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Resumo:
Este texto é resultado da pesquisa sobre bases ontológicas da extensão, contendo dois outros projetos de
pesquisa: o primeiro está voltado à análise de visão de mundo e da sociedade, além da concepção da
extensão presentes nos seguintes projetos de extensão – Projeto Escola Zé Peão, o Projeto Qualidade de
Vida, Projeto Praia de Campina e Projeto CERESAT (Centro de Referência da Saúde do Trabalhador),
vinculados à área da alfabetização de adultos, à tecnologia, aos movimentos sociais e à saúde (todos
com mais de cinco anos de andamento e vinculados à UFPB); o segundo expressa a análise dos
conceitos de extensão universitária, presentes em atividades de extensão e nos textos institucionais nas
décadas de 80 e 90, no âmbito da Universidade Federal da Paraíba. Os resultados mostram as
diferenciadas concepções de extensão nessas atividades extensionistas e, sobretudo, apontam para uma
perspectiva conceitual bem mais ampla - a extensão como trabalho social útil.
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Professor efetivo do Programa de Pós-Graduação em Educação – Educação Popular, Comunicação e
Cultura, do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, atuando na linha de pesquisa
Fundamentos e Processos em Educação Popular. É coordenador do Grupo de Pesquisa em Extensão
Popular.
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Conceito apresentado no XIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas do
Nordeste. Natal/RN, l995.
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conhecimentos digam alguma coisa para o nosso momento atual” 3. Esta mesma visão
concebe a universidade como a responsável por um trabalho que possibilite o exercício
da função de “ligar o ensino e a pesquisa com a realidade”.
A extensão é vista como tendo a missão de fazer a universidade sair dos seus
muros. Elabora problemas existentes a partir da discussão da realidade em que está
inserindo-se e vivenciando. Extensão como uma busca não só de explicações teóricas,
mas, também, de respostas àquelas necessidades imediatas de setores da sociedade.
Nesse sentido, a extensão torna-se “um trabalho; um trabalho que não tem um tempo
definido mas está dentro de uma perspectiva de trabalho permanente, trabalho
continuado”4. Apresenta-se, dessa maneira, uma possibilidade diferenciadora daquelas,
até então apresentadas, enquanto que também qualifica o tipo de trabalho que está sendo
desenvolvido nos projetos de extensão em andamento. Essas atividades, para muitos,
passam a se constituir como sendo a própria extensão e, marcadamente, identificando-as
como um trabalho. “Penso extensão como o trabalho a partir daquilo que a gente faz.
Acho que é a partir daquilo que cada grupo faz que, na verdade, vai se constituindo o
que a gente chama de extensão-universidade5 ” .
Veicula-se, em alguns projetos de extensão, uma perspectiva de extensão gerada
a partir das atividades em desenvolvimento e sem estar prisioneira de qualquer
formulação idealista. O ponto de partida dessa perspectiva é a realidade concreta ou o
concreto real que, submetido à análise da teoria, da abstração, vai vislumbrando outras
possibilidades ideológicas da extensão. “Extensão como trabalho que envolva pesquisa
e um trabalho que tenha uma finalidade social bastante definida”6.
Conforme os dados coletados da pesquisa no âmbito do Projeto CERESAT
(Centro de Referência da Saúde do Trabalhador), dentre os aspectos variados de
interesse da pesquisa, observe-se a dimensão referente à concepção de extensão que
inspira aquele projeto e que alimenta a continuação do debate sobre a questão
conceitual.
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Membro da equipe da PRAC/UFPB. Texto da entrevista para esta pesquisa.
4
Membro da equipe de projeto CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
5
Membro da equipe do projeto CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
6
Membro da direção da universidade. Texto da entrevista para esta pesquisa.
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TABELA 1
PROJETO CERESAT
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Esta tabela mostra a composição interna dos temas com seus itens, a freqüência dos indicadores por item
e seus percentuais considerados separadamente nos documentos e nas entrevistas - estas distribuídas em
entrevistas com os coordenadores, os executores e os membros da comunidade alcançada pelo projeto.
Mostra ainda a freqüência geral dos indicadores de cada tema, bem como o percentual desse tema no
conjunto do projeto.
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expressa a universidade como uma instituição independente, e que cabe a ela passar
para a sociedade os resultados de alguns dos seus trabalhos. Concretizam esta
perspectiva a prestação de serviços, a promoção de cursos e eventos, a assistência, a
venda de serviços, o treinamento de indivíduos da sociedade, a realização de estágios,
cursinhos preparatórios para programas de pós-graduação, enfim. A universidade
levando benefícios à sociedade. Uma outra visão é apresentada através da simbologia da
mão dupla em que a extensão pode ser compreendida como um processo educativo,
cultural e científico. Esta concepção privilegia o aspecto de que a universidade leva
conhecimento à comunidade, como também traz conhecimento da sociedade para a
instituição. A universidade e a sociedade são aí, concebidas como agindo de mãos
dadas, procurando, também, atender às demandas sociais em forma de troca de algo
com a sociedade e tendo desta a sua contrapartida. Uma terceira concepção que começa
a projetar-se nesses projetos de extensão é a extensão como um trabalho social com uma
utilidade definida. Esta concepção estaria sendo demarcada por indicadores que
mostram certo tipo de trabalho em desenvolvimento entre universidade e sociedade, não
como entes separados, mas em relação permanente entre si e que nem, por isso,
identificam-se, pois se diferenciam. O sentido que se propõe é de um trabalho social útil
como processo educativo, cultural e científico, porém voltado à construção de uma nova
hegemonia. O trabalho aqui, aparece configurado com a própria classe subalterna,
especialmente dirigido à organização dos seus diferentes setores. De acordo com esse
entendimento, a universidade e a comunidade devem ser as possuidoras do produto
desse trabalho. Um trabalho que carece da presença da crítica como ferramenta nas
atividades que o constituem. Esse conceito traz, em si, a dimensão de superação do
senso comum ao expor e explicar os elementos da realidade. Elementos que são gerados
a partir de formulações abstratas, sim, mas tendo na realidade, no mundo concreto, a
anterioridade de suas bases analíticas. Nesse movimento de análise da realidade, um
segundo movimento tem continuidade no campo das abstrações, em busca de elementos
mais ainda abstratos, permeados, entretanto, pelo concreto inicial e, finalmente, através
dos recursos expostos por essas abstrações, seja possível criar um novo concreto,
permeado das abstrações anteriores, enfim, um concreto, agora, cheio de pensamento.
Este movimento de produção de conhecimento também expressa outro
instrumental teórico de produção de bens culturais e de outro processo cultural. Esse
percurso metodológico estabelece-se pela constante crítica dessa produção e do produto
gerado, tornando-se também propositivo. Busca a superação das dimensões do
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estabelecido, considerando, por exemplo, que “as relações de classe não são
espontaneamente transparentes ao nível da experiência ‘imediata’, da experiência
‘vivida’ - aquela experiência que é simplesmente um reflexo sobre a vida cotidiana”
(Przeworski, 1989:122). Para o conhecimento dessas relações, torna-se necessário o
exame da crítica. Este possibilita ir além da experiência vivida pelas equipes e
comunitários, superando esse reflexo primeiro da experiência. A crítica é necessária,
pois perscruta essas relações, assumindo seu papel transformador.
Os dados revelam que neste projeto, 47% apontam para uma percepção da
extensão como trabalho social. Mas, com relação aos executores do projeto, 63% das
opções do tema concentram-se no entendimento de extensão muito mais em termos da
possibilidade de torná-la um trabalho social. Observa-se, contudo, que entre os
coordenadores do projeto existe uma sintonia dessa visão de extensão com as
percepções da visão transformadora do mundo, presente em um modo de produção
determinado e um Estado expresso através de possibilidades de sua ampliação
decorrente das contradições de classe. É uma relação universidade e sociedade
permeada dos conflitos ideológicos dessas classes.
Observa-se, agora, como as preocupações conceituais manifestam-se no Projeto
Escola Zé Peão, projeto voltado a alunos adultos e trabalhadores em canteiros de obras
em João Pessoa.
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TABELA 2
PROJETO ESCOLA ZÉ PEÃO
DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO
cresce entre os executores do programa para 57% (6.2) e é ainda maior entre os
trabalhadores, com 74% (6.3). Chega-se a uma média de 60% (6.1) da visão da
universidade tida como fechada para a sociedade. Trata-se de uma visão na qual a
universidade permanece encastelada em seu próprio mundo e forma indivíduos
comprometidos, basicamente com a ideologia das elites, ou seja, uma instituição que
vem exercendo o papel de treinadora, recicladora de pessoas, em geral das classes
dominantes.
Convém destacar sobre concepções de extensão, a terceira possibilidade, ainda
em construção, que é a visão de que extensão universitária pode ser entendida como um
trabalho social útil e, necessariamente, será um processo educativo, cultural e
científico. São expressivos, contudo, os resultados do item 7.3 entre os coordenadores e
executores e nos documentos produzidos pelo projeto, com percentuais de 58%, 61% e
80%, respectivamente.
Concebe-se como um trabalho realizado junto à comunidade pela universidade
ou seus agentes (estudantes e professores), rompendo a dicotomia existente entre os
pólos dessa relação. É uma perspectiva onde o trabalho configura-se numa dimensão de
continuidade e de permanência, em processos de realimentação, valorizando a prática e
a reflexão sobre essa prática. Esta concepção de extensão torna viável o fazer ensino
entre aqueles adultos que se alfabetizam, a pesquisa sobre metodologias e os próprios
conteúdos dessas atividades extensionistas.
Uma perspectiva que também é seguida, ao se analisar o projeto de extensão no
Vale do Rio Mamanguape, na região canavieira da Paraíba. Vejam-se os dados
presentes na concepção de extensão daqueles que atuam nesse projeto.
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TABELA 3
PROJETO PRAIA DE CAMPINA
DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO
TABELA 4
PROJETO QUALIDADE DE VIDA
DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO
Mas a visão da extensão como uma possibilidade de trabalho social útil aparece,
entre os coordenadores, com um percentual de 17%. É um percentual expressivo,
considerando o fato de que esse tema revela-se com 6% no conjunto dos temas do
projeto, enquanto que este mesmo item projeta um percentual de 12% entre os demais
itens.
Esse direcionamento conceitual – extensão como trabalho social útil - é
manifestado ao nível dos projetos analisados9. Destaque-se que os indicadores, em torno
desta perspectiva, apresentaram percentuais elevados nos projetos CERESAT e Escola
Zé Peão, particularmente entre os executores, com percentuais de 63% e 61%,
respectivamente. Entre os coordenadores do Projeto Praia de Campina, atinge-se o
percentual de 47% e entre os executores, 13%. No Projeto Qualidade de Vida, essa
concepção expressa-se entre os coordenadores com 13%, considerado também um
índice representativo.
Sendo trabalho social e útil, a efetivação da extensão gera um produto que
transforma a natureza, na medida em que cria cultura. É um trabalho imbuído da sua
dimensão educativa. O produto desse trabalho, todavia, passa a pertencer tanto às
equipes dos projetos de extensão, à universidade, quanto à própria comunidade ou aos
grupos comunitários, para aplicação na organização de seus movimentos.
Essa dimensão da extensão possibilita a superação da alienação gerada pela não
posse do produto do trabalho por parte de seus produtores, no modo de produção
capitalista. Todos os produtores devem apropriar-se desse produto do trabalho, que é o
saber.
Esse trabalho caracteriza-se como um espaço de atuação de todos os que buscam
a organização de seus grupos, de sua comunidade ou de sua classe. Um espaço onde
existem processos de realimentação dos conhecimentos, que estão sendo produzidos, e
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Estudante e membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
9 A pesquisa analisou dez temas, entre eles a concepção de extensão presente nos projetos, buscando os
indicadores para a concepção de extensão como via de mão única, via de mão dupla e trabalho social,
destacando a visão dos coordenadores, dos executores e de membros da comunidade.
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outros que são gerados a partir desses últimos. Esse trabalho deve expressar,
necessariamente, uma relação íntima entre a teoria e a prática social em
desenvolvimento.
Nessa perspectiva de extensão, observem-se os resultados do segundo projeto de
pesquisa que mostram dados convidativos para manter-se a busca da reconceituação da
extensão, a partir de experiências em desenvolvimento no cenário das práticas
extensionistas.
TABELA 5
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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO TRABALHO SOCIAL ÚTIL
Fonte: Dados do relatório de Sílvio Carlos Fernandes da Silva, da pesquisa Extensão Universitária como
Trabalho Social, que também analisou a concepção de extensão nas décadas de 80 e 90, aqui
destacadas, presentes em atividades extensionistas, na Universidade Federal da Paraíba.
Mas o homem, diferentemente dos outros animais que se guiam pelo instinto,
atua sobre a natureza de forma diferenciada, modificando-a e modificando também a si
mesmo. É essa capacidade que o distingue dos demais animais, ao superar a condição de
animalidade de sua espécie.
A partir das análises realizadas nesses projetos de extensão, o trabalho vem
apresentando-se, ainda de forma pouca expressiva, mas que já surgem dados que
apontam para esta perspectiva conceitual. No desenvolvimento das atividades
extensionistas em que o humano defronta-se com a natureza, também realiza, a partir
dela própria, uma síntese do particular com o universal. É o trabalho que possibilita o
significado da ação social, suas limitações, suas possibilidades e conseqüências, sem
nenhum recurso metafísico. Mesmo sendo um ponto de partida, é sobre essa base
natural do trabalho que se elevam as relações sociais da espécie humana. O trabalho
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torna-se uma relação social já a partir da relação estabelecida com a natureza, indicando
nas relações de produção, também expressas nas atividades de extensão, o caráter
social, indissociável, que acompanha o processo de trabalho.
À medida que a extensão universitária pode ser apresentada como trabalho,
exige-se desse trabalho a superação da simples relação primeira do homem com a
natureza. O trabalho realiza-se como processo constituído através das relações sociais -
trabalho social útil.
A atividade orientada nos projetos de extensão analisados passa pela produção
do conhecimento como necessidade humana, indispensável ao metabolismo social entre
o homem e a natureza.
No modo de produção capitalista, os conhecimentos do processo de trabalho,
que antes estavam sob o controle de indivíduos como os artesãos, transformaram-se em
capital. Fleury (l990: 129) afirma que: “A totalidade do processo, as condições que lhe
dão sentido, somente são apreendidas a partir do ponto de vista dos capitalistas, e o
conhecimento passa a ser uma propriedade exclusiva deste grupo social, e como tal,
uma das suas grandes fontes de poder na sociedade”.
A possibilidade de se entender extensão como trabalho social com explícita
utilidade opõe-se à visão fragmentada do trabalhador em relação ao processo produtivo,
no modo de produção capitalista, determinada pela divisão social do trabalho. O
conhecimento da totalidade do processo é transferido para o capital, representado
sobretudo, pela classe social dominante: a burguesia. A posse desse conhecimento
reforça as estruturas de dominação que estão inseridas nas relações sociais de produção
e também vai garantir, pelo lado do capitalista, a reprodução das relações de produção,
considerando que o modo de produção capitalista funda-se na separação entre a
propriedade do trabalho e a dos meios de produção. Essa separação também impõe ao
trabalhador a manutenção de sua posição na estrutura das relações de produção,
considerando que a sua sobrevivência estará garantida enquanto ele estiver fornecendo
ao mercado a sua força de trabalho, já que esta é seu único bem disponível.
A extensão expressa pela realização do trabalho social útil pode, ainda, efetivar
e desenvolver entre seus participantes a necessidade da conquista de cidadania. Uma
cidadania cujo significado deve estar bem cristalino na perspectiva de que seja um
processo de formação de cidadão crítico, enquanto consciente como sujeito de
transformação, e também ativo, superando o idealismo contemplativo e interpretativo da
natureza.
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Referências