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O VIVER NA UNIVERSIDADE HOJE: ALEGRIAS, SOFRIMENTOS, ESPERANÇAS E DESAFIOS...

Maria Elisa de Mattos Pires Ferreira

Doutora em Educação pela PUCSP

E-mail: elisamattos@ig.com.br

RESUMO: Este artigo discute alguns aspectos da Universidade Brasileira nos dias atuais. Propõe-se a mostrar o

dilema em que se encontram os profissionais da Educação frente a dois paradigmas ou modelos de Universidade

— um tradicional e outro emergente. Destaca a importância de se rever os modos de ser da Universidade a partir

do contexto sócio-histórico em que vimos existindo. Chama a atenção para a necessidade de se substituir a visão

de mundo mecanicista, fundada no pensamento linear de origem cartesiana, por uma cosmovisão que leve em

conta a dinamicidade da realidade, a complexidade que a cada momento se nos desvela. Analisa a presente

realidade educacional, observando lacunas, carências e inadequações na Educação que hoje praticamos e propõe

mudanças nos atuais modos de ser da Universidade. Aponta a necessidade de levarmos em conta os fundamentos

da Inter e da Transdisciplinaridade quando propomos novos projetos educacionais.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Crise educacional 2. Crise da Universidade 3. Educação e Sociedade 3. Modelos e

Paradigmas educacionais 4. Universidade Brasileira. 5. Inter e Transdisciplinaridade.

ABSTRACT: This article discusses some aspects of Brazilian University in our days. Its purpose is to show the

dilemma that exists among the Educational professionals when they have to choose between two paradigms or

University models — the traditional and emergent one. It emphasizes the importance to review the ways that

University could be if it bases on traditional or on emergent models. It advises about the necessity we have to

substitute the view about the world like a mechanical object founded on the Cartesians for a Cosmo vision that

considers the dynamism of the reality, the complexity that each moment becomes more and more clear to us. It

analyzes the actual educational reality; it observes the lacunas, the lacks and the inadequacies that actual

Education has, propounding to change the present manners of University. It shows to us the necessity to consider

Inter and Transdisciplinarity basis when we propound new educational projects.

KEY WORDS: 1. Educational Crisis 2. University Crisis 3. Educational and Society 3. Educational Models

and Paradigms 4. Brazilian University 5. Inter and Transdisciplinarity.

Redigido em 2005 e publicado na Revista UNIFIEO. Ano 5, n. 8 (2006) – Osasco: EDIFIEO,


2006, p. 101- 118.
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Introdução

Freqüento a Universidade desde 1966, quando ingressei no curso de graduação em Física, na PUCSP.

Desde então, tive oportunidade de conhecer o espaço acadêmico de diferentes modos: lecionando em variadas

instituições, em cursos de graduação e de pós-graduação; participando dos mais diversos tipos de atividades,

apresentando trabalhos em congressos nacionais ou internacionais, e até mesmo enquanto aluna, pois fiz uma

outra graduação (Pedagogia) e diferentes cursos de pós-graduação 1. O que aqui abordo é resultado dessas

vivências e dos estudos e pesquisas que tenho feito.

Falar da Universidade brasileira significa, para mim, falar do seu sentido enquanto instituição social; é

situá-la em seu modo-de-ser presente, partindo da óptica de quem a vive, a sente e a apreende em seu quotidiano.

Assim sendo, discuti-la torna-se um momento de encontro, de rememorações de experiências, de motivações, de

alegrias, de ansiedades, de sofrimentos, de histórias vividas enfim. O objetivo deste artigo é refletir sobre a

realidade universitária dos dias de hoje.

Dois modelos de Universidade em confronto

Habitar o atual ambiente acadêmico é participar de um espaço atravessado por antinomias, paradoxos,

contradições, incertezas e dubiedades. Percebe-se sem maiores esforços que o chamado ensino universitário está

se deslocando de um modelo educacional para outro, impulsionado pela mudança de concepção de mundo, de

homem e de educação que caracteriza nosso tempo. Nesse processo, os profissionais da Educação se vêem

divididos entre solicitações provenientes basicamente de dois modelos de Universidade identificados em linhas

gerais como tradicional (geralmente o que constitui o ideário pedagógico dos docentes) e emergente (nascido das

exigências do atual momento da sociedade capitalista).

Se trouxermos as idéias de Carlos Frederico Maciel 2 para compreendermos o que vimos vivendo,

podemos dizer que nosso sistema de ensino oscila, já há algumas décadas, entre dois pólos. O primeiro, que é

comumente denominado de tradicional, foi por ele classificado como novecentista-europeóide por ter se

originado na Europa e se apresentar como a decantação e cristalização dos valores que marcaram a cultura

burguesa do século XIX; o segundo, emergente, ele chamou de vintecentista-americanóide porque representa o

1
Especialização no ensino de Física, Psicopedagogia, Mestrado e Doutorado em Educação, Pós-Doutorado em
Ciências Sociais.
2
MACIEL, Carlos Frederico. A Universidade do Recife e o problema educacional do Nordeste. In: MACIEL, C.
A Universidade e outros temas. Apresentação de Graziela Peregrino, organizado por Zaida Maria Costa
Cavalcanti – Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, Brasília:INEP, 1986.

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influxo e fermento das concepções americanas, principalmente o “deweysmo”, 3 surgido na segunda metade do

século vinte. 4

Atualmente, por causa da organização político-econômica mundial, especialmente a globalização da

economia, a tendência no Brasil é de se adotar uma Universidade bastante próxima do modelo vintecentista-

americanóide, sem que isto signifique o abandono total do seu antagonista. Ambos vem co-existindo e

interagindo reciprocamente.

Ao aderirmos à tese de Maciel, analisamos o que está ocorrendo com a Universidade brasileira na

atualidade a partir do método de construção de modelos e de pólos, 5 isto é, construímos dois modelos

operacionais de tal modo que cada um passa a representar um pólo específico. Embora modelos não

correspondam fielmente à realidade, eles são interessantes porque espelham alguns traços essenciais e mais

marcantes dela; por serem elaborados com base nos fatos observados e com traços objetivos, servem de

referência. Quanto aos pólos, sinalizam extremos ideais, entre os quais os fatos observados oscilam, podendo

ocupar diferentes posições. Ao inserirmos um caso numa dada tipificação polar, nossa intenção consiste em

mostrar que o que foi estudado tende ao pólo em questão, e a oposição serve para facilitar o entendimento do

nosso objeto de estudo.

A tese defendida por Maciel poderá nos ser útil para compreendermos certos dilemas e polêmicas que

hoje constatamos nos modos-de-ser da Universidade em nosso país. Assim, no modelo novecentista-europeóide 6,

a Universidade representa lugar de “estudos desinteressados”, onde deve ocorrer o “ensino superior”, destinado a

poucos (os considerados mais preparados culturalmente). Em vista dessa concepção, para poder ser nela

admitido, o candidato deverá se submeter a um exame seletivo rigoroso, que ateste seu preparo e competência. Já

para os adeptos do modelo vintecentista-americanóide, Universidade é espaço para estudos de terceiro grau, e

não de “ensino superior”; seu papel é o de oferecer cursos das mais diversas modalidades, estando à disposição

de todos indiscriminadamente (o preenchimento das vagas deve ocorrer por concursos classificatórios,

preenchendo-se até as últimas existentes, independentemente do grau de aprendizagem demonstrado pelos

concorrentes); seu ponto forte é a profissionalização.

3
“deweysmo”: termo empregado para designar uma certa obsessão, fanatismo, de alguns exacerbando as idéias
provenientes de John Dewey.
4
Maciel nos alerta para o sufixo “óide”, que emprestou da geometria: ele não está tentando exprimir ou
descrever o americano ou o europeu, mas a “lembrança” ou certa relação que há entre o modelo e as
características encontradas na realidade. Quando dizemos que uma figura é “trapezóide”, queremos dizer que
essa figura “lembra” ou apresenta semelhanças com um trapézio. Cf. MACIEL, opus cit.
5
Idem.
6
O leitor deverá ter claro para si que ao designarmos o modelo como “europeóide” essa expressão não
necessariamente se refere à Europa atual, o mesmo ocorrendo quando usarmos a expressão “americanóide”,
quanto à sociedade norte-americana. CF. MACIEL, opus cit.

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Muitos dos docentes de IES7 resistem tenazmente à mudança de modelo; como têm dificuldades para

compreender o que está acontecendo, sofrem demasiadamente diante das transformações em curso e, para se

sentirem emocionalmente mais amparados, alinham-se com os que partilham de seus sentimentos e modos de

pensar, buscando sobreviver. As idéias que eles têm de como a Universidade deveria ser (representações da

Universidade) vão influindo na percepção da realidade e quanto mais as condições objetivas dessa realidade

dificultam ou impedem a concretização da Universidade imaginada/desejada, maior será o sofrimento desses

profissionais. Moscovici (1976) define a representação social como uma modalidade de conhecimento particular

que tem por função elaborar comportamentos e promover a comunicação entre indivíduos. Para ele, a noção de

representação social remete a. um conjunto de idéias, conceitos, afirmativas e explicações cuja origem se

encontra no quotidiano, no decorrer das relações interpessoais, nos contatos intersubjetivos. Na nossa sociedade,

elas equivalem aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; de certa forma, elas podem ser

acatadas como uma versão contemporânea do senso comum.

Então, a partir da representação social de Universidade que os professores construíram, idealizam-na.

Pelo fato de ser idealização, os idealizadores serão levados a obter do espaço acadêmico uma compreensão de

ordem diversa das que se atingem por meio da razão ou do conhecimento discursivo ou analítico. À medida que

surge o descompasso entre o que eles entendem ser a Universidade e a realidade com a qual se deparam, instala-

se um mal-estar em suas vidas. Nesse grupo, encontramos os “saudosistas”, os que lamentam o distanciamento

que cresce dia-a-dia entre o modelo tradicional e a escola de Ensino Superior que de fato hoje existe.

Entretanto, outros há que construíram da Universidade uma representação diferente, dentre os quais

encontramos parte dos mantenedores das instituições particulares; a idéia que fazem da academia está mais

próxima do modelo vintecentista-americanóide do que do tradicional. Para aumentar o padecimento dos que se

alinham no primeiro grupo, este segundo, constituído pelos portadores de uma outra visão de mundo e das

funções pertinentes a um curso superior, está ganhando espaço. Nesse confronto de idéias e valores, vemos

concretizar a colocação de Gramsci (1986, p. 12): “Pela própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um

determinado grupo, precisamente ao de todos os elementos sociais que partilham de um mesmo modo de pensar

e agir”.

Nesse raciocínio, o sofrimento dos educadores do ensino superior cuja representação social corresponde

em essência ao modelo novecentista-europeóide associa-se, pelo menos em parte, com a idéia de Universidade

que carregam. O conceito de representação ou imagem do social, especialmente presente nas análises dos

fenômenos estudados pelas ciências sociais, possibilita-nos compreender alguns aspectos do mal-estar hoje
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IES: Instituições de Ensino Superior.

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detectado no ambiente universitário. É por meio das representações que cada indivíduo tem da realidade que ele

percebe o seu universo e elas podem ser desveladas de diversas formas, dentre as quais se destacam as palavras e

os sentimentos (GRAMSCI 1986). Também é possível desnudá-las por meio das propostas e das ações políticas,

das práticas sociais, das intenções declaradas e, até mesmo, das ilusões e dos equívocos cometidos pelas pessoas

e pelos grupos.

Dentre os elementos citados que servem de meio para se estudar as representações sociais, a linguagem

ocupa lugar privilegiado: por meio dela, enquanto leitura do mundo, as primeiras se deixam desvelar. Também a

prática social e os embates com outros atores são elementos bastante reveladores. Como as representações

sociais podem sofrer alterações no decorrer da vida, os laços entre o mundo material e o mundo simbólico, bem

como entre o que é objetivo e o que é subjetivo, precisam ser constantemente observados e revistos.

As representações sociais correspondem, pois, à visão de mundo dos envolvidos com aquilo que está

sendo representado e expressam as contradições e os conflitos que estão presentes nas condições em que foram

engendradas (GRAMSCI 1986). Dessa forma, os sentimentos e os modos como estes se expressam tornam-se

concretizações de representações sociais, permitindo-nos a iluminação das contradições do espaço institucional

que os atores sociais partilham. Por meio do estudo das representações sociais que determinado grupo social tem

de uma dada organização, é possível compreendermos como ela está sendo e como os envolvidos com ela

desejariam que a mesma fosse.

Portanto, creio que se tomarmos por base a teoria das representações sociais para buscarmos a

compreensão do conflito e do sofrimento que muitos dos que estão lecionando nas atuais IES carregam,

podemos atribuir parte do motivo ao desencontro havido entre a concepção de Universidade desses atores

sociais, que se aproxima do pólo novecentista-europeóide, e a realidade objetiva a ser enfrentada: um espaço de

trabalho cujas características tendem ao antagonista, isto é, ao vintecentista-americanóide.

Universidade e sociedade: o desafio dos grandes números

Como vimos, o modelo novecentista-europeóide é bastante respeitado entre nós porque fundamentou a

instalação do Ensino Superior no Brasil, no século XIX, e também foi o que predominou durante a primeira

metade do século XX. Entretanto, a realidade é que a cada dia que passa ele está perdendo espaço, enquanto o

segundo, emergente, por estar mais de acordo com os valores da sociedade capitalista atual, se expande

aceleradamente — especialmente entre as Instituições privadas (que são, hoje, a grande maioria).

Um dos fatores que muito tem influenciado na transição do modelo tradicional para o vintecentista-

americanóide está no crescimento da demanda pelo ensino de terceiro grau, que constitui um fator infra-

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estrutural. Se levarmos em conta os valores subjacentes ao modelo de Universidade aqui designado por

novecentista-europeóide, veremos que os mesmos são incompatíveis com os valores que embasam a cultura

ocidental da atualidade. Diante do confronto de valores, ou deixaríamos a grande maioria da população fora do

ensino de terceiro grau, ou teríamos que rever a concepção desse nível de ensino. Com efeito, na concepção

novecentista-europeóide a Universidade é assumida como local onde se realizam estudos de alto nível e poucos

são admitidos: “A Universidade não é para o estudante, a Universidade não é para o professor. A universidade é

para a ciência”.8 Nessa óptica, a Universidade se abre unicamente para os estudantes, que são os maduros, os que

caminham com as próprias pernas; são os responsáveis, os autodisciplinados, os autônomos, que necessitam

apenas de um mestre que lhes oriente o rumo. Esses estudantes já alcançaram tal grau de maturidade que não

devem ser dirigidos em seus estudos, nem devem seguir um programa fixo de conteúdos ou submeter-se a

controle em seus deveres. Cabe a eles próprios organizarem-se, elegerem as disciplinas, os cursos, os trabalhos

práticos que farão e quando os farão. 9 Com essa clientela, não cabe aos professores se preocupar com os aspectos

didáticos ou metodológicos do ensino, pois eles lidam com estudantes e não com alunos.

Muitos diriam, é verdade, que os doze anos, pelo menos, de Ensino Básico deveriam ter preparado os

jovens para que chegassem à Universidade já portando a autonomia necessária. Contudo, a realidade é outra, e é

com a realidade concreta, e não com a idealização dela, que precisamos nos haver... Então, o que nos resta?

“Chorar sobre o leite derramado”?

Apesar do modelo novecentista-europeóide não se adequar à maioria das IES hoje existentes, ele

continua válido para um pequeno número de instituições que se dedica praticamente à pesquisa de ponta. Mesmo

assim, uma parcela considerável de professores do terceiro grau continua esperando reencontrar a antiga escola

superior. Essa representação de Universidade por se chocar com a realidade vivida provoca sentimentos de dor e

intenso desconforto, levando muitos dos docentes a repugnar o aluno preocupado com apontamentos, pontos que

cairão nas provas, notas etc. Conforme nos coloca Maciel (1986), detestam “essas coisas ginasianas”, hoje

oficializadas pela LDB (lei 9394/96). Gostariam de agir como os antigos “lentes”, que liam suas preleções

magistrais, geralmente resultado de suas pesquisas. Têm nostalgia da época em que os professores universitários

não precisavam “perder tempo” dando “assistência” aos alunos. Também lamentam ter que ficar “atribuindo

nota” e passá-las nas atas a serem enviadas para a secretaria da instituição. Detestam, ainda, ter que “motivar” os

universitários para os estudos (algo impensável quando se trata de estudantes).

8
Frase atribuída a Humboldt, apud Maciel, opus cit., p. 39.
9
Cf. DAHRENDORFF, apud MACIEL, opus cit., p. 40.

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Pelo que venho expondo, é possível se perceber a amplitude de desdobramentos na vida diária que

podem ter as representações sociais construídas por uma pessoa. O intento deste artigo consiste em trazer à luz

como a dimensão subjetiva ocupa um lugar de destaque nas dificuldades que os docentes de terceiro grau vêm

enfrentando e que o sofrimento que carregam poderá ser minimizado se conseguirem se abrir às mudanças

ocorridas no cotidiano, procurando compreender o que se apresenta na realidade, e buscar meios adequados para

nela interferir, porque boa parte das transformações ocorridas nas instituições em que existimos advêm de

setores alheios às mesmas.

Quando discutimos a transição do modelo educacional novecentista-europeóide para o vintecentista-

americanóide, vemo-nos frente-à-frente com o dilema quantidade versus qualidade. De fato, ambas não são

necessariamente antagônicas ou autoexcludentes, mas para nós, brasileiros, tem sido um problema administrar

essas duas variáveis, principalmente quando temos que enfrentar o grande crescimento demográfico que nossa

nação sofreu ao longo do século XX, e continua sofrendo. Além disso, como no decorrer do século XIX não

houve interesse dos governantes e das classes hegemônicas em possibilitar educação sistematizada às camadas

mais pobres da população, as demandas se multiplicaram e se atropelaram, de modo que hoje necessitamos

atender inúmeras necessidades do Ensino Superior, ao mesmo tempo em que é preciso cuidar do Ensino Básico,

tanto em termos de vagas quanto na qualidade dos estudos que vêm sendo oferecidos.

Nesse contexto, por causa das exigências da sociedade contemporânea, a atual geração de educadores

do Ensino Superior tem que enfrentar a explosão quantitativa dos cursos de terceiro grau sem perder de vista que

é preciso satisfazer as solicitações do mercado de trabalho numa economia globalizada. 10 Logo de início, é de

fundamental importância se ter claro que a tarefa que nos está sendo posta é inédita: não há manual que nos

oriente, nem situação que a esta se assemelhe; a expansão quantitativa da Universidade no Brasil, ocorrida nas

últimas décadas, não encontra paralelo na história do sistema educativo nacional.

Várias boas razões se acham por trás desse fenômeno e muitos efeitos positivos para a sociedade

poderão ser encontrados nele; contudo, não são apenas satisfatórios os resultados que se constatam, pois as

pessoas que vivem nesse espaço social, como vimos pontuando, apresentam-se carregadas de sofrimentos — há

um sentimento de desconforto próprio ao ambiente universitário. Como já o conheci em épocas anteriores, sei

que esse referido mal-estar não havia em passado recente.

Segundo a publicação do INEP/MEC (2005), atualmente constam dos cadastros do Ministério da

Educação 2.100 instituições de Ensino Superior atuando no território nacional. Destas, 1.652 são privadas. As

10
As pesquisas e os censos nos mostram que precisamos formar tantos profissionais da área X ou Y para cada
mil habitantes em N anos e, ao mesmo tempo, umas tantas profissões estão deixando de existir. (Nota da autora).

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públicas são 207, sendo 83 federais, 65 estaduais e 59 municipais. Traduzindo esses valores em termos

percentuais, para melhor compreensão, temos:

Distribuição das IES no Brasil

4,5% 3,5% 3,2%

Privadas
Federais
Estaduais
Municipais

88,9%

Gráfico 1 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005)

A partir desses dados, pode-se ver com clareza que o grande peso do Ensino Superior está nas

organizações privadas, as quais somadas às federais totalizam 93,4% de todas as organizações educacionais

superiores de nosso país. Se analisarmos os dados quanto ao crescimento desses segmentos, verificaremos que

em 1994 as IES públicas correspondiam a 25,6 %, enquanto que as particulares eram 74,4%. Numa década,

portanto, as públicas caíram para 11,1% e as privadas saltaram para 88,9%.

% de Instituições
PÚBLICAS PRIVADAS

100
80
60
40
20
0
1994 1998 2002 2003

Gráfico 2 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005)

Quanto ao número de alunos atendidos nas IES, temos motivos para ficar perplexos: de um total de

1.661.034 em 1994, nosso sistema educacional passou a atender em 2003, isto é, após dez anos, 3.887.771

estudantes, representando um crescimento de aproximadamente 134,1%. Dos matriculados, 2.750.652

encontravam-se em estabelecimentos particulares. Assim, a taxa de crescimento foi em média de 13,4 % ao ano.

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Taxa de Crescimento no decênio 1994/2003


2003

1994

134,1%
3.887.771

Figura 1 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005)


1.661.034

E a tendência é ainda para o crescimento. O mesmo documento aponta uma projeção de 9.234.548

matrículas para

2010.

Para que essa evolução se tornasse possível, houve uma assustadora ampliação do número de

universidades, faculdades, escolas superiores; conseqüentemente, de docentes, levando muitos a procurar por

mestrados e doutorados. Contudo, como os dados nos revelam, toda essa expansão vem ocorrendo quase que

exclusivamente no âmbito da iniciativa privada. As escolas públicas têm permanecido praticamente estagnadas,

apoiadas muitas vezes em concepções elitistas e práticas discriminatórias que contribuem para a privatização do

Ensino Superior.

Da maneira como o fenômeno desse crescimento se deu e continua se dando, a qualidade do trabalho

acadêmico não conseguiu acompanhar a quantidade de oportunidades oferecidas à população. É voz comum que

os padrões de ensino são inferiores aos de tempos atrás e que os resultados em termos científicos, técnicos,

culturais e profissionais conseqüentemente decaíram. Os dados do ENADE 2004 nos mostram que 79% dos

cursos avaliados obtiveram conceitos 3 ou 4, enquanto apenas 10,5 % conseguiram atingir conceito 5:

DISTRIBUIÇÃO DOS CONCEITOS DOS CURSOS DO ENADE 2004


Número Percentual
Conceito 1 33 2,6
Conceito 2 115 8,0
Conceito 3 565 39,5
Conceito 4 564 39,5
Conceito 5 150 10,5
Total 1.427 100,0
Redigido
Fonte :em 2005 e publicado na
MEC/INEP/DEAES Revista UNIFIEO. Ano 5, n. 8 (2006) – Osasco: EDIFIEO,
- ENADE2004
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Também podemos perceber em nosso dia-a-dia que o insucesso por parte do alunado, a repetência, o

abandono e de modo muito especial (no caso das instituições privadas) a inadimplência deixam desvelar que

existem sérios problemas que assolam os estudantes, tais como os de inadequada formação acadêmica prévia; de

aproveitamento insuficiente frente aos objetivos traçados pelas disciplinas; de falta de recursos econômicos. Um

número significativo dos universitários não consegue terminar o curso, não obtém o tão almejado diploma.

Se quisermos realizar um trabalho pedagógico sério, precisamos atentar para o que está prevalecendo

hoje como características do alunado dos cursos superiores, de modo especial em instituições particulares.

Embora possa haver variação de curso para curso e de Instituição para Instituição, creio que o perfil dos

estudantes que participaram do ENADE 2004 (quando foram avaliados os cursos nas áreas de: Agronomia;

Educação Física; Enfermagem; Farmácia; Fisioterapia; Fonoaudiologia; Medicina; Medicina Veterinária;

Nutrição; Odontologia; Serviço Social; Terapia Ocupacional e Zootecnia) poderá nos dar uma idéia razoável do

que está ocorrendo em termos gerais. Segundo o relatório expedido pelo MEC, temos o seguinte perfil dos

alunos avaliados:

1. Solteiro.

2. Branco.

3. Tem até dois irmãos.

4. Mora com os pais e/ou parentes.

5. Vem de família que ganha até10 mínimos.

6. Não recebe bolsa de estudos ou financiamento para estudar.

7. Tem pais com escolaridade mínima de ensino médio ou superior.

8. Tem conhecimento praticamente nulo de inglês e espanhol.

9. Lê no máximo dois livros ao ano, excetuando-se os livros escolares.

10. Lê jornais apenas ocasionalmente.

11. Utiliza a TV para se manter atualizado sobre os acontecimentos do mundo.

12. Utiliza a biblioteca da IES com razoável freqüência ou muito freqüentemente.

13. Tem no acervo da biblioteca da IES a sua principal fonte de pesquisa.

14. Estuda no mínimo uma hora e no máximo 5 horas semanais.

15. Exerce alguma atividade acadêmica além das obrigatórias.

16. Tem no cinema a sua principal atividade de lazer.

17. Tem acesso à internet.

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18. Utiliza o computador para trabalhos escolares e entretenimento.

19. Considera a aquisição de formação profissional a principal contribuição do curso.

20. Participa principalmente de eventos promovidos pela própria IES.

Voltando a enfatizar que a ampliação massiva na oferta de vagas ocorreu e continua ocorrendo por parte

da iniciativa privada, torna-se importante sublinhar que não raro os interesses desta divergem em pontos

fundamentais daquilo que se consagrou na tradição educacional brasileira e no que está disposto na legislação

vigente. Por causa da divergência de interesses, despontam descompassos e contradições entre o que legalmente

se propõe e o que se constata na ação político-acadêmica. Em muitos casos as propostas político-pedagógicas

das Instituições podem até ser inovadoras, na prática, porém, é comum o ensino ficar limitado à transmissão de

conhecimentos, numa percepção estática da ciência, do homem e do mundo. Como melhor veremos

oportunamente, esta ocorrência será um dos pontos cruciais da insatisfação de professores e alunos, bem como

da chamada queda de qualidade do ensino.

Uma outra marca importante do atual Ensino Superior Brasileiro é a heterogeneidade das instituições

que o compõem. Existem escolas com dimensões muito variadas, apoiadas nas mais diversas tradições. As

praxes são muitas: algumas, cuja identidade é nitidamente acadêmica e científica, investem em programas de

investigação; com horizontes profissionais muito mais marcados, outras se dedicam quase exclusivamente ao

ensino, pouca atenção dando à pesquisa. Há as que mantêm profundos laços com a sociedade e as que se isolam

do mundo exterior. Algumas são organizações bem tradicionais, com estrutura piramidal e marcadamente

burocrática, e outras com inequívoca tendência para a democratização das relações de poder. Há as que gozam

de prestígio internacional e outras que nos são praticamente desconhecidas...

Embora a diversidade seja geralmente positiva, porque permite a cada qual percorrer o seu próprio

caminho, ajustando-se às necessidades reais de sua comunidade e dos seus objetivos e vocação, no caso da

expansão do Ensino Superior Brasileiro o que vimos constatando é que a excessiva heterogeneidade, associada à

rapidez do crescimento de unidades educacionais, está contribuindo para gerar um “nivelamento por baixo”.

Nesse item podemos destacar o que tem ocorrido com os salários dos docentes: instituições que remuneravam

condignamente seus professores passaram a dispensá-los para contratar outros, iniciantes ou com titulação

menor, a fim de reduzirem suas folhas de pagamento.

Diante da atual realidade, a Universidade brasileira está vivendo um momento crucial: o desafio de

encontrar modos de se inserir positivamente na construção do Brasil como nação soberana, com papel atuante na

elaboração de uma consciência planetária que leve em conta uma concepção de cidadania capaz de articular as

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pessoas entre si, o cidadão com o Estado, o nacional com o mundial, o tradicional com o emergente (BOFF

1994). Estou convencida de que se não nos engajarmos nesse processo de re-direcionamento da Universidade,

são seríssimos os riscos dela se fazer cúmplice de forças sociais retrógradas que subordinarão nosso povo à

miséria e à escravidão, ampliando e aprofundando os níveis de exclusão social em âmbito mundial.

Do que até aqui foi exposto, constato que um dos principais entraves hoje enfrentados pela

Universidade está em sua pouca capacidade para lidar com a massificação do curso superior. Com efeito, ao

organizar-se, ela freqüentemente se esquece de levar em conta o fato de o aumento maciço da procura por vagas

alterar não apenas a quantidade de alunos nas salas de aula, mas, e principalmente, a qualidade acadêmica desses

alunos. Essa segunda alteração deriva da composição sócio-cultural dos matriculados: muitos deles provêm de

famílias com baixo nível de escolaridade, seus pais sequer completaram o Ensino Fundamental. Podemos

constatar esse fato pelos dados constantes do gráfico 3:

Escolaridade dos Pais dos


Ingressantes

Máximo Ensino
Fundamental
43%
Mínimo Ensino
Médio
57%
Gráfico 3 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005)

Também é relevante atentar para a renda familiar das famílias e quanto este dado influencia nos

resultados acadêmicos dos alunos. É preciso levar em conta que a renda familiar condiciona as possibilidades de

qualidade de vida. Se o poder aquisitivo é baixo, esses universitários possuirão, de modo geral, moradia mais

distante das unidades escolares, terão que tomar mais de uma condução para nelas chegarem, não poderão

comprar livros e materiais necessários ao curso, alimentar-se-ão mal, não terão acesso aos bens culturais, e,

dessa foram, estarão muito susceptíveis à evasão e ao abandono.

Redigido em 2005 e publicado na Revista UNIFIEO. Ano 5, n. 8 (2006) – Osasco: EDIFIEO,


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Renda Familiar

26%

Até 10 S. M.
Mais de 10 S. M.

74%
Gráficos 4 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005)

Essas constatações nos remetem à problemática do capital cultural de uma fração significativa dos

universitários, fato que não pode ser colocado em segundo plano; pelo contrário, pede uma atenção especial, ou

seja, torna-se necessário encontrar meios de suprir os estudantes de conhecimentos considerados básicos e dos

quais carecem. Nesse ponto, de um lado faltam à Universidade recursos humanos e financeiros para o

enfrentamento do desafio que lhe foi posto; de outro, há o desconhecimento de estratégias adequadas para tanto.

Embora a mudança da clientela do Ensino Superior seja evidente, boa parte do corpo docente não tem

conseguido adaptar-se às novas condições, mantendo a postura “elitista” que marcou a Universidade no passado,

ocasião em que efetivamente preparava as elites do país. Conservar-se em tal posição parece apenas contribuir

para o distanciamento entre docentes e discentes, fazendo crescer o sentimento de mal-estar e,

conseqüentemente, o sofrimento de todos.

A função da Universidade na construção da soberania nacional e da cidadania

Como é verdade sabida, o surgimento do Brasil no cenário mundial foi marcado, desde seus inícios,

pela desigualdade de direitos e pela formação de sujeitos históricos alinhados aos interesses das nações

mundialmente dominantes. No século XVI, logo após a posse das terras, os conquistadores portugueses

iniciaram um processo de colonização às custas da subjugação e morte das populações nativas e do tráfico de

escravos africanos. Todos os povos subjugados viram suas próprias culturas violentadas. O poder foi exercido

visando os interesses da Metrópole, voltado, portanto, para “fora”. Os que naquela época habitavam nossa terra

sequer tinham condições objetivas para constituir cidadania ou por ela lutar de forma eficaz.

O Brasil já nasceu no período de transição para o capitalismo, ainda que ordenado por

relações feudais. Nasceu fruto da exploração e da subalternização, com sérias

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conseqüências para sua população. A vigência da democracia liberal e da cidadania

parece mais difícil em países como o nosso.(MANZINI-COVRE 1991, p. 50).

Após a independência política, na essência pouca coisa mudou em termos de exploração das populações

subordinadas. Foi apenas na segunda metade do século XIX, já no Segundo Império, que um fato de grande

importância ocorreu no quadro sócio-político nacional, contribuindo para que algum tempo mais tarde fosse

assinada a lei que aboliu a escravatura em nosso país: a chegada de milhões de imigrantes europeus, excedentes

do processo de industrialização que vivia, então, o Velho Continente. Apresentando características culturais mais

próximas da elite dominante, essa gente desbancou de várias ocupações os índios, os negros e a população

mestiça, pobre, que ao longo dos três séculos de dominação havia se formado no território nacional. Os

imigrantes europeus e seus descendentes, pela proximidade cultural que mantinham com as elites

(diferentemente dos “nativos”), em pouco tempo foram incorporados ao projeto delas.

Sem discutir, agora, a responsabilidade pela organização das forças sociais internas, a

história do Brasil e de seus congêneres é a de povo explorado, porque tivemos e temos uma

posição subalterna no processo capitalista; o que muda em nosso processo histórico é quem

nos explora e como — Portugal ou Inglaterra, EUA ou os grandes oligopólios, como hoje.

(MANZINI-COVRE 1991, p. 50-51).

Apesar das conseqüências negativas para os nativos, a chegada dos imigrantes promoveu alterações

profundas nas relações entre classes dominantes e classes dominadas, porque os trabalhadores europeus

trouxeram idéias novas, vindas principalmente da Itália, a respeito da relação capital-trabalho. Essas novas idéias

contribuíram poderosamente para que se firmassem no Brasil lutas pelos direitos sociais.

(...) A partir da experiência de luta contra o capital trazida por esses trabalhadores

italianos, o movimento anarquista caracterizou a luta operária no Brasil principalmente

nas décadas de 10 e 20. Sim, luta operária, pois começamos a ter uma indústria incipiente

no período entre as Guerras Mundiais.(MANZINI-COVRE 1991, p. 52).

No século XX (anos 30 aos 60), o Brasil entrou de forma definitiva na era da industrialização moderna.

Foi um processo marcado pela associação dos empresários brasileiros com o capital transnacional, fundado na

dependência de tecnologias importadas. Desde então, o desenvolvimento de nosso país se deu voltado para fora,

isto é, orientando-se não pelas necessidades do próprio povo, mas para aquilo que desejavam as nações das quais

provinha o capital injetado. Inicialmente, antes da industrialização, éramos basicamente exportadores de matéria

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prima, com a instalação das indústrias fomos gradativamente nos tornando exportadores de manufaturados e,

finalmente, de capital líquido (BOFF 1994).

A situação de países como o Brasil sempre foi caudatária do processo desenvolvido no

núcleo do capitalismo originário. Depois de ser colônia de Portugal, o Brasil foi “colônia”

da Inglaterra. Éramos uma economia agrária exportadora de matérias-primas

imprescindíveis para o processo industrial inglês.(MANZINI-COVRE 1991, p. 51).

Nos últimos anos, exportamos diretamente moedas fortes: o que produzimos serve, fundamentalmente,

para pagar os juros dos empréstimos e menos para cobrir as nossas necessidades.

A partir dos anos 70, ocorre no mundo uma verdadeira revolução tecnológica, marcada pela

informatização e comunicação. Nos anos 80, o espaço político-econômico dentro dos quadros do capitalismo

mundialmente integrado se homogeniza. Tanto quanto as demais nações do planeta, fomos invadidos pela

política do neoliberalismo, marcando uma nova fase de acumulação do capital, caracterizada pela mundialização,

com a política gerenciada pelo FMI, pelo Banco Mundial, pelos megaconglomerados e pelo Grupo dos 7 — os

países mais ricos do mundo (BOFF 1994).

O desenrolar desses acontecimentos foram aprofundando nossa dependência econômica. Não foi

possível nos colocar no cenário internacional como uma nação verdadeiramente soberana, pois desde o nosso

surgimento, no século XVI, somos parte subjugada de um centro econômico que, de uma forma ou de outra, nos

mantém a ele atrelados.

É a partir deste quadro descrito que precisamos avaliar qual a função da Universidade na construção da

soberania nacional e da cidadania. De forma semelhante ao Estado, a Universidade brasileira possui uma enorme

dívida social para com o nosso povo. De uma certa forma, a acelerada expansão dela pode ser vista como um

início de resgate desta dívida, embora não seja suficiente que se lhe abram as portas.

Inicialmente, julgo importante frisar que podemos perceber inúmeras razões para a existência da

Universidade; dentre elas, historicamente, sua essência tem sido a de constituir e de preservar o conhecimento.

Na Idade Média, havia a consciência clara de quão importante era a posse do saber. Com o desdobramento

histórico, outras funções foram se agregando a essa, a primordial.

Em tempos mais próximos, passou-se também a aceitar como função da Universidade a formação de

profissionais qualificados para o desenvolvimento de atividades específicas, suprindo as necessidades do

mercado de trabalho. A partir de então, considerou-se como “missão” da Universidade desenvolver atividades de

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Ensino, Pesquisa e de Extensão. Entretanto, com a evolução da organização planetária, estas tarefas começaram

a se mostrar insuficientes frente à magnitude das exigências postas por um mundo em acelerada transformação.

Assim, percebo que hoje se torna imprescindível um projeto de Universidade capaz de dar conta das

intensas transformações pelas quais passam as sociedades contemporâneas, que leve em conta a nova ordem

mundial e sua indescritível capacidade de transformação. Nesse contexto, a Universidade não pode adotar uma

função passiva, ela precisa assumir papéis de liderança, orientando-se por valores éticos e pelo conhecimento

científico que tem obrigação de preservar, de produzir e de difundir.

Um dos maiores problemas contemporâneos a ser enfrentado por todos nós é a falta de ética que tem

grassado nas esferas política, econômica e social. Portanto, se quisermos que a Universidade possa colaborar de

forma adequada e efetiva para com a sociedade atual, é preciso que ela inclua dentre suas funções a abordagem

das questões éticas como conteúdo de formação das novas gerações. Somente unindo ciência e ética no trabalho

pedagógico é que a Universidade terá condições de contribuir para a construção da cidadania.

Segundo Manzini-Covre (1996) a cidadania é um processo de aprendizado, a ser atualizado à medida

que as pessoas vão experimentando relações e vão percebendo que seu saber e sua experiência têm importância e

são respeitados. A cidadania se concretiza quando ocorre o exercício do papel de sujeitos.

Nessa linha de raciocínio, tanto os educadores quanto os estudantes necessitam ampliar a visão que têm

das tarefas acadêmicas; percebendo que o papel da Universidade não pode mais se esgotar na transmissão,

produção e divulgação de conhecimentos. Num mundo com a complexidade que caracteriza o nosso e com os

problemas gravíssimos que nele estão presentes, trazer para dentro da sala de aula a discussão das questões éticas

aliadas às questões econômicas, políticas, sociais e culturais tornou-se não apenas condição de sobrevivência da

Universidade como também da própria Humanidade.

Entender esse ponto e vê-lo como uma nova função da Universidade, tão primordial quanto seu cerne

— o trabalho com o conhecimento —, é aceitar que a Universidade possui um caráter político, social e cultural

sem concorrente, e que somente levando em consideração a ética ela poderá contribuir com o avanço da ciência e

até mesmo viabilizá-lo.

Contudo, mais um tópico precisa ser pontuado: a necessidade de visão de conjunto, que somente um

trabalho interdisciplinar, ou mesmo transdisciplinar, poderá efetuar. No jeito disciplinar de se trabalhar, na

expectativa de acumular saberes, há um apelo intensificado para a especialização; este processo ocorre de tal

maneira que quanto mais somamos informações e descobertas sobre cada vez menores áreas da realidade, mais

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distanciados ficamos de uma visão de conjunto e, conseqüentemente, do significado daquilo que estudamos ou

pesquisamos.

Cada vez mais se torna presente nas discussões acadêmicas a necessidade de se prestigiar as abordagens

que levem em conta o pensamento complexo, o caos organizador, o poder estruturador dos acontecimentos, o

não figurativo, as estruturas assimétricas ou “imperfeitas”, a inter e a transdisciplinaridade... Na Universidade

tradicional, apenas têm sido levadas em conta a simetria, a unanimidade, a igualdade, a perfeição, a linearidade e

a disciplinaridade. Esta visão, marcada pela simplificação e pelo determinismo, desconsidera uma enorme parte

do Real — é excessivamente reducionista.

Comentários finais

Toda a análise até aqui desenvolvida nos mostra que o processo de democratização do ensino superior

no Brasil, pela trajetória histórica percorrida, colocou nossa Universidade no centro de uma contradição:

enquanto é na rede particular que o número de vagas vem crescendo sistematicamente (e a rede pública

permanece praticamente estagnada), são os mais carentes de recursos financeiros que compõem a maioria dos

matriculados nas escolas pagas. O resultado desse paradoxo vai, evidentemente, se revelar nas elevadas taxas de

abandono e de reprovação, seja pela inviabilidade econômica de os alunos manterem seus estudos, seja pela falta

de conhecimentos prévios considerados fundamentais para os cursos que freqüentam, seja pela exaustão física e

psicológica a que chegam, pois têm que trabalhar o dia todo além de estudar.

As dificuldades apontadas crescem e as soluções para os problemas ficam mais distantes à medida que

os professores mantêm a representação social da Universidade conforme o modelo tradicional apresentado por

Maciel (1986). Pelo fato dessa representação levar a uma postura elitista, a compreensão da realidade fica-lhes

obscurecida, causando-lhes desânimo e até mesmo, em alguns casos, desespero frente aos obstáculos, que se lhes

parecem intransponíveis. É comum, então, esses profissionais responsabilizarem os alunos pelos fracassos

acadêmicos, lamentando-se a respeito do precário aprendizado dos mesmos. Por outro lado, também parte do

corpo docente apresenta, tanto quanto os discentes, formação inadequada. Por isso, torna-se necessário um

processo de revisão geral da organização universitária, envolvendo desde os objetivos visados, até os conteúdos

disciplinares e os métodos de ensino que estão sendo empregados, quer nos cursos de graduação, quer nos de

pós-graduação.

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2006, p. 101- 118.
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BIBLIOGRAFIA

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http://www.inep.gov.br/download/superior/enade/relatorio/Resumo_tecnico_ENADE_2004.pdf).

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INEP, 1986.

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MOSCOVICI, Serge. A Representação Social da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1976.

1. RELAÇÃO DE TABELAS:
Distribuição dos conceitos dos cursos do ENADE 2004 (Brasília 2005): p.10

2. RELAÇÃO DE FIGURAS E GRÁFICOS:


Figura 1 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005) Taxa de Crescimento no decênio 1994/2003: p. 10

Gráfico 1 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005): Distribuição das IES no Brasil : p. 9

Gráfico 2 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005): % de instituições: p. 9

Gráfico 3 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005): Escolaridade dos pais dos ingressantes: p. 13

Gráficos 4 - (Fonte: INEP/ MEC, 2005): Renda Familiar: p. 14

Redigido em 2005 e publicado na Revista UNIFIEO. Ano 5, n. 8 (2006) – Osasco: EDIFIEO,


2006, p. 101- 118.

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