, que produzem consequências. O “Tempo”,
conduzido pela batuta do desejo do analista, produz o
tempo de uma análise, a medida de sua duração. A ca-
dência da entrada do analista – nos ditos do sujeito –
condiciona uma descontinuidade que produz, em ato, no
final das contas, o limite, a conclusão, fazendo da “série
sem fim dos ditos uma sequência finita”. Por isso “Il faut
le temps” um tempo é necessário, para extrair do tempo
que passa o tempo que falta e o transformar no tempo
que resta.

Palavras-chave
Tempo, desejo de analista, duração, final de análise.

Abstract
The Psychoanalytical process, from the begining till it
ends, is a result of its “tempo”, cutting instants which
separate sequences and producing consequences trough
this cuts. The “tempo” conducted by the psychoanalyst
desire baton, produces the time of a psychoanalysis
and gives the measure of its length. The cadence of the
psychoanalyst entrance in the subject’s tellings establi-
shes discontinuity. Discontinuity produces, in act, at
the endgame, a limit point, the conclusion. The psycho-
analyst act turns “the endless recurrence of the tellings
into a finit sequence”. Therefore “il faut le temps”, time is
necessary, to extract from the passing time, the faulting
moment, turning this moment into a instant witch last.

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Keywords
Tempo, time, the psychoanalyst desire, ending of the
psychoanalysis. 

Recebido
03/05/2009

Aprovado
26/07/2009

40 o tempo na psicanálise II
O inconsciente: trabalhador ideal
Maria Vitoria Bittencourt

Escolher como título “O inconsciente: trabalhador ideal”1 para


abordar nosso tema é uma forma de questionar a definição que La-
can apresenta em Televisão: “o inconsciente é (…) um saber que não
pensa, nem calcula, nem julga, o que não o impede de trabalhar, no
1 Lacan, Televisão
sonho por exemplo. Digamos que é o trabalhador ideal”. Como ar- (1974/1990, p. 31).
ticular esse trabalhador ao tempo do inconsciente? Proponho assim
retomar o sonho, para ilustrar o trabalho do inconsciente, tentando
responder à questão da prática da interpretação, que viria introdu-
zir uma temporalidade ao trabalho do sonho. Disso decorre outra
questão: haveria necessidade de interpretar o sonho?
A referência de Lacan ao trabalhador vem de Marx, mas esse
termo – trabalho – se encontra em Freud a propósito do sonho,
fenômeno que lhe permitiu lançar os fundamentos dos processos
do sistema inconsciente. Mesmo que tenha sido a partir do sintoma
histérico que Freud concebeu a mensagem cifrada do inconsciente,
foi o sonho que abriu o caminho à “via régia”. No entanto, Freud
não fez do sonho um equivalente do inconsciente. Para ele, a essên-
cia do sonho se encontra justamente no trabalho do sonho – Arbeit
– mais importante que seu conteúdo, manifesto ou latente. A partir
da lei do inconsciente e seus mecanismos operatórios, se abre toda
uma elaboração semântica em torno da leitura dos sonhos e de sua
interpretação. O equívoco significante coloca Freud na via da ar-
ticulação do que chama “moção pulsional”, o desejo inconsciente.
Quanto à interpretação, desde o início, Freud chama a atenção
contra a fascinação que os mistérios do inconsciente podem gerar.
Em 1912, Freud adverte que é preciso uma certa abstinência quanto
ao desejo de interpretar, pois existem sonhos que vão mais rápido
que a análise e que “ao tentar interpretá-los, pode-se abalar todas as 2 Freud, O manejo da inter-
resistências latentes, e não se vê mais nada”2. Existe assim um tem- pretação de sonhos na psicaná-
po para interpretar. Com efeito, Freud descobriu na prática que o lise (1912/1969, p. 121).

sonho é uma manifestação de outra coisa, ou seja, é uma demanda


de interpretação, sendo o próprio sonho um indício da transferên-
cia. Um apelo ao analista para decifrar o enigma do desejo. Pois,
em relação às outras formações do inconsciente, o sonho tem esta
particularidade: o sujeito acredita que ele quer dizer alguma coisa e
conta seu sonho para demandar o sentido.
Foi o que Lacan constatou no Seminário II: “Numa análise, não

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 41


intervimos unicamente na medida em que interpretamos o sonho
do sujeito – se é que o interpretamos – mas como já estamos, a títu-
lo de analista, na vida do sujeito, já estamos em seu sonho”3. Então,
o sonho é um produto do trabalho analítico, produto do trabalho
3 Lacan, O Seminário, livro
2: O eu na teoria de Freud da transferência, do encontro do desejo do analista com a deman-
e na técnica da psicanálise da do analisando. “Ninguém pode ser morto in absentia”, nos diz
(1954-55/1975, p. 194).
Freud a propósito da transferência. Poderíamos acrescentar nada
pode ser sonhado in absentia. Logo, o inconsciente do sujeito em
análise é um inconsciente que trabalha – arbeiter – cujo sujeito su-
posto saber é o pivô em torno do qual se articula a transferência
– um outro trabalho.
Assim, duas operações se encontram no sonho: o trabalho do
sonho e o relato do sonho. De um lado, o relato não é o sonho,
já é uma interpretação do desejo, uma colocação ao trabalho do
inconsciente em busca do saber. Desta maneira, Lacan vai inverter
os papéis: aquele que interpreta é o sonhador, pois o sonho é, ele
mesmo, uma interpretação. O sonho pode se reduzir a uma frase
que o inconsciente reveste com a ajuda da encenação. Assim, como
diz Lacan, “Através do sonho, vem ao inconsciente somente o sen-
tido incoerente que fabula, para revestir o que articula em termos
de frase… o que vem já é uma interpretação que podemos dizer
selvagem e que a interpretação argumentada que lhe é substituída
4 Lacan, Compte rendu du só vale, pois faz surgir a falha que a frase denota”4. Desta maneira,
Séminaire L’ éthique de la
psychanalyse (1984, p. 17). ficam estabelecidos dois tempos para a interpretação. O sonho não
é o inconsciente, ele pode se reduzir a uma frase cortada, um pen-
samento deformado, tomado ao pé da letra, ao qual a interpretação
vem restituir a ordem, para fazer emergir o sujeito.
De outro lado, produzir um sonho implica a presença do analis-
ta. Logo, o relato do sonho é uma colocação ao trabalho do incons-
ciente que se realiza a partir da implicação da presença do analista,
uma colocação em ato da realidade sexual, como Lacan definiu a
transferência. A função do sonho é fazer falar o sujeito, colocar o
inconsciente no trabalho para contar ao analista.
Mas existe uma outra face do trabalho do sonho. Se ele é uma
mensagem que visa ser interpretada, pois é uma demanda de inter-
pretação, ele tem como função também preservar o sono. Assim,
o sonho serve para contar ao analista e assim continuar a dormir

42 o tempo na psicanálise II
tranquilamente, sem tocar no real, em outros termos, para gozar da
transferência. Como diz Lacan, “passamos o tempo a sonhar, não
se sonha somente quando se dorme”5.
Assim, para Freud, o trabalho do sonho testemunha uma ati-
5 Lacan, Une pratique du
vidade de ciframento e de elaboração que é destinada a evitar um bavardage (1979, p. 5).
encontro entre o pensamento do sonho e a pulsão. O sujeito sonha
para não despertar o desejo inconsciente. Nos anos 20, Freud indi-
cou uma ligação entre o sonho e a pulsão:

[...] o eu adormecido, contudo, está focalizado no desejo de man-


ter o sono; ele sente essa exigência pulsional como uma perturbação
e procura livrar-se dela. O eu consegue realizar isso através do que
parece um ato de submissão: ele satisfaz a exigência, com uma reali-
zação inofensiva de um desejo e assim livra-se dele6. 6 Freud, Esboço de psicanálise
(1938/1969, p. 196).

Portanto, se seguirmos essa lógica, o trabalhador ideal pode pas-


sar seu tempo todo a sonhar. Mas o que pode despertá-lo? Segun-
do Lacan, só a angústia vem romper o “sono do sujeito quando o
sonho desemboca no real do desejado”7. (Podemos encontrar em 7 Compte rendu du Séminaire
Lacan outras referências a propósito da emergência de um real no L’ éthique de la psychanalyse,
op.cit.
sonho.) Num comentário do sonho do filho morto – ‘Pai, não vês,
estou queimando’ – Lacan constata que o que vem despertar é uma
“outra realidade”, aquela do “real pulsional”8. O real nesse sonho 8 Lacan, O Seminário, livro
11: Os quatro conceitos
surge do encontro impossível entre um pai e um filho, um encontro fundamentais da psicanálise
faltoso que marca a impotência do simbólico a inscrever o impos- (1964/1988, p. 61).
sível. O despertar para a realidade é a fuga de um outro despertar
para o real, aquele que se anuncia no sonho quando o sujeito se
aproxima daquilo que não quer saber.
Nos anos 70, Lacan retoma um texto de 1925, de Freud, sobre
os sonhos, onde, tratando dos limites da interpretação, Freud afir-
ma que o trabalho do sonho visa a um ganho imediato de prazer,
com a intenção utilitária de preservar o sono. “O sonho pode ser 9 Freud, Algumas
notas adicionais sobre a
descrito como uma fantasia a trabalhar em prol da manutenção do interpretação de sonhos como
sono”9. Lacan acrescenta que o motor do sonho, enquanto desejo de um todo (1925/1969, p. 159).
dormir, se traduz por aquilo que constitui o essencial do trabalho
10 Lacan, Séminaire Les non
do sonho: é um ciframento que contém nele mesmo um gozo, uma dupes errent (leçon du 20
satisfação do sonhador nesse trabalho10. Assim, o trabalhador ideal Novembre 1973).

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 43


11 Lacan, …Ou pire (s.d., teria como mestre o gozo: “o que pensa, calcula e julga é o gozo”,
p. 9). diz Lacan em Ou pior11. O sonho teria, assim como finalidade,
uma tentativa de dar sentido ao não-sentido da relação sexual, em
12 Trata-se de um jogo que o inconsciente trabalha sem mestre. Já o sujeito do gozo, que
de palavras em francês – pensa, calcula e julga, estaria no lugar do regente (régisseur)12 ou
régisseur x réjouisseur.
melhor regozijador (réjouisseur). Assim, o limite da interpretação
poderia se situar nessa satisfação que o sonho contém, o gozo do
sentido.
Se o real pulsional surge no sonho, qual o estatuto de sua inter-
pretação? Em vez de interpretar o sonho, não seria preciso pensar
em despertar o sujeito? Pois o desejo do sonho não é senão aquele
de buscar o sentido, e é isso que satisfaz a interpretação psicanalí-
13 Compte rendu du tica. Mas, será a via para um verdadeiro despertar para o sujeito?13
Séminaire L’ éthique de la Trata-se, então, de pensar a interpretação segundo o modelo do
psychanalyse, op. cit.
pesadelo? Como conceber um verdadeiro despertar?
Se retomarmos o sonho de Freud, conhecido como o sonho
da injeção de Irma, o único que Freud considera como tendo sido
completamente analisado, podemos lembrar que o sonhador não
desperta do pesadelo – “é um duro na queda”, diz Lacan. No mo-
mento em que Freud olha a garganta de Irma, uma espécie de obje-
to inomável, ele se retira do sonho e apela para outros personagens
que tomam seu lugar. Nesse momento, surge uma voz, uma voz de
ninguém, e aparece a fórmula da trimetilamina, fórmula química
de uma substância dos metabolismos sexuais, que lhe foi comu-
nicada por Fliess. O sonho se conclui assim com esse termo que
não quer dizer nada, mas que surge enquanto matéria visual. Lacan
acentua que, diante do encontro com o real da castração do Outro,
Freud atravessou esse momento de angústia porque estava tomado
por uma paixão de saber, que é mais forte que seu desejo de dormir.
Assim, ele tem acesso à revelação do que é o inconsciente, sua in-
venção. Freud continua a dormir tranquilamente, fantasiando que
um dia teria uma placa onde se poderia ler: “nesta casa, no dia 24
de julho de 1895, o mistério do sonho foi revelado ao Dr. Sigmund
Freud”. Podemos considerar este sonho como uma saída da transfe-
rência de Freud a Fliess, o verdadeiro despertar de Freud, se desem-
baraçando daquele que ocupava o lugar do sujeito suposto saber.
Poderíamos propor que nesse sonho de Freud, o “isso fala” do

44 o tempo na psicanálise II
significante, que constitui o relato do sonho na sua finalidade de
fazer sentido – sentido sexual – vem recobrir o “isso mostra” do
objeto, o não sentido da relação sexual. Mostrar se distingue de
fazer sentido, pois equivale a colocar em cena um gozo articulado
às cenas infantis traumáticas, criadoras e fundamentos de todos os
sonhos segundo Freud. Fundamento fantasmático. Assim, o sonho
converte o sentido sexual numa fórmula, em letras, uma cifra que
contém nela mesma um gozo: um “isso se escreve” vem concluir o
“isso fala” e o “isso mostra” do sonho.
Nesse sentido, a interpretação vem desvelar que o modo de falar
– o relato do sonho – vem recobrir o modo de gozar – o trabalho de
ciframento do sonho. Para isso, Lacan nos dá uma indicação quan-
to à interpretação: “ler os sonhos... como se decifra uma mensagem
cifrada”. Ler supõe uma escritura, colocando em jogo a atividade
da letra, permitindo o que Lacan designou como a lisibilidade do
sentido sexual que se encontra a partir do não sentido da relação
sexual que o sonho tenta imaginarizar. A dimensão da escritura
sendo mais propícia a tocar no real da experiência, o “motérialisme”
– equívoco que Lacan criou para indicar o materialismo da alíngua.
Assim, interpretar o sonho, no sentido freudiano de via régia,
de mensagem, seria alimentar o inconsciente e tornar a análise um
processo de tempo interminável. Sendo um exercício de letras e não
de sentido, o sonho não tem vocação de comunicar, mas de promo-
ver um trabalho do inconsciente que não visa à significação, mas
produzir o efeito de real. Assim, o tempo de dormir, de sonhar,
requer uma interpretação justa para esgotar o apelo ao sentido, ao
gozo do sentido. O sonho não basta ao despertar, ele não está desli-
gado do sentido que o sustenta. Ele necessita a presença do analista,
presença em ato, reveladora da estrutura do desejo. Que o despertar
ao real seja impossível, não impede de tomá-lo como finalidade.
Será o despertar a via régia para o final de uma análise?
A partir da experiência no cartel do passe, pude observar que
um sonho, considerado muitas vezes como fundamental, ocupa um
lugar privilegiado no testemunho dos passantes. Sonhos ligados às
experiências infantis, cujo surgimento no início da análise toma
uma outra dimensão no testemunho do passe. Proponho, como
hipótese, que esses sonhos são evocações de cenas infantis, uma

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 45


reconstrução da neurose infantil, que viria confirmar a tese de La-
can, segundo a qual o sonho ressalta “a maneira como alíngua foi
falada e também escutada em sua particularidade”. O sonho teria
a faculdade de transmitir essa marca do tempo infantil da primeira
experiência com a realidade sexual.
Mas essa leitura que o passante faz de seu sonho se efetua fora
da transferência, trata-se de uma interpretação da saída da transfe-
rência, interpretação do sujeito do final de sua análise. Poderíamos
deduzir que a interpretação do sonho só é completa quando desem-
baraçada da presença do analista? Se a interpretação do analisando
nunca é independente da presença do analista, só há interpretação
fora da transferência, fora do sujeito suposto saber. Assim, essa in-
terpretação viria confirmar uma tese de Freud de que um sonho
pode englobar toda uma análise, pois equivaleria a todo o conteúdo
da neurose, e que “a interpretação total de tal sonho coincide com a
conclusão da análise”. Afirmação bem surpreendente de Freud. Será
que poderíamos verificar essa tese na experiência do cartel do passe?
Isso nos levaria a introduzir um novo trabalho, trabalho de escola.
Para isso é preciso tempo.

Referências bibliográficas
FREUD, S. (1912). O manejo da interpretação de sonhos na psica-
nálise. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro:
Imago, 1969. (Edição Standard Brasileira das Obras Completas
de Sigmund Freud, Volume XII).
FREUD, S. (1925). Algumas notas adicionais sobre a interpretação de
sonhos como um todo. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio
de Janeiro: Imago, 1969. (Edição Standard Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud, Volume XIX).
FREUD, S. (1938). Esboço de psicanálise. Trad. sob a direção de
Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1969 (Edição Standard
Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Volume
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LACAN, J. O Seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica
da psicanálise (1954-55). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1975.
LACAN, J. Séminaire Les non dupes errent, leçon du 20 novembre

46 o tempo na psicanálise II
1973, Inédit.
LACAN, J. (1974). Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1990, p. 31.
LACAN, J. Une pratique du bavardage (Leçon du 15 novembre
1977 – Séminaire Le moment de conclure). In: Ornicar, 19, Pa-
ris: Navarin Editeur, 1979.
LACAN, J. Compte rendu du Séminaire L’éthique de la psycha-
nalyse. In: Ornicar, 28, Paris: Navarin Editeur, 1984.
LACAN, J. Conférence à Génève sur le symptôme. In: Le Bloc No-
tes de la psychanalyse n. 5, Genève, 1985.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
LACAN, J. …Ou pire. In: Scilicet, 4, Paris: Seuil, s.d.

Resumo
Trata-se de um texto sobre o que Freud considerou como
a via régia do inconsciente – o sonho – com a finalida-
de de questionar a prática da interpretação. Retomando
uma afirmação de Jacques Lacan sobre o sonho como
trabalhador ideal em Televisão (1974), levantamos a hi-
pótese de que existem limites da interpretação do senti-
do do sonho. Para isso, retornamos aos textos de Freud
sobre o trabalho do sonho, que introduz a dimensão do
gozo, que se revela no desejo de dormir. Um sonho de
Freud – sonho de injeção de Irma – vem ilustrar essa
vertente de gozo do sonho em que a interpretação se re-
duz a uma fórmula escrita. Assim, o sonho deixa de ser
considerado como mensagem do inconsciente, passando
a traduzir um modo de gozo. Isso promove a dimensão
da letra para que a interpretação possa tocar no real da
experiência do inconsciente.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 47


Palavras-chave
Inconsciente, sonho, interpretação, Lacan,
Freud, gozo, real.

Abstract
In this paper about what Freud considered as the royal
way to the unconscious, – the dream – we want to ques-
tion the practice of interpretation. Retaking Lacan’s
affirmation about the dream as an ideal worker in Te-
levision (1974), we make an hypothesis of the limits of
the interpretation of the sense of the dream. We return
to Freud’s papers about the work of the dream where he
introduces the dimension of jouissance which is present
in the desire of sleep. One dream of Freud can illustrates
this dimension of dream’s jouissance where the interpre-
tation is reduced to a written formula. The dream is no
more considered as a message of the unconscious, but a
translation of a way of jouissance. This point can promo-
te the dimension of the letter as a form of interpretation
that touch the real of the unconscious’s experience.

Keywords
Unconscious, dream, interpretation, Lacan, Freud, jou-
issance, real.

Recebido
08/05/2009

Aprovado
27/07/2009

48 o tempo na psicanálise II
trabalho crítico com os conceitos

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 49


50 o tempo na psicanálise II
O tempo: um objeto lógico
Bernard Nominé

O tempo é um conceito difícil de apreender, tanto para os físicos


como para os filósofos. Não se pode deixar de imaginá-lo como um
rio que corre do passado para o futuro. Mas, temos tanta certeza
assim de que o tempo realmente passa? Não somos nós que o imagi-
namos passar, quando quem de fato passa somos nós? “O tempo vai
embora, o tempo vai embora, Madame, infelizmente! O tempo não,
nós é que vamos...”, escreveu o poeta Ronsard.
O tempo é indissociável do espaço; as distâncias, por exemplo,
são com frequência medidas pelo tempo necessário para percorrê-
las. Mas o próprio tempo é considerado pelos físicos como um espa-
ço, fala-se do espaço-tempo, e nem todos estão de acordo a respeito
de sua estrutura; seria ele plano ou curvo, contínuo ou descontí-
nuo? Para alguns físicos, o espaço-tempo é um bloco rígido que não
é absolutamente orientado a priori, a não ser por nós, na medida
em que organizamos a sequência dos acontecimentos segundo um
princípio, que é o princípio da causalidade. Mas trata-se de uma
construção mental, e sabemos até, a partir de Freud, que o incons-
ciente é capaz de fabricar uma causalidade psíquica que parece fun-
cionar inversamente ao tempo que passa. O tempo que passa não
é, portanto, um real em si, só o presente é real. Poderíamos muito
bem definir o real como presente, sempre eternamente presente.
Porém, como fixar esse real sempre presente? Escrevendo, quer di-
zer, historiando, ordenando o real como passado. Nesse sentido, o
passado está do lado do simbólico. Restaria então o imaginário para
o futuro, o que lhe cairia muito bem. A percepção do decorrer do
tempo depende, então, da consciência, que deve poder integrar o
que é presente, relacionar o que é presente ao passado e distingui-lo
do que se projeta do futuro. Provavelmente, é esse nó que instala o
sujeito dentro de uma realidade temporal inteligível.
Mas, apesar de tudo, o enodamento desses três registros deixa
escapar o objeto que estou procurando delimitar neste trabalho.
“Talvez o tempo seja apenas isso, as trindades ou a eternidade do
espaço, o que provém de um irremediável encurralamento”1. 1 Lacan. Les non-dupes
errent (1973-74, aula de 11 de
Esse objeto que escapa ao encurralamento, vou tentar abordá-lo dezembro de 1973).
pelo estudo daquele tipo de sonho repetitivo que todos nós temos,
em que devemos fazer novamente uma prova na qual já fomos apro-
vados. No sonho, nos permitimos a fantasia de voltar no tempo e

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 51


então sonhamos que estamos em uma época anterior à realização
da prova; nós nos reapresentamos para fazê-la, mas sem termos pre-
parado nada. Isso pode se tornar um pesadelo, e ficamos conten-
tes quando acordamos e constatamos que foi apenas um sonho.
O que sonhamos refazer é sempre uma etapa decisiva que marcou
um antes e um depois, e pela qual nos esforçamos para passar com
sucesso. Raramente sonhamos em refazer uma prova em que fra-
cassamos. Frequentemente, aquele que está sonhando sabe, no so-
nho, que já fez essa prova com sucesso; por que, então, refazê-la? O
tema da repreensão está sempre aí e, segundo Freud, ele se aplica
a alguma coisa da véspera, a uma conduta regressiva, por exemplo.
“Você já é adulto, já viveu muito e ainda continua fazendo bobagens
e infantilidades.”
Poderíamos também evocar aquele tipo de sonho em que retor-
namos a uma casa antiga após nos termos mudado, mas voltamos lá
como ladrões, pois sabemos que não deveríamos estar mais lá. Essa
atmosfera de ilegalidade vai no sentido da interpretação freudiana
da repreensão. Mas creio que podemos ir mais longe que Freud
nesse assunto. O caráter repetitivo desse tipo de sonho é o índice de
um esforço do sujeito para simbolizar um acontecimento importan-
te que é um momento de passagem: uma prova, uma mudança de
casa, o desaparecimento de alguém próximo. Se a prova se repete no
sonho, é que alguma coisa escapa a essa simbolização, alguma coisa
não foi apreendida na representação do acontecimento. Não se trata
do acontecimento em si, já que, uma vez mais, não há nenhuma
razão para que a aprovação num exame seja difícil de simbolizar.
Então, por que fazer como se esse evento feliz não tivesse existido?
Em geral, se interrogamos o sujeito que sonha, ele nos diz que, em
seu sonho, tem de refazer a prova e age como se não tivesse passado,
mesmo sabendo confusamente que isso é falso. Portanto, não é a
natureza do acontecimento que constitui um problema, mas sua
própria estrutura de acontecimento, isto é, uma etapa significativa
que estabelece uma fronteira entre um antes e um depois. A repre-
ensão que o sujeito faz a si mesmo talvez seja, mais que qualquer
outra coisa, a repreensão por querer negar a ultrapassagem, por que-
rer voltar ao antes quando ele já está no depois. No entanto, para
além do caráter ilícito dessa viagem no tempo que o sonho permite,

52 o tempo na psicanálise II
a repetição desse tipo de sonho nos sugere que o sujeito não abre
mão de apreender, nessa simbolização, algo de evanescente, algo de
inapreensível que se recorta na fronteira entre o antes e o depois.
Se as horas do relógio passam de maneira rigorosamente cons-
tante, não se pode dizer que, para determinado sujeito, o tempo
passa de maneira contínua. A própria noção de acontecimento é tes-
temunha disso. Mas aquilo que constitui um acontecimento para
uma pessoa não constituirá necessariamente um acontecimento
para outra. Portanto, essa temporalidade de que se trata no aconte-
cimento não tem nada a ver, nem com o tempo que passa, nem com
o tempo da História; essa temporalidade diz respeito ao sujeito. Ela
tem uma relação tão estreita com o sujeito, que poderíamos dizer
que participa dos atributos do sujeito, no sentido gramatical do ter-
mo, porque esses acontecimentos aos quais o sujeito se esforça para
voltar em seus sonhos são momentos que determinaram aquilo que
o sujeito foi, aquilo que ele se tornou, o que ele terá sido quando...,
o que teria podido ser se... em resumo, trata-se de tentar simbolizar,
de abarcar, da maneira mais próxima possível, esse momento, esse
lapso de tempo, esse instante em que tudo se precipitou para tornar
o sujeito aquilo que ele é.
Não foi por acaso que Lacan utilizou o apólogo dos três prisio-
neiros para circunscrever aquilo que ele chamou de tempo lógico, 2 Lacan. Mais Ainda na
aquele instante de pressa necessária para que o sujeito possa se apre- gravação sonora da aula do
dia 16 de janeiro de 1973
sentar tal como é e sair da prisão de suas identificações alienantes. – que Patrick Vallas me fez
Esse tempo lógico é próprio de cada um, ele faz parte de seus atri- escutar – ouve-se claramente
butos, participa do seu modo de ser, mesmo que o sujeito não tenha isso: A função da pressa é a
função deste pequeno apressa-
nenhuma ideia disso. É isso que me faz dizer que esse tempo lógi- do (petit a-t [hâté], a-t e hâté
co faz parte da categoria do objeto, tal como Lacan desenhou seu são homofônicos). [Na edição
em português, de 1985, o
contorno; aliás, é isso que ele acabará dizendo nos comentários de trecho referido se encontra
apólogo que fará bem mais tarde em seu ensino, seja no seminário na p. 67.]

Mais ainda, em que nos diz que o objeto a desempenha sua função
na pressa2, seja quando diz categoricamente em Os não-tolos erram,
que “o objeto a está ligado a essa dimensão do tempo”3. Em outras 3 Lacan. Les non-dupes
errent (op. cit., aula de 9 de
palavras, esse objeto que o sujeito tenta agarrar no sonho repetitivo abril 1974).
que parece resumir-se, numa primeira leitura, em uma busca do
bom tempo perdido, esse objeto na verdade é inatingível porque
não tem ser – daí a repetição incansável para tentar abordá-lo.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 53


O tempo, como objeto real, não tem ser, é isso que lhe confere
sua função mais comum para representar nossa falta-a-ser. Isso é o
que já dizia Plotino na Antiguidade grega: o futuro é o lugar onde
situamos o que nos falta para ser. Se corremos em direção ao futuro,
é com a ideia de lá encontrar mais ser. Dizendo de outro modo, o
tempo que nos falta para ser, aquilo atrás de que corremos, nada
mais é que a nossa falta-a-ser estrutural.
Eu poderia acrescentar que esse objeto em que confiamos por re-
presentar nossa falta-a-ser e que se situa, de algum modo, à margem
da linguagem, não deixa de ser um produto. O tempo é produzido
pelo sujeito que fala. Este não deixa de ter relação com a língua que
conjuga. Desde os gregos e os latinos, distinguimos o passado, o
4 Jullien. Du “temps”: presente e o futuro. “Só o fato de conjugar já bastaria para provar que
Éléments d’une philosophie du o tempo existe”4. Mas certas línguas não conjugam; é o caso do chi-
vivre (2001, p. 30). nês, em que os verbos não têm desinência. Como decorrência – se-
gundo François Jullien –, não há conceito de tempo no pensamento
chinês. A sabedoria chinesa se interessa mais pelo momento do que
pelo tempo em si. Em suma, se a filosofia ocidental se esforça, às ve-
zes até a obstinação, em conceptualizar esse produto da linguagem,
isso não ocorre por acaso.
Para resumir, a esta altura, tentei mostrar como o tempo é um
real que personaliza cada um; como ele é um atributo do sujeito
particularmente convocado em seu ato na qualidade de aconteci-
mento ou até mesmo de eclosão; como ele é inatingível, embora
seja imaginável sob as espécies do tempo que passa, do tempo que
falta, do tempo perdido, em suma, da falta-a-ser; e como ele é um
produto da linguagem. O que mais falta dizer para convencê-los
de que o tempo faz parte da categoria do objeto a? Seria necessário
poder destacar sua função na alienação ao Outro, visto que é aí
que se pode melhor apreender a função do objeto a de Lacan como
resto da operação que tenta inscrever o gozo do vivente no Outro
do significante.
Em seu seminário A Angústia, Lacan5 esboça cinco estádios para
5 Lacan. O Seminário, essa inscrição e os relaciona em um tipo de grafo com três níveis.
livro 10: a angústia (1962-
63/2005). Preciso ver então como inscrever o tempo nessa construção, deixan-
do bem claro que não me proponho a adicionar um sexto estádio.
Basta reler a aula de 19 de junho de 1963 para perceber que o que

54 o tempo na psicanálise II
permite a Lacan fazer a relação dessas cinco apresentações de objeto
a é a função do tempo articulado à linguagem, já que essa esque-
matização é a do grafo. Trata-se de um percurso vetorizado, e esse
vetor poderia ser chamado vetor do tempo. Mas esse percurso vetori-
zado não é retilíneo, o vetor sobe como se houvesse uma progressão
do estádio oral para o estádio anal, para chegar ao fálico e, nesse
estádio, o vetor se inverteria como se ocorresse uma regressão para
o nível inferior onde Lacan inscreve a função do olhar, no mesmo
nível do estádio anal, depois em direção ao nível ainda mais infe-
rior, onde situa a função da voz, que se encontra no mesmo nível do
estádio oral. Essa construção de Lacan sempre me pareceu muito
importante. Ela articula demanda, desejo e mais gozar, e são neces-
sários esses três registros para apreender a função lógica do objeto
a. Na linha montante desse percurso, é possível situar o tempo da
alienação que se declina em dois níveis, o nível oral e o nível anal.
No nível oral, o bebê, totalmente dependente, tem de se adaptar à
exigência da demanda do Outro, que impõe suas escansões na sa-
tisfação da necessidade. É aí que o Outro se mostra como o senhor
do tempo: “minha hora será a tua”. Isso é reforçado no nível anal,
em que o Outro impõe, mais claramente ainda, a sua hora para a
satisfação das necessidades. Exceto que, neste nível, o sujeito já está
um pouco mais em condição de se opor, já que consegue se conter,
o que lhe permite inverter o processo e pretender impor ao Outro
sua hora, fazendo-se esperar. Aqui, estamos no tempo da alienação,
e acredito que podemos assimilá-lo ao instante de ver do sofisma
dos três prisioneiros, já que a mesma lógica aí prevalece: aí, o sujeito
avalia o que sua identidade deve ao Outro. O terceiro nível, onde
Lacan inscreve o estádio fálico, é o tempo em que o sujeito conse-
gue apreender o sentido de sua alienação; o objeto oral e o objeto
anal, ao responder à demanda do Outro, são aí avaliados conforme
o padrão do objeto de desejo do Outro, isto é, o falo.
O que se opera neste estádio fálico é então uma tradução, por
isso penso que podemos situar aí o tempo para compreender; mas
essa significação somente pode intervir em determinado momen-
to; trata-se de toda a questão da fase fálica descrita por Freud, ela
opera no depois. É preciso tempo para compreender. Mas, quando
o sujeito compreende, ele adota o sentido que vem do Outro e, de

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 55


certa maneira, já é tarde demais, ele perdeu o encontro com aquilo
que o causa, aquilo que deixa a desejar, por causa de um pequeno
nada que torna os objetos da demanda inadequados ao desejo do
Outro. É nesse descompasso que o objeto a encontra sua função, e é
também aí que o sujeito encontra o seu lugar, pela impossibilidade
de constituir-se Um com o Outro. Entramos neste ponto em uma
outra temporalidade, não se trata mais do tempo para compreen-
der, mas da pressa para realizar o ato que separa, o ato que muda a
perspectiva, o ato que se impõe pela lógica do objeto mais-gozar que
opera como um relâmpago, seja o olhar ou a voz. Estamos aqui na
linha descendente do percurso vetorizado que enlaça o olhar e a voz,
dois objetos que estão em jogo na aposta da separação que se sucede
ao tempo da alienação. É aí que se deve situar a função da pressa,
e essa função da pressa é o negócio desse objeto a, objeto apressado
especialmente em seu aspecto de olhar ou de voz, raramente visto,
raramente ouvido, a não ser de maneira extremamente fugaz. O
tempo não é mais de jeito nenhum o tempo do Outro, é o tempo
do sujeito, o tempo como traço característico do sujeito, o tempo
que o especifica e que o faz existir, digamos até mesmo que o causa.
O olhar e a voz deveriam então ser considerados como presentifi-
cações da temporalidade do sujeito, temporalidade particularmente
demonstrada em certos atos criativos, como no gesto do pintor, por
6 Lacan. O Seminário, livro exemplo. Lacan situa, assim, na pincelada do pintor, a temporalida-
11: os quatro conceitos de original6 que caracteriza sua relação com o Outro a quem se dá
fundamentais da psicanálise
(1964/1990, p. 111). a ver. Mas essa temporalidade original é também aquela que deve
emergir no fim da análise. Não é por acaso que Lacan inventa esse
dispositivo que chamou de passe. Aquele que se apresenta ao passe
não encontra um analista veterano que passou, mas um passador
para o qual está presente esse momento particular da análise que
lhe permite abrir os olhos e os ouvidos. “Donde se poderia esperar,
7 Lacan. Proposição de 9 portanto, um testemunho correto sobre aquele que transpõe esse
de outubro de 1967 sobre o
psicanalista da Escola (2003, passe, senão de um outro que, como ele, o é ainda, esse passe?”7
p. 260).
Essa é uma formulação curiosa. Lacan não diz que o passador está
no passe, mas que ele o é. Não se trata de um espaço onde se pode
estar, é um puro momento, e o sujeito é assimilado a esse momento.
Como compreender essa formulação, a não ser considerando que o
passe é assimilável ao encontro do sujeito com sua temporalidade

56 o tempo na psicanálise II
original, quer dizer, com o objeto lógico que o causa?
Se pensarmos bem nisso, é algo que se experimenta em tudo
o que tem a qualidade de um ato. O sujeito coincide aí com sua
temporalidade original, o que confere a ambos – tanto ao sujeito
quanto a esse momento – uma densidade inteiramente particular. É
a esse tipo de encontro, não tão frequente na vida, que uma análise
pode conduzir. Mas, para isso, é preciso tempo. Nesse sentido, a
experiência da análise situa-se à margem da moda, ela não se preo-
cupa com o tempo que passa, com o tempo perdido, com o tempo
ganho, maneiras equivalentes de conceber, de dar forma à falta-a-
ser. No entanto, Lacan nos mostrou que esta prática é fundada no
manejo do tempo como operador lógico. Eis por que uma análise
pode levar o analisante a fazer o luto do tempo perdido e a não ser
obnubilado pelo tempo que passa, mas a saber apreender o momen-
to em que pode se realizar.

Tradução: Silvana Pessoa e Eliane Fittip


Revisão: Sílmia Sobreira

Referências bibliográficas
JULLIEN, F. Du “temps”: Éléments d’une philosophie du vivre. Paris:
Éditions Grasset, 2001.
LACAN, J. O Seminário, livro 10: a angústia (1962-63). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
LACAN, J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista
da Escola. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edi-
tor, 2003, pp. 248-264.
LACAN, J. O Seminário, livro 20: mais, ainda (1972-73). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
LACAN, J. O Seminário: les non-dupes errent (1973-1974). Inédito.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 57


Resumo
Por meio do estudo de um tipo de sonho repetitivo, em
que o sonhador deve fazer novamente uma prova na qual
já foi aprovado, o artigo discute a função que o objeto
a desempenha na pressa, articulando-o como aconteci-
mento que se precipita para determinar o sujeito. Arti-
cula, ainda, o tempo lógico ao grafo das cinco apresen-
tações do objeto a que Lacan formula no seminário A
angústia. Por fim, discute o passe como puro momento
ao qual o sujeito é assimilado, instante do encontro do
sujeito com sua temporalidade original, isto é, com o
objeto lógico que o causa. Conclui-se que é a esse tipo
de encontro, não tão frequente na vida, que uma análise
pode conduzir.

Palavras-chave:
Tempo lógico, objeto a, função da pressa,
temporalidade, acontecimento.

58 o tempo na psicanálise II
Abstract
Through a study of repetitive dream type, in which the
dreamer must redo a test he has already passed, the ar-
ticle discusses the function that object a hurriedly per-
forms, articulating it as an occurrence which rushes to
determine the subject. It still articulates the logical time
to the graph of the five representations of object a  which
Lacan formulates in the seminar The Anguish. Finally, it
discusses the pass as a pure moment to which the subject
is assimilated, an instant of the encounter of the subject
with its original temporality, that is, with the logical ob-
ject that causes him.  The conclusion is  that this is  the
type of encounter, not so  frequent in life, to which an
analysis can conduct.           
                                                                                                             

Keywords
Logical time, object a, function of hurry, temporality,
occurrence.

Recebido
21/04/2009

Aprovado
15/06/2009

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 59


60 o tempo na psicanálise II
Tempo e entropia
Sonia Alberti

“Não existe tempo no mundo não transformado, não medido,


não analisado”.
Dr. João Luiz Kohl Moreira, físico.

Começo com a psicanálise em seu tempo para o que isolo nosso


tempo em relação à ciência, uma das muitas referências nesse am-
plo tema. Para introduzir diretamente a questão, digamos que na
época da criação da psicanálise com Freud o campo da física vivia
um grande reboliço! Com efeito, em 1905, quando Freud publicava
a primeira versão de seus “Três ensaios da sexualidade”, Einstein
formulava a teoria da relatividade! E qualquer um de nós sabe o
quanto aqueles Ensaios e essa teoria significaram para todo novo
tempo então inaugurado!

A entropia, a neguentropia e a informação


O termo de entropia – referido por Freud em 1920 para articu-
lar a pulsão de morte, como sabem – foi lançado no campo da física
em 1862, por Clausius. Num sistema, se ele não está recebendo
nada de fora, como diria Boltzmann (1844-1906), a energia vai se
dissipando e a entropia vai crescendo. Naquele tempo, o alcance da
operacionalidade do conceito não foi bem medido porque seriam
precisas – para além da teoria da relatividade – várias outras con-
tribuições que se acrescentaram à sua primeira formulação. Note-se 1 Lacan. Le Séminaire,
que Lacan acompanhava os desenvolvimentos do conceito, o que se livre XVII: L’envers de la
psychanalyse (1969-70/1991,
verifica nas referências que a eles fez ao longo de seu ensino mesmo p.94). No original: “[...] il
se estas não foram muitas, de acordo com as minhas pesquisas. n’y a pas que la dimension
de l’entropie dans ce qui se
Sublinho particularmente a seguinte, encontrada em seu Seminá- passe du côté du plus-de-
rio 17, O avesso da psicanálise: “[...] não há somente a dimensão da jouir. Il y a quelque chose
d’autre, dont quelqu’un s’est
entropia no mais-de-gozar. Há outra coisa, que alguém percebeu, aperçu, c’est que le savoir,
é que o saber, isso implica a equivalência entre essa entropia e uma ça implique l’équivalence
entre cette entropie et une
informação”1. Com efeito, as várias outras contribuições que se information”.
acrescentaram à primeira formulação da entropia encontraram seu
ápice com a contribuição vinda da teoria da informação, na década
de 1940. 2 Bousseyroux. Réponses
Num texto de Michel Bousseyroux lê-se que a teoria da infor- aux questions (www.cham-
placanienfrance.net/IMG/
mação nasceu “graças às pesquisas de Nyquist, Hartley e, sobretu- pdf/mbousseyroux.pdf, p. 1).
do Shannon, sobre o telégrafo e o telefone da Companhia Bell”2 –

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 61


3 Lacan. L’Etourdit (1973). que o autor identifica como “as primeiras latusas”. Ao identificarem
a informação como inversa à entropia, os teóricos da informação
4 Ibid., p. 46. No original: permitiram que se levantasse a hipótese de que a entropia é gerada
“une fonction de code num sistema na proporção inversa do acúmulo de informação. Se
s’y exerce par ou se fait la
néguentropie de résultats
esse sistema é vivo, ele exporta entropia (Schrödinger), o que equi-
d’observation. Bien plus, vale a dizer que ele é neguentrópico ou, ele importa neguentropia
des conduites vitales s’y (Brillouin) e a acumula, importa informação e a memoriza, visando
organisent de symboles en
tout semblables aux nôtres à maior duração da vida e sua manutenção. Como aponta Lacan3
(érection d’un objet au rang em “L’étourdit”, os animais nisso fazem de nós seus caçulas, pois é:
de signifiant du maître dans
l’ordre du vol de migration,
symbolisme de la parade tant [...] uma função de código que aí se exerce através da qual se dá a
amoureuse que du combat,
signaux de travail, marques
neguentropia de resultados de observação. Mais que isso, condutas
du territoire), à ceci près que vitais aí se organizam a partir de símbolos perfeitamente semelhan-
ces symboles ne sont jamais
équivoques”.
tes aos nossos (ereção de um objeto ao nível de significante do mestre
na ordem do voo de migração, simbolismo da parada amorosa e do
5 Negative entropy or combate, signos de trabalho, marcas do território), com exceção do
negentropy or syntropy fato de que esses símbolos jamais são equívocos4.
of a living system is the
entropy that it exports to
maintain its own entropy Eis porque foi possível a Freud identificar as pulsões de vida na
low. The concept and phrase
were introduced by Erwin contramão da entropia: elas dizem respeito aos investimentos das
Schrödinger in his 1943 informações – os traços mnêmicos que armazenamos em cadeias
popular-science book What
is life?. Later, Léon Brillouin
associativas. Se entendemos o saber como inscrição de informação,
shortened the phrase to então, como diz Bousseyroux, o “reservatório das informações” é
negentropy, to express it in a
more “positive” way: a living
neguentrópico5, enquanto que o campo dos gozos é entrópico, já
system imports negentropy que os gozos só se recuperam sob a condição de uma entropia. “Se a
and stores it. neguentropia tem o sentido inverso da entropia física, então, quan-
[...] In a note to What is Life?
Schrödinger explained his to mais o campo das latusas aumenta – e ele ciberaumenta! – mais
use of this phrase: “[...] if I crescem as perdas produzidas”6. Assim, ao mesmo tempo em que o
had been catering for them
[physicists] alone I should telefone e o telégrafo deram a possibilidade aos teóricos da informa-
have let the discussion turn ção de identificar esta com a neguentropia, promoveram o aumento
on free energy instead. It
is the more familiar notion
da entropia, pois não é possível telefonar ou telegrafar sem com isso
in this context. But this dissipar mais energia e, portanto, aumentar as perdas produzidas.
highly technical term seemed
linguistically too near to
energy for making the
average reader alive to the
Três recortes históricos do tempo na física
contrast between the two Na física clássica, o tempo é uma consistência. Acreditava-se que
things” (NEGENTROPY, existia algo chamado tempo que fluía e podia ser medido, por fazer
http://en.wikipedia.org/wiki/
Negentropy). parte da estrutura fundamental do Universo como uma dimensão

62 o tempo na psicanálise II
na qual os acontecimentos ocorrem em sequência. Como sistema de 6 Réponses aux questions, op.
referência absoluto, o tempo newtoniano é uma base de referência cit., p. 1. No original: “La né-
guentropie que ayant le sens
em que se tomam três dimensões do espaço mais o tempo. O tempo inverse de l’entropie physi-
seria, no conceito clássico da física, um “relógio” com marcha sem- que, est-ce à dire alors que
plus le champ des lathouses
pre constante, sem instante inicial nem final. Este é o princípio da grandit — et il cybergran-
uniformidade do tempo: as coisas mudam, mas o tempo é sempre dit! — plus s’accroissent les
pertes produites [...]”.
o mesmo, constante. Seria necessário aguardar Einstein para que se
pudesse identificar de que consistência se tratava.
Dois séculos depois de Newton (4 de janeiro de 1643 – Londres,
31 de março de 1727), no século XIX mais precisamente, muita
coisa começou a mudar. E para construir a relatividade, Einstein,
na esteira do trabalho de Maxwell e de Lorentz, passou a situar o
tempo como uma grandeza relativa, oposta à concepção realista:

[...] o tempo já não se refere a nenhuma espécie de “continente”


atravessado pelos acontecimentos, nem tampouco [é] uma entidade
que “flui”, mas, no lugar disso, é parte de uma estrutura intelectual
fundamental (junto com o espaço e o número) através da qual
os humanos sequenciam e comparam os acontecimentos. Esta
segunda acepção, [...] sustenta que o tempo não é nem um aconte-
cimento nem uma coisa, não sendo portanto em si mensurável7. 7 TIME (http://
en.wikipedia.org/wiki/
Time). Grifo meu.
De fato, ao contrário das outras grandezas referentes ao espaço,
e que podemos medir com uma régua ou trena, o tempo não seria
mensurável. O tempo não se mede, se conta, se cifra, poderíamos
dizer com a observação de Lacan8 de que aquilo que se cifra é da 8 Lacan. Le Séminaire, livre
XXI: Les non dupes errent
ordem do gozo. (1973-74, lição de 20 de
novembro de 1973).
Não podemos usar uma régua para medir o tempo. Usamos o cha-
mado relógio. Mas o relógio é um dispositivo de contagem. Sejam os
badalos de um pêndulo, sejam as batidas de uma mola, sejam grãos
de areia ou a frequência de transição de elétrons em órbita de um
átomo, todas as formas de medir o tempo são de contagem e não de
medida9. 9 Moreira. O tempo na
física (http://www.daf.on.br/
jlkm/Opiniao/O_tempo_
Isso não é sem relação com a observação de Lacan na conferên- na_fisica.html).

cia de 1 de junho de 1972, no bojo de seu curso O saber do psicana-

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 63


lista. Nessa conferência, Lacan observa o seguinte: teria havido um
dia em que os pitagóricos – ainda na Grécia antiga – esbarraram na
10 “cuja relação não pode √2. A √2, justamente, é incomensurável10. Isso teria sido retomado
ser expressa por um número
inteiro ou fracionário (diz-se
pelos filósofos e, se na época ninguém esteve à altura de responder
de relação de grandezas)”. In: à questão, nem por isso deixaram de com ela se darem conta de que
Dicionário Houaiss da língua “o incomensurável existia, e com isso se começava a colocar a ques-
portuguesa.
tão sobre o que era o número”11. Algo no número furava o número!
O tempo, com as mudanças que a física sofreu no início do sé-
11 Lacan. O saber do culo XX, tornara-se então uma grandeza relativa, não mensurável.
psicanalista (1971-72, lição
de 1 de junho de 1972).
Quando se trabalha na física e se é forçado a escrever as grandezas
sem possibilidade de medida, utiliza-se o artifício de anotá-las sem-
pre multiplicadas por i, ou seja, o número imaginário, √(-1), como
12 Lacan. Le Séminaire, Lacan12 o retomaria já no Seminário 9, A identificação. Número
livre IX; L’identification imaginário, porque permite lidar, de alguma forma, com o real que
(1961-62).
revela – da mesma forma como o falo revela o furo, ainda no mes-
mo Seminário 9. E de que real, no contexto? Aquele que faz objeção
ao número inteiro: “Em suma, quanto mais se façam objeções ao
13 O saber do psicanalista, Um, quer dizer, ao número inteiro, mais se demonstra que é justa-
op. cit., lição de 1 de junho mente do impossível que em matemática se engendra o real”13.
de 1972. Assim, o tempo passa a ser uma grandeza identificada com o nú-
mero imaginário, apesar de não haver “nada de menos imaginário
14 Ibid., lição de 1 de junho do que √(-1)”14, como muito bem Lacan se refere a isso nesse seu Se-
de 1972.
minário. Articulando isso à primeira lição do Seminário 21, em que
Lacan (1973-4) associa e equivale os três registros, real, simbólico e
imaginário, concluímos, necessariamente, que a dit-mansion engen-
drada pela “parte de uma estrutura intelectual fundamental (junto
com o espaço e o número) através da qual os humanos sequenciam
15 Time, op. cit. e comparam os acontecimentos”15, ou seja, o tempo, a partir do
momento em que Einstein o derruba como referência absoluta, é o
próprio I da articulação dos três registros: real, simbólico e tempo.
O fato é que a matemática da qual se serve Einstein, de Poin-
caré, já é uma topologia em formação. É uma geometria que intro-
duz sentido furando as transformações de Lorenz que auxiliaram
16 Lacan. D’une question
préliminaire à tout traite- Einstein a propor a teoria da relatividade, da mesma forma que
ment possible de la psychose observávamos Lacan dizer: o imaginário fura o simbólico porque
(1956/1966).
introduz nele o sentido. Quando estudávamos o plano projetivo no
qual se baseia a construção do Esquema R16, não há dúvida que a

64 o tempo na psicanálise II
banda de Moebius já estava presente em sua formulação. O plano
projetivo que já se impusera na época newtoniana implica o furo,
mesmo se é somente com a topologia no século XX que se passará a
pensar a partir dos furos!

Informação e tempo
Na realidade, a partir da década de 1940, associando as pesqui-
sas físicas com as da teoria da informação, entende-se que a entropia
age no sentido sempre de destruir a informação. Para imaginarizar-
mos tal constatação, basta lembrar que, não importa o que se faça,
um disco vai perdendo a informação à medida que o tempo passa –
ele arranha, enche de poeira... ou quebra –, e o mesmo se dá com o
achado arqueológico, por exemplo. Isso permite levantar a hipótese
de que a ação do tempo não é senão a própria ação da entropia. O
tempo é a manifestação da entropia. Logo, o tempo, como grande-
za primária não existe, ele é derivado da ação da entropia. O que,
evidentemente, provoca a necessidade de se explicar a definição
que conhecemos do inconsciente por Freud: ele é atemporal, mas
regido, singularmente, pela pulsão de morte – aquela que Freud
associa diretamente à entropia. O inconsciente como atemporal é
o inconsciente do saber, em que traços mnêmicos se associam e se
inscrevem sem levar em conta, minimamente, o tempo que separa
uma lembrança da outra. Tal como, aliás, as coisas ocorrem no
mundo quântico em que tampouco as coisas ocorrem em qualquer
referência ao tempo. Por sua vez, a repetição do gozo sempre o mes-
mo é o que faz passar o tempo para um sujeito. Se “o tempo tudo
apaga”, com o físico Boltzmann e o teórico da informação Shannon
é a entropia que “tudo apaga”. O tempo é, portanto, entropia. Ficar
jovem, ao contrário, é poder armazenar sempre mais informação
e manter ocupados os estados, o que a sabedoria popular conhece
muito bem quando se reafirma a necessidade de se ocupar no enve- 17 Le Séminaire, livre
XVII, op. cit., p. 54. No
lhecimento. Na tentativa de lentificar o efeito entrópico, o psiquis- original: “Ignorez-vous que
mo se complexifica. l’énergétique, ce n’est pas au-
tre chose, [...] que le placage
Ainda no Seminário 17, Lacan identifica a “energética” com a sur le monde du réseau des
rede de significantes. “Vocês ignoram que a energética é a mesma signifiants?”
coisa [...] que um aplique da rede dos significantes sobre o mun-
do?”17. Para justificar essa conceituação, Lacan sugere a seguinte

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 65


experiência: Desçam uma ladeira com 80 quilos nas costas e depois
a subam. Para quem o fizer, duvido que isso não tenha sido um
grande trabalho! “Mas se vocês aplicarem sobre isso os significantes,
quer dizer, se vocês entrarem na via da energética, é cem por cento
18 Ibid., p. 54. No origi- certo que não houve nenhum trabalho”18. Por quê? Porque para o
nal: “Mais si vous plaquez
là-dessus les signifiants, c’est-
estudo da mecânica trabalho é força vezes a distância percorrida.
à-dire si vous entrez dans la Logo, se você desce 80 quilos, a força da gravidade exerce um tra-
voie de l’énergétique, il est
absolument certain qu’il n’y
balho equivalente à altura, e na volta a gravidade faz um trabalho
a eu aucun travail”. negativo igual. Logo, o trabalho da gravidade foi nulo. O problema
é que, para a mecânica nessa experiência, trabalho é da força da
gravidade que, no exemplo, se anula. Ao se inscrever a ação com
significantes da mecânica, não há nenhuma referência à entropia.
No máximo, há neguentropia, aumento de informação. Mas essa
inscrição também se faz, como vimos, sem referência ao tempo.
Nem tempo, nem entropia.
Qual é o furo dessa explicação? O furo está no fato de que a
ação, ela mesma, não é feita com significantes... para descer você fez
um esforço que se perdeu para evitar que os 80 quilos se estabacas-
sem lá em baixo, e para subir você teve que fazer um novo esforço,
esforço duplicado para vencer a gravidade. No conjunto, a entropia
sobe! A energia usada se dissipou, mesmo se para a mecânica não
houve nenhum trabalho. Eis onde entrou também a máxima de
Taylor: Tempo é dinheiro que, nesse trabalho com os 80 quilos, se
perdeu para sempre – tirando qualquer capitalista do sério...
Tempo é um conceito que aparece porque existe entropia. O que
acontece nesse instante implica que o que aconteceu dez minutos
atrás é diferente do que acontece agora: as coisas aconteceram às
expensas do crescimento da entropia, houve um acréscimo de en-
tropia. Por isso criou-se uma escala que acompanha essa mudança,
e a essa escala chamou-se tempo.

Os limites do gozo e o tempo lógico


Se o significante é a energética, conforme Lacan, a inscrição dos
traços mnêmicos, conforme Freud, então, ao se referir ao significan-
te, não dá para determinar o tempo – como vimos, o inconsciente
é atemporal. Isso também coaduna com o princípio da incerteza,
de Heisenberg, que ao referir-se ao mundo microscópico – cam-

66 o tempo na psicanálise II
po da física quântica – percebeu que num par complementar, por
exemplo o par posição e velocidade de uma partícula, não é possível
determinar de forma absoluta ambas as grandezas complementares.
Se medirmos com precisão absoluta a posição da partícula, não será
possível determinar sua velocidade, e vice-versa. Outro par com-
plementar estudado por Heisenberg é justamente o par energia e
tempo. Se medirmos a energia de uma partícula não sabemos pre-
cisar o instante em que ela a possuía. Se precisarmos o instante em
que possuía tal energia, não saberemos em que estado energético a
partícula estava. Num primeiro momento, o absolutismo do tempo
é desbancado pela relatividade, depois veio a teoria quântica, que
o desbancou definitivamente. “[...] o tempo já não é considerado
como uma grandeza primária, isto é, uma grandeza de onde se par-
te para construir ou derivar outras. Há mesmo quem diga que o
tempo não existe. Existe sim o movimento, sendo o tempo uma
grandeza derivada deste”19. 19 O tempo na física,
op. cit.
Donde é preciso levantar a hipótese de que se estudamos o in-
consciente como atemporal, não se determina com precisão o gozo,
e quando se determina o gozo – o tempo – então não dá para defi-
nir o significante. 20 Alberti. O bem que
se extrai do gozo (2007,
Tive a oportunidade de aprofundar a questão do gozo como pp.71-2).
processo cíclico20 quando tentava entender o que Lacan21 articu-
la em seu Seminário XVI sobre a morte como encontro do limite 21 Lacan. Le Séminaire,
livre XVI: D’un Autre à
mais baixo do ponto supremo com o mais alto do ponto ínfimo. l’autre (1968-69).
O processo cíclico – que não deixa de implicar a repetição, mas a
repetição na qual sempre se perde – é, sem dúvida, o processo que 22 Lacan. Le Séminaire,
livre XVIII: D’un discours
permite a contagem do tempo. Contagem do tempo, ciframento e qui ne serait pas du semblant
gozo separam-se do inconsciente pela letra que lhes faz litoral22. O (1971-72a).
que finalmente nos leva à provocação: e o tempo lógico?

O tempo lógico e a castração 23 Cf. o artigo O bem que


Minha visada com este trabalho é contribuir para a discussão da se extrai do gozo (op. cit.,
função do tempo numa psicanálise, no que tange à sessão analítica, pp.71-2), no qual se verifica a
mudança dos lugares nos dis-
levando em conta a disjunção entre a produção dos S1 no discurso cursos a partir dos desenvol-
analítico e a correlata perda de gozo, no mesmo discurso, ou seja, vimentos na conferência de
3 de fevereiro de 1972 sobre
os próprios S1 no lugar do mais-de-gozar23. Como observa Lydia “O saber do psicanalista”.
Gomes Musso, nas “Preliminares” de nosso Encontro, a partir do

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 67


24 Lacan. Position de texto Posição do inconsciente24, desde cedo Lacan imiscui tempo e
l’inconscient (1964/1966).
transferência e ela cita: “Eis porque a transferência é uma relação
25 Musso. A Transferência essencialmente ligada ao tempo e ao seu manejo”25. Gostaria de
é a intromissão do tempo de articular a conclusão de meu trabalho a essa observação que é aqui
saber no inconsciente (2007,
p. 1). também uma homenagem à nossa colega que queria estar entre nós
nesses dias, mas nos deixou em 9 de janeiro passado.
Levanto minha hipótese: o corte na transferência, o corte como
26 Cf. Le Séminaire, livre significante26, introduzindo o tempo lógico, interrompe o processo
IX, op. cit.
cíclico entrópico, promovendo, em consequência, a neguentropia.
Estratégia do psicanalista, conforme a Direção do tratamento e os
27 Lacan. La direction de la princípios de seu poder27 , a transferência é repetição, mas da tiquê
cure et les principes de son (répétition à la tyché), e é dever do analista retificá-la na interpre-
pouvoir (1958/1966).
tação28. Lacan lembra, em seu Seminário 11, que a transferência
é, antes de mais nada, conforme Freud, Übertragnungswiderstand
28 Lacan. Le Séminaire,
livre XI: Les quatre concepts – resistência da transferência –, na medida “que o inconsciente se
fondamentaux de la psycha- fecha por meio da transferência”29. Rendendo homenagem, por sua
nalyse (1964/1973, p. 74).
No original: “[...] la rectifier vez a Freud, Lacan observa nesse Seminário que ele “descobriu os
c’est le devoir de l’analyste, mecanismos do inconsciente. Que a relação do desejo à linguagem
dans l’interprétation du
transfert”.
como tal não ficou velada para ele é justamente o traço de sua ge-
nialidade, mas isso ainda não é dizer que ele tenha [...] plenamente
29 Ibid., p. 146. No elucidado [...] a questão da transferência”30. Em sua tentativa de
original: “que l’inconscient fazê-lo então, Lacan – que até o final de seu ensino articula a trans-
se referme par le moyen du
transfert”.
ferência ao amor –, propõe que a parte de real do sujeito “interes-
sada na transferência, que é ela que fecha a porta, ou a janela, ou a
30 Ibid., p. 21. No original: veneziana, como queiram, e que a bela com quem se pode falar está
“a découvert les mécanismes atrás, que ela só demanda reabrir a veneziana. E é bem por isso que
de l’inconscient. Que ce
rapport du désir au langage
nesse momento a interpretação se torna decisiva, pois é a ela que de-
comme tel ne lui soit pas vemos nos dirigir”31. Esta “bela” que podemos associar à elaboração
resté voilé est justement là de Lacan do desejo do psicanalista ainda nesse mesmo Seminário,
un trait de son génie, mais
ce n’est pas encore dire qu’il solicita a interpretação como ato analítico, a provocar a reabertura
ait [...] pleinement élucidé do inconsciente e, por conseguinte, a retomada da atemporalidade.
[...] la question massive de
transfert”. Então, “que o inconsciente se fecha por meio da transferência” é
a constatação do efeito, ele mesmo, entrópico da própria psicanáli-
se, e introduzir aí o tempo lógico – e já não repetir o cronológico – é
transformar tal efeito entrópico em ato analítico a reinserir a função
da atemporalidade e assumindo, por sua vez, o lugar de objeto a que
o faz cair da idealização, sem o que, a “transferência seria uma pura
e simples obscenidade”32. Por quê? Porque reintroduziria, necessa-
riamente, o ciclo das repetições de sempre “o mesmo fracasso”33.
68 o tempo na psicanálise II
Referências bibliográficas 31 Ibid., p. 147. No original:
“intéressée dans le transfert,
que c’est elle qui ferme la
porte, ou la fenêtre, ou
ALBERTI, S. O bem que se extrai do gozo. In: Stylus, n. 14, abril, les volets, comme vous
p. 65-76, 2007. voudrez, et que la belle avec
BOUSSEYROUX, M. Réponses aux questions. Disponível em: qui on peut parler, est là
derrière, que c’est elle qui ne
<www.champlacanienfrance.net/IMG/pdf/mbousseyroux. demande qu’à les rouvrir,
pdf>. Acesso em julho de 2008. les volets. Et c’est bien pour
cela que c’est à ce moment
FREUD, S. (1905). Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie. In: Stu- que l’interprétation devient
dienausgabe. Frankfurt a.M.: S.Fischer, 1972. v. V. décisive, car c’est à elle qu’on
a à s’adresser”.
FREUD, S. (1920). Jenseits des Lustprinzips: In Studienausgabe.
Frankfurt a.M.: S.Fischer, 1972. v. III.
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possible de la psychose: In: Écrits. Paris: Seuil, 1966. que (1967-68). No original:
LACAN, J. (1958). La direction de la cure et les principes de son Le “tranfert serait une pure
et simple obscénité”.
pouvoir: In: Écrits. Paris: Seuil, 1966.
LACAN, J. Le Séminaire, livre IX: L’ identification (1961-62). Iné-
dito. 33 Le Séminaire, livre XI,
LACAN, J. (1964). Position de l’inconscient. In: Écrits. Paris: Seuil, op.cit., p. 165. No original:
toujours du “même ratage”.
1966.
LACAN, J. Le Séminaire, livre XI: Les quatre concepts fondamentaux
de la psychanalyse (1964). Paris: Seuil, 1973.
LACAN, J. Le Séminaire, livre XV: L’acte psychanalytique (1967-68).
Inédito.
LACAN, J. Le Séminaire, livre XVI: D’un Autre à l’autre (1968-69).
Inédito.
LACAN, J. Le Séminaire, livre XVII: L’envers de la psychanalyse
(1969-70). Paris: Seuil, 1991.
LACAN, J. O saber do psicanalista (1971-72). Inédito.
LACAN, J. Le Séminaire, livre XVIII: D’un discours qui ne serait pas
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LACAN, J. L’Etourdit. In: Scilicet, n. 4, Paris: Seuil, 1973.
LACAN, J. Le Séminaire, livre XXI: Les non dupes errent (1973-74).
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daf.on.br/jlkm/Opiniao/O_tempo_na_fisica.html. Acesso em
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Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 69


MUSSO, L. (2007). A Transferência é a intromissão do tempo de
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Negentropy>. Acesso em julho de 2008.
TIME. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Time>.
Acesso em julho de 2008.

Resumo
Baseando-me na referência freudiana que associa pulsão
de morte e entropia, o que por si só já justifica reexami-
nar as origens e o desenvolvimento do termo empresta-
do da física para um estudo psicanalítico, esse texto visa
examinar a relação entre tempo e entropia para verificar
a hipótese do tempo como entrópico. Verifica-se tal hi-
pótese tanto na física quanto na psicanálise, servindo-se
da evolução do conceito de tempo na física, das contri-
buições da matemática e das referências de Lacan à ne-
guentropia.

70 o tempo na psicanálise II
Palavras-chave
Tempo, entropia, pulsão de morte, psicanálise e física.

Abstract
Freud’s reference which associates the death drive and
entropy, justifies an attempt to reexamine the origins and
developments of the concept in physics and it’s possible
application to psychoanalysis, particulary the relation
between time and entropy and the hypothesis of time as
entropy. This is verified in physics and psychoanalysis,
through the examination of the evolution of the concept
of time in physics, the contributions of mathematics and
the references Lacan does to neguentropy.

Keywords
Time, entropy, death drive, psychoanalysis and physics.

Recebido
08/05/2009

Aprovado
29/06/2009

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 71


72 o tempo na psicanálise II
Sob a persistência do real:
memória e tempo1
Ângela Mucida

O real freudiano: memória, inconsciente e tempo


Malgrado Freud não tenha formulado o conceito de real e,
muito menos, feito dele um operador clínico tal como Lacan, a
Psicanálise não teria sido inventada se ele não tivesse suportado e
1 Artigo apresentado no V
sustentado sua clínica sob isto que jamais se universaliza. É sob o Encontro Internacional da
real que persevera sempre na memória e no trauma, bem como em Escola dos Fóruns do Campo
Lacaniano, São Paulo, julho
todos os conceitos fundamentais que alicerçam a prática analítica, de 2008, com modificações e
que Freud sustentou um método calcado no caso a caso. A forma acréscimos em abril de 2009.
de Freud operar com a direção do tratamento inaugura uma con-
cepção inédita de tempo, o a posteriori: tempo que, retroagindo,
provoca efeitos de sentido. O corte no tempo de cada seção impõe
uma distância entre o dito e o dizer abrindo a novas traduções.
O funcionamento da memória ocupou o centro de muitos de-
bates na obra de Freud, e algumas das teses desenvolvidas desde os
primórdios da Psicanálise encontram hoje ressonância nas desco-
bertas da Biologia. A tese fundamental de que uma vez marcados os
traços não morrem jamais, é atual. A Ciência se indaga agora, por-
que, indestrutíveis, esses traços não podem ser lembrados. Questão
bastante discutida por Freud em torno dos mecanismos da amnésia
infantil, dos esquecimentos e das lembranças encobridoras.
Na Carta 52 Freud2 apresenta um aparelho psíquico constituin- 2 Freud, Carta 52
(1896/1977).
do-se por traços, conforme figura abaixo.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 73


De um lado e do outro, separados por intervalos de três
tempos, situa-se o sistema percepção-consciência. Os primeiros tra-
ços da percepção constituem-se os primeiros traços da memória e o
primeiro tempo da constituição do sujeito. Tempo originário regido
por traços de percepção, fixados e intraduzíveis, delimitando uma
relação estreita entre sujeito, tempo e memória. Podemos afirmar
com Freud que o sujeito é também um efeito do tempo e da memó-
ria, já que esta é a primeira apreensão do tempo.
Esse tempo primordial, escrito por traços que não se apagam,
só pode ser traduzido parcialmente pelo segundo tempo, tempo de
ligação, e o terceiro, das representações verbais. Entre o primeiro e o
segundo tempo, há uma barra ao sentido, barra à tradução, impon-
do uma falha originária no tempo que percorrerá todo o funciona-
mento da memória traduzindo, a nosso ver, o que Lacan nomeia de
“debilidade” do sujeito para tratar a precoce incidência do Outro
em sua constituição. Desse tempo, diríamos sincrônico, o sujeito só
encontra traduções possíveis pela diacronia da historicidade de sua
cadeia significante.
Com Lacan, podemos reler de maneira sintética esse tempo pri-
mordial como o tempo real, do inconsciente como real. Mesmo que
Freud não tenha indicado da mesma maneira que Lacan essas duas
maneiras de o inconsciente se apresentar – metafórico, que faz ca-
3 A propósito ver Lacan, deia e se interpreta, e ligado ao real, avesso ao sentido – 3, algumas
Préface à l’édition anglaise
du Séminaire XI (1976/2001,
indicações freudianas fazem eco à relação entre inconsciente e real
p. 571): “Só temos certeza de indicada por Lacan, em especial após os anos 70. E, mesmo que, ao
estar no inconsciente quando
o lapso não comporta mais
contrário de Lacan, Freud tenha encontrado no inconsciente acos-
nenhum sentido”; e O Semi- sado ao irrepresentável o rochedo intransponível de uma análise, al-
nário, livro 23: O sinthoma gumas indicações desde os primórdios da psicanálise demonstram
(1975-76/2005, capítulos
IX e X). que ele nunca foi desavisado sobre os limites da verdade e do saber
no percurso de uma análise. Suas teses sobre a memória assentam-
se, da mesma forma, sob a concepção de que algo não se traduz.
4 Freud, Projeto para Em Projeto para uma psicologia científica4 temos a distinção de
uma psicologia científica
(1895/1977).
dois tipos de células: as “perceptivas”, que são permanentemente
influenciadas, e as mnêmicas, imutáveis que se encontram livres das
influências das excitações inéditas, colocando em cena um tempo
que não pode ser recuperado. Esse tempo marcado pelos primeiros
traços de percepção, traços que não se alinham ao sentido, forma
primordial da memória, assemelha-se aos significantes esvaziados

74 o tempo na psicanálise II
de sentido tal como definidos por Lacan: não fazem cadeia, não so-
frem a erosão do tempo, não podem ser nomeados, mas têm efeitos
sobre tudo que ocorre depois. É o tempo do trauma, do recalque
originário, do inconsciente intraduzível, da repetição e do real que
constitui também a memória.
Essa falha inaugural delimita a impossibilidade de que esses tra-
ços façam uma cadeia de sentido, indicando a primeira e funda-
mental vicissitude da memória; antes de falar, articular um discurso
e tentar traduzir o tempo marcado, o sujeito já foi falado, nomeado,
contado por um tempo anterior, que não se recupera jamais.
O segundo e o terceiro tempo permitem certo tratamento ao
real, implicando com isto que algumas ligações, cadeias, traduções
e rearranjos tornam-se possíveis, mas sustentados pelo impedimen-
to da primeira e irrecuperável apreensão do tempo. Nem tudo pode
ser traduzido e recuperado. Assim, esse “bom tempo” de cada dia
– parafraseando Lacan5 em relação ao bom recalque, recalque se- 5 Lacan, O Seminário,
cundário –, algo é transcrito e traduzido, instituindo um sentido, e livro 20: Mais ainda (1972-
73/1985).
isto não opera sem essa alienação fundamental e inaugural.
A memória é o que se recorda e como se recorda no tempo que
passa, marcado por essa barra à recordação; proteção do aparelho
psíquico contra o excesso de sofrimento, limite à sincronia e ao
deslizamento significante. Isto indica uma maneira tendenciosa ou
ficcional da memória operar já que os traços marcados sofrem de
tempo em tempo novas traduções, transcrições, portanto, defor-
mações e falsificações sob a persistência de um tempo que não se
recupera jamais.

As lembranças que encobrem


e os três tempos da memória
Essa maneira tendenciosa da memória operar foi especialmente
articulada por Freud em torno das lembranças encobridoras. Estas
guardam uma relação íntima com os esquecimentos já que, pas-
sando pelos dois modos de funcionamento mental, condensação e
deslocamento, mesclam impressões importantes com cenas aparen-
temente sem nenhuma importância, mas que, ao serem analisadas
indicam uma relação estreita com algo penoso. Uma parte da reali-
dade vem à tona a partir de um fragmento escolhido.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 75


Se as impressões mais arcaicas deixam marcas que não se apa-
gam e influenciam a cadeia que cada sujeito irá compor no curso da
vida, é também fato de que só temos dessas impressões pequenos
vestígios disjuntos que não se encadeiam. Tudo isto levou Freud
a afirmar que não temos lembranças da infância, mas lembranças
relativas à nossa infância, já que sofrem a distorção do tempo e são
impregnadas de sensações, interpretações e imaginação ao serem
despertadas posteriormente.
A forma de conceber a memória incide ainda sobre a direção
do tratamento. Se no começo de sua obra Freud considerava como
tarefa do analista “preencher” as lacunas na memória, em Além do
princípio do prazer a direção do tratamento passaria por uma estra-
tégia diferente daquela adotada até então que fazia da análise uma
arte interpretativa. Freud é muito preciso ao afirmar a importância
da construção em análise. Isto que ele nomeia como “construção
6 Freud, Além do princípio teórica do analista com sua própria memória”6 pode ser lido como
do prazer (1920/1976, p.31).
uma escuta que permite extrair o que da memória sempre falha.
Não se trata mais de recompor um texto estruturalmente falho, já
que Freud ratifica a tese de tornar consciente o inconsciente, mas
de tratar de outra maneira a repetição desse tempo que não se apa-
ga, promovendo uma torção no tempo ao operar pela transferência
uma substituição da neurose primitiva pela neurose de transferên-
cia que pode ser liquidada.

O médico empenha-se por manter essa neurose de transferência


dentro dos limites mais restritos; forçar tanto quanto possível o canal
da memória, e permitir que surja como repetição o mínimo possível.
[...]. O médico não pode, via de regra, poupar ao paciente essa face do
tratamento. Deve fazê-lo reexperimentar alguma parte de sua vida
esquecida, mas deve também cuidar, por outro lado, que o paciente
retenha certo grau de alheamento, que lhe permitirá, a despeito de
tudo, reconhecer que aquilo que parece ser realidade é, na verdade,
7 Ibid., p. 31. apenas reflexo de um passado esquecido7.

Na Conferência XXXI lemos que “cada transcrição subsequen-


te inibe a anterior e lhe retira o processo de excitação. Se falta
uma transcrição subsequente, a excitação é manejada segundo as

76 o tempo na psicanálise II
leis psicológicas vigentes no período anterior e consoante as vias
abertas a essa época.”8 Isto indica que a seleção das impressões 8 Freud, A dissecação da
personalidade psíquica.
recebidas se dá em conformidade a um tempo no qual essas ex- Conferência XXXI
periências ocorreram e não com a lógica que governa a época em (1933/1976, p.319).
que são lembradas. Nessa direção Freud nos apresenta a tese do
anacronismo, erro de cronologia no funcionamento da memória
e do tempo; atribui-se a uma época ou a um personagem ideias
e sentimentos que são de outra época. Nesse mecanismo encon-
tram-se os fueros, palavra do espanhol antigo que remete a uma
lei antiga que vigora em alguma província e garante os privilégios
perpétuos dessa região. Vemos que Freud não mede esforços para
falar da dominância desse tempo diante do qual nenhuma apela-
ção é possível.
Em O bloco Mágico, Freud9 retoma algumas das teses indicadas 9 Freud, Uma nota sobre o
bloco mágico (1925/1976).
na Carta 52 e outras teses sobre a memória de 1920, valendo-se
agora da escrita no bloco mágico. Nesse dispositivo descrito por
Freud uma prancha de cera ou resina tem sobre ela uma folha fina
e transparente que se desdobra em duas; a inferior é de papel fino e
transparente e a superior é um celuloide transparente. Escrevendo-
se sobre essa superfície exterior do papel encerado com um estilete
que toca também a parte inferior e a prancha, surge uma escrita
preta sobre o celuloide. Levantando-se a folha dupla a escrita desa-
parece. Todavia, há traços permanentes deixados sobre a prancha
de cera “que podem ser vistos sob uma luz apropriada.”10 O siste- 10 Ibid., p.287.
ma percepção consciência é comparado à cobertura de celuloide;
camada protetora dos efeitos vindos de fora que recebe traços, mas 11 Lacan, Lituraterre
(1971/2001, p. 15).
não é capaz de retê-los, enquanto o papel encerado e a prancha
constituem-se os fundamentos da memória e o inconsciente.
Em Lituraterre, Lacan11 retoma a noção do Um12 no registro 12 Lembramos que a
psíquico presente na tese do “Bloco Mágico”. Lembramos que esta noção de Um já se encontra
em Mais ainda (Lacan,
é também a concepção de inconsciente para Freud conforme pode 1972/1981, p.65) associado
ser visto também na Carta 52; o recalque tenta apagar toda cota ao que não faz cadeia,
encontra-se disjunto e sem
de afeto e de inscrições, mas persiste a marca material que impõe relação.
maneiras posteriores de escrever e traduzir. E Freud acrescenta:
“Tive ainda a suspeita de que esse método descontínuo de funcio-
namento do sistema Pcpt.-Cs. jaz no fundo da origem do conceito
13 Uma nota sobre o bloco
de tempo.”13 mágico, op. cit., p. 290.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 77


Podemos distinguir, pois, três ideias de tempo que marcam três
maneiras da memória operar: o tempo marcado pelo impossível de
se apreender, mas efetivo e que não se apaga; o tempo marcado pela
descontinuidade e pelo temporal, e o tempo que regredindo, a pos-
teriori, tem efeitos de sentido sobre o presente e o futuro. Mas am-
bos arrastam consigo os rastros desse tempo primário, tempo livre,
para nos lembrarmos do escoamento livre de “energia” do processo
primário. Isto também pode ser associado ao que indicamos acima,
significantes que escoam livres, sem formarem cadeia, sem sentido
14 O Seminário, livro 20, ou o que foi formalizado por Lacan14 como letras.
op. cit.
Com Lacan:

O aparecimento evanescente se faz entre dois pontos, o inicial e o


terminal, desse tempo lógico – entre um instante de ver em que algo
é sempre elidido, se não perdido, da intuição mesma, e esse momento
elusivo em que, precisamente, a apreensão do inconsciente não con-
15 Lacan, O Seminário, clui, em que se trata sempre de uma recuperação lograda15.
livro 11: os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise
(1964/1998, pp. 35-6).
“Recuperação lograda” que abre à memória sentidos possíveis,
transitórios e contingentes diante de um tempo perdido. Se a me-
mória é uma função do tempo, ela o atualiza, carregando suas
falhas, buracos, interstícios inassimiláveis presentes na realidade
psíquica; conceito que, segundo Lacan, enodaria em Freud os três
tempos (passado, presente e futuro).

Topologia e tempo
Para além das noções sempre complicadas de passado, presente
e futuro Lacan expõe a teoria do tempo lógico indicando outra for-
ma de conceber o tempo para além das determinações do relógio.
No instante de ver, algo retido como traço toma só depois, nesse
tempo de compreender, sentidos possíveis pelos desdobramentos
necessários da cadeia significante. É necessário tempo, dirá Lacan,
para que nessas voltas no tempo o sujeito construa, no momento
de concluir, outras traduções desse tempo perdido e irrecuperável.
Em O Sinthoma ele indica uma associação entre topologia e
tempo, propondo um enodamento entre R.S.I (real, simbólico e

78 o tempo na psicanálise II
imaginário) por um quarto termo, o sinthoma. Trata-se de um eno-
damento que permite reparar a cadeia, mantendo juntos R.S.I e a
especificidade de cada um como ex-sistência, buraco e consistên-
cia16.
16 Lacan, O Seminário,
Independentemente da estrutura, o sinthoma refere-se a uma livro 23: O sinthoma (1975-
invenção singular do sujeito, diante da debilidade em face da sua 76/2005).

constituição. Na análise, acentua Lacan, trata-se de ensinar o ana-


lisante a emendar seu sinthoma e o real que paralisa o gozo a um
gozo possível17, afirmando dessa maneira um enodamento dos tem- 17 Ibid., p. 71.
pos. O sinthoma permite instaurar uma nova maneira de tratar o
tempo.
Essa maneira topológica de conceber o tempo encontra algumas
ressonâncias nas indicações de Heidegger com o conceito de quarta
dimensão e no extratemporal de Proust.

Quarta dimensão do tempo e o extratemporal


Em Tempo e ser, Heidegger faz uma conjunção entre Ser e tempo
pelo conceito de “presentar”. Presentar não é o presente enquan-
to “agora”, não é uma sequência no tempo, não é o futuro. Nele
encontra-se também o “ausentar” ainda não presente, seja pelo que
passou ou ainda não se apresentou no presente. O ser-aí, Dasein, si-
tua-se em uma trama do tempo na qual o retorno ao passado é tam-
bém um devir, um porvir ou antecipação no presente de um tempo
a advir. “O que está no tempo e dessa maneira é determinado pelo
tempo chama-se temporal... O temporal significa o transitório, o
que passa no decurso de tempo”18. Mas, o tempo que passa per- 18 Heidegger, Tempo e ser
manece como tempo implicando com isto que ele não desaparece. (1979, p.268).

Para o filósofo, o tempo autêntico é tridimensional, e as três


dimensões são “enviseradas” pela quarta dimensão: o presentar-se
repousa no “proporcionar-se cada uma à outra [...] não apenas uma
espécie, mas uma dimensão efetivamente real [...] Mantém previa-
mente ligados um ao outro na unidade, os modos de alcançar do
passado, do futuro e do presente”19. 19 Ibid., p. 265.
Esta concepção de tempo assemelha-se ao que Proust nomeia
de extratemporal, um entrelaçamento das três dimensões do tempo
por um traço singular e intraduzível.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 79


[...] o ruído da colher no prato, a desigualdade das pedras, o sabor
da madeleine fazendo o passado permear o presente a ponto de me
tornar hesitante, sem saber em qual dos dois me encontrava; na ver-
dade, o ser em mim então gozava dessa impressão e lhe desfrutava o
conteúdo extratemporal, repartido entre antigo e o atual, era um ser
que só surgia quando, por uma dessas identificações entre o passado
e o presente, se conseguia situar um único meio por onde poderia
20 Proust, O tempo viver, gozar a essência das coisas, isto é, fora do tempo20.
redescoberto (1994, p. 152).

Se o gosto da pequena Madeleine (biscoito típico de uma re-


gião do sul da França), o pisar no calçamento irregular, os ruídos
e cheiros de outrora lhe serviram naquele momento para acalmar
os temores da morte, foi porque, ali ele pôde encontrar um traço
singular unindo as três dimensões do tempo.

Tempo e discurso
Seguindo essas reflexões, utilizamos “tempos” para indicar as
traduções possíveis do real do tempo, intraduzível e fixado. Tem-
pos que circulam, vão com o temporal (o que passa no decurso do
tempo), aliam-se aos discursos e incidem sobre os sintomas, provo-
cando vicissitudes da memória. Quais as vicissitudes do tempo e da
memória no discurso do capitalista atual?
Para Lacan, os discursos são maneiras de tratar o real, consti-
tuindo-se em formas de laço social. Nessa direção temos nos qua-
tro discursos formalizados por Lacan (mestre, histeria, analista e
universitário) três maneiras de incidência do significante ($, S1, S2)
e o objeto a que podem ser lidos como quatro versões do tempo.
Conforme figura abaixo, a estrutura discursiva constitui-se de qua-
tro lugares que compõem respostas diferentes ao real conforme os
lugares ocupados por $ , S1, S2 e a.
Agente Outro
Verdade Produção

No discurso do mestre, temos dois tempos da constituição do


sujeito: S1 (tempo real e intraduzível) e S2 (tempo da produção do
sentido). Entre eles há um intervalo, uma perda, marcando a divisão

80 o tempo na psicanálise II
subjetiva ($). Como produto dessa operação há um resto, perda que
não se recupera (objeto a); tempo que excede, mas não se apreende.

Discurso do mestre:
S S2
1

$ a
Ao introduzir o quinto discurso, discurso do capitalista, Lacan
faz uma modificação no discurso do mestre. No lugar do agente
está o sujeito e no lugar da verdade está S1. Introduz ainda uma ló-
gica diferente daquela adotada para os quatro discursos retirando a
barreira do impossível entre S1 e $, S2 e (a), como pode ser observa-
do no DM, e anulando o impossível entre o $, sujeito dividido, e o
objeto de seu desejo (a). No discurso do capitalista observa-se uma
flecha que parte dos objetos (a) indo diretamente ao sujeito ($) e
outra que parte dos significantes mestres (S1) à cadeia do saber (S2).

Discurso do Capitalista
$ S2
S1 a
Relendo esse discurso com as indicações sobre o tempo, temos
nele a prevalência de dois tempos. O tempo real, inassimilável e ina-
preensível (S1) incidindo diretamente sobre S2, tempo da tradução
com a anulação da barra do impossível. Do lado direito desse mate-
ma temos a incidência do tempo dos objetos (a) que, mesclando-se
como objetos de um tempo que se recupera e não se perde – objetos
fabricados pela ciência e o capitalismo moderno e vendidos como
possíveis de satisfazer o desejo de cada um –, incide diretamente
sobre o tempo do sujeito ($), tentando anulá-lo e convocando-o ao
tempo do mais-de-gozar.
Tempo bizarro que, procurando apagar o inapreensível e apre-
sentando-se como factível e assimilável, produz sujeitos “enlouque-
cidos” pelo tempo, tomados pelo tempo, sem tempo... Objeto a ser
consumido, precioso e agalmático, o tempo é regido por uma con-
tradição fundamental, quando não o têm o querem, ao tê-lo devem
consumi-lo.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 81


Nos tempos das “memórias curtas”
No tempo das simultaneidades, algumas crianças aceleram de-
mais, já que o tempo é também da desmedida, passando de um
objeto e atividade a outros sem que nada lhes detenha a atenção. Os
hiperativos sinalizam os efeitos do real do tempo que desliza sem o
sinal do “basta”.
O imperativo de que tudo circule em um tempo mínimo, com
passagens rápidas de um objeto a outro, incide diretamente sobre
a memória. Atualizar, renovar, modernizar em um tempo cada vez
mais curto, impõe uma forma de memorização alheia à memória
subjetiva que demanda um intervalo para que a retenção se pro-
cesse.
Uma analisanda de 73 anos acentua sua dificuldade em memo-
rizar senhas bancárias e números de telefones celulares ao contrário
dos fixos “que têm uma lógica”. Entre o fixo e o móvel, uma lógica
se impõe: cada um é convocado a memorizar uma gama enorme
de senhas para acessar simples transações bancárias. Uma vez es-
colhida, deve-se mudá-las frequentemente para resguardar o sigi-
lo. O idoso que tende a escolher números ligados à sua história é
orientado a não fazê-lo, pois são facilmente descobertos. Na nova
ordem da memorização instantânea e artificial impera o corte com
a história.
Na contramão do novo, os idosos são convidados a esquecerem
suas lembranças e a história, sempre fora dos tempos atuais e, sem
espaços para os lutos – cada vez mais evasivos –, de perdas que
se agudizam, encontram inúmeras dificuldades para enodarem os
tempos, atualizando a memória.
Esquecer e “deixar cair” são palavras dos novos tempos que não
levam em conta o tempo particular. Esquecidos, muitos idosos ado-
ecem, não falam, perdem a palavra ou se agarram “ao seu tempo”.
Por essa via, qual o tempo do Alzheimer? De imediato poderíamos
responder: é um fora do tempo de uma memória que se apaga, mas
qual memória se apaga?
Da clínica com sujeitos diagnosticados de Alzheimer ou com
suspeita dessa patologia, depreendi a existência de um ponto singu-
lar, já que todo desencadeamento passa pelo sujeito, que toca um
rombo na relação com o Outro e que, sem um trabalho de luto –

82 o tempo na psicanálise II
movimento que permite enlaçar os tempos, abrindo as vias ao dese-
jo –, provoca o desenlaçamento do tempo e da vida. A relação entre
estados depressivos e o Alzheimer encontra eco na tese de Messy21; 21Messy, La personne âgée
lutos mal elaborados diante das perdas, ódio à imagem apresentada n’existe pas (2002, p.99).

pela velhice e que retorna sobre o corpo, isolamento, restrição de


laços sociais e falta de investimento no mundo são fatores impor-
tantes na constituição do Alzheimer.
Dos casos atendidos e escutados em supervisão com o diagnóstico
de Alzheimer pude depreender a presença de uma história marca-
da por dificuldades significativas com o luto e que, com a velhice,
encontrou um casamento bastante infeliz com inúmeras perdas em
geral inevitáveis. Supomos nesses casos que o desencadeamento foi
uma resposta a um real insuportável ligado à morte de um ente muito
próximo, diagnóstico de uma grave doença, perda da marcha, perda
da visão, perda do lugar social que, sem um trabalho de luto, leva o
sujeito à rendição da própria vida. A memória passa a funcionar à
maneira do celofane do bloco mágico. O Alzheimer é uma resposta
subjetiva diante de um tempo que não permite mais inscrições22. 22 A propósito ver: Mucida,
Escrita de uma memória que
Não se pode desconsiderar que a partir de certo momento da não se apaga (2009).
vida perdemos mais pessoas e mais laços sociais, e as substituições,
necessárias ao trabalho de luto, são também mais frágeis. As inci-
dências do discurso capitalista sobre o envelhecimento são inegá-
veis, sobretudo concernentes ao predomínio do novo em detrimen-
to da história e do saber singular na maneira de conduzir o real.
Diante desse tempo que corre e não dá tréguas, tempo de memórias
curtas que impregna todos os laços sociais e a política, o Alzheimer
não deixa de responder à sua maneira à demanda de que tudo cir-
cule rápido.
Sem as emendas às suturas –, possibilitando que R.S.I mante-
nham-se juntos sem se confundirem –, no Alzheimer prevalece a
perda gradativa da cadeia e, consequentemente, a mistura dos tem-
pos e uma indistinção avassaladora entre RSI. Sem essas amarras o
sujeito tende a se agarrar a um passado conhecido, como medida
protetora contra um real devastador. Sem os meios simbólicos e
imaginários e, portanto, sem retenção do simbólico e imaginário,
persiste um real do tempo que desliza. Restam apenas fragmentos
de cada registro, sem relação entre si.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 83


Um sujeito com 93 anos acentua que depois da perda do marido
começou a esquecer os nomes das coisas. Afásica para alguns no-
mes cotidianos, tenta enlaçar com muitos fios sua história de amor,
tempo que não se apaga, à vida que continua. Como falar na falta
dos referentes? Como pensar sem as palavras? Insiste em falar pelas
lembranças, mas não todas; não quer se lembrar da perda, mas ape-
nas do que vive do objeto amado.
Talvez, como García Márquez, acreditamos que seja um triunfo
da vida “[...]que a memória dos velhos se perca para as coisas que
não são essenciais, mas raras vezes falhe para as que de verdade
23 Márquez, Memória de nos interessam”23. Ou com como Yourcenar que “[...] a memória
minhas putas tristes (2005, dos homens assemelha aos viajantes fatigados que se desfazem das
p. 14).
bagagens inúteis a cada pausa do caminho”24. Mas não nos desfa-
zermos de tudo.
24 Yourcenar, O tempo esse
grande escultor (1983, p. 17). “Se ao menos pudesse sonhar com ele!” Tempo real do sonho,
em que o objeto perdido pode retornar tal como foi, sem os limites
dos tempos que corroem até algumas lembranças. Mesmo com afa-
sias esse sujeito agarra-se às lembranças que lhe interessam, e isto
não lhe deixa sair do tempo. Para outros, ao contrário, na falta do
espaço para o luto, o buraco aberto com as perdas (marcadas ini-
cialmente, sobretudo, no corpo, com buracos substanciais sobre a
consistência imaginária) e o domínio de um real sem o amparo do
simbólico e imaginário, impera a demissão dos tempos com recuo
ao tempo primordial, real.
Observa-se que no final dessa via-crúcis dos tempos, vários su-
jeitos retornam ao tempo do balbucio, pequenos sons conhecidos,
pequenas letras tocadas como música, frases escutadas, traços que
marcados não morrem jamais e encontram-se ainda disponíveis,
mas sem os recursos da tradução e da amarração.
Se Joyce pode corrigir os erros do enodamento entre RSI pelo
sinthoma de sua escrita, dirigindo-se diretamente ao real da lin-
guagem, estilhaçando-a, quebrando as palavras e fazendo das letras
uma invenção original de escrita, do lado do Alzheimer permanece
também um encontro com um tempo real (especialmente no final),
mas sem possibilidade de invenção, amarração ou costura.
Essas letras, restos metonímicos, resquícios da cadeia que se es-
garça, memória de um tempo primordial, talvez sejam o último

84 o tempo na psicanálise II
recurso a que alguns sujeitos com Alzheimer se agarram para tratar
o real avassalador desse tempo que realmente desliza e não para.

Referências bibliográficas
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Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 85


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PROUST, Marcel. O tempo redescoberto. São Paulo: Globo, 1994.
YOURCENAR. Marguerite. O tempo esse grande escultor. 2ª ed.,
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

Resumo
Esse artigo aborda a relação entre memória e tempo, to-
mando como fio condutor o conceito de real em Lacan:
isso que não se universaliza, persevera e inaugura a cate-
goria do impossível. Para tal destacamos em Freud os três
tempos da constituição do aparelho psíquico que coinci-
dem com os três tempos da memória, bem como as elabo-
rações acerca das lembranças encobridoras e esquecimen-
tos, demonstrando um enlaçamento estreito entre sujeito,
memória e tempo. Com Lacan temos formulações inédi-
tas sobre a relação entre inconsciente, tempo e real, dis-
tinguindo um inconsciente fora de qualquer sentido, por-
tanto uma memória acossada também ao real. A partir
dessas indicações trazemos à baila algumas reflexões dos
efeitos do discurso do capitalista sobre o funcionamento
da memória tomando como paradigma a hiperatividade
em crianças e o mal de Alzheimer em idosos.

Palavras-chave
Tempo, memória, inconsciente, real, simbólico, imagi-
nário, letra, discurso capitalista, discurso do mestre.

86 o tempo na psicanálise II
Abstract
This article approaches the relation between memory and
time, taking the concept of real in Lacan as a guide: the
real that doesn’t universalize itself, that perseverates and
inaugurates a new category of the impossible. For that,
it is necessary to point to the three times of the consti-
tution of the psychic device in Freud that coincide with
the three times of the memory, and with the elaborations
concerning the hidden remembrances and forgetfulnes-
ses, demonstrating a tight enlacing between subject, me-
mory and time. With Lacan there are new formulations
concerning the relation between inconscient, time and
real, distinguishing an inconscient outside of any sense,
therefore, a memory connected to the real. From such
indications the article traces some reflections about the
effects of the capitalistic speech on memory functioning,
taking the hyperactivity in children and the Alzheimer
disease in aged people as a paradigm.

Keywords
Time, memory, inconscient, real, symbolic, imaginary,
letter, capitalistic speech, master’s speech.

Recebido
05/05/2009

Aprovado
03/07/2009

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88 o tempo na psicanálise II
Lacan e o grupo de Klein: tempos do
sujeito na experiência analítica
Ronaldo Torres

1. Ponto de partida
Este texto busca acompanhar a formalização da experiência
analítica que Lacan empreende entre 1966 e 1968, pela estrutura
matemática do grupo de Klein e em suas subversões. Acompanhar a
formalização é, certamente, o exercício de seguir o esforço e o rigor
que Lacan imprime ao seu ensino, mas também aceitar o convite
que nos fazem os matemas: que sejam retomados por cada um de
nós em nossa experiência. É Lacan quem diz: “Neste pequeno tetra-
edro do qual partimos ultimamente, é preciso que se preste atenção
em algo, na multiplicidade das traduções às quais ele se presta”1. 1 Lacan, O Ato Psicanalítico
(1967-68, aula de 24 de
Neste texto, junto com Lacan, empresto a minha. janeiro de 1968).
O ponto de partida do grupo retoma diretamente o vel operado
por Lacan no Seminário 11, mas agora não mais referindo o “ser”
e o “sentido” e sim articulando os dois elementos lógicos do cogito
cartesiano a partir de sua negação. Vejamos lentamente.
Sabemos que o vel da alienação no Seminário 11 consistia de
um vel de reunião (um vel excludente, mas que também implicava
perda da parte escolhida) adicionado ao “fator letal”, que terminava
na escolha forçada. No grupo de Klein, Lacan mantém o vel de
reunião, mas o que lhe interessa trabalhar, no princípio, é com a
negação da intersecção do cogito cartesiano. Para isso faz uso da lei
de dualidade de Morgan que permite, a partir da negação, trans-
formar uma reunião em intersecção e vice-versa. Tal como mostra
a relação abaixo:

- (AxB) = - A+-B
- (A+B) = - Ax-B
onde (+) é reunião, (x) intersecção e (-) negação.

Lacan vai propor que a negação do cogito cartesiano (o cogito


encontrado na intersecção entre ser e pensar) seja representada pela
reunião entre a negação do ser e a negação do pensar.
Assim, vemos como a negação da intersecção (a negação do cogi-
to) corresponde à reunião da negação do ser (não sou) e da negação
do pensar (não penso). Dessa forma, Lacan consegue que a opera-
ção lógica da negação aplicada ao cogito (na intersecção) redunde na

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 89


reunião das negações de dois conjuntos. Assim, temos não penso
e não sou.
É nessa posição que Lacan localiza o ponto zero de seu esquema.
Porém, a composição da Lei de Morgan aplicada ao cogito e seu lu-
gar no grupo de Klein, como ponto zero, de partida, não é uma im-
plicação lógica, mas a primeira subversão que Lacan promove para
montar o grupo como formalização da experiência da análise. De-
vemos lembrar que o grupo de Klein, por si, não estabelece nenhum
ponto original que seja fixo. Mas Lacan introduz essa modificação
e localiza a negação do cogito no vértice direito superior (DS) do
grupo, como um ponto de partida fixo; o grupo sempre parte daí,
como a experiência psicanalítica deve partir desse ponto do sujeito:
da negação do cogito na reunião das negações de ser e pensar.

não não não


penso penso sou

alienação

verdade

não
sou

Figura
Figura 1: Pontode
1: Ponto departida
partida e primeiras
e primeiras operações
operaçãoes

2. Operação alienação
A partir desse ponto, a primeira operação se coloca pelo tema
da escolha. Isso não é algo que possa ser acompanhado na álgebra

90 o tempo na psicanálise II
do grupo de Klein ou dos semigrupos. É a dimensão ética sempre
introduzida por Lacan com a pertinência devida a esse momento de
seu ensino, em que justamente quer formalizar a experiência ana-
lítica pela noção do ato. Lacan diz de uma escolha forçada e nos
propõe, igualmente, que essa escolha se assimile à alienação: “esse
ponto no alto à esquerda é o da escolha forçada, que é a definição
que dei da alienação em seu caráter revisto”2. 2 Ibid., aula de 24 de janeiro
de 1968.
Apesar de disporem dessa mesma ordem da escolha forçada,
a operação alienação no Seminário 15 é modificada com relação
à alienação do Seminário 11. Não vamos retomar, mas em 1964,
Lacan mostrava como era na experiência do sujeito enquanto falta-
a-ser que encontrávamos o ponto alto de sua alienação ao Outro.
A alienação se colocava, portanto, no vetor que ia do “ser” ao “sen-
tido”. Escolhendo-se o sentido, perdia-se o ser, mas também não se
tinha a totalidade do sentido.
Como vemos na figura anterior, o conjunto intersecção está em
branco, é vazio. Esse é um ponto importante, porque na teoria dos
conjuntos o vazio não é o “nada”, mas apenas a indicação de que ali,
naquele conjunto vazio, não há elemento. Mas há o vazio. O vazio
difere uma parte do conjunto de um elemento do conjunto. O vazio
é parte do conjunto embora não seja elemento. Pois bem, é nesse
vazio que Lacan introduz algumas formas de negatividade que
nos serão importantes. Por enquanto anunciamos a primeira de-
las, que é o não-eu (pas je). Assim, esse pas je é o vazio que se põe
como negação do cogito cartesiano, mas que continua sendo o con-
junto intersecção entre o “não penso” e o “não sou”, mesmo como
conjunto vazio.
Esse ponto retornará durante todo o exame do grupo, mas por
agora vemos que também compõe o quadro que mostra por que
a alienação do Seminário 15, ao contrário do Seminário 11, não
parte do ser. Ela é a operação que escolhe o “não penso”. E, portan-
to, podemos localizá-la nesse “não penso”. No entanto, este vértice
esquerdo superior (ES) engendra um ser. Lacan assimila esse não
pensar a uma forma do ser. Assim, a alienação aqui não parte do
ser, mas determina um ser, resulta um ser e está nesse ser. Para
acompanhar isso, temos que tomar a operação alienação diante do
ponto zero do vértice de partida (DS). Esse zero já aparece como

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 91


uma marca, e “se isso deve marcar-se em algum lugar, é justamente
3 Ibid., aula de 10 de janeiro no alto, à esquerda”3. Diante do vel: “ou não sou ou não penso”, La-
de 1968. can o desdobra em “ou eu não sou essa marca” ou “eu não sou nada
senão esta marca” e, portanto, “não penso”. Sua argumentação se
dirige para o fato de que, como primeira inscrição, não é possível o
“eu não sou essa marca” (porque aí não haveria qualquer inscrição)
e que isso acarreta um primeiro passo que não pode ser evitado que
se coloca pela operação alienação através do “não sou nada senão
esta marca”, como uma primeira inscrição. “Trata-se do ‘eu não
penso’, em sua necessidade estruturante, enquanto inscrito neste
4 Ibid., aula de 10 de janeiro ponto de partida”4. E como nos diz Rabinovich, isso “é coerente
de 1968.
com a ideia de que a marca significante é equivalente à opção da
alienação, à opção forçada do ‘não penso’”5. Essa marca, portanto,
5Rabinovich, O desejo do define um ser, nomeado por falso eu (je).
Psicanalista (2000, p. 72).
Devemos recuperar novamente que Lacan parte da negação do
cogito posta na intersecção dos conjuntos “ser” e “pensar”. A nega-
ção do cogito equivale à reunião do “não penso” e do “não sou” (- (A
x B) = - A + - B). É importante frisar que fazendo disso um vel e
promovendo a disjunção entre os conjuntos (nada impede Lacan de
fazê-lo), a propriedade da Lei de Morgan se perde, pois a negação
da intersecção só se sustenta na igualdade com a reunião entre as
negações dos conjuntos. Quando faz isso passar ao vel, esta relação
se dissolve. É uma invenção de Lacan. Todavia, tal disjunção não
deixa de se mostrar interessante pelo que acarreta em seus efeitos:

vazio
não pas je não não
penso penso sou

alienação

Figura 2: Operação alienação


Figura2: Operação alienação

92 o tempo na psicanálise II
Note-se que o “não penso” já é o produto final da escolha no
vel. Ele não perde nada. O conjunto que perde uma parte de si
é o conjunto que não está nomeado e que é formado na posição
inicial (DS) pela reunião de “não penso” e o conjunto intersec-
ção vazio. E o que se perde é exatamente o vazio. Assim, fica-se
com o “não penso” e perde-se o vazio. Ocorre que Lacan faz essa
disjunção funcionar como uma hiância que coloca em relação os
dois conjuntos do vértice ES. De um lado o “não penso” rela-
cionado à marca significante que determina um ser (je) por esse
“não sou nada senão esta marca”. E do outro, o que se perde pelo
corte da escolha, mas com o que se fica em relação; nesse vazio do
pas je, Lacan posiciona a segunda forma de negatividade, o isso.
“Está toda a estrutura gramatical, a estrutura da língua, exceto o
je... A estrutura gramatical da pulsão que não pode ser formulada
conforme o je”6. No vazio encontramos, portanto, um ser sem o 6 Brodsky, Short Story
je, que Lacan faz equivaler ao isso, a pulsão acéfala a qual tinha (2004, p. 87).

introduzido já no Seminário 11, mas que aqui ganha sua clara


formalização. Assim, temos de um lado o je como marca e, de
outro, um ser sem o je. É por isso que Lacan também vem loca-
lizar nesse conjunto vazio o objeto a, outra maneira de falar dessa
mesma negatividade. Porém, não podemos perder de vista que
esse ser sem o je, figura encarnada pelo objeto a, é objeto de cessão
ao Outro. É, portanto, relacionado tanto à falta de sujeito (ser sem
je) como também à falta do Outro— S (A).
É por isso que a relação entre o je como marca e o objeto (ser
sem je) faz sugerir que nesse vértice podemos localizar também
a fantasia (S◊a). Lacan disse que sem esse “eu não penso” “não
poderíamos ter articulado coisa alguma sobre o que é a lógica
da fantasia”7. Localizar aí a fantasia é pertinente porque, além 7 O Ato Psicanalítico, op.
cit. (aula de 10 de janeiro de
da colocação explícita do objeto pequeno a no conjunto vazio e 1968).
de propor uma relação entre os conjuntos do vértice, a definição
desse je como marca, ressoa diretamente com o S da fantasia, que
não é a mesma expressão do sujeito da cadeia significante, mas,
ao contrário, um sujeito fixado, marcado e ligado a uma relação
com o objeto.
É também importante dizer, retomando o isso que Lacan lo-
caliza no vazio de pas je, que tal instância é colocada a partir da

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 93


primeira parte da sentença freudiana que aponta o princípio ético
(direção) da psicanálise: “wo es war, soll ich werden” que Lacan
traduz por “lá onde isso estava, o eu (je) deve advir”:

vazio
não
penso pas je
je Objeto a
marca Lá onde isso estava

Figura
Figura 3: 3: Conjuntos
Conjuntos doesquerdo
do vértice vértice esquerdo superior

Que podemos ler: lá onde isso estava, por que foi separado pelo
corte e não mais está, o je, que lá não está nem esteve, deve advir.
Esse ponto retornará à frente. Essa é a primeira operação com suas
consequências.

3. Operação verdade e sua


relação com a alienação
Agora vejamos a segunda operação, denominada por Lacan
como “verdade”. Ela procede de maneira similar à anterior, mas
tomando da posição zero o “não sou”:


não não
penso sou

verdade

vazio
pas je não Figura 4: Operação verdade
sou

Figura 4: Operação verdade


94 o tempo na psicanálise II
Como vemos, Lacan representa no grupo o produto da escolha
que é o “não sou”, da mesma maneira como propôs na operação alie-
nação. Na figura acima, assinalamos a presença de dois conjuntos
no vértice direito inferior (DI): o conjunto “não sou” e o conjunto
vazio. O que, nesses conjuntos, concerne à operação verdade? Aqui
devemos retomar a ideia sobre a falta-a-ser. Nesse sentido, trata-se
de uma operação verdade que instaura um pensamento — a cadeia
significante, o inconsciente — que implica o sujeito pelo não ser. É
o sujeito que desliza pela cadeia. Dessa forma ele não é porque sem-
pre será representado por um significante para outro significante no
infinito da cadeia. Coloca-se, portanto, um “não sou”, um eu (je)
que não é. Mas esse “não sou” não deve ser confundido com o “não
eu”, o pas je, que se encontra no conjunto vazio.
Não podemos perder de vista uma distinção crucial. No con-
junto vazio, lugar do pas je, Lacan fala de um inconsciente sem eu
(je). Ou seja, tal como no vértice ES, no qual tínhamos no vazio
do pas je um “ser sem eu”, aqui, no vértice DI, temos um “pensar
sem eu”. É por isso que podemos definir o que está no conjunto
“não sou” pela falta-a-ser. O que está nessa meia-lua é falta-a-ser em
relação ao conjunto vazio, que abriga o inconsciente sem eu (je).
Assim, temos de um lado o je que não é (não sou) e de outro
um pensamento sem o je (penso em pas je). Marcar esse ponto é
importante porque, entre outras coisas, não podemos nos perder da
diferença entre a falta-a-ser referente ao sujeito nessa posição, que é
efeito da operação verdade, com o destino da negatividade presente
no conjunto vazio, que não está na falta, mas sim na perda.
Para esclarecer essa questão é inevitável o diálogo com a ope-
ração alienação. Pois a terceira forma de negatividade (falamos de
duas: o pas je e o objeto a [isso]) que Lacan introduz no conjunto
vazio do vértice DI será mais bem compreendida na relação com
aquela operação. Nesse conjunto vazio Lacan introduz o -j. Se o
objeto a se colocava na posição do pas je no vértice ES como falta
em relação ao je como marca (não sou nada senão esta marca), no
vértice DI, é necessário que isso se transforme em perda a partir
de -j: trata-se do “objeto perdido inicial de toda gênese analítica,
esse que Freud martela em toda a sua época do nascimento do in-
consciente... a verdade é que a falta (do alto à esquerda) é a perda

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 95


8 Ibid., aula de 10 de janeiro (de baixo à direita)”8. Como objeto perdido é que Lacan voltará a
de 1968. introduzir o “lá onde isso estava” no vértice DI. Assim, há dois “lá
onde isso estava”. Cada um colocado em um dos vértices (ES e DI),
ambos nos conjuntos vazios desses vértices, um deles ligado ao isso,
ao objeto a e à falta (ES), e o outro ligado ao inconsciente, ao -j e
à perda (DI).
É por essa passagem lógica, passagem da falta à perda, que La-
can justifica definitivamente que a operação alienação se coloca
como escolha forçada diante da posição zero. O que implica que a
operação verdade seja uma operação rechaçada como um caminho
direto da posição zero.
A passagem lógica indica que só se atinge o vértice DI através
do vértice ES. Lacan é claro: para que se faça perda é necessário que
tenha havido falta.

4. A transferência
Todavia, esse trajeto bem definido no seminário do Ato Analí-
tico não implica, em nosso entender, que nessa passagem diagonal
(de ES para DI) seja localizada a operação transferência como con-
sideram alguns colegas. Antes, nesses dois movimentos lógicos do
grupo, colocam-se apenas as duas posições do sujeito advindas do
ponto zero: o sujeito diante do trauma e a montagem da fantasia (je
como marca) no ES e o sujeito no intervalo da cadeia significante
(je que não é) no DI. É somente a partir dessas duas posições do
sujeito que a transferência, tomada tanto como entrada em análise
(instante de ver), como percurso-sustentação da análise (tempo de
compreender), pode se dar. São posições condicionantes para que a
transferência se efetive contingencialmente.
A leitura que proporemos localiza a transferência na diagonal
que vai do ponto zero ao vértice esquerdo inferior (EI). Ela se apoia
em pelo menos duas observações que se podem evidenciar no Se-
minário do Ato Analítico. A primeira, é que Lacan não escreve a
transferência nessa diagonal de ES-DI em nenhum momento, mas
na diagonal que vai do ponto zero ao vértice EI:

96 o tempo na psicanálise II
s a lá onde isso
estava
não
penso
não
sou

alienação

cia
ferên verdade
ns
tra

a s a 
 lá onde isso

não
sou
estava

Figura 5: Primeiro semi-grupo: a transferência e o


Figura 5: Primeiro
vértice semi-grupo: a transferência e o vértice do im-
do impasse
passe

A segunda pode ser encontrada no fato de que nos momentos


nos quais Lacan menciona a passagem de ES para DI não aparece
nenhuma menção à transferência. Só depois de estabelecer a relação
entre esses dois vértices é que Lacan passa a falar sobre a transfe-
rência.
A transferência é o trabalho exercido sobre a alienação e a ver-
dade, resultando um produto articulado aos conjuntos dos vértices
ES e DI, mas diferente deles, em outra forma de negação. Como
nos indica a estrutura do grupo de Klein, a diagonal é o produto
(associação) das operações de inversão e oposição9. E esse é exata- 9 Inversão, oposição e
produto são os nomes das
mente o passo dado no grupo de Lacan, comprovado por aquilo operações do grupo de Klein.
que vem se posicionar no vértice EI, que são as duas formas de Para um acompanhamento
negatividade presentes no pas je de cada vértice anterior (ES e DI), detalhado, conferir Barbut
(1996).
como mostra a figura acima.
Os tempos lógicos definidos por Lacan já em 194510 podem ser 10 Lacan, O tempo lógico e a
reencontrados no esquema do Seminário 15 e nos ajudam a com- asserção de certeza antecipada
(1945/1998).
preender o ponto em que estamos:

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 97


Alienação
Instante de ver
er
e nd
mpre
e co
pod Verdade
Tem

Figura
Figura6:6:Os
Ostempos
tempos lógicos noprimeiro
lógicos no primeirosemi-grupo
semi-grupo

Atribuindo um tempo de extensão à diagonal da transferência,


temos que: 1. esse tempo tem um tempo de instituição, que mar-
ca seu início e que o assimilamos ao ato de entrada em análise,
retificação subjetiva, e; 2. tem o próprio tempo extensivo que se
desenvolve ao longo do segmento de reta até o vértice EI, o vértice
no qual Lacan localiza o impasse. Esse tempo de início, o “instante
de ver”, não é o ponto de partida do grupo (que é o ponto zero do
sujeito como vimos), mas o ponto de partida da análise, em que a
posição do sujeito em alienação e verdade pode se articular com a
suposição ao saber, marca da entrada em análise. É como se, por
um ato, essas setas da operação alienação e verdade deixassem de
seguir ao infinito e viessem se encontrar nesse ponto do “instante
11 Nesta representação de ver”, tal como as ideias de escansão e corte sugerem11. É também
gráfica, há setas que devem nesse corte/escansão que está o lugar do analista: “A psicanálise não
ser tomadas como tempos
de extensão e outras, como
poderia se instaurar sem um ato, sem o ato daquele que autoriza
tempos de escansão. As setas sua possibilidade, sem o ato do analista, e que no interior desse ato
que retornam dos vértices ES
e DI são escansões, diferentes
da psicanálise inscreve-se a tarefa psicanalizante”12. Mas isso não
das setas que vão a esses desfaz a evidência de que o ato de entrada não é necessário, mas
vértices que são extensões. contingente à decisão do sujeito, uma escolha, portanto.
O segundo tempo, “tempo de compreender”, é o tempo que será
12 O Ato Psicanalítico, op. necessário para se chegar ao impasse do sujeito. Esse tempo não é de
cit. (aula de 21 de fevereiro
de 1968).
escansão, mas de voltas e de redução. Aí a transferência se apresenta
em seus desdobramentos. Assim como no xadrez, a partir de deter-
minado par de movimentos que define como será a partida (muitas

98 o tempo na psicanálise II
vezes implicado com a perda de uma peça), desenvolvem-se inú-
meras outras jogadas até que, se não houver desistência, chega-se
ao momento em que o jogo anuncia como será seu desenlace. Essas
outras jogadas se aproximam do que seja essa diagonal extensiva da
transferência, “tempo de compreender”. Nesse tempo o ato do ana-
lista se coloca por suas “jogadas”, seu manejo: “Fora do que chamei
manejo da transferência, não há ato analítico”13. 13 Ibid., aula de 29 de
novembro de 1967.
Quanto ao terceiro tempo lógico, o momento de concluir se evi-
denciará no segundo semigrupo que virá à frente.

5. O impasse
Localizar no vértice EI aqueles que eram os conjuntos vazios dos
vértices ES e DI quer dizer algumas coisas. Lacan resume essa po-
sição como impasse14 do sujeito. Dessa forma ele nos aponta que aí 14 No resumo sobre o Semi-
não está o fim da análise, pois esse fim se articula, sabemos, à pas- nário “A lógica da Fantasia”,
texto de mesmo nome,
sagem. Esse fim de análise, articulado com a passagem, definição Lacan diz, se referindo a essa
maior do ato psicanalítico, faz ecoar outras duas formas de se referir passagem, que: “É preciso
que se feche o ciclo pelo qual
a esse ato, também formuladas em tempos próximos a este momen- o impasse do sujeito se con-
to de seu ensino: a destituição subjetiva e travessia da fantasia. Isso suma ao revelar sua verdade”
(Lacan, 1969/2003, p. 324).
nos parece importante salientar, porque cada uma dessas maneiras Devemos anotar que tal resu-
distintas de se referir ao mesmo tempo da análise (momento de mo foi escrito para o anuário
de 1969 da Escola Prática
concluir, em uma referência aos tempos lógicos), se articula com um de Estudos Superiores, local
dos dois elementos posicionados nesse canto do impasse no grupo. onde Lacan apresentava seus
O vértice EI não é o fim da experiência, mas contém o núcleo do seminários à época. Um resu-
mo escrito após o término
que é necessário para sua efetivação. De um lado o -j como signifi- do Seminário 15 (1967-68),
cado da castração, única significação definitiva para o significante, portanto.

que indica justamente ao sujeito que não há significante que possa


lhe dar um ser que não seja exatamente sua falta-a-ser. Situação de
máxima verdade acessível à subjetivação e passo antecedente ao ato
da destituição subjetiva, que para se efetivar, no entanto, deverá se
apoiar no elemento adjudicado pelo outro vértice, o objeto a. Pelo
outro lado, tomando a travessia da fantasia, vemos no vértice do
impasse, o objeto a, esse ser sem je com o qual o sujeito como marca
se relaciona na ordem fantasmática, conquanto esteja em afânise.
Devemos retomar novamente os três tempos de “Bate-se em uma
criança”, para saber que no segundo tempo, no qual o sujeito se vê

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 99


indexado, ao contrário do primeiro e do terceiro, ele (o sujeito) é
oculto e seu único caminho é ser construído na análise. Para tanto
é necessário que se decante o objeto pelas voltas da demanda. É esse
objeto decantado que aparece no vértice EI, mas somente enquan-
to apoiado em -j, objeto-sustentação da cadeia significante, sem a
qual não haveria voltas da demanda.
Por aí percebemos como há um apoio mútuo de -j e a, apoio
existente desde a constituição do sujeito, mas que apenas nesse vér-
tice pode surgir como evidência ao sujeito. Por um lado, a castração
(desejo) e, pelo outro, o ser que é a partir do objeto (gozo). Todavia,
esse apoio demonstra também como não se trata, entre -j e a, de
uma relação de complementaridade. Lacan chama atenção sobre
a identificação entre -j e a na passagem da falta à perda: “Isso se
revirando é propriamente o que suporta a identificação do a e do
15 Ibid., aula de 10 de -j como lugar onde se inscreve a hiância própria ao ato sexual”15.
janeiro de 1968. Contudo, essa identificação mascara que essa relação de apoio é a
própria não existência do ato sexual. Pois o objeto a não é o ob-
jeto do desejo, mas objeto que realiza o desejo enquanto o sustenta
como tal. E o regime de realização do desejo não é o regime de
satisfação da pulsão. É nesse sentido que Lacan inicia, no Seminário
14, seus comentários sobre a impossibilidade do ato sexual dizendo,
por exemplo, que “a significação da função fálica [é] falta essencial
16 Lacan, A lógica da da juntura da relação sexual com sua relação subjetiva”16. Ou, mais
Fantasia (1966-67, aula de 22 enfaticamente no Seminário 15, de que não há encontro possível
de fevereiro de 1967).
entre saber e verdade, “não se tem jamais o saber do outro sexo”17
ou “não há ato sexual”18.
17 O Ato Psicanalítico, op. Dito isso, devemos retornar um pouco e perguntar como essas
cit. (aula de 27 de março de
1968). questões se alocam particularmente no vértice EI. Pois dissemos
com Lacan que o que se coloca nesse canto é um impasse. Um im-
18 Ibid., aula de 28 de passe que se manifesta na própria construção da fantasia:
fevereiro de 1968.
A fantasia é a maneira como ele [o analisante] a faz existir [a rela-
ção sexual]. Isso, porém, é um impasse, pois em vez de algo que desse
a fórmula da conjunção entre feminino e masculino, está a conjunção
de um sujeito e um objeto, única coisa com que se conta para fazer
existir a relação sexual. É por isso que Lacan não situa aí a saída,
mas antes o impasse da fantasia, o ponto em que a fantasia engana
19 Short Story, op. cit. (p. 104). o sujeito19.

100 o tempo na psicanálise II


É, portanto, somente a partir do apoio entre -j e a, que se pode
chegar à construção da fantasia como ponto de impasse de uma
análise. Devemos notar que o estatuto da fantasia nesse vértice não
é o mesmo no canto ES, no qual também a posicionamos. Nesse
ponto do impasse, a fantasia se mostra pela decantação do objeto a
pelas voltas da demanda. Tratar-se-ia da construção fantasmática a
partir de uma redução à sua forma mínima e de sua apresentação
em análise. Aqui, no vértice EI ela é posta, enquanto no canto ES
ela estava suposta (enquanto montagem).

6. O segundo semigrupo
Vejamos, então, como se monta o segundo semigrupo, tomando
sempre em conta o ponto de chegada do primeiro. Com Lacan,
podemos apresentá-lo da seguinte maneira:

Pressa

20 “Já tendo a repetição e


a pressa sido por nós articu-
ladas na base de um tempo
Repetição lógico, a sublimação vem

a s a 
 complementá-las para que
um novo grafo, orientado
por sua relação, seja satisfató-
rio, duplicando o precedente,
Figura 7: O segundo semi-grupo para completar o grupo de
Klein, na medida em que
seus quatro ápices se igualam
Figura 7: O segundo semi-grupo por reunir diversos concursos
operacionais. E ainda grafos,
por serem dois, inscrevem a
Vemos como o ponto de chegada do primeiro semigrupo é o distância do sujeito do su-
posto saber à sua inserção no
ponto de partida do segundo. Observamos também que Lacan po- real.” [grifo nosso] (Lacan,
siciona as mencionadas “pressa” e “repetição”20 na operação que 1969/2003, p. 326).

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 101


vai ao vértice ES e DI, respectivamente. Seguindo a mesma direção
de reconhecer, nesse segundo grupo, operações distintas daquelas
presentes no primeiro, na diagonal, que vai de EI para DS, Lacan
não localiza a transferência. Isso já nos aponta algo sobre o tempo
implicado nesse segundo semigrupo. Porque se trata de um tempo
no qual a transferência se apresenta em suspensão, já que é outra
coisa que aparece na diagonal. Poderíamos, portanto, concluir que
o impasse ao qual chega o primeiro semigrupo não deixa de ser
também um impasse da própria transferência, pois após esse ponto
21 O grupo proposto por não há mais transferência no percurso21. Esse aspecto da suspen-
Lacan é uma formalização são da transferência é capaz também de mostrar como a fantasia,
da experiência analítica que
inclui seu final. Portanto, tal como a configuramos no ponto do impasse, pode ser pensada
dizer que “não há mais trans- de forma bem diferente da fantasia do vértice ES. Porque ali (no
ferência” é pontualmente
falar sobre sua suspensão até
impasse), ela não mais se exercita como um cálculo de gozo atuali-
o ponto de saída do grupo e zado nas relações com o Outro (montagem), mas se apresenta como
nada além disso
redução à sua forma mínima que evidencia a sua posição ante o
desejo do Outro (construção). Ela, no ponto de impasse, é produto
do dispositivo da transferência e não elemento participante de sua
atualização anterior. Essa é sua forma de impasse. Porque a partir
daí devemos supor uma saída que não seja pela via da transferência,
tal como foi sua chegada a este ponto.

7. Repetição e acting-out
Voltemos às operações anunciadas da pressa e da repetição. To-
memos primeiro a repetição. A maneira primordial pela qual Lacan
trabalha essa operação é a partir do acting-out. Tomar o acting-
out por essa operação chamada repetição não é algo que seja di-
fícil acompanhar, já que sabemos como acting-out e repetição se
ligam diretamente. Porém, conjugar aí a própria definição lacania-
na de acting-out é tarefa mais complicada, porque esta inclui em
si a transferência. Como conhecemos: “transferência sem análise”.
Como então, uma vez que dissemos que no segundo grupo há sus-
pensão da transferência, supor aí o acting-out?
Aqui, talvez, uma precisão maior sobre a função do sujeito su-
posto saber ajude a esclarecer melhor essa questão. Sabemos como
o sujeito suposto saber é introduzido no Seminário 11 em conjunto

102 o tempo na psicanálise II


com outra expressão associada à transferência, “atualização da re-
alidade inconsciente”. Se essa última está mais assimilada à atuali-
zação da relação entre sujeito e Outro, nas vicissitudes gerais com o
semelhante, a primeira Lacan a constituiu como uma função espe-
cífica do dispositivo analítico. Encontramos o sujeito suposto saber
como função na entrada de uma análise e como sua sustentação.
Da mesma forma, em diversas passagens do Seminário 15, quando
Lacan se refere ao fim de análise, a alusão que faz é à queda do su-
jeito suposto saber: “O final de análise consiste na queda do sujeito
suposto saber, e sua redução ao advento desse objeto a, como causa
da divisão do sujeito, que vem ao seu lugar”22. Assim, Lacan asseve- 22 O Ato Psicanalítico, op.
cit. (aula de 10 de janeiro
ra que há uma passagem do sujeito enquanto suposto ao saber para de 1968).
outra posição. Isso é uma indicação importante para essa considera-
ção de que no segundo semigrupo não haveria transferência. Temos
de pensar que forma de apresentação de transferência que não mais
há. Em se tratando do acting-out, não seria estranho, tomando a
afirmação de Lacan de que seja uma “transferência sem análise”,
supor que se trate da suspensão do sujeito suposto saber.
Isto seria condizente com a interpretação que podemos dar para
essa saída do ponto de impasse via repetição e acting-out. Podemos
pensar que esta saída se estabelece pela chegada ao ponto do impasse
por uma interpretação selvagem que precipitaria a atuação. Alguns
casos evocados por Lacan ou diretamente extraídos de Freud arti-
culam bem essa situação. São aqueles em que houve abandono do
tratamento ou desencadeamento de outros acting-outs, após aquilo
que Lacan nomeia como “simbolização prematura”. Tanto no caso
de Dora, como no caso da “senhora de idade” mencionado em “Re-
cordar, Repetir e Elaborar”, quanto no homem dos miolos frescos,
de Kris, aparentemente há uma intervenção vetorizada para a fan-
tasia que a desestabiliza na própria enunciação da verdade a partir
da posição do Outro. Nesse sentido, via transferência, chegar-se-ia
ao vértice do impasse não pela decantação do objeto a pela relação
do sujeito com as voltas da demanda, mas por uma intervenção
que antes dirige o analisante à posição da angústia. Uma espécie
de atropelo do tempo de compreender. A partir daí, como manejo
do analisante, o acting-out surge para evitar tal posição. Essa hipó-
tese, embora aponte uma variação possível no caminho do grupo,

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parece-nos interessante para se pensar, nesse esquema, uma forma
não rara de se sair de uma análise. A repetição nesse caso é bastante
clara. Repete-se a fantasia na cena com o Outro como forma de
sustentá-la. Porém, nesse caso, escapamos à condição estabelecida
de que no segundo semigrupo não haja transferência. É, justamen-
te por um curto-circuito promovido pelo analista na transferência,
que essa retornaria no segundo grupo como transferência sem aná-
lise e sem a função do sujeito suposto saber.

8. Pressa, passagem ao ato e o


impasse como lugar da angústia
Passemos agora ao vetor da pressa, que vai do vértice do im-
passe ao vértice ES. Lacan articula essa saída do impasse pela via
da passagem ao ato. O tema da pressa nos remete diretamente ao
ato como saída. Podemos evocar tal relação desde seu texto sobre o
tempo lógico no que este refere à urgência do momento de concluir.
“Urgência”, “pressa” e “precipitação” são os termos usados para de-
finir esse tempo: “É na urgência do movimento lógico que o sujeito
23 O tempo lógico e a asserção precipita simultaneamente seu juízo e sua saída”23 e depois: “entre o
de certeza antecipada, op. cit.
(p. 206).
instante de seu início e a pressa de seu fim, parecera estourar como
uma bolha...”24. É também nesse mesmo texto que Lacan alinha o
24 Ibid., p. 209. ato a este momento de saída: “Por último, o juízo assertivo [a asser-
ção de si] manifesta-se aqui por um ato”25.
25 Ibid., p. 209.
A pressa e a precipitação se colocam como elementos funda-
mentais na passagem ao ato. Neste caso a articulação direta é com
a angústia. A passagem ao ato se coloca como resposta a um im-
passe, uma encruzilhada que reúne em si uma relação específica
entre sujeito, Outro e objeto a. Diante da emergência da angústia,
quando, pelo abalo da fantasia, o objeto aproxima-se do sujeito,
pode precipitar-se a fuga da angústia pela passagem ao ato. Aqui, a
aproximação com o sofisma apresentado no texto sobre o tempo ló-
gico estaria posta na angústia relacionada com a possibilidade de os
prisioneiros continuarem reclusos, caso não resolvessem o enigma.
Essa angústia se coloca desde o início, como ponto de partida no
instante de ver e como pano de fundo no tempo de compreender,
mas é no momento de concluir que ela entra em cena e se enlaça

104 o tempo na psicanálise II


com a pressa de precipitar-se para fora da sala. Pois a conclusão dos
prisioneiros é simultânea e os coloca diante da pressa de atingir
primeiramente a porta, para ganhar a liberdade. Se tomarmos a
situação de aprisionamento como uma alegoria possível para de-
terminada relação do sujeito com Outro, relação na qual se desen-
quadra por alguma razão a fantasia, podemos compreender como
o ato aqui implica a ruptura com as coordenadas simbólicas que
determinavam tal relação. A saída da prisão implica outra inscri-
ção simbólica daqueles presos. Mais uma vez, vemos aqui como a
passagem ao ato pode se aproximar da noção de ato analítico, no
qual também se apresenta tal ruptura de coordenadas simbólicas. O
exame do sofisma do tempo lógico retornará quando analisarmos o
ato analítico e isso poderá ficar mais claro.
Mas aqui devemos considerar a pressa e a passagem ao ato le-
vando-se em conta o que produzimos com o segundo semigrupo.
Assim, parece que é necessário, para a compreensão da relação entre
a pressa e a passagem ao ato nesse vetor que examinamos, que loca-
lizemos de novo a angústia nesse ponto do impasse no vértice EI.
Mas agora, distintamente do acting-out que era evitação da angús-
tia, a passagem ao ato aparece como uma forma possível de resposta
à sua emergência. Então, devemos novamente supor que haja al-
gum curto-circuito que venha incidir sobre o trabalho analítico sob
transferência. Novamente, um atropelo do tempo de compreender.
Lacan não se debruça sobre o tipo de vicissitude na experiência de
uma análise que poderia estar relacionada ao desencadeamento de
uma passagem ao ato. Mas em primeiro plano podemos pensar tan-
to em uma intervenção do analista, que tenha efeito de angústia,
quanto em algo da ordem do trauma, que se anuncia na própria
análise ou na vivência do analisante.
O que é interessante é que, se Lacan não falou diretamente sobre
os desencadeantes, ele nos alertou sobre a importância do analista
nesses casos. E fez isso referindo diretamente à conduta de Freud
em relação à jovem homossexual, dizendo que, diante de casos des-
sa natureza, é necessário que o analista a pegue pela mão, para que
não se deixe cair: “Freud a deixa cair... com essa jovem ele se dá por
vencido. Não chegarei a lugar algum, diz a si mesmo, e a encami- 26 Lacan, O Seminário,
nha para uma colega. É ele quem toma a iniciativa de largá-la de livro 10: a angústia (1962-
mão”26. 63/2005, p. 127).

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Essas articulações sobre o acting-out e a passagem ao ato fazem
pensar o quanto a posição definida por Lacan como impasse do su-
jeito é bastante próxima ao lugar da angústia. Não apenas se levar-
mos em consideração o que pode acontecer pelo que chamamos de
curto-circuito no tempo de compreender, mas também se olharmos
a própria estrutura do que se encontra no impasse. Como dissemos,
o ponto ao qual se chega no vértice EI está articulado não à fantasia
em sua função de suporte da relação do sujeito com o Outro (o que
torna o gozo apto ao prazer), mas sim à fantasia em forma de sua
redução máxima. É como se aqui o sujeito se pusesse diante de seu
modo de gozo junto ao objeto a. Daí a proximidade estrutural com
a angústia.
Esse aspecto é importante porque, para entrarmos na diagonal
do segundo grupo, já adiantamos que, além de todas as coordena-
das que teremos que atualizar para defini-la, essa diagonal também
não escapa à possibilidade de advir de uma posição no impasse ex-
perienciada como angústia.

9. A diagonal do ato analítico


Agora entraremos no último movimento do que Lacan quer for-
malizar para a experiência da psicanálise pela estrutura de grupos.
Trata-se da diagonal que vai do vértice do impasse ao DS. É aí que
podemos localizar o ato analítico, ou pelo menos, sua formalização
mais importante pelo lugar que desempenha no ensino de Lacan.
Qual seja, o fim da experiência por um ato nomeado analítico.
Aqui, cabe indagar se o ato é concernente ao analista ou ao ana-
lisante. Questão interessante se a examinarmos à luz do que encon-
tramos no Seminário 15, relacionado a este ponto. Ali, ora o ato
analítico é referido ao analista, ora ao analisante, produzindo uma
espécie de vertigem ou confusão que não nos ajuda a compreender
bem o que Lacan quer transmitir. Mas se nos ativermos àquela que
consideramos a afirmação mais cabal sobre o que seja o ato analí-
tico, como ato do fim de análise, veremos que a desordem talvez
reflita um curto-circuito revelador. Lacan é enfático ao dizer que o
fim de análise está ligado à passagem de analisante à analista. Isso
implica que no início de uma análise há uma posição que sustenta a

106 o tempo na psicanálise II


entrada que se estabelece, dessa forma, por um final anterior ao co-
meço. E esse final anterior se encontrará com um novo começo, na
medida em que o ato analítico será novamente uma passagem dessa
natureza. “O ato psicanalítico é o que dá esse suporte, autoriza a re-
alização da tarefa psicanalisante. É na medida em que o analista dá
a esse ato sua autorização, que o ato psicanalítico se realiza”27. Isso 27 O Ato Psicanalítico, op.
cria uma equivocidade, sentida como tal ao longo dos Seminários cit. (aula de 20 de março de
1968).
14 e 15, com respeito à autoria do ato analítico, porque ele não parte
do analisante ou do analista, mas antes, relaciona-se a uma função
específica do objeto a, como logo veremos. É essa função que dá o
lugar do analista e que está no final da análise do analisante, não
por acaso definida também pelo lugar de analista. Isso faz com que
o objeto seja colocado na posição de agente.
Isso parece importante de se marcar: se não há sujeito no ato,
há agenciamento, mesmo que esse agente o encontremos na posição
do objeto a enquanto causa. Assim, não se trata de uma destitui-
ção subjetiva como na passagem ao ato, correspondendo à abolição
completa do sujeito (lembremos que seu paradigma, para Lacan, é
o suicídio bem-sucedido). Antes, trata-se de se poder fazer operar o
objeto a em uma posição de agenciamento, em uma função de causa
que teremos que expor.
O objeto a como causa, remete a questões que vêm desde o Se-
minário 11. Lá, Lacan dizia que a causa “se distingue do que há de
determinante em uma cadeia, dizendo melhor, da lei”28, em uma 28 Lacan, O Seminário,
livro 11: Os quatro conceitos
alusão direta à necessidade de se diferenciar aquilo que é da ordem fundamentais da psicanálise
da determinação simbólica daquilo que conduz a certa liberdade (1964/1985, p. 27).
concernente ao sujeito. Se isto estava formalizado na passagem da
operação alienação à operação separação no Seminário 11, no tra-
tamento dado pela estrutura de grupo nos Seminários 14 e 15 o
percurso é diferente.
Aqui, devemos articular dois eixos do primeiro semigrupo
que examinamos para chegarmos à posição do impasse e depois
avançar. Primeiro, o quê se coloca em jogo na diagonal que vai do
vértice ES para o DI, que é a passagem do que era falta para perda,
como dissemos. É a passagem de a para -j. Retomemos que a falta
aqui é a falta de sujeito: onde está o a no vértice ES há um “ser sem
je” (primeiro “lá onde isso estava”). A passagem faz, da falta, perda.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 107


Mas aqui, “a falta de sujeito própria do isso torna-se, no inconscien-
29 O desejo do psicanalista, te, objeto da perda”29. Assim, o sujeito como falta em um primeiro
op. cit. (p. 82). tempo, implica um objeto de perda para Outro em um segundo
(segundo “lá onde isso estava”).
O segundo eixo é o da transferência que desemboca no vértice
do impasse. Essa diagonal, como vimos, reúne em si as operações
alienação e verdade. Ela faz chegar, por redução, à forma mínima
em que aparece “a identificação do a, como causa do desejo, e do
30 O Ato Psicanalítico, op. -j como lugar onde se inscreve a hiância própria ao ato sexual”30.
cit. (aula de 10 de janeiro No vértice do impasse, o sujeito vê-se diante de tal justaposição de
de 1968).
a e -j (falta e perda), o que faz da fantasia uma forma de se tentar
escrever o ato sexual, sobre uma estrutura que revela o impossível
de restituir da perda ao Outro.
Porém, e nesse mesmo movimento, é isso o que impede que o
objeto cumpra sua função de causa de desejo. É essa função que
vem cumprir o objeto a no ato analítico: “a operação do ato analí-
31 Ibid., aula de 24 de tico deve reduzir esse sujeito à função do objeto pequeno a”31. As-
janeiro de 1968.
sim, na diagonal do ato analítico há o movimento de disjunção do
objeto a do objeto fálico, daquilo que falta ao Outro como objeto
perdido: “Distinção da alienação do pequeno a, enquanto vem aqui
separar-se do j, que ao fim da análise é a realização do sujeito; eis
32 Ibid., aula de 17 de o processo de que se trata”32. Sua justaposição ao -j o colocava às
janeiro de 1968. voltas com o infinito da demanda, na cegueira fálica de liquidar o
desejo, fazendo este funcionar a serviço daquela. É a possibilida-
de de extração do objeto a que guarda “certa margem de liberdade
[do sujeito] em relação ao lugar que ocupou como objeto do desejo
33 O desejo do psicanalista, como desejo do Outro”33. Mas para isso é necessário que o sujeito
op. cit. (p. 145). tenha chegado ao impasse de ter tentado fazer existir o ato sexual,
na montagem fantasmática, como resposta à perda que ele mesmo
foi para o Outro. Por esta razão é que Lacan estabelece essa pas-
sagem da falta à perda e depois à causa. Claro, não deixa de haver
desejo enquanto desejo do Outro, mas o avanço em formalizar o
fim de análise dessa maneira está na proposição do ato pelo qual o
sujeito, a partir de certa destituição de si, dá lugar ao mais singular
de seu “ser” causa desse desejo. Em sendo causa desse desejo, Lacan
propõe o desejo do analista. Nesse sentido, o desejo do analista não
é um desejo puro, visto que é atravessado por essa função do objeto
a enquanto aquilo que o causa.

108 o tempo na psicanálise II


A partir dessas considerações podemos compreender duas ideias
que nos interessam: 1. que no ato analítico haja suspensão subjetiva
e ultrapassamento das coordenadas simbólicas, e; 2. que o agente
do ato analítico seja essa função de causa de desejo do objeto a,
pois o objeto a ao destacar-se da articulação fálica representa uma
ruptura com as inscrições simbólicas que determinavam um tipo de
relação entre o sujeito e o Outro.
Daí também se depreende o entendimento do por quê haver no
ato analítico um tempo de escansão do vetor transferência. Vimos
como a diagonal da transferência do primeiro semigrupo marcava-
se pelo ato de retificação subjetiva e entrada em análise a partir da
função do sujeito suposto saber e de seu percurso até o vértice do
impasse. Se ao sujeito suposto saber cumpria a função de sustentar
a transferência na análise, pondo o sujeito em transferência ao saber
para poder indagar acerca do desejo do Outro, quando chega-se ao
ponto de impasse não há mais o que indagar, pois a resposta dá-se
pelo esgotamento do saber na construção da fantasia — que não é
uma estrutura puramente simbólica. Mas é na travessia da fantasia,
na diagonal que sai do vértice do impasse, no ato analítico, que a
função do objeto a vem substituir a função do sujeito suposto saber.
Quanto a isso Lacan é assertivo:

A questão é: o que se torna o sujeito suposto saber? Vou lhes dizer


que, em princípio, o psicanalista sabe o que ele se torna. Seguramente
ele cai. O que está implicado teoricamente nessa suspensão do sujeito
suposto saber, esse traço de supressão, essa barra sobre o S, que a sim-
boliza, no decorrer da análise se manifesta nisso: que alguma coisa se
produz num lugar, certamente que não indiferente ao psicanalista, já
que é nesse mesmo lugar que essa coisa surge. Essa coisa se chama o
objeto pequeno a34. 34 O Ato Psicanalítico, op.
cit. (aula de 17 de janeiro de
1968).
É outra maneira de dizer sobre o “sujeito que deve advir, lá onde
isso estava”. Sabemos que isso foi uma forma sintética pela qual
Freud buscou indicar a direção da análise. Vimos também como
tal sentença se articulou em uma de suas metades no primeiro se-
migrupo que apresentamos. “Lá onde isso estava” aparece tanto no
vértice ES como no DI. Dissemos que são duas formas de negação
do je: Um ser sem je (ES) e um pensamento sem je (DI). De um

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 109


lado, a pulsão e o objeto a, e de outro, o inconsciente e o objeto
fálico. As formas negativas de a e -j na ausência de je podem fazer
imaginar que na passagem proposta por Freud, o je deveria ali se
afirmar como uma substituição: “lá onde isso estava, [pois não há
mais nada ali], o sujeito deve advir” como que ocupando esse lugar
de uma ausência. Mas vimos que no ato não se trata disso. Pois a
passagem de falta à perda não dá depois ao sujeito uma posição
de causa de desejo, mas é o próprio objeto a que retorna aí des-
de uma outra posição. Retomemos o que já dissemos. O objeto a,
posto no vértice ES do primeiro semigrupo é falta de sujeito. Essa
falta deve tornar-se perda de objeto para Outro no vértice DI do
mesmo grupo (posição de -j). Esse sujeito torna-se objeto de perda
para Outro. Sem tornar-se perda para Outro não poderia haver a
última passagem, que é a disjunção de a e -j, fazendo o objeto a
cumprir a função de causa de desejo. Assim, o que advém é essa
função do objeto da qual o sujeito pode dispor a partir de então
em sua relação com o Outro. E essa é o que poderíamos denominar
por uma criação maior, pois não é outra coisa senão uma invenção
absolutamente singular, de fazer o objeto tomar essa função. Talvez
seja isso que Lacan apontou quando reformulou no Seminário 15 a
sentença de Freud:

“Wo S tat”, e permitam-me escrever esse “S” com a letra aqui bar-
rada, lá onde o significante agia, no duplo sentido de que ele acaba
de cessar e de que ele ia justo agir, de modo algum “soll ich werden”,
mas “muss ich”, eu que ajo, eu que lanço no mundo essa coisa à qual
35 Ibid., aula de 17 de é possível dirigir-se como a uma razão35.
janeiro de 1968.
Não se trata, portanto, de advir o sujeito lá onde isso estava, mas
de advir a causa de sua divisão. Para encerrar, como disse Lacan:

O ato psicanalítico consiste essencialmente nesse tipo de efeito de


sujeito que opera distribuindo, por assim dizer, o que consistirá o su-
porte, a saber, o sujeito dividido, o S, enquanto esta é a aquisição
do efeito de sujeito ao final da tarefa psicanalisante... É ao preço – já
que falei de distribuição – de que toda experiência girou em torno
36 Ibid., aula de 20 de desse objeto pequeno a, enquanto é, foi e permanece sendo estrutu-
março de 1968. ralmente a causa dessa divisão do sujeito36.

110 o tempo na psicanálise II


Referências bibliográficas
BARBUT, M. Sobre o sentido da palavra estrutura nas matemáticas.
Rio de Janeiro: Revinter, 1996.
BRODSKY, G. Short Stoty – Os princípios do Ato Analítico. Rio de
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LACAN, J. O Seminário – livro 10: A Angústia (1962-63). Rio de
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LACAN, J. O Seminário – livro 11: Os quatro conceitos fundamentais
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LACAN, J. Seminário 14: A lógica da fantasia (1966-67). Inédito.
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RABINOVICH, D. O desejo do psicanalista. Rio de Janeiro: Com-
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Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 111


Resumo
Em dezembro de 1966, Lacan apresenta em seu semi-
nário sobre a Lógica da Fantasia a estrutura matemática
do Grupo de Klein, trabalhada por Marc Barbut em seu
artigo publicado em Temps Modernes no mês anterior.
Lacan a apresenta para subvertê-la segundo aquilo que
a experiência analítica orienta. Trata-se da tentativa, na
esteira de seus desenvolvimentos desde 1964 (operações
de alienação e separação), de formalizar a experiência a
partir de seus tempos lógicos que enlaçam sujeito, Ou-
tro e objeto. Este texto busca acompanhar este percurso
apoiado diretamente na estrutura, seguindo os passos de
Lacan até a passagem que marca o fim da experiência
pelo ato analítico.

Palavras-chave
Lacan, Grupo de Klein, transferência, fantasia,
ato analítico.

112 o tempo na psicanálise II


Abstract
In December of 1966 Lacan presents in his seminar on
the Logic of Fantasy the mathematical structure of the
group of Klein worked by Marc Barbut in his article pu-
blished in Temps Modernes in the previous month. In
fact, Lacan turned it according the analytical experience.
It is the attempt, in the path of his developments since
1964 (operations of separation and alienation), to forma-
lize this experience that links subject, Other and object.
This text claims to study that structure, following the
footsteps of Lacan to the passage that marks the end of
the experience by analytical act.

Keywords
Lacan, Group of Klein, transference, fantasy,
analytical act.

Recebido
12/04/2009

Aprovado
08/07/2009

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 113


114 o tempo na psicanálise II
A banda de Moebius e o tempo
do sujeito para a construção da
fantasia inconsciente1
Maurício Castejón Hermann
É interessante localizar nesse esquema R o objeto a, para esclare-
cer o que ele traz para o campo da realidade (campo que o barra).
Qualquer que tenha sido a insistência que desde então empenhamos
para desenvolvê-lo – enunciando que esse campo só funciona ao se
obturar pela tela da fantasia –, isso ainda exige muita atenção. Talvez 1 Reflexão apresentada nos
módulos de leitura das For-
haja interesse em reconhecer que, então enigmático, mas perfeita- mações Clínicas do Campo
mente legível para quem conhece a sequência, como é o caso quan- Lacaniano de São Paulo.
Este texto é parte da Tese de
do se pretende apoiar-se nele, o que o esquema R expõe é um plano Doutorado intitulada Acom-
projetivo. Em especial, os pontos em que não foi por acaso (nem por panhamento Terapêutico e
Psicose: um articulador do
brincadeira) que escolhemos as letras pelas quais eles se correspon- real, simbólico e imaginário,
dem, m M, i I, e que são aqueles com que se enquadra o único corte defendida no Departamento
de Psicologia Clínica da
válido nesse esquema (ou seja, o corte ), indicam bastante bem
Universidade de São Paulo,
que esse corte isola no campo uma banda de Moebius. Basta dizer sob orientação da Profª. Dra.
isso, já que, a partir daí, esse campo será apenas o lugar-tenente da Miriam Debieux Rosa.

fantasia ao qual esse corte fornece toda a estrutura. Queremos dizer


que somente o corte revela a estrutura da superfície inteira, por poder
destacar nela os dois elementos heterogêneos que são (marcados em
nosso algoritmo ($◊a) da fantasia) o $, S barrado da banda, a ser es-
perada aqui onde ela efetivamente surge, isto é, recobrindo o campo
R da realidade, e o a, que corresponde aos campos I e S. Portanto, é
como representante da representação na fantasia, isto é, como sujeito
originalmente recalcado, que o $, S barrado do desejo, suporta aqui
o campo da realidade, e este só se sustenta pela extração do objeto a,
que, no entanto, lhe fornece seu enquadre. Medindo por escalões, to-
dos vetorializados por uma intrusão apenas do campo I no campo R,
o que só é bem articulado em nosso texto como efeito do narcisismo,
é inteiramente impossível, portanto, que queiramos reintroduzir aí,
por alguma porta dos fundos, que esses efeitos (leia-se “sistema das
identificações”) possam teoricamente fundar, seja de que maneira
for, a realidade. Quem acompanhou nossas exposições topológicas
(que não se justificam pela estrutura da fantasia a ser articulada) deve
saber perfeitamente que, na banda de Moebius, não há nada de men-
surável a ser retido em sua estrutura, e que ela se reduz, como o real
aqui em questão, ao próprio corte. Esta nota é indicativa do momento
atual de nossa elaboração topológica (julho de 1966).2 2 Lacan, De uma questão
preliminar a todo tratamento
possível da psicose (1957-
A nota de rodapé, apresentada aqui como epígrafe, formaliza a 58/1998, pp. 559-60).

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 115


relação do sujeito neurótico com o campo da realidade para, justa-
mente, incorporar a dimensão do tempo ao tratamento psicanalí-
tico. O propósito maior dessa reflexão é, portanto, esmiuçar certas
passagens desta nota de rodapé, com o intuito de oferecer ao leitor
subsídios à sua compreensão ou, dito de outro modo, desdobrar
afirmações que ali se apresentam de forma bastante condensada.
Desse modo, abre-se um leque de questões: Qual é o estatuto do
objeto, sua relação com a realidade e o modo como ela, a realidade,
é apreendida pela fantasia? De que maneira a ideia do plano projeti-
vo incorpora, para si, a noção do tempo? E a topologia? A banda de
Moebius, como figura topológica, permite romper com a dicotomia
endógeno X exógeno, de modo a situar – nela mesma – a fantasia
inconsciente, seus objetos e o corte de uma sessão de análise?
A seguir, seguem cinco comentários sobre a nota de rodapé.
Como pensar o objeto a, sua relação com o campo da realidade
e seu recorte através da tela da fantasia?
Conforme Roudinesco e Plont, no Dicionário de Psicanálise, o
conceito objeto a foi apresentado por Lacan no ano de 1961, com
o intuito de descrever o objeto de desejo do sujeito do inconscien-
te como algo que lhe é furtado e, também, irrepresentável, como
um resto não-simbolizável. Ele aparece de forma fragmentada, por
meio de quatro objetos parciais desligados do corpo, a saber: o seio,
como objeto de sucção; as fezes, como objetos de secreção – obje-
tos da demanda – e conjuntamente a voz e o olhar, ambos como
3 Lacan, O Seminário, livro objetos do desejo. Já no Seminário A transferência, Lacan3 traba-
8: A transferência (1960- lha questões vinculadas ao manejo da transferência, ao retomar O
1961).
banquete de Platão e a posição de Alcibíades diante de Sócrates.
Alcibíades demandava de Sócrates uma confirmação de seu amor.
Sócrates, por seu turno (e conforme Lacan), sustentava uma posição
de analista, já que fazia semblante ao endereçamento do amor de
Alcibíades e, ao mesmo tempo, não o respondia em ato. Ora, aqui
reside um argumento freudiano acerca do amor de transferência,
visto que o neurótico adquire uma maneira específica de amar, no
drama edipiano, e o atualiza na relação analítica. De seu lado, um
analista suporta o lugar que lhe foi dado na transferência; suporta
o endereçamento do amor de seu analisante, mas não o responde
em ato. O diálogo de Platão versa em torno do amor e da ideia de

116 o tempo na psicanálise II


que há um objeto que representa o “bem”, o Agalma. É sobre essa
noção de Agalma – o bom objeto – que Lacan o converte em objeto
a. “(…) objeto do desejo que se esquiva e que, ao mesmo tempo,
remete à própria causa do desejo. Em outras palavras, a verdade do
desejo permanece oculta para a consciência, porque seu objeto é
uma ‘falta-a-ser’. Em março de 1965, Lacan resumiria essa propo-
sição nesse aforismo: ‘O amor é dar o que não se tem a alguém que
não o quer.’”4 4 Roudinesco e Plont, Di-
Outro aspecto a ser considerado é a noção de realidade. Aqui cionário de psicanálise (1998,
p. 552).
reside uma aproximação ao argumento de Freud5, pois ele retificou
a ideia segundo a qual só haveria perda da realidade na psicose, tal
como afirmara em texto anterior6. Na verdade, também há uma 5 Freud, A perda da reali-
dade na neurose e na psicose
fuga da realidade na neurose, quando algum objeto da realidade (1925/1980).
evoca um traço da fantasia inconsciente.
Para dar continuidade ao argumento acima, é necessário inter-
6 Freud, Neurose e psicose
rogar a descrição de Freud7 acerca da hipótese endógena e exógena (1924/1980).
da constituição da subjetividade e sua confluência na fantasia in-
consciente, ao articular o mundo subjetivo da criança ao mundo 7 Freud, Bate-se numa
objetivo, de sorte a considerar a estruturação da fantasia incons- criança (1919/1980).

ciente em função do lugar que a criança ocupa, na própria fantasia,


em relação aos pais.
Nasio8 oferece uma reflexão interessante sobre esse debate, ao 8 Nasio, Psicossomática – as
formações do objeto a (1993).
definir, como ponto de partida, a experiência analítica em função
do amor de transferência. Posto isso, interroga-se a respeito de cer-
tas dicotomias ou preconceitos, sob a forma de opostos: é possível
afirmar a existência de um homem e de uma mulher? Corpo é algo
que se distingue por completo do psiquismo? Há diferenças entre
a realidade material e a realidade psíquica? É possível sustentar a
hipótese endógena e a hipótese exógena, tal como Freud o fez, ao
teorizar a fantasia inconsciente?
A experiência analítica e o respectivo trato teórico oferecidos
por Lacan rompem com esses “opostos” ou, então, é possível ve-
rificar que há alguns preconceitos que merecem ser revistos ou re-
considerados. Por exemplo, a ideia de que há um “dentro” e um
“fora” se modifica quando se situa a própria clínica psicanalítica
como território. “Em que termos passa esse limite que diz respeito 9 Ibid, p.27.
à experiência da análise?”9 Nesse contexto, ele propõe pensarmos a

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 117


psicanálise como a “realidade enquanto limite, essa zona fronteiriça
10 Ibid, p.27. entre o sujeito e o real”10.
Ainda de acordo com a crítica à hipótese freudiana de que existe
um dentro e um fora, afirma-se que o argumento de Freud se apro-
xima de uma determinada visão filosófica, a de Berkeley, condizen-
te com a ideia de que só é possível conhecer o mundo, o fora, atra-
vés das representações. Mas aí reside uma contradição: como isso é
possível, se as representações são internas e possuem características
próprias? Não existem representações fora do psiquismo humano.
Freud não realizou distinção entre a noção de realidade e de
real; além disso, supôs a existência dos dois mundos – interno e
externo –, em função da confusão existente entre esses conceitos.
Ele também dizia que somente o mundo interno é passível de ser
11 Freud, Esboço de psica- cognoscível, apesar de ter revisto essa posição ao final de sua vida11,
nálise (1938/1980). ao afirmar que o real interno é mais cognoscível que o real externo,
mas que não seria apreensível por conceitos ou palavras, mas sim
pela própria análise.
Posto isso, vale considerar em Lacan a distinção entre real e re-
alidade:
12 Lacan, O Seminário, Real condiz com algo que é irrepresentável, inatingível12; ou,
livro 17: O avesso da psicaná-
lise (1969070/1992).
então, é o momento em que se articula o gozo do ser com o real13.
Tomemos essa referência: Lacan propõe algumas modalidades de
13 Lacan, O Seminário, gozo, neste Seminário, tais como, por exemplo, o gozo fálico, o
livro 20: Mais, ainda (1972- gozo feminino e – este sim importante para esta reflexão – o gozo
73/1985). do ser. Há uma equivalência entre o gozo do ser e o real, de sorte a
considerá-lo como aquilo que anima, de acordo com Freud, a com-
14 Freud, Recordar, repetir pulsão à repetição. Freud14 descreve a compulsão à repetição como
e elaborar (1914/1980).
algo da ordem do inconsciente; conteúdos que ainda não foram
passíveis de elaboração e que, desse modo, são atualizados na trans-
ferência em ato. A indicação clínica deste artigo se articula com a
ideia de que uma análise se efetiva na transferência; em sustentar as
repetições do analisante, já que é na repetição de algo que a diferen-
ça pode advir, permitindo uma elaboração.
Já a realidade é mutante: abre-se e se fecha de tal sorte a ser
concebida como algo local e atrelado à trama dos significantes. Em
outros termos, a realidade pode ser pensada como uma série de
identificações que se sucederam na vida do sujeito, como um vai-

118 o tempo na psicanálise II


vém entre o eu e a imagem especular do estádio do espelho. Aqui
a ênfase é posta no primeiro tempo do Édipo, mais precisamente
no lugar da mãe como o Outro que deseja. “(…) realidade, na vida
de alguém, é a sucessão de encontros identificadores e de encontro
com o desejo do Outro.”15 15 Psicossomática – as forma-
ções do objeto a, op.cit., p.31.
Porém, conforme Nasio, a realidade não se restringe apenas às
palavras e imagens, já que a realidade é também concebida pelo
movimento da pulsão – no estreito vínculo entre o psíquico e o
orgânico. É nesse contexto que Nasio se interroga acerca do ataque
histérico. Do que se trata? É fantasia? É realidade? O desmaio his-
térico é um exemplo interessante para encaminhar essas questões,
visto que é, sem dúvida alguma, consequência da ação da fantasia
inconsciente e, no entanto e ao mesmo tempo, há um corpo no
chão. Fala-se de um corpo desmaiado, tomado pela ação da fantasia
histérica.

[…] A fantasia não é uma imagem na cabeça, mas é algo material,


que se manifesta por uma atividade motora, uma paralisia, por algu-
ma coisa no corpo. A realidade é isto: não foi somente o significante
que induziu a histérica a desmaiar, não são apenas as imagens que
sustentam sua identificação. A realidade para a histérica é mais que
todo o circo que gira em torno dela, que ela instalou. A realidade para
a histérica é onde ela cai desmaiada. Para falar de realidade é preciso
disto16. 16 Ibid, p.33.

Em outras palavras, a realidade equivale ao corte, quando se


introduz o movimento da pulsão para o sujeito se separar do objeto.
Freud17 afirma que as pulsões não possuem objeto definido. Ele 17 Freud, A pulsão e suas
vicissitudes (1915/1980).
comenta a ideia de que há uma falsa crença, a de que existiria uma
cola entre a pulsão e o objeto. Na verdade, o objeto eleito da pulsão
pode induzir a esse erro, visto que se apresenta aí uma ilusão de que
a satisfação pulsional é decorrência de determinado objeto. Não é à
toa que Freud discorre acerca da plasticidade da pulsão.
Assim, no ataque histérico, o objeto da pulsão pode ser o olhar
ou, então, a ação motora do músculo. Ora, fala-se de uma realidade
concebida como imagens e significantes, mas também determinada
pelo movimento pulsional. A trajetória da pulsão escópica, descrita

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 119


por Freud, serve como exemplo para ilustrar a gramática de seu
movimento: temos aí três termos – olhar, ser olhado e olhar-se. A
realidade é o que se tem de mais exterior, ligado ao significante e à
imagem e, no entanto, é ao mesmo tempo o que há de mais inte-
rior, de mais íntimo ao corpo e ao sujeito do inconsciente. A ênfase
dada na frase anterior incide sobre o período “é ao mesmo tempo”,
o que indica a superação da dicotomia endo x exo, tal como já foi
discutida anteriormente.
2- O esquema R como um plano projetivo. O que isso quer
dizer?
A representação gráfica do mapa-múndi é um exemplo de plano
projetivo. A disposição dos continentes em um plano bidimensio-
nal é bastante conhecida, inclusive em função das determinações
históricas que o conceberam. O continente europeu se localiza ao
centro e na parte superior da representação e, tomado como referên-
cia, serve para que os outros continentes sejam distribuídos, nessa
mesma representação gráfica, conforme sua localização geográfica
em relação à referência eleita. É interessante notar que qualquer
parte do planeta poderia ser usada como ponto de referência. A
consequência disso é que seria possível ter séries de representações
ao tentar ilustrá-lo em um plano bidimensional.
No entanto, há aspectos que escapam à representação gráfica do
planeta Terra, tais como seu eixo de rotação ou seu eixo de trans-
lação. A Terra gira em torno de si mesma, o que gera os dias e as
noites; além disso, ela possui uma localização no sistema solar – é o
terceiro planeta mais próximo do Sol e demora 365 dias, um ano,
para dar uma volta completa em torno dele. O mapa-múndi não
dá conta desses movimentos do globo terrestre e seus respectivos
tempos; eles não são passíveis de ser representados ou figurados.
Ao transpor essa discussão para o esquema R, tem-se a ideia de
que nele há a formalização dos três tempos do Édipo, bem como o
quadrilátero MimI. São esses pontos que determinam o quadriláte-
ro responsável por animar a estrutura – ao determinar as instâncias
nas quais uma análise se situa, além de incorporar ao modelo a
problemática do tempo – visto que inscrevem um movimento onde
se dá o campo da experiência analítica, desde que desse quadrilátero
seja feita uma figura topológica denominada banda de Moebius.

120 o tempo na psicanálise II


3- O que são os pontos MimI?
Os pontos citados definem o campo da realidade. De início,
o eixo i – M, que está de acordo com o registro imaginário. O i
equivale ao eu, a imagem do próprio corpo diante da mãe. Já o M
está atrelado ao significante do objeto primordial ou, dito de outro
modo, o ego ideal. Há também o outro eixo, m – I, onde m é a ima-
gem especular da criança e I é o Ideal do eu. O segmento m – I, por
meio de suas identificações, está atrelado à serie de significantes ou
de representações que pontuam sua realidade, a partir de referen-
ciais; uma realidade recheada de significantes. Falar do Ideal de eu é
fazer referência à identificação que convoca o registro do simbólico;
ou seja, a uma série de identificações significantes que se opõe ao
registro do imaginário. A identificação ao Ideal do eu pressupõe a
incidência da função paterna e, consequentemente, um desapego à
relação imaginária com a mãe. O pai, por ser um personagem real,
intervém de modo a que o eu se torne um elemento significante.
Desse modo, pode-se afirmar, estabelece-se aí – de acordo com
Lacan –, um movimento de báscula oriundo da torção entre os
registros do imaginário e do simbólico, justamente onde se define
o campo da realidade. De um lado, há a realidade adquirida pelo
sujeito do inconsciente, a partir de sua assunção a uma imagem
virtual do corpo. De outro, o sujeito do inconsciente introduz no
campo da experiência o significante, o que resulta em ampliar este
mesmo campo para o sujeito. Ainda com Lacan18, cabe retomar a 18 Lacan, O Seminário,
livro 5: As formações do in-
discussão sobre o estatuto do objeto, uma vez que essa interroga- consciente (1957-1958/1999).
ção é primordial para sustentar a experiência analítica. Quais são
a fonte e a gênese do objeto ilusório? É possível reduzir o objeto ao
ilusório ou ao imaginário?
Não! Lacan é taxativo em sua resposta. O objeto da necessida-
de sexual não se reduz ao fato, por exemplo, de o macho se voltar
para uma fêmea em busca de uma atividade sexual cuja finalidade
seja a reprodução da espécie. Lacan é irônico ao citar um fato es-
sencial a essa discussão, quando enfatiza o que “um sapatinho de
mulher” provoca em um homem. O objeto ilusório não exerce sua
função no sujeito do inconsciente como imagem, apesar do engodo
que se apresenta, mas se inscreve como um elemento significante,
atrelado à cadeia significante. Desse modo, há que se pensar que o

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 121


objeto primordial domina a vida psíquica, visto que há elementos
imaginários que desempenham papéis cristalizadores. Também, há
que se considerar – como já foi dito –, sua inscrição como signi-
ficante atrelado à cadeia. Esta última avança: S, S1, S2, S3,… e a
significação também avança; porém, em sentido contrário. Há uma
significação que desliza e que determina, no humano, uma espécie
de relação intrínseca de significação. Aqui se trata de um objeto me-
tonímico, axial na dialética das perversões e das neuroses, além de
ser também determinante para o desenvolvimento subjetivo. Fala-
se do falo.
A relação da criança com a mãe não é somente permeada por
realizações e frustrações, mas também pela passagem da descoberta
do que é, para a criança, ser o objeto de desejo do outro e da ins-
crição do desejo nela mesma, a criança. Nesse ponto, Lacan retoma
19 Freud, A organiza- as ideias de Freud a respeito da fase fálica19 e da estruturação da
ção genital infantil: uma
interpolação sobre a teoria da
fantasia inconsciente, ao introduzir em seu argumento a passagem
sexualidade (1923/1980). do primeiro tempo para o segundo tempo do Édipo. O que signi-
fica para a criança o seu desejo? Lacan atribui à fase fálica de Freud
o estatuto de um significante pivô, “em torno do qual girava toda
a dialética do que o sujeito tem que conquistar por si mesmo, por
20 O Seminário, livro 5, seu próprio ser”20.
op.cit., p.248.
Ora, a respeito da inscrição do significante fálico na estrutura-
ção da subjetividade – e a constituição da cadeia significante an-
corada na relação entre significante e significado, amarrados pelo
point de capiton – atrela-se à inscrição do significante Nome-do-
Pai. O significante fálico amarra o significante ao significado, por
meio do “ponto de basta”, o que sustenta a formulação lacaniana
a respeito da primazia do significante sobre o significado. Desse
modo, retoma-se a ideia de que uma estrutura clínica se define a
partir do modo pelo qual o sujeito do inconsciente articula/define/
ordena sua posição em relação ao jogo do significante. Para pensar
21 Lacan, O Seminário, a neurose, Lacan21 fala do “ponto de basta” como algo primordial
livro 3: As Psicoses (1955-
1956/1985).
para a experiência humana. Lança-se mão de uma metáfora, no
caso a ideia do “ponto de basta”, como ponto de articulação, de
amarração entre os três registros: o simbólico, o imaginário e o real
na linguagem. O “ponto de basta” permite uma articulação entre
significante e significado capaz de construir sentidos possíveis para

122 o tempo na psicanálise II


uma fala, quando se coloca um ponto final na frase. O sentido se
constrói retroativamente e pode ser compartilhado em função do
fato de que é próprio da linguagem compartilhar sentidos possíveis.
Na neurose, o sujeito do inconsciente habita a linguagem, já que ele
recebe a mensagem de forma invertida, uma vez que o Outro está
reconhecido no discurso da alteridade. “É essencialmente essa in-
cógnita na alteridade do Outro que caracteriza a ligação da palavra
no nível em que ela é falada ao outro.”22 22 Ibid, p.49.
Na fala do sujeito neurótico há reciprocidade. A condição de o
neurótico habitar a linguagem traz consequências importantes para
o manejo da transferência na clínica, naquilo que se refere ao tempo
de uma sessão de análise: o tempo lógico e sua estrutura de corte.
Aliás, na própria nota de rodapé, Lacan situa o quadrilátero M i
m I como o único corte válido nesse esquema, porque ele isola no
campo da realidade uma banda de Moebius.
4- A banda de Moebius é uma figura topológica: o que quer dizer?
A topologia se constituiu como um ramo da matemática. Gra-
non-Lafont23 oferece algumas passagens históricas para descrever 23 Granon-Lafont, La
topología básica de Jacques
seu campo. Em 1679, Leibniz definiu um novo ramo da matemá- Lacan (1987).
tica, sob a classificação latina de analysis situs, cuja tradução para o
português é o estudo do lugar. Foi em 1750 que a topologia avan-
çou, no momento mesmo em que Euler estabeleceu relações cons-
tantes entre vértices, faces e arestas de um sólido convexo. O traba-
lho de Euler suscitou várias polêmicas, o que serviu para reforçar o
campo da topologia, já que inúmeros matemáticos concentraram-se
em estabelecer limites possíveis para as leis propostas por Euler. Foi
por meio de Moebius, em 1861, que uma figura topológica entraria
para a história. É a banda de Moebius, tema dessa reflexão.
A topologia preocupa-se com o estudo de formas geométricas,
a ciência dos espaços e suas leis ou propriedades. Opõe-se ao mo-
delo matemático euclidiano, visto que não se trata de estudar um
objeto e o cálculo de seu deslocamento no espaço. A ênfase dada
à topologia condiz com o estudo do espaço em si mesmo, em sua
invariância. Pode-se, inclusive, afirmar que o uso da topologia no
campo psicanalítico e, mesmo, nas ciências humanas aproxima-se
de um fundamento epistemológico do conhecimento – e cabe a
Lacan o mérito de ter insistido nessa via. Ele foi, quando menos,

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 123


um grande colaborador para a realização dessa empreitada: a de
lançar mão do uso desse ramo da matemática para formalizar a
experiência analítica.
24 Vegh, Escrituras (1994). Vegh24, em distintos momentos de sua obra, interroga-se a res-
peito do uso das escritas na obra de Lacan. Reconhece que na obra
de Lacan há o recurso às figuras topológicas, o que possibilita esta-
belecer, por meio das escritas, descrições importantes de uma época
de seu ensino. Mas, qual é o intuito desse recurso utilizado? Por que
Jacques Lacan lança mão das escritas? Vegh compara o uso da topo-
logia na psicanálise com a poesia. A poesia, apoiada nos recursos da
metáfora, toca em pontos que se situam no limite do indizível. É aí
que também se localiza a experiência analítica, já que uma análise
é uma experiência do sujeito diante de seu mundo, ponto que não é
passível de nomeação.
Granon-Lafont também se interroga a respeito da pertinência
da topologia, de seu uso, para teorizar a experiência analítica. Uma
tendência possível na psicanálise seria a de dar substancialidade ao
sujeito do inconsciente, já que se trata de um conceito fundamental
para seu sistema teórico. No entanto, não é isso que está em jogo…
Não se trata de substancializar o conceito do sujeito do inconscien-
te, mas sim de figurar e teorizar o modo como ele aparece, seus
percursos e as possibilidades que lhe permitem descrever um espaço
particular.
O uso do recurso da topologia é um esforço de Lacan para não
substancializar um conceito, no sentido mesmo da não-compreen-
25 Lacan, O Seminário: RSI são. Lacan25 comenta a importância do uso do nó borromeano em
(1975-76/inédito). seu ensino, mas perfeitamente aplicável às outras figuras topológi-
cas. “Aliás, o que poderíamos realmente perder, (…), a saber, que
todos os sistemas da natureza que surgiram até aqui são marcados
26 Ibid, aula de 10 de pela debilidade mental, para que então ater-se tanto a eles?”26. É
dezembro de 1974.
claro que Lacan empreende um grande esforço para formalizar a
experiência analítica, e assim o fez ao evitar a contaminação do
imaginário naquilo mesmo que pretende transmitir. Ou “a banda
de Moebius conserva, em nosso espaço, o estatuto de representante
27 La topología básica de do irrepresentável. Esta função paradoxal constitui uma necessida-
Jacuqes Lacan, op.cit. p.46. de, a causa da debilidade de nossa percepção e de nossa imaginação
intuitiva do espaço”27.

124 o tempo na psicanálise II


E o que é uma banda de Moebius? Trata-se de uma figura topo-
lógica simples de fazer. Ao tomar, por exemplo, uma tira de papel,
realiza-se uma torção sobre ela e, depois, fixam-se suas extremida-
des. Um exemplo bastante conhecido é uma figura de Escher, que
permite notar o andar das formigas em um contínuo, de modo que
desaparecem o que seja “lado de dentro” e “lado de fora”. Uma for-
miga, ao caminhar sobre a superfície da banda, retorna ao mesmo
ponto após realizar duas voltas, de modo a estabelecer uma conti-
nuidade entre o lado de dentro e o lado de fora.

Escher

Ainda com Granon-Lafont, é apenas mediante um aconteci-


mento temporal que se distingue o lado de dentro do lado de fora.
Caso a formiga realize somente uma volta, ela se encontrará no
lado oposto a seu ponto de partida. O tempo aparece aí como uma
dimensão fundamental, importante para ser teorizado diante da
experiência analítica e que condiz com as repetições do analisante,
atrelado àquilo que foi dito há pouco; à ideia de que a emergência
do sujeito do inconsciente, na associação livre, refere-se ao suportar
a transferência, àquilo que se atualiza em ato e sua noção de corte.
5- A banda de Moebius é o lugar-tenente da fantasia, onde o
corte oferece sua estrutura. Como assim?
Incluem-se aí dois elementos importantes para se pensar a tra-

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vessia da fantasia, como direção de tratamento na neurose: o sujeito
do inconsciente, o sujeito barrado – sua emergência na associação
livre – e o objeto a, objeto-causa do desejo, que enquadra o campo
da realidade. Uma análise propicia ao sujeito do inconsciente atra-
vessar sua posição fantasmática, de sorte a se deparar com o objeto a
e sua decorrente queda. Também vale ressaltar a ideia de que não há
nada de mensurável a ser retido na estrutura da banda de Moebius,
visto que ela se reduz ao próprio corte, assim como a emergência do
real – pois ele, também, não é mensurável.

Figura 2: Esquema R ilustrando o corte da realidade e sua tor-


ção. Fonte: Nasio, 1993, p. 38

Os pontos M i m I delimitam o campo da realidade, e com


eles é possível realizar uma torção para fazer a banda de Moebius.
Os pontos i e I serão coincidentes, assim como os pontos m e M.
Articula-se o eu com o Ideal do eu e a imagem especular com o
significante do objeto primordial. As instâncias pelas quais se esta-

126 o tempo na psicanálise II


belece o movimento de uma análise são, portanto: o narcisismo pri-
mário e o Ideal do eu. Ora, são instâncias psíquicas que delimitam
o campo da realidade, campo que assume status de plano projetivo,
visto que anima o que o esquema R pressupõe ser estático. A banda
de Moebius indica o movimento da pulsão, e sua estrutura de corte
visa, ao longo de uma análise, a separar a pulsão do objeto. Desse
modo, rompe-se com a ideia de realidade objetiva, uma vez que ela
só é percebida pela fantasia inconsciente – a realidade é definida
pelo movimento pulsional e, também, através do jogo de signifi-
cantes. Esse movimento na análise é marcado pelo tempo; o tempo
do corte, movimento determinado pelo atravessamento da fantasia
inconsciente. Como já disse Freud28, uma análise se direciona às 28 Freud, Construções em
análise (1938/1980).
construções possíveis que o analisante realiza, no sentido mesmo do
trabalho de arqueologia sobre si mesmo, ao tentar reconstruir sua
posição diante da Outra cena – a cena edipiana. O corte lacaniano
auxilia o sujeito do inconsciente a se deparar com a Outra cena.
A entrada em análise pressupõe a entrada do sujeito do incons-
ciente no campo do desejo. Lacan29 oferece uma indicação clínica 29 Lacan, Função e campo
da fala e da linguagem em
preciosa no que concerne a uma possível primeira posição do sujeito psicanálise (1953/1998).
diante do desejo. Ele afirma que o primeiro desejo é o desejo de
reconhecimento do outro, não no sentido de que o outro possa ter
a chave do objeto desejado, mas sim porque o seu primeiro objeto
passa por esse tipo de reconhecimento. Essa é uma dimensão im-
portante da análise, pois a indicação clínica aí presente condiz com
a enorme frequência com que os candidatos a uma análise sempre
incluem o outro como causa do próprio sofrimento. Assumir a res-
ponsabilidade pelo próprio desejo não é um passo simples, e a en-
trada no campo do desejo pressupõe a existência de uma lei imposta
que impulsiona o sujeito do inconsciente para algo que existe, para
algo que vai mais além do princípio do prazer – o gozo do ser ou o
real – quer dizer, aquilo que anima a compulsão à repetição.
O real, a inércia, o gozo – equivalentes entre si –, tal como apa-
recem na clínica psicanalítica, podem levar o sujeito a se recusar a
entrar na dança dos significantes. “Não, eu não serei um elemen-
to da cadeia.”30 Aí reside um paradoxo, pois, ao recusar a pagar 30 O Seminário, livro 5,
uma dívida simbólica que não contraiu, não se faz outra coisa senão op.cit., p.255.

perpetuar essa mesma dívida. É nesse ponto que Lacan retoma a

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 127


31 Bate-se numa criança, segunda fase da fantasia inconsciente de Freud31, de cunho maso-
op.cit.
quista. “Há sempre, na fantasia masoquista, uma faceta degradante
e profanadora, que indica, ao mesmo tempo, a dimensão do reco-
nhecimento e o modo de relação proibido do sujeito com o sujeito
paterno. É isso que constitui o fundo da parte desconhecida da
32 O Seminário, livro 5, fantasia.”32
op.cit., p.255.
O pai aparece no registro do imaginário como um rival; mas
também assume um estatuto de modelo de identificação. Aí re-
side o efeito de báscula, visto que a posição imaginária compor-
ta consigo uma ambiguidade, pois, ao mesmo tempo em que essa
identificação imaginária de rivalidade paralisa o sujeito, há também
a identificação que, atrelada à dança dos significantes, fornece ou
propicia o movimento de um tratamento psicanalítico e a decorren-
te noção de construção em análise. Ora, a clínica psicanalítica das
neuroses não se reduz ao sintoma, na medida em que a dimensão
ética da psicanálise conduz o tratamento para a travessia da fantasia
– e não para seu desaparecimento –, o que indica uma orientação
para o método psicanalítico. A fantasia fundamental não é inter-
pretada, mas sim construída. O fim de uma análise resulta em uma
mudança subjetiva do sujeito do inconsciente diante de sua fantasia
fundamental ou diante daquilo que lhe causa desejo.
33 Lacan, O tempo lógico A escuta do significante e o corte33 de uma sessão orientam o
e a asserção de certeza ante-
cipada — um novo sofisma
método de intervenção clínica, conforme a posição ética descrita no
(1945/1998). parágrafo anterior. A formalização da banda de Moebius incorpora
a noção de corte, ao tomar o tempo de uma sessão como um tem-
34 Escrituras, op.cit. po lógico e não cronológico. Vegh34 retoma a ideia de que o corte
visa a separar o sujeito do objeto, em relação ao Outro, segundo a
lógica da castração – na teoria lacaniana. Desse modo, o corte de
uma sessão é o equivalente de uma interpretação e consiste em se-
parar o desejo da realidade, para que o sujeito do inconsciente possa
emergir, enquanto o objeto cai. Esta emergência é teorizada através
do modelo topológico aqui discutido, já que a banda de Moebius,
como uma mostração, indica algo do real. A função do corte, se
bem sustentada, afina-se à noção de que o significante nunca se
representa a si mesmo e abre a perspectiva de que, na repetição, algo
de novo possa aparecer. O corte de uma sessão propicia a abertura
do inconsciente. A emergência do real é percebida por seus efeitos

128 o tempo na psicanálise II


no significante e por sua inscrição na cadeia associativa, já que um
significante assume valor próprio ao se localizar diante de outros
significantes.
6- À guisa de uma conclusão.
Para finalizar este ensaio, vale pensar o campo da realidade na
direção do tratamento das neuroses, a partir da noção de objeto e
sua relação com a construção da fantasia. Qual é a realidade de um
sujeito sob transferência? É a realidade psíquica, que segue dupla
determinação: de um lado, uma lógica da fantasia, orientada pelo
circuito pulsional do desejo – marcada pelas demandas dirigidas ao
outro na sexualidade infantil – e atualizada na transferência com o
analista; de outro lado, a determinação da contingência ou o encon-
tro com o objeto. Na convergência de ambas – a lógica da fantasia
e a contingência do encontro com o objeto – situa-se o tempo. O
tempo necessário para que se dê o encontro com o objeto e a de-
corrente elaboração voltada à construção da fantasia inconsciente.

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Resumo
Lacan, em 1966,  introduziu uma nota de rodapé  em
seu  texto  denominado “De uma questão preliminar a
todo tratamento possível da psicose”. A referida nota
propôs recortar o campo da realidade no esquema R e,
a partir disso, convertê-lo em uma banda de Moebius.
Introduziu-se, então,  a dimensão do tempo na cons-
trução da fantasia inconsciente. O presente artigo visa
a esmiuçar esse passo, sustentado por Lacan, ao adotar
a estratégia do uso da topologia para a formalização da
experiência analítica.

Palavras-chaves
Temporalidade, construção da fantasia inconsciente,
banda de Moebius, formalização, topologia.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 131


Abstract
In 1966 Lacan inserted a footnote in his text called
On a question preliminary to any possible treatment of
psychosis. This note proposed to delimit the field of re-
ality to Schema R thereby  converting it into a Möbius
strip. Therein the dimension of time is introduced to un-
conscious fantasy. The present article aims at analyzing
the use of topology in the strategy of formalization of the
psychoanalytical experience posited by Lacan.

Keywords
Temporality, unconscious fantasy, Moebius strip, for-
malization, topology.

Recebido
08/05/2009

Aprovado
10/08/2009

132 o tempo na psicanálise II


direção do tratamento

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 133


134 o tempo na psicanálise II
O tempo do sujeito-criança
do inconsciente
Susy Roizin

Proponho “brincar” com o título, brincar de modificar a pon-


tuação para que as mesmas palavras suscitem distintas ressonâncias
significantes.
1) O tempo do sujeito... criança do inconsciente.
O inconsciente, estruturado simbolicamente, engendra o sujeito
como uma criança-produto da linguagem, uma criança muito pe-
culiar que (por ser sujeito) não tem idade.
2) O tempo do sujeito-criança... do inconsciente.
Trata-se da subjetividade de uma pessoa mais nova que vive o
primeiro período de sua vida e, por isso, depende dos cuidados e do
amor de seu entorno; e está exposta, como uma esponja permeável,
aos significantes do discurso familiar.
O tema que trabalharei é o tempo do sujeito e suas particulari-
dades na análise com crianças.
Qual é o tempo do sujeito do inconsciente?
Em 19511, era o passado, um passado presentificado. O sujeito
1 Lacan, Intervenção sobre a
em análise expressava-se na transferência, definida como a repeti- transferência (1951/1998).
ção, atualizada nas sessões, dos modos permanentes de constitui-
ção de seus objetos. De acordo com Lacan, em “Intervenção sobre a
transferência”, o fenômeno transferencial fazia com que o analista
vestisse as máscaras dos objetos libidinais que povoavam a histó-
ria do analisante. Era preciso decifrar o inconsciente como uma
escrita de conteúdos reprimidos, como verdades que podiam ser
todas-ditas, e assim livrar o neurótico de seus sintomas. Tratava-se
de um des-cobrimento do sujeito, considerado como uma estrutura
simbólica, coexistente e coberta, ocultada pelo discurso consciente
e imaginário.
Em 19602, o tempo do sujeito do inconsciente é um tempo gra- 2 Lacan, Subversão do sujeito
matical, o futuro anterior, definido como um momento futuro no e dialética do desejo no incons-
ciente freudiano (1960/1998).
qual será situado um acontecimento inscrito na estrutura como ten-
do sido produzido num tempo anterior àquele. Na verdade, o ponto
de encontro entre o vivente e o significante é condição prévia ao
advento de um sujeito, o qual se situa apenas aparentemente como
tendo estado ali desde antes da irrupção do simbólico no real. É
um fenômeno ilusório, um movimento de subjetivação après coup.
Por isso, em “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente
freudiano”, Lacan desenvolveu a sequência de seus grafos em passos

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 135


sucessivos, culminando na substituição da pequena letra Delta, a
partir da qual começa um movimento ascendente, pelo S barrado,
colocado no grafo definitivo, como se houvesse sido possível situ-
ar, no ponto de origem do circuito, um sujeito preexistente. Nesse
escrito, Lacan menciona o “terá sido”, no futuro anterior, para con-
ceituar o sujeito e seu desejo. Na clínica, uma alquimia semelhante
é produzida quando, na transferência, atribui-se um saber prévio
ao analista.
3 Lacan, O Seminário, livro Em 19643, Lacan separa-se da IPA, e a Transferência separa-se
11: Os quatro conceitos da Repetição. A transferência, a partir de então, passa a ser a co-
fundamentais da psicanálise
(1964/1998).
locação em ato da realidade sexual do inconsciente. Lacan fala do
estatuto ético do inconsciente. Se o inconsciente não tem estatuto
ôntico, seu tempo também não o tem. Trata-se de um tempo que
não é. Um presente infinitamente pequeno, que não tem duração,
evanescente como o “agora” aristotélico, um instante que escapa,
situado diacronicamente entre o passado que já foi e o futuro que
ainda não. O sujeito do inconsciente não tem a textura de uma
experiência psicológica que transcorre durante um lapso de tempo.
O tempo concernente ao sujeito na psicanálise é, nesse momento,
o efêmero de uma pulsação, pois surge um real em jogo, mais além
da vertente simbólica do inconsciente. Nessa pulsação situamos o
sujeito do inconsciente, no hiato no qual se opera a disjunção, a
função lógica chamada Vel, a báscula entre o fading e o sentido, o
encontro impossível entre a sincronia de um lugar e a diacronia de
um momento. Pulsação que é uma imagem metafórica quando se
trata de descrever teoricamente a origem do sujeito. Pulsação que é
observável, em seu advento intermitente e descontínuo, na realida-
de da experiência analítica. No encontro entre o real e o simbólico
sobra uma marca de gozo, impossível de ser apreendida pelo signi-
ficante.
Se qualificarmos o tempo como fugaz, faz-se necessário consi-
derar também outro tempo, um tempo que permanece e cuja du-
ração é, de fato, o tempo da repetição das voltas significantes, que
nunca alcançam esse real, mas que podem emoldurá-lo em uma
construção fantasmática.
O sintoma é um tipo de correção, um conector, que evidencia
o fracasso da repressão ante a exigência pulsional constante. A re-

136 o tempo na psicanálise II


petição é então a insistência daquilo que não se acaba de se anodar.
Desde os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”4, o gozo per-
dido, a sexualidade traumática, são acontecimentos inerentes tanto
ao perverso polimorfo quanto às pessoas mais velhas. Ambos de-
4Freud, Três ensaios
vem resolver de algum modo um fenômeno que é estruturalmente sobre a teoria da sexualidade
inevitável para o ser falante. Por isso, sustenta-se que a criança tem (1905/1996).

sintomas. Ela pode também ser um sintoma. A criança é falada por


seus pais e impregnada por uma proposta significante, ativa e atual,
vinda do Outro encarnado por eles. O sujeito-criança será o efeito
e ao mesmo tempo a reação diante dessa proposta.
Além de lhe oferecer um saber articulado, os pais expõem a
criança às demandas de seu discurso e ao enigma de seus desejos,
que não se articula nas palavras. Esse enigma é interpretado como
a revelação de uma falta que a criança se sente tentada a suturar,
ocupando ela mesma lugar de objeto tampão, metonímia do de-
sejo materno de um falo5. Para que uma função separadora opere 5 Lacan, O Seminário, livro
4: A relação de objeto (1956-
é necessário que a versão de um pai faça da mãe uma mulher. A 57/1995).
mãe deverá estar disposta a perder aquilo que a preenchia, a fim de
passar da posição de mãe à de mulher. A mulher, como não-toda,
consente com a castração. Do lado da criança, opera o que Lacan
chama de “sua insondável decisão”: ela poderá desgarrar-se do lugar
que pensava ocupar e renunciar a esse gozo para obter, em troca, a
dimensão subjetiva. Se isso não ocorrer, a criança ficará estancada
no lugar de falo. Nas “Duas notas sobre a criança”6, Lacan descre- 6 Lacan, Duas notas sobre a
ve outras duas modalidades sintomáticas. Em uma delas, a criança criança (1969/2003).

está presa na posição de objeto do fantasma materno e, na outra, re-


presenta simbolicamente o que não funciona no casal parental. Essa
última posição é mais sensível às intervenções do analista porque se
trata de representações simbólicas, e não de um objeto condensador
de gozo que, como tal, é mais resistente à análise7. O chamado de- 7 Laurent, Hay un fin de
análisis para los niños (1999).
sejo do analista orienta a cura em direção ao objeto a, à separação, à
resolução do Vel alienante, oferecendo a possibilidade de criar uma
resposta própria, a partir da singularidade de um sujeito-criança-
desejante. A posição de um analista de crianças desdobra-se em
duas: por um lado, é o parceiro no jogo em que a criança representa
sua novela, desdobrando o autômato significante e produzindo uma
história, um saber que se situará no tempo mítico do “era uma vez”,

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 137


como se fosse o relato de um conto que adquire a dimensão de uma
lenda escrita em algum lugar. É a ilusão de um saber suposto, que
também funciona como suporte da transferência quando se atribui
esse saber ao analista. Por outro lado, o analista é o pequeno a,
8 Lacan, O Seminário, livro
17: O avesso da psicanálise agente do discurso analítico8, e busca isolar o significante como
(1969-70/1992). letra que não se extravia no sentido. O analista espera o tropeço, a
tiquê, o novo: aquilo que deixa descoberto o real e a força pujante
da “substância gozante”.
Como resposta ante os fenômenos transferenciais, o analista põe
em jogo e encarna a falta no Outro, tornando possível, durante a
análise, a construção de um sintoma analítico: um sintoma e tam-
bém um modo de gozo próprios, movidos por um desejo advertido,
pelos quais a criança poderá ser subjetivamente responsável.
Isso, entretanto, requer um tempo, o tempo de duração de uma
análise que chegue a seu fim. Fim como meta, assim como final.
Na particularidade da análise com crianças, não são elas as
únicas que tomam as decisões. Os pais geralmente buscam uma
consulta porque algo não vai bem com seu filho, tentam encontrar
uma solução que recoloque a criança na linha de educação que lhe
dão. Contudo, a oferta de uma análise é algo bem distinto, que
pode resultar inquietante para os pais. Existe para a criança o risco
9 Freud, Mais além do princí- de ser retirada da análise, como pelo fio de um carretel9, nas mãos
pio do prazer (1920/1996).
do adulto. Os pais são aqueles que pagam e têm o poder de permi-
tir ou não que uma análise conte com todo o tempo que faz falta
para que possa chegar a seu fim. O tempo que faz falta é também
o tempo que faz a falta, que destampa uma falta. Em alguns casos
será necessário abrir o discurso dos pais e oferecer um espaço para
um trabalho diretamente com eles. Os pais que deem seu aval fa-
cilitarão que a criança obtenha a coragem necessária e atreva-se a
abandonar, mesmo que seja no resplendor de um momento fugaz, a
cadeia (simbólica) que a sustenta.
Em “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, La-
can diz que “a arte do analista deve consistir em suspender as cer-
10 Lacan, Função e campo tezas do sujeito, até que se consumem suas últimas imagens”10, sus-
da fala e da linguagem em
psicanálise (1953/ 1998, p. pensão de certezas que se produz na temporalidade de um instante.
253).
Tomarei apenas uma cena da análise com uma criança, na qual
ela brinca de desaparecer: não está onde se espera e, parafrasean-

138 o tempo na psicanálise II


do Lacan, diria que a criança testa se “podem perdê-la”11. É uma 11 Lacan, Posição do incons-
ciente (1964/1998).
variação subjetiva do jogo de esconde-esconde, escolhido como
paradigma da separação, no qual a criança “se anima”, adquire
alma, atreve-se, num ato espontâneo e imprevisto, a sair do lugar
em que se esperaria que estivesse. A cena escolhida é um momento
privilegiado em sua análise, no qual ela parece haver se livrado do
automatismo significante e pode, por um instante, brincar com a
surpresa12. 12 Lacan, O Seminário, livro
5: As formações do incons-
ciente (1957-58/1999).
Ramy, um menino de oito anos, chega à sessão. No momen-
to em que a analista abre a porta para recebê-lo, ele não está ali.
Algo não ocorre de acordo com o programado. A analista pergunta:
Onde está Ramy? Ramy permanece oculto, em silêncio. Sua mãe,
em imediata cumplicidade ao filho, responde: “Ramy não está”.
Surge um espaço lúdico no qual a mãe e a analista falam dele, fin-
gindo acreditar que ele não está.
O menino aparece subitamente, dando um salto a partir de ou-
tro lugar, surpreendendo como um witz13 e, ao mesmo tempo, sur- 13 Freud, O chiste e suas
preso com sua própria espontaneidade. Ramy grita um som de um relações com o inconsciente
(1905/1996).
par de letras carente de significado, um “UA” que remete somente
à forma de nomear sua repentina presença. Sorri e parece desfrutar
do fato de não haver estado, por um instante, na cena, como se
houvera-se furtado de um encontro e ficara espiando desde seu es-
conderijo, observando o lugar a partir do qual os outros “o falam”.
Estávamos quase no final de uma análise que durou aproxima-
damente dois anos, período no qual Ramy costumava repetir in-
sistentemente, em diversas sessões, uma brincadeira com pequenos
bonecos e soldadinhos, um barco, um campo de batalha, uma ci-
dade imaginária. Em sua brincadeira, parecia representar o modo
de enfrentar algum perigo, alguma ameaça exterior insuportável
para ele. De forma pouco variada e com uma modalidade repetiti-
va, concentrado quase que unicamente nos brinquedos, costuma-
va criar brincadeiras nas quais um monstro atacava um barco até
afundá-lo, um robô gigante dasafiava uma cidade e a destruía, ou
um exército exageradamente numeroso e bem armado ameaçava
alguns poucos soldados que dormiam indefesos no momento em
que eram atacados. Era recorrente também o sofrimento de uma

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 139


vítima desprovida de recursos para se proteger. Por outro lado, sua
conduta na vida, as circunstâncias que desencadeavam suas irri-
tações e choros, apareciam como expressão de uma grande impo-
tência ante a situações que Rami sentia ser incapaz de resolver. Às
vezes, contava, como quem denuncia ou delata algo, desagradáveis
vicissitudes familiares. Com o decorrer da análise, Ramy foi se evi-
denciando como uma criança emaranhada na relação entre um pai
violento e uma mãe intimidada, que tinha seu olhar colocado sobre
o filho, a quem dedicava todas suas preocupações. Nas sessões com
os pais, o pai tinha atitude que pretendia ser dominante e deprecia-
tiva em relação à mulher. Sua linguagem e forma de falar denota-
vam violência ameaçadora. Muito esporadicamente, a mãe notava
tal característica do pai, mas a considerava um problema de maus
modos e não parecia preocupar-se e tampouco perceber a desvalori-
zação ou as reclamações manifestadas por ele. Na verdade, ela não
dava atenção a seu marido, não o escutava muito e, por isso, não se
sentia maltratada, nem ofendida e nem demandada. Não obstante,
não conseguia deixar de pensar nos problemas de Ramy e em suas
relações sociais na escola, às vezes descrevendo-o como vítima de
rejeição por parte dos colegas, outras, temendo que o filho machu-
casse outras crianças em algum de seus frequentes e incontroláveis
acessos de raiva. Durante um tempo, Ramy foi o destinatário, o
alvo receptor de intensas preocupações disparadas por sua mãe e,
ao mesmo tempo, vivia atravessado pela tensão que irradiava da
relação entre seus pais. Suas brincadeiras aludiam a um mártir, pas-
sivo, disposto a sacrificar-se, mas também sugeriam algo acerca de
sua posição subjetiva: Ramy vivia aprisionado em um gozo que o
asfixiava e o paralisava. Quando começou a falar um pouco mais na
análise, manifestava-se o quanto ele gostava de delatar os equívocos
de seu pai. Dizia que de tanto fumar ele iria parar no hospital. Além
disso, comentava que o pai comia todas as coisas que engordam e
fazem mal. Ao referir-se a seus temores noturnos, que o levavam a
dormir com a mãe, Ramy regozijava-se ao contar que o pai mudava-
se de cama, indo dormir na do menino.
Durante a análise, a analista orientou Ramy em direção a um
maior contato com sua intimidade e com seus pensamentos antes
de dormir, em seu quarto, convidando-o falar, desenhar ou escrever

140 o tempo na psicanálise II


em um caderno aquilo que lhe vinha à cabeça naqueles momentos
tão temidos. Geralmente eram construções de ficção que se cria-
vam como o conteúdo manifesto de um sonho. O trabalho paralelo
com os pais possibilitou mudanças na posição deles. Para que o
pai conseguisse cumprir uma função separadora, a mãe de Ramy,
apenas mãe, deveria também consentir em ser sua mulher. Após um
trabalho sobre seu modo de se vincular, suas dificuldades, expecta-
tivas e condições, os pais começaram a perceber-se como um casal
e aprenderam a ajudá-lo a ficar sozinho, assegurando-lhe uma pre-
sença a distância e um cuidado mais bem regulado. Ramy deixou
de correr para a cama da mãe às noites e seus medos desapareceram.
À medida que Ramy se afastava da cena na qual se embaralhava
nas vicissitudes do casal parental, funcionando como objeto de sua
mãe, suas brincadeiras foram tornando-se menos dramáticas, me-
nos compulsivas e mais variadas. Começaram a aparecer também
personagens mais simétricos, e os protagonistas das brincadeiras e
histórias conseguiam finalmente criar laços mais cooperativos, ao
mesmo tempo em que as situações de guerra, de piratas, que não
haviam desaparecido, apresentavam-se com uma margem maior de
ação, liberdade e ousadia. Passou a ser possível também guerrear
sem que a parte frágil do enfrentamento fantasiado ficasse de fato
neutralizada, finalizando de imediato o movimento. De fato, Ramy
estava começando realmente a brincar. Surgiram relatos de relações
sociais na escola. Simultaneamente, o menino mostrava-se mais co-
municativo e afetivo com a analista, que fazia suas intervenções
a partir de uma posição de observador, rompendo algumas vezes
com a miragem sedutora da brincadeira e da narrativa imaginada,
a fim de recordar a Ramy que era ele quem relatava e inventava os
conflitos que ali aconteciam. As interpretações dirigiam-se às vezes
ao equívoco significante, o qual, ao final do processo analítico, pro-
vocava risos e suas próprias autointerpretações. Chamava a atenção
o fato de Ramy responder assim porque, no começo da análise, em
situações similares, uma mudança de ressonância significante, um
equívoco assinalado, costumavam provocar nele uma reação severa
e compulsiva que se manifestava também na relação transferencial:
Ramy ficava bravo, fazia caras de fúria e irritação e, às vezes, corria
para a sala de espera, onde estava sentada sua mãe. Ao final era no-

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 141


tável o contraste com aqueles primeiros tempos de sua análise, em
termos de plasticidade e possibilidade inventiva. Ver que Ramy era
capaz de escutar seus dizeres, desde outro lugar, foi o indicativo de
uma mudança importante na posição subjetiva do menino.
Qual é o final de uma análise com criança? Qual é a criança do
fim da análise?
Poderia chamá-la de “criança ousada-divertida”.
Ousada, porque ousa “não ser aquilo” que se espera dela e con-
segue, em alguns momentos, des-identificar-se das demandas do
Outro.
Divertida, porque são diversas as possibilidades abertas pela
contingência dos encontros, uma vez que a fixidez do gozo imposta
pelo fantasma é abandonada. Divertida também por estar disposta
à diversão e ao riso, ao chiste e ao sem-sentido.
Uma criança que chega ao final de sua análise construiu seu
próprio fantasma e também, quando chegar o momento, poderá
atravessá-lo.

Tradução: Maria Claudia Formigoni
Revisão: Paulo Marcos Rona

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Resumo
A partir do tema proposto, o tempo na análise, e rela-
cionando-o ao conceito de tempo do sujeito do incons-
ciente, o artigo retoma, primeiro, o conceito de tempo a
partir de um ponto de vista histórico-cronológico para
rastrear as diferentes concepções de sujeito do incons-
ciente que Lacan desenvolveu ao longo de seu ensino.
Posteriormente, ressalta-se o tempo efêmero da pulsação
para fazer referência ao real, que aparece na tiquê, no
acidente, no witz e no inesperado. Todas situações nas
quais consegue-se elidir o automatismo significante, sem
deixar de considerar o enlaçamento com o simbólico e
com o imaginário. Em seguida, o artigo trata das par-
ticularidades da análise do sujeito-criança. As mudan-
ças na economia de gozo, experimentadas pela criança
durante o processo podem provocar resistência nos pais.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 143


Eles têm o poder de decidir quando interromper a análi-
se, podendo impedir o transcurso de tempo que faz falta
(jogando com o duplo sentido): faz falta tempo, no sen-
tido de um tempo necessário, para que a análise chegue
a seu final, e faz falta, no sentido de que uma análise que
faz uma falta, constrói uma falta, conduz ao enfrenta-
mento da falta estrutural. Tanto a criança quanto seus
pais deverão suportar o vazio que resta quando a crian-
ça deixa de ocupar o lugar de objeto tampão. Às vezes
é preciso trabalhar diretamente com os pais. A criança
geralmente apresenta-se como sintoma da mãe ou como
sintoma do casal parental. O final da análise possibilita-
rá que ela seja a portadora e responsável de seu próprio
desejo advertido, de seu sintoma e seu gozo. Conforme
vai conseguindo realizar um movimento de separação,
a criança constrói seu fantasma que, chegado o tempo,
poderá também ser atravessada.

Palavras-chave
Sujeito-criança, separação, trabalho com os pais, nova
economia de desejo, o sintoma e o gozo.

Abstract
Starting from the proposed theme, “Time in the analy-
sis” and adding the concept of “The time of the subject
of the unconscious”, the article takes first the concept
of time in an historical point of view in order to follow
the several definitions of subject of the unconscious that
Lacan developed throughout his teaching. The article
emphasizes the ephemeral time of the pulsation to refer
especially to the Real, which appears in the tyche, the
accident, the “witz”, the surprise. All of them circums-
tances in which the authomaton of the signifiers chain is
avoided without disregarding the knot created with the

144 o tempo na psicanálise II


symbolic and the imaginary. Afterwards the article deals
with the particularities of the analysis with a subject-
child. Changes in the economy of jouissance that take
place during the analytic process may cause the parents
to put up resistances. They have the power to decide
when to interrupt the analysis as long as they can avoid
time to go by and arrive to the end/goals (HACE FAL-
TA). As an equivoque, in Spanish there are two agreed
significations for the frase “HACE FALTA”, one relates
to the idea of something that is necessary to happen and
the other refers the idea of create a lack, in the sense that
psychoanalisis comes to help the analyzand to face the
structural lack. Both the child and his parents will have
to deal with the void left by the child when he gives up
the position of the “plug-object”. Generally the child
appears as the symptom of his mother or the symptom
of the couple of his parents. The end-goal of the analysis
enables him to become the owner and responsible of his
own adverted desire, his symptom and his own juissance.
As long as he moves forwards in the process of Separa-
tion, he constructs a fhanthasy (Phantasma), which at
the proper time, could be crossed .

Keywords
Subject-child, separation, work with parents, new eco-
nomy of desire, symptom and juissance.

Recebido
08/05/2009

Aprovado
28/06/2009

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 145


146 o tempo na psicanálise II
Sobre a antecipação na clínica
psicanalítica lacaniana com crianças
(Voltar ao futuro)
Pablo Peusner
Na enorme bibliografia psicanalítica, e especificamente naquela
dedicada aos problemas emergentes da clínica, verifica-se que gran-
de destaque é dado ao caráter retroativo do significante, ou seja, ao
seu valor no que se refere à ressignificação. Contudo, Lacan afirma-
1 Lacan, A instância da
va que o significante, em função de sua natureza, “sempre antecipa letra no inconsciente ou a ra-
o sentido, desdobrando como que diante dele sua dimensão”1,2. zão desde Freud (1957/1998,
p. 505).
A dupla nuance temporal própria de seu funcionamento já esta-
va presente no adjetivo alemão nachträglich, utilizado com frequên-
cia por Freud para tratar de processos de temporalidade paradoxal. 2 (N.R.) Na referência
Trata-se de um termo que admite dupla leitura: pode indicar que o literal encontrada na versão
brasileira dos Escritos lê-se:
sujeito continua trazendo consigo determinado evento do passado “Pois o significante, por sua
até o tempo presente, revelando certa tensão em relação ao futuro; natureza, sempre se antecipa
ao sentido, desdobrando
pode indicar também que o sujeito volta ao passado para se encon- como que adiante dele sua
trar com o evento – ou, o que é equivalente, que o sujeito traz ao dimensão.”, como tradução
do original “Car le signifiant
presente um evento do passado, futurizando-o. Convém então des- de sa nature anticipe toujours
tacar que, em espanhol, ao traduzir nachträglich por “posteriorida- sur le sens en déployant en
quelque sorte au devant
de” (recurso frequente entre os analistas de língua hispânica) perde- de lui sa dimension”. Na
se tanto a noção de retorno ao evento e a ideia de permanência do tradução em espanhol, lê-se:
evento quanto à referência a um processo contínuo de elaboração “Porque el significante por su
naturaleza anticipa siempre
de nova significação. el sentido desplegando en
Como estabelecer, então, um dispositivo que permita o desdo- cierto modo ante el mismo
su dimensión”. O revisor
bramento de ambos os valores temporais do significante, antecipa- do presente artigo preferiu
ção e retroação, em um âmbito de trabalho com as características optar por nova tradução
reforçando que o significante
da clínica psicanalítica lacaniana com crianças? antecipa o sentido, como se
Antes de responder, convém lembrar que, se não podemos des- lê no original e na tradução
em espanhol, e não que se
conhecer a dependência genérica da criança em relação a seus outros antecipa a ele, assim como
parentais, representantes do meio humano, podemos sim afirmar – que o significante antecipa
de acordo com Lacan – que essa dependência, a qual ocorre desde diante de si mesmo sua
dimensão.
um estádio extraordinariamente precoce do desenvolvimento, pode
ser considerada uma “dependência significante”. Dessa forma, jus-
tifica-se o fato de que o analista não deve recuar diante da situação
da consulta com uma criança. Se esse modo de dependência pode
ser considerado “significante”, é possível formular então a seguinte
hipótese: a presença dos pais e de outros familiares na clínica psica-
nalítica com crianças não pode ser considerada um real. Apesar de,
por enquanto, tratar-se apenas de uma hipótese, é válido desenvol-
ver as implicações de tal afirmação.

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O significante “presença dos pais e de outros familiares” não é
um significante de Lacan. Não há nos textos de Lacan referências
explícitas ao problema, e o termo parece provir dos textos freudia-
nos, nos quais a presença em questão era reduzida a uma presença
na realidade: uma presença física que recebia valor de empecilho
ao tratamento. Cito: “Uma criança é um objeto psicologicamente
diferente de um adulto. De vez que não possui superego, o méto-
do da associação livre não tem muita razão de ser, a transferência
3 Freud, Conferência XX-
XIV: Explicações, aplicações (porquanto os pais reais ainda estão em evidência) desempenha um
e orientações (1932/1996). papel diferente”3.
Nós, psicanalistas, não definimos o pai ou a mãe de uma criança
a partir do laço sanguíneo existente entre eles. A clínica contempo-
rânea articula-se com todo um conjunto de novas modalidades de
laços familiares que, de alguma maneira, nos obrigam a ressituar no
simbólico os laços paterno-filiais (e também os fraternais). Porém, a
existência desses laços tem unicamente valor de obstáculo no trata-
mento psicanalítico ou pode ser útil em alguma medida?
Para responder, convém lembrar que a ação que o analista pro-
duz sobre o paciente – em nosso caso, sobre a criança, seus pais
e outros familiares incluídos no dispositivo – “escapa juntamente
com a ideia que possa fazer dela, quando ele não retoma seu come-
ço naquilo pelo qual ela é possível, quando não retém o paradoxo
do que ela tem de retalhada, para revisar no princípio a estrutura
4 Lacan, A direção do trata- por onde qualquer ação intervém na realidade”4. Eis aqui a política
mento e os princípios de seu
poder (1958/1998, p. 596).
do analista, à qual sugerimos acrescentar o dispositivo de presen-
ça dos pais e outros familiares. Tal dispositivo se configurará com
maior liberdade de acordo com a tática adotada pelo analista em
cada caso, tomando posição quanto a quem participará e com qual
frequência, ainda que, para facilitar certos fenômenos temporais de
tipo antecipatório, proponha-se que dita frequência seja fixa.
Esse dispositivo – que não será senão uma rede gerada por um
discurso que inclui decisões regulamentares, enunciados científi-
cos, proposições enunciadas e não enunciadas – estará inscrito num
jogo de poder (acerca do qual Colette Soler indicou a violência ini-
cial para qualquer modelo de dispositivo) e contribuirá para a cria-
ção da chamada “situação analítica”. Assim, a presença dos pais e de
outros familiares converter-se-á em um artifício originado a partir

148 o tempo na psicanálise II


da direção tomada pelo analista em forma de regras. Essas regras
veicularão, inclusive nas inflexões de seu enunciado, a doutrina com
que o praticante as sustenta, bem como o efeito que tenham produ-
zido sobre ele em sua análise pessoal.
Se o dispositivo da presença dos pais e de outros familiares na
clínica psicanalítica lacaniana com crianças for levado ao seu máxi-
mo desenvolvimento, haverá a instalação de uma rede discursiva na
qual se falará do sujeito ou do assunto a partir de diversas posições
enunciativas, permitindo que o dito sujeito bidimensional fique cla-
ramente em uma posição de dependência em relação ao significan-
te. Dessa forma, nos relatos que possam surgir, não importará quem
é o autor dos textos, e sim que esses “se digam”. Em uma rede as-
sim será possível enunciar acontecimentos passados como se fossem
posteriores ao momento da enunciação, restituindo o nachträglich
freudiano, mesmo que agora esteja transmutado em futuro anterior.
E como conjectura o analista, sua intervenção pode transformar-
se em uma hipótese ou em uma abdução hipocodificada de efeito
antecipatório e decisivo para o assunto em questão, permitindo o
estabelecimento de relações coerentes entre dados textuais diferen-
tes e ainda desconexos.
Verificamos, na bastante diversificada clínica psicanalítica laca-
niana com crianças, que deixar que os pais ou outros familiares
decidam quando deve ser realizada a entrevista com o analista faz
com que, quase sempre, cheguemos tarde ao problema em questão.
Além disso, pode ocasionar uma espécie de renúncia da nossa tão
apreciada direção da cura.
Cremos que o trabalho assim proposto contribui para um labor
conjunto no qual certas ideias podem matizar-se e apresentar-se de
modo menos brusco, ao mesmo tempo em que se permite trabalhar
em um terreno com boas probabilidades para aquilo que chama-
mos de “O sofrimento das crianças em sua nuance objetiva”5. 5 Peusner, El sufrimiento de
los niños (1999).
Em um de seus textos clássicos, “Introdução ao narcisismo”,
Freud afirma que os pais obtêm por meio dos filhos certa satisfa-
ção como modo de recuperar um antigo narcisismo já resignado.
Não obstante, nos atrevemos a afirmar que um filho sempre é mais,
menos ou diferente daquilo que poderia satisfazer planamente os
pais em seu narcisismo perdido. Surge assim uma diferença que, ao

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retornar sobre a posição parental, determina um modo particular
de sofrimento: o sofrimento das crianças em sua nuance objetiva.
E como quando o paciente é uma criança, esse sofrimento pode
ser abordado, desdobrado e modificado pela via do dispositivo de
presença dos pais e de outros familiares, o que justifica seu uso e as
reflexões acerca de seus alcances.
Precocemente, em 1949, na ocasião de propor seu projeto de
“Regulamento e doutrina da comissão de ensino da Sociedade Psi-
canalítica de Paris”, Lacan enfatiza a flexibilidade técnica na qual
deve acreditar aquele que quer exercer a clínica com crianças. E
nessa perspectiva, ele também afirmava que a nós, analistas que
não retrocedemos diante das crianças, nos são solicitadas incessan-
temente invenções técnicas e instrumentais, o que acabava por ins-
talar o trabalho teórico-clínico com crianças no lugar da “fronteira
6 Lacan, Reglamento y móvel da conquista psicanalítica”6. Por fim, esperamos que nossa
doctrina de la comisión de
enseñanza (1949, p. 22). proposta de trabalhar com o dispositivo da presença fixa de pais ou
de outros parentes na clínica psicanalítica com crianças seja con-
siderada uma intenção de estender dita fronteira, favorecendo os
dois valores temporais do significante, coadjuvantes no momento
de tentar cernir o real.

Tradução: Maria Claudia Formigoni


Revisão: Paulo Marcos Rona

Referências bibliográficas
FREUD, S. (1932). Conferência XXXIV: Explicações, aplicações e
orientações. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janei-
ro: Imago, 1996. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicoló-
gicas Completas de Sigmund Freud, vol. XXII).
LACAN, J. (1949). Reglamento y doctrina de la comisión de en-
señanza. In: MILLER, J.A., Escisión, Excomunión, Disolución
– Tres momentos en la vida de Jacques Lacan. Buenos Aires: Ed.
Manantial, 1987.

150 o tempo na psicanálise II


LACAN, J. (1957). A instância da letra no inconsciente ou a razão
desde Freud. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1998.
LACAN, J. (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu
poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
PEUSNER, P. El sufrimiento de los niños. Buenos Aires: JVE editor,
1999.

Resumo
A partir do resgate da noção de “antecipação”, matiz
temporal do significante que consideramos esquecido pe-
los psicanalistas lacanianos, e mediante uma revisão dos
valores do termo Nachträglich em alemão e uma crítica à
sua equivalência com o aprés-coup francês, este trabalho
pretende apresentar uma lógica possível para o trabalho
com pais e parentes na clínica psicanalítica lacaniana
com crianças. Se o sujeito não coincide com pessoa al-
guma, e se nos casos de consulta por uma criança falam,
efetivamente, muitas pessoas (que aqui reduzimos à du-
pla “pais e parentes”), a possibilidade de incluí-las em
um dispositivo de frequência fixa (tal é nossa proposta)
permitiria não chegar sempre tarde a situações de crise e,
inclusive antecipá-las.

Palavras-chave
Antecipação, retroação, psicanálise com crianças,
significante, dispositivo.

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Abstract
Following the recovery of the notion of “anticipation”, a
temporal aspect of the signifier we considered to be for-
gotten by the Lacanian psychoanalysts, and by means of
a revision of the values of the German term Nachträglich
and a critique to its equivalence with the French après-
coup, this work attempts to present a possible logic for
the work with parents and relatives within the Lacanian
psychoanalytic practice with children. If the subject does
not coincide with any person, and if during the consul-
tation for a child, in fact, there are many people invol-
ved (grouped here under the categories of “parents and
relatives”) the possibility of including them in a fixed
frequency device, as we suggest, would allow us not only
not to be late during crisis situations but also even to be
able to anticipate them.

Keywords
Anticipation, retroaction, psychoanalysis of children,
signifier, device.

Recebido
16/04/2009

Aprovado
06/08/2009

152 o tempo na psicanálise II


entrevista

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 153


154 o tempo na psicanálise II
Dominique Fingermann:
V Encontro Internacional: um
movimento de “Fórum”
(por Silvana Pessoa e Ana Laura Prates Pacheco)
A Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano e a Escola de
Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano realizam, a cada dois
anos, seus encontros internacionais.
Em 2008, coube ao Brasil, e particularmente ao Fórum do Cam-
po Lacaniano de São Paulo, organizar e sediar o seu V Encontro:
“Os Tempos do Sujeito do Inconsciente: a psicanálise no seu tempo
e o tempo na psicanálise”, data significativa, pois marcou os 10 anos
da criação da Internacional de Fóruns do Campo Lacaniano.
Como presidente do V Encontro, a psicanalista Dominique Fin-
germann – um dos membros fundadores do Fórum do Campo La-
caniano de São Paulo e participante ativa do movimento de retorno
à Escola de Psicanálise de orientação lacaniana – trabalhou exaus-
tivamente com a comissão de organização para receber os colegas
de outros estados e países, bem como os 700 inscritos no evento,
ocorrido entre os dias 5 e 6 de julho de 2008, no Campus Paraíso,
da Universidade Paulista.

Revista Stylus: Dominique, em 2008, São Paulo foi a sede do


V Encontro Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano e da
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Como foi
escolhido esse tema tão instigante: “Os tempos do sujeito do in-
consciente: a psicanálise no seu tempo e o tempo na psicanálise”?
Dominique Fingermann: Os temas do Encontro Internacional
da IF-EPFCL são escolhidos e votados pela assembleia da IF no
encontro anterior, com dois anos de antecedência. É uma decisão
importante, já que escolher um tema constitui um engajamento de
trabalho durante dois anos e u m compromisso de uma produção
epistêmica que faça diferença no final do período dedicado ao as-
sunto em toda a comunidade da IF-EPFCL. A discussão em Paris,
que precedeu a escolha, apontava para temas de ordem clínica e ou-
tros focando a atualidade da psicanálise no mundo, embora ambos
fossem absolutamente interdependentes: a psicanálise só mantém
um lugar no mundo a partir da “eficácia” de sua operação clínica.
A questão do tempo “caiu como uma luva” para abordar simultane-
amente os dois eixos. “Os tempos do sujeito do inconsciente: a psi-
canálise no seu tempo e o tempo na psicanálise” é de extrema atu-
alidade, como aponta o título do texto de apresentação de Colette

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 155


1 Soler, Colette. Texto de Soler1. Atualidade no mundo contemporâneo: para que a psicaná-
apresentação do V Encontro lise, apesar de sua atopia e intempestividade, tenha lugar no mundo
– site da IF-EPFCL (http://
www.champlacanien.net/). de hoje e amanhã. Atualidade do “ato”, indicando a temporalidade
específica do discurso analítico e do ato que o determina.

Revista Stylus: Foram dois dias de trabalhos intensos, sem


contar as reuniões específicas para membros da IF e da EPFCL.
Mais de 80 trabalhos apresentados, em 4 línguas diferentes, par-
ticipantes de vários países de diversos continentes, uma mesa-
redonda com pesquisadores de outras áreas e diversos eventos
intelectuais e culturais paralelos. Como você avalia a importância
desse Encontro para a presença da “psicanálise no seu tempo” e,
mais especificamente, para o “movimento dos Fóruns”?
Dominique Fingermann: O psicanalista se autoriza por si mes-
mo, perante alguns outros. Um encontro de psicanálise congrega
esses “alguns outros”: espera-se dos psicanalistas que utilizem essas
oportunidades para se porem à prova, expondo e esclarecendo as ra-
zões da clínica. Um a um o psicanalista faz questão de “demonstrar
2 Lacan, Jacques. D’Ecolage o que ele faz com o saber que a experiência deposita”2. Essa provação,
(11 mars 1980). na qual o analista se dispõe a transmitir o intransmissível da sua ope-
ração, é uma das condições do ato analítico. O encontro com a psica-
nálise num congresso produz-se na interlocução de quem se expõe ao
falar e de quem se engaja a ouvir e se questionar. O “movimento dos
Fóruns” se iniciou a partir desta aposta, e os congressos do Campo
Lacaniano mantêm essa via: a psicanálise não se sustenta a partir de
um pensamento único, mas a partir da disposição dos psicanalistas
a produzir e tornar transmissíveis as modalidades do necessário, do
impossível e do contingente de seu ato.
Esse movimento de “Fórum” se produz, realiza, antes (nos pre-
parativos), durante o próprio “evento”, depois, nos efeitos para cada
um na sua clínica e, por muito tempo ainda, pela via das publica-
ções realizadas; o encontro tem consequências.

Revista Stylus: Pensando agora especificamente em relação ao


Brasil e ao FCL-SP, quais são, do seu ponto de vista, as consequências
do V Encontro para essa comunidade nacional e local? Como você
avalia o trabalho institucional de sediar um Encontro Internacional?

156 o tempo na psicanálise II


Dominique Fingermann: As consequências do V Encontro
para a comunidade de trabalho brasileira e paulista são inegáveis e
inumeráveis: conhecer os colegas dos outros países, ouvi-los, fazer
ouvir as suas próprias elaborações, abrir as suas questões, deslocar
e descolar as suas referências, desarranjar seus conceitos e precon-
ceitos etc.
Mas o ponto crucial nisso tudo é realizar, de fato, a dimensão
internacional da comunidade dos fóruns e de sua Escola, ou seja, a
inclusão do Outro, na sua alteridade mais radical: A barrado.

Revista Stylus: Um dos pontos mais elogiados pelos colegas de


outros países foi a organização impecável do V Encontro. Foram
montadas várias comissões, duas comissões científicas (nacional
e internacional), envolvendo o trabalho de um número enorme
de colegas brasileiros e estrangeiros. O que você pode transmitir
dessa experiência para a organização dos próximos Encontros?
Dominique Fingermann: Tentei passar para os colegas que eu
convidava para as diversas comissões, que não se tratava de um tra-
balho “braçal” de militante da psicanálise (que horror!), mas que a
função do fazer estava nesse caso intrinsecamente ligada ao “fazer
escola”. A escola só ex-siste se houver analistas à altura, isto é, se
pondo à prova (“L’école, l’épreuve”, diz Lacan). A multiplicidade
das comissões e da delegação das responsabilidades não dispensou
a necessidade de uma direção sem complacência, o que gerou um
certo número de tensões e mal-entendidos que o sucesso da organi-
zação, desde a véspera do Encontro, dissipou.
O único ponto que lamento, hoje ainda, é o fato de que os co-
legas que cuidaram da Livraria do Campo Lacaniano mal partici-
param dos debates. Essa Livraria é um dos pontos cruciais de um
Encontro Internacional (troca das publicações dos escritos, conse-
quências da experiência que se depositou), a sua organização é com-
plexa e não conseguimos delegar essa tarefa.

Revista Stylus: Após 10 anos de trabalho coletivo – uma signi-


ficativa extensão de tempo – e deste Encontro – um grande espaço
que reuniu um significativo número de psicanalistas e intelectuais
– você acha que estamos sendo bem-sucedidos na construção de

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 157


uma comunidade fundada sobre outro estilo, outra relação como
3 Nominé, Bernard. Entre- o saber, para usar uma expressão de Bernard Nominé?3
vistas (sobre a fundação da
Escola). In: Stylus, n. 4, abr.
Dominique Fingermann: O sucesso de nossa empreitada pode
2002, p. 111. ser medido, de certa forma, pela quantidade e diversidade dos tra-
balhos apresentados, pois isso indica que nós conseguimos produ-
zir um autêntico campo epistêmico a partir das elaborações dos
psicanalistas (“práxis da teoria”). No entanto, se essa diversidade é
necessária, ela não é suficiente. Precisamos ter prova de uma orien-
tação comum: a orientação pela ética da psicanálise regulada a par-
tir do encontro com o real. A medida da orientação se dá, a meu
ver, pela qualidade dos debates: se a exposição dos trabalhos não
produz nenhum debate ou questionamento, é porque o expositor
não transmitiu nada de interesse para a comunidade, ou porque
não conseguiu fazer-se ouvir, ou porque ninguém está disposto para
acolher as elaborações, ou porque estas não repercutem em nada a
orientação da psicanálise pelo real. Todos os casos denunciariam
um insucesso no plano de uma comunidade fundada num estilo
diferente na relação com o saber. Precisamos, ainda, melhorar e
mudar as condições de possibilidades desse debate.

Revista Stylus: Cada Fórum tem a sua jornada local, e anu-


almente temos um Encontro Nacional. No momento estamos
recebendo uma convocação para um Primeiro Encontro Interna-
cional da Escola a ser realizado em Buenos Aires, e no ano que
vem teremos o VI Encontro Internacional em Roma. O que pensa
desta periodicidade de eventos, externos e internos, propostos na
nossa instituição? Qual a função e a importância desses diversos
Encontros?
Dominique Fingermann: Cada encontro produz recortes dife-
rentes da comunidade analítica: novas circunstâncias, temas, inter-
locutores, oportunidades, línguas. A cada vez uma nova maneira
de articular o impossível, o necessário, e o contingente. Sempre
comparo a formação analítica com a formação de um músico: um
músico não reclama de ter que tocar várias sinfonias no mesmo
ano, com orquestra e públicos diferentes!

158 o tempo na psicanálise II


Revista Stylus: Ocasionalmente, escutamos depoimentos de
colegas psicanalistas de outras instituições, com trabalho clínico
e epistêmico reconhecido local e internacionalmente, afirmarem
que “o futuro da psicanálise não está nas grandes instituições”.
O que pensa disso? A nossa comunidade já pode ser considerada
uma grande instituição? Como se fazer conhecer e reconhecer em
um agrupamento tão expandido?
Dominique Fingermann: Penso que tudo o que desenvolvi até
agora, já constitui um argumento para sustentar que, evidentemen-
te, acho que uma “grande” instituição é uma oportunidade boa
para se deslocar (como sempre menciono), para se desconcertar, de-
sarranjar, romper os efeitos de pequenos grupos em torno de peque-
nos chefes, mudar de referências, de sotaque, de idiossincrasias. Ou
seja, não é confortável, necessita viajar, falar outra língua, se expli-
car melhor, se deparar mais ainda com o mal-entendido: é uma boa
escola para o psicanalista! Todos os dispositivos locais, nacionais e
internacionais oferecem ocasiões de exposição dos trabalhos; o fato
de o V Encontro acontecer em São Paulo e no Brasil mostrou que
os brasileiros e em particular os paulistas souberam se beneficiar
dessa oportunidade. Por outro lado, privilegiar a multiplicidade dos
trabalhos teve consequências que prejudicaram o tempo e a quali-
dade dos debates; foi uma opção da comissão científica que poderia
ser revisada numa próxima vez (mesmo assim, tivemos que recusar
mais de 70 trabalhos propostos!).

Revista Stylus: Qual a sua avaliação do funcionamento dos


cartéis – este importante dispositivo na nossa escola? [Nossa co-
munidade tem sido bem-sucedida nesta prática ou os nossos com-
promissos com a máquina institucional – seminários, encontros,
publicações –, têm atrapalhado o funcionamento destes pequenos
grupos – órgãos de base da nossa Escola?]
Dominique Fingermann: Persiste certa insatisfação em torno
do cartel e do “fazer escola” que ele implica. O que se espera de
um cartel é muito singular: um ponto de ignorância que faz ques-
tão, alguém que encontra alguns para produzir um saber novo em
torno dessa questão, alguns que decidem um Mais-Um, um novo
laço, um turbilhão, um trabalho, um produto que cai e que circula

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 159


na comunidade. O que se espera é muito singular, não é possível
ordenar esse operador complexo com palavras de ordem universa-
lizante: vamos todos fazer cartel! o cartel não funciona com a ba-
tuta do mestre, nem do maestro. Haverá cartel, se houver Discurso
Analítico operando na Escola; a extensão da psicanálise decorre da
intensão, e não o oposto.

Revista Stylus: O que resta a dizer sobre o tema proposto pelo


V Encontro: a psicanálise no seu tempo e o tempo da psicanálise?
Dominique Fingermann: O que resta a dizer? Por enquanto, o
prelúdio de um trabalho publicado após o V Encontro na Revista
da USP a convite de Elcio Abdalla (físico professor da USP, que
foi nosso convidado na mesa-redonda interdisciplinar “O Tempo
na experiência da psicanálise”): Quando, no mundo globalizado, o
tempo transformou-se em mercadoria – “Time is Money” –, quando
a ciência, a tecnologia e o mercado juntam-se para nos fazer ganhar
tempo a qualquer preço, a psicanálise continua insistindo com um
método que proporciona uma experiência do tempo na contramão
da experiência subjetiva do “tempo que passa”, inflacionada pelos
tempos que correm.
Entre o “Já foi!” e o “Pode ser?”, o tempo que a consciência
apreende é a sucessão irreversível do passado ao futuro, passando
pelo instante presente, sempre fugidio e inapreensível. As moda-
lidades subjetivas desse a priori temporal de toda experiência de-
clinam a vivência do tempo com matizes que vão da nostalgia até
a esperança, com versões “patológicas” conhecidas como angústia,
mania, melancolia, tédio que testemunham uma maneira outra de
vivenciar o tempo. Os “tempos que correm”, e sua ciência implacá-
vel, pretendem remediar essas modalidades existenciais e os afetos
consequentes. A psicanálise preconiza outro tratamento: “dar-se
um tempo...”.
Podemos também ler os trabalhos produzidos nas revistas do
Campo Lacaniano, como Stylus, ou nos anais do V Encontro, que
estarão em breve publicados no site da IF-EPFCL (http://www.
champlacanien.net/).

160 o tempo na psicanálise II


Resumo
Esta entrevista foi mais um pedido de elaboração solici-
tado à psicanalista Dominique Fingermann, como pre-
sidente do V Encontro da Internacional de Fóruns e da
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano,
que teve lugar na cidade São Paulo em julho de 2008.
Nela, interroga-se o que resta a dizer sobre o tempo da
psicanálise e a psicanálise no seu tempo; as causas e
consequências extraídas para o movimento dos Fóruns
e o que se pode transmitir desta experiência para a or-
ganização de futuros encontros do Campo Lacaniano.
Conclui-se que esse movimento de “Fórum” justifica-se
e tem consequências. Ele se produz antes (nos preparati-
vos), durante (no próprio evento), depois (nos efeitos para
cada um na sua clínica) e, por muito tempo ainda, pela
via das publicações realizadas.

Palavras-chave
Encontro Internacional, organização,
causas e consequências.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 161


Abstract
This interview was one more effort of elaboration asked
to psychoanalyst Dominique Fingermann, as the presi-
dent of the V International Meeting of Forums and the
School of Psychoanalysis of the Forums of the Lacanian
Field, that took place in São Paulo in 2008. In this inter-
view, it is questioned: what else is left to be said about the
time of psychoanalysis and psychoanalysis in its time;
the causes and the consequences that can be withdrawn
from this Meeting to the movement of Forums and what
can be transmitted from this experience to future confe-
rences in the Lacanian Field. It concludes that this mo-
vement of Forum is justified and has consequences. It is
produced before (during the preparation), while (during
the event itself), after (through the effects in everyone’s
practice) and, for many years still, throughout the pu-
blications.

Keywords
International Meeting, organization, causes and conse-
quences.

Recebido
07/05/2009

Aprovado
01/07/2009

162 o tempo na psicanálise II


resenhas

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 163


164 o tempo na psicanálise II
Por causa da questão
Sandra Leticia Berta

Resenha do livro O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan: da


questão do sujeito ao sujeito em questão, Antonio Godino Cabas. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

Neste livro, o psicanalista Antonio Godino Cabas realiza um


percurso sobre o conceito do sujeito para a psicanálise, apoiado na
disciplina do comentário de texto e com o rigor da leitura que o
caracteriza na sua clínica. Partindo da sua tese de doutorado, cujo
propósito foi “investigar os fundamentos da noção do sujeito no
discurso analítico” (p. 255), renova, ao pé da letra, um debate que
pareceria extinto em tempos atuais, nos quais a preocupação pelas
“novas formas do sintoma” tomou o primeiro plano das preocupa-
ções clínicas e das discussões dos psicanalistas. O autor é taxativo
ao diferenciar o que diz respeito ao invólucro formal do sintoma
e seu suporte – o Ideal – do sujeito em questão para a psicanálise.
Todavia, alerta o leitor que a extensão desse debate abre para outros
campos que conversam com a psicanálise, dentre os quais: o campo
da filosofia política, instando a não confundir a expressão “novas
formas de subjetividade”, oriunda deste último, com os fundamen-
tos do conceito de sujeito, estritamente psicanalítico, o qual signi-
fica dizer: apoiado nas consequências extraídas da clínica psicana-
lítica. Portanto, esse retorno aos fundamentos se esclarece no que
pretende ser o objetivo específico que o autor se propõe: “a reconstru-
ção de um percurso que, tendo seu ponto de partida em Freud, leva
a uma definição do sujeito na doutrina analítica” (p. 14).
Partindo da questão do sujeito em Freud, o autor alcança as di-
ferentes formulações do sujeito em questão, para Lacan. Entretanto,
um interlúdio será recortado com o objetivo de vincular a ética
de Sócrates com a elaboração do conceito de inconsciente, mais
especificamente, do desejo inconsciente, em Freud. Parece-nos que
essa é a estratégia escolhida pelo autor para atrelar a pergunta pelo
sujeito à dimensão ética do desejo, portanto, à dimensão ética da
psicanálise.
A primeira parte, intitulada Freud e a questão do sujeito, abre-
se com um texto no qual, além de advertir que na obra freudiana
recolhemos somente uma linha sobre a questão do sujeito, o autor
sublinha que a mesma se atrela ao conceito de pulsão. Essas duas

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 165


páginas do primeiro capítulo dão, de um golpe só, o roteiro que o
autor pretende destacar: valendo-se dos exemplos clínicos extraídos
da letra freudiana, nos dá a chave do que seria a trilha que leva do
inconsciente freudiano à questão do sujeito. Eis que, como pano de
fundo da reconstrução do conceito do sujeito, o autor articula os di-
ferentes momentos que definiram, em Freud, a direção da cura. Isso
para nos lembrar que, na psicanálise, o fundamento do conceito se
extrai e se verifica na clínica.
Assim, o primeiro passo do autor, na pergunta pelo sujeito, se
acompanha da sentença “fazer consciente o inconsciente”. O so-
nho da injeção de Irmã, “primeiro a ser decifrado na história da
transmissão analítica”, serve-lhe para mostrar que o inconsciente
freudiano é o desejo – realizado no sonho – e que o mesmo com-
porta “uma verdade difícil de sustentar e cuja estrutura implica um
real impossível de suportar” (p. 35), razão pela qual se pergunta se
não deveríamos admitir, numa primeira evidência, que “o desejo
freudiano é um dos nomes do sujeito” (p. 39).
O segundo passo articula sintoma e pulsão. Em primeira instân-
cia, diferencia o instante do sonho contrapondo-o ao que perdura
do sintoma, introduzindo, além da articulação dos pensamentos
inconscientes, o quantum energético, isto é, o fator quantitativo. A
introdução do quantum energético significa, na clínica, incluir o
fator inercial, estando o mesmo ligado ao funcionamento e às exi-
gências dos imperativos da pulsão. A partir dos desenvolvimentos
da teoria das pulsões, Godino Cabas aponta como a questão do
sujeito faz uma torção, pois, se o desejo é um dos nomes do sujeito
e assumi-lo equivale a subjetivá-lo, resta uma segunda versão da
questão a partir da qual o sujeito é o correlato freudiano de uma
satisfação pulsional.
Cabe destacar as articulações que esse autor nos oferece sobre
o conceito de pulsão e os avatares da vida pulsional, analisando
como a metapsicologia freudiana aponta para a definição da causa
material, sinalizando a pulsão como causa, e concluindo que esse
conceito crucial não produziu uma metafísica, mas uma analítica:
“Uma analítica que, diga-se de passagem, permite situar as varia-
ções da satisfação em meio a um quadro geral marcado pelas inva-
riantes da repetição” (p. 58). Todavia, numa análise desse conceito,

166 o tempo na psicanálise II


o autor avança em relação a articulações anteriores sobre a pulsão,
trabalhadas no seu livro Oedipus Complexus est1, desta vez para dar 1 Antonio Godino Cabas.
relevo à questão da fonte e do fim, “os dois termos mais intima- Oedipus Complexus est.
Buenos Aires: Helgueiro
mente conexos com o plano material da estrutura” (p. 60). Nesse Editores, 1979.
ponto discute um tema atualmente em pauta na EPFCL, a saber:
o corpo, numa leitura que redimensiona o dualismo psique-corpo.
Ancorado nas formulações que oferece sobre a fonte pulsional, defi-
nida como furo que nenhum objeto pode saturar, indica os debates
sobre os fins da direção da cura, perguntando-se como não poder
ver que “a fonte pulsional é o ponto central, o âmago material, o
real da estrutura?” (p. 66). Somente isso bastaria para negar toda
relação da fonte com uma questão na qual o órgão não interessaria
à psicanálise. Por último, a forma da pulsão leva-o direto à questão
do sujeito, uma vez que nesse circuito de retorno à fonte “um efeito
se inscreve no lugar que brotara o empuxo. Esse ponto concerne ao
sujeito. O sujeito determinado pela incidência da pulsão” (p. 68).
Desta vez, o exemplo dos destinos da pulsão lhe servirá para ilustrar
e justificar suas afirmações.
As consequências desses desenvolvimentos se extraem, com
Freud, em 1919 e 1920, quando se articulam a gramática pulsional
e a repetição dando uma nova dimensão à clínica: a clínica da re-
petição. Godino Cabas diferencia a repetição inconsciente da com-
pulsão de repetição para salientar que no limite da primeira – o
umbigo do sonho – se assinala um ponto exterior à trama incons-
ciente, isto é: a pulsão. No limite da repetição como rememoração,
a compulsão de repetição repete o imperativo da satisfação pulsio-
nal. Escreve de modo esclarecedor: “o imperativo pulsional é a cau-
sa da insistência inconsciente” (p. 80). Este imperativo articulado
na letra freudiana através da noção do Isso – impessoal, estranho,
alheio, antitético – e diferenciado do Eu psíquico, serve-lhe para
destacar que a estrutura subjetiva freudiana se assenta numa divisão
de dois regimes, a partir da qual é o Isso que insta o Eu. Portanto,
a clínica dá um passo: de fazer consciente o inconsciente para Onde
o Isso era, Eu devo advir. Que o Eu subjetive até onde for possível o
Isso, essa será a finalidade da cura.
Finalizando esse percurso sobre a questão do sujeito freudiano,
Godino Cabas conclui que o sujeito freudiano tem dois nomes: o

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 167


desejo inconsciente e o saldo da satisfação pulsional na qual se ins-
creve: a fonte pulsional, sua materialidade de buraco, sua substância
definida como furo. Ou seja: “o sujeito freudiano é – em última
instância – um dos efeitos do real” (p. 73). Todavia, conclui tam-
bém que a pergunta freudiana sobre a questão do sujeito tem no seu
ponto de partida a pergunta pelo autor, o agente, dos atos humanos,
e que tem no seu cerne a pergunta agostiniana quaestio mihi factus
sum – a questão que me tornei para mim mesmo –, razão pela qual
extrai uma consequência, a saber: Freud, sem ter dado nome ao
conceito de sujeito, fundou seu campo, o campo do sujeito.
A segunda parte, Lacan e o sujeito em questão, abre-se com uma
advertência crítica, longamente justificada, mesmo na dimensão
histórica, discriminando a noção de sujeito na Psicanálise, na Fi-
losofia Política e na Crítica contemporânea. Somente esse capítulo
mereceria um amplo debate nas diferentes correntes atuais da inte-
lectualidade que tendem a confundir o conceito de sujeito sem di-
ferenciar suas procedências, questão que está em total sintonia com
a seguinte pergunta: a constituição subjetiva do homem moderno
muda com o tempo? Interessa observar que o autor recorta, nas ra-
ízes da psicanálise, a metafísica, de Santo Agostinho até Descartes,
numa passagem que vai de “o que sou?” para “o que sei?”.
Assim, também, destaca sua análise do advento do conceito de
sujeito em Lacan, como crítica ao desvio da psicanálise do pós-
guerra, desvio que significava cortar as amarras subjetivas em prol
de uma intenção objetivante. Portanto, da história da psicanálise,
articulada com a história da filosofia, se desprendem os equívocos
que ainda pairam sobre o conceito de sujeito. “De tal modo que o
que representa uma solução para o mal-entendido clínico e analíti-
co é, por sua vez, a fonte de um mal-entendido, dessa vez no campo
da crítica e da epistemologia” (p. 113). Dessarte, no contexto do
retorno a Freud, que acompanhou a definição do sujeito em questão,
realizada por Lacan, o autor tratará do sujeito em questão, cingindo
a questão do sujeito.
O percurso da sua leitura do ensino de Lacan denota seu es-
forço por centrar o debate em torno da dimensão ética da clínica
psicanalítica, razão pela qual delimita noções axiais articuladas na
clínica que permeiam a pergunta pelo estatuto do sujeito: a assun-

168 o tempo na psicanálise II


ção subjetiva que começa pela retificação subjetiva e encerra com a
destituição subjetiva. Todas elas dizem respeito à responsabilidade
do sujeito em face da coisa que lhe anima. Nesse sentido, observa
que a primazia do simbólico surge como um princípio que per-
mite retomar as bases da interpretação analítica, tomando como
exemplo a análise das intervenções sobre transferência que Lacan
destacou do caso Dora. Isso lhe permite afirmar que a realização do
sujeito é efeito da cura e que existe um estreito parentesco entre o
“sujeito” e a “questão”.
Godino Cabas vai trançando os diferentes momentos da direção
da cura junto com as nuanças que foi tomando a questão do sujeito,
pondo o sujeito em questão. Entre 1954 e 1958, “a assunção subje-
tiva” está para Lacan como estava o princípio de “tornar conscien-
te o inconsciente” para Freud. Cabe destacar que nesse momento,
diferenciando a questão do sujeito do inconsciente do eu, o autor
fornece uma orientação sobre a leitura do eu, como sintoma privile-
giado, tema amplamente desenvolvido no final do ensino de Lacan.
Portanto, o inconsciente “é esse sujeito desconhecido do ‘eu’, der
Kern unseres Wesen – o núcleo de nosso ser...” (p. 150). Isso lhe
permite afirmar, com Freud, que o sujeito é uma função, indissolu-
velmente ligada ao desejo.
Por essa via, introduz a realização do sujeito e a razão socrática,
vinculando em dois capítulos a posição de Freud e a de Lacan em
face da ética da psicanálise, que incidem diretamente na pergunta
pela formação do psicanalista. A pergunta pela presença de Sócrates
no ensino de Lacan é a estratégia que lhe permite afirmar tanto a
introdução de uma ruptura no campo do saber, que identifica como
o surgimento da dimensão do desejo, quanto o osso da ética socrá-
tica que fundamenta a autorização do psicanalista “que tem como
pré-requisito ineludível a realização da própria posição” (p. 161).
Ainda, com Lacan, destaca as modulações da posição do sujeito,
recortando os limites e os impasses na formalização, que permi-
tiram ir além de uma definição do sujeito, definido como efeito
da operação simbólica do significante. Por essa via, diferencia nas
estruturas clínicas o tratamento da mencionada posição na sua
relação com o saber inconsciente: na psicose (como exclusão), na
perversão (como objeção) e na neurose (como questão). Porém, a

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 169


objeção mais radical ao simbólico ancora-se na relação do sujeito ao
objeto, ou, mais precisamente, na construção do conceito de objeto,
o qual significa tomar o objeto nos três registros RSI. Como escreve
o autor, após a construção do grafo do desejo sustentada na per-
gunta pelo lugar do sujeito, e após ter constatado o impasse, uma
vez que no grafo a localização do sujeito está intimamente ligada
ao objeto ($◊a), o saldo será a necessidade de incluir o objeto na
determinação do sujeito. Para tanto, Lacan “precisará determinar a
razão clínica e, sobretudo, a razão epistêmica capaz de dar conta do
estatuto da função do real” (p. 198).
No último passo do seu livro, o autor retoma as coordenadas
do problema referido ao estatuto do real para a psicanálise, debate
datado na década de 60, pontuando as diferenças entre psicaná-
lise e ciência, na sua interrogação sobre a verdade, e extraindo os
enunciados que Lacan recolhe da epistemologia crítica da ciência.
Isso para recolocar o real em causa na psicanálise. Assim, também,
orienta sua leitura sobre a causa pondo em perspectiva “Lacan com
Heidegger”, assinalando que “a causa não cria o efeito” (p. 212),
e que se a causa material é a incidência significante, por sua vez o
objeto a é imaterial, carece de correlato substancial, uma vez que sua
única substância é a satisfação. Após um amplo desenvolvimento,
finalmente o autor recolhe duas citações que lhe serviram a modo
de conclusão, para indicar como se resolve o debate sobre a noção
de sujeito, em 1965. A primeira citação: “O sujeito é um efeito de
linguagem” (p. 219), extraída de “Subversão do sujeito...”. A segun-
da afirmação, localizada em “Posição do inconsciente”: “O incons-
ciente é um conceito forjado na trilha do que opera para constituir
o sujeito” (p. 219). Conclui, então, que o sujeito é uma função que
deriva do real no campo da linguagem e por essa razão aparece no
campo significante. Mas, além do campo, está a causa localizada na
intersecção da pulsão com o inconsciente, cujo correlato é o objeto
a. Se Lacan afirma que o sujeito é uma resposta do real, o autor
deste livro recorta da letra lacaniana que a função do sujeito é um
“entre-dois”: a pulsão e o significante. De onde se desprende que a
questão do inconsciente freudiano e a do sujeito lacaniano são cor-
relativas até suas últimas consequências.
Nessa fundamentação clínica, epistemológica e lógica, apoiam-

170 o tempo na psicanálise II


se suas críticas sobre o discurso das “novas formas do sintoma” e de
um suposto novo sujeito, encerradas com uma sentença “nada feito
quanto à hipótese de um novo sujeito” (p. 237).
Esse livro é um fiel exemplo de transmissão da psicanálise. An-
tonio Godino Cabas dá um passo, de Freud a Lacan, e fundamenta
que na psicanálise a questão do sujeito continua a nortear a clínica:

E agora, após tudo quanto acaba de ser dito, só resta perguntar: que
é pois o sujeito senão uma posição? Que é ele senão um termo de res-
ponsabilidade face às exigências da pulsão? Que é ele senão o ponto
onde se põe uma responsabilidade pelo gozo e pela causa do desejo?
Que é ele senão uma decisão de assumir – ou não – isso que clama e
ao que não há como não dar sua devida resposta? E que é essa decisão
de assumir – ou não – os empuxos da exigência senão o exercício de
uma responsabilidade? (p. 227).

Eis um passo em direção aos fundamentos que, consideramos,


faz história na formação do psicanalista. Como ele nos alerta no
final, esse passo dado “não é ponto de chegada, mas ponto de par-
tida” (p. 227).

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172 o tempo na psicanálise II
Costura de um retrato para o
álbum do futuro
Lou De Resende (Maria Lúcia De Resende Chaves)

Resenha do livro Escrita de uma memória que não se apaga – En-


velhecimento e velhice, Ângela Mucida. Belo Horizonte: Autêntica,
2009.

Um exemplar de Escrita de uma Memória que não se Apaga, se-


gundo livro de Ângela Mucida, publicado pela Autêntica Editora
neste abril de 2009, repousa agora sobre a mesa branca donde se
escreve esta resenha.
Vê-se, na capa, a reprodução de um Retrato de Mulher: olhos
nos olhos de quem vê, rosto – e adereços – bordado em pano-tela,
desenhado por traços de costura, agulha, linha, cor.
Pela voz da epígrafe, o texto conceitua-se: “não sou um texto re-
velado, nem inspirado, sou apenas feito [...]”, fragmento da obra da
sempre-viva-inda-que-ida escritora portuguesa, a Maria Gabriela
Llansol.
O curso narrativo traz depoimentos também daquela bela avó,
motivo do retrato; cheia de idade, viva, linda de se admirar, por
exemplo, quando, deitada leva pés e pernas para além do chão onde
pousa sua cabeça branca... (ver foto da capa do livro O Sujeito não
Envelhece, o primeiro da autora).
É da velhice e do jeito próprio de envelhecer de cada humano
que Ângela fala: sem esconder suas próprias falhas e perdas; em tom
de texto apenas feito; em pauta de uma honestidade superior, expres-
são cunhada por Italo Calvino para designar um escrito portador
da palavra do texto sem impostura.

E de que fala?
Do “estranho familiar” freudiano vivenciado pelo humano na
apreensão da própria imagem; da antipatia/e/ou/fascinação, passí-
veis de serem provocadas pela visão da própria imagem no espelho;
da identificação; da diferenciação; da trilha do envelhecimento; da
aposentadoria; do sujeito que jamais se aposenta, comprometido
com o trabalho não obrigatório nem remunerado; de um conceito
de trabalho em prol do tornar-se sujeito da escolha-escrita pela via
do próprio desejo de viver; de um trabalho que não cessa pró uma
ascensão à humanidade, justo pela animação do Desejo, pelo mo-
vimento topológico de dar-se à aprendizagem de amar também as

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 173


marcas que relembram o gradual fenecimento do tempo, das per-
das, das dores, dos enganos que se sonham, com os quais se sonha,
vive, chora, esquece, e lembra...
(– Álbum do futuro, Gabriela! Uma escrita-por-vir, Calvino!)
... de amor/desamor às transformações do aparente corpo...; de
doença, depressão; de feridas narcísicas sulcadas por perdas...:

Se o idoso se acomodar e não lutar contra o desânimo não se levan-


ta. Faço aeróbica, exercícios de yoga e depois me sinto bem. Não são
apenas os exercícios que ajudam, mas também o companheirismo e a
alegria que encontro no grupo. Meu joelho começou a doer e falaram
em operá-lo, fiz fisioterapia e exercícios com ele todas as manhãs e
agora não tenho mais nenhuma dor. Se o corpo só quer cama, luto
contra isto; levanto, cuido da casa e faço atividades. Não sinto mais
dores nos ossos e cuido da alimentação, como o que posso e bebo
muita água; a saúde entra também pela boca. (Marieta, 85 anos – Ca-
pítulo III : “A escrita no corpo e seus destinos”, p. 73)

Do texto de “Apresentação” desse livro de Mucida, ouço ainda


líquidos ecos:

[...] se é da “escrita de uma memória que não se apaga” que o livro


trata ao abordar o envelhecimento e a velhice, já podemos prever que
não é da vida reduzida ao corpo e do corpo reduzido a vísceras e hu-
mores que este livro vai tratar. (Lúcia Castello Branco, p. 13)

E do que será, então?


Este texto responde que é de um corpo portador da vida em e
para além de toda a sua Biologia, Fisiologia, Anatomia...
É, Mais Ainda, de um corpo-ânima, a ser reacordado a cada
instante até o último, que aquele livro vem tratar. Corpo de sujeito
que escuta e pronuncia anunciação; sujeito sintático de oração que
transporta transmissão; sujeito conjugador do verbo que se faz car-
ne, carne daquele que envelhece cônscio do inexorável que cai por
terra, sem deixar que se aposente o dinamismo libidinal... (o luar,
Llansol?)

174 o tempo na psicanálise II


A libido pode ser investida de maneiras diversas e para lá de uma
sexualidade copulada com imagens trazidas de um espelho exterior:
eis uma das apostas do livro.
O tom dissertativo, muitas vezes, quebra-se e narra; evoca o
discurso direto; d’outras, quebra-se e cita: fragmentos de literatura
e fundamentos de psicanálise vão se entremeando. Percebe-se que
Ângela se esforça por dobrar a língua laica de psicanálise no afã de
transmitir a proposta conceitualmente suportada pela lógica entre
Freud e Lacan, sem ser, no entanto, acudida por nomes de conceitos
teóricos: duro exercício de abrir as mãos que escrevem a se perder
em um imenso vocabulário específico.
Lembro, ainda, e por fim, um tom realista feminino que salta –
realista de uma realidade vertida para um compromisso com o real
ao pesar da realidade, em clima de uma conversa ao “pé do ouvido”,
sem pretensão, própria de gente e de vitalidade.

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176 o tempo na psicanálise II
Eles só pensam “naquilo”
Érico Nogueira

Resenha do livro Falo no Jardim: Priapeia Grega, Priapeia La-


tina, João Angelo Oliva Neto. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.

A tradução dos clássicos greco-latinos, e em especial a tradução


em verso da poesia dita clássica, nunca teve muitos adeptos no Bra-
sil, nem mesmo entre os poucos – ou serão pouquíssimos? – que
ensinam latim e grego em nossas universidades.
Contudo, desde que Haroldo de Campos na esteira do ensaio
“Da Tradução como Criação e como Crítica” (1962), “redescobriu”
as então esquecidas traduções de Manuel Odorico Mendes – entre
as quais figuram a Odisseia, de Homero e a Eneida, de Virgílio, por
exemplo –, pode-se dizer que volta e meia se publicam traduções em
verso deste ou daquele poeta grego ou latino no Brasil, ainda que,
via de regra, os autores e obras traduzidos não destoem do seleto
grupo de “grandes nomes” da poesia ocidental: Homero, os trágicos
gregos, Virgílio.
Neste novo “cenário”, pois, inaugurado por Haroldo de Cam-
pos – que traduziu a Ilíada, de Homero –, João Angelo Oliva Neto
ocupa lugar de destaque. Depois de publicar, ainda nos anos 90,
bela tradução em verso de toda a poesia do romano Catulo – cuja
segunda edição, revista e aumentada, se encontra no prelo –, segue-
se agora, já no século XXI, o ousado Falo no Jardim: Priapeia Gre-
ga, Priapeia Latina.
O livro, basicamente, é uma recolha de poemas gregos e latinos
dedicados ao deus Priapo, traduzidos em verso, anotados, prece-
didos de ensaios teóricos e acompanhados de apêndices e ampla
iconografia. Não obstante, é livro sobretudo de poesia e para quem
gosta de poesia, e não supõe que o leitor domine nenhuma outra
língua além da portuguesa. Por ser integralmente bilíngue, pois, é
livro para o especialista e o não-especialista.
Mas quem é, afinal, o deus Priapo, e o que, afora o mesmo di-
vino destinatário, liga os poemas reunidos neste livro? Quanto à
primeira pergunta, digamos que Priapo é uma divindade itifálica,
i.e., “do falo ereto”, que, relacionado à fecundidade, protegia poma-
res, hortos e jardins; representam-no, em regra, como um ente mais
ou menos disforme, de falo imenso e flagrantemente desproporcio-
nal, algo aparentado aos sátiros e outras divindades rústicas. Entre

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 177


natureza e cultura, portanto, o deus é mais próximo da primeira,
ainda que sua presença em jardins privados, sob a forma de estátuas
e outros ícones, sugira que se tratasse, mais propriamente, de uma
divindade de ligação, algo como uma ponte entre a exuberância da
natureza e a limitação das leis. Com efeito, o jardim é outra coisa
além de “natureza delimitada”, sujeita a leis que não são as suas?
Quanto à segunda pergunta, respondê-la como convém nos le-
varia a minúcias de Retórica e Poética, o que evidentemente não
vem ao caso; digamos, porém, que, além do caráter mais ou menos
“religioso” com que se trata matéria francamente fálica e obscena, e
dos versos breves, de tom epigramático, que para tanto se utilizam,
o que une esses poemas é a ênfase no ridículo, no riso, no chiste.
São poemas “engraçados”, portanto, e geralmente curtos, que giram
ao redor “daquilo”: o sexo.
Desde a publicação de A Interpretação dos Sonhos (1900) e, sobre-
tudo, de O Chiste e sua Relação com o Inconsciente (1905), sabemos
que chistes, piadas e outras manifestações do gênero podem incluir
o rol do que Freud chama de Versprechen (lapsus linguae) e que, por
isso, guardam certa relação com o inconsciente. Ora, dissemos há
pouco que Priapo, protetor dos jardins, era como uma ponte entre
a “desregrada” exuberância da natureza e a ordenada compunção
das leis. Se pudermos, pois, substituir “natureza” por “inconscien-
te”, “leis” por “superego”, e “lapsus linguae” por “poema”, o caráter
risível destas composições, dedicadas ao deus do falo ereto, é tudo,
menos casual. Vale a pena conferir.

178 o tempo na psicanálise II


Sobre os autores

Ana Laura Prates Pacheco


Psicanalista, Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da
USP, AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo La-
caniano – Fórum de São Paulo. Coordenadora da Rede Clínica
do FCL-SP e coordenadora da Rede de Pesquisa de Psicanálise e
Infância do FCL-SP. Autora de Feminilidade e experiência psica-
nalítica. (2001).
E-mail: analauraprates@terra.com.br

Ângela Mucida
Psicanalista, Mestre em Filosofia Contemporânea pela UFMG e
doutoranda em Psicologia/Psicanálise na UFMG. Professora Ad-
junta do Centro Universitário Newton Paiva e coordenadora da es-
pecialização em saúde mental e psicanálise nesta instituição.
AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano
– Fórum de Belo Horizonte, autora de: O sujeito não envelhece –
Psicanálise e velhice (2004/2006) e Escrita de uma memória que
não se apaga – Envelhecimento e velhice (2009).
E-mail: angelamucida@terra.com.br

Antonio Quinet
Psiquiatra, Psicanalista, Doutor em Filosofia pela Universidade de
Paris VII (Vincennes), AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns
do Campo Lacaniano – Fórum do Rio de Janeiro, autor de: 4+1
condições da análise (Jorge Zahar Editor), Teoria e clínica da psi-
cose (Forense Universitária), A descoberta do inconsciente (Jorge
Zahar Editor), Um olhar a mais (Jorge Zahar Editor), A lição de
Charcot (Jorge Zahar Editor), Psicose e laço social (Jorge Zahar
Editor) e Artorquato (Editora 7 Letras).
E-mail: quinet@openlink.com.br

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Bernard Nominé
Psicanalista, Psiquiatra, AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns
do Campo Lacaniano – Fórum França, docente do Colégio Clínico
Psicanalítico do Sudoeste – França.
E-mail: ber.nomine@free.fr

Dominique Fingermann
Psicanalista, AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo La-
caniano – Fórum de São Paulo. Representante do CRIF (Colégio de
Representantes da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano).
E-mail: dfingermann@terra.com.br

Eliane Fittipaldi
Mestre e Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, lecio-
nou na USP, na PUC-SP e na FGV. Tradutora de mais de trinta li-
vros para diversas editoras e participante da equipe de tradutores que
recebeu o Prêmio Jabuti na categoria “Tradução Científica” em 1979.
Professora de literatura em cursos livres, palestrante no meio acadê-
mico a respeito de crítica literária e teoria da tradução, e em congres-
sos de negócios a respeito de comunicação e educação organizacional.
E-mail: elifitti@ajato.com.br

Érico Nogueira
Poeta, editor (Dicta & Contradicta) e doutorando em Línguas e
Literaturas Clássicas na USP. É autor de O livro de Scardanelli (É
Realizações, 2008).
E-mail: ericonogueira@yahoo.com

Gabriel Lombardi
Médico pela Universidad de Buenos Aires, professor de Clínica Psi-
canalítica na Universidade de Buenos Aires e no Colégio Clínico
de Rio de la Plata; AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do
Campo Lacaniano – Argentina. É autor de vários livros, entre os
quais Clínica y lógica de la autorreferencia.
E-mail: gabriellombardi@arnet.com.ar

180 o tempo na psicanálise II


Luis Guilherme Coelho Mola
Psicanalista, Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, Professor da Universidade São Judas
Tadeu.
E-mail: lgcoelho@uol.com.br

Lou De Resende (Maria Lúcia Resende Chaves)


Artista híbrida entre a literatura, a dança e as artes. Ensaísta, Dou-
tora em literatura comparada, editora e organizadora da revista
Asa-Palavra, professora do INAP e da Escola Guignard.
E-mail: louderesende@bol.com.br

Maria Claudia Formigoni


Psicóloga pela PUC-SP, Especialista em Psicologia Clínica e Psica-
nálise e Linguagem pela PUC-SP, Especialista em Psicologia Hos-
pitalar pelo HC-FMUSP.
E-mail: mclaudiaformigoni@yahoo.com.br

Maria Vitoria Bittencourt


Psicanalista, Mestre em Psicanálise pela Universidade Paris VIII –
Sorbonne, professora do Collège Clinique de Paris. AME da Escola
de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Fórum França.
E-mail: mvbittencourt@free.fr

Maurício Castejón Hermann


Psicanalista, acompanhante terapêutico, Mestre em Psicologia So-
cial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP)
e Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo
(USP), supervisor clínico e coordenador do Curso de Formação em
Acompanhamento Terapêutico da Universidade Metodista de São
Paulo, Membro da EPFCL-SP – Fórum de São Paulo, coordenador
da Rede de Pesquisa de Neurose e do Seminário de leitura de Freud
com Lacan, do FCL-SP.
E-mail: mauhermann@uol.com.br

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 181


Pablo Peusner
Membro da Escola Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano
– Foro Analítico del Río de La Plata, autor de: El sufrimiento de
los niños (JVE 1999, Letra Viva, 2009), Fundamentos de la clínica
psicoanalítica lacaniana con niños (Letra Viva, 2006) e El niño y el
Otro (Letra Viva, 2008).
E-mail: pablopeusner@gmail.com

Ronaldo Torres
Psicanalista, Mestre e doutorando em Psicologia Clínica pelo Institu-
to de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Membro participante do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo.
E-mail: ronaldotorrescl@gmail.com

Sandra Leticia Berta


Psicanalista, Mestre e doutoranda em Psicologia Clínica pelo Ins-
tituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Membro da
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Fórum
de São Paulo. Coordenadora das Formações Clínicas do Campo
Lacaniano - SP.
E-mail: bertas@uol.com.br

Silvana Pessoa
Psicanalista, Especialista em Psicologia Clínica (UFBa), Mestre em
Psicologia e Educação pela Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo, membro-fundador da Associação Científica Campo
Psicanalítico – Salvador. Membro da Escola de Psicanálise dos Fó-
runs do Campo Lacaniano – Fórum de São Paulo. Coordenadora
dos Módulos de Leitura Jacques Lacan das Formações Clínicas do
Campo Lacaniano-SP.
E-mail: silvanapessoa@uol.com.br

182 o tempo na psicanálise II


Sonia Alberti
Psicanalista, Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro, Pesquisadora do CNPq.
Doutora em Psicologia pela Universidade de Paris X – Nanterre,
Pós-doutorado no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do
Campo Lacaniano –Fórum do Rio de Janeiro.
E-mail: alberti@fcclrio.org.br

Susy Roizin
Licenciada em Psicologia pela Universidade de Buenos Aires. Efe-
tuou residência de Psicologia Clínica com adultos e crianças no
Centro de Saúde Mental de Ramat Hen, em Israel, Membro da
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Tel Aviv
e do Fórum França.
E-mail: susy.roizin@gmail.com

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 183


184 o tempo na psicanálise II
Orientações editoriais

Stylus é uma revista semestral da Associação Fóruns do


Campo Lacaniano e se propõe a publicar artigos inéditos das co-
munidades brasileira e internacional do Campo Lacaniano, e os
artigos de outros colegas que orientam sua leitura da psicanálise
principalmente pelos textos de Sigmund Freud e Jacques Lacan.
Serão aceitos artigos provenientes de outros campos de saber (a arte,
a ciência, a matemática, a filosofia, a topologia, a linguística, a mú-
sica, a literatura etc.) que tomam a psicanálise como eixo de suas co-
nexões reflexivas. Aos manuscritos encaminhados para publicação,
recomendam-se as orientações editoriais que se seguem.
Serão aceitos trabalhos em inglês, francês e/ou espanhol. Se acei-
tos, serão traduzidos para o português. Todos os trabalhos enviados
para publicação serão submetidos a, no mínimo, dois pareceristas,
membros do Conselho Editorial de Stylus (CES). A Equipe
de Publicação de Stylus (EPS) poderá fazer uso de consultores
ad hoc, a seu critério e do CES, omitida a identidade dos autores. Os
autores serão notificados da aceitação ou não dos artigos. Os origi-
nais não serão devolvidos. O texto aceito para publicação o será na
íntegra. Os artigos assinados expressam a opinião de seus autores.
A EPS avaliará a pertinência da quantidade dos textos que irão
compor cada número de Stylus, de modo a zelar pelo propósito
dessa revista: promover o debate a respeito da psicanálise e suas
conexões com os outros discursos.

O fluxo de avaliação dos artigos será o seguinte:


1. Recebimento do texto por e-mail pelos membros da EPS de
acordo com a data divulgada na home page da AFCL (http://afcl.
campolacaniano.com.br/publica-es/). 2. Distribuição para parecer.
3. Encaminhamento do parecer para a reunião da EPS para decisão
final. 4. Informação para o autor: se recusado, se aprovado ou se ne-
cessita de reformulação (neste caso, é definido um prazo de 20 dias,
findo o qual o artigo é desconsiderado, caso o autor não o reformule
apropriadamente). 5. Após a aprovação o autor deverá enviar à EPS
no prazo de sete dias úteis uma cópia de seu texto em CD e outra
em papel. A revista não se responsabiliza pela conversão do arquivo.
O endereço para o envio do original será fornecido nessa ocasião
pela EPS. 6. Direitos autorais: a aprovação dos textos implica a ces-

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 185


são imediata e sem ônus dos direitos autorais de publicação nesta
revista, a qual terá exclusividade de publicá-los em primeira mão. O
autor continuará a deter os direitos autorais para publicações poste-
riores. 7. Publicação.
Nota: não haverá banco de arquivos para os números seguintes.
O autor que desejar publicar deverá encaminhar seu texto a cada
número de Stylus.

Serão aceitos trabalhos para as seguintes seções:


Artigos: análise de um tema proposto, levando ao questiona-
mento e/ou a novas elaborações (aproximadamente 12 laudas ou
25.200 caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). En-
saios: apresentação e discussão a partir da experiência psicanalíti-
ca de problemas cruciais da psicanálise no que estes concernem à
transmissão da psicanálise (aproximadamente 15 laudas ou 31.500
caracteres, incluindo referências bibliográficas e notas). Resenhas:
resenha crítica de livros ou teses de mestrado ou doutorado, cujo
conteúdo se articule, ou seja, de interesse da psicanálise (aproxima-
damente 60 linhas (3.600 caracteres). Entrevistas: entrevista que
aborde temas de psicanálise ou afins à psicanálise (aproximadamen-
te 10 laudas ou 21.000 caracteres, incluindo referências bibliográ-
ficas e notas). A revista Stylus possui as seguintes seções: ensaios,
trabalho crítico com os conceitos, direção do tratamento, entrevista
e resenhas. Cabe à EPS decidir sobre a inserção dos textos selecio-
nados no corpo da revista.

Apresentação dos Manuscritos:


Formatação: os artigos devem ser enviados por e-mail, no míni-
mo, em arquivo no formato “Word for Windows 6.0/95, 98 ou 2000
(doc.)” à EPS conforme indicado na home page da AFCL e endere-
çados à EPS em tamanho A4, letra Times New Roman, corpo 12,
espaço 1,5, justificado, margens de 2 cm, lauda do texto em torno
de 2.100 caracteres. A primeira lauda do texto original deve conter
apenas o título do trabalho, nome completo do autor (se for único) ou
dos autores (no caso de coautoria), biografia(s) e seu(s) respectivo(s)
endereço(s) completo(s). As demais páginas (contendo título e texto)
devem ser numeradas, consecutivamente, a partir de 2.

186 o tempo na psicanálise II


Ilustrações: o número de figuras (quadros, gráficos, imagens,
esquemas) deverá ser mínimo (máximo de 5 por artigo, salvo exce-
ções, que deverão ser justificadas por escrito pelo autor e avalizadas
pela EPS) e devem vir em separado e devidamente nomeadas como
Fig. 1, Fig. 2 e indicadas no corpo do texto o local específico dessas
Fig.1, Fig. 2., sucessivamente. As ilustrações devem trazer abaixo
delas um título ou legenda com a indicação da fonte, quando hou-
ver. As imagens precisam ser enviadas em alta resolução. Gráficos e
tabelas devem estar em formato PDF. No caso de fotos ou imagens
digitalizadas, deve ser enviado o arquivo JPG original.

Resumo/Abstract: todos os trabalhos (artigos, entrevistas) deve-


rão conter um resumo na língua vernácula e um abstract em língua
inglesa, em um parágrafo único e contendo de 100 a 200 palavras.
Deverão trazer também um mínimo de três e um máximo de cinco
palavras-chave (português) e key-words (inglês) e a tradução do tí-
tulo do trabalho. As resenhas necessitam apenas das palavras-chave
e key-words.

Citações no texto: as citações de outros autores que excederem


quatro linhas devem vir em parágrafo separado, margem de 2 cm
à esquerda (além do parágrafo de 1,25 cm) e 1 cm à direita, tama-
nho e letra igual ao texto. Os títulos de textos citados devem vir
em itálico (sem aspas), os nomes e sobrenomes em formato normal
(Lacan, Freud).

Citações do texto nas notas:


1. As notas não bibliográficas devem ser reduzidas a um mínimo,
ordenadas por algarismos arábicos e arrumadas como nota de
rodapé ou notas de fim de texto antes das referências bibliográ-
ficas (citadas no corpo do texto);
2. As citações de autores devem ser feitas por meio do último so-
brenome, da obra citada e do ano de publicação do trabalho.
No caso de transcrição na íntegra de um texto, a citação deve
ser acrescida da página citada;
3. As citações de obras antigas e reeditadas devem ser feitas da
seguinte maneira: Kraepelin (1899/1999);

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 187


4. No caso de citação de artigo de autoria múltipla, as normas são
as seguintes: A) até três autores – o sobrenome de todos os au-
tores é mencionado em todas as citações, usando e ou &, con-
forme exemplo (Pollo & Rossi & Martielo, 1997). B) de quatro
a seis autores – o sobrenome de todos os autores é citado na
primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante
só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, como abaixo
(Pollo et al., 1997, p.120). C) mais de seis autores – no texto,
desde a primeira citação, somente o sobrenome do primeiro au-
tor é mencionado, mas nas referências bibliográficas os nomes
de todos os autores devem ser relacionados;
5. Quando houver repetição da obra citada na sequência da nota
deve vir indicado Ibid., p. (página citada.);
6. Quando houver citação da obra já citada, porém fora da sequ-
ência da nota, deve vir indicado o nome da obra em itálico, op.
cit., p. (Fetischismus, op. cit., p. 317).

Referências bibliográficas
(outras informações: consultar a nbr 6023 da abnt-2002):

Os títulos de livros, periódicos, relatórios, teses e trabalhos apre-


sentados em congressos devem ser colocados em itálico. O sobreno-
me do(s) autor(es) deve vir em caixa alta.
1. Livros, livro de coleção:
1.1.LACAN, J. Autres Ecrits. Paris: Editions Seuil, 2001.
1.2.FREUD, S. (1905) Die Traumdeutung. In: Studienausgabe.
Frankfurt a. M.: S. Fischer, 1994. Band II.
1.3.FREUD, S. (1905) A interpretação dos sonhos. Trad. sob a di-
reção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago, 1994. (Edi-
ção Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud, vol. II).
1.3.LACAN, J. O seminário – livro 8: A Transferência (1960-
1961). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1992.
1.4.LACAN, J. O seminário: A Identificação (1961-1962): aula de
21 de março de 1962. Inédito.
1.5.LACAN, J. O seminário: Ato psicanalítico (1967-1968): aula

188 o tempo na psicanálise II


de 27 de março de 1968. (Versão brasileira sem fins comer-
ciais).
1.6.LACAN, J. Le séminaire: Le sinthome (1975-1976 ). Paris: As-
sociation freudienne internationale, 1997. (Publication hors
commerce).

2. Capítulo de livro: Foucault, Michel. Du bon usage de la liberté.


In: Foucault, M. Histoire de la folie à l’ âge classique (p. 440-
482). Paris: Gallimard, 1972.

3. Artigo em periódico científico ou revista: Quinet, A. A histeria


e o olhar. Falo. Salvador, n.1, p. 29-33, 1987.

4. Obras antigas com reedição em data posterior: Alighieri, D.


(1321). Tutte le opere. Roma: Newton, 1993.

5. Teses e dissertações não publicadas: Teixeira, A. A teoria dos


quatro discursos: uma elaboração formalizada da clínica psicana-
lítica. Rio de Janeiro, 2001, 250f. Dissertação. (Mestrado em
Teoria Psicanalítica) – Instituto de Psicologia. Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro. 2001.

6. Relatório técnico: Barros de Oliveira, M. H. Política Na-


cional de Saúde do Trabalhador. (Relatório Nº). Rio de Janeiro.
CNPq., 1992.

7. Trabalho apresentado em congresso, mas não publicado: Pam-


plona, G. Psicanálise: uma profissão? Regulamentável? Questões
Lacanianas. Trabalho apresentado no Colóquio Internacional
Lacan no Século. 2001 – Odisséia Lacaniana, I, 2001, abril;
Rio de Janeiro, Brasil.

8. Obra no prelo: no lugar da data deverá constar (No prelo).

9. Autoria institucional: American Psychiatric Association. DSM-


III-R, Diagnostic and statistical manual of mental disorder (3rd
edition revised.) Washington, DC: 1998.

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 189


10. CD ROM – Gatto, C. Perspectiva interdisciplinar e atenção
em Saúde Coletiva. Anais do VI Congresso Brasileiro de Saúde
Coletiva. Salvador: ABRASCO, 2000. CD-ROM.

11. Home page – Gerbase, J. Sintoma e tempo: aula de 14 de maio


de 1999. Disponível em: <http://campopsicanalitico.com.br>.
Acesso em: 10 de julho de 2002.

Outras dúvidas poderão ser encaminhadas através do e-mail do(a)


diretor(a) da AFCL: afcl@campolacaniano.com.br, que se en-
carregará de transmitir à Equipe de Publicação de Stylus.

190 o tempo na psicanálise II


Pareceristas do número 17

Ana Laura Prates Pacheco (EPFCL – São Paulo)


Angela Diniz Costa (EPFCL – Belo Horizonte)
Ângela Mucida (Newton Paiva/ EPFCL – Belo Horizonte)
Clarice Gatto (FIOCRUZ/ EPFCL – Rio de Janeiro)
Daniela Scheinkmann-Chatelard (UNB/ EPFCL – Brasília)
Eliane Schermann (EPFCL – Rio de Janeiro)
Kátia Botelho (EPFCL – Belo Horizonte)
Marie-Jean Sauret (U. Toulouse le Mirail – Toulouse)
Raul Albino Pacheco Filho (PUC-SP/ EPFCL – São Paulo)
Vera Pollo (PUC-RJ/UVA-RJ/EPFCL – Rio de Janeiro)

Stylus Rio de Janeiro nº 18 p. 1-192 abril 2009 191


stylus, m. 1. (Em geral) Instrumento
formado de haste pontiaguda. 2. (Em es-
pecial) Estilo, ponteiro de ferro, de osso
ou marfim, com uma extremidade afia-
da em ponta, que servia para escrever
em tabuinhas enceradas, e com a outra
extremidade chata, para raspar (apagar)
o que se tinha escrito / / stilum vertere
in tabulis, Cic., apagar (servindo-se da
parte chata do estilo). 3. Composição
escrita, escrito. 4. Maneirade escrever,
estilo. 5. Obra literária. 6. Nome de
outros utensílios: a) Sonda usada na
agricultura; b) Barra de ferro ou estaca
pontiaguda cravada no chão para nela se
estetarem os inimigos quando atacam as
linhas contrárias.

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