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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

Fábio Battista Cardelli

O INDEPENDENTE CONECTADO:
produção e divulgação musical em rede

São Paulo, 2008


Fábio Battista Cardelli
O Independente Conectado: Produção e divulgação musical em rede

Dissertação apresentada como requisito parcial para a


obtenção do título de Bacharel pela Pró-Reitoria de
Graduação, Pesquisa e Extensão da Universidade de
São Paulo. Bacharel em Comunicação Social,
Habilitação no Curso Superior do Audiovisual, pela
Escola de Comunicações e Artes.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Vicente

São Paulo, 2008

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SUMÁRIO

1. Introdução. O novo cenário da música....................................................................... 4

2. A indústria fonográfica tradicional. Conceitos: produção, divulgação, distribuição.. 9

3. O independente conectado........................................................................................... 14
3.1. A produção independente....................................................................................... 17
3.1.1 Música amadora na rede............................................................................... 19
3.1.2 O artista autônomo e seu produto.................................................................. 21
3.1.3 Selos, coletivos, comunidades: a união faz a força....................................... 22
3.2. A divulgação independente.................................................................................... 24
3.2.1. Conteúdo expositivo..................................................................................... 26
3.2.2. Páginas dinâmicas – blogs, fotoblogs, e-zines............................................. 27
3.2.3. Páginas colaborativas – comunidades, fóruns e sites de relacionamento..... 30
3.2.4. Comunicação direcionada – e-mails e comunicadores instantâneos............ 31

4. Distribuição online. O futuro?...................................................................................... 34

5. Conclusão...................................................................................................................... 37

6. Bibliografia....................................................................................................................42

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I. INTRODUÇÃO

O novo cenário da música

A indústria fonográfica não é mais a mesma.


Nos últimos tempos, a cadeia produtiva da música popular, assim como a ampla
maioria dos sistemas econômicos envolvendo arte e cultura, tem passado por um intenso
processo de mudança: o que antes era uma estrada de mão única, onde os meios de
produção e de distribuição estavam fortemente concentrados, vem se tornando cada vez
mais um organismo em rede, dotado de muitas vozes e muitos sistemas.
Das vitrolas até os aparelhos portáteis de hoje, os mais diferentes caminhos foram
ligando porões, garagens e estúdios aos ouvidos dos fãs. Hoje em dia, o acesso à música se
encontra em um momento crítico. As pessoas estão consumindo menos música diretamente
(isto é, comprando menos discos) e não há um substituto claro para o CD. A cultura digital
transformou o fonograma em um acessório virtual, bem como modificou toda a cadeia de
produção: sistemas de gravação caseiros se tornaram mais fiéis e portáteis, a pirataria
cresceu vertiginosamente, sites de relacionamento na internet aproximaram músicos e fãs
de todo o mundo, entre outras mudanças. Com um custo/benefício razoável entre
compactação e qualidade sonora, o mp3 se tornou o mais popular entre os arquivos de
música, a bola da vez no consumo das novas tendências. O palco dessas transformações é,
sem dúvida, a internet. A rede mundial de computadores ultrapassou os meios de massa em
velocidade de geração e propagação de informações, através de seus inúmeros “terminais
de criação” (leia-se computadores pessoais) espalhados pelos quatro cantos do planeta.
Neste ambiente marcado pela chegada da rede, quem resolve começar um projeto
musical novo se depara com prós e contras pelo caminho. Por um lado, encontra a
dificuldade de interagir com um público disperso, pulverizado em diversos nichos de
consumo, nichos imprecisos que já não se distinguem mais tão claramente quanto nas
gerações passadas; por outro lado, vê na rede uma oportunidade de conquistar os quinze
minutos de fama de maneira independente, com baixo investimento. Sites como Myspace

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(www.myspace.com) ou Tramavirtual (www.tramavirtual.com.br) possibilitam a qualquer
pessoa desenvolver páginas pessoais, com espaço para músicas, fotos e textos. E mais do
que ter endereço próprio na internet, também é possível formar redes de contatos nesses
domínios. Com a rede mundial de computadores, surge enfim uma alternativa multimídia
aos meios de massa: um ambiente com alto potencial de geração de tendências baseado em
auto-organização e auto-gestão, além de um suporte praticamente ilimitado de escoamento
da produção. O diálogo entre produtor e consumidor se torna mais estreito: cada elemento
da rede ao mesmo tempo influencia e é influenciado.
No Brasil, essa teia de relações se encontra num estágio recente. Embora artistas e
fãs já usem habitualmente a rede como meio de divulgação desde o final dos anos 90, o
mercado continua a ser determinado pela exposição nos meios de massa. Características
como a programação vertical, a escassez de espaços e o consumo passivo fazem da
televisão aberta e das rádios FMs ambientes ideais para a rápida propagação de tendências e
para um maior controle do mercado por distribuidores e divulgadores: processo que já se
estende há décadas no Brasil e no mundo. Por meio de mecanismos como o jabaculê, as
grandes gravadoras se especializaram na criação de ídolos e modismos, inserindo suas
apostas de público em programas de grande audiência.
No entanto, se ainda há uma instância poderosa agindo sobre o mercado da música,
ela não detém mais o mesmo poder centralizador que detinha décadas atrás. Enquanto os
lançamentos caríssimos dos artistas sob contrato vazam para as mãos do comércio informal
e para os discos rígidos de milhares de internautas, os artistas independentes especializam-
se na manutenção direcionada de carreiras a baixo custo, usando dos meios digitais para
produzir eventos, lançar clipes e divulgar músicas de trabalho, além de montarem selos,
cooperativas e até suas próprias gravadoras.
Podemos dizer que estamos mais próximos de uma cena independente auto-
sustentável no Brasil. Para que uma cena se sustente sem depender das majors, é necessário
haver uma produção diversificada que atenda a diversos gostos, uma divulgação que faça
essa produção chegar ao conhecimento do público potencial, e mecanismos de distribuição
que vendam os bens culturais relacionados a essa produção. Detalhes técnicos à parte, já
temos uma produção nacional de música independente com qualidade acontecendo nos dias
de hoje: uma malha de estúdios de pequeno e médio porte localizada nas grandes cidades

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do país, adicionada à praticidade do digital e às possibilidades da gravação caseira,
fornecem uma infra-estrutura acessível para gravadoras, selos e artistas autônomos.
Os principais entraves encontram-se nas duas etapas seguintes, que dependem da
interação com o consumidor médio e da concorrência com os meios tradicionais. Meios
populares como o rádio e a televisão dão uma visibilidade fraca à produção independente,
especialmente àquela produção não-convencional, que busca experimentar caminhos
autorais e se opor a um establishment. A falta de emissoras de rádio especializadas ou
mesmo de programas radiofônicos ou televisivos voltados seriamente a essa produção são
entraves para os independentes venderem sua música. No quesito distribuição, a logística
necessária para um lançamento atingir as grandes cidades do país é cara, e o investimento
certamente não é recompensado sem um plano de divulgação que abarque os meios
tradicionais mencionados acima.
Resumindo, a questão da disputa por espaços bate à porta. Felizmente, para essa
finalidade, a Internet é uma prateleira sem fim. Apesar do alto custo da banda larga no
Brasil, é na rede que se encontram hoje os maiores pontos de contato entre a produção e o
consumo de som independente.

***

A Internet se mostra uma ferramenta essencial para a divulgação do artista de nicho


no Brasil, abrindo um espaço para estilos e tendências que não tinham visibilidade dentro
das rádios comerciais, por exemplo. O viés mais segmentado do mercado musical, que
vinha crescendo nos anos 80 e 90, entra em ebulição com a ajuda da web: um bom exemplo
é o da cena hardcore no país, que alavancou bandas como CPM 22, Fresno e NxZero para
o mainstream, porém mantendo independentes suas bases originais de divulgação como
selos, fanzines e sites, que mantêm o público consumidor através da contínua produção de
eventos e de ambientes de diálogo na rede.
A abordagem dos meios virtuais é um importante instrumento de afirmação de
identidade: um fotoblog, veículo online aparentemente simples de postagem de fotos, pode
ser um painel estratégico para troca de contatos através do espaço permitido para
comentários, por exemplo. Muitos artistas que hoje se tornaram referência pop no início do

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século XXI, como Cansei de Ser Sexy, Arctic Monkeys ou Radiohead, encontraram na web
uma maneira ousada e despojada de auto-promoção. Mesmo os músicos que obtiveram sua
fama através da mídia tradicional no Brasil e no resto do mundo – os dinossauros da MPB,
ou astros de rock – vêm se rendendo às facilidades de divulgação via web, na difícil tarefa
de conquistar novos públicos, especialmente aqueles mais jovens e exigentes, com memória
e paciência curtas.
No começo da indústria pop os talentos eram “caçados” em bares, e a partir do final
da década de 70 começam a ser garimpados através de fitas demo. Hoje em dia, além da
presença em um circuito de shows e a apresentação das canções em gravações de boa
qualidade, os novos artistas precisam ter seus próprios mecanismos de divulgação virtual
para alcançarem sua visibilidade.
O objetivo deste texto é desfiar um pouco desse aparente “emaranhado digital” que
se tornou o universo do som na rede, com a proliferação de milhares de sites, perfis, blogs e
outras páginas feitas por artistas novos, que aumentam em número a cada dia. Pretendo
buscar sinais de organização, articulação e hierarquização nesse território anárquico à
primeira vista, que possui algumas características interessantes: o artista hoje, por exemplo,
começa a se promover diretamente da garagem, do quartinho dos fundos. Pode acompanhar
detalhadamente o comportamento de seu público-alvo, verificando o número de acessos às
suas páginas e observando os sites da “concorrência”. O nível de exposição da produção de
hoje não tem precedentes no mercado musical. Acho bastante improvável que exista uma
banda de rock em atividade no Brasil, hoje, sem um único endereço ou citação na rede.
Não pretendo fazer deste trabalho um catálogo de cada site ou aplicação online
usada hoje em dia pelos músicos. Pela velocidade com que ocorrem as mudanças no campo
virtual, é bem provável que, na época desta publicação, muitos recursos novos tenham
surgido ou tenham sido apropriados, e diversas ferramentas hoje essenciais tenham se
tornado obsoletas. Tentarei me referir a eles de forma genérica quando possível para efeito
de uma maior abrangência, porém em alguns casos me voltarei para um site ou página em
específico de forma a interpretá-lo mais a fundo (ex.: Orkut, Myspace).
Em face da grande expansão e consolidação desse campo virtual, novas perspectivas
se abrem para o artista, e por outro lado, novos ambientes concorrenciais. Esses
ecossistemas são sinal de uma nova economia da música que está por se tornar dominante,

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ou são apenas mais um território de garimpo para as grandes gravadoras? Por uma
motivação ou outra, ou apenas pela satisfação pessoal, milhares de artistas se renderam às
novas tecnologias; vamos ver, portanto, o que está acontecendo nestes espaços coletivos.

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II. O SISTEMA TRADICIONAL

Conceitos: produção, divulgação, distribuição

Antes dessa revolução digital que transformou o mercado da música, o cenário da


atividade era mais simples para o consumidor e para os donos de gravadoras. O fonograma1
ainda dependia de um suporte para a sua comercialização, e vender música significava
vender álbuns gravados; o indivíduo que se interessasse por algum artista deveria partir
com suas economias rumo à loja mais próxima. A atividade protagonizada pelo disco
constituiu o que conhecemos por indústria fonográfica, movimentada por gravadoras,
artistas, mídia, lojas de discos e, principalmente, pelo mercado consumidor.
Assim como outras formas de manifestação cultural, podemos dissecar a cadeia
produtiva da música em três etapas, que podem ser identificadas tanto em um projeto
experimental caseiro como numa produção de grande porte visando o consumidor médio.
São elas: a produção, a divulgação e a distribuição.
A produção é o ato da transformação de uma canção, tema ou obra musical em um
fonograma, isto é, em um registro sonoro. É feita tradicionalmente em estúdios, embora os
lançamentos de espetáculos e eventos gravados ao vivo sejam também uma constante no
mercado musical. A produção pode ser reduzida em três áreas de atuação mais ou menos
distintas: o compositor e/ou intérprete, o produtor fonográfico, e o operador de áudio. O
intérprete é o músico que executa a obra, que pode ser uma composição de autoria própria
ou uma versão de outro compositor; o produtor é responsável pela direção estética – e, em
alguns casos, pelo arranjo das composições – e o técnico de áudio, pela operação dos
dispositivos de gravação e correção sonora. Claro que há um jogo entre todas as partes. Em
casos de selos baseados em estúdios caseiros, o próprio técnico de áudio faz as vezes de
produtor; muitos músicos autônomos também recorrem a equipamentos básicos de
gravação e desenvolvem seus próprios fonogramas sozinhos. A barreira entre músico e
1
Fonograma s. m. Sinal gráfico que representa um som. | Inscrição do som, obtida por meio de aparelhos
registradores, em fonética experimental. | Som gravado. | Disco, placa, fio ou filme em que o som está
gravado. (Enciclopédia DELTA-LAROUSSE)

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produtor se dilui na mesma proporção: um produtor pode influir estruturalmente em uma
música e assumir status de criador sem a necessidade de tocar um instrumento. Hoje em
dia, a produção de certos timbres sintéticos e a inserção de samples, bem como sistemas
não-lineares de edição, quebram a lógica do fonograma enquanto produto de uma execução
musical; nas paradas de sucessos americanas, geralmente vemos uma seleção de
fonogramas muito mais mérito de produtores do que de seus intérpretes, alguns se
destacando e desenvolvendo carreira própria, como é o caso do produtor e rapper
Timbaland.
A divulgação é a forma pela qual o fonograma se torna conhecido por um público.
A divulgação pode ocorrer de várias formas: através da propaganda direta (uma peça
publicitária divulgando o lançamento de um CD, por exemplo), ou do merchandising e do
licenciamento (aparição em trilhas de novelas, cinema, ou venda de camisetas e outros
produtos), ou da veiculação em rádios e TVs, de resenhas e comentários em revistas e
jornais, ou enfim, da própria divulgação “boca-a-boca”. Há diversos profissionais que
abrangem a divulgação musical em suas áreas de atuação, entre elas o jornalista cultural, o
radialista, o apresentador de TV, o crítico musical, etc. As formas mais tradicionais de
divulgação incluem o rádio, a televisão e o cinema. O rádio transmite música desde as suas
origens, e a popularização deste meio se deve em muito à execução de música popular.
O surgimento da música gravada ocorreu num contexto em que as tecnologias de
reprodução de imagens e sons em geral deram um grande salto. Cinema e rádio se
colocaram ao lado da imprensa escrita como os principais meios de comunicação e
entretenimento nas primeiras décadas do século XX. Mas foi na década de 50, com o
surgimento da televisão e do rádio transistor, que a música popular ganhou seus principais
veículos de divulgação. É a partir deles que surgiram verdadeiras revoluções culturais como
o rock’n’roll em 1955 ou a MPB dos festivais da Record nos anos 60. Em 1981, a música
pop ganha um importante aliado televisivo: a Music Television (MTV), que começou suas
atividades transmitindo exclusivamente videoclipes e se tornou referência mundial em
comportamento jovem. A mais recente mudança no campo da divulgação musical é sem
dúvida a chegada da Internet, que prontamente se tornou um grande celeiro de novos
talentos. Muitos apontam a rede como a “rádio dos independentes”.
A distribuição é o sistema pelo qual o fonograma se torna um produto acessível. Os

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terminais dessa etapa da cadeia são lojas de discos, lojas de departamentos como Wal-Mart
ou Carrefour, ou mais recentemente as lojas online como a iTunes Store, que comercializa
os fonogramas em arquivo, sem o seu suporte físico. Ao contrário da distribuição online, a
distribuição tradicional envolve uma logística complicada, principalmente para um
lançamento de nível nacional. Por essa dificuldade, a distribuição sempre fora refém das
grandes gravadoras, como ponto-chave no negócio da venda de discos.
A venda de discos se desenvolveu graças à invenção de mecanismos de gravação do
som. Até o século XIX, a única possibilidade de registro musical era através da notação,
por meio de partitura: a partir dela se desenvolveu um mercado editorial de música, que foi
a principal atividade lucrativa do meio musical até o final da Primeira Guerra, quando a
comercialização de gravações passou a superar a de partituras.
O advento das tecnologias de reprodução sonora revolucionou a arte, afinal a partir
daquele momento era possível escutar música sem a presença de seu(s) intérprete(s). A
novidade estremeceu as barreiras entre popular e erudito, arte e comércio. Teve início a
formação de um cenário inédito: um mercado musical de grande alcance de público.

“(...) a reprodução técnica de discos não apenas favorece a popularização de


um determinado tipo de música, mas é exigida na popularização dessa
música, como sugere Benjamin em relação ao filme, onde a técnica de
produção funda a técnica de reprodução. Este deslocamento da música para
os espaços privados, para a difusão pública e massiva (no rádio, por
exemplo), obviamente, só foi possível graças às tecnologias de registro e
reprodução com origem no fonógrafo criado por Thomas Edison em 1877.
Até aquele momento, a presença física de músicos ou orquestras era
indispensável à execução de obras musicais.” (BANDEIRA, 2001.)

Da invenção do fonógrafo por Edison até o período da Primeira Guerra, temos um


período de muita briga entre patentes e um aprimoramento constante da qualidade dos
fonogramas e de seus aparelhos reprodutores. Diversos tipos de aparelhos foram testados,
patenteados e vendidos; o que mais obteve sucesso foi o gramofone e seu disco circular,

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inventado pelo alemão Emile Berliner. Além do baixo custo do aparelho, os discos eram
também de fácil duplicação, possibilitando a venda em massa. Surgiam as primeiras
gravadoras de maior expressividade: Edison, Victor e Columbia.
No período entre guerras, com a novidade da transformação do impulso sonoro em
sinal elétrico, as gravações passaram a ser realizadas por meio de microfones ao invés de
bocais ou campânulas, o que deu início ao período intitulado como a “Era Elétrica”
(LUCAS, 2008). Nesse período, as gravadoras que até hoje controlam o mercado da música
começaram a tomar corpo, através de fusões e da compra de diversos selos e gravadoras
menores. A britânica EMI (hoje uma das quatro majors) e a americana RCA-Victor
(vendida mais tarde ao grupo Sony/BMG) surgiram nessa época. Outras mudanças vieram
nos anos seguintes, como o vinil substituindo a goma-laca como matéria-prima dos discos,
e o advento do formato LP de 33 1/3 rotações em 1948. O disco de vinil tornou-se padrão
no mercado fonográfico, vindo a dividir espaço somente anos mais tarde com o cassete, na
década de 70, e com o formato digital Compact Disc (CD), lançado em 1982.
Todo o século 20 fora marcado por um forte domínio de mercado das grandes
gravadoras no ramo. Pequenos selos e gravadoras independentes (não vinculadas aos
grupos de domínio) chegaram a conquistar fatias maiores do mercado em alguns períodos,
como no início do rock’n’roll em 1954-58 e na onda punk em 1977, porém essas tendências
foram sendo absorvidas pelos conglomerados, através da compra dos castings ou mesmo
dos próprios selos ou gravadoras. A indústria foi se adaptando ao surgimento de novos
nichos e movimentos, terceirizando uma ponta da cadeia (gravação, produção) e
controlando mais agressivamente a outra ponta, a que liga o artista ao grande público
(divulgação e distribuição). Mesmo gravadoras e selos menores que decidiram por uma
postura mais experimental e de conquista de novos nichos, através de produção livre e
divulgação alternativa, acabaram por perceber nas majors o único canal viável de
distribuição.
Movimentos como as contraculturas da década de 60 denunciaram fatias de público
não exploradas, principalmente o público jovem. A partir desses movimentos, a indústria
foi se configurando de forma orgânica, mantendo a liberdade de produção dos
independentes, das cenas alternativas, e encampando rapidamente os artistas em destaque
nelas com rápida e sinérgica exposição às mais eficientes ferramentas de marketing,

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divulgação e distribuição. Rádios comerciais, televisão, cinema e grandes lojas de discos
são, até hoje, praticamente um terreno de exclusividade das majors. O consenso de diversos
setores da sociedade é que, de fato, mecanismos de jabá controlam as mídias de massa
desde os primórdios do rock’n’roll.

“Frederic Dannen aponta – ao menos indiretamente – a institucionalização e


encarecimento da payola, ou seja, do pagamento de gratificações aos DJs
para a veiculação das músicas. Subentende-se, pelo relato de Dannen, que a
exagerada elevação dos valores pagos transformou o mecanismo da payola
muito mais numa barreira ao acesso dos indies às maiores rádios do que
propriamente numa forma de divulgação musical.” (VICENTE, 2002.)

Essa dificuldade de acesso aos meios tradicionais tem sido forte motivação para o
deslumbre dos grupos e artistas independentes com a internet. A possibilidade de se expor
sem a necessidade de qualquer custo direto, num ambiente em que as diferenças para os
grandes se resumem ao conteúdo, é um atrativo infalível. Por outro lado, a forma de pensar
estes novos meios deve ser diferente dos meios tradicionais. Conceitos como interatividade,
tag, streaming, hyperlink, sobrepõem-se à rotina tradicional de um músico, e os que obtêm
mais sucesso com a novidade são os que se embrenham com maior facilidade nesta selva de
relações fugazes que liga pessoas distantes e gêneros vizinhos numa só grande teia.

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3. O INDEPENDENTE CONECTADO

O cenário do comércio da música pop encontra-se atualmente em um momento de


intenso movimento. A indústria fonográfica vive hoje a maior crise de sua história, com
quedas sucessivas nas vendas de CDs para os piratas e para a troca ilegal na internet; as
vendas online ainda não compensam suas perdas. Ao mesmo tempo, longe dos espaços
tradicionais das emissoras abertas de rádio e TV, há uma movimentação ampla e
diversificada, amparada pelas novas tecnologias, que busca experimentar novos modelos de
negócio. Uma gama de artistas independentes, ou seja, todos aqueles não vinculados a
nenhum dos quatro conglomerados (EMI, Warner, Universal e Sony-BMG) ou mesmo a
nenhuma gravadora, começam a despontar sem a necessidade de um exército de
profissionais por trás de seu trabalho: fazem boa parte de sua divulgação por conta própria,
vendem os discos nas próprias apresentações, e sobrevivem graças ao uso de uma rede de
contatos que se recicla constantemente.
No Brasil, assim como no resto do mundo, os espaços dedicados à produção
independente têm se renovado. Em São Paulo, por exemplo, as regiões da Augusta e da
Barra Funda se transformaram em palcos de uma “nova onda” independente. Nessas duas
regiões houve um sensível aumento dos espaços para shows de rock e derivados nos
últimos cinco anos, principalmente de casas de pequeno e médio porte, com lotação em até
1.000 pessoas. Somados, esses locais giram milhares de pessoas semanalmente, entre elas o
público, os artistas, produtores, donos de bares, jornalistas, técnicos de som, seguranças.
Em escala nacional, também podemos notar o surgimento e crescimento de espaços para o
som independente, principalmente no âmbito de festivais. Alguns com programação 100%
indie, outros com programação mista, também se encontram em franca expansão, através
de investimentos da iniciativa pública e privada – a Petrobras, por exemplo, aplicou R$ 2,5
milhões na realização de festivais de música em 2008, contemplando 30 projetos filiados à
Abrafin2 que, juntos, estão movimentando dezenas de milhares de pessoas entre públicos
locais e forças de trabalho, além de centenas de bandas independentes. Também em 2008,
aconteceu no Brasil e em países vizinhos o “Grito Rock América do Sul”, festival integrado

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Associação Brasileira de Festivais Independentes.

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ocorrido de forma simultânea em mais de 40 cidades do subcontinente, no período do
Carnaval, incluindo cidades de todas as regiões do País, mais Argentina e Uruguai. Para
2009 são previstas mais de 50 cidades participantes do Grito Rock, que se caracteriza por
ser um festival de “código aberto”, com cada cidade tendo suas próprias comissões de
curadoria e organização.
Esse aumento da oferta de espaços para apresentações não é um acontecimento
isolado. A própria oferta da música independente encontra-se em alta. Muitos estão
produzindo em casa, disponibilizando a obra na internet de graça e vendendo discos em
preço abaixo do mercado oficial, através de formatos como o CD-R e o SMD, nas próprias
apresentações. Também a divulgação musical vem ganhando novas vitrines: as ferramentas
de divulgação gratuita se encontram em abundância na web, proporcionando uma vasta
camada de empreitadas de baixo risco (blogs, podcasts, projetos musicais experimentais,
pequenos selos) que, em soma, criam uma efervescência, dinamizando a cena e facilitando
o garimpo dos fãs e dos produtores de shows. O que, para a indústria tradicional, se
caracteriza como ruído (artistas de vendas baixas, fonogramas de graça, nichos estreitos e
fechados, iniciativas sem fins lucrativos), é visto como território de oportunidade para
produtores do circuito independente. Com a exposição dos eventos maiores e dos festivais,
que costumam atrair até mesmo a mídia tradicional, crescem em público e divulgação os
artistas independentes, realimentando a cena. Entre os consumidores dessa nova safra estão
o público universitário, sempre carente de novos movimentos e tendências, e públicos
jovens de classe média e alta, principalmente os usuários de banda larga.
Podemos encontrar referências dessa produção em bandeiras independentes do
passado – como na máxima punk “faça você mesmo” ou no cenário underground nos EUA
dos anos 80. Assim como nestes períodos, os independentes conectados de hoje vêm
desmistificando o trabalho da indústria fonográfica e criando alternativas para a sua
circulação e sobrevivência. Entretanto, ao contrário desses movimentos anteriores, é
interessante constatar que não temos um debate estético tão presente na nossa produção
indie atual. Assim como há os que pregam uma música experimental, opositora do som
feito no mainstream de hoje, há também os que buscam mimetizar estilos e artistas
consagrados pela mídia, ambos muitas vezes dividindo os mesmos palcos. A discussão
mais interessante gira em torno da gestão da cena, em como torná-la uma atividade se não

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lucrativa, ao menos sustentável.
Investigar a cena foi se tornando cada vez mais fácil a partir de um browser e uma
conexão de banda larga. As principais casas de show das grandes metrópoles têm seus
endereços na internet, com agenda do mês divulgada. Os produtores, jornalistas, bandas,
praticamente todos têm suas contas no MSN, ou perfis no Orkut, etc. Desde a virada do
século esses pontos têm se ligado. Alguns vêm se aglomerando em selos e produtoras;
outros mantêm uma postura autônoma. Outras agremiações coletivas surgiram; boa parte
delas sem constituir exatamente selos ou gravadoras, mas coletivos, grupos de troca de
informações, listas de discussão, comunidades dinâmicas. Na medida em que essas trocas
deixaram o campo do virtual para modificar estruturas reais, com a participação de todos os
agentes da cadeia (das gráficas e prensas aos compradores de ingressos, camisetas e discos)
configurou-se mais propriamente um cenário independente ligado em rede. Uma cena
caracterizada pela ausência de um único centro emissor e pela facilidade em se reciclar.
Alguns coletivos vêm buscando sistematizar essa teia de relações, como no caso de
Cuiabá, cidade natal do Espaço Cubo, núcleo cooperativo que organizou praticamente toda
a cena cuiabana em volta de um sistema de crédito chamado Cubo Card. Através do
sistema, grupos musicais da cidade potencializam a sua circulação através de força de
trabalho: fazem serviços de palco em troca de horas de ensaio nos estúdios do Cubo, por
exemplo, ou ajudam no desenvolvimento de um blog do coletivo em troca de uma
apresentação para suas bandas. A forte organização do Cubo possibilitou um maior diálogo
com a esfera pública e a conseqüente inserção da música autoral no circuito de cultura da
cidade, além da crescente profissionalização da cena. Enquanto no início da década de 2000
as poucas bandas cuiabanas se esforçavam para conquistar algum público local, hoje em dia
chega à casa das dezenas o número de grupos cuiabanos circulando pelo Brasil com seus
instrumentos, alguns obtendo um bom respaldo de crítica e público, como é o caso dos
heróis locais Vanguart e Macaco Bong. Sistematizações como a do Cubo vêm ocorrendo
em todo o Brasil, chamando a atenção de investidores públicos e privados. A rapidez da
circulação das informações e expansão das iniciativas de organização local transformam e
direcionam o circuito independente num ritmo acelerado, mais ágil do que muitos
procedimentos das majors.
A grande crítica que se faz a essa cultura é de que, até agora, uma porcentagem

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muito baixa do seu corpo atuante está realmente vivendo diretamente dela – apenas alguns
poucos produtores e empresários. Isso é um fato. No entanto, não podemos esquecer que
toda a cadeia produtiva (das grandes gravadoras às bandas de garagem) fora prejudicada
pela perda de força de seu principal território: a loja de discos. Aí se caracteriza a
importância do momento histórico: se as iniciativas de “código aberto” têm oxigenado a
circulação de diversos novos nomes da música brasileira (e isso sem entrarmos em uma
análise da organização em rede na cena européia ou americana, onde os independentes
sobrevivem de sua produção desde antes do advento da internet), as majors e seu capital de
investimento não deram ainda uma grande cartada no Brasil em termos de novos nomes ou
capitalização de movimentos – a loja iTunes Store, por exemplo, é um grande varejista de
música online que ainda não tem seus serviços disponíveis para o público brasileiro. Novos
modelos de negócio têm sinalizado para uma maior importância do mercado de eventos,
como na recente empresa Day1, de propriedade da Sony/BMG, cuja proposta é agenciar e
compartilhar lucros com o artista em todas as suas etapas de atuação, das turnês à
distribuição. Será este o modelo de negócio para os novos sucessos mundiais? Ou teremos
uma era de nichos, onde não mais dez ou vinte, mas duzentos artistas e conjuntos pop
estarão em voga, circulando e lançando singles virtuais? O certo é que nem as grandes
gravadoras, nem as iniciativas ligadas em rede, dão sinais de que irão desaparecer por
completo; são estruturas vivas, que continuarão a se confrontar pelos próximos anos.

3.1. A PRODUÇÃO INDEPENDENTE

Quando os Beatles surgiram, no início da década de 60, o conceito que se tinha de


música jovem era recente. A guitarra elétrica, surgida da cultura do jazz e do blues e
desenvolvida, entre outros, por Les Paul, tinha apenas algumas décadas de existência; os
ícones pop surgidos até então eram amparados por equipes de compositores e músicos de
fundo que continuariam no anonimato. Scotty Moore, embora bastante respeitado como
guitarrista, não importava para o público ou para a venda de discos - aparentemente os fãs
só queriam saber do cantor que Moore acompanhava, um certo Elvis Presley.
Como muitos grupos e artistas britânicos da época 3, os Beatles encontraram no
3
A essa ida do pop britânico aos E.U.A. nos anos 60, deu-se o nome de British Invasion (Invasão
Britânica). A Invasão se caracterizou por uma mescla de estilos musicais norte-americanos, como o

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mercado americano uma grande chance de sucesso, com divulgação pela televisão
americana, que concentrava em torno dela o maior mercado consumidor do mundo. De
fato, a apresentação do quarteto no Ed Sullivan Show, no início de 1964, fora estratégica
para o surgimento da ‘Beatlemania’. E, além do jeito como os cabelos se mexiam e da
melodia irresistível das canções, o grupo chamou a atenção por sua disposição inédita em
frente às câmeras: Ringo Starr e sua bateria foram parar sobre um grande tablado, causando
a impressão de que ele pairava sobre os outros três músicos. Ringo não era um baterista de
grande técnica; à época, apenas grandes e virtuosos bateristas de jazz, como Art Blakey,
haviam alcançado o reconhecimento pelo nome. A inovação de Ringo como instrumentista
era o modo com que usava a mão esquerda, tocando a caixa com mais força que o normal
na música popular daqueles tempos: para os padrões de execução da época, a técnica
parecia bisonha, visto que a função do baterista pop era tida como basicamente a marcação
de andamento para os músicos e não deveria chamar atenção para si. Entretanto, era Ringo,
e não simplesmente um músico contratado, que estava ali tocando; e Ringo era tão Beatle
quanto John, Paul e George. Estava ali sendo vendido ao mundo o conceito da banda de
rock. Sem entrarmos no mérito do produtor musical, que certamente desempenha um papel
criativo decisivo nos bastidores de toda a música popular, o que é passado ao público é a
imagem do conjunto que compõe as próprias canções e as reproduz ao vivo, sem
necessariamente recorrer ao músico de aluguel ou apostar no carisma de um único
intérprete.
Algumas décadas se passaram, e dezenas de bandas para públicos de todas as idades
se revezaram nas paradas, reinventando o gênero e adicionando novos temperos. O rock
começou como manifesto de afirmação jovem e se converteu em instrumento político
(punk, reggae, hardcore), em música experimental (rock progressivo, psicodelia), em
referência de moda e comportamento (mod, grunge) e em diversas outras funções culturais.
Hoje, o rock se dilui no comportamento e no estilo de vida de diversas comunidades jovens
(e nem tão jovens) mundo afora.
Hoje em dia, uma banda que queira se lançar no mercado cultural vai encontrar um
público menos ingênuo e com muito mais possibilidades de escolha que o público da
década de 60. A garotada de hoje possui ao alcance dos ouvidos meio século de música

rhythm’n’blues e o rock’n’roll, com o skiffle e outros ritmos ingleses populares à época.

18
pop: herdam a cultura do consumo de massa da “geração coca-cola” através de um ponto de
vista privilegiado, de onde podem acessar o passado e o presente com a mesma velocidade.
Além da discoteca em vinil dos pais e da própria discoteca em CD, têm em mãos a
possibilidade da música gratuita (mesmo que ilegal) pela internet e da busca instantânea de
informação, qualquer que ela seja (da biografia dos integrantes de uma banda ao significado
da letra de uma música). Essa possibilidade de escolha leva a inúmeros perfis de
consumidor, dos quais uma boa parte se satisfaz com o que já foi produzido no passado,
relutando em optar pelo novo. É complicado prever a fatia de público predisposta ao
consumo de uma nova música independente, bem como o peso que o fator “independente”
possui na escolha do som a ser ouvido.
Entretanto, se o consumidor tem em mãos novas possibilidades de descobrir o som
de sua preferência, o artista também possui novos canais de conversação direta com o
consumidor. Hoje o músico pode fazer toda a sua divulgação pelas próprias mãos, enviando
um recado virtual, um e-mail, um link. Um músico amador pode gravar uma música de sua
autoria com um microfone e um computador, publicá-la em algum site e, por alguma
junção de fatores, ser ouvido por um milhão de pessoas. Em poucos movimentos, surge
uma alternativa de baixo investimento para as atividades da produção, da divulgação e da
distribuição. As fronteiras entre a produção e o consumo da canção se estreitam e, em
alguns casos, se diluem.

3.1.1. Música amadora na rede.


Com a possibilidade de colocar na rede qualquer tipo de projeto musical, houve uma
escalada massiva das novas bandas e artistas para a web, desde os que buscaram na rede
uma nova forma de divulgação, até os que simplesmente se divertiram criando perfis de
projetos musicais que nunca existiram na prática. A grande maioria dos projetos de música
independentes acabaram por, mais cedo ou mais tarde, aterrissar nos sites de divulgação de
bandas. A inscrição geralmente é muito simples, sendo necessário simplesmente fazer um
registro gratuito e disponibilizar gravações próprias no formato mp3; essa facilidade causou
o surgimento inclusive de bandas embrionárias, que caso não houvesse tal veículo,
provavelmente nunca lançariam sequer uma demo.
Vamos a um exemplo. Uma banda de punk rock paulistana, formada nas férias por

19
estudantes colegiais de 15 anos, ganhou dos pais instrumentos baratos; através do gravador
de som do Windows e um microfone de computador, os meninos fizeram o registro sonoro
de suas composições. O grupo, então, se inscreveu no site ‘Bandas de Garagem’, criando
uma página própria, e deixou nela as músicas disponíveis para download. Supondo que, por
alguma felicidade, os elementos tenham sido relativamente bem captados, com todo o
instrumental audível e a letra ligeiramente perceptível (os meninos tiveram o cuidado de
colocar também as letras no site), a qualidade não deixará muito a desejar às fitas demo de
bandas punks de grande circulação nos anos 80 e 90, algumas das quais um sucesso de
nicho.
Entretanto, para a decepção dos rapazes, em um mês a página não seria acessada ou
comentada por mais ninguém a não ser eles mesmos. Ou seja, os garotos têm relevância
praticamente zero no circuito de bandas nacionais. A banda então se rompe com o retorno
das aulas, e cada um segue seu rumo.
O exercício de imaginação acima é simples e até ingênuo, mas ilustra um ponto
crucial para uma cultura ligada em rede: a troca de links. A simples presença de uma banda
na internet não a configura como candidata ao sucesso ou a um contrato de gravadora; além
disso, dificilmente significa que será ouvida por acaso. Ao transferir o cenário da produção
das mídias convencionais para a web, poderia se esperar que a probabilidade de acesso de
qualquer lugar do mundo, por qualquer pessoa conectada, potencializasse naturalmente os
mais talentosos ou os de maior apelo popular. Entretanto, as imensas “bibliotecas sonoras”
gratuitas, representadas por sites como Myspace, Tramavirtual, Palco Mp3 e Bandas de
Garagem, não confrontam diretamente os artistas. O espaço é democrático, semelhante
tanto para o músico diletante quanto para aquele artista focado em viver de sua produção. A
rede premia, sim, os que mantêm relacionamento com outras bandas e agregam seus
amigos às redes, gerando acessos e um buzz4 razoável. Os sites de música mais eficientes
para a conquista de novos públicos são aqueles que possuem alguma possibilidade de
interação, principalmente os que possuem redes de relacionamento internas, como o
Myspace e a Last.FM. Mesmo sites que não possuam espaço para música mas que tenham
essa característica de comunidade podem ser úteis para o artista independente, como por
exemplo os flogs, ou fotoblogs. Até as bandas contratadas por gravadoras costumam ter
4
Na linguagem de marketing via internet, buzz é o efeito gerado quando um número de usuários repassa um
link a outros usuários, gerando um potencial de crescimento exponencial da informação.

20
seus blogs e fotoblogs, que constituem um terminal importante de contato com o público.

3.1.2. O artista autônomo e seu produto.


Em outro patamar, já inseridos na lógica independente, os artistas autônomos fazem
do computador pessoal um verdadeiro ambiente de trabalho. Comunicadores instantâneos
abertos o tempo todo, boletins virtuais confeccionados e distribuídos periodicamente por e-
mail, negociações constantes com donos de casas e produtores de festivais, além é claro,
das faixas devidamente disponibilizadas para serem baixadas na internet. Entretanto,
podemos salientar aqui que o artista independente não necessariamente significa um artista
auto-suficiente. Os músicos autônomos ainda dependem de bons estúdios e bons
equipamentos para gravar suas canções, por exemplo – e mesmo os estúdios digitalizados
necessitam de equipamentos robustos e espaços acusticamente tratados para chegarem a
bons resultados –, e enfim, de uma boa relação com todos os envolvidos no processo da
música para chegar aos seus objetivos.
Porém, a natureza do investimento tem mudado. Ao invés de gastar
aproximadamente o valor da gravação em uma fábrica de prensagem, muitos estão
investindo mais na qualidade e no tratamento dos fonogramas em si, e economizando na
embalagem. As possibilidades são praticamente infinitas, sendo o CD-R o formato mais
utilizado em tiragens artesanais. O SMD também tem sido recentemente utilizado por
muitas bandas independentes. Alguns apostam mesmo no lançamento virtual: o portal
Tramavirtual, no ano de 2007, lançou um programa de download remunerado, onde as
bandas puderam se cadastrar de graça. O sistema funciona da seguinte maneira: a cada
música baixada, uma pequena quantia é direcionada ao perfil do artista ou grupo, quantia
relativa ao investimento total dos patrocinadores naquele mês. A partir de um determinado
valor, essa quantia é embolsável. Nesse caso, os formatos de lançamento são infinitos;
alguns lançam um single a cada dois ou três meses, outros lançam EPs virtuais de quatro
músicas, outros lançam as músicas na internet um pouco antes do lançamento em CD.
Há ainda uma intensa discussão nesse meio, sobre a crescente importância do
mercado de eventos enquanto protagonista do ramo musical, em detrimento do mercado
fonográfico. O disco em si tem sido utilizado mais como um “cartão de visitas” para

21
produtores de festivais e donos de casas de eventos; em muitos casos, não é portanto a
venda de discos que movimenta a cena independente, mas o show. Em defesa do suporte
físico, podemos salientar que vantagem do CD, ou de qualquer mídia física, é a de
constituir um registro histórico preciso, a cristalização de um apanhado de conceitos
musicais e artísticos – cristalização que nunca chega na internet, por esta estar em
movimento constante e não possuir referência material, nem em uma performance ao vivo,
por esta constituir uma experiência compartilhada que não pode ser repetida.

3.1.3. Selos, coletivos, comunidades: a união faz a força.


Em junho de 2008, o número de cadastros de artistas em alguns dos principais sites
brasileiros de música independente era o seguinte: em primeiro lugar a Tramavirtual 5 com
cerca de 55.000 artistas cadastrados; em seguida o Bandas de Garagem (Uol), com 17.000
cadastros, o PalcoMP3 (Terra), com 16.000 e o TôSemBanda (Oi), com 6.000 artistas
cadastrados. No total teríamos aproximadamente 94.000 páginas pessoais de artistas
brasileiros na internet, sem contarmos os cadastros de brasileiros em sites de matriz
estrangeira como o MySpace, que concentra boa parte dos artistas solos e grupos não
vinculados ao rock – e comporta também artistas sob contrato com grandes gravadoras
A verdade é que estes milhares de artistas não são sempre os mesmos: muitas
bandas têm vida curta, e encerram a carreira quando as despesas se tornam maiores do que
a diversão. E não deletam seus perfis. Há também os perfis falsos de artistas conhecidos, os
perfis duplicados de uma mesma banda em mais de um serviço, perfis criados por diversão
que não constituem propriamente bandas etc. Mesmo se tivéssemos, digamos, um décimo
deste valor – 9.400 artistas e grupos – eles certamente não teriam todos a chance de ter um
público expressivo ou de pagar as contas. A quantidade de mil artistas já é alta para o
escoamento em um mercado pouco oxigenado como é o mercado cultural brasileiro; além
do público de maior poder aquisitivo ser pequeno, há poucos produtores, divulgadores e
distribuidores ligados diretamente ao independente.
Sem o apoio de uma entidade de classe representativa (a OMB já não possui a
mesma força legal, rechaçada pelos próprios músicos por seu conservadorismo extremo e a
falta de benefícios reais) e sem uma estrutura de cadeia produtiva que dê suporte à

5
Dados retirados dos próprios portais.

22
produção artística, a melhor solução encontrada pelos músicos para a sua sobrevivência tem
sido a sua aglutinação em núcleos de produção colaborativa. As propostas de cada núcleo
variam, indo de distribuidora independente a produtora de eventos. Os núcleos têm sido um
importante motor para as cenas de diversas cidades brasileiras. Via de regra, os
participantes destes núcleos se dividem conforme a disponibilidade de cada um e a área de
atuação mais apropriada, adequando-se à área que mais tenha afinidade com a respectiva
formação profissional. Assim, um músico que é também jornalista poderá servir à área de
divulgação do núcleo, enquanto que outro que tenha mais conhecimento técnico pode se
concentrar na sonorização de shows. Além de garantir uma maior organização e
independência, democratizando o acesso das cenas aos espaços de apresentação e produção
fonográfica, esses grupos constituem bons argumentos políticos para a realização de
eventos em espaços públicos.
Dentre coletivos desta natureza, podemos listar o Projeto Beradeiros (Porto
Velho/RO); Coletivo Palafita (Macapá/AP); Associação Cultural Clube do Rock (Salvador/
BA); a Volume – Voluntários da Música (Cuiabá/MT); o Coletivo Catraia (Rio
Branco/AC), do selo Catraia Records; Coletivo Soma (Fortaleza/CE); Escárnio e Osso! e
Sinfonia de Cães (São Paulo/SP); Espaço Cultural Cidadão do Mundo (São Caetano do Sul/
SP); Chilela Amarela (São Carlos/SP); Coletivo Desterro, em Florianópolis/SC; Araribóia
Rock em Niterói/RJ, entre outros. Todos eles atuam na produção de eventos e conteúdo
jornalístico em blogs, fanzines, web-rádios ou outros meios.
Esse processo de difusão coletiva de trabalhos autorais, que ganhou intensidade a
partir do ano de 2005, vem se escalonando em formações coletivas mais abrangentes. A
Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes) foi lançada em dezembro de
2005, com o apoio da Secretaria Nacional da Economia Solidária, reunindo diversos
festivais do País; os festivais associados têm maior credibilidade junto a mecanismos de
fomento e outras formas de capitalização. A própria Abrafin já vem encaminhando
realizações próprias: a Virada Cultural de 2008 contou com um palco da Abrafin, situado
no Páteo do Colégio, onde se apresentaram 30 bandas indicadas pelos festivais afiliados. Já
o Circuito Fora do Eixo (assim chamado por ter nascido fora do eixo Rio-SP, com
representantes de Goiânia, Rio Branco e Cuiabá, entre outros) é um movimento cultural
dinâmico e difuso entre diversos representantes de coletivos Brasil afora, sem uma sede

23
própria ou representantes diretos, nascido a partir de uma reunião de produtores do Brasil
no Festival Goiânia Noise de 2005. O Circuito funciona como uma ferramenta de código
aberto para justificar a integração entre diversos pontos geradores de cultura pelo Brasil –
qualquer entidade que tenha essa postura de abertura com outras cidades e outras cenas
pode adotar essa chancela. Entre as realizações do Fora do Eixo, estão o Festival Fora do
Eixo em São Paulo (março/2007) e o Portal Fora do Eixo6.
É interessante notar que essas formações coletivas dificilmente teriam surgido antes
da internet. O primeiro encontro desses coletivos, articuladores e produtores se deu muitas
vezes em fóruns de discussão, listas de e-mails, comunicadores instantâneos e outros
serviços de comunicação on-line, ironicamente aproximando grupos vizinhos que sequer se
conheceriam não fosse pela rede. A existência dessas comunidades de troca pela internet é
transformadora não só para a música independente, mas para o desenvolvimento de toda
uma cultura alternativa no Brasil. Afinal, num país de grande extensão com graves
problemas logísticos (estradas precárias, crises no transporte aéreo e a inexistência de uma
malha ferroviária), temos uma troca de informações ocorrendo em tempo real numa mesma
área de interesse cultural, entre pessoas em todo o território.
Até mesmo fóruns recreativos, como as comunidades no Orkut, podem ter utilidade
estratégica, auxiliando a medir a popularidade de bandas, festivais e na cotação de possíveis
nomes para eventos, entre outras possibilidades. Constituem um terminal importante de
comunicação com o público. Infelizmente, uma boa parte dos fóruns levantados no Orkut
com o propósito de agregar bandas independentes peca por uma falta de articulação, se
resumindo a um simples apanhado de links.

3.2. A DIVULGAÇÃO INDEPENDENTE

Como pudemos perceber ao longo dos itens anteriores, a comunicação das cenas é
fundamental na inserção das bandas independentes num circuito autoral. Meios tradicionais
de comunicação, como jornais e rádios, têm um grau de abrangência que não favorece a
divulgação do artista independente que começa a se inserir: as maiores fatias de tempo no
dial ou de espaço nos cadernos de cultura são reservadas para as assessorias de imprensa

6
O endereço do portal é http://www.foradoeixo.org/, no ar desde março/2008

24
dos artistas assinados com gravadoras. Quando uma nota sai em um veículo tradicional a
respeito de um artista independente, é bem provável que este artista já tenha trilhado um
longo caminho, até cair nas mãos da redação em questão. E mesmo com o crescente
volume de mídia independente na internet, a importância de um veículo como o Estadão, a
Folha de São Paulo ou a Veja continua indiscutível em termos de alcance de público. Cada
nota saída sobre um artista independente deveria ser encarada como uma pequena conquista
para o meio.
Já nos shows mais concorridos, de artistas estabelecidos, a mídia gerada parece até
excessiva. Além das inevitáveis resenhas nos grandes jornais e revistas, centenas de fãs
capturam imagens, sons e vídeos das apresentações nos celulares; podem enviar as
informações em tempo real, pelo próprio celular. Chegando em casa, escrevem com mais
tranqüilidade sobre a experiência em seus blogs, e discutem sobre o evento nas
comunidades do Orkut. Em matéria de apenas um dia, o volume de informação espontânea
que chega até a rede sobre um Tim Festival ou um show de artista consagrado é imenso,
com opiniões diferentes dispersas pela rede, que podem se confrontar diretamente, ou
mesmo se manter no anonimato. Embora em proporção reduzida, em festivais
independentes essa efervescência de informação também ocorre.
Não há assessoria de imprensa ou jabaculê que compense essa resposta plural da
rede. Este é um forte motivo pelo qual muitos independentes estão tocando de graça nos
festivais independentes de maior divulgação: a esperança de ter uma pequena nota numa
grande reportagem, e de ter o nome rodando em fóruns e listas de discussão. Unindo essas
repercussões à própria divulgação da banda, temos uma mídia espontânea que mantém
muitos nomes circulando de forma independente. Na lógica das majors, os artistas ficam
sob contrato de exclusividade e permanecem na gaveta dos departamentos, caso não haja
interesse no investimento. Muitos desses artistas engavetados provavelmente poderiam se
dar bem de forma independente, obtendo um sucesso proporcional ao próprio trabalho.
As iniciativas que se converteram em sucesso de público têm em comum um bom
cronograma de atualizações nos diversos meios de representação virtual. Um bom
cronograma não significa necessariamente volume de atualização; uma mala direta enviada
por e-mail com uma periodicidade acelerada demais, por exemplo, pode fazer propaganda
negativa, e levar a divulgação direto para a caixa de spam. Cada meio tem seu próprio

25
ritmo, ditado às vezes pelas limitações de espaço ou de atualização – o site Flickr.com, por
exemplo, permite que se armazene até 100 megabytes de imagens por mês; já o
Fotolog.com limita a postagem a uma foto por dia (ambos possuem serviços pagos em que
essa capacidade é incrementada). Existem diferentes formas de comunicação do artista na
internet, desde a divulgação de um link seu por correio eletrônico, até a elaboração de sites
imersivos e animados. Para facilitar a análise, dividi a área da divulgação independente via
web em quatro categorias mais ou menos distintas, cada uma com um grau de interação
diferente entre quem divulga e quem recebe. São as seguintes: expositiva, onde quem
acessa não modifica nem participa do conteúdo; dinâmica, aberta para comentários e
interferências do público; colaborativa, onde toda a criação de conteúdo é aberta, cabendo
ao criador da página a função de moderador; e, por fim, esquemas de comunicação
direcionada, como e-mail e comunicadores instantâneos.
Certos meios podem ter mais de uma categoria ao mesmo tempo, mesclando
conteúdo expositivo, permeável e colaborativo e até diálogos por comunicadores. Os
serviços de comunicação online estão se incrementando e mudando constantemente,
alterando inclusive a própria idéia de “página” na web e migrando para uma linguagem
visual composta, que muitos chamam de Web 2.0. Portanto, não há meios de realizar um
compêndio de todas as formas de divulgação possíveis na rede; mas é possível elencar
algumas que se tornaram estratégias em comum para os conjuntos independentes de
destaque pelo Brasil nos últimos anos. Um adendo: esses meios são válidos para a categoria
dos músicos, porém diversos destes recursos são utilizados criativamente por selos,
gravadoras, produtoras e outras empresas do ramo musical.

3.2.1. Conteúdo expositivo – páginas, músicas e vídeos.


Ao começar a construção de uma imagem na internet, a ação mais praticada por
bandas independentes é o levantamento de um endereço próprio na rede, seja através da
construção de um site próprio, bancando servidor e hospedagem, seja montando uma
página num serviço de cadastro de bandas. Entre os serviços disponíveis mais usados, há
espaço para a inserção de músicas e letras, mais o press release e uma ou mais fotos de
divulgação. Um press release, texto de cunho jornalístico que resume trajetória, estilo e
influências de um grupo, pode ser feito pela própria banda ou por alguém de fora – como

26
um jornalista -, o que pode valorizar o grupo. Uma boa foto contém o rosto visível de todos
os integrantes (ou do artista solo, no caso) e dá uma pista do estilo e do comportamento da
banda.
Assim como as fitas demo das décadas de 80 e 90, o endereço próprio funciona
como um “cartão de visitas”, e será usado como referência em todas as etapas posteriores
da divulgação. É o ponto de partida, referência inicial para a qual recorrem os produtores de
eventos na hora de analisar a escolha de uma banda para um evento, por exemplo.
O fato de um conteúdo ser expositivo não significa que ele não precise de
atualizações ou checagens regulares. Um desses serviços, por exemplo, pode
ocasionalmente implementar uma novidade, como um espaço para blog e comentários do
público, que podem ser usadas com inteligência, levando a dinâmica da web em movimento
para dentro dos perfis.
Outro interessante conteúdo de link expositivo é a publicação de vídeos online,
possibilitada através de sites como o Youtube, Myspace ou Google Video. Podem ser
vídeos de ensaios, de shows em festivais ou videoclipes, entre outros possíveis. O ponto
interessante dos vídeos online é a flexibilidade com que eles podem circular na rede:
através da inserção de um código, o vídeo pode ser embutido (embedded, na linguagem de
hipertexto) em inúmeros tipos de páginas na internet. Assim, tanto o site próprio da banda
quanto o seu blog, por exemplo, podem receber vídeos em seu conteúdo. Esse processo de
embeddingnão é restrito a vídeos, podendo ser realizado também com as próprias músicas,
por alguém que tenha algum conhecimento em programação web.

3.2.2. Páginas dinâmicas – blogs, fotoblogs, e-zines


A facilidade de manter um programa de atualizações na web é a grande novidade da
divulgação independente em relação ao modelo analógico. No final da década de 70,
enquanto movimentos como a Vanguarda Paulista transformavam a idéia do artista
independente em uma realidade, não havia um meio de divulgação dedicado a ele; a única
maneira derealmente estar a par do movimento era se embrenhar dentro dele.

"os principais veículos de divulgação eram as apresentações ao vivo (...). Da


grande mídia, somente a imprensa veiculava informações. Espaços na

27
televisão foram aos poucos conquistados, mas circunscritos à margem da
grande audiência, como é o caso do programa 'Fábrica do som', da TV
Cultura (1983-1984)" (DIAS, 2000: p. 134-135, apud CORRÊA, 2006).

Uma solução para a divulgação independente encontrada em muitos movimentos


culturais foi o fanzine (do inglês fanatic magazine, “revista do fã”). Com uma máquina de
xerox, aficcionados por diversos temas desenvolveram jornais e boletins de forma
artesanal, uma maneira de divulgação barata de seus interesses. No Brasil o primeiro
fanzine data de 1965, criação do piracicabano Edson Rontani.
Entre assuntos como ficção científica e uso de drogas, começaram a aparecer nos
fanzines mundo afora resenhas de bandas, discos, eventos, e divulgação musical em geral.
O costume, nascido nos EUA na década de 1930, tornou-se mundial, pelo seu baixo custo
de produção e eficiência no diálogo entre membros das mesmas “tribos”: o teor dos
fanzines é extremamente livre, podendo conter colagens, textos coloquiais e/ou
panfletários, feitos à mão ou datilografados ao gosto do criador ou criadores. E podem ser
dobrados e transportados no bolso sem qualquer dano à transmissão da informação, ou
enviados pelo correio ao custo de uma carta social.
A prática do fanzine continua até hoje. No entanto, para o universo da música, esse
costume se tornou ultrapassado com as novas e rápidas formas de comunicação via web.
A capacidade de transmissão instantânea de dados tornou-se ferramenta poderosa
para os músicos independentes; com ela, não somente os shows e lançamentos se tornam
notícia, mas todo o processo de composição e gravação, as noites passadas em cidades
distantes, os shows de bandas amigas, os processos de inserção coletiva, e todos os
ingredientes possíveis da formação do carisma e da aceitação de uma banda por seu
público. O avanço não se resumiu à transmissão instantânea: a recepção interativa também
mudou a cara da música independente.
O primeiro sinal de interatividade em sites de bandas foram os “livros de recados”,
ou guestbooks. Um espaço simples de inserção de texto e links, onde os fãs podiam dar seu
alô. O serviço se tornou ultrapassado com as tecnologias de criação de blogs e fotoblogs,
que permitem a inserção de comentários específicos para cada atualização feita pelo seu
dono.

28
Hoje em dia, blogs e fotoblogs são um meio muito usado para aproximar bandas de
seu público-alvo, compartilhando textos e outros conteúdos audiovisuais (no caso de blogs)
e imagens comentadas (no caso de fotoblogs). Entre os endereços mais usados estão o
Fotolog <http://www.fotolog.com> o Flickr <http://www.flickr.com>, e os blogs como
Blogger <http://www.blogger.com> e Blogspot <http://www.blogspot.com>. Sites
brasileiros como o Blig <http://www.blig.com.br>, Flogão <http://www.flogao.com.br> e o
fotoblog do serviço online Terra <http://www.fotolog.terra.com.br> também são usados,
entre muitos outros.
Do lado de quem realiza a postagem, blogs e fotoblogs são como “páginas em
branco”, que podem ser preenchidas com conteúdo ao gosto do freguês - no caso de
fotoblogs, isso se restringe a imagens e “captions” (textos de comentário das imagens), mas
blogs comportam desde texto até imagens, vídeos, animações e outros conteúdos
audiovisuais. Por se constituírem como uma espécie de diário interativo, esses tipos de
páginas requerem uma atualização constante, de modo a atrair acessos contínuos e
transmitirem uma credibilidade. No caso dos fotoblogs, a freqüência de atualizações define
ainda mais a sua visibilidade, pois as fotos atualizadas aparecem automaticamente listadas
nas páginas de fotoblogs de amigos – ou seja, quanto mais tempo um fotoblog fica sem
atualização, mais ele se desloca para o fim da fila de atualizações.
Em termos de conteúdo, há nestes endereços uma variedade de objetos midiáticos
de diversos tamanhos, cores e fontes. Em blogs, o espaço disponível comporta texto,
imagens, sons, objetos animados e vídeos, além de uma diagramação visual ao gosto do seu
criador. Os assuntos são muitos: relatos de apresentações com fotos e vídeos, links para
bandas amigas, promoções, notícias relacionadas à banda, divulgação de agenda, dicas de
sons que seus músicos andam ouvindo etc. Fotoblogs são uma mídia mais específica; o
formato é de uma foto por página, com um espaço disponível para texto. Circulam neles
fotos de ensaios, de shows, de platéias, fotos de divulgação e de viagem, capas dos discos,
filipetas virtuais ou flyers de eventos, artes de logotipo ou até paisagens ou imagens
abstratas, se isso se relaciona com o som. Claro que não há nenhum tipo de regra para a
inserção de postagens em um blog, mas a prática pode indicar quais tipos de postagem são
mais populares para cada banda.
A necessidade de o artista musical se expressar em imagens e textos na internet,

29
para manter seu nome em circulação no meio, aponta para um dado interessante: hoje em
dia, mais do que nunca, pode-se perceber que a noção de todo em uma atração musical é
muito mais do que a música ou o show em si. Toda manifestação sua, da vestimenta à
forma de escrever, faz parte do seu linguajar, da manifestação do seu universo criativo; isso
abre portas para uma abordagem da música e da atividade de uma banda enquanto
manifestação jovem em sentido mais amplo.

3.2.3. Páginas colaborativas – comunidades, fóruns e sites de relacionamento.


Apesar da velha frase “gosto não se discute”, a música é certamente um tópico
presente nas rodas de conversa. Mesmo com o fato de a música ter se tornado uma questão
bastante personalizada nos últimos anos através da chegada do iPod e do tocador de mp3,
ela continua em voga como atividade coletiva e social. E a internet, além de incrementar
atividades econômicas e intelectuais, também transportou para o virtual diversas formas de
relacionamento social e afirmação de identidade, como a própria música.
A rede social Orkut, hoje, é tida como o site mais acessado pelos brasileiros, com
cerca de 23 milhões de usuários nacionais; outra rede, o Myspace, já tem mais de um
milhão de clientes no Brasil e recentemente lançou sua versão brasileira para o site7.
Ambas constituem um importante pólo dos músicos e artistas independentes. O
Myspace se trata de um serviço de criação de perfis em diversas categorias, entre elas a de
artista ou grupo musical. Apesar desse modelo ser muito semelhante a sites de música
como os listados no item 3.2.1, o Myspace permite criar uma rede de relacionamento
através da adição de outros perfis de usuários do site em sua própria página. Os perfis
adicionados podem ser acessados através de avatares, que ficam visíveis em um canto da
página. O Myspace também possui como diferencial a possibilidade de personalização de
seus perfis, alterando esquemas de cor, diagramação e imagens de fundo através de código
HTML; possui também um esquema de blog e de postagem de vídeos, e ao final de cada
página há um espaço aberto para comentários, freqüentemente usado para trocas de
contatos e anúncios de shows.
O Orkut também possui um esquema de criação de perfis – embora limitados a
informações textuais, links e um pequeno espaço para foto. O diferencial do Orkut, que
7
Revista Info Online, <http://info.abril.com.br/aberto/infonews/122007/14122007-8.shl>, acesso em
19/12/2007.

30
proporciona a colaboração coletiva, é a criação de comunidades, que são como fóruns de
discussão temáticos. Na maioria dos casos, a banda cria a sua própria comunidade,
adicionando um texto de apresentação e foto. Mas a criação de tópicos nessa comunidade é
aberta a todos que se inscreverem nela: assim, o fã que quiser entrar na comunidade e dar
opinião geral sobre uma música, comentar sobre o último show ou a aparência de algum
integrante, poderá criar seu tópico, e outros fãs podem comentar sobre esse tópico, sem
necessariamente a participação do criador da comunidade. O Orkut é um bom termômetro
para o sucesso independente: o número de usuários de uma comunidade e a movimentação
de postagens são bastante relacionados ao alcance público e geográfico da banda.

3.2.4. Comunicação direcionada: e-mails e comunicadores instantâneos


Esta última categoria listada aqui tem um valor estratégico especial, que pode
significar um importante ganho de aprovação de público para o músico independente.
Dentre as quatro listadas, é a forma que atinge mais diretamente o público-alvo – na
intimidade de sua caixa de mensagens ou de sua conta de e-mail. Através dele se realiza
uma importante movimentação de hyperlinks, fundamentais para a circulação da
informação via internet. Sem eles, os meios descritos anteriormente dependem de um
acesso de escolha específica e espontânea do usuário. Isso significa digitar o endereço
desejado para obtê-lo, o que representa um grande esforço comparado ao simples ‘clique no
link’.
O músico ou grupo que deseja se inscrever em qualquer um dos serviços já citados
neste texto necessita possuir antes uma conta de e-mail; felizmente, como todos os serviços,
a criação de contas de e-mail é gratuita nos principais provedores disponíveis hoje, com
espaços de armazenagem generosos (alguns até ilimitados) e a capacidade de organizar
contas por assunto, através de tópicos ou pastas.
O e-mail proporciona um terminal fundamental de comunicação um-a-um, e um-a-
muitos: é possível realizar, de uma vez só, uma mala direta enviando conteúdo informativo
para até milhares de outras contas, função praticamente indispensável para o artista no
momento de divulgar uma apresentação. Antes de realizar uma mala direta, o músico ou
produtor independente deve se perguntar qual o seu grau de informação e utilidade, e qual o
público que se está atingindo. Milhares de e-mails coletados às cegas são menos relevantes

31
que centenas de e-mails coletados em apresentações ou de amigos. A periodicidade da mala
direta também é uma escolha a ser premeditada, pois dependendo da freqüência com que é
enviada pode ser considerada abusiva pela parte de quem recebe, se caracterizando como
spam, ou lixo eletrônico.
Muitos provedores de e-mail suportam a linguagem HTML. Isso significa que links,
fotos, uma diagramação em cores e fontes de diversos tamanhos podem ser utilizados de
forma a tornar a mala direta mais atraente para o leitor.
Os serviços de e-mail também são utilizados para outros fins, como o diálogo entre
os diversos elos da cadeia produtiva; listas de discussão a respeito de um tema, como por
exemplo a cena de uma cidade ou um determinado estilo de música independente; envio de
material de divulgação para festivais e casas de eventos; entre outras funcionalidades.
Uma outra categoria a ser lembrada aqui é a dos comunicadores instantâneos: o
grande diferencial destes é a conversação em tempo real. Também necessitam de uma conta
de e-mail para o cadastro, e uma vez cadastrado, o usuário deve adicionar os e-mails das
pessoas com as quais deseja conversar. Uma vez que duas pessoas se adicionam no serviço,
poderão saber quando a outra estará online. Além de conversas a dois, tais serviços também
possibilitam a prática de conferências, onde múltiplos usuários podem teclar ao mesmo
tempo (como numa sala de bate-papo virtual). O serviço é bastante utilizado para
divulgações de shows, trocas de informações diversas entre produtores de todo o Brasil,
reuniões online, entre outras necessidades. Além de comunicação por texto e por imagem
(através de ícones chamados emoticons), é possível se comunicar por voz e vídeo. O
serviço Skype é o serviço de comunicação por voz (VoIP, voice over IP) mais conhecido.
Nestes serviços, além da conta de e-mail, se reconhece o usuário por um apelido, ou
nickname. É comum membros de bandas utilizarem o nick como um chamariz para suas
bandas, substituindo o próprio nome (a opção mais óbvia) pelo site da banda em que toca,
ou por uma chamada de uma apresentação que irá fazer. Enfim, assim usado também para
resolver diversos outros assuntos, envolvendo as três áreas (produção, divulgação e
distribuição). Os comunicadores instantâneos (MSN, Google Talk, ICQ, Skype, entre
outros) são espaços de intensa articulação, onde produtores podem se reunir para debater
ações conjuntas nas cenas de suas respectivas cidades, por exemplo. Uma lista grande de
contatos em comunicadores instantâneos é um bom começo para um artista articular seus

32
eventos e passagens por festivais.

***
Enfim, uma vez conectado, o artista independente tem um leque de inúmeras opções
para se tornar reconhecido. Dos milhares de independentes brasileiros representados na
web, muitos estão se utilizando das mesmas ferramentas listadas, e o que os difere é a
questão do conteúdo, tanto o conteúdo de divulgação e apresentação (textos em blogs,
imagens de divulgação, vídeos, logotipos, malas diretas) quanto o conteúdo musical em si.
Além da possibilidade do diálogo direto com o público consumidor, temos em diversos
sites da rede mundial de computadores a probabilidade de uma análise estatística dos
efeitos desse diálogo: o contador de acessos de uma página. Com ele, medem-se os acessos
antes e depois do envio de uma mala direta eletrônica; após um show, lançamento de disco,
clipe, ou qualquer outra empreitada.

4. DISTRIBUIÇÃO ONLINE. O FUTURO?

33
No ano de 2006, o download de música digital no Japão superou a venda de CDs,
chegando ao valor de US$ 445 milhões, superior em US$ 22 milhões ao valor das vendas
em mídia tradicional. Um dado importante: 90% das vendas foram realizadas via celular 8.
Em 2007, sem contrato com gravadora desde 2003, o Radiohead anunciou a venda de seu
novo álbum, “In Rainbows” pelo seu website, com uma novidade: o preço dos downloads
seria definido pelo consumidor9. Em seguida, outras bandas optariam pela mesma
estratégia. No Brasil, o vigor da pirataria vem causando uma redução geral nos preços,
tanto para CDs quanto para downloads. O preço do CD caiu pela metade de 2002 a 2007,
baixando da casa dos 20 reais10; e, no site Uol Megastore, onde em 2006 a música possuía
um valor inicial de R$2,9011, hoje ela já chega a preços promocionais de R$0,30 em faixas
extraídas de discos com distribuição pela Tratore, a principal distribuidora dos
independentes no Brasil.
O grande mercado da música só agora começa a encontrar fôlego após o estouro da
música digital, valorizando novamente a procura pela aquisição do fonograma. As bandas
independentes brasileiras que já nascem neste contexto digital, por sua vez, já começam
distribuindo gratuitamente o próprio conteúdo. Uma posição delicada, já que essa postura
coincide com o retorno da valoração do fonograma – que não é um artigo cultural de
fabricação barata. Passar a vender o fonograma ao invés de doá-lo à comunidade virtual
significa a retirada de um benefício ao seu consumidor, o que é desvantajoso: o grau de
oferta de música independente grátis é quase ilimitado, portanto se algum conjunto
independente deixar de veicular música gratuita ele estará concorrendo com outros milhares
que disponibilizam músicas grátis.
O ato de uma banda disponibilizar um álbum físico (prensado ou manufaturado)
para download já foi de um maior simbolismo, um ato de bravura contra os parâmetros
impostos pela indústria fonográfica; hoje em dia, se tornou uma prática corriqueira, sem
nenhum grande motivo para se tornar notícia. Há inclusive alguns estímulos para tal, como
a política do download remunerado da Tramavirtual ou outros mecanismos de estímulo à
troca de mp3. A própria idéia conceitual de álbum se torna questionável quando inserido na
8
Folha Online – 24/02/2007, acesso em 21/12/2007
9
Gazeta do Povo Online, 2/10/2007
10
Valor Econômico
11
Gazeta do Povo online, 23/07/2006, acesso em 21/12/2007

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cultura digital, pois sua continuidade se perde: uma vez online, as músicas são passíveis de
serem escutadas sem qualquer ordem.
O estado atual do comércio da música aponta para o caminho da customização, da
possibilidade de o usuário escolher o que quer ouvir de acordo com parâmetros, gerando a
capacidade de mudar a programação diária de seu mp3-player com a mesma propriedade de
um programador de uma rádio comercial, através da escolha de critérios. O critério do
acesso, a credibilidade e o referencial de origem se tornam valorizados. Sites como o
Musicovery e o Last.FM apontam para essas necessidades, conferindo ao próprio usuário a
seleção de parâmetros pelos quais quer escutar música. Mesmo que caia num som que não
lhe agrade, a escolha por escutar um determinado estilo ou gama de referências de um
artista é de responsabilidade do usuário; é preferível para ele um mínimo de critério do que
nenhum critério.
Critério e credibilidade fazem diferença na valorização do comércio de música
online. Os que realizam downloads por bitTorrent, eMule, Soulseek e outros programas de
compartilhamento de arquivos ilegais estão sujeitos a toda sorte de parasitas digitais, além
de estarem sujeitos a receber músicas corrompidas, de má qualidade ou faltando pedaços. A
venda ou o download gratuito através de um site especializado presumivelmente não terá
um arquivo infectado por vírus. Além disso: os sites de música paga possuem um
gerenciamento de informações, oferecendo seus artigos a partir de um catálogo pré-
organizado e de qualidade de arquivo padronizada, enquanto que quem baixa as músicas
ilegalmente não possui esse serviço organizado: deverá ter, portanto, um trabalho de
manutenção muito maior. No entanto, os praticantes deste tipo de download ainda possuem
alguns fortes argumentos a seu favor: podem encontrar uma variedade muito maior que a
das lojas virtuais, podem baixar arquivos de livre utilização – sem os chamados DRMs, ou
Digital Rights Management, mecanismos digitais de proteção ao copyright embutidos nos
arquivos comercializados por distribuidoras online – que poderão ser tocados em qualquer
aparelho tocador de música digital, uma vez que o formato de música mais vendido é o
AAC, que permite o uso dos tais DRMs, e que não é reconhecido em todos os aparelhos
tocadores de música.
Entretanto, uma coisa é certa: o mercado da distribuição musical não está morto,
apesar do alarde geral da primeira metade da década. Embora talvez superada pelo show

35
business enquanto produto/serviço mais rentável da cadeia produtiva do entretenimento
musical, a gravação é uma aposta, um custo a fim de render frutos. Se caracteriza como um
item promocional, uma forma de propaganda, e tem suas maneiras de se pagar, embora hoje
a um preço menor.

5. CONCLUSÃO

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Os artistas e grupos musicais que se revezaram no topo das paradas ao longo da
história da música pop, tiveram todos, ou quase todos, sua fase independente. Grandes
talentos encontrados em apresentações em pequenos clubes, ou a partir do final da década
de 70 em gravações demo, tiveram em seu caminho a oportunidade de um contrato com
gravadora, símbolo mais alto de sucesso nos tempos do analógico e na primeira fase dos
compact discs. Por meio século, o produto fonográfico – vinil, K7, CD – foi o protagonista
de toda uma cadeia produtiva. Esse sistema dependia de uma centralização dos meios de
produção, principalmente nas áreas da divulgação e distribuição, onde o poder fora (e ainda
é, em muitos casos) altamente concentrado, por meio de artifícios como o jabaculê e pelo
próprio alto custo de operação de estratégias comerciais de grande alcance. Ambas as áreas
vem sofrendo fragmentações e chegando ao controle de um número cada vez maior de
mãos: a internet é um meio pós-industrial, que dispensa a reprodutibilidade física e permite
à informação correr simultaneamente para todas as partes do globo, uma vez publicada. Sua
velocidade de transmissão causa inveja à cara e trabalhosa logística tradicional, área quase
exclusiva das grandes gravadoras.
Hoje em dia, todo o modelo de negócio centrado na venda de fonogramas está
colocado em questão. As diversas áreas do entretenimento vêm passando por processos de
mudança e de convergência, complementando-se enquanto realizadoras de fenômenos
culturais. Não se fala mais em uma única parada de sucessos; diversos meios falam ao
mesmo tempo – com a chegada da TV e rádio digitais e o crescimento da internet e do
consumo via celular, a tendência é a informação descentralizar cada vez mais. Cresce a
importância da música ao vivo: a quantidade, variedade e preço médio de ingresso dos
espetáculos vêm aumentando em grande ritmo, gerando um amplo mercado de shows, até
há pouco tempo visto pelas gravadoras como um mero artifício promocional para a venda
de discos. Ao todo, a música passa a ser vista cada vez mais como um serviço, e não como
produto medido em lucro por unidade, e essa evolução é necessária para a continuidade de
um grande mercado de música.
Se o cenário que enfrentamos é complicado para os que estão já estabelecidos no
meio, ele não diminuiu a chegada de novos artistas e grupos ao cenário nacional. No Brasil,
este movimento de novos artistas para a internet gerou duas consequências interessantes.

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A primeira delas é o início de um movimento musical de médio porte sem vínculo
com as grandes gravadoras. Esse movimento – chamado por alguns de a “classe média dos
músicos” – chega em momento tardio em relação a cenas como a norte-americana, onde
uma cena underground vem sobrevivendo sem grandes subsidiários desde que ocorreu um
grande barateamento dos custos de gravação, ao final da década de 70. Ao contrário desta e
de outras cenas, no caso do Brasil a mídia na era pré-internet fora altamente centralizada,
com concessões de rádio e TV movimentadas por interesses políticos. Enquanto no Brasil
rádios universitárias foram perseguidas e lacradas nas últimas décadas, nos E.U.A. um
circuito de college radios sem compromisso com o establishment se constituiu como
grande divulgador de artistas alternativos, sendo fundamental na propagação de
movimentos como o college rock e o grunge, desenvolvidos a partir da década de 80. Com
a chegada da internet e da banda larga no Brasil, o grande número de sites, podcasts, web-
radios, blogs e outros veículos de música independente supriu, de certa forma, essa
carência, gerando inclusive um movimento inverso: o Tramavirtual, por exemplo,
inicialmente um portal na web, se transformou em programa de televisão a cabo, exibido
pela Multishow.
A segunda mudança é a descoberta de diversos pólos de música e cultura alternativa
em regiões brasileiras antes sombreadas pela produção de pólos culturais como a Bahia ou
o Eixo Rio-São Paulo. Pela primeira vez, se vê estados como o Acre ou Mato Grosso como
geradores de cultura pop, de onde bandas como Los Porongas (Rio Branco/AC) e Vanguart
(Cuiabá/MT) despontam não como representantes isolados, mas como referências de uma
diversificada e criativa produção local, constantemente debatida por seus coletivos,
respectivamente Catraia e Volume.
E a cidade de São Paulo, o maior pólo econômico da América Latina, vive essa
realidade de um mercado médio em expansão. Algumas ruas da cidade concentram
sozinhas boa parte do comércio relativo à música no Brasil, como a rua Teodoro Sampaio
para a venda de instrumentos e equipamentos de gravação, ou a rua Augusta para o circuito
de eventos. Outras vantagens da cidade são a presença da mídia especializada, como a
MTV, a revista Rolling Stone e a própria Tramavirtual, e tarifas aéreas relativamente mais
baratas para quase todo o Brasil. Por esses atrativos, muitas bandas despontadas nas cenas
de suas cidades de origem vêm migrando para São Paulo nos últimos anos, como é o caso

38
de Vanguart (MT), Madame Saatan (PA), Los Porongas (AC), Rockassetes (SE), O Quarto
das Cinzas (CE), entre outras. Com a vantagem de manterem vínculo com seus públicos de
origem através da rede mundial de computadores.
A presença desse mercado médio, entretanto, não significa ainda a existência de
uma cena auto-sustentável. Quem financia as gravações, o investimento em equipamentos,
o transporte entre cidades e, indo além, como os aluguéis e contas de luz dos músicos são
pagas? A grande maioria investe sem obter retorno financeiro, obrigados a se sustentar por
vias de um segundo emprego. Nessa primeira fase do surgimento de uma cena de médio
porte no Brasil, o investimento externo é fundamental para a sua consolidação. Algumas
produtoras têm obtido verba pública para a gravação de CDs. Outros procuram formas de
patrocínio: a cerveja Sol fora a patrocinadora de boa parte dos festivais independentes em
2007/08. Um setor da música independente, ligado à Abrafin, prega a organização política,
o investimento de verba pública e a aplicação de leis de incentivo para a manutenção das
cenas independentes como um todo, o que pode levar a uma organização semelhante ao que
movimenta a área do cinema no Brasil.
Entretanto, ao contrário do cinema, a realização independente fora da verba pública
ou de grandes investidores é bastante viável. Vide as dezenas de milhares de artistas
circulando na internet. Os potenciais grupos de valor estão disponíveis para audição
gratuita, e o público consumidor de poder aquisitivo está conectado na rede: muitos artistas
acessíveis e interessantes se encontram a uma estratégia eficiente de divulgação de
distância de seu público. E podem atingir remotamente jovens de diversos pontos do país,
criando demanda para suas apresentações, discos, camisetas, DVDs ou o que quer que
estejam comercializando; este é um adicional exclusivo para o independente conectado em
relação a cenas independentes passadas.
Na medida em que muitas das linguagens da internet possuem menos de uma
década de vida à época da redação deste texto, há ainda muita inovação a ser realizada,
inovação que independe da relação com grandes gravadoras ou de verba pública. Não será a
world wide web a responsável isolada por levantar esse novo mercado, que se vende como
nenhum outro a partir da presença e da afirmação humana. É interessante notarmos que um
mercado de música realizada e interpretada ao vivo se coloca de pé diante de uma
automatização e uma comoditização sem precedentes do consumo da música enquanto

39
fonograma, um cenário em que o novo independente se coloca ao lado dos artistas já
estabelecidos: ao alcance do botão play.

Fábio Battista Cardelli (nascido em 1984) é um assíduo prosumer e participante da cena


independente brasileira. Passa seus dias trabalhando no Estúdio FC
(http://web.mac.com/fcpro/), produzindo ensaios e gravações, e se embrenhando na densa
mata dos sites de notícias e de bandas brasileiras na internet. Ativista do Escárnio e Osso,
coletivo musical residente em São Paulo (capital), produziu com essa chancela mais de uma

40
centena de shows com acima de 100 bandas das cinco regiões do País, além de atuar na
divulgação de eventos e novidades (através do site do Escárnio e Osso) e distribuição (com
a conhecida Banca do Escárnio, que oferta CDs, adesivos, camisetas e outros artigos de
bandas das cinco regiões). Canta e toca guitarra na Visitantes, com quem se apresentou em
diversas cidades brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo, Cuiabá, Brasília, Belo
Horizonte, Montes Claros e Porto Velho e com a qual pretende abrir os shows da Madonna
no Brasil em 2013. É taurino e torce pelo Verdão.

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