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POLITKOVSKAYA
3IARIO
RUSSO
UM DIÁRIO RUSSO
Anna Politkovskaya
UM DIÁRIO RUSSO
Prefacio de
JON SNOW
Tradução de
NIVALDO MONTIGELLI JR.
Sumário
PARTE UM
A morte da democracia parlamentar russa
Dezembro de 2003 a março de 2004 13
PARTE DOIS
A grande depressão política da Rússia
De abril a dezembro de 2004 121
PARTE TRÊS
Nossos invernos e verões de insatisfação
De janeiro a agosto de 2005 225
Será que estou com medo? 350
Glossário 353
Nota do tradutor
da edição em inglês
J O N SNOW*
Fevereiro de 2007
A m o r t e da democracia
parlamentar russa
7 de dezembro de 2003
Dia das eleições parlamentares à D u m a , * o dia em que Putin* ini-
ciou sua campanha para a reeleição c o m o presidente. Pela manhã,
ele falou aos povos da Rússia em um distrito eleitoral. Estava alegre
e um p o u c o nervoso. Aquilo era i n c o m u m : em geral ele é m a l -
humorado. C o m um sorriso largo, informou às pessoas à sua volta
que sua amada cadela labrador, C o n n i e , havia tido filhotes naquela
noite. "Vladimir Vladimirovitch estava m u i t o preocupado", disse a
sra. Putin atrás dele. "Estamos c o m pressa de voltar para casa", acres-
centou ela, ansiosa para voltar à cadela cujo senso de oportunidade
político havia dado aquele presente ao partido da Rússia Unida.
N a mesma manhã, e m Iessentuki, u m p e q u e n o hotel n o n o r t e
do Cáucaso, as 13 primeiras vítimas de um ataque terrorista a um
trem local estavam sendo enterradas. O ataque foi perpetrado ao
trem da manhã, conhecido c o m o t r e m dos estudantes, e os jovens
estavam a c a m i n h o da escola.
Q u a n d o , depois de votar, P u t i n voltou-se para os jornalistas,
parecia q u e certamente iria expressar suas condolências às famílias
dos m o r t o s . Talvez até pedir desculpas pelo fato de o governo ter
mais u m a vez fracassado na proteção dos seus cidadãos. Em vez
16 A N N A POLITKOVSKAYA
8 de dezembro
Pela m a n h ã , enfim fica claro que, e m b o r a a ala esquerda tenha mais
ou m e n o s sobrevivido, a "ala direita" liberal e democrata foi d e r r o -
tada. O partido Iabloko e o p r ó p r i o Grigori Iavlinski não c o n s e -
guiram chegar à D u m a , n e m a U n i ã o de Forças de Direita c o m
Bóris N e m t s o v * e Irina Khakamada, n e m n e n h u m dos candidatos
independentes. Hoje não há no Parlamento russo quase n i n g u é m
capaz de defender os ideais d e m o c r á t i c o s e fazer u m a oposição
construtiva e inteligente ao Kremlin.
Mas o pior não é o triunfo do R U . Lá pelo fim do dia, c o m
quase todos os votos contados, fica evidente que, pela primeira vez
desde o colapso da U R S S , a Rússia favoreceu particularmente os
nacionalistas radicais, que p r o m e t e r a m aos eleitores q u e i r i a m
enforcar todos os "inimigos da Rússia".
E claro q u e isto é terrível, mas talvez seja o que se deve esperar
n u m país o n d e 4 0 % da p o p u l a ç ã o v i v e m abaixo até m e s m o da
nossa m e d o n h a linha de pobreza oficial. Estava claro que os d e m o -
cratas não tinham interesse em estabelecer contato c o m esse seg-
m e n t o da população. Eles preferiram se concentrar nos ricos e nos
m e m b r o s da e m e r g e n t e classe média, defendendo a p r o p r i e d a d e
privada e os interesses dos novos p r o p r i e t á r i o s de imóveis. Os
pobres não possuem propriedades e assim os democratas os ignora-
ram. Os nacionalistas não.
A N N A POLITKOVSKA\
20
> 0 c i a l m e n t e aceitável.
s
r é s p o r i n t e r m é d i o dos partidos e m o v i m e n t o s p r ó - K r e m l i n ,
ja maioria simplesmente é corrupta. Para esses partidos, cada p r o -
cll
8 de dezembro
L o g o c e d o os analistas políticos se r e u n i r a m no p r o g r a m a Livre
Debate para discutir os resultados à medida que chegassem. Eles
estavam tensos. Igor Bunin falou de u m a crise do liberalismo russo,
de c o m o o caso da Iukos havia subitamente provocado u m a onda
de sentimento antioligárquico durante a campanha. Eles falaram do
ódio q u e havia se acumulado no coração de muitas pessoas, " e s p e -
cialmente pessoas decentes q u e não podiam apoiar Jirinovski", e do
fato de o eclético RU ter conseguido unir todos, dos mais liberais
aos mais reacionários. Ele previu que o presidente não iria aceitar
os liberais na elite dirigente.
N o m e s m o programa,Viatcheslav Nikonov, neto d e Molotov,
sugeriu que os jovens não haviam votado e que esta seria a p r i n c i -
pal razão para a derrota dos democratas. "Ivan, o Terrível e Stalin
são mais do gosto do povo russo."
O programa c o n t i n u o u à tarde. O clima era funéreo, c o m a
sensação de u m a tempestade i m i n e n t e . Aqueles q u e estavam no
estúdio pareciam mais inclinados a pedir abrigo do q u e a lutar.
24 A N N A POLITKOVSKAYA
9 de dezembro
As 10:53 de hoje u m a m u l h e r - b o m b a suicida explodiu a si mesma
diante do Nationale H o t e l em M o s c o u , no o u t r o lado da praça
o n d e está a D u m a e a 145 metros do Kremlin. " O n d e fica a D u -
m a ? " , perguntou ela a um transeunte antes de explodir. D u r a n t e
m u i t o tempo, a cabeça de um turista chinês que estivera ao lado dela
ficou no asfalto, sem o corpo. As pessoas gritavam p o r ajuda, mas,
embora não haja carência de policiais nessa área, eles só se aproxima-
ram do local da explosão 20 minutos depois, t e m e n d o outra explo-
são. Meia hora depois do incidente, chegaram as ambulâncias.
E a polícia fechou a rua.
10 de dezembro
Há poucos comentários sobre o incidente terrorista ou sobre por
que esses atos o c o r r e m .
A Câmara Alta da Rússia, o Soviet da Federação, anunciou a
data da posse de Putin para o segundo mandato. Ele imediatamente
acelera suas atividades, usando todos os tipos de aniversários e datas
30 A N N A POLITKOVSKAYA
11 de dezembro
Nesta manhã, a c o n t e c e u de novo, u m a reputação destruída pelo
abraço do Kremlin. A n d r e i Makarevitch era um músico de rock
underground no p e r í o d o soviético, um dissidente, um opositor da
K G B , * que costumava cantar c o m paixão " N ã o baixe sua cabeça
diante do m u n d o incerto. Um dia esse m u n d o irá baixar sua cabe-
ça para nós". Esse era o h i n o dos primeiros anos de democracia sob
Ieltsin. Hoje, na televisão estatal Canal U m , ele está recebendo uma
medalha "Por Serviços à Pátria".
Makarevitch saiu em apoio ao RU e t o m o u parte das p r i m e i -
ras reuniões p r é - e l e i t o r a i s . Ele r e a l m e n t e b a i x o u a cabeça para
P u t i n e para o p a r t i d o . E c o n t o u às pessoas c o m o V l a d i m i r
Vladimirovitch era um b o m sujeito e, surpresos, agora o vemos
recebendo favores oficiais; um ex-dissidente q u e não ficou cons-
trangido por se j u n t a r ao partido do Kremlin.
Putin deu u m a recepção aos líderes dos partidos da D u m a , pois
hoje é o último dia da Terceira Legislatura. Ele falou de aconteci-
mentos nas relações entre os ramos do poder do Estado. Iavlinski
sorriu ironicamente.
Pouco tempo depois, no prédio da D u m a em frente ao Krem-
lin, foi realizada a última sessão do Parlamento que saía. Quase todo
36 A N N A POLITKOVSKAYA
12 de dezembro
Dia da Constituição. É feriado. Moscou está inundada de homens da
guarda nacional e agentes em trajes civis. Há cães por toda parte,
farejando em busca de explosivos. O presidente deu uma grande
recepção no Kremlin para a elite política e oligárquica e fez um dis-
38 A N N A POLITKOVSKAYA
18 de dezembro
meira vez destinamos fundos para corrigir este problema: 1,3 bilhão
de rublos [pouco mais de US$49 milhões] do orçamento federal. A
mesma quantia deveria ser alocada dos orçamentos municipais. A
saída é desenvolver empréstimos hipotecários. Caso as hipotecas
tivessem sido introduzidas, você teria conseguido fazer uso delas.
Qual é seu salário mensal? Você trabalha numa região eficiente.
Alexander Nikolaevitch: São 12.000 rublos [US$450].
P u t i n V o c ê teria direito a u m a hipoteca. Precisamos fazer algu-
mas mudanças legislativas.
Iuri Sidorov, Kuzbass: Trabalhar c o m o mineiro é perigoso. Por
que a pensão dos mineiros foi reduzida à taxa estatutária? Q u e tipo
de pensão é esse?
Putin: O salário m é d i o dos mineiros é de 12.000 rublos m e n -
sais e o salário m é d i o nacional é de 5.700 rublos [US$216]. A lógi-
ca da reforma das pensões reflete diretamente as contribuições fei-
tas a partir do salário. Sua p e n s ã o irá diferir p o s i t i v a m e n t e da
média; ela será mais alta. Esta mudança já foi introduzida. O fundo
nacional de pensões está abrindo uma rede de centros de consultas
em t o d o o país e nos locais de trabalho. Converse c o m eles.
Valentina Alexeievna, de Krasnodar: O senhor ainda não a n u n -
ciou o que pretende p r o p o r nas eleições presidenciais. Quais são
seus planos?
Putin: Farei um p r o n u n c i a m e n t o oficial em futuro próximo.
Alexei Viktorovitch, estaleiro de reparos navais, província de
M u r m a n s k : N ã o estamos recebendo salários n e m férias desde agos-
to. Q u a n d o isso será corrigido?
Putin: No que diz respeito ao orçamento, já tratamos das ques-
tões. Os atrasos salariais não devem exceder dois dias. Mas, na parte
relativa às indústrias, existem diversas variações. Há empresas estatais,
algumas das quais estão sendo reclassificadas c o m o empresas financia-
das pelo orçamento. Várias estão c o m graves problemas financeiros.
Em outros casos, os responsáveis são os proprietários e gerentes.
Pergunta de Brilev: O que o senhor acha de ter sua foto em
escritórios do governo?
Putin: O presidente é um símbolo do Estado; p o r t a n t o , não há
nada de terrível nisso. T u d o é b o m c o m moderação. Q u a n d o ela é
esquecida, dá lugar a preocupações.
S a r g e n t o Sergei S e r g e i v i t c h , base militar russa em K a n t ,
Kirghizia: Os americanos conseguiram capturar Saddam Hussein,
UM DIÁRIO RUSSO 41
20 de dezembro
H o j e é Dia do Agente da Polícia Secreta. A O G P U - C h e k a - M G B -
K G B - F S B está aí há 86 anos. N o s noticiários da televisão, este é o
i t e m mais i m p o r t a n t e . Terrível. O t o m das reportagens é isento,
c o m o se milhões de vidas não tivessem sido sacrificadas a este ser-
viço sanguinário. O que mais p o d e m o s esperar em um país cujo
líder admite abertamente que, m e s m o o c u p a n d o o posto de presi-
dente, p e r m a n e c e "na reserva ativa da 'Firma'"?
U l t i m o resumo oficial dos resultados das eleições parlamenta-
res: R U , 3 7 , 5 5 % (120 assentos); P a r t i d o C o m u n i s t a , 1 2 , 6 % (40
assentos); P a r t i d o Liberal D e m o c r a t a , 1 1 , 4 5 % (36 assentos); o
R o d i n a o b t e v e 29 assentos. Em três áreas, as províncias de
Sverdlovsk e Ulianovsk e t a m b é m em São Petersburgo, serão reali-
zadas novas eleições em 14 de março p o r q u e na última vez o c a n -
didato de m a i o r sucesso foi " n e n h u m dos n o m e s a n t e r i o r e s " . A
partir de amanhã, os partidos p o d e r ã o apresentar seus candidatos
presidenciais.
D e p u t a d o s estão correndo para entrar para o R U . Particular-
m e n t e dolorosa é a deserção de Pavel Krachenninikov, eleito c o m o
candidato independente, mas c o n h e c i d o anteriormente pelo elei-
torado c o m o liberal e m e m b r o da U n i ã o de Forças de Direita. A
D u m a está se t o r n a n d o um espetáculo de um só partido.
21 de dezembro
Iavlinski r e c u s o u - s e a ser c a n d i d a t o presidencial da I a b l o k o .
T a m b é m declarou que eles "criariam um grande partido d e m o c r a -
ta", mas fez o anúncio c o m a expressão arrogante que leva todos a
desistirem de votar nele. U m a prova, c o m o se fosse necessária algu-
ma, de que precisamos de novas caras e novos líderes. Os de hoje
são incapazes de formar uma oposição democrata.
K h a k a m a d a t a m b é m a n u n c i o u q u e a U n i ã o d e Forças d e
Direita não apresentaria candidato. Sua explicação foi convincente:
" D a maneira pela qual as pessoas votaram, fica claro que elas não
UM DIÁRIO RUSSO 47
22 de dezembro
H o j e P u t i n apresentou à Comissão Eleitoral Central pedidos de
um g r u p o de eleitores q u e desejam começar a colher assinaturas
em a p o i o à sua c a n d i d a t u r a . A pesquisa de o p i n i ã o pública do
Kremlin indica que 7 2 % do eleitorado votaria em P u t i n se a elei-
ção fosse hoje.
Q u e m está contra ele? Neste m o m e n t o , a única alternativa a
P u t i n é G h e r m a n Sterligov, um fabricante de caixões. Ele não tem
n e n h u m partido atrás de si, só m u i t o dinheiro e "O Ideal R u s s o " .
E um estranho à política. O u t r o possível c a n d i d a t o é V l a d i m i r
Jirinovski. Ele declarou que o Partido Liberal D e m o c r a t a terá um
candidato. T a m b é m é um estranho, mas fez sua parte para conseguir
trânsito no Kremlin. P u t i n parece ridículo em tal c o m p a n h i a . E
possível que, nas próximas semanas, o governo consiga reunir um
g r u p o de candidatos mais respeitáveis para Putin derrotar.
N i n g u é m acredita q u e Khodorkovski venha a ser considerado
culpado. A maioria das pessoas acha que tudo não passa de um t r u -
que do Kremlin que será deixado de lado depois q u e Putin for ree-
leito. Em 30 de d e z e m b r o , expirará o prazo para a d e t e n ç ã o de
Khodorkovski, mas foram providenciadas audiências no Tribunal
Basmanni em M o s c o u para prorrogar sua prisão.
Esta noite, ficou claro que o Gabinete do Procurador-geral está
pedindo que Khodorkovski permaneça detido até 25 de março. Isto
é, ele verá da prisão a reeleição de Putin. Khodorkovski só foi trazi-
do ao tribunal às 16:00. A l g u m t e m p o depois das 18:00, q u a n d o
todos os outros juízes, funcionários públicos, testemunhas, queixosos
e acusados em outros casos já tinham saído, as portas do Tribunal
Basmanni se fecharam e teve início a audiência do caso dele.
Do que eles t ê m t a n t o m e d o ? Khodorkovski é realmente o
h o m e m mais perigoso da Rússia? N e m terroristas r e c e b e m esse
tratamento e Khodorkovski t e m somente sete acusações de irregu-
48 A N N A POLITKOVSKAYA
23 de dezembro
Estão o c o r r e n d o assassinatos rituais e m M o s c o u . U m a segunda
cabeça decepada foi encontrada nas últimas 24 horas, desta vez no
distrito de Golianovo, no leste da cidade. Ela estava n u m a lata de
lixo na rua Altaiskaia. O n t e m à noite, foi encontrada u m a cabeça
em um saco plástico sobre u m a mesa no pátio diante do B l o c o de
A p a r t a m e n t o s 3 na rua Kranoiarskaia. A m b o s os h o m e n s foram
m o r t o s 24 horas antes de ser descobertos. N o s dois casos, as cir-
cunstâncias foram quase idênticas: as vítimas eram do Cáucaso, c o m
idades entre trinta e quarenta anos e t i n h a m cabelos escuros. As
identidades são desconhecidas. As cabeças estavam a um q u i l ô m e -
tro de distância uma da outra.
Estes são os resultados da propaganda racista na corrida às elei-
ções parlamentares. Nosso povo é m u i t o suscetível à propaganda
fascista e reage prontamente a ela. Em M o s c o u , mais no início deste
mês, o partido R o d i n a , de D m i t r i R o g o z i n , obteve 15% dos votos.
A U n i ã o de Forças de Direita e o Iabloko revelaram seu novo
projeto conjunto: o Conselho D e m o c r a t a U n i d o , um órgão inter-
partidário para o qual cada partido irá nomear seis m e m b r o s . No
anúncio, n e m mesmo os funcionários dos partidos pareciam acre-
ditar m u i t o que a união iria durar. O público em geral parece total-
m e n t e desinteressado no que fazem Iavlinski, N e m t s o v e os l u m i -
nares do partido Iabloko.
P u t i n realizou u m a r e u n i ã o c o m a elite e m p r e s a r i a l , ou
melhor, h o u v e uma reunião do C o n s e l h o da Câmara de C o m é r c i o
e Indústria, à qual compareceu o Presidente.
UM DIÁRIO RUSSO 49
24 de dezembro
Primeira reunião d o C o n s e l h o D e m o c r á t i c o U n i d o d o Iabloko
c o m a U n i ã o de Forças de Direita, na qual o principal assunto é a
perspectiva da sobrevivência política conjunta. Foi eliminado da
pauta um i t e m a r e s p e i t o do l a n ç a m e n t o de um c a n d i d a t o à
Presidência q u e representasse u m a frente d e m o c r á t i c a u n i d a .
Trecho de u m a entrevista c o m Gregori Iavlinski:
" P o r que o Iabloko está se recusando a participar da eleição
presidencial?"
" P o r q u e nossas eleições n ã o são n e m m e s m o relativamente
democráticas."
"Por que então o senhor participou das eleições parlamentares?"
" F o r a m precisamente os resultados questionáveis das eleições
parlamentares que deixaram claro que as coisas não p o d i a m conti-
nuar c o m o estão. D u r a n t e as últimas eleições, o envolvimento polí-
tico n ã o autorizado das empresas foi esmagado. H o j e n e n h u m a
empresa ousa contribuir para uma causa política sem a permissão
do Kremlin."
" C o m o vê o futuro do Iabloko?"
"E o mesmo do resto da Rússia. E provável q u e eles m o n t e m
um partido paralelo pseudodemocrático ou que nos c o m b a t a m até
a extinção. N ã o acredito n e m por um instante que seremos deixa-
dos em paz para nos preparar para as próximas eleições."
" U m a D u m a de um único partido? Mas o Partido Comunista
ainda está lá."
"Formalmente, sim. Mas, se você pegar cinco pessoas dos par-
tidos restantes, colocá-las em salas diferentes e lhes fizer perguntas
cruciais c o m o : 'O q u e deve ser feito na T c h e t c h ê n i a ? C o m o o
52 A N N A POLITKOVSKAYA
26 de dezembro
27 de dezembro
Sterligov, o fabricante de caixões, teve sua candidatura desqualifica-
da pela Comissão Eleitoral Central.Viktor Anpilov, um palhaço do
Partido dos Trabalhadores da Rússia, ofereceu-se prontamente. A
situação não m e l h o r o u .
28 de dezembro
Finalmente e n c o n t r a r a m um o p o n e n t e válido para Putin: Sergei
M i r o n o v , * o r a d o r do Soviet da F e d e r a ç ã o , foi p r o p o s t o pelo
Partido da Vida (outro dos partidos anões m o n t a d o s p o r Vladimir
Surkov,* subchefe da administração presidencial). Mas ele a n u n -
ciou imediatamente: "Apoio Putin."
Está acontecendo a assembléia do Partido C o m u n i s t a Russo.
Foi proposto o n o m e de Nikolai Khariotonov, um h o m e m estra-
n h o e falador que trabalhou na K G B . Maravilhoso!
54 A N N A POLITKOVSKAYA
29 de dezembro
Primeira sessão da nova D u m a . Putin declarou que o Parlamento
"precisa lembrar que o p o d e r emana do povo. Nossa maior p r i o r i -
dade é, antes de mais nada, nos concentrarmos nas questões que
afetam a qualidade de vida dos nossos cidadãos (...). F o r a m precisos
t e m p o e um esforço consideráveis para afastar a D u m a do confron-
to político e trazê-la para o trabalho construtivo (...). E essencial
abrir c a m i n h o em todas as frentes (...). Temos t o d o o direito de
dizer que esta época presencia o fortalecimento da democracia par-
lamentar na Rússia (...).Todo debate é inútil (...)".
Vladislav Surkov, da administração presidencial, t a m b é m estava
presente. Ele é a pessoa a q u e m o RU deve sua maioridade constitu-
cional, um projetista de partidos políticos, escorregadio e perigoso.
V l a d i m i r R i z k h o v , * c a n d i d a t o i n d e p e n d e n t e d a região d e
Altai, anunciou que pretende questionar a composição da D u m a
nos tribunais. "O eleitorado não deu ao RU um m a n d a t o para u m a
maioria constitucional." E mesmo? B e m , e o que você vai fazer a
este respeito? Vivemos em u m a época em que as autoridades do
Estado não têm vergonha n e n h u m a .
Sergei Choigu, ministro para Situações de Emergência e alto
funcionário do R U , e certamente não um dos mais estúpidos, p r o -
pôs subitamente que "o RU deve se tornar o partido que dê respal-
do público para o c u m p r i m e n t o das decisões do presidente".
Afinal, Irina Khakamada poderá concorrer à presidência.Todos
os democratas e liberais estão c o n d e n a n d o - a a n t e c i p a d a m e n t e ,
UM DIÁRIO RUSSO 55
dizendo que o governo lhe ofereceu um acordo para que haja pelo
m e n o s u m o p o n e n t e i n t e l i g e n t e para P u t i n d e r r o t a r . V i k t o r
Gerachenko, ex-diretor do Tsentrobank e hoje deputado pelo par-
tido R o d i n a , t a m b é m decidiu concorrer.
30 de dezembro
Irina Khakamada c o n f i r m o u sua candidatura. Ela pensou durante
24 horas depois que um g r u p o lobista lhe fez a proposta. Será que
o grupo foi enviado pelo Kremlin?
Ela t e m até 28 de janeiro para colher dois milhões de assinatu-
ras. Viktor G e r a c h e n k o não precisará colher assinaturas, porque o
R o d i n a é um partido c o m assentos na D u m a . O R o d i n a foi criado
porVladislav S u r k o v e é financiado p o r vários oligarcas. Sergei
Glaziev, t a m b é m do R o d i n a , concorrerá c o m o candidato indepen-
dente.
Putin precisava de concorrentes e os recebeu c o m o presente de
A n o - n o v o . Os novos candidatos declararam p r o n t a m e n t e que o
importante não é vencer, mas participar.
31 de dezembro
U m a triste despedida de 2 0 0 3 . As eleições para a D u m a foram uma
grande vitória para o absolutismo de Putin, mas p o r quanto t e m p o
se p o d e m construir impérios? Um i m p é r i o c o n d u z à repressão e
finalmente à estagnação e é para ela q u e estamos c a m i n h a n d o .
Nossos cidadãos foram exauridos pelos e x p e r i m e n t o s políticos e
e c o n ô m i c o s a eles i m p o s t o s . Eles q u e r e m m u i t o ter u m a vida
melhor, mas não q u e r e m ter de lutar por ela. Eles esperam que tudo
lhes venha de cima e, se o que vier for repressão, irão aceitá-la com
resignação. A piada mais popular na Internet: "E noite na Rússia.
Anões lançam sombras enormes."
Os telespectadores do programa Livre Debate da N T V votaram
para o R u s s o do A n o . E n t r e os n o m e s v o t a d o s , estavam o de
Vladislav Surkov (por causar a esmagadora vitória do R U ) ; o aca-
dêmico Vitali G i n z b u r g (prêmio N o b e l em 2 0 0 3 , pelo trabalho em
física quântica); o diretor Andrei Zviagintsev (cujo primeiro filme,
O retorno, g a n h o u o L e ã o de O u r o no Festival de C i n e m a de
56 A N N A POLITKOVSKAYA
4 de janeiro de 2004
A assembléia do Partido da Vida confirma a candidatura de Sergei
Mironov. Ele repete que espera que Putin vença.
Mironov é um dos suportes para a candidatura de Putin. N ã o
deixar nada ao acaso é u m a das principais características desta cam-
panha. Por que eles estão tão preocupados?
Na vila tchetchena de Berkat-Iurt, soldados russos seqüestra-
r a m Khasan Tchalev, q u e trabalha para a milícia tchetchena. Seu
destino é desconhecido.
UM DIÁRIO RUSSO 57
5 de janeiro
P u t i n realiza u m a r e u n i ã o do gabinete. " P r e c i s a m o s explicar as
prioridades do governo aos deputados da D u m a " , insiste ele repe-
tidamente. Ele não está de b o m h u m o r . A R e v o l u ç ã o da R o s a *
triunfou na Geórgia e Saakachvilli* está c o m e m o r a n d o a vitória.
Resultados provisórios sugerem que ele conquistou cerca de 85%
dos votos. Este é um apelo ao despertar para os dirigentes dos
outros países da C o m u n i d a d e de Estados I n d e p e n d e n t e s . * Todos
em volta da mesa c o m P u t i n estão muito conscientes disso. Há um
limite para o t e m p o em q u e se p o d e m pisar as pessoas. Q u a n d o elas
querem realmente mudanças, não há nada que se possa fazer para
impedi-las. Será que é disso que eles estão c o m m e d o ?
6 de janeiro
U l t i m o dia para q u e os candidatos apresentem seus documentos.
Kharitonov, Malichkin, G e r a c h e n k o e M i r o n o v foram propostos
por partidos c o m assentos na D u m a . Há agora seis candidatos i n d e -
p e n d e n t e s ( P u t i n , K h a k a m a d a , Glaziev, R i b k i n , A k s e n t i e v e
Brindalov). Khakamada t e m problemas c o m seus colegas políticos
de direita. N e m a U n i ã o de Forças de Direita n e m o Iabloko estão
c o m pressa para apoiá-la ou ajudar na coleta de assinaturas. Isso faz
dela u m a espécie de pária, fato que p o d e levar os russos a votarem
nela. Gostamos de párias, mas t a m b é m de vitoriosos. As pessoas
admiram Putin pela maneira c o m o ele consegue enganar todas as
pessoas. Perdem aqueles q u e estão no meio.
Hoje é a véspera do Natal ortodoxo russo, q u a n d o as pessoas
tradicionalmente dão presentes e fazem boas ações (mas não em
público). Putin foi de helicóptero para Suzdal. Ele precisa vencer
u m a eleição e assim sua vida pessoal é p r o p r i e d a d e pública. Em
Suzdal, ele c a m i n h o u pelas igrejas antigas, ouviu o canto das novi-
ças em um dos conventos e posou para as câmeras de televisão e,
sem dúvida, o b a n d o de jornalistas no início do serviço de Natal. A
filmagem da televisão foi arranjada para mostrar P u t i n sozinho c o m
a congregação de criancinhas e mulheres c o m seus lenços na cabe-
ça. N e n h u m guarda-costas à vista. Ele se persignou. Graças a Deus,
58 A N N A POLITKOVSKAYA
8 de janeiro
9 de janeiro
Isto r e a l m e n t e é n o v i d a d e para nós. Os i n t e r n o s do O r f a n a t o
Internacional em Ivanovo estão fazendo greve de fome. O orfana-
to foi fundado em 1933 para cuidar de crianças de muitos países
diferentes, cujos pais estavam em campos de prisioneiros de estados
" c o m regimes reacionários ou fascistas".
As crianças estão exigindo que o Orfanato Internacional seja
deixado em paz, q u e não seja dividido n e m privatizado e que seu
prédio não seja vendido. (Elas tiveram sucesso.)
10 de janeiro
Na aldeia tchetchena de Avturi, soldados não identificados rapta-
ram de sua casa Alan Davletukaev, defensor dos direitos humanos.
Os seqüestradores fugiram em três veículos blindados de transpor-
te de pessoal e dois jipes blindados U A Z .
13 de janeiro
Hoje é o Dia da Imprensa Russa. Em expectativa, o Instituto R o m i r
de pesquisa da opinião pública perguntou às pessoas: " E m que ins-
tituições sociais v o c ê mais confia?" N o v e p o r c e n t o confiam na
mídia, 1% confia em partidos políticos, 5 0 % confiam em Putin,
2 8 % não confiam em n i n g u é m , e 14% confiam na Igreja Ortodoxa
Russa. O governo e o exército ficaram c o m 9% cada. Os governos
municipais e os sindicatos ficaram c o m 3% e as forças da lei conse-
guiram 5%. É claro que as pessoas tinham liberdade para escolher
mais de u m a instituição e algumas o fizeram.
UM DIÁRIO RUSSO 63
Ivan R i b k i n t a m b é m respondeu:
DIÁRIO RUSSO 67
Sobre Dubrovka:
14 de janeiro
15 de janeiro
Em M o s c o u , há uma discussão sobre um novo livro-texto de histó-
ria. M e m b r o s do RU estão q u e r e n d o que Putin exija q u e sejam
UM DIÁRIO RUSSO 7
16 de janeiro
O corpo de Aslan Davletukaev, seqüestrado em sua casa em 10 de
janeiro, foi encontrado apresentando sinais de tortura. Ele levara
um tiro na nuca. O c o r p o foi achado na periferia de G u d e r m e s .
78 A N N A POLITKOVSKAYA
17 de janeiro
18 de janeiro
A Comissão Eleitoral Central está c o m e ç a n d o a receber assinaturas
dos defensores dos candidatos sem partido, mas ainda existe alguém
de fato contra Putin? Só Irina Khakamada.
D e n t r o do Partido Comunista, há um conflito entre os líderes,
Z i u g a n o v e Semigin, e eles não t ê m t e m p o para u m a batalha polí-
tica contra Putin. R o g o z i n , do R o d i n a , diz que quer apoiar Putin.
Glaziev ainda está indeciso.
O prazo final para a apresentação de assinaturas é 28 de j a n e i -
ro e faltam 35 dias para as eleições.
19 de janeiro
O C o m i t ê 2008, uma organização que defende eleições justas, mas
só espera consegui-las em 2008, publicou um manifesto no qual diz
q u e atualmente é " r e p u g n a n t e " viver na Rússia. C o m o se já não o
soubéssemos! O presidente do comitê é Gari Kasparov, o e x - c a m -
peão mundial de xadrez. Ele é inteligente e autoconfiante, o que é
u m b o m começo.
20 de janeiro
D u r a n t e a noite, pistoleiros mascarados em carros Jiguli brancos e
sem placas — a marca registrada das forças de Kadirov — raptaram
UM DIÁRIO RUSSO 81
21 de janeiro
Irina Khakamada fez um apelo público p o r fundos j u n t o à elite
empresarial russa. Leonid Nevzlin, amigo de Khodorkovski, ofere-
ceu-lhe apoio. T c h u b a i recusou.
Aqueles q u e s o b r e v i v e r a m ao C e r c o de L e n i n g r a d o estão
começando a receber medalhas e pagamentos para marcar o sexa-
gésimo aniversário da suspensão do cerco. Estão recebendo entre
450 e 900 rublos [US$16 e 34]. Os sobreviventes são pobres e em
São Petersburgo h o u v e fila durante muitos dias para receber. No
total, cerca de 300 mil pessoas tinham o direito de receber esta
n i n h a r i a , mas s o m e n t e 1 5 mil c o n s e g u i r a m . O s sobreviventes
detestam as novas medalhas, que c o n t ê m a inscrição " R e s i d e n t e na
Leningrado Sitiada" e "Pela Defesa de Leningrado". A Fortaleza de
Pedro e Paulo é mostrada de u m a perspectiva inimaginável e arma-
dilhas p a r a ' t a n q u e s , q u e n u n c a existiram, a p a r e c e m nos aterros.
Tudo foi feito ao estilo soviético. Goste dele ou agregue-o.
24 de janeiro
Em Grozni, pessoas não identificadas vestindo roupas de camufla-
gem e dirigindo um j i p e militar U A Z raptaram Tur pai Baltebiev, 23
anos, do p o n t o de ônibus do H i p ó d r o m o . Seu paradeiro é desco-
nhecido.
27 de janeiro
Putin está em São Petersburgo. Sua campanha eleitoral continua
c o m o pano de fundo do sexagésimo aniversário da suspensão do
C e r c o de L e n i n g r a d o . Ele v o o u até Kirovsk, local da lendária
C a b e ç a - d e - p o n t e do Neva, o n d e seu pai,Vladimir Spiridonovitch
Putin, combateu e foi gravemente ferido. Foi a partir da Cabeça-
de-ponte do Neva que, em 18 de janeiro de 1943, foi levantado o
S2 A N N A POLITKOVSKAYA
C o l h i quatro m i l h õ e s de assinaturas em a p o i o à m i n h a
candidatura;
Estou preparada para ser a rolha que salta da garrafa que
confina o espírito da vontade dos cidadãos russos.
28 de janeiro
Às 18:00, a Comissão Eleitoral Central deixou de aceitar assinatu-
ras de partidários dos candidatos presidenciais. P u t i n , M i r o n o v e
R i b k i n já haviam apresentado as suas. Khakamada entregou a dela
às 1 5 : 0 0 . 0 empresário A n z o r i Azsentiev enviou u m a carta retiran-
do sua candidatura.
Há alternativas: K h a k a m a d a para os favoráveis ao O c i d e n t e ,
Kharitonov para os comunistas, Malichkin para os radicais políticos
e rufiões, Glaziev para aqueles que acreditam no nosso status de
superpotência.
29 de janeiro
Vladimir Potanin c o n t i n u a tentando se posicionar c o m o " b o m "
oligarca — isto é, não comparável a Khodorkovski. Está p r o p o n d o
uma reforma no sindicato dos oligarcas: "As empresas constituem
uma força construtiva. Precisamos de um diálogo novo e significa-
tivo c o m as autoridades do Estado. As empresas devem levar em
conta as necessidades da sociedade, devem explicar q u e m somos."
Ele também fala de m o d e r a r as ambições dos oligarcas e diz que as
grandes empresas n ã o necessitam de representação nos principais
conselhos do país.
Potanin r e c e b e u h o r á r i o n o b r e na televisão para dizer isso.
Todos acham que ele recebeu a bênção do p r ó p r i o Putin.
S4 A N N A POLITKOVSKAYA
2 de fevereiro
Pela televisão, P u t i n reduz o preço do pão usando o velho m é t o d o
soviético de parar as exportações de grãos. Por que estamos expor-
tando, se o país está c o m fome? N ã o há n i n g u é m para fazer essa
pergunta, pois a oposição não tem acesso à mídia. P u t i n ouve rela-
tórios de que em muitas regiões o custo do pão d o b r o u no último
mês e exige que essas altas de preços descontroladas sejam detidas
imediatamente.
Na televisão, ele p r o m e t e analisar os pagamentos de pensões
para pessoas incapacitadas na infância durante a Segunda Guerra
Mundial. Zurabov, o ministro da Saúde e do Bem-estar Social, diz-
lhe que está bastante seguro de que a legislação necessária será rapi-
d a m e n t e aprovada em t o d o s os trâmites na D u m a . E c o m o se a
D u m a não tivesse outras leis para aprovar. Tudo que interessa são as
exigências do presidente para sua campanha eleitoral, que parece
consistir em uma constante distribuição de esmolas.
Ao m e s m o t e m p o , Z u r a b o v fala c o m Putin sobre pensões para
padres. Putin t e m um grande interesse pelo bem-estar dos padres!
Z u r a b o v l e m b r a q u e , antes d a q u e d a d a U R S S , o s padres n ã o
tinham direito a pensões.
Em vez de verdadeiros debates pré-eleitorais, temos mais um
episódio da novela política que é o partido R o d i n a : u m a furiosa
briga entre R o g o z i n e Glaziev em vez de debates sobre o futuro do
país. R o g o z i n ofende Glaziev, este responde c o m um a m o n t o a d o
de bobagens e n i n g u é m fala do que Putin poderia ter a oferecer em
um segundo mandato. Quase n e n h u m dos candidatos supostamen-
te oponentes de Putin t e m alguma idéia.
E m M o s c o u , I e l e n a T r e g u b o v a quase foi m o r t a p o r u m a
p e q u e n a b o m b a plantada em seu prédio.Teria sido obra de desor-
deiros? Ela publicou r e c e n t e m e n t e um livro a n t i - P u t i n , Tales of a
Kremlin Digger (Contos de um escavador do Kremlin). Acredita-se que
Tregubova tenha sido a m a n t e de Putin. Ela foi m e m b r o da e q u i -
pe de imprensa do Kremlin, mas então viu a luz e escreveu um
livro a respeito da vida íntima do Kremlin, q u e mostra os fatos
sob u m a luz desfavorável. [Tregubova emigrou da Rússia p o u c o
t e m p o depois.]
UM DIÁRIO RUSSO 85
3 de fevereiro
Por volta das 17:00, h o u v e um ataque terrorista em Vladikavkaz.
Cadetes militares tiveram seu carro Jiguli explodido q u a n d o ultra-
passavam um caminhão. U m a mulher m o r r e u e 10 pessoas ficaram
feridas. Um dos cadetes está em estado crítico.
4 de fevereiro
Em Grozni, h o m e n s armados não identificados, usando máscaras e
roupas de camuflagem, raptaram Satsita Kamaeva, 23 anos, de sua
residência na rua Aviatsionnaia. Seu paradeiro é desconhecido.
E n q u a n t o isso, em M o s c o u , dizem que o quartel-general da
campanha eleitoral de P u t i n foi montado, mas é tão virtual quanto
o próprio Putin. O endereço é Praça Vermelha, 5, só que ninguém
p o d e entrar. P u t i n n o m e o u c o m o líder de sua e q u i p e eleitoral
Dmitri Kozak, primeiro subchefe da administração presidencial e
encarregado das reformas judiciária e administrativa. Kozak tem a
fama de ser o m e m b r o mais inteligente do g o v e r n o , depois de
Putin, é claro. C o m o Putin, ele é formado na Faculdade de Direito
da Universidade de Leningrado. Lá ele trabalhou no Gabinete do
Procurador e na Prefeitura de São Petersburgo e, em 1989, foi vice-
governador de São P e t e r s b u r g o . Em outras palavras, p e r t e n c e à
Brigada de P u t i n de São Petersburgo.
A Liga de C o m i t ê s de Mães de Soldados formará um partido
político. Na Rússia, os partidos nascem por três motivos: porque há
muito dinheiro em algum lugar, porque alguém não t e m nada de
melhor para fazer ou p o r q u e alguém foi levado ao desespero. O
Partido das Mães de Soldados é inteiramente fruto das eleições par-
lamentares de 7 de d e z e m b r o , nascido na selva de u m a política russa
destituída de todas as forças democráticas.
"Agora estamos suficientemente maduras para fundar um par-
tido", diz Valentina Melnikova, presidente do c o m i t ê organizador.
Temos conversado a este respeito há m u i t o t e m p o , mas anterior-
mente podíamos contar c o m o apoio da U n i ã o de Forças de D i -
reita e do Iabloko na nossa campanha pela reforma do Exército,
para ajudar soldados, pela abolição do serviço militar obrigatório e
por iniciativas do legislativo. Iavlinski e N e m t s o v ainda participa-
86 A N N A POLITKOVSKAYA
5 de fevereiro
Em T c h e r e m k h o v o , na província de Irkutsk, 17 trabalhadores do
Setor n° 1 da Administração de Serviços Residenciais Comunais
entraram em greve de fome. Eles exigem o p a g a m e n t o de seus salá-
rios, que estão seis meses atrasados.Têm a receber um total de cerca
de 2 milhões de rublos [US$75.000]. Estão seguindo o exemplo de
seus colegas em o u t r o setor, que tiveram de recorrer a uma greve
de fome p o r três dias para conseguir receber os salários atrasados.
H o u v e e m M o s c o u u m a reunião d o F ó r u m Aberto, u m even-
to c o m a participação de analistas políticos; não necessariamente os
mais importantes, mas pessoas respeitáveis q u e estiveram envolvi-
das, c o m o conselheiros políticos, em todas as eleições nacionais e
regionais. Eles concordaram em um p o n t o i m p o r t a n t e : nos quatro
anos do governo P u t i n , a modernização da Rússia foi superada pela
meta de fortalecer o p o d e r de uma pessoa. Aqueles a ela associados
não constituem u m a classe n e m um partido, mas apenas pessoas
que estão " e m sintonia c o m Putin". Os analistas t a m b é m c o n c o r -
daram que o m o d e l o de democracia gerenciada não funciona.
6 de fevereiro
8:32: três meses depois do ataque terrorista p e r t o do Nationale
Hotel, h o u v e u m a explosão no m e t r ô de M o s c o u , na interseção
entre as linhas Paveletskaia e Avtozavodskaia-Zamoksvoretskaia. O
trem se dirigia ao centro da cidade durante o h o r á r i o de rush q u a n -
do uma b o m b a explodiu perto da primeira porta do segundo
vagão. O dispositivo havia sido colocado 15 cm acima do nível do
piso, dentro de um saco. Depois da explosão, o impulso do trem
ainda o fez percorrer mais 300 metros e teve início um forte incên-
dio.Trinta pessoas m o r r e r a m no local e outras nove morreram mais
tarde em conseqüência das queimaduras. Há 140 feridos. Há deze-
nas de pequenos fragmentos de corpos, não identificáveis. Mais de
700 pessoas saíram do túnel, tendo providenciado elas próprias a
evacuação, na ausência de qualquer assistência. Nas ruas, há caos e
medo, as sirenes uivantes dos serviços de emergência, milhões de
pessoas aterrorizadas.
As 10:44, mais de duas horas depois da explosão, foi implanta-
do o Plano C o n t i n g e n c i a l Volcano-5 para capturar os culpados.
UM DIÁRIO RUSSO 93
7 de fevereiro
Foram abertos nove centros de doação de sangue em Moscou. Há
uma necessidade urgente de todos os g r u p o s sangüíneos para as
128 vítimas da b o m b a que p e r m a n e c e m hospitalizadas.
Mas o n d e estão os detectores de explosivos no metrô? O n d e
estão as patrulhas? N ó s , russos, somos irresponsáveis por natureza,
sempre v e n d o conspirações contra nós. N u n c a nos i n c o m o d a m o s
em a c o m p a n h a r qualquer coisa até sua conclusão; apenas espera-
mos pelo melhor. A polícia verifica passaportes no metrô, mas sem
dúvida os terroristas certificam-se de q u e seus documentos estejam
em ordem. A polícia prende um tajique faminto, que não consegue
emprego na sua terra natal e veio cavar nosso solo congelado p o r -
que não q u e r e m o s fazer isso. Os soldados lhe tiram seus últimos
100 rublos e d e i x a m - n o ir. O n d e estão os órgãos de segurança que
deveriam responder pelo fato de o ataque ter tido sucesso? O n d e
esta o pessoal de segurança? Milhares de recrutas famintos das
Tropas do I n t e r i o r foram trazidos para guardar M o s c o u . Isso é
bom. Pelo m e n o s eles serão pagos e p o d e r ã o comer. Pelo m e n o s
não estão em seus quartéis.
Mas " m e d i d a s " c o m o essas são ineficazes, são uma mera reação.
Tão logo as pessoas c o m e c e m a esquecer esse pesadelo, tudo volta-
ra a ser c o m o antes. O escritor e jornalista Alexander Kabakov
96 A N N A POLITKOVSKAYA
9 de fevereiro
Ainda não foram dados detalhes sobre o tipo de b o m b a usado no
metrô, n e m da composição do seu explosivo. Putin continua r e p e -
tindo, c o m o fez depois do desastre de Nord-Ost, que ninguém d e n -
tro da Rússia era responsável. Tudo foi planejado no exterior.
Foi decretado um dia de luto para os q u e morreram, mas as
emissoras de televisão não o observam. Músicas populares em volu-
me alto e comerciais marcadamente alegres nos deixam envergo-
nhados. C e n t o e cinco pessoas ainda estão hospitalizadas. Duas das
que m o r r e r a m estão sendo enterradas hoje. U m a delas é Alexander
Ichumkin, um tenente das Forças Armadas de 25 anos, nascido na
província de Kaluga, o n d e será e n t e r r a d o . F o r m o u - s e na
Universidade B a u m a n e começou a servir c o m o oficial. Em 6 de
fevereiro, estava voltando a N a r o - F o m i n s k , o n d e sua unidade está
estacionada. Ele havia v i n d o a M o s c o u para conseguir peças de
reposição para um veículo e tinha aproveitado a oportunidade para
visitar alguns amigos da universidade. Naquela manhã, ele pegou o
metro para ir à Estação Kiev, c o m u m a baldeação em Paveletskaia.
C o m o Alexander não voltou, sua m ã e supôs que ele tivesse perdido
o trem - p o u c o antes de ir para o m e t r ô , ele havia telefonado para
dizer que estaria de volta às 11:00. Seu tio Mikhail, que não conse-
guia acreditar naquilo, identificou o c o r p o no necrotério. O pai de
Alexander havia sido m o r t o sete anos antes e, desde então, o tio
98 A N N A POLITKOVSKAYA
10 de fevereiro
Em M o s c o u , foram enterradas mais 13 pessoas mortas na explosão
no metrô. O u t r a s 29 p e r m a n e c e m em estado grave. O n ú m e r o de
mortos subiu para 40; mais u m a pessoa m o r r e u nas últimas 24
horas.
R i b k i n foi e n c o n t r a d o . U m e p i s ó d i o m u i t o estranho. A o
meio-dia, ele r o m p e u o silêncio na rádio e anunciou que estava em
Kiev. Disse q u e havia tirado uns dias de folga c o m amigos e que,
afinal, um ser h u m a n o t e m o direito a u m a vida privada! Ksnia
Ponomariova p r o n t a m e n t e demitiu-se da liderança da sua equipe
eleitoral. Sua m u l h e r está chocada e recusa-se a falar c o m ele.Tarde
da noite, ele viajou para Moscou, p a r e c e n d o um semimorto e não
uma pessoa q u e se divertira c o m alguns dias de folga. R i b k i n obser-
vou que a folga havia sido mais dura do q u e negociar c o m os t c h e t -
chenos. Ele usava óculos femininos e estava escoltado por um e n o r -
me guarda-costas.
" Q u e m o estava detendo?", perguntaram, mas não houve res-
posta. R i b k i n t a m b é m se recusou a falar c o m os investigadores do
G a b i n e t e d o P r o c u r a d o r q u e a n d a r a m p r o c u r a n d o p o r ele.
Enquanto pegava o avião de volta para casa, sua mulher deu u m a
entrevista à agência noticiosa Interfax dizendo que "sentia pena de
um país q u e tinha pessoas c o m o aquela c o m o seus líderes". Ela
estava se referindo ao marido.
Mais tarde, foi anunciado que R i b k i n poderia retirar sua c a n -
didatura.
O n o v o livro de G r e g o r i Iavlinski, Capitalismo periférico (na
Rússia), foi lançado em Moscou. Foi publicado em russo, mas c o m
dinheiro ocidental. O livro trata do " m o d e l o autoritário de m o d e r -
n i z a ç ã o " , q u e Iavlinski c o n s i d e r a inviável. Apesar desse livro,
Iavlinski efetivamente desistiu da luta contra Putin.
Em São P e t e r s b u r g o , skinheads esfaquearam até a m o r t e a
menina K h u r c h e d a Sultanova, de n o v e anos, no pátio do p r é d i o
onde morava sua família. Seu pai, Iusuf Sultanov, c o m 35 anos, um
tajique, trabalhava em São Petersburgo havia muitos anos. N a q u e l a
noite, ele estava t r a z e n d o os filhos do p a r q u e Iusupov q u a n d o
alguns j o v e n s agressivos c o m e ç a r a m a segui-los. Em um t r e c h o
escuro p e r t o do prédio, os jovens os atacaram. Khurcheda levou
100 A N N A POLITKOVSKAY
11 de fevereiro
C o n t i n u a a novela O Candidato Ribkin. Ele faz declarações cada vez
mais espantosas. Um e x e m p l o : " D u r a n t e aqueles dias, experimentei
a Segunda Guerra Tchetchena." N i n g u é m acredita nele. Os b r i n c a -
lhões p e r g u n t a m : " H á um direito h u m a n o a dois dias de vida p r i -
vada em Kiev?"
Antes disso, R i b k i n era considerado u m a pessoa meticulosa,
avessa a farras, altamente responsável, que bebia p o u c o e era até um
p o u c o chata. "Dois dias em Kiev" não se encaixam no personagem.
Então o q u e realmente aconteceu na Ucrânia?* E foi lá que a c o n -
teceu? R i b k i n disse que, depois q u e desapareceu, passou a l g u m
t e m p o na província de M o s c o u , no R e t i r o Woodland, u m a casa
para hóspedes da administração presidencial. Depois foi levado de
lá e, q u a n d o de novo pôde contar o n d e estava, era Kiev. R i b k i n
t a m b é m disse que aqueles que o controlavam forçaram-no a ligar
UM DIÁRIO RUSSO 1D1
12 de fevereiro
Putin está elevando em 250% a remuneração daqueles que "traba-
lham dentro da zona da operação antiterrorista".Talvez isso c o n d u -
za a m e n o s pilhagens na Tchetchênia.
R i b k i n ainda está oscilando. Foi a Londres consultar Berezovski.
Ele parece determinado a concluir sua implosão política à vista do
público. Por que na Rússia é tão fácil derrubar a oposição d e m o -
crática? E alguma coisa na própria oposição. N ã o é que o adversa-
UM DIÁRIO RUSSO 105
rio que ela está confrontando seja forte demais, embora este seja
um fator importante. O principal é q u e a oposição carece de u m a
determinação inflexível para se opor. Berezovski é um m e r o j o g a -
dor não um combatente, e aqueles que se alinham c o m ele t a m -
b é m não são combatentes. N e m t s o v está apenas j o g a n d o e Iavlinski
sempre parece ter sido ofendido p o r alguma coisa.
Alexander Litvinenko, em Londres, e Oleg Kalugin, em
Washington, dois ex-agentes da K G B / F S B que r e c e b e r a m asilo
político no Ocidente, sugeriram q u e u m a substância psicotrópica
denominada SP117 p o d e ter sido usada em R i b k i n . Esse c o m p o s -
to era usado nas seções de contra-inteligência do FSB e em unida-
des de combate ao terrorismo, mas somente em casos excepcionais
com "alvos importantes". O SP117 é um soro da verdade q u e age
em partes específicas do cérebro, i m p e d i n d o que a pessoa tenha
pleno controle de sua m e n t e . Ela conta t u d o o que sabe. De acor-
do c o m Litvinenko, " Q u a n d o u m a pessoa está sob a influência do
SP117, você p o d e fazer c o m ela o que quiser e ela será incapaz de
lembrar em detalhes ou explicar de forma coerente o q u e a c o n t e -
ceu, c o m q u e m esteve ou o q u e disse. O SP117 consiste em dois
componentes, a droga e o antídoto. Primeiro, é ministrada a droga.
Duas gotas são adicionadas a qualquer bebida e, quinze m i n u t o s
depois de tê-la ingerido, a vítima perde completamente o controle
de si mesma, possivelmente p o r várias horas. O efeito p o d e ser p r o -
longado p o r pequenas doses adicionais da droga. Q u a n d o as infor-
mações necessárias foram extraídas, a vítima recebe o antídoto, dois
comprimidos dissolvidos em água, chá ou café. Depois de cerca de
dez m i n u t o s , ela volta à n o r m a l i d a d e . Há u m a total p e r d a de
memória. A vítima sente-se abalada. Se a droga tiver sido ministra-
da durante vários dias, a pessoa p o d e sentir pânico e c h o q u e pelo
fato de a q u e l e p e r í o d o de sua vida ter sido o b l i t e r a d o da sua
m e m ó r i a e será incapaz de e n t e n d e r o que lhe aconteceu".
13 de fevereiro
Será que a D u m a tem alguma influência? Putin quis que ela elegesse
Vladimir Lukin, ex-Iabloko e liberal conhecido, c o m o ombudsman
de Direitos Humanos antes da eleição presidencial. O RU ehminou
todos os obstáculos e, embora o R o d i n a e o Partido Comunista tives-
sem dito que iriam boicotar a votação, a nomeação foi aprovada.
108 A N N A POLITKOVSKAYA
14 de fevereiro
15 de fevereiro
A família Sultanov, da garotinha K h u r c h e d a , assassinada p o r ski-
nheads em São Petersburgo, a b a n d o n o u a Rússia e voltou para o
Tadjiquistão. Eles levaram um p e q u e n o esquife c o n t e n d o os restos
da criança.
O FSB está encarregado de investigar a explosão no m e t r ô .
Exigiu imediatamente novos poderes, comparando a situação c o m
a dos Estados U n i d o s depois de 11 de setembro.
Nossa guerra do norte contra o sul continua. N i n g u é m imagi-
na q u e esse seja o último ataque terrorista, n e m duvida de q u e os
t c h e t c h e n o s estiveram por trás dele. A maioria das pessoas apoia
represálias. Setenta e cinco p o r c e n t o dos russos são a favor da
expulsão de todos os caucasianos. Mas para onde? O Cáucaso ainda
faz parte da Rússia.
H o j e é o d é c i m o q u i n t o a n i v e r s á r i o da nossa retirada do
Afeganistão. A data é vista c o m o o m a r c o do fim da Guerra Afegã,
mas já havíamos lançado as sementes para o desenvolvimento do
terrorismo. Exatamente c o m o os americanos c o m Bin Laden: ele é
o que é hoje p o r q u e a Guerra Afegã foi o que foi.
16 de fevereiro
Foram m o n t a d o s centros para doação de sangue para as vítimas do
desastre do Aqua Park. Estamos c o m e ç a n d o a saber o que fazer nes-
sas situações.
Os acionistas da Iukos declararam estar preparados para resga-
tar K h o d o r k o v s k i do Estado. L e o n i d N e v z l i n (braço direito de
Khodorkovski na Iukos), que fugiu para Israel, anunciou q u e estão
dispostos a entregar suas participações em troca da liberdade para
ele e Platon Lebedev ( C E O do M e n a t e p Bank, que era o principal
acionista da Iukos, que cumpre sentença de oito anos p o r alegação
de evasão fiscal).
O p r ó p r i o Nevzlin possui 8% das ações do M e n a t e p G r o u p .
Ele disse q u e a oferta também é apoiada p o r Mikhail B r u d n o (7%)
e Vladimir D u b o v (7%).
Khodorkovski expressou do presídio sua indignação e recusa-
se a ser resgatado. Ele decidiu beber sua taça até o fim.
UM DIÁRIO RUSSO 1 11
17 de fevereiro
A rede de televisão N T V está se recusando a liberar t e m p o no ar
para a campanha eleitoral e os debates dos " o u t r o s " candidatos pre-
sidenciais. Ela alega que eles estão c o m baixa classificação nas pes-
quisas de opinião e n i n g u é m assistirá aos programas. P o d e ser que
um país tenha os candidatos q u e m e r e c e , mas eles p e l o m e n o s
deveriam ter o direito de falar. N ã o há dúvida de que a decisão da
empresa foi tomada por pressão do Kremlin.
Em M o s c o u , o c o m i t ê de apoio a Khakamada se reuniu no
elegante e caro Berlin C l u b . Khakamada disse:"Estou partindo para
esta eleição c o m o se fosse para o cadafalso e c o m um ú n i c o objeti-
vo: mostrar às autoridades do Estado que existem pessoas normais
na Rússia, que sabem exatamente o que querem." Isso é b o m . Ela
está p r o c u r a n d o m o s t r a r q u e o m e d o ainda n ã o c o n q u i s t o u a
Rússia, o que seria uma vitória incondicional de Putin.
O RU t a m b é m realizou u m a reunião da "intelligentsia d e m o -
crática" em apoio a Putin que, disseram, está sofrendo ataques de
seus oponentes. Entre os defensores de Putin estavam a veterana
cantora Larisa Dolina, o diretor de cinema e teatro M a r k Zakharov,
o ator Nikolai Karatchentsev e a diretora de circo Natalia Durova.
Eles haviam recebido u m a carta pedindo que "defendessem a honra
e a dignidade do p r e s i d e n t e " e o b e d i e n t e m e n t e responderam ao
apelo. Foi m e n c i o n a d o de passagem que o n ú m e r o de m e m b r o s do
RU chegou a 740 mil e q u e mais de dois milhões de "partidários"
foram registrados, e m b o r a não tenha sido dada n e n h u m a explica-
ção quanto ao que isso significa. O RU enfatizou q u e seu propósi-
to c o m o partido político é dar apoio ao presidente. N a d a de polí-
ticas, n e m ideais, n e m programas de reformas: apenas um indivíduo.
A Comissão Eleitoral Central registra alegremente que mais de
200 observadores internacionais já foram oficialmente credenciados
Para a eleição de 14 de março. No total, são esperados cerca de 400.
A D u m a contribui c o m sua parcela para as tentativas patéticas
de c o m b a t e ao t e r r o r i s m o . Os poderes da polícia secreta e dos
espiões serão ampliados e foram adotadas e m e n d a s ao C ó d i g o
Penal para elevar as p u n i ç õ e s para h o m e n s - b o m b a . A g o r a eles
poderão pegar prisão p e r p é t u a ! Parece p o u c o provável que essa
naedida possa dissuadir q u e m queira acertar desta maneira suas c o n -
112 A N N A POLITKOVSKAYA
19 de fevereiro
Sergei Mironov participou pela primeira vez dos debates pela tele-
visão.Todos imediatamente se concentraram nele, c o m o se ele fosse
Putin, mas M i r o n o v recusou-se a ser sacrificado.
"E claro que você é Putin!", disse Khakamada."Por que, depois
de todos os atos terroristas, Grislov foi promovido, q u a n d o deveria
ser demitido?"
" N ã o sou r e p r e s e n t a n t e d o c a n d i d a t o P u t i n ! " , r e s p o n d e u
Mironov.
" E n t ã o responda c o m o a terceira pessoa na hierarquia de poder
do Estado", prosseguiu Khakamada.
Mas Mironov recusou-se a responder. Esse é d tipo de debate
q u e t e m o s . N i n g u é m os leva a sério. Eles são t r a n s m i t i d o s de
m a n h ã m u i t o cedo.
A Comissão Eleitoral Central recusou permissão a R i b k i n para
participar de debates de Londres. N i n g u é m permitirá q u e R i b k i n
lave a roupa suja de P u t i n ao vivo na televisão.
21 de fevereiro
E m V o r o n e j , Amat A n t o n i u Lima, 24 anos, aluno do primeiro ano
na Academia Médica de Voronej, m o r r e u depois de ser esfaqueado
17 vezes. Ele era de Guiné-Bissau. É o sétimo assassinato de um
estudante estrangeiro em Voronej nos últimos anos. Os assassinos
são skinheads.
UM DIÁRIO RUSSO 113
22 de fevereiro
Há uma especulação crescente de que todos os candidatos, c o m
exceção de M a l i c h k i n e M i r o n o v (e P u t i n ) , p o d e r ã o se retirar
s i m u l t a n e a m e n t e da eleição. Glaziev já a n u n c i o u sua retirada.
R i b k i n está prestes a fazê-lo e t a m b é m Khakamada. A imprensa
favorável a Putin diz q u e se trata de um plano para salvar sua ima-
gem política, p o r q u e eles terão porcentagens diminutas da votação
em 14 de março.
24 de fevereiro
Putin demitiu seu ministério ao vivo na televisão, 19 dias antes da
eleição. De acordo c o m a Constituição, o presidente recém-eleito
nomeia um novo ministério e, neste ponto, o ministério anterior se
retira. A razão para a demissão não foi revelada. O ministério não
foi acusado de nada, e m b o r a haja muitas razões para isso, e a única
explicação dada é que P u t i n quer ir para o eleitorado sem másca-
ras, para que todos saibam c o m q u e m ele irá trabalhar depois da
eleição. Os ministros demitidos falam na televisão da alegria c o m a
qual e n c h e r a m seus corações q u a n d o s o u b e r a m da demissão. O
Kremlin demonstrou para o eleitorado que nossas eleições são um
completo fingimento e q u e o ministério é p u r a m e n t e ornamental.
A qualquer m o m e n t o , p o r opção do assessor de imprensa, ele pode
ser afastado.
E importa alguma coisa q u e m Putin n o m e a r para p r i m e i r o -
ministro, no lugar de Kasianov, ou q u e m está no ministério? Não.
Tudo no país d e p e n d e da administração presidencial. A demissão
pareceu uma operação especial. Ela foi feita em sigilo total. N ã o
houve vazamentos. Foi c o m o se eles estivessem efetuando um ata-
que militar a um alvo específico e não apenas d e m i t i n d o ministros.
Em sua maioria, os ministros souberam que estavam demitidos pela
televisão.
I 14 A N N A POLITKOVSKAYA
junta a participar das eleições e seu apelo aos eleitores para que
não participem são estratégica e m o r a l m e n t e justificáveis.
N ã o h o u v e n e n h u m a reação a o apelo d e B o n n e r . N e n h u m
comentário, n e m raios e trovões. Nada.
26 de fevereiro
As pessoas estão c o m e ç a n d o a rir baixinho de Putin, até mesmo na
televisão. H o j e ele está em Khabarovsk, p a r e c e n d o p o m p o s o e
imperial c o m o um rei de contos folclóricos. Pela manhã, ele inau-
gurou a rodovia Khabarovsk-Tchita. Depois disso, conversou c o m
alguns veteranos de guerra, que lhe pediram mais dinheiro; assim,
ele elevou o s u p l e m e n t o do n o r t e para pensões. D e p o i s , passou
algum tempo c o m jovens jogadores de h ó q u e i em um novo estádio
de patinação no gelo.Viktor Fiodorov, o comandante da Frota do
Pacífico, havia expressado alarme diante da possibilidade de redu-
ções da força; assim, P u t i n t a m b é m anunciou q u e a Frota do Pacífico
não seria reduzida, p o r q u e "nosso p u n h o no Pacífico precisa ser
forte". Ele t a m b é m p r o m e t e u apoio para a base de submarinos em
Kamtchatka. (Ele deveria procurar ir até lá para ver pessoalmente as
condições da vila dos oficiais em Petropavlovsk-Kamtchatski.) A
seguir, o ministro em exercício dos Transportes, Vadim Morozov,
pediu a Putin quatro bilhões e m e i o de rublos [US$165 milhões]
para uma ligação ferroviária entre a Ferrovia Trans-Siberiana e a
Rodovia Baikal-Amur, e foi atendido. Sergei Darkin, empresário e
governador de P r i m o r i e , p e d i u três bilhões de rublos [US$109
milhões] para novos navios. Viacheslav Shtirov, o presidente de
Iakutia, pediu fundos para um oleoduto e gasoduto de Irkutsk até o
Extremo O r i e n t e e P u t i n prometeu concedê-los.
27 de fevereiro
A votação antecipada na eleição já c o m e ç o u para aqueles que esta-
rão e m alto-mar, e m aviões, e m expedições o u q u e m o r a m e m
regiões remotas e inacessíveis. Apesar dos resultados serem declara-
dos somente em 14 de março, as maiores fraudes irão ocorrer c o m
essas urnas de votos antecipados. É muito fácil.
29 de fevereiro
D u r a n t e toda a semana, ouvimos que o presidente estava consul-
tando as principais figuras do RU a respeito de q u e m indicar para
primeiro-ministro. Q u a s e todas as pessoas t ê m certeza de que isso é
apenas relações públicas e que n i n g u é m está sendo consultado a
respeito de nada.
Em M o s c o u , foi realizada uma "eleição presidencial" por m e n -
sagens de t e x t o . O resultado foi 6 4 % para P u t i n , 1 8 % para
Khakamada e 5% para Glaziev.
2 de março
Putin é exibido em todos os canais de televisão conversando com
o ator e diretor Iuri Solomin, a respeito do 250° aniversário, cm
2006, da ordem de Catarina, a Grande, sobre a criação de teatros na
UM DIÁRIO RUSSO 117
5 de março
Tudo está sendo r e d u z i d o ao absurdo. A n o m e a ç ã o de Fradkov
como primeiro-ministro pela D u m a merece um verbete no Livro
Guinness dos Recordes: 352 votos em favor do h o m e m que, quando
lhe perguntaram quais eram seus planos para o futuro, só conseguiu
murmurar: "Acabei de sair da sombra para a luz."
Fradkov é um h o m e m das sombras p o r q u e é um espião.Temos
um primeiro-ministro de terceira classe. Ele é até careca. Sua apa-
rência revela q u e se trata de um truque político. Ele foi escolhido
para que Putin, e só P u t i n , seja a figura de autoridade. Nada irá
mudar. Putin continuará a decidir.
Então, qual é a nova política? A resposta é: nada. Fradkov é um
executivo modesto, sempre pronto para realizar as tarefas ditadas
pelo Partido. N a d a mais, nada menos.
Ribkin retirou sua candidatura, sem dar n e n h u m a explicação
clara sobre o p o r q u ê . C o n t i n u a dando a impressão de estar mental-
mente perturbado.
Khakamada viajou a Nijni Novgorod, P e r m e São Petersburgo.
Nas suas aparições públicas, ela parece irritada e exausta, mas se esse
e
o estado em q u e está, ela faria melhor se não saísse. Kharitonov
foi a Tula. Malichkin está em Altai, mas mal p o d e j u n t a r suas pala-
vras. Mironov está em Irkutsk, mas não é capaz de dizer nada sem
anotações.
Quase todos os comentários na televisão a respeito dos candi-
tos dizem que é um escândalo eles ousarem competir c o m nosso
118 A N N A POL1TKOVSKAYA
8 de março
Dia Internacional da Mulher. De acordo c o m u m a velha tradição
do Kremlin, Putin r e ú n e mulheres que trabalham. Deve haver uma
m o t o r i s t a de trator, u m a cientista, u m a atriz e u m a professora.
Discurso decorado, u m a taça de champanhe, câmeras de televisão.
E o último m o m e n t o para os candidatos se retirarem da corri-
da. N i n g u é m o fez e seis p e r m a n e c e m na cédula: Malichkin, Putin,
Khakamada, Glaziev e Kharitonov. Muita cobertura de televisão é
dedicada aos primeiros votos por criadores de renas e pessoas que
trabalham em postos de fronteira.
9 de março
A partir de hoje é proibido fazer campanha e realizar pesquisas de
opinião pública, mas todos desistiram de fazer campanha depois da
nomeação de Fradkov. Parecia uma inutilidade.
10 de março
P u t i n está em todos os canais de televisão r e u n i d o c o m esportistas
para lhes p e r g u n t a r d o q u e necessitam para v e n c e r nos Jogos
Olímpicos de Verão. Eles necessitam de mais dinheiro. Putin p r o -
m e t e dá-lo.
11 de março
Há cinqüenta anos, Khruschov lançou a campanha pelo cultivo das
terras virgens da Sibéria e do Cazaquistão. P u t i n recebe figuras
UM DIÁRIO RUSSO 119
12 - 13 de março
Silêncio e apatia. N i n g u é m se incomoda em ouvir as besteiras na
televisão.Vamos apenas acabar c o m isso.
14 de março
Então, ele foi eleito. A votação foi m u i t o elevada, c o m o exigia a
administração presidencial. Bóris Grizlov, o orador da D u m a , sain-
do da cabine de votação, disse aos jornalistas: " H o j e é proibido fazer
campanha, mas antecipando sua curiosidade, direi que votei na pes-
soa que, nos quatro últimos anos, tem assegurado o desenvolvimen-
to estável da e c o n o m i a da Rússia.Votei em políticas claras como o
dia de hoje."
A noite, Alexander Vechniakov, diretor da Comissão Eleitoral
Central, informou ao povo russo que somente u m a infração à lei elei-
toral havia sido observada durante a eleição: "Estavam vendendo
vodca em um ônibus próximo dos distritos eleitorais em NijniTagil."
E m V o r o n e j , o C o n s e l h o Central de Saúde emitiu a O r d e m
n
114, alertando que n e n h u m hospital deveria admitir, durante o
horário de votação, n i n g u é m que não estivesse de posse do atesta-
do de voto fora do domicílio eleitoral.Todos os pacientes apresen-
taram o atestado, para que lhes fosse p e r m i t i d o estar doentes. O
mesmo processo se repetiu em R o s t o v - o n - D o n . No departamento
120 A N N A POLITKOVSKAYA
15 de março
Agora temos os n ú m e r o s oficiais: P u t i n obteve 71,22%. Vitória!
(Embora de Pirro.) Khakamada obteve 3,85; Kharitonov, 13,74;
Glaziev, 4 , 1 1 ; M a l i c h k i n , 2,23; Mironov, 0,76. A candidatura de
M i r o n o v se deveu totalmente à sua lealdade canina a Putin. Seu
resultado reflete isso. De m o d o geral, o conceito de dirigir o país
pelos mesmos m é t o d o s usados na condução da "operação antiter-
rorismo" foi justificado: L'Etat Cest Putin.
PARTE DOIS
A grande depressão
política da Rússia
6 de a b r i l
Todos sabem que não aceito suborno.' Ele não considerou a possi-
bilidade de p o d e r ser raptado. Depois de seu desaparecimento, fui
ao presidente Ziazikov e fiquei, um idoso, um juiz, esperando p o r
uma hora e meia. Ele me fez esperar e depois simplesmente passou
o recado, pela secretária, de que nada tinha a dizer para m i m . Isto
sem dúvida significa que ele sabe q u e m raptou Rashid."
No fim, os chefes de família cujos filhos tinham sido raptados
convocaram u m a reunião e exigiram q u e Ziazikov lhes dissesse
onde eles estavam e q u e m era o responsável pelos raptos. P o r é m ,
exatamente naquele m o m e n t o , Ziazikov estava a caminho de um
encontro c o m P u t i n em Sotchi, para relatar c o m o a Inguchétia
estava florescendo e lhe contar que 9 8 % do eleitorado haviam vota-
do " e m você,VladimirVladimirovitch".
A c o n s e q ü ê n c i a direta da c o l o c a ç ã o , na presidência da
Inguchétia, de um general do FSB q u e havia trabalhado para a
KGB soviética foi a organização da ilegalidade em grande escala e
sancionada pelo Estado. Ziazikov não é um fiador da lei mais digno
de confiança do que Putin, fato que, aliás, frustrou as esperanças de
muitas pessoas na Inguchétia, q u e estavam cansadas de desordem.
Em vez disso, Ziazikov tem presidido um afastamento da d e m o c r a -
cia, não apenas no sentido da autocracia, mas do t e r r o r i s m o de
Estado e da barbárie medieval.
Fui até meus colegas jornalistas locais para saber c o m o funcio-
na o sistema de censura da mídia nessas regiões distantes da a d m i -
nistração de P u t i n em Moscou. Por que, p o r exemplo, não há na
mídia local u m a só palavra a respeito das execuções extrajudiciais,
quando ocultar o problema só p o d e fazê-lo piorar?
Essa discussão mostrou-se difícil. Em primeiro lugar, n i n g u é m
falaria oficialmente. Em segundo, só p o d í a m o s falar em um carro,
longe de olhares curiosos, c o m o nos dias da U n i ã o Soviética. A p e s -
soa c o m q u e m falei vivia um estado de profunda depressão, q u e
Parece ser universal. Era o subeditor-chefe de um dos dois jornais
publicados na Inguchétia.
Por q u e todas essas precauções?", perguntei.
Se d e s c o b r i r e m que abri a b o c a , n ã o conseguirei e m p r e g o
nem de motorista de trator", respondeu ele, um h o m e m grisalho,
inteligente, um jornalista profissional.
130 A N N A POLITKOVSKAYA
7 de a b r i l
12 de abril
14 de abril
IMa Ucrânia, o primeiro-ministro Ianukovitch foi declarado suces-
sor do presidente K u t c h m a . Será o candidato das autoridades na
eleição presidencial. Será q u e P u t i n realmente apoiará Ianukovitch?
N ã o dá para acreditar.
O advogado Stanislav Markelov foi atacado à m e i a - n o i t e no
metrô de Moscou p o r cinco jovens. Eles gritavam: "Você fez dis-
cursos demais!" e "Você provocou isto" e n q u a n t o o espancavam,
roubaram seus d o c u m e n t o s e sua carteira de advogado, ignorando
os bens de valor.
Markelov é um advogado j o v e m e muito ativo. No caso contra
o ex-coronel Budanov, ele defendeu os interesses da família tchet-
chena de Elsa Kungaeva, estuprada e morta p o r Budanov. Por isso,
ficou sujeito a ataques constantes de "patriotas". Ele atuou na acu-
sação d o " C a s o d o C a d e t e " c o n t r a u m s o l d a d o federal, Sergei
Lapin, cujo c o d i n o m e na T c h e t c h ê n i a era "O C a d e t e " . Pela p r i -
meira vez em nossa história recente, um oficial foi c o n d e n a d o a 12
anos de prisão pelo r a p t o de um t c h e t c h e n o em G r o z n i , q u e a
seguir "desapareceu".
A polícia recusou-se a abrir um caso criminal para o ataque a
Markelov. Seus agressores e q u e m o r d e n o u o ataque c o n t i n u a m
desconhecidos.
16 de abril
Há novas evidências sobre o rapto de Rashid Ozdoev, procurador
assistente da Inguchétia, p o u c o antes da reeleição de Putin.
Foi enviada u m a carta aVladimir Ustinov, procurador-geral da
Rússia, por Igor O n i s c h e n k o . Ela foi recebida e registrada c o m o
b e m 1556 pela Secretaria do Gabinete do Procurador-geral para o
distrito Federal Sul em 16 de abril de 2004.
14M A N N A POLITKOVSKAYA
22-23 de abril
R e u n i ã o entre K u t c h m a e P u t i n na C r i m é i a . E o m o m e n t o em
que Putin decide se apoia ou não Ianukovitch. Até o m o m e n t o ,
parece que não irá fazê-lo, graças a Deus. Ianukovitch não foi c o n -
vidado para a reunião, e m b o r a esperasse sê-lo o t e m p o todo.
28 de abril
Às 11:20, na rua Staraia Basmannaia, em M o s c o u , um pistoleiro
profissional atirou em G e o r g i Tal à queima-roupa.Tal era um filho-
te do n i n h o de Ieltsin e havia sido, de 1997 a 2 0 0 1 , diretor do
Serviço Federal para R e c u p e r a ç ã o Financeira e Falências. Ele m o r -
reu no hospital esta noite, sem recuperar a consciência. Seu assassi-
nato faz parte de um processo de destruição dos envolvidos na redis-
tribuição dos principais ativos industriais da Rússia por meio de um
sistema organizado de falência de empresas. D u r a n t e os anos de Tal
como diretor, houve u m a realocação de propriedades por este meio,
principalmente nos setores de petróleo e alumínio. C o m Putin, m u i -
tas falências criminosas c o m e ç a r a m a ser investigadas. Esse é um
componente no caso da Ukos. O objetivo das investigações é realizar
uma nova redistribuição em favor de partidários de Putin.
Na verdade, o sistema de falências no governo Ieltsin era per-
feitamente legal e foi explorado p o r todos aqueles que são hoje as
pessoas mais ricas do país, os oligarcas que fizeram suas fortunas
com Ieltsin. Putin detesta a maioria deles. Poucas pessoas duvidam
de que Tal tenha sido assassinado para evitar q u e falasse dos princí-
pios sob os quais operava o Serviço de Falências. Ele simplesmente
sabia demais daqueles q u e hoje são muito influentes. O assassinato
de especialistas em insolvências p o r pistoleiros fazia parte do ramo
de falências na Rússia.
142 A N N A POLITKOVSKAYA
Fim de abril
Passamos por abril c o m a sensação de estar constantemente enga-
nados, u m a sensação q u e satisfez a muitas pessoas, q u e queriam
exatamente isso.
T a m b é m vivemos a expectativa de outra afronta, arranjada para
7 de maio: a posse de Putin para o segundo mandato. N ã o se podia
dizer exatamente q u e o ar estava cheio de expectativa. A maioria da
população, na verdade, não se interessa pela c e r i m ô n i a de posse,
n e m quer saber se ela acontece ou não.
Na véspera de eventos oficiais i m p o r t a n t e s , é tradicional a
Rússia fazer u m a pausa e refletir sobre o futuro. Seria de se esperar
q u e u m a posse levasse os principais participantes políticos a nos
contar quais são seus planos para o período entre hoje e 2007.
N ã o há nada disso. O silêncio total da oposição nos diz que ela
d e s a b o u . O fracasso para gerar q u a l q u e r n o v o m o v i m e n t o nos
conta que a "velha" oposição não estará em condições de lutar por
assentos na D u m a em 2007, n e m de indicar candidatos presiden-
ciais dignos de crédito em 2008. Também n i n g u é m acredita numa
revolução.
A T s I O M , unidade de pesquisa social do Kremlin, perguntou
ao público: "Se houvesse manifestações de massa em sua região em
UM DIÁRIO RUSSO 143
7 de maio
Posse de Putin no Kremlin. U m a demonstração do poder autocrá-
tico e da magnificência de nosso Primeiro Cidadão, de sua separa-
ção e do seu distanciamento.
Até m e s m o da própria esposa. D u r a n t e a transmissão ao vivo
pela televisão, os comentaristas chegaram a dizer: "Entre os convi-
dados para a c e r i m ô n i a solene da posse do presidente Putin está a
esposa de Vladimir Vladimirovitch, Liudmila Putina." É risível, é
claro, e as pessoas riram, mas não c o m muita alegria. Durante toda
a cerimônia, ela p e r m a n e c e u na áreaVIP, atrás de u m a cerca ao lado
da qual Putin c a m i n h o u pelo tapete v e r m e l h o .
Ele c h e g o u só, passou pela m u l h e r a c a m i n h o do p ó d i o e
depois voltou à Varanda do Czar para assistir à parada militar. O
tempo todo sozinho. N a d a de amigos, n e m família. O h o m e m está
louco. Esse é um sinal seguro de que ele não confia em ninguém,
uma característica fundamental da regra de Putin. A conclusão é a
certeza de que s o m e n t e ele, Putin, sabe o q u e é m e l h o r para o país.
Na realidade, nós não sabemos c o m o é a posse de um líder em
outros países. E u m a ocasião de c o m e m o r a ç ã o popular? Ou será
que é, c o m o na Rússia, meramente um embaraço?
9 de maio
A k h m e d - h a d j i Kadirov, o p r i n c i p a l a p a d r i n h a d o de P u t i n na
Tchetchênia, foi assassinado. Ele havia c o m p a r e c i d o à posse de
Putin e o n t e m p e g o u um avião de volta à Tchetchênia, sem ocul-
tar seu desprazer c o m o lugar a ele destinado pela equipe de Putin.
Ele ficou no segundo salão, não nas primeiras filas dos convidados
mais importantes, e considerou isso um p r e o c u p a n t e esfriamento
do
Primeiro Cidadão e m relação a ele.
Ele tinha b o n s motivos para ficar nervoso. P u t i n era sua única
es
perança de p o d e r e sobrevivência. Kadirov havia presidido o p r o -
!44 A N N A POLITKOVSKAYA
26 de maio
Putin fez seu discurso anual à Assembléia Federal. É assim que o
povo russo é i n f o r m a d o dos planos do p r e s i d e n t e para o a n o
seguinte. Ele estava em ótima forma e agressivo. Falou da socieda-
de civil c o m c o m p l e t o desprezo, afirmando q u e ela era toda cor-
rupta e que os defensores dos direitos h u m a n o s eram uma quinta
coluna financiada pelo Ocidente. Esta é u m a citação literal: "Para
algumas dessas organizações (da sociedade civil), a prioridade é
conseguir financiamentos de fundações estrangeiras influentes...
Quando há um problema c o m violações básicas dos direitos h u m a -
nos, de transgressão dos reais interesses do povo, as vozes dessas
organizações algumas vezes não são ouvidas. Isto não surpreende
ninguém. Elas não p o d e m morder a m ã o q u e as alimenta."
de direitos h u m a n o s " sob seu patrocínio. Isso não deu em nada, mas
a idéia era q u e aquela sociedade civil paralela, " d o nosso lado",
deveria ser financiada pelas empresas russas, pelos oligarcas. Eles se
recusaram, sem dúvida pensando no destino de Khodorkovski, que
estava preso p o r ter financiado organizações não-governamentais.
Por que P u t i n m o n t o u de repente esse assalto às associações de
direitos humanos? No verão de 2004, depois do colapso dos parti-
dos democráticos e liberais, parecia claro que, se a oposição fosse se
cristalizar em algum lugar, seria em t o r n o da comunidade de direi-
tos h u m a n o s , c o m o no período soviético. Foi p o r isso que Putin
difamou essas organizações na sua mensagem; p o r q u e estava ansio-
so para desacreditá-las.
Em maio, os democratas p e r m a n e c e r a m quietos. A ascensão de
R a m z a n Kadirov à proeminência na T c h e t c h ê n i a foi o principal
acontecimento do mês, ofuscando a posse de Putin, mas eles não
fizeram n e n h u m protesto. Na verdade, n ã o fizeram c o m e n t á r i o
nenhum.
o
I dejunho
Leonid Parfionov, um brilhante jornalista de televisão, foi demitido
da emissora N T V . Em seu popular programa de análise de notícias,
O Outro Dia, ele exibiu uma entrevista c o m a esposa de Zelimkhan
Iandarbiev, o líder t c h e t c h e n o assassinado no Qatar. A entrevista
nada tinha de especial, em que a viúva não disse nada de particular-
m e n t e impressionante, mas ela estava inconsolável. Porém, o assun-
to não era p e r m i t i d o .
Parfionov não é um apresentador agressivo e buscou um meio
termo entre o que queriam as autoridades e o que ele queria m o s -
trar em seu programa. Sua demissão é u m a censura política da NTV.
Kakha B e n d u k i d z e , um acadêmico da Geórgia que também é
um oligarca industrial russo, foi n o m e a d o ministro da Indústria da
nova Geórgia. Saakachvili imediatamente fez dele um cidadão da
sua república.
Bendukidze foi persuadido a assumir o cargo p o r Zurab Jvania,
primeiro-ministro da Geórgia. Ele anunciou que pretende introdu-
zir "reformas ultraliberais" em sua velha terra natal. E evitou cuida-
dosamente qualquer comentário sobre a natureza das reformas que
UM DIÁRIO RUSSO 147
•
Foi exatamente isso que aconteceu. Foi explicado que o novo sis-
tema era "mais responsável". N ã o houve manifestações de protesto
e somente os defensores dos direitos h u m a n o s tentaram alertar os
líderes da Assembléia Parlamentar do C o n s e l h o da Europa de que a
Rússia não tinha mais um sistema eleitoral democrático. Os e u r o -
peus observaram q u e não acontecera n e n h u m protesto popular e
t a m b é m aceitaram o sistema.
2 de junho
Na T c h e t c h ê n i a , foi enterrado Z e l i m k h a n Kadirov, o filho mais
velho de A k h m e d - h a d j i Kadirov. Era n o t ó r i o o fato de que era
viciado em drogas e ele m o r r e u de um ataque cardíaco três sema-
nas depois do assassinato do pai. Parentes disseram que Zelimkhan
se opunha totalmente à política brutal do pai e do irmão mais novo
e procurou refúgio na heroína.
19 de junho
Em São Petersburgo, Nikolai Girenko foi m o r t o a tiros em seu
apartamento. Trata-se de um assassinato político de um conhecido
defensor dos direitos humanos e acadêmico antifascista. O assassi-
nato foi executado por fascistas russos, que não fizeram segredo do
fato. Foi u m a demonstração de força da parte deles. Primeiro publi-
caram na Internet u m a "sentença de m o r t e " para Girenko; as a u t o -
ridades a ignoraram e depois Girenko foi m o r t o de acordo c o m a
"sentença".
Q u e m era Girenko? Era um etnógrafo acadêmico, p r o e m i n e n -
te pesquisador do M u s e u de Antropologia e Etnografia Pedro, o
Grande, da A c a d e m i a Russa de Ciências. Havia sido convocado
c o m o testemunha técnica nos poucos processos levados aos tribu-
nais contra organizações fascistas. Ele analisava os textos de publi-
cações nacionalistas radicais e os manifestos de grupos neonazistas
e demonstrava que eles eram muito extremistas. Suas análises j u d i -
ciais eram precisas e eruditas e c o m freqüência constituíam a base
para a condenação dos neonazistas. Esses j u l g a m e n t o s são raros. Em
UM DIÁRIO RUSSO 149
21-22 de j u n h o
D u r a n t e a noite, a "operação a n t i t e r r o r i s m o " , que já dura cinco
anos, atingiu sua apoteose quando os rebeldes assumiram o c o n t r o -
le da Inguchétia.
P o u c o depois das 23:00, c o m e c e i a receber telefonemas da
Inguchétia, o n d e t e n h o muitos amigos. " U m a coisa terrível está
a c o n t e c e n d o aqui! E uma guerra!", gritavam as mulheres ao telefo-
ne. "Ajude-nos! Faça alguma coisa! Estamos deitadas no chão c o m
nossos filhos!" Eu podia ouvir o barulho de tiros de fuzis a u t o m á -
ticos e muitas pessoas gritando: "Allahu Akbar! Alá é grande!"
UM DIÁRIO RUSSO 151
23 de junho
Vinte e q u a t r o horas depois da tragédia, e n q u a n t o a c o n t e c i a m
funerais em toda a Inguchétia, Alu Alkhanov, ministro do Interior
da Tchetchênia, anunciou na televisão q u e seria candidato ao cargo
de presidente da Tchetchênia. Alkhanov é um dos responsáveis pelo
fracasso na captura de Basaev, mas m e s m o assim está sendo repeti-
d a m e n t e a p r e s e n t a d o c o m o o c a n d i d a t o preferido de P u t i n .
Adiantando-se, Alkhanov disse q u e esperava m u i t o p o r "eleições
pacíficas em 29 de agosto" e que agora o mais importante era c o n -
solidar a agricultura tchetchena. Ele parecia ignorar o quanto era
i n a d e q u a d o dizer t u d o aquilo um dia d e p o i s da catástrofe na
Inguchétia.
1° de julho
Houve u m debate n o Mosteiro Sivato-Danilovski, e m M o s c o u ,
sobre o tema "Liberdade e Dignidade Pessoal: As Visões O r t o d o x a
e Liberal". Rostilav Chafarevitch estava lá; no passado ele fora c o l e -
ga e amigo de Andrei Sakharov, mas hoje é um terrível reacionário
e defensor de Putin. Ella Pamfilova, diretora da Comissão Presi-
dencial para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e dos Direitos
manos, t a m b é m estava. Estavam presentes t a m b é m o d i á c o n o
n
rei Kuraev e o vigário VsevolodTchaplin. A mesa redonda tra-
°u de elaborar o c o n c e i t o de Vladislav Surkov de um m o d e l o
154 A N N A POLITKOVSKAYA
6 de julho
U m a assembléia na aldeia tchetchena de Sernovodskaia, para exigir
o retorno do último g r u p o de h o m e n s raptados pelos federais, foi
dispersada a tiros. Mulheres da aldeia vizinha de Assinovskaia e da
cidade de A k h c h o i - M a r t a n b l o q u e a r a m a rodovia c o m a m e s m a
exigência: parar c o m os raptos arbitrários de seus filhos, maridos e
irmãos. N a d a m u d o u . Só os defensores dos direitos h u m a n o s da
própria Rússia apoiaram esses protestos.
~l de julho
Na cidade tchetchena de Chali, h o u v e um encontro das mães dos
raptados. Elas declararam estar preparadas para fazer u m a greve de
fome de duração indefinida, pois sua paciência se esgotou diante da
nicapacidade dos organismos legais para buscar as vítimas. Elas
Pedem que os defensores europeus de direitos h u m a n o s e as orga-
nizações internacionais o u ç a m seu g r i t o de desespero p o r u m a
S1
m p l i f i ç â dos procedimentos para a concessão do status de refu-
ca 0
156 A N N A POLITKOVSKAYA
9 de julho
A mais r e c e n t e m o r t e atroz de um soldado russo pelo exército
russo. Soldados m o r r e m no exército p o r muitos motivos; o exérci-
to t o r n a fácil eles serem mortos.Você p o d e estar ansioso p o r servir,
p o d e se alistar antes do prazo, c o m o Ievgeni Fomovski, mas isso
não irá salvá-lo. Haverá um mau e l e m e n t o que não gostará de você,
do seu t a m a n h o , ou do t a m a n h o dos seus pés, e ele o matará.
" S e u s a m i g o s de escola estavam fazendo as provas finais
e n q u a n t o m e u filho estava sendo e n t e r r a d o " , c o n t o u - m e a m ã e de
Ievgeni, Svetlana. Ela é da cidade de Iarovoie, na região de Altai.
"Ievgeni fez todos os exames mais c e d o para poder se alistar no
exército na primavera."
"Por quê?"
"Para acabar de servir mais depressa, sem ser i n c o m o d a d o pelo
Comissariado Militar, e depois ir para a faculdade."
N ã o foi o que aconteceu. A carreira de Ievgeni Fomovski no
exército durou de 31 de maio até 9 de julho, menos de um mês e
m e i o . Ele chegou à sua unidade de guardas da fronteira do FSB nos
arredores de Priargunsk, na província d e T c h i t a , em 8 de j u n h o . Em
4 de j u l h o , fez o j u r a m e n t o de lealdade. Em 6 de julho, esse siberia-
no grandalhão e saudável foi enviado às montanhas, para um c a m p o
de t r e i n a m e n t o a 12 quilômetros de Priargunsk. Na madrugada de
9 de j u l h o , foi encontrado enforcado por dois cintos amarrados em
um p r é d i o semi-arruinado a 100 metros das tendas do c a m p o de
treinamento. Às nove da noite do m e s m o dia, o carteiro c h e g o u à
rua Altaiskaia, em Iarovoie, c o m um telegrama que dizia: "Seu filho
Ievgeni Anatolievitch c o m e t e u suicídio em 9 de j u l h o de 2004.
C o m u n i q u e imediatamente local do enterro. A data de despacho
do caixão será comunicada separadamente. Oficial C o m a n d a n t e da
U n i d a d e Militar (...)."
UM DIÁRIO RUSSO 157
10 de julho
A última edição do programa Livre Debate, de Savik Chuster, foi
transmitida pela N T V . O ú n i c o talk show p o l í t i c o da televisão
nacional russa foi c o r t a d o . Assim c o m o o p r o g r a m a Negócios
Pessoais, t a m b é m na NTV. Tratava-se de um programa semanal de
análise de notícias, dirigido por Alexander Gerasimov, vice-diretor
geral para noticiários da NTV, que do m e s m o m o d o está de saída.
O e s m a g a m e n t o do livre p e n s a m e n t o e da imprevisibilidade na
televisão russa é um fait accompli.
16-17 de julho
Na aldeia t c h e t c h e n a de Sernovods, na fronteira da T c h e t c h ê n i a
com a Inguchétia, soldados chegaram em carros blindados e rapta-
ram seis h o m e n s : os dois irmãos Indarbiev, um deles major da polí-
cia; os três irmãos Inkemirov, c o m idades entre 15 e 19 anos, e o
aleijado A n z o r Lukaev. Um protesto organizado pelas mulheres das
famílias das vítimas para exigir seu r e t o r n o foi dispersado por tiros
de alerta. Os p r i m e i r o s a atirar f o r a m os guarda-costas de Alu
Alkhanov, o "presidente do C o m i t ê Público para a Restauração da
Tchetchênia". Ele é o principal candidato presidencial, m e m b r o da
polícia e ministro do Interior — o m e s m o Alu Alkhanov que nunca
se cansa de nos dizer na televisão que "a onda de raptos está decli-
nando, tivemos sucesso nisso". E mais fácil fazer essa afirmação
quando se atira em qualquer um que afirma que isso não é verdade.
20 de julho
Por volta das 4:00, em Galachki,na Inguchétia, Beslan Arapkhanov,
motorista de trator, foi espancado diante da m u l h e r e de sete filhos
e
P q u e n o s antes de ser m o r t o a tiros. P o r engano. As forças de segu-
rança estavam tentando prender o rebelde Ruslan Khutchbarov. De
acordo c o m i n f o r m a ç õ e s a l t a m e n t e secretas, naquela n o i t e ,
khutchbarov estava d o r m i n d o na rua Partizanskaia, n° 11.
160 A N N A POLITKOVSKAYA
P o r é m , p o r a l g u m m o t i v o , os soldados v i e r a m e m a t a r a m
A r a p k h a n o v , i n o c e n t e , no n° 1 da m e s m a rua. I m e d i a t a m e n t e
d e p o i s do assassinato, um f u n c i o n á r i o e n t r o u na casa de Arap-
khanov, apresentando-se para a chocada mulher c o m o o investiga-
d o r Kostenko, do FSB, e apresentou um mandado de busca para a
" r u a Partizanskaia n° 1 1 " . N a q u e l e ponto, o erro ficou evidente,
mas Kostenko não se desculpou para a chorosa viúva.
Essa é a realidade da nossa "operação antiterrorismo". O que
farão os sete filhos de Beslan Arapkhanov a este respeito? Q u a l é a
probabilidade de eles esquecerem e perdoarem?
23 de julho
A equipe que investigava o caso dos reféns de Nord-Ost foi desfei-
ta. D e n t r o de três meses, será o segundo aniversário daquela tragé-
dia e o público cansou-se de ouvir a respeito dela. Foi precisamen-
te p o r isso que a investigação t e r m i n o u , apesar de ainda não ter
identificado a maioria dos terroristas, n e m estabelecido a composi-
ção do gás q u e e n v e n e n o u as pessoas, n e m d e s c o b e r t o q u e m
t o m o u a decisão de usá-lo.
Um inquérito que era de crucial importância para o progresso
político do Estado russo foi posto na geladeira. De toda a equipe,
supostamente " u m grupo de nossos melhores investigadores traba-
l h a n d o para resgatar uma dívida de h o n r a " , c o m o disseram nossos
p o r t a - v o z e s oficiais, restaram apenas o sr.V. I. K a l t c h u k e salas
vazias no Gabinete do Procurador de Moscou.
Kaltchuk se reúne c o m as pessoas que sofreram — reféns sobre-
viventes e parentes dos que m o r r e r a m — e as faz ler suas descober-
tas: não houve culpa criminal p o r parte do pessoal dos órgãos de
segurança, que utilizaram um gás letal para simplificar a "operação
de resgate", ao custo de 129 vidas e da saúde de centenas de outras
pessoas.
UM DIÁRIO RUSSO 161
27 de julho
Igor Setchin, a eminência parda do Kremlin, foi n o m e a d o presi-
dente do Conselho de Administração da Rosneft, a empresa estatal
de petróleo. Ele supervisionou pessoalmente o desmantelamento e a
destruição daYukos e a prisão de Khodorkovski. Sua nomeação para
comandar a Rosneft, q u e reivindica as melhores partes daYukos,
prova que o Kremlin destruiu aquela empresa em proveito próprio.
Sua ideologia exige a formação de uma "economia estatal", suposta-
mente dirigida em benefício do povo. Na realidade, trata-se de uma
economia burocrática cujo principal oligarca é o representante do
governo. Q u a n t o mais alto o representante, maior o oligarca.
Esse ideal de oligarquia estatal agrada a P u t i n e a seu círculo
exclusivo. O conceito subjacente é o de que as principais receitas
da Rússia p r o v ê m da e x p o r t a ç ã o de m a t é r i a s - p r i m a s , e assim o
Estado deve controlar os recursos naturais e"L'Etat, c'est moi".Eles
pensam ser as pessoas mais espertas do país, a c h a m q u e sabem
melhor o que é b o m para nós e portanto para que aquelas receitas
d e v e m ser usadas. Para a t e n d e r aos s u p e r m o n o p ó l i o s c o m o a
Rosneft e a G a z p r o m , c o n g l o m e r a d o s financeiros m o n s t r u o s o s ,
c o m o o V n e s h t o r g b a n k e o V n e s h e k o n o m b a n k , estão sendo
ampliados e estão conquistando novos territórios c o m a ajuda da
administração presidencial.
Esses supermonopólios são controlados p o r ex-agentes da polí-
C l a s e c
r e t a , que hoje são oligarcas. Putin só confia nesses oligarcas
164 ANNA POLITKOVSKAYA
1° de agosto
Aqui está c o m o o Kremlin elimina os candidatos a eleições que ele
desaprova.
Malik Saidullaev acabou de ser desqualificado para concorrer
na eleição presidencial da República T c h e t c h e n a p o r ter um passa-
166 A N N A POLITKOVSKAYA
2 de agosto
Um g r u p o de bolcheviques nacionais entrou no edifício do Minis-
tério da Saúde e do Desenvolvimento Social na rua Neglinnaia, no
centro de Moscou. Eles subiram as escadas, fecharam-se no gabinete
do ministro, Mikhail Zurabov; jogaram sua poltrona na rua e c o m e -
çaram a gritar das janelas slogans contra a reforma dos benefícios do
bem-estar social. Eles exigiam as renúncias de Zurabov e Putin.
*
Os manifestantes logo foram presos e, no tribunal, foi declarado
que a poltrona custava US$30.000. C o m o é q u e um Ministro do
B e m - e s t a r Social t e m u m a poltrona tão cara? Inicialmente eles
receberam u m a sentença severa sem precedentes, de cinco anos em
campos de trabalhos forçados, por distúrbio político. A seguir, a
Suprema C o r t e reduziu a pena a três anos e m e i o , a serem c u m p r i -
dos na companhia de assassinos e criminosos reincidentes.
Está claro o q u e o Estado pretende, mas aqui está a posição dos
prisioneiros políticos. Um deles, Maxim Gromov, disse o seguinte
no tribunal: "E i m p o r t a n t e o fato de ter sido m e n c i o n a d o o n o m e
do terrorista Ivan Kaliaev na argumentação do p r o m o t o r . Há cem
anos, u m a série de j u l g a m e n t o s políticos sangrentos t a m b é m p r e -
cedeu a emergência de Ivan Kaliaev. As coisas q u e estavam acon-
t e c e n d o no Estado naquela época garantiram o s u r g i m e n t o da
organização de c o m b a t e de Bóris Savinkov. Estamos sendo julga-
dos p o r um protesto político pelo artigo 2 1 3 , mas, de acordo c o m
este artigo, todos os bajuladores na D u m a deveriam ser julgados.
D u r a n t e muitos anos, seus membros t ê m conspirado para mostrar
seu manifesto desrespeito pela sociedade. N e s t e caso, eles mostra-
ram desrespeito p o r milhões de pessoas incapacitadas, pensionistas
e ex-combatentes e mulheres. Isso é simplesmente u m a desgraça
para a Rússia e para a sociedade de hoje, que nada teve a dizer a
esse respeito."
Ele tem razão. A aprovação da lei que aboliu benefícios mate-
riais e privilégios não provocou indignação n e n h u m a . N ã o ouvi-
u M DIÁRIO RUSSO 169
9 de agosto
Está reunido em M o s c o u o que há de m e l h o r do m o v i m e n t o russo
pelos direitos h u m a n o s , a fina flor da nação, congregada no C e n t r o
Andrei Sakharov. Alguns anos atrás, eles f o r m a r a m um g r u p o de
trabalho d e n o m i n a d o Ação Conjunta para se reunir e, em tempos
de crise nacional, tentar chegar a u m a posição c o m u m .
Hoje não estão discutindo o protesto dos bolcheviques nacio-
nais, n e m por q u e ele ocorreu; a reunião é para analisar por que a
culpa está sendo atribuída ao m o v i m e n t o pelos direitos humanos,
um exercício de olhar para o próprio u m b i g o m u i t o típico da nossa
sociedade civil.
Em t o r n o da mesa, estão muitas das pessoas a q u e m Putin cri-
ticou em seu Discurso à Assembléia Federal em 26 de maio, cha-
mando-as de quinta coluna que c o m e da m ã o do Ocidente, acu-
sando-as de estarem mais preocupadas c o m a obtenção de fundos
do Ocidente do q u e c o m ajudar pessoas. O debate foi longo, mas
não chegou a n e n h u m a conclusão. U m a n o t a alarmante foi que
alguns dos participantes imaginam q u e P u t i n está sendo enganado,
que não lhe passaram o verdadeiro quadro. O czar é b o m , mas seus
assessores são maus. U m a velha história russa.
E u m a pena. Os ativistas não mais estão ativos. R e s t o u neles
pouca paixão. Eles aprenderam demais c o m experiências amargas e
tem pouco desejo de ir em frente. Isso vale para a maioria, mas não
para todos.
Além de discutir sua desagradável situação, eles decidiram que
o movimento pelos direitos humanos deveria boicotar as próximas
eleições presidenciais na Tchetchênia, o q u e significa que eles não
iriam atuar c o m o observadores.
(Apesar da resolução, tomada p o r votação, alguns dos presentes
a
reunião c o m p a r e c e r a m às eleições na Tchetchênia, viram o que
aconteceu e fizeram suas declarações.)
Aliás, 9 de agosto é o quinto aniversário da proclamação, p o r
leltsin, de P u t i n c o m o primeiro-ministro em exercício — isto é, seu
sucessor. U m a guerra estava em fermentação no Daguestão. Basaev
172 A N N A POLITKOVSKAYA
29 de agosto
Na T c h e t c h ê n i a , prosseguia a eleição do p r ó x i m o presidente de
Putin. N ã o é preciso dizer q u e o c a n d i d a t o do Kremlin teve a
maioria esmagadora dos votos. Alu A l k h a n o v p o d e ser n o m i n a l -
mente o novo presidente, mas o verdadeiro chefe é o perturbado
Ramzan Kadirov, o filho de 27 anos do antecessor assassinado de
Alkhanov q u e , p o r sua vez, t a m b é m havia sido eleito c o m u m a
"esmagadora maioria dos votos".
Q u e m é R a m z a n ? Durante o ú l t i m o ano e meio, ele cuidou da
segurança do pai. Depois do assassinato do presidente, talvez sur-
preendentemente, ele não foi d e m i t i d o p o r seu lapso, mas p r o m o -
vido pessoalmente por Putin ao alto posto de primeiro v i c e - p r i -
m e i r o - m i n i s t r o d o G o v e r n o T c h e t c h e n o , c o m responsabilidade
especial pela segurança. Hoje ele está encarregado da polícia, de
todas as subdivisões de Operações Especiais e da O M O N t c h e t -
chena. Apesar de não ter instrução, ele t e m o posto de capitão da
polícia. Isto é surpreendente, p o r q u e ele não é policial e na Rússia,
para ser capitão, é exigida educação superior. De qualquer m a n e i -
ra, hoje ele t e m o direito de dar ordens a coronéis e generais de car-
reira. E eles o b e d e c e m , porque sabem q u e ele é o favorito de Putin.
Q u e espécie de pessoa é R a m z a n ? De q u e tipo de qualificações
voce necessita para ser um favorito de P u t i n ? Ter e s m a g a d o a
Tchetchênia sob seus pés e forçado a R e p ú b l i c a inteira a lhe pres-
tar tributo c o m o a um bei asiático é c e r t a m e n t e meritório.
R a m z a n raramente é visto fora da sua aldeia de Tsentoroi, u m a
das mais feias da T c h e t c h ê n i a , hostil e repleta de mal-encarados
A N N A POLITKOVSKAYA
" C o m quem?"
" C o m todos os tchetchenos q u e estão lutando."
" C o m Maskhadov? Ele não é n i n g u é m aqui. N i n g u é m o b e d e -
ce a suas ordens. A figura principal é Basaev. Ele é um guerreiro
poderoso, sabe combater, é um b o m estrategista. E um b o m tchet-
cheno. Mas Maskhadov é um velho ridículo, incapaz de fazer qual-
quer coisa." (Ele gargalha, relinchando c o m o um cavalo. Todos os
presentes o imitam.) "Ele t e m s o m e n t e dois garotos que o seguem.
Posso provar isso e escrevo. Atualmente, Maskhadov t e m mulheres.
Eu as c o n h e ç o . Elas me disseram: 'Se nos recusássemos, seríamos
mortas. N ã o tínhamos emprego e ele nos deu dinheiro.'"
"Está dizendo que Maskhadov t e m um batalhão de mulheres?"
" N ã o . N ó s quebramos Maskhadov. Agora ele tem outras pessoas."
" P e r c e b o um desrespeito p o r Maskhadov em suas palavras, mas
um claro respeito por Basaev."
" R e s p e i t o Basaev c o m o guerreiro. Ele não é covarde. R e z o a
Alá para q u e possamos nos e n c o n t r a r e m c o m b a t e a b e r t o . U m
h o m e m sonha em ser presidente, o u t r o em ser piloto, um outro em
ser motorista de trator - mas m e u s o n h o é lutar contra Basaev em
c a m p o aberto. Minhas tropas contra as dele. Ele no c o m a n d o , eu no
comando."
"E se ele vencer?"
"Impossível. Em batalha, eu sempre venço."
" N a T c h e t c h è n i a , falam m u i t o de sua rivalidade c o m a família
Iamadev." (Irmãos de Gudermes. Khalid é deputado na D u m a pelo
R ú s s i a U n i d a e Salim é s u b c o m a n d a n t e militar da R e p ú b l i c a
T c h e t c h e n a . Eles controlam tropas poderosas. D i z e m que R a m z a n
trabalha para o FSB, ao passo q u e os Iamadev trabalham para a
Diretoria Central de Inteligência do Exército.)
" N ã o é u m a boa idéia ser m e u rival. Faz mal à saúde."
" Q u e aspecto de sua personalidade o senhor considera mais
importante?"
"O q u e você quer dizer? N ã o entendi a pergunta."
" Q u a i s são seus pontos fortes? E seus pontos fracos?"
" N ã o t e n h o pontos fracos. Sou forte. Alu Alkhanov foi eleito
presidente p o r q u e eu o considero forte e confio totalmente nele.
Você acha q u e o Kremlin decide isso? As pessoas escolhem. Esta e
UM DIÁRIO RUSSO 183
1° de setembro
A censura e a a u t o c e n s u r a na m í d i a de massa a t i n g i r a m novos
extremos e aumentaram a probabilidade de que centenas de adul-
tos e crianças na Escola n° 1 em Beslan, que foi tomada p o r t e r r o -
ristas, viessem a morrer.
A autocensura hoje significa tentar adivinhar o q u e se deve
dizer e o que não deve ser m e n c i o n a d o . A finalidade da autocensu-
ra e manter suas mãos em um salário muito alto. A o p ç ã o não é
entre ter emprego ou ficar desempregado, mas entre ganhar u m a
fbituna e uma ninharia. Q u a l q u e r jornalista tem a opção de passar
Para publicações na Internet, as quais são mais ou m e n o s livres para
dizer o que querem, e ainda há alguns jornais que t a m b é m gozam
188 A N N A POLITKOVSKAYA
3 de setembro
Há 331 mortos em conseqüência da tomada de reféns em Beslan.
4 de setembro
Raf Tchakirov, editor-chefe do Izvestia, foi demitido. Ele era um
carreirista: não era u m revolucionário, n e m dissidente, n e m u m
defensor dos direitos h u m a n o s . Foi demitido p o r ter deixado, em
apenas uma ocasião, de intuir a nova ideologia do Estado, uma coisa
que supostamente não se precisa enunciar. O Izvestia publicou uma
reportagem fotográfica b r u t a l m e n t e honesta de Beslan, a respeito
do ataque à escola. As autoridades reclamaram que a matéria era
demasiadamente chocante.
O Izvestia não é um j o r n a l estatal - ele p e r t e n c e ao oligarca
Potanin -, mas nuvens de t e m p o r a l estavam se a g r u p a n d o sobre
Potanin, c o m o aquelas q u e haviam se reunido sobre Khodorkovski.
Demitindo Tchakirov, Potanin espera ter se reconciliado c o m Putin
e com o Kremlin.
*
Depois de Beslan, h o u v e finalmente movimentos de oposição ao
regime de mentiras e covardia das autoridades. Entre dezembro de
2003 e setembro de 2004, só o que se percebia era u m a dissidência
relutante, meio abafada, mas, depois do massacre, c o m e ç o u a surgir
o
algum tipo de protesto público. Até I de setembro, n i n g u é m q u e -
ria reconhecer que os serviços de inteligência só estavam interessa-
dos em dividir os despojos da nação. Depois do b a n h o de sangue de
3 de setembro em Beslan, muitas pessoas finalmente perceberam
que estavam desprotegidas. Elas podiam continuar fingindo que o
presidente tinha um alto índice de aprovação ou p o d i a m ter segu-
rança para seus filhos.
10 de setembro
O que está emergindo na Rússia não é u m a classe média estabili-
zadora, mas u m a nova classe composta por pais cujos filhos m o r r e -
190 A N N A POLITKOVSKAYA
13 de setembro
Depois de Beslan, os órgãos de segurança do n o r t e do Cáucaso,
t e n d o deixado de evitar o ultraje terrorista, estão agora fazendo
uma grande demonstração de combate ao terrorismo. Estão matan-
do ou prendendo qualquer pessoa que, para eles, p o d e estar envol-
vida com terrorismo.
C o m o fazem? O sucesso ou fracasso da caçada h u m a n a é
m e d i d o principalmente p o r quantos "terroristas" são apanhados.
Direitos humanos e respeito pela lei saíram pela janela. U m a con-
fissão é prova de culpa e, se um suspeito foi m o r t o , n e m isso é
necessário. E uma repetição exata do que aconteceu q u a n d o uma
"operação antiterrorista" foi lançada depois do assassinato de Sergei
o
Kirov, o líder do Partido Comunista, em I de d e z e m b r o de 1934.
Assim c o m o naquela ocasião, qualquer tentativa de sugerir que
alguma coisa está errada e que talvez deva haver mais respeito pela
lei é tratada pelos partidários dos " m é t o d o s radicais e eficazes"
c o m o o desejo de proteger criminosos.
Os representantes do C o m i t ê Internacional da C r u z Vermelha
não p o d e m visitar as celas da prisão onde os "terroristas" estão deti-
dos. N ã o há supervisão legal pelo procurador e certamente não há
um j u d i c i á r i o i n d e p e n d e n t e para cuidar desses casos rápidos de
"antiterrorismo". N i n g u é m investigará se u m a unidade de Opera-
ções Especiais tinha justificativas para matar alguém. Essa é uma
área c o m p l e t a m e n t e fora da lei, incapaz de p u n i r os culpados e
absolver os inocentes. A principal onda de " a n t i t e r r o r i s m o " pós-
Beslan abateu-se sobre a Inguchétia, porque havia muitos inguches
no g r u p o que t o m o u de assalto a escola. E, n e m é preciso dizer,
sobre a Tchetchênia.
O resultado previsível foi que, d u r a n t e o o u t o n o , reagindo
c o n t r a este " a n t i t e r r o r i s m o " , o verdadeiro s u b m u n d o terrorista
ficou muito fortalecido. O assassinato ou a condenação rápida dos
inocentes deixa os verdadeiros criminosos livres para planejar novos
crimes, precisando apenas aperfeiçoar seus métodos de conspiração.
Além disso, o s u b m u n d o está repleto de pessoas que sofreram injus-
tamente ou que p r o c u r a m vingar seus parentes. Para outros, pegar
em armas é um protesto pessoal contra a ilegalidade das forças d
segurança.
D I A R10 RUSSO 193
16 de setembro
A única reação veio do C o m i t ê 2 0 0 8 , q u e p u b l i c o u a seguinte
declaração,"A Ameaça de um Golpe de Estado na Rússia":
27 de setembro
As autoridades estão m u i t o preocupadas c o m a possibilidade de os
defensores dos direitos h u m a n o s mais u m a vez se t o r n a r e m dissi-
dentes, uma vez q u e é deles, e não dos políticos da oposição, que
vem o perigo. Assim sendo, elas estão construindo um m o v i m e n t o
paralelo pelos direitos h u m a n o s para operar sob um rígido c o n t r o -
le do Estado. Putin está assinando uma diretiva para criar um " c e n -
tro internacional dos direitos h u m a n o s " . A diretiva é caracteristica-
mente intitulada " M e d i d a s Adicionais d e A p o i o d o Estado a o
Movimento pelos Direitos H u m a n o s na Federação Russa".
A força motriz p o r trás desta diretiva é Ella Pamfüova, presi-
dente da Comissão Presidencial sobre Direitos H u m a n o s . Ela insiste
para todos que estiverem dispostos a o u v i r : " R e j e i t o c o m p l e t a m e n -
te as alegações grosseiras de q u e u m a das tarefas do C e n t r o
Internacional de Direitos H u m a n o s é introduzir o controle centra-
lizado do movimentos pelos direitos h u m a n o s . Essa diretiva é de
grande ajuda para nós. Será mais fácil, para os líderes de organiza-
ções de direitos h u m a n o s , se c o n h e c e r e m (no Kremlin? - AP).
Seremos capazes de ampliar o alcance de nossos conhecimentos.
Essa idéia é u m a iniciativa dos p r ó p r i o s defensores dos direitos
humanos. Tenho recebido telefonemas dos representantes de m u i -
tas associações de direitos h u m a n o s , de pessoas q u e ligaram das
regiões. Todos são a favor. Eles dizem que esta é u m a pequena vitó-
ria para nós. Acima de t u d o , precisamos garantir os direitos dos p r ó -
prios defensores dos direitos h u m a n o s de ajudar as pessoas de
forma eficaz."
Dificilmente a l g u é m acredita nos invariáveis protestos de
Pamfüova, da natureza benévola e das credenciais democráticas de
Putin.
lelena B o n n e r teve isto a dizer n u m a entrevista ao Iejenedelni
Jurnal:
28 de setembro
Putin não nos fez esperar m u i t o tempo. S e m n e n h u m debate polí-
tico, apresentou à D u m a emendas à lei eleitoral abolindo a eleição
direta de governadores. O eleitorado está sendo bombardeado c o m
garantias de q u e ainda não está suficientemente maduro para esco-
lher o líder local correto. Isso não significa q u e eles também ainda
nao estão maduros o suficiente para eleger Putin?
29 de setembro
Vários deputados da D u m a escreveram ao presidente do Tribunal
Eleitoral, Valeri Z o r k i n , p e d i n d o - l h e q u e reveja os atos do presi-
dente c o m o um assunto de urgência.
5 de outubro
Em Grozni, teve lugar a risível cerimónia de posse de Alui Alk-
hanov, o presidente imposto ao povo da T c h e t c h ê n i a pelo Kremlin
Foi erigida u m a marquise dentro do conjunto fortificado do gover-
no e Alkhanov fez lá seu juramento, falando um tchetcheno ruim.
Ele parecia indisposto, c o m grandes olheiras. As medidas de segu-
rança foram sem precedentes, c o m o se eles estivessem esperando
Putin, que não compareceu, mas enviou c u m p r i m e n t o s . No inte-
resse da segurança, três locais haviam sido preparados e até o último
m o m e n t o n i n g u é m sabia exatamente o n d e seria a posse.
Q u e tipo de vida pacífica isto sugere? Alkhanov mostrou a toda
a Tchetchênia c o m o está c o m m e d o de m o r r e r . Agora ninguém o
levará a sério.
6 de outubro
A Ação C o n j u n t a , u m a associação das principais organizações de
direitos h u m a n o s , t a m b é m publicou u m a declaração intitulada
" U m Golpe de Estado na Rússia", p e d i n d o a convocação de um
Congresso dos C i d a d ã o s que evoluiria para um fórum nacional
independente envolvendo os direitos h u m a n o s , ecológicos e outras
associações públicas, sindicatos livres, partidos democráticos, acadê-
micos, advogados e jornalistas.
E u m a peculiaridade da Rússia que os defensores dos direitos
h u m a n o s - dos quais vários, c o m o L i u d m i l a Alexeieva, Sergei
Kovaliov e I u r i Samodurov, são antigos dissidentes soviéticos —
sejam m u i t o mais resolutos e progressistas do que os partidos e os
políticos. Eles estão encorajando os políticos: pelo amor de Deus,
façam alguma coisa!
U m a psicologia servil domina mais u m a vez o país e cerca
qualquer um q u e seja menos servil. C o m q u e malevolencia a tele-
visão russa ataca q u a n d o Iuschenko c o m e t e um erro na Ucrânia e,
assim c o m o Saakachvili, ele é a besta negra do Kremlin. A Geórgia
é nosso maior inimigo entre os países da antiga U R S S .
DIÁRIO R U S S O 199
7 de outubro
Em Vladimir, o p r i m e i r o caso c r i m i n a l foi levantado contra os
Comitês de Mães de Soldados. A presidente do C o m i t ê Vladimir,
Liudmila Iarilina, é acusada de "cumplicidade na evasão ao serviço
militar", uma acusação que pode implicar u m a sentença de três a
sete anos de prisão.
Qual é a base da acusação? Por m e i o da persistente defesa de
recrutas e soldados, Liudmila t o r n o u - s e m u i t o impopular c o m o
Comissariado Militar e c o m o Gabinete do Procurador Militar. Ela
concorda c o m que, na província de Vladimir, muitos soldados são
considerados inadequados para o serviço militar. A área é conheci-
da pelo alcoolismo. É um lugar o n d e as pessoas b e b e m mais do que
trabalham; assim, a saúde dos seus filhos é r u i m . Metade deles é de
inválidos, mas o Comissariado Militar t o m a medidas extraordiná-
rias para conseguir sua cota de recrutas, falsificando atestados de
saúde e enganando os jovens de outras maneiras.
Entre quatrocentas e quinhentas pessoas consultam o C o m i t ê a
cada ano: recrutas, soldados e seus pais. Em sua maioria, eles q u e -
rem ser salvos das brutalidades dos "avós", os soldados mais velhos;
da morte; das doenças e de u m a máquina estatal que não se interes-
sa por investigar maus-tratos.
Q u a n d o D m i t r i Iepifanov veio ao C o m i t ê , eleja havia servido
varios meses na T c h e t c h ê n i a e tinha sido ferido e queimado dentro
de um tanque. Ele recebeu u m a licença e, de volta aVladimir, q u e i -
xou-se aos seus pais de constantes dores de estômago. Ele sofria
delas antes de ir para o exército, mas a comissão de recrutamento
decidiu que n ã o representavam n e n h u m problema e ele foi envia-
do para combater na Tchetchênia.
Dmitri veio perguntar c o m o p o d e r i a ir a um hospital durante
sua licença. Isso foi tudo. O sistema na Rússia é absurdo: se um sol-
dado em licença estiver doente, não será admitido para diagnóstico
no
hospital militar mais p r ó x i m o ; ele precisará voltar à sua unidade,
°nde um servente ou médico militar decidirá se ele será hospitali-
zado ou está fingindo u m a doença. P o r é m , se um soldado p u d e r
apresentar um diagnóstico por escrito, p o d e r á ser admitido no h o s -
pital local.
2i «i
A N N A POLITKOVSKAY
20 de outubro
Dmitri Kozak, representante de P u t i n no sul da Rússia, indicou
Ramzan Kadirov seu conselheiro de segurança para todo o Distrito
Federal Sul. Se, antes disso, Kadirov J ú n i o r era capaz de atropelar a
lei e a Constituição somente n a T c h e t c h ê n i a e na Inguchétia, agora
ele poderá dividir sua experiência e dar conselhos aos diretores dos
Serviços de Segurança em toda a região n o r t e do Cáucaso a respei-
to de c o m o se c o m p o r t a r e m da mesma maneira e irá supervisionar
as atrocidades que eles c o m e t e m em n o m e do sr. Kozak.
Isso custará muitas vidas. R a m z a n quase não tem miolos e está
em seu elemento somente onde há guerra, terror e caos. Sem eles,
ele literalmente não sabe o que fazer.
A p r o m o ç ã o de R a m z a n dá seqüência à política suicida q u e
conduz inexoravelmente a futuros atos terroristas e à consolidação
de poder nas mãos de pessoas q u e p a r e c e m querer fazer o q u e
podem para garantir q u e o a t e n t a d o ao m e t r ô seja seguido p o r
e
questros de aviões e depois disso pelo assalto a uma escola.
„ ^ ã o há n e n h u m significado especial neste ato de Putin. Ele
n a t e m
° idéia d o que precisa ser feito a seguir. É uma tragédia
c
° n h e c i d a da Rússia ter altos líderes políticos incompetentes, q u e
202
A N N A POLITKOVSKAYA
23 de outubro
Em M o s c o u , ocorreu uma grande manifestação de protesto contra
a guerra na Tchetchênia e em h o m e n a g e m às vítimas dos atos ter-
roristas. A reunião aconteceu às 17:00 e desde as 10:00 havia uma
fila de manifestantes na praça P u c h k i n . As pessoas que sofreram o
cerco em Nord-Ost lá estavam pela primeira vez, porque hoje é o
segundo aniversário da tomada de reféns.
A r e u n i ã o não foi "oficial". D e p o i s de Beslan, u m a onda de
reuniões antiterrorismo, oficialmente organizadas, rolou sobre o
país p o r iniciativa da administração presidencial. As autoridades de
M o s c o u haviam concordado c o m u m a manifestação de até qui-
nhentas pessoas, mas apareceram cerca de 3 mil e as autoridades
alertaram q u e esse número era superior ao permitido. O segundo
motivo era q u e os slogans nas bandeiras não eram somente contra
a guerra, mas t a m b é m contra o governo. Mas q u e m está conduzin-
do a guerra?
M u i t o s dos q u e c o m p a r e c e r a m c h e g a r a m em carros caros,
m e m b r o s da classe média que n o r m a l m e n t e não comparecem a
reuniões. Caía u m a chuva fria e pesada, mas as pessoas vieram e
p e r m a n e c e r a m , o que é importante. C o m o disse Bóris Nadejdin,
m e m b r o do C o m i t ê 2008 e co-presidente da União de Forças de
Direita: "Esta é u m a manifestação de pessoas que não querem ser
mantidas reféns de um m e d o gerado ideologicamente, que lhes esta
sendo i m p o s t o depois de Beslan (...). A Tchetchênia é uma ferida
terrível, q u e causou Nord-Ost e Beslan. Em 1999, foi oferecido a
Rússia um m é d i c o que prometeu curar o país e ele foi eleito pre-
sidente. Ele não teve sucesso. Hoje, q u a n d o não temos u m a mídia
de massa livre n e m p a r l a m e n t o na R ú s s i a , resta s o m e n t e uma
maneira de pressionar as autoridades; q u e os bons saiam às ruas para
fazer manifestações."
Os b o n s permaneceram na praça debaixo de chuva, carregan-
do cartazes q u e diziam "Somos a Q u i n t a C o l u n a do Ocidente ,
n u m a alusão à entrevista dada p o r V l a d i s l a v Surkov ao Kornso-
molskaia Pravda, na qual ele teve a ousadia de dizer que a oposição
ü M DIÁRIO RUSSO 203
25 de outubro
A revista Itogi p e r g u n t a à g o v e r n a d o r a de São P e t e r s b u r g o : "A
Rússia p o d e r i a ser u m a república parlamentar sem presidente?"
Valentina M a t v i e n k o , u m a aliada p r ó x i m a de P u t i n , r e s p o n d e :
"Não, isso não daria certo para nós. A mentalidade russa prefere um
mestre, u m czar, u m presidente. E m outras palavras, u m líder."
Matvienko só é capaz de repetir aquilo q u e ouve no círculo i m e -
diato de Putin.
A Associação de Direitos H u m a n o s respondeu:
28 de outubro
U m a divisão pública no partido Iabloko. A ala j o v e m p o d e ser vista
nas principais estações de televisão discordando de Iavlinski.
R e u n i õ e s em apoio a Putin, organizadas pelo R U , estão ocor-
r e n d o em muitos lugares. A maior é em Moscou e foi lá que falou
o líder da ala j o v e m .
Estudantes e aposentados f o r m a m a principal sustentação das
reuniões de protesto organizadas pela oposição. Pela primeira vez,
o P a r t i d o C o m u n i s t a , o Iabloko e a U n i ã o de Forças de Direita
estão se u n i n d o para realizar protestos anti-Putin.
29 de outubro
As autoridades do Estado p e r m a n e c e m no curso para o abismo,
levando-nos a todos c o m elas. O procurador-geral, Vladimir Usti-
nov, a n u n c i o u na D u m a que, na opinião da principal instituição
encarregada de supervisionar os direitos dos cidadãos e na opinião
dele, é u r g e n t e m e n t e necessário adotar u m a lei que regulamente as
medidas a serem tomadas em caso de ataques terroristas. Suas pro-
postas mais importantes são que sejam introduzidos procedimentos
judiciais sumários para suspeitos de terrorismo; que os parentes de
terroristas sejam detidos c o m o contra-reféns; que os bens de terro-
ristas sejam confiscados.
Parece improvável que a possibilidade de ter um gravador
vídeo, um televisor ou mesmo um carro confiscado detenha aqueles
que estão dispostos a cometer suicídio e assassinar outras pessoas.
DIÁRIO RUSSO 205
idéia do p r o c u r a d o r - g e r a l , de i n t r o d u z i r p r o c e d i m e n t o s
A
16 de julho
18 de julho
3 de novembro
O Soviet da Federação aprovou a abolição das eleições locais de
governadores.
6 de novembro
Mikhail Iuriev, um ex-jornalista q u e agora trabalha no Kremlin,
publicou u m artigo e m n o m e d a administração presidencial n a
Kotnsomolskaia gazeta, d a n d o c o n s e l h o s sobre c o m o diferenciar
entre q u e m é útil para o p r e s i d e n t e e q u e m é um i n i m i g o da
Rússia. A falsa antítese é g r i t a n t e e deliberada. De a c o r d o c o m
Iuriev, qualquer pessoa que critique Putin é um inimigo da Rússia.
Aqueles que falaram em favor de negociações durante Beslan, ou
contra o uso de armas químicas no ataque em Nord-Ost, são i n i m i -
gos; assim c o m o aqueles q u e c o m p a r e c e m a reuniões de protesto
contra a guerra n a T c h e t c h ê n i a ou as organizam. Da mesma forma,
aqueles que p e d e m p o r conversações de paz sobre a T c h e t c h ê n i a e
a cessação da guerra civil.
Os Comitês de Mães de Soldados formaram seu p r ó p r i o parti-
do político. O congresso de fundação do partido não é um a c o n t e -
cimento acidental. Ele resulta da c o m p l e t a destruição de nosso
cenário político depois das eleições à D u m a , q u a n d o t o d o s os
deputados em q u e m elas p o d e r i a m confiar para fazer lobby p o r
reformas militares e pelos interesses dos recrutas p e r d e r a m seus
assentos. C o m o presidente do partido, Valentina Melnikova disse:
O p r o g r a m a do nosso p a r t i d o estabelece c o m o m e t a s básicas
garantir que o Estado assuma u m a atitude responsável c o m relação
a seres humanos e crie u m a estrutura segura para a vida na Rússia.
Provocar u m a transformação democrática das forças armadas russas
e
somente uma parte dessa tarefa maior. Em termos de economia,
somos um partido que tende para o liberalismo e, no q u e diz res-
peito às responsabilidades do Estado perante a sociedade, nós t e n -
demos ao socialismo."
O Partido das Mães de Soldados é a primeira organização poli-
da na Rússia a declarar q u e lutará para proteger nossa vida. Os
feitores russos não c o n t a m c o m opções tão boas. Nossos políticos
P°dem nos dar cem rublos antes do dia das eleições, mas não têm
208 A N N A POLITKOVSKAY
9 de novembro
O diretório do partido Iabloko em Kaluga exigiu um referendo
sobre a retenção de benefícios em espécie para trabalhadores apo-
sentados, vítimas da repressão soviética e aqueles que trabalharam
em casa durante a S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l . Os benefícios em
questão são o direito de andar de graça nos ônibus suburbanos e
assistência médica gratuita. As autoridades da província de Kaluga
pretendiam abolir todos os benefícios em espécie em troca de um
ridículo suplemento mensal às pensões de 2 0 0 - 3 0 0 rublos [US$8-
10]. Até agora, as autoridades não deram atenção aos protestos, mas
um referendo poderá forçá-las a repensar o assunto. Este tema é
muito sensível. Q u e m terá direito a benefícios d e p o i s de 1° de
janeiro de 2005? A " m o n e t a r i z a ç ã o " dos benefícios pretendia redu-
zir o número de requerentes, q u e nos dizem chegar à metade dos
habitantes do país. C e r t a m e n t e há espaço para u m a racionalização.
11 de novembro
Crise em Karatchevo-Tcherkessia. U m a multidão o c u p o u o gabi-
n e
t e de Mustafa Batdiev, o presidente, e exige sua exoneração. O
rnotivo é um caso envolvendo o seqüestro, assassinato e destruição
s c
^ o r p o s de sete jovens h o m e n s de negócios c o m q u e m o cunha-
0
de Batdiev estava envolvido. Ele já foi preso.
As a u t o r i d a d e s estão n u m a situação p o u c o invejável. Se
l e v r
f ° exonerado, poderá haver u m a reação e m cadeia. O p r ó -
212 A N N A POLITKOVSKA
26 de novembro
Faz um ano que Khodorkovski foi preso. As autoridades ignoram
data. N o s tempos da U n i ã o Soviética, o mediador entre a socieda-
de e o Estado era a K G B , que fornecia às autoridades informações
distorcidas a respeito do q u e estava a c o n t e c e n d o , e isso acabou
levando ao colapso da U R S S .
H o j e o FSB t a m b é m distorce seriamente as informações que
vão para cima, mas P u t i n desconfia de todas as outras fontes. A
aorta será d e v i d a m e n t e b l o q u e a d a n o v a m e n t e . E s p e r a m o s que,
desta vez, não t e n h a m o s de aguardar setenta anos.
11 de dezembro
Q u e velocidade! O presidente já assinou a lei abolindo a eleição de
governadores. Esta foi a aprovação mais rápida de u m a lei neste pais
o
e, a partir de I de janeiro, Putin não terá que discutir assuntos com
os governadores, n e m se preocupar c o m a possibilidade de eles
serem p o u c o cooperativos. Um czar deve ter servos, não parceiros.
Algumas das crianças massacradas em Beslan ainda precisam ser
identificadas e enterradas, mas isto não é prioridade. Cada vez mais,
u M DIÁRIO RUSSO 213
o
Artur foi m o r t o quase imediatamente. Atiraram nele em I de
ternbro, quando os terroristas levaram os h o m e n s para trabalhar
fortificação do p r é d i o e pendurar explosivos. Aparentemente,
r teria dito "Vocês acham que vou matar crianças c o m minhas
róprias mãos?", e eles o mataram.
Aslan foi deixado no ginásio sem seu pai. Ele se arrastou até a
rofessora, Raisa Kibizova, e ficou perto dela quase até o fim, per-
u a n d o constantemente: " O n d e está A r t u r ? "
o
Raisa Kibizova t e m 62 anos. Em I de s e t e m b r o , ela havia
ompletado quarenta anos de magistério."Como poderia ter imagi-
do que passaria aquela data sem receber flores, mas sob uma chuva
e balas?" C o m o m u i t o s professores experientes, Raisa Kibizova
senta-se ereta e m a n t é m a cabeça erguida, m e s m o agora que c o m e -
çou uma campanha em Beslan - fomentada deliberadamente pelos
-rviços de inteligência e por agentes do Gabinete do Procurador-
ral - para buscar "os matadores" entre os professores sobreviventes.
"Sim, estão t e n t a n d o jogar a culpa em nós, c o m o se dissessem:
les não p o d e m ter c u m p r i d o seu dever para c o m as crianças se
obreviveram e as crianças, não.' N ã o imaginei q u e alguém pudesse
ter feito q u a l q u e r coisa para salvar a l g u é m , antes ou depois da
explosão. N ã o havia nada a ser feito. O dever dos professores que lá
estavam era de ser um amigo mais velho, dar e x e m p l o e dar força às
crianças. Foi exatamente o que eles fizeram até a explosão. Depois
ela, nada mais havia a fazer. Em 3 de s e t e m b r o , todos estavam
completamente confusos, tendo alucinações. Esforcei-me para p r o -
teger Aslan, mas no fim não fui capaz de fazê-lo.
o
Em I de setembro, estávamos entre os primeiros a ser m a n -
dos para o ginásio p o r q u e nossa classe, a 2A, ficava perto das p o r -
da escola. Fiquei sentada no saguão na frente da minha turma.
Atrás de mim, estavam os alunos e seus pais. Os explosivos estavam
pendurados acima da m i n h a cabeça. A r t u r Kisiev estava c o m seu
1 0
- Os terroristas disseram: 'Todos os pais v e n h a m para a frente,
Por favor.' C i n c o minutos depois, eles atiraram nos pais no corre-
o r
- Foi assim q u e dois alunos meus p e r d e r a m os pais, Misikov e
S 1
ç v . Eu disse aos m e u s alunos: 'Eles não vão atirar em crianças.'
Aslan estava d e i t a d o aos meus pés e disse q u e estava c o m
m
e . Fiz o q u e p u d e para alimentá-lo. Na primeira noite, havia
a
Jovem mãe p e r t o de nós, c o m um filhinho que não parava de
216 ANNA P O L I T K O V S K A Y A
as u e
crianÇ 1 então trata-se simplesmente d e erros d e iden-
tificação. Todos foram encontrados, só que foram misturados."
Em 1° de setembro, Aza foi sozinha à escola pela primeira vez,
como suas melhores amigas de t u r m a e ela, q u e estavam c o m e ç a n -
do a crescer, t i n h a m c o n c o r d a d o em fazer. U m a delas era Sveta
Tsoy, uma garota coreana, que foi identificada somente em 27 de
setembro pela análise do D N A , p o r q u e suas pernas haviam sido
explodidas e seu c o r p o não podia ser identificado.
Outra amiga, E m m a Khaeva, era cheia de energia. Q u a n d o
estava c o r r e n d o para a escola pela m a n h ã , s e m p r e e n c o n t r a v a
tempo para dizer b o m dia a todos os vizinhos e perguntar às s e n h o -
ras idosas do c a m i n h o c o m o estavam se sentindo. Seus pais tiveram
sorte. Ela t a m b é m foi morta, mas p ô d e ser enterrada n u m caixão
aberto.
E havia Aza, a filha única e adorada de R i m m a e Sacha. R i m m a
deu a Aza todas as o p o r t u n i d a d e s q u e Beslan tinha a oferecer:
dança, canto, idiomas. " E u costumava dizer a m i m mesma que as
três eram pessoas do século X X I " , prossegue R i m m a . " N ã o eram
como nós. T i n h a m u m a atitude positiva perante a vida. Elas q u e -
riam muito. Aza tinha opinião própria a respeito de tudo. Era u m a
filósofa."
Tudo que sabemos é que E m m a , Sveta e Aza foram inicialmen-
te separadas no ginásio, mas no terceiro dia conseguiram se reunir.
Elas decidiram c o m e m o r a r o aniversário de M a d i n a Sazanova,
outra colega, e da última vez em que foram vistas estavam sentadas
sob a janela cuja parede foi detonada para criar um buraco p o r
onde as crianças escapassem.
' N ã o ouvi falar de n i n g u é m que estivesse perto daquela pare-
de e tenha s o b r e v i v i d o " , conclui R i m m a . " T u d o q u e nos resta
a
gora e enterrar Aza. Percorremos os endereços da lista c o m o se
fosse um trabalho. Tentamos fazer c o m q u e as pessoas concordem."
Q u e respeito se pode ter por u m a m á q u i n a estatal que r e p r o -
uz l o u c a m e n t e esses eventos cataclísmicos p o r seus cidadãos?
Pri
meiro Nord-Ost, depois Beslan. O Estado se recusa a admitir res-
ponsabilidade p o r qualquer coisa e furtivamente t a m b é m se esqui-
Va
de todos os seus outros deveres. D e v e haver exumações? D e i x e
U e 0s m a
^ i s vulneráveis s e p r e o c u p e m c o m isso. Vamos colocá-los
contra os o u t r o s , as famílias q u e e n t e r r a r a m seus m o r t o s e
220 ANNA POLITKOVSKAYA
12 de novembro
Em M o s c o u , o Congresso Nacional de Cidadãos reuniu delegados
de todas as partes da Rússia. Havia esperanças de que ele se trans-
formasse n u m a frente de salvação nacional, mas isso não funcionou.
A razão é simples: Georgi Satarov e Liudmila Alexeieva, que orga-
nizaram o evento, não querem pisar nos calos do Kremlin. Assim,
sentados na mesa diretora, eles r e p r i m e m as críticas "excessivas" a
Putin e, em conseqüência disso, no final das sessões, não há quase
n i n g u é m no auditório. Q u a n d o Gary Kasparov, o líder da oposição
que está c o m e ç a n d o a deixar sua marca, subiu ao pódio para falar,
as pessoas gritaram: "Kasparov para presidente!" Os organizadores
ficaram tão i r r i t a d o s c o m aquilo, q u e marginalizaram Kasparov
pelo resto do Congresso.
O centro do palco foi tomado pelas mesmas velhas figuras, que
r e d u z i r a m t u d o a u m a conversa e n t r e a m i g o s , m o l d a n d o o
Congresso à sua própria imagem.
A p e r g u n t a é: p o d e existir uma oposição democrática extrapar-
lamentar no presente? Caso venha a existir, ela será capaz de man-
ter a cabeça acima da água numa sociedade corrupta onde somen-
te aqueles q u e p o d e m intermediar j u n t o às autoridades conseguem
levantar fundos dos "patrocinadores"?
De qualquer maneira, quem poderia apadrinhá-la? Somente os
oligarcas e, c o m o está aberta a t e m p o r a d a de caça aos oligarcas,
n e n h u m deles o faria, exceto Berezovski. Um elo financeiro com
ele enviaria eleitores para a direção oposta.
Há o u t r o problema. O ódio não funciona c o m o plataforma
para eleições parlamentares e luta política na Rússia. Os democra-
tas não p o d e m construir sua campanha c o m base no ódio.
221
u M DIÁRIO RUSSO
110 - 14 de dezembro
Um incidente em Blagoveschensk envolvendo três policiais masca-
rados e os proprietários de um cassino local, dos quais o prefeito
tinha rancor, levaram a uma reação grotescamente exagerada quan-
do o vice-ministro do Interior da Bachkiria enviou uma unidade
de O p e r a ç õ e s Especiais composta p o r quarenta homens. Armados
de cassetetes e fuzis, eles desceram na rua principal e começaram a
arrastar e p r e n d e r todos os homens que encontravam nos cafés e
estabelecimentos de jogo. Os presos foram fotografados, tiveram
suas impressões digitais tiradas, foram espancados e forçados a assi-
nar declarações em branco.
As m u l h e r e s , depois de revistadas em público, foram levadas
para urna sala no primeiro andar da Diretoria de Assuntos Internos
da cidade. Os h o m e n s de Operações Especiais fizeram fila na porta
e testemunhas afirmam que meio balde de camisinhas usadas foi
r e t i r a d o , d e p o i s , da sala. N o s q u a t r o dias subseqüentes, muitos
h o m e n s foram espancados e muitas mulheres estupradas. Os m o t o -
ristas de táxi locais contam que os milicianos mandaram que eles
fossem buscar vodca e que os gritos das garotas podiam ser ouvidos
da piscina local. Mais tarde, os ataques se espalharam pelas aldeias da
vizinhança.
Seguiu-se uma maciça tentativa oficial de intimidar testemu-
nhas e ocultar a realidade do que aconteceu.]
14 de dezembro
U m g r u p o d e estudantes p e r t e n c e n t e s a o Partido Bolcheviqm
Nacional entrou na área de recepção da administração presidência
naTravessa Bolshoi Cherkasski,fez u n i a barricada num dos gabine-
tes do andar térreo e começou a gritar slogans pela janela. "Putin
u M DIARIO RUSSO 223
Nossos invernos
e verões de insatisfação
•
Em janeiro houve protestos gerais. Os doentes perderam o direi
à assistência médica gratuita. Os soldados perderam o direito de
enviar cartas para casa sem pagar a postagem, uma perda monstruo-
sa p o r q u e eles quase não t ê m dinheiro. Se seus pais não puderem
lhes dar o dinheiro, não haverá cartas em casa. As grávidas perderam
o direito à licença remunerada, u m a péssima solução para elevar
nossa reduzida taxa de natalidade.
[ N o verão de 2004, q u a n d o a reforma foi aprovada pela Duma,
A n n a estava em Ekaterinburgo, nos Urais. Ela escreveu o seguinte:]
•
D I Á R I O RUSSO 229
fica é limpo, mas o cheiro de quarto de doente não sai. A urina flui
um saco preso à cama.Toha está coberto de feridas e infecções,
e seu sistema imunológico não consegue combater.
" Q u e fazer? O que comer? Seus cateteres são trazidos p o r u m a
ex-colega de escola. Ela trabalha na clínica de câncer e os furta para
el e N ã o podemos comprá-los", diz Nadejda.
Um veterano inválido só p o d e contar c o m u m a seleção ridícu-
la de medicamentos irrelevantes; pelos medicamentos essenciais, ele
precisa pagar. O custo dos m e d i c a m e n t o s de que Tolia necessita
excede muitas vezes o "pacote social"."E há os cateteres. Eles e n t o -
pem constantemente. Ele precisa de um colchão para não ficar c o m
feridas. N ã o sei o que fazer."
" N e n h u m dinheiro chegará até nós, porque nunca chega", diz
Tolia. " N ã o acredito n u m a palavra do que o governo diz." Em seus
olhos calmos, vê-se que ele está preparado para morrer.
É difícil acreditar q u e K a r p u c h i k h a está no m e s m o país de
Moscou, o u m e s m o E k a t e r i n b u r g o . N e m u m ú n i c o assistente
social visitou Tolia no ano e m e i o em que ele está preso ao leito. A
cadeira de rodas dada a ele no hospital de ex-combatentes incapa-
citados em Ekaterinburgo está n u m canto e não é usada. N ã o há
ninguém para ajudá-lo a descer do seu quarto no p r i m e i r o andar
para tomar ar.
E b o m escrever histórias edificantes a respeito de pessoas que
lutaram para ter um futuro decente, apesar da desesperança e da
brutalidade da vida na Rússia; mas a verdade é que há m u i t o mais
histórias como a de Tolia, pessoas fracas no fundo da pilha, que só
podem sobreviver no r e m o t o cenário provinciano dos seus últimos
dias se receberem apoio social. R e t e r o custo integral do tratamen-
to médico de pessoas c o m o Tolia equivale a sentenciá-las à m o r t e .
A máquina do Estado torna-se um agente de seleção natural.
Estamos no meio do dia. Um bêbado c o m um o l h o preto e as
calças arriadas agarra u m a m u l h e r corpulenta e desgrenhada c o m
u
m a saia curta o suficiente para revelar suas coxas inchadas. U m a
Multidão de espectadores gargalha sob a janela de Tolia, mas n i n -
guém olha para cima. A q u i ou você é um colega b ê b a d o ou não
em lnt
e r e s s e para n i n g u é m . Aqui, nas florestas remotas d a Rússia.
e v c a e u m a
É .^ ^ cidadezinha n a rodovia E k a t e r i n b u r g o - M o s c o u .
mcil gostar do lugar. É um t e r r i t ó r i o de política extremada,
234 A N N A POLITKOVSKA
es
r a ç õ de combate, e o inspetor de bilhetes vai em frente. Eles ficam
longe de mim."
" N ã o valeria a pena conseguir educação formal?"
"Para quê? N ã o , obrigado."
Peço-lhes que e n c o n t r e m um " t c h e t c h e n o " sóbrio para c o n -
versar. O tempo passa. No fim da tarde, em R e v d a , não há n e n h u m .
Valeri Mokrousov, um amigo de Baranov que lutou na Guerra do
Afeganistão e é presidente da Associação de E x - c o m b a t e n t e s , entra
e sai. Ele é c o n s t a n t e m e n t e distraído p o r telefonemas. Q u a n d o
nossa conversa na estação ferroviária está t e r m i n a n d o , ele m e n c i o -
na: "Acabei de tentar falar c o m O l e g Donetskov, mas a mulher dele
me xingou. Ele está caído de bêbado. Ele c o m b a t e u em ambas as
guerras na Tchetchênia e sofreu u m a concussão."
"Concussão? Ele n ã o deveria beber!"
"Bem, o que você espera?" Baranov retorna à discussão, atiran-
do suas palavras diretamente para m i m . "Você t e m u m a opção: ou
toma vodca ou volta para a Tchetchênia. Eu voltei sob contrato."
"Para quê?"
"Para tirar férias. Para fugir do seu m o d o de vida civil. Aqui, eu
sei onde estou. Aqui não há nada senão problemas.Todos os nossos
rapazes estão em busca da verdade e não a e n c o n t r a m . Q u a n d o
volta de lá, você vê as coisas c o m clareza.Tudo aqui é podre. Irmão
abandona irmão. E u m a merda completa. Lá todos são honestos:
estamos aqui, o inimigo está lá - lute e atire!"
Viatcheslav Zikov, presidente da Associação de E x - c o m b a t e n -
tes da Província de Sverdlovsk, serviu c o m o motorista de ambulân-
cia na atual guerra. Ele confirma o que Baranov está dizendo.
Setenta p o r c e n t o dos nossos rapazes t e n t a m voltar para lutar
novamente. Por desespero. Mas somente uns 3 0 % são selecionados
como soldados contratados."
Você ouviu falar q u e os benefícios estão sendo abolidos?"
Q u e m se importa? Isso não irá salvá-los." Esse prognóstico
v
e m de outro indivíduo. " S o m o s a favor de Jirinovski.Teremos um
m
o v i m e n t o patriótico em a n d a m e n t o ; tirar os garotos das ruas e
colocá-los em clubes de soldados patriotas. Se lhes mostrarmos o
caminho, as coisas p o d e r ã o dar certo."
'Dar certo c o m o ? "
C o m u m a monarquia."
236 A N N A POLITKOVSKAYA
o
I de janeiro de 2005
Na cidade tchetchena de Urus-Martan, três garotos fugiram para
lutar na Resistência. Eles deixaram bilhetes para os pais, explicando
q u e n ã o p o d i a m mais a g ü e n t a r a ilegalidade e n ã o v i a m outra
maneira de punir os malfeitores.
9 de janeiro
O u t r o s quatro jovens de U r u s - M a r t a n , c o m idades entre 25 e trin-
ta anos, fugiram para se j u n t a r à Resistência. Em janeiro, houve um
n ú m e r o recorde de recrutas. Isso é uma resposta às brutais limpezas
em grande larga escala dos seis últimos meses.
12 de janeiro
Em 12 de j a n e i r o , R a m z a n Kadirov, o l u n á t i c o v i c e - p r i m e i r o -
ministro da T c h e t c h ê n i a , partiu c o m u m a c o l u n a de cem a 150
jipes para atacar os daguestanis. Q u a n d o chegaram à fronteira entre
a Tchetchênia e o Daguestão, os policiais em serviço fugiram ater-
0
rorizados. As tropas de Kadirov detiveram e depois libertaram
chefe de polícia regional.
DIÁRIO R U S S O 237
14 de j a n e i r o
Aslan Maskhadov, p r e s i d e n t e da R e p ú b l i c a T c h e t c h e n a de
Itchkeria, anunciou um cessar-fogo unilateral de um mês. Ele orde-
nou que todos os seus grupos armados cessem as hostilidades até 22
de fevereiro.
O que isso significa? Desgaste de inverno? U m a tentativa de
ganhar a boa vontade p o r q u e ambos os lados estão cansados da car-
nificina e devem parar? Ou ele está testando sua autoridade? E pre-
ciso supor que haja um p o u c o das três alternativas. Ao anunciar o
cessar-fogo, Maskhadov está, antes de mais nada, se testando e c o m
muita coragem, p o r q u e está agindo publicamente. N ã o é segredo
que muitas pessoas d ã o de o m b r o s q u a n d o o u v e m falar em
Maskhadov e p e r g u n t a m q u e m ele de fato controla.
Os motivos para esta falta de confiança são óbvios; Maskhadov
se mantém nas sombras. Por muitos anos, ele t e m se recusado a ver
jornalistas, t e m e n d o ter o destino de A h m a d - C h a k h Masud, do
Afeganistão, m o r t o p o r jornalistas especialmente enviados para este
propósito. Por e n q u a n t o , o a u t o - e x a m e de M a s k h a d o v não está
indo bem. O uso de minas terrestres contra os federais não está
diminuindo e, seja lá q u e m o estiver planejando, n ã o está dando
atenção ao cessar-fogo.
Esse também é um teste para um Kremlin q u e não é notável
por suas respostas corajosas.
O primeiro a levantar a voz contra o cessar-fogo foi, natural-
m e
n t e , A l Alkharnov, o "presidente da T c h e t c h ê n i a " indicado pelo
u
15 de janeiro
As mães dos soldados m o r t o s na Tchetchênia enviaram de volta I
Putin sua " c o m p e n s a ç ã o " mensal de 150 rublos [US$6] em protes-
to contra a retirada dos benefícios em espécie.
Antes de 1° de janeiro, as mães cujos filhos haviam sido sacrifi-
cados no n o r t e do Cáucaso tinham direito a tratamento médico
gratuito, viagens gratuitas em transportes públicos, u m a passagem
de trem, avião ou navio pela metade do preço p o r ano; elas também
pagavam a metade do preço pelos serviços de telefone e televisão e
t i n h a m direito a um empréstimo em condições preferenciais e a
um lote grátis de terreno.
Isso era inteiramente justo. Na maior parte dos casos, o Estado
usa os filhos das famílias mais p o b r e s para c o m b a t e r na
Tchetchênia. Muitas vezes a mãe é solteira. As pessoas que estão
b e m de vida e t ê m alguma influência resgatam seus filhos da infe-
licidade do s e r v i ç o no e x é r c i t o e c e r t a m e n t e do serviço na
Tchetchênia.
As manifestações contra a monetarização estão crescendo.Todos
os dias as pessoas devolvem os pagamentos. Causas políticas não pro-
d u z e m nada c o m o a reação a uma política que atinge o bolso das
pessoas e Putin p o u c o t e m a temer. Ele lhes atirará algum dinheiro,
o povo russo não conseguirá tirá-lo do poder e suas agressões serão
dirigidas contra qualquer estranho que esteja na vizinhança.
17 de janeiro
O primeiro referendo da Rússia via Internet está em andamento
no site www.skaji.net [Skaji net! significa " D i g a n ã o ! " em russo].
Essa é u m a iniciativa clássica. Alguns e s t u d a n t e s do Instituto
Superior de E c o n o m i a se reuniram e decidiram convidar os cida-
dãos a votar na N e t sobre duas questões:
R e c e b i um t e l e f o n e m a de A l e x a n d e r K o r s u n o v , o líder da
equipe, que solicitou apoio.
"Mas q u e m é você?", perguntei. " D e que partido é você?"
" N ã o sou n i n g u é m . Estamos apenas fazendo o referendo."
Os estudantes q u e c o n c e b e r a m o projeto n ã o p e r t e n c e m a
nenhum partido político em especial, embora sua iniciativa tenha
posteriormente recebido apoio formal do Iabloko, do R o d i n a e do
Partido Comunista.
Os estudantes escreveram:
19 de Janeiro
Se os protestos contra a Lei 122 continuarem no nível atual, está
claro que haverá u m a crescente coincidencia entre os interesses dos
manifestantes e aqueles da polícia enviada para pacificá-los.
Em sua maioria, os q u e trabalham para os órgãos de segurança
t a m b é m estão p e r d e n d o benefícios. Seus salários são tradicional-
m e n t e baixos — eles não g a n h a m mais de 3.000 rublos p o r mês
(menos de US$120). Esses protestos estão tendo lugar em grandes
cidades e a maioria dos policiais vive nos subúrbios. Até este mês,
eles t i n h a m transporte público de graça. Surgiram relatos de pedi-
dos de demissão em massa na polícia de M o s c o u . Um policial se
m a t o u quando estava de serviço no centro de M o s c o u , guardando
os escritórios da Diretoria para a Luta Contra o C r i m e Organizado;
ele havia c o n t a d o aos colegas que não podia mais alimentar sua
família. O Ministério da Defesa notificou oficialmente o Soviet da
Federação de que u m a pesquisa realizada este mês mostrou que 80%
dos oficiais estão insatisfeitos c o m a lei sobre benefícios e somente
5% dos oficiais consideram satisfatória sua situação material.
Suspeito q u e as a u t o r i d a d e s do Estado estão c o m e ç a n d o a
prestar atenção p o r q u e elas sabem que, além das forças de seguran-
ça, n i n g u é m as apoia. Elas começaram a oferecer subsídios e com-
pensações para reduzir a inquietação. Elas viram policiais se recu-
sando a espancar manifestantes e isso as fez lembrar da Revolução
Laranja da Ucrânia, o n d e as forças de segurança se recusaram a ati-
rar no próprio povo e m u d a r a m de lado. Aquele foi o m o m e n t o
decisivo.
E m M o s c o u , foi m o n t a d a u m a coalizão d e organizações
voluntárias: a Solidariedade Social (SOS). Ela c o n v o c o u pronta-
m e n t e manifestações em toda a Rússia em 10 e 12 de fevereiro,
"Dias Nacionais de Ação C o n j u n t a " contra a política anti-social
das autoridades. A S O S é u m a organização p r ó - c o m u n i s t a e os
democratas mais u m a vez perderam o barco. Ela está exigindo o
r e p ú d i o à Lei 122, o a u m e n t o das pensões em 100%, a reforma do
sistema fiscal em favor das regiões e dos grupos de baixa renda da
população, a demissão de todos os deputados do RU e dos m e m -
bros do governo.
N i n g u é m queria fazer confusão a respeito do verão e do o u t o -
no últimos. Foi somente q u a n d o os benefícios foram de fato retira-
u M DIÁWO RUSSO 241
os
dos e pensionistas ficaram impossibilitados de usar o transporte
público com suas carteiras que os protestos decolaram.
22 de janeiro
Neste sábado, t a m b é m h o u v e manifestações. O u t r a s pesquisas de
opinião realizadas em janeiro dizem que 58% dos que antes goza-
vam dos benefícios em espécie apoiam os manifestantes. A pesqui-
sa foi feita pela emissora estatal de televisão Canal U m .
Em Krasnoiarsk, mais de 3.000 pessoas protestaram contra um
aumento nos preços da eletricidade. A partir de 1° de janeiro, um
cliente pode usar s o m e n t e 50 quilowatts-hora p o r mês; qualquer
valor acima deste será cobrado pelo dobro da tarifa. Na maior parte
dos prédios residenciais em Krasnoiarsk, o a q u e c i m e n t o central é
extremamente ineficiente e, c o m o a Sibéria é m u i t o fria no inver-
no, as pessoas não t ê m opção a não ser deixar seus aquecedores elé-
tricos ligados. N ã o há c o m o usar somente 50 quilowatts-hora p o r
mês - as pesquisas sugerem que um cidadão m é d i o usa duas a três
vezes mais que isso.
Em Ufa, quase 5.000 pessoas compareceram a uma reunião no
centro da cidade para exigir que o presidente Murtaza R a k h i m o v
repelisse a monetarização na Bachkiria até 20 de fevereiro ou então
pedisse exoneração. Depois da reunião, pensionistas vestindo roupas
laranja bloquearam u m a das ruas principais. Desfraldando as b a n -
deiras laranja da revolução ucraniana, eles c o m e ç a r a m a colher assi-
naturas para um referendo sobre a eleição direta de prefeitos nas
cidades da Bachkiria.
Em Moscou, dez ativistas da Vanguarda da Juventude Vermelha
foram presos p o r " t e n t a r marchar até o p r é d i o da administração
presidencial", e m b o r a eles t e n h a m sido presos p e r t o da Estação
le
orusski, situada a dois ou três quilômetros de distância. Tinha
Klo uma manifestação contra a monetarização na estação, orga-
n i z
a d a pelos comunistas, à qual c o m p a r e c e r a m de 3.000 a 4.000
Pisoas. Muitos jovens e o Partido Bolchevique Nacional t a m b é m
'ciparam. Seus slogans eram "Viagens de graça para os policiais
ados , " P a r e m de roubar os pensionistas", "Fora c o m a lei
para ex A
uc
~ o m b a t e n t e s " , " A b a i x o o regime Putin!","Abaixo a claque
de
E l Puta!"
242 A N N A POLITKOVSKAYA
23 de janeiro
As autoridades estão despertando para o fato de que precisam fazer
alguma coisa a respeito desses protestos. Os canais de televisão esta-
tais c o m e ç a r a m a veicular propaganda para explicar por que a nova
lei de monetarização é boa e pensionistas idosos dizem como estão
satisfeitos c o m t u d o .
Alexander Jukov, o primeiro vice-primeiro-ministro, é o prin-
cipal defensor da lei. Aqui está um exemplo: " H á protestos onde os
pagamentos recebidos dos orçamentos regionais são inferiores ao
custo real dos benefícios abolidos. P o r é m , q u a n d o esta lei foi apro-
vada, foi acordado que as regiões c o m recursos suficientes podem
fazer pagamentos mais altos, caso o queiram."
Este é o principal objetivo das autoridades do governo central-
transferir a culpa para as autoridades regionais, apesar de oitenta das
243
u M DIÁRIO RUSSO
es s e r e m
g9 regi° totalmente dependentes dos subsídios que rece-
bem do orçamento federal. Jukov se baseia no fato de que a m a i o -
ia das pessoas simplesmente não sabe c o m o funciona o financia-
mento.
Mikhail Zurabov, o ministro da Saúde e do Desenvolvimento
Social, está sempre dizendo para as pessoas n ã o se preocuparem.
"Quantias adicionais estão sendo alocadas do orçamento federal.
Em 2004, a despesa c o m benefícios foi de 100 bilhões de rublos
[US$3,84 bilhões], mas, em 2005, estamos alocando 300 bilhões de
rublos [US$11,6 bilhões]. Estamos apenas t e r m i n a n d o os detalhes.
A decisão será tomada hoje ou na segunda-feira."
Zurabov afirma que a Lei 122 foi introduzida para regularizar
a entrega de benefícios. Ele diz que, apesar de as pessoas t e r e m
benefícios em espécie, não era alocado n e n h u m recurso financeiro
para eles. "Precisamos tornar as pessoas livres e independentes do
Estado e para isso precisamos melhorar sua situação financeira."
Isto é b o b a g e m : o novo sistema é tão oneroso e administrado
em excesso, q u e falar de liberdade é casuísmo. Os idosos precisam
ficar em filas p o r quatro horas para receber o dinheiro para um mês
de ônibus! No mês seguinte, eles t ê m de fazer t u d o de novo. N ã o
há dúvida de q u e o velho sistema de b e m - e s t a r social era i n c ô m o -
do e tinha muitos defeitos, mas o novo sistema é pior e, além disso,
está causando grandes dificuldades financeiras a milhões de pessoas.
Outra alegação constante na televisão é q u e as manifestações
de protesto estão sendo organizadas pela máfia que controla as far-
mácias e o sistema de transportes. D i z e m q u e a oposição está
explorando a situação para marcar p o n t o s políticos. A oposição
democrática, ao contrário, não está t e n t a n d o marcar pontos, e m b o -
ra pudesse e devesse fazê-lo.
25 de janeiro
adoção de resoluções.
Kasparov sai antes do fim da reunião. Ele fica no corredor por
muito t e m p o , reclamando que os democratas mais uma vez estão
perdendo o barco. O barco já está transportando o povo da Rússia
para um estágio diferente e a orquestra à espera para saudá-lo lá não
é o Congresso dos Cidadãos.
Só São Petersburgo conseguiu reunir todos os partidos e movi-
m e n t o s d e o p o s i ç ã o n u m a assembléia consultiva denominada
Resistência dos Cidadãos de Petersburgo. Ainda mais surpreenden-
te é o fato de ela estar em ação todos os dias.
As manifestações em São Petersburgo são as mais vigorosas e
abertas do país; Putin é menos apreciado em sua cidade natal. A
Resistência dos Cidadãos de Petersburgo está exigindo a restaura-
ção das eleições de governadores, a dissolução da D u m a , a abolição
da Lei 122, a exoneração do presidente e do governo, o aumento
das pensões e a abolição da censura na televisão estatal.
27 de janeiro
Os manifestantes de São Petersburgo formaram um corredor vivo
na entrada da Assembléia Legislativa da cidade na praça Santo Isaac.
Q u a n d o os deputados chegavam, t i n h a m de passar pelo corredor e
ouvir os gritos de "Vergonha do Rússia U n i d a " , "Vergonha desta
D u m a " , " F o r a Putin!" U m a das manifestantes queimou sua cartei-
ra de m e m b r o do RU diante da porta da Assembléia.
28 de janeiro
Estamos d i s c u t i n d o o que está a c o n t e c e n d o no Congresso dos
Cidadãos c o m Liudmila Alexeia. Ela admite que não t e m muita
esperança a respeito do Congresso.
" E n t ã o p o r que perder t e m p o ? "
" Q u e m sabe — pode ser que funcione!", responde ela.
DIÁRIO RUSSO 245
U M
30 de janeiro
pa Internet: "E agora, Camaradas D e p u t a d o s , todos aqueles q u e
votaram a favor da eleição de Vladimir Vladimirovitch para czar
dem abaixar as mãos e sair de perto da parede."
^ Há um a n o , n e n h u m a piada c o m o esta estava circulando.
Estávamos na era da Grande Depressão política. As pessoas tinham
medo do poderoso Putin, que havia acabado c o m a oposição.
Sempre q u e há u m a crise aguda, P u t i n se recolhe e só q u a n d o
a poeira assenta é q u e ele sai para fazer u m a declaração neutra.
Agora ele é visto c o m o u m a piada? Ou será que estão resignados
com ele, prevendo um retorno ao Período de Estagnação, e c o m o
riso, como fizeram na época de Brejnev, na privacidade das suas
cozinhas? Parece q u e preferimos u m a revolução vinda de cima,
quando alguma coisa impede os que estão no t o p o de continuar à
velha maneira.
o
I de fevereiro
Uma pesquisa de opinião feita pelo C e n t r o Analítico Iuri Levada,
encomendada pela Fundação Veredicto do Povo, constata que 7 0 %
dos entrevistados não confiam nos órgãos de c u m p r i m e n t o da lei e
os vêem c o m apreensão. Setenta e dois p o r cento acreditam que
podem sofrer em conseqüência da falta de responsabilidade desses
órgãos. S o m e n t e 2% declararam que não há problemas de arbitra-
riedade nos órgãos.
2 de fevereiro
A Duma deu permissão ao exército para realizar operações dentro
do país. Q u e esforços foram feitos no p e r í o d o de Ieltsin para garan-
to que as Forças Armadas não pudessem se voltar contra cidadãos
russos! Agora estamos de volta à situação da U R S S . U m a e m e n d a
ao artigo 10 da lei federal "Sobre Defesa" diz: "As Forças Armadas
a Federação Russa p o d e m ser empregadas para neutralizar ativida-
es te
r r o r i s t a s u s a n d o recursos m i l i t a r e s " ( A d e n d o à lei " S o b r e
sa
). Ela está incluída no c h a m a d o " p a c o t e Beslan de leis anti-
errorismo". O único g r u p o a expressar preocupação c o m o uso do
246 A N N A POL1TKOVSKAYA
3 de fevereiro
A administração presidencial entra em ação. Em Tula, os
organizaram um encontro em apoio à Lei 122. Esta é a nova ab
d a g e m da administração presidencial: reuniões às quais comp
c e m " s e u " pessoal. Pessoas idosas são pagas para comparecer -
quantia d e p e n d e das circunstâncias, mas dinheiro m u d a de mãos.
c o r r u p ç ã o do nosso povo continua e nosso povo está totalmen
disposto a ser corrompido.
As reuniões são organizadas pelas autoridades locais depois
um telefonema de coordenação do Kremlin. A "gerência de li-
de P u t i n está viva e vai b e m . Nesses " e n c o n t r o s antiprotestos
governadores que enriqueceram c o m propinas s o b e m aos pala
ques acompanhados por seu séquito de burocratas. Eles promete
c o m o lhes foi mandado, que os pagamentos do bem-estar so
estão prestes a ser aumentados e que tudo voltará a ser exatame
c o m o antes da aprovação da lei. Dia após dia, esses encontros são
i t e m principal nos noticiários da televisão.
T a m b é m em Tula, vemos o governador no palanque c o m
b a n d o de subordinados. O e n c o n t r o foi organizado pelo RU.
governador anuncia que toda pessoa que recebe u m a pensão infi
rior a 1.650 rublos [US$64] receberá bilhetes gratuitos para o s'
t e m a de transporte público da cidade (do qual não resta pratic
o
m e n t e nada). Por outro lado, a partir de I de fevereiro, um bilh
no sistema de transporte de Tula passou de seis para sete rublos.
;
Estranhamente, as pessoas se alegram e agradecem pelos b
tes gratuitos.
10 de fevereiro
Até agora, as pessoas na periferia do império não estão ceden
Em Abakan, Sibéria, a 36 graus abaixo de zero, cerca de trinta p
soas fazem piquete diante do prédio da administração c o m cart
q u e dizem: " N ã o à política anti-social." Na cidade de Kizil, capi
de Tiva, a 45 graus abaixo de zero, 56 pessoas comparecem a
manifestação contra a política de Putin. Em Kharabovsk, al L
2 de fevereiro
n lujno-Sakhalinsk, a Associação pelos Direitos H u m a n o s local
épresentou u m a peça de teatro de rua chamada "O Funeral da
democracia". E m u m b o n e c o e m t a m a n h o natural, representando
jovem democracia, os manifestantes penduraram 15 cartazes acu-
l
15 de fevereiro
Os democratas (o Iabloko e a U n i ã o de Forças de Direita) tentaram
novamente chegar a um acordo. Até agora, seu campo de batalha
ainda está em escritórios em M o s c o u e não nas ruas da Rússia.
Iodos estão cansados dos funcionários democratas, até m e s m o seus
Partidários.
Hoje eles quase conseguiram se unir n u m a reunião do C o m i t ê
-008, porém, mais uma vez, t u d o foi p o r terra no último m o m e n -
to- Resolveram prosseguir c o m as discussões. O grande problema
permanece o mesmo: Q u e m será o primeiro entre iguais? C o m o
Pode lavlinsk ter certeza de q u e Kasparov e Rijkov não o tirarão da
Primeira fila? E n q u a n t o isso, Kasparov e Rijkov decidiram formar
U r r n o v o
?, Partido democrático c o m a n d a d o por eles mesmos, c o m o
'ticos democratas que não levam o ódio da derrota nas eleições
Parlamentares.
252 A N N A POLITKOVSKAYA
16 de fevereiro
G a r y Kasparov foi hoje a São Petersburgo para um encontro cor
tra a monetarização organizado pela Resistência dos Cidadãos
Petersburgo, que reúne vários partidos e grupos democráticos.
P r i m e i r o Kasparov disse q u e queria fundar u m a nova organiz
ção política em São Petersburgo. Ele disse: " A g o r a a capital
protesto é São Petersburgo e é aqui que precisamos estabelecer i
m o v i m e n t o político que possa lançar um desafio aos poderes est
belecidos. E por isso que estou aqui." A seguir, vários dos partici-
p a n t e s da r e u n i ã o b l o q u e a r a m a rua A n t o n e n k o , p r ó x i m a da
Assembléia Legislativa, exigindo o direito de transmissão ao vivo na
televisão de São Petersburgo. N a d a aconteceu. A única coisa que as
autoridades não lhes darão é t e m p o ao vivo no ar.
O Gabinete do Procurador em M o s c o u retirou a acusação de
t o m a d a violenta do poder contra os membros do Partido Bolche-
v i q u e Nacional que ocuparam u m a sala de recepção no prédio da
Administração Nacional. Em vez disso, eles foram acusados de uma
nova transgressão: "organizar d e s o r d e m em massa" (artigo 212).
Trinta e nove partidários de L i m o n o v estão presos em Moscou.
21 de fevereiro
Sergei Schadrin, o vice-ministro do Interior, visitou Blagoveschensk,
o n d e h o u v e u m a brutal operação de "limpeza" em dezembro, na
qual cerca de mil pessoas foram feridas. O Ministério do Interior
continua a se referir a esse ultraje c o m o "a dita l i m p e z a " . Em Ufa
Schadrin chamou as vítimas de "caçadores da verdade", somente para ?ara
DIÁRIO RUSSO 253
U M
3 de f e v e r e i r o
4 de f e v e r e i r o
Puri
> u t l
n encontra-se .
n
encontra-se c o m Bush em Bratislava. Na Rússia, as pessoas
ta
v a n i ansiosas para ouvir o q u e Bush teria a dizer a P u t i n . Todos
254
ANNA POLITKOVSKAYA
26 de fevereiro
E x p i r o u o ultimato para q u e M u r t a z a R a k h i m o v , presidente da
Baskhiria, restaure os benefícios ou se exonere. Ele não fez uma
coisa n e m outra, mas os líderes da oposição desapareceram. As pes
soas estão certas de que R a k h i m o v simplesmente os c o m p r o .
dando-lhes u m a pequena participação na indústria p e t r o q u í m i c :
da B a c h k i r i a . Parece ser o fim da revolução na B a c h k i r i a , p - "
e n q u a n t o . D e v i d o aos longos anos de pobreza, tudo t e m seu pre
e, até que todos t e n h a m o que comer, as pessoas não se incomoda
rão demais c o m a democracia. O q u e elas não c o m p r e e n d e m é qu
s e m um sistema social b a s e a d o em p r i n c í p i o s d e m o c r á t i c o s , e
p o u c o provável que se tenha o suficiente para comer.
27 de fevereiro
D u r a n t e t o d o o mês de fevereiro, a mídia oficial russa t e m n=-=
garantido, de forma m u i t o persuasiva, sobre a impossibilidade de
u m a revolução na Kirghizia: o presidente Akaev estava se esforçan-
do sinceramente para introduzir a democracia para o b e m de seu
U M DIÁRIO RUSSO 255
8 de m a r ç o
15 de março
O FSB afirma ter pago U S $ 1 0 milhões a alguém pelas informações
sobre os movimentos de Aslan Maskhadov.
Seu corpo não foi devolvido aos parentes. D u r a n t e toda essa
barbaridade medieval, P u t i n p e r m a n e c e em silêncio, o q u e signifi-
ca que ela está acontecendo sob suas ordens pessoais. Eu n ã o fica-
ria surpresa se ele tivesse e x i g i d o a cabeça de M a s k h a d o v n u m a
bandeja, c o m o era o costume dos czares da M o s c o u medieval. Por
alguma razão, o c o r p o de M a s k h a d o v foi trazido secretamente para
Moscou, embora n i n g u é m acredite q u e t e n h a sido para alguma
autópsia suplementar. A c h a m q u e foi para P u t i n ficar tranqüilo.
Essa é a moralidade no alto p o d e r da Rússia.
Mais uma vez, soldados desertaram de um posto de fronteira,
desta vez a Unidade de Fronteira do FSB na província de Tchita. As
duas da manhã, quatro deles atiraram no oficial c o m a n d a n t e , no
subcomandante e em outro oficial. Ao fugir, os soldados levaram
quatro fuzis K a l a s h n i k o v c o m 5 0 0 c a r t u c h o s d e m u n i ç ã o .
Deserções p o r tropas de fronteira o c o r r e m pelo m e n o s u m a vez
por mês.
Em Hasaviurt, no Daguestão, a cidade i m p o r t a n t e mais p r ó x i -
ma da Tchetchênia e o n d e v i v e m muitos tchetchenos, t e m havido
tentativas de capturar rebeldes. U m a casa em que se acreditava que
e
les estavam foi cercada e reduzida a entulho, mas os rebeldes apa-
rentemente escaparam através de um cordão triplo de policiais c o m
tQ
d a s as suas armas.
O Ministério da Defesa a n u n c i o u que, em 2 0 0 5 , n ã o corrigirá
0s
salários dos seus oficiais de acordo c o m a inflação. Isto t a m b é m
°correu em 2004. A previsão dos aumentos de preços em 2005 está
P°r volta de 25%.
258 A N N A POLITKOVSKAYA
16 de março
Em Chali, na Tchetchênia, parentes de pessoas seqüestradas recen-
t e m e n t e estão fazendo piquetes diante da administração municipal
pelo terceiro dia consecutivo. Os manifestantes estão exigindo sua
libertação, ou pelo m e n o s informações a respeito delas.
Entre elas, está a família de T i m u r Rachidov, 28 anos, um invá-
lido da Categoria 1 da aldeia de Serjen-Iurt, que foi seqüestrado de
sua casa p o r soldados russos. A mãe, Khalipat Rachidova, relata que
os soldados chegaram em um carro blindado, invadiram a casa, vira-
r a m t u d o de pernas para o ar sem n e n h u m a explicação e despiram
a filha Polina, de 18 anos, para verificar "se tinha marcas provenien-
tes do p o r t e de armas" em seu corpo. A seguir, pegaram T i m u r e se
d i r i g i r a m para a periferia de C h a l i , o n d e fica a Divisão de
O p e r a ç õ e s Especiais n° 2 do Ministério do Interior.
A família de Ruslan Usaev, de Novie Atagi, t a m b é m está fora
do prédio da administração. Ele t e m 21 anos e está no terceiro ano
da U n i v e r s i d a d e de G r o z n i . Em 13 de m a r ç o , ele t a m b é m foi
seqüestrado p o r soldados russos e levado na direção de Chali e
desde então nada mais se soube dele.
O protesto garantiu a libertação de um aldeão de Serjen-Iurt e
de quatro homens da aldeia de Avturi.Todos eles haviam sido tor-
turados e brutalmente espancados. Tudo se passou sem comentário
n e n h u m dos democratas de M o s c o u .
Agora, no início de 2 0 0 5 , a Guerra Tchetchena finalmente foi
a l é m das fronteiras da T c h e t c h ê n i a , i n d o para regiões vizinhas
c o m o I n g u c h é t i a , D a g u e s t ã o , Ossétia d o N o r t e e K a b a r d i n o -
Balkaria. Em cada república, as pessoas protestam à sua maneira. Lá
n ã o existem associações de farnílias cujos membros foram seqüestra-
dos. A Tchetchênia continua a viver c o m o um Estado separado; nin-
g u é m viaja para lá das outras repúblicas, n e m mesmo da Inguchétia,
e depois de Beslan ninguém simpatiza c o m os tchetchenos.
19 de março
N e s t a m a n h ã , A d a m K a r n a k a e v foi seqüestrado em G r o z n i por
h o m e n s armados não identificados. Estava a caminho da mesquita.
DIÁRIO RUSSO 259
u M
23 de março
Por volta das cinco desta m a n h ã , soldados mascarados derrubaram
a porta da frente de u m a casa na rua Nekrasov, em A t c h k h o i -
Jvlartan. Eles levaram Ismail Viskhnov, 31 anos, e seu s o b r i n h o
RustamViskhnov, 2 3 . Os seqüestradores chegaram em veículos sem
placa e eram uma mistura de tchetchenos e russos. N e n h u m órgão
de segurança da T c h e t c h ê n i a admite estar envolvido. N e n h u m dos
homens jamais havia sido rebelde.
Às 5:23, o m e s m o g r u p o de 25 a trinta pessoas invadiu outra
casa em Atchkhoy-Martan, na rua Naberejnaia, o n d e vive a família
Masaev. Eles tiraram S a i d - M a h o m e d Masaev, 31 anos, da cama. Ele
é motorista de um ô n i b u s regular e n t r e G r o z n i e A t c h k h o y -
Martan. Levaram-no sem permitir que ele se vestisse. Desde então,
ninguém soube dele.
Em Moscou, t u d o continua c o m o sempre. O clube de discus-
sões do Congresso Nacional de Cidadãos debate o tópico " R e f e -
rendos: devem ser realizados e sobre quais assuntos?" E t u d o incri-
velmente tedioso, sem n e n h u m a iniciativa. Um p u n h a d o de d e m o -
cratas anônimos que lá estão e claramente não terão importância
em coisa n e n h u m a . Os jornalistas presentes r i e m b a i x i n h o . Os
democratas da capital n ã o se interessam n e m m e s m o p o r seus p r ó -
prios assuntos, para não m e n c i o n a r a Tchetchênia, o n d e os expur-
gos e sequestros estão em ascensão.
25 de março
m a
^ grande manifestação é realizada sobre a questão dos benefí-
1 0 s n o s
^ confins da nossa terra em Iujno-Sakhalinsk, embora a onda
Protestos esteja quase terminada. N ã o obstante, aqui está u m a
r e s o i u ç o e s
Sakl^ a d o t a d a s pelos manifestantes e m I u j n o -
260 A N N A POLITKOVSKAYA
26 de março
Na aldeia t c h e t c h e n a de Samachki, às 5:00 da manhã, soldados
mascarados falando russo seqüestraram Ibrahim Chichkanov, 21
anos. N ã o p e r m i t i r a m que ele vestisse os sapatos, dizendo: "Para
onde você vai, não precisará deles." O seqüestro foi realizado p o r
cerca de vinte pessoas, que estavam em quatro carros sem placa.
*
Vinte e quatro horas depois, a família descobriu o que estava a c o n -
tecendo no posto policial de A t c h k h o y - M a r t a n . Ibrahim havia sido
seqüestrado sob o esquema de se fazerem "contra-reféns", conside-
rado pelo procurador-geral da Rússia u m a medida aceitável depois
de Beslan. A família Chichkanov recebeu o r d e m de entregar Said-
Khasan Musostov, m e m b r o da Resistência e p r i m o de Ibrahim.
Ele não se entregou e nada mais se sabe a respeito do destino
de Ibrahim.
violações originais;
As q u e i x a s de c o m p o r t a m e n t o ilegal pelos juízes do
Colégio de Qualificação de Juízes não são aceitas para exame
pelos tribunais. A determinação da responsabilidade pública
dos juízes, c o m o manda a lei "Sobre as Instituições da Profissão
Legal", t o r n o u - s e u m a farsa em K h a b a r o v s k . Seis dos sete
representantes do povo no Colégio de Qualificação de Juízes
são indicados pelas autoridades ou pelas instituições judiciais.
em
"limpeza" Blagoveschensk havia sido justificada, e d e outras
autoridades.
pepois de p e r m a n e c e r u m a hora na praça Lenin, a e n o r m e
ultidão marchou nove quilômetros até a sede da Administração
o ikhimov, mas foi i m p e d i d a de se aproximar do prédio p o r uma
^ ^ S i c a d a de ônibus e um cordão de muitos milhares de homens,
rangendo a p a r e n t e m e n t e toda a polícia de Bachkiria. R a k h i m o v
não apareceu. Q u e m saiu foram R a d i K h a b i r o v , d i r e t o r d a
administração, e A l e x a n d e r C h a b r i n , secretário do C o n s e l h o de
egurança da Bachkiria, que receberam a resolução, e o povo se
:
spersou.
Em Moscou, o C o m i t ê 2008 tenta mais u m a vez criar um par-
do democrático u n i d o e fracassa. Kasparov p r o p õ e que sejam c o n -
dados a vir a M o s c o u representantes regionais da oposição para
ue eles decidam q u e m deve encabeçar a lista de candidatos d e m o -
cráticos. Os líderes de M o s c o u t e m e m reunir a oposição provincial,
uorque quase certamente eles não irão encabeçar a lista. Impasse.
Em Pskov, trezentas pessoas se r e ú n e m na praça Lenin para
testar a respeito do novo C ó d i g o de A c o m o d a ç ã o Residencial,
reunião foi convocada pelos comunistas de Pskov, em conjunto
om o diretório local do Iabloko e os sindicatos trabalhistas. N e -
"uma das emissoras de televisão da cidade c o n c o r d o u em cobrir a
união, que considerou criminosa a idéia p o r trás do novo C ó d i g o
esidencial, em vigor desde 1° de março: " N a s últimas décadas o
do deixou de c u m p r i r c o m sua obrigação de reparar e m o d e r -
zar os imóveis residenciais, mas dirigiu efetivamente recursos
acionais para a criação de u m a classe de proprietários de imóveis
tre as fileiras dos ocupantes do poder."
Eles exigem que:
27 de março
Hoje, d o m i n g o , é dia de referendos regionais.
Em Saratov, há um referendo a respeito de c o m o o prefeit
deve ser eleito. S o m e n t e p o u c o mais de 7% da população compa-
recem para votar. Eles não parecem se i m p o r t a r se o elegem direta-
mente ou se o prefeito é n o m e a d o pelo governador indicado pelo
K r e m l i n . A F r e n t e Popular da Província de Saratov, associação
regional de todos os partidos de oposição, recusou-se a participar.
Em Bachkiria, foi convocado um referendo pela Sociedade
para a R e f o r m a do G o v e r n o Local, p o r q u e o novo sistema de indi-
cação de líderes cívicos e regionais na R e p ú b l i c a contraria a Carta
Européia de Direitos sobre Governo Local, ratificada pela Rússia
e m 1998.
T a m b é m aqui o comparecimento foi m u i t o baixo, apesar de a
questão afetar todos os cidadãos. A o r i g e m dessa apatia é a crença
firme em que as eleições são fraudulentas e continuarão assim; deste
m o d o , por que votar? De qualquer maneira, 9 0 % dos que compa-
receram votaram a favor da eleição direta dos prefeitos.
M o s c o u está se tornando a cidade politicamente menos ativa
de todas. Se h o u v e r u m a revolução, ela terá de vir das províncias.
A manifestação do Iabloko em M o s c o u diante da sede do
governo, protestando contra a reforma do Escritório Comunal de
Serviços Residenciais, conseguiu reunir somente duzentos manifes-
tantes. O governo está insistindo para que todas as regiões tornem
esses serviços totalmente autofinanciados até o final de 2005 e, num
país c o m tantas pessoas pobres c o m o o nosso, isto estará acima das
posses da maioria. A visão do Iabloko é de q u e o governo não tem
o direito de estimular mais um aumento de preços; ele deveria estar
combatendo a mentalidade monopolista desses escritórios, encora-
piÁR'O Russo 265
ü M
c n
° i l h ã o de rublos [US$20 bilhões] e investi-los no atual sis-
u i l l tr
28 de março
Na Inguchétia, as tentativas de exigir o afastamento do presidente
Murat Ziazikov foram frustradas. Tendo em m e n t e a maneira pela
qual os eventos se desenrolaram em Kirghizia, os organizadores
pensaram que, o n d e há r o u b o , p o d e - s e esperar u m a revolução.
Todos estão se p e r g u n t a n d o se a Rússia p o d e seguir a Kirghizia.
As autoridades acabaram c o m a reunião antes que ela começas-
se. O Memorial para as Vítimas de Repressão Política, na periferia
de Nazran, foi cercado a u m a grande distância p o r veículos arma-
dos, soldados e policiais. Bóris Arsamakov, o líder da Akhki-Iurt,
que organizou a manifestação, foi detido até o final do dia. Na vés-
pera do protesto, o presidente Ziazikov d e i x o u a Inguchétia, por via
das dúvidas - ele nunca está presente q u a n d o fareja problemas —, e só
voltou quando t u d o havia se acalmado.
Embora não tenha sido possível realizar a reunião, a multidão
nao recorreu à violência. Q u a n d o Arsamakov foi preso, os manifes-
tantes quiseram invadir a sede da polícia, mas foram contidos p o r
Musa O z d o e v , d e p u t a d o da Assembléia do P o v o e i m p o r t a n t e
representante da oposição na Inguchétia. Ele entrou no prédio para
negociar a libertação de Arsamakov e, a seguir, convocou as pessoas
que estavam lá fora para que adotassem u m a resolução exigindo o
afastamento i m e d i a t o do p r e s i d e n t e Z i a z i k o v e a c r e s c e n t o u :
Como as autoridades demonstraram covardia trazendo todas essas
tro
P a s para a R e p ú b l i c a , vamos nos dispersar p o r hoje e aguardar
para ver se nossa resolução será implantada."
SS a c a l m o u os
ch ^ ° â n i m o s . M u r a t Oziev, o respeitado e d i t o r -
c e
fe do Anguchi, o único jornal de oposição na República (fecha-
266 ANNA POLITKOVSKAYA
Em resumo:
11 de abril
As últimas palavras de Mikhail Khodorkovski antes de ser senten-
ciado: " N ã o sou culpado dos crimes dos quais sou acusado e, assim,
não pretendo pedir clemência. É u m a desgraça para m i m e para
meu país o fato de ser considerado perfeitamente legal o procura-
dor enganar o tribunal de forma direta e aberta. Fiquei chocado
quando o tribunal e os advogados me explicaram isto. E um estado
de coisas m u i t o infeliz se t o d o o país está convencido de que o t r i -
bunal está agindo sob a influência de autoridades do Kremlin ou
do Gabinete do Procurador-geral.
"De fato, o tribunal está sendo solicitado a decidir que a cria-
ção, o gerenciamento ou a posse de u m a empresa bem-sucedida é
rova de um c r i m e . H o j e não me restam muitas p r o p r i e d a d e s .
Deixei de ser um empresário. N ã o sou mais um dos super-ricos.
Tudo que t e n h o é o c o n h e c i m e n t o de estar c o m razão e m i n h a
determinação para ser um h o m e m livre."
A maioria havia previsto que Khodorkovski pediria clemência.
Ninguém podia acreditar que um oligarca permaneceria um ser
humano decente, a qualquer custo. N i n g u é m confia em oligarcas.
Seus roubos eram demasiadamente públicos e a base da sua r i q u e -
za
e o e m p o b r e c i m e n t o nacional. As pessoas não perdoarão isso,
m a
s poderão sentir pena de Khodorkovski caso ele seja totalmente
esmagado.
15
de abril
Uma segunda sentença foi dada a M i k h a i l Trepachkin, q u e foi
en
q u a d r a d o p o r desertar da K G B e participar de uma investigação
e
p e n d e n t e sobre a explosão de prédios residenciais na Rússia
le
d i a t a m e n t e antes do início da S e g u n d a G u e r r a T c h e t c h e n a .
l n c o a n
° s d e prisão numa colónia penal. O tribunal considerou-
270 A N N A POLITKOVSKAYA
17 de abril
N u m a de suas aparições em M o s c o u , Gary Kasparov foi atingido
na cabeça c o m um tabuleiro de xadrez. Alguém se aproximou dele
supostamente querendo que ele autografasse o tabuleiro. R e c u p e -
rando-se do golpe, Kasparov foi irônico: "Ainda b e m que os russos
preferem o xadrez ao beisebol."
23 de abril
H o j e P u t i n r e c e b e u M i k h a i l F r i d m a n , d o Alpha G r o u p , n o
Kremlin. A elite dos negócios em M o s c o u o estava considerando
um provável candidato ao tratamento Khodorkovski. A recepção
no Kremlin foi um ato típico de relações públicas por Putin, desta
vez para o benefício da petrolífera T N K - B P . Na linguagem do
Kremlin, eles estavam dando "apoio m o r a l " a Fridman.
F r i d m a n p o r e n q u a n t o está nas boas graças do Kremlin. Ele
teve a o p o r t u n i d a d e de dividir sua riqueza e certamente irá aprovei-
tá-la. A pessoa fica mal se as autoridades não lhe dão n e m mesmo a
chance de agradar-lhes. Lorde B r o w n e , um alto executivo da BP,
t a m b é m foi r e c e b i d o no K r e m l i n . T a m b é m estava lá Viktor
Vekselberg, o h o m e m que deixa ovos Fabergé na cesta do Kremlin.
D u r a n t e toda a reunião, Fridman e Vekselberg irradiavam satisfação.
Sergei Glaziev, um deputado da D u m a do partido R o d i n a que
foi ministro de Assuntos E c o n ô m i c o s Externos no início da déca-
da de 1 9 9 0 e h o j e está na oposição, c o m e n t o u : "Eles preferem
Fridman a Khodorkovski porque ele não financia projetos da o p o -
sição."
u M DIÁRIO RUSSO 271
23-4 de abril
Vladimir R i j k o v e n t r o u para o c o n s e l h o p o l í t i c o do P a r t i d o
Republicano Russo. Ele tem o apoio financeiro da Lukoil e agora
se é seu partido. Rijkov alertou q u e os democratas precisam se
i r antes deste verão, para que t e n h a m u m a chance nas eleições
u n
ara a D u m a em 2007.
Gary Kasparov era aliado de R i j k o v no i n v e r n o , mas n ã o
entrou para o P R R . Eles têm em c o m u m a visão de detentor do
carisma, q u e o atual sistema p o l í t i c o precisa ser e l i m i n a d o . Se
Kasparov tivesse p e r m a n e c i d o c o m R i j k o v , p o d e r i a ter sido o
detentor do carisma, c o m R i j k o v s e n d o o c o m b a t e n t e político
iais esperto. Rijkov está dizendo q u e a porta ainda está aberta e
ue o P R R ainda espera dar boas-vindas a Kasparov.
25 de abril
O discurso anual de P u t i n à Assembléia Federal foi, ao m e s m o
tempo, sensacional e cômico. Foi um verdadeiro manifesto de libe-
ralismo, mas pelos seus frutos vocês irão conhecê-los!
Seu tema foi " U m país livre, de gente livre", mas c o m o é p o s -
sível ser livre sem um judiciário i n d e p e n d e n t e ? Ou sem direitos
eleitorais democráticos? C o m u m G a b i n e t e d o Procurador-geral
dirigido politicamente e uma sociedade civil reprimida?
28 de abril
O governo decidiu que os agraciados c o m o título de H e r ó i da
Rússia, da U R S S ou do Trabalhismo Socialista receberão um paga-
mento extra [2.000 rublos, US$78] p o r mês no lugar dos seus p r i -
vilégios.
1° de maio
o
Na Rússia, o dia I de maio é tradicionalmente um dia de encontros
e paradas. Neste ano, a oposição estava em grupos de seis ou sete.
Eles se r e u n i r a m na praça T u r g e n e v , m a r c h a r a m pela rua
Miasnitskaia até além dos edifícios do FSB e fizeram u m a manifes-
tação na praça Lubianka na Pedra Solovi, que homenageia as víti-
mas da era comunista. Seus cartazes diziam: "Por liberdade, vida e
democracia! C o n t r a a violação de direitos civis, políticos, sociais,
e c o n ô m i c o s e culturais na Rússia!"
Havia cerca de mil pessoas. N ã o tão ruim, não um desastre. Na
véspera, em Minsk, 14 de nossos cidadãos haviam sido libertados.
Eles haviam viajado até a Bielorrússia para tomar parte de u m a pro-
cissão organizada pela oposição local. ília Iachin, líder da ala jovem
do Iabloko, voltou a M o s c o u esta manhã. De um púlpito ao lado da
Pedra Solovki, ele nos deu sua visão da prisão Lukachenko,* e nos
disse que, em Minsk, os manifestantes ucranianos foram espancados
c o m mais violência do que os russos.
Q u a n d o os d e m o c r a t a s estavam t e r m i n a n d o , a U n i ã o das
Forças de Direita iniciou seu e n c o n t r o ao lado, na praça Lubianka.
As autoridades devem ter gostado de ver que liberais e democratas
não d e i x a m de brigar n e m m e s m o em feriados.
O principal protesto foi organizado pela ala esquerda, que con-
g r e g o u quase nove mil pessoas. A maior parte dos jovens estava lá.
O P a r t i d o C o m u n i s t a , os B o l c h e v i q u e s Nacionais, o R o d i n a , o
Trabalhista na Capital, a U n i ã o de Oficiais Soviéticos e outros
t i n h a m c o n c o r d a d o em realizar u m a manifestação conjunta. Pela
primeira vez em quatro anos, Eduard Limonov conseguiu liderar a
coluna dos Bolcheviques Nacionais, agora que expirou sua senten-
ça suspensa.
I e v g e n i Baranovski, Lev D m i t r i e v e A l e x a n d e r Tchepaliga
c o m e ç a r a m u m a greve de fome na sede do Partido Bolchevique
N a c i o n a l em Moscou. Eles exigem a libertação de seus colegas de
partido q u e ainda estão na prisão.
Em toda a Rússia, a esquerda trouxe para as ruas um milhão e
o
m e i o de manifestantes no I de maio.
f
Na Inguchétia, as comemorações de maio foram marcadas p o
prisões. Musa Ozdoev, o líder da campanha pela demissão do pre-
Á R I 0 R U S S
273
u M D I °
sidente Ziazikov, foi preso durante a noite. No dia anterior, ele esta-
va numa praça o n d e seria realizada u m a manifestação anti-Ziazikov
e foi preso pela polícia. A meia-noite, o juiz R a m a z a n Tutaev foi
levado à sede da polícia em Nazran; ele distribuiu justiça na cela de
detenção, dando assim expressão simbólica da fusão do judiciário
com as instituições de c u m p r i m e n t o da lei em um único mecanis-
mo estatal de repressão.
Tutaev sentenciou O z d o e v a 72 horas de prisão, oficialmente
por'"vandalismo insignificante". Alegou-se falsamente q u e ele q u e -
brou uma banqueta. C o m o d e p u t a d o do Parlamento R e p u b l i c a n o ,
Musa não p o d e ser preso legalmente sem a sanção da Assembléia do
Povo, mas, c o m o esta é difícil à noite, a formalidade foi dispensada.
Na prisão, Musa iniciou i m e d i a t a m e n t e uma greve de fome
para protestar. Ele descobriu q u e seus companheiros de cela esta-
vam presos p o r tentativa coletiva de suicídio.
2 de m a i o
3 de maio
De Israel, Leonid Nevzlin fez u m a oferta à administração presiden-
cial para vender as ações do G r u p o M e n a t e p na Iukos em troca da
liberdade de Khodorkovski e Lebedev.
P o r i n t e r m é d i o de seus advogados, Khodorkovski, da prisão
Matrosskaia Tichina, recusou a oferta do seu amigo e antigo parcei-
ro de negócios. Khodorkovski declarou que não se considerava cul-
pado e não tinha n e n h u m a intenção de permitir que fosse resgata-
do. Ele lutaria p o r sua liberdade p o r meios legais.
N e v z l i n passou a ter u m a p a r t i c i p a ç ã o c o n t r o l a d o r a na
M e n a t e p depois que Khodorkovski transferiu 59,5% da empresa
para ele para se "concentrar na criação de uma sociedade civil na
Rússia". Essa concentração de esforços foi o início de todos os seus
problemas, pois o Kremlin decidiu que ele era o seu pior inimigo.
Caso ele tivesse pago devidamente a parte do Kremlin, não teria
sofrido n e n h u m dano.
Os acionistas da Iukos anunciaram que não v ê e m razões para
continuar tentando salvar a empresa.
As autoridades estão insinuando ainda mais, na televisão e em
discursos de suas figuras mais proeminentes, que Stalin na realidade
não era tão m a u c o m o disseram. A inauguração de novos m o n u -
m e n t o s a Stalin em r e c o n h e c i m e n t o à sua grande contribuição para
a vitória na Segunda Guerra M u n d i a l é exibida c o m destaque nos
noticiários. A Associação de Direitos H u m a n o s se opôs a essas ten-
tativas de i m p o r a veneração oficial ao Líder. N u m a declaração, ela
comentou:
4 de maio
No Tribunal Distrital de Z a m o s k v o r e t c h i e , em M o s c o u , a juíza
IrinaVasina rejeita um recurso de Svetlana Gubariova. Svetlana foi
refém em Nord-Ost e perdeu na tragédia sua filha de 13 anos e seu
noivo, Sandy Booker, um cidadão americano.
Svetlana exigia que a recusa do procurador a responder às suas
perguntas a respeito de o n d e e q u a n d o sua família m o r r e u deveria
ser considerada ilegal; que as diretivas do Gabinete do Procurador,
recusando-se a rever a prestação de assistência médica d u r a n t e o
cerco de Nord-Ost, deveriam ser consideradas ilegais, e q u e a deci-
são do chefe da investigação, Vladimir Kaltchuk, de não fazer acu-
sações criminais contra os a g e n t e s das unidades de O p e r a ç õ e s
Especiais que realizaram o ataque deveria ser considerada ilegal.
Em voz trêmula, Svetlana leu suas queixas contra o procurador.
Ela observou q u e aqueles q u e m a t a r a m os reféns, inclusive sua
família, receberam prêmios e q u e agora está se tentando de t u d o
para absolvê-los da culpa p o r t e r e m t r a n s f o r m a d o o a u d i t ó r i o
Dubrovka n u m a câmara de gás. A não-responsabilizaçâo dos culpa-
dos conduziu à tragédia de Beslan, ainda maior.
Depois de ouvir p o r cinco minutos, a juíza encerrou abrupta-
mente a audiência. Svetlana esperava criar u m a j u r i s p r u d ê n c i a
fazendo com que o tribunal se pronunciasse sobre a base legal da
J a n e i r a pela qual o inquérito estava sendo conduzido.
9 d e maio
s
aderes de todos os países imagináveis vieram a M o s c o u prestar
^ m e n a g e m a Putin, não à vitória russa na Segunda Guerra M u n -
al- Essa é a interpretação da direita, da esquerda e dos apolíticos.
276 A N N A POLITKOVSKA
11 de maio
Será estabelecida u m a Câmara Social, c o m p o s t a pelos "melhores
elementos da sociedade civil". Eles serão selecionados por Putin
para criticar decisões das autoridades do Estado, inclusive o próprio
Putin.
O C o m i t ê D i r e t o r do Congresso dos Cidadãos descreveu isso
c o m o " u m a tentativa de manipular a sociedade civil em favor dos
interesses dos ocupantes do poder". Por o u t r o lado, acrescentou o
C o m i t ê , é sensato explorar qualquer o p o r t u n i d a d e para influenciar
as a u t o r i d a d e s "e acreditamos que a p a r t i c i p a ç ã o individual de
membros do Congresso Nacional dos Cidadãos na Câmara Social
deve ser vista c o m o mais uma o p o r t u n i d a d e prática para exercer
essa influência".
Será que eles irão se permitir ser comprados desta maneira?
Pode ter certeza de que sim.
12 de maio
Em Novosibirsk, agentes do FSB p r e n d e r a m dois bolcheviques
nacionais, Nikolai Baluev e Viatcheslav Rusakov. O apartamento de
Baluev foi revistado e os agentes removeram folhetos, edições do
j o r n a l Gcneralnaia Unia, do Partido B o l c h e v i q u e Nacional, vinte
videocassetes e um j a r r o . A m b o s os m e m b r o s do partido estão
sendo acusados de "posse de armas" e " t e r r o r i s m o " .
u M DIÁRIO RUSSO 2"
14 de maio
16 de maio
O c o m p o r t a m e n t o p o u c o e d u c a d o dos h o m e n s de O p e r a ç õ e s
Especiais O M O N diante do Tribunal Mestchanski, o n d e o julga-
m e n t o de Khodorkovski e Lebedev está c h e g a n d o ao fim, é um
claro indicador da atitude das autoridades c o m relação à democra-
cia. Eles dissolveram um g r u p o de defensores dos acusados, mas
ignoraram os manifestantes contra a Iukos, que t a m b é m aparece-
ram de algum lugar. No total, 28 pessoas foram presas, c o m os poli-
ciais tirando pessoas da multidão e jogando-as em um ônibus quan-
do t e r m i n o u a manifestação, c o m o se alguém no c o m a n d o tivesse
acabado de acordar. Os manifestantes foram levados para postos da
polícia e lá retidos por sete horas. Entre eles estava Kasparov.
u M DIÁRIO RUSSO 279
21 de maio
Todo ano, desde 1990, a F u n d a ç ã o A n d r e i Sakharov e a Filar-
mônica de Moscou c o m e m o r a m o nascimento de Sakharov reali-
zando um sarau musical no Grande Auditório do Conservatório de
Moscou. Nos últimos 14 anos, o programa tornou-se tradicional: um
concerto clássico c o m discursos breves feitos por importantes figuras
públicas e defensores dos direitos humanos que eram próximos de
Sakharov a respeito dos principais problemas que enfrentamos.
É provável que t e n h a m t e m i d o os discursos, p o r q u e , quando
chegou o m o m e n t o de acertar a décima quinta c o m e m o r a ç ã o este
ano, pela primeira vez, a Filarmônica disse à Fundação q u e o even-
to não seria possível. Sem explicações.
Para m a n t e r intacta a tradição, os admiradores de Sakharov,
recuperando-se da surpresa diante da inesperada manifestação de
democracia gerenciada, realizaram um c o n c e r t o ao ar livre na
pequena praça ao lado do M u s e u e C e n t r o Social Sakharov. O tema
da noite era " E n q u a n t o Corações Ainda Batem pela Vida Honesta".
H o u v e um b o m c o m p a r e c i m e n t o e a n o i t e c o r r e u b e m , à
maneira de Moscou. Trovadores cantaram, poetas recitaram, a can-
tora tchetchena Liza U m a r o v a teve um d e s e m p e n h o perfeito, foi
lida u m a carta de V l a d i m i r , q u e n ã o p ô d e c o m p a r e c e r . Sergei
Kovaliov fez um discurso, assim c o m o Grigori Iavlinski e Vladimir
Lukin, ombudsman da Rússia pelos Direitos H u m a n o s . O concerto
foi apresentado p o r Natella Boltianskaia, u m a excelente composi-
tora, cantora e apresentadora na rádio Eco de M o s c o u , u m a das
ultimas emissoras de rádio livres ainda em operação.
A sensação de derrota, deixada pelo cancelamento do sarau no
conservatório, dissipou-se c o m as primeiras palavras ditas e canta-
das, sendo substituídas p o r u m a grande sensação de solidariedade e
unidade c o m o legado de Sakharov.
Mas os truques ainda não tinham acabado. P e r c e b e n d o que não
haviam conseguido h u m i l h a r o m o v i m e n t o pelos direitos h u m a -
nos, as autoridades voltaram atrás e a Filarmônica c o m e ç o u a a n u n -
C1
a r u m " C o n c e r t o Sakharov" n o Grande A u d i t ó r i o d o Conser-
vatório. Elas m o n t a r a m um concerto paralelo para o qual, natural-
mente, não foram convidados os amigos de Sakharov, n e m os anti-
gos prisioneiros do Gulag, n e m os m e m b r o s do m o v i m e n t o pelos
direitos humanos, n e m os parentes de Sakharov.
280
A N N A POLITKOVSKAYA
As a u t o r i d a d e s p a r e c e m ter d e c i d i d o t e n t a r privatizar
m e s m o a m e m ó r i a de Sakharov. O mais provável é que o obje
fosse jogar areia nos olhos do Ocidente.
22 de maio
E domingo e foram convocadas marchas por toda a nação "pela livre
expressão, contra a censura, a violência e as mentiras na televisão".
Supus que a maioria dos manifestantes seria de membros da
imprensa e que eles iriam liderar o desfile. Na verdade, além dos
jornalistas que c o b r i a m o evento, havia somente dois representan-
tes da imprensa marchando: Ievgenia Albats, que trocou o jornalis-
mo pelo magistério, e eu.
A manifestação fora organizada conjuntamente pelo Iabloko, o
Partido Comunista, a U n i ã o de Forças de Direita, a U n i ã o Russa de
Jornalistas, o G r u p o M o s c o u H e l s i n q u e , o C o n g r e s s o dos Ci-
dadãos, o C o m i t ê 2 0 0 8 , o C o m i t ê pela Defesa dos Moscovitas, o
C o m i t ê pela Defesa dos D i r e i t o s H u m a n o s , a Associação dos
Direitos H u m a n o s , o M o v i m e n t o de Solidariedade e os Bolchevi-
ques Nacionais. L i m o n o v fez um discurso.
Todos se r e u n i r a m no memorial ao A c a d ê m i c o Koroliov, na
avenida dos Cosmonautas, e prosseguiram até o centro de transmis-
são em Ostankino, b l o q u e a n d o a rua.
23 de maio
Os Bolcheviques Nacionais detidos na prisão feminina Petchatniki
pela o c u p a ç ã o , em 14 de d e z e m b r o , de u m a sala no prédio da
administração presidencial, entraram em greve de fome.
24 de maio
A Iukos não mais existe. Seu principal ativo, a Iuganskneftegaz,
comprada c o m auxílio de capital alemão. A holding Iukos-MoscoW
foi liquidada.
u M DIARIO RUSSO 281
28 de maio
Conferência da U n i ã o de Forças de Direita. Nikita Belikh foi elei-
to presidente do c o m i t ê p o l í t i c o e chefe do p a r t i d o . Ele é um
h o m e m do g o v e r n o e v i c e - g o v e r n a d o r da p r o v í n c i a de P e r m ;
assim, a administração conquistou t a m b é m a U n i ã o de Forças de
Direita. Por exemplo, ela d e i x o u prontamente de protestar contra a
abolição das eleições para governadores.
A pedido da administração presidencial, a principal preocupa-
ção da D u m a durante sua sessão de verão t e m sido eliminar os últi-
mos vestígios de democracia na legislação eleitoral. Leis receberam
emendas para garantir q u e as pessoas em desgraça não t e n h a m a
menor chance de c h e g a r ao poder, i n d e p e n d e n t e m e n t e do que
possa pensar o eleitorado. As maiores inovações são:
30 de maio
As 10 da m a n h ã , três partidários de Limonov que estavam em g r e v
de fome na sede d o Partido Bolchevique Nacional (PBN) s a í r a m e
b l o q u e a r a m a entrada para a praça Vermelha. Eles se prenderam
entre os portões da arcada, perto do M u s e u Histórico. Os m a n i f e S "
tantes vestiam camisetas com a legenda "Greve de fome de 29 dias
e exibiam fotos dos prisioneiros políticos do P B N . Eles exigiam su
JJM DIÁRIO RUSSO 283
O p r o t e s t o d u r o u p o u c o mais de m e i a h o r a . As 10:35, os
Bolcheviques N a c i o n a i s foram presos p o r agentes d o Serviço
Federal de Segurança e pagaram u m a multa de 500 rublos [US$20]
por " u m p i q u e t e não autorizado na vizinhança da residência do
presidente".
7 de j u n h o
16 de junho
Representantes da oposição, à esquerda e à direita, assinaram em
Iaroslavl um d o c u m e n t o de aliança, provocando u m a das hoje raras
aparições públicas de Iavlinski. Ele parecia fatigado e deprimido.
Ele c o n t o u aos jornalistas: "Sou convidado periodicamente a
aparecer na televisão apenas para mostrar ao p ú b l i c o que ainda
estou vivo. Ficam satisfeitos em saber disso, mas o interesse pára por
aí. O que fazer nessas circunstâncias? Apenas pedir às autoridades
que lhe c o n c e d a m u m a certa porcentagem dos votos nas eleições.
E c o m o u m a prova esportiva preparada, em q u e o resultado não
reflete a realidade." Atualmente Iavlinski leciona na Escola Superior
de E c o n o m i a em M o s c o u . Ele tem alunos pós-graduados, escreve
livros e faz palestras no exterior.
Nikita B e l i k h , o novo líder da U n i ã o de Forças de Direita,
parece estar p e d i n d o que o Kremlin não persiga seu partido, mas o
veja c o m o útil. " S o m o s uma oposição construtiva. N u n c a dissemos
que somos leais às autoridades, mas ao m e s m o t e m p o não acredita-
mos em oposição pela oposição."
Suas palavras são completamente sem vida. Existe algum inte-
resse em fazer esforços para ressuscitar esses velhos democratas
meramente p o r q u e são rostos conhecidos? Será que eles são capa-
zes de fazer alguma coisa pelo país c o m o líderes democráticos ou
devemos simplesmente aceitar a maneira pela qual a política esta
evoluindo? Se formos realistas, n e n h u m dos m o v i m e n t o s ou parti-
dos no espectro d e m o c r á t i c o m e r e c e o a p o i o de u m a pessoa
honesta que reluta em comprometer sua consciência.
Na ausência de políticas adultas, um papel cada vez maior e
d e s e m p e n h a d o pela política jovem, que não fica se perguntando
qual seria seu papel ou a quem deveria apoiar. Ela não se importa
R I R U S S 2 8 5
ü M DIÁ ° °
20 de j u n h o
29 de junho
No D a g u e s t ã o , G e i d e r J e m a l foi p r e s o . Ele é o presidente do
C o m i t ê Islâmico da Rússia, um dos mais respeitados filósofos islâ-
m i c o s dos dias de hoje. Ele m o r a em M o s c o u . Jemal foi a
Makhatchkala a convite do C o n s e l h o Religioso de Muçulmanos
do Daguestão, u m a instituição inteiramente oficial. Foi preso por
agentes da Diretoria de Makhatchkala do FSB, j u n t a m e n t e com
outras 12 pessoas que haviam se r e u n i d o para discutir c o m o man-
ter a paz na república, onde u m a guerra está fermentando.
A prisão de pessoas desarmadas foi feita de forma muito agres-
siva p o r agentes armados. Jemal foi insultado e espancado e depois
levado ao C e n t r o do Daguestão para a Luta Contra o Terrorismo.
A seguir, todos foram libertados, exceto Abbas Kebedov, mas esse
c o m p o r t a m e n t o é inacreditável. Jemal é u m a figura séria demais no
m u n d o islâmico para ser tratado desta forma.
A razão oficialmente declarada foi suspeita de simpatia pelo
wahhabismo, c o m o qual Jemal não t e m ligação nenhuma. Aquilo
que hoje c h a m a m o s de wahhabismo é na verdade o culto a Basaev.
30 de junho
No Tribunal Distrital de Nikulin, em M o s c o u , c o m e ç o u o julga-
m e n t o dos bolcheviques nacionais q u e ocuparam uma sala no pré-
dio da administração presidencial em 14 de dezembro de 2004. Eles
foram c o n d u z i d o s ao r e c i n t o a l g e m a d o s uns aos outros c o m o
escravos.
O j u l g a m e n t o não tem precedentes. Em primeiro lugar, há 39
acusados e tentar achar uma sala de tribunal suficientemente gran-
de c o m gaiolas para todos é impossível. As gaiolas são uma caracte-
rística invariável dos julgamentos de hoje na Rússia. Em segundo
DIARIO RUSSO 291
u M
10
de julho
m
Makhatchkala, no Daguestão, d e z pessoas foram m o r t a s no
a e
duas outras m o r r e r a m no hospital q u a n d o quase sessenta
r u t a S a
Int da 102 Brigada de Operações Especiais do Ministério do
erior sofreram um atentado a b o m b a na frente de u m a casa de
°s a qual iam às sextas-feiras. A b o m b a de fabricação caseira
294
A N N A POLITKOVSKAYA
6 de j u l h o
de julho
Atos terroristas em L o n d r e s , e n q u a n t o o G8 se r e ú n e em G l e -
neagles, perto de Glasgow. P u t i n está lá. Feridos e sangue são m o s -
trados na nossa televisão, mas é m e l h o r não ouvir os comentários:
pouca simpatia e muita satisfação maliciosa. E c o m o se nos agra-
se que os britânicos sofram o m e s m o que nós. Eles são particu-
larmente cuidadosos para insinuar q u e a Grã-Bretanha está agora
Preparada para extraditar A k h m e d Zakaev para a Rússia, e m b o r a o
governo britânico nada tenha dito a este respeito.
^ O que há conosco? Estamos sempre prontos para exultar dian-
g do sofrimento dos outros e nunca preparados para ser bondosos.
m
todo o m u n d o , somos considerados pessoas boas e justas. N ã o
S l n t o i s s
o n o presente.
Em M o s c o u , os H e r ó i s c o n t i n u a m a greve de f o m e , mas
u
m canal de televisão noticia o fato.
M
arina K h o d o r k o v s k a i a , m ã e d e M i k h a i l K h o d o r k o v s k i ,
entre
g ° u a nossa Novaya gazeta u m a carta aberta ao c o s m o n a u t a
296 A N N A POLITKOVSKAYA
8 de julho
C o n t i n u a m as audiências no caso dos 39 bolcheviques nacionais.
Eles estiveram em várias prisões de M o s c o u por sete meses. Foram
instaladas novas gaiolas, duas para os rapazes e uma para as meninas.
As três estão lotadas. Ivan Melnikov, um p r o e m i n e n t e deputado
comunista da D u m a e t a m b é m m e m b r o da Assembléia do C o n -
selho da Europa, não consegue acreditar no que vê: u m a ridícula
e n c e n a ç ã o d e u m j u l g a m e n t o d e prisioneiros políticos. Traba-
l h a n d o na D u m a , nunca se esperaria aquele tipo de coisa. La as
autoridades parecem trabalhar p o r consenso e por acordos; porem,
é clara a atitude impiedosa para c o m "os inimigos do R e i c h ' • O
d e p u t a d o Melnikov t a m b é m leciona na Universidade de Moscou,
a maioria dos bolcheviques nacionais é de estudantes, alguns dos
D . Â R i o RUSSO 297
ü M
C N
° Q são acusados d e ter causado danos n o valor d e 472.700
s r e U S
12 de julho
Más notícias de Blagoveschensk. O último policial acusado de atro-
cidades foi libertado. E n q u a n t o os defensores dos direitos humanos
faziam o n d a em M o s c o u ; na Bachkiria, estavam libertando em
silêncio o oficial Gilvanov, um dos personagens mais brutais de
t o d o o episódio, que espancou rapazes da aldeia de Duvanei. Agora
todas as bestas estão livres de novo. O Tribunal Distrital de Ufa
decidiu que Gilvanov não era um perigo para a sociedade, embora
ele tenha atacado pessoalmente um rapaz com a perna engessada,
sabendo que ele estava c o m p l e t a m e n t e indefeso c o m uma comple-
xa fratura na perna. Ainda pior é o fato de o Ministério do Interior
da Bachkiria ter permitido q u e Gilvanov voltasse ao trabalho de
policial.
A g o r a as a u t o r i d a d e s estão p l a n e j a n d o i g n o r a r a confusão
levantada depois dos escândalos.
O material do processo foi guardado, supostamente em com-
pleta segurança, no D e p a r t a m e n t o para a Investigação de Cnmes
Graves no Gabinete do P r o c u r a d o r - g e r a l da República. Porem,
agora d i z e m q u e desapareceram os pedidos dos advogados para
acusações de detenção ilegal nos chamados pontos de filtração. As
atuais acusações são simplesmente de "abuso de autoridade •
Ao m e s m o tempo, as vítimas das "limpezas" são submetidas^
e
um constrangimento administrativo sem precedentes, demitidas
seus empregos por se recusar a retirar as acusações. Isso está acon
c e n d o c o m as vítimas tratadas c o m maior brutalidade e com
pais, q u e se queixaram a jornalistas de Moscou e a defensores
local i
direitos humanos a respeito da extrema violência da policia
299
U M DIÁRIO RUSSO
"As mentiras geram c i n i s m o " , diz ele. "As vezes faço palestras
escolas. Em q u e as crianças estão interessadas hoje em dia?
p ¿ ipalmente em dinheiro. Elas q u e r e m saber se sou um rebelde,
r nC
13 de julho
Os Heróis foram subitamente convidados para a sessão do So
da Federação, o n d e a legislação relativa a eles será discutida Eles
ficaram alegres c o m o crianças que g a n h a r a m u m a longarnen
esperada bicicleta. B u r k o v continuava a dizer: "O gelo está q U e
14 de julho
O j u l g a m e n t o dos bolcheviques nacionais c o n t i n u a enquanto
procurador lê a acusação. O Estado decidiu usar o caso para estabe-
lecer o conceito fundamental de culpa coletiva, u m a coisa que nao
se ouvia desde os julgamentos-espetáculo de Stalin. N o s anos pos-
teriores, os p r o c u r a d o r e s e juízes soviéticos e russos sempre si
esforçaram para personalizar a culpa ao m á x i m o , distanciando-se
das práticas totalitárias, mas, em 2005, elas estão novamente cono
co. O procurador Smirnov disse os nomes dos bolcheviques nacio
nais, afirmando q u e todos tinham "participado de distúrbios
massa envolvendo c o m p o r t a m e n t o violento... havia um plano
minoso de infiltração... obstrução de agentes do Serviço Fede
ü M DIÁRIO RUSSO 303
15 de julho
Nosso povo parece acordar somente quando é atingido o n d e dói,
isto é, no bolso. As paixões revolucionárias só crescem quando o
dinheiro está envolvido.
Em Riazan, o sindicato dos funcionários da fábrica K h i m v o l o -
k n o formaram um piquete diante do gabinete do governo provin-
cial. Os trabalhadores não q u e r e m que sua empresa seja fechada.
Eles estão certos de que a fábrica de fibras sintéticas está sendo deli-
b e r a d a m e n t e levada à falência para que alguém a c o m p r e barato.
Inicialmente foi publicada u m a diretiva para cessar a produção por
três meses e a seguir completamente, porque a empresa era defici-
tária.
Foi então que os trabalhadores acordaram. Há m u i t o poucos
empregos na cidade e a gerência da fábrica informou a 25 trabalha-
dores, q u e incluíam m e m b r o s do comitê sindical, que eles passa-
r i a m a receber o salário m í n i m o de 800 rublos [US$32] mensais.
Os trabalhadores de K h i m v o l o k n o não conseguiram apoio, n e m
m e s m o e m R i a z a n , p o r q u e n u n c a haviam apoiado n i n g u é m n o
passado. Ficaram apenas fazendo seu piquete, sem q u e n i n g u é m
lhes desse atenção.
Ulianovsk é uma cidade mais militante. C o m e ç o u lá um p r o -
testo de adesivos: " C h e g a de burocracia, chega de P u t i n ! " Esta
sendo organizado por um m o v i m e n t o nacional de jovens d e n o m i -
n a d o Defesa, em c o n j u n t o c o m as organizações ecológica e da
j u v e n t u d e locais. Os ativistas cobriram a cidade c o m etiquetas c o m
os dizeres: " C h e g a de mentiras!" e "Diga não e reaja!" Eles p e d e m
protestos civis não-violentos contra u m a burocracia que está levan-
DIÁRIO R U S S O 305
ruína sua região e o país. Eles não estão tentando defender seu
a
16 de julho
D é c i m o p r i m e i r o dia da greve de fome. Os participantes estão
m u i t o fracos. O que irá acontecer? O regime está em silêncio. Será
q u e é preciso que algumas pessoas m o r r a m ? Em sua maioria, os
grevistas são idosos, incapacitados ou doentes. N e m um único polí-
tico veio falar c o m eles.
18 de julho
Os Heróis da greve de fome estão n u m beco sem saída. As autori-
dades ignoram todas as suas sugestões.
" Q u a l é o p r o b l e m a ? " , p e r g u n t o a t o r d o a d a a Svetlana
G a n n u c h k i n a . Estamos conversando p o u c o antes de uma reunião,
da q u a l P u t i n irá p a r t i c i p a r , da C o m i s s ã o Presidencial para o
Desenvolvimento da Sociedade Civil e dos Direitos H u m a n o s , da
qual Svetlana é m e m b r o . " P o r que não p o d e m apenas ouvir? Por
q u e eles sempre insistem em fazer tudo da pior maneira possível?
Por q u e forçam um b e c o sem saída após o outro?"
" P o r quê? Porque eles q u e r e m criar um país no qual é impos-
sível viver", responde tristemente Svetlana. Ela é o único membro
da Comissão de Direitos H u m a n o s c o m coragem para entregar o
apelo dos Heróis a Putin.
Esta tarde, um j ú r i no Tribunal da Cidade de M o s c o u absolveu
Viatcheslav Ivankov, t a m b é m conhecido c o m o Iapontchik, da acu-
sação de assassinato a tiros de dois cidadãos turcos em um restau-
rante de M o s c o u em 1992.Todas as emissoras de televisão mostram
o j u l g a m e n t o ao vivo. Elas t a m b é m dizem que Ivankov pretende
escrever um livro. A greve de fome não é mencionada e o julga-
m e n t o dos bolcheviques nacionais recebe apenas algumas palavras.
N ã o ouvimos nada a respeito do que eles p o d e m estar planejando
fazer se saírem da prisão.
C o m o p o d e m o s continuar vivendo uma mentira dessas? Fingi-
m o s que foi feita justiça no caso de Iapontchik, alegramo-nos por
DIÁRIO R U S S O 307
U M
9 de j u l h o
20 de julho
Hoje Putin recebeu no Kremlin defensores dos direitos h u m a n o s e
membros da sua Comissão Presidencial sobre Direitos H u m a n o s .
Svetlana G a n n u c h k i n a não teve permissão para falar, mas entregou
a Putin a carta dos Heróis em greve de fome. O assunto t a m b é m foi
levantado p o r Alexander Auzan, o u t r o ativista presente. P u t i n não
gostou. Ele declarou: " T u d o está acertado agora. R e c e b i um relató-
rio." Porém, Auzan foi insistente e repetiu que achava que o presi-
dente precisava conhecer o assunto. Ella Pamfilova, a presidente da
comissão, ficou i m p a c i e n t e e exigiu q u e n ã o se perdesse mais
tempo c o m aquele tópico. A discussão c h e g o u ao fim e Putin c o n -
tinuou a considerar os Heróis u m a parte da oposição inimiga.
Então a discussão passou para assuntos ecológicos. Os defenso-
res dos direitos h u m a n o s p e r d e r a m sua o p o r t u n i d a d e para falar
abertamente c o m ele. M u i t o s t e m e m n ã o ser convidados n o v a -
mente. D e a c o r d o c o m Sviatoslav Z a b e l i n , c o - p r e s i d e n t e d a
Aliança Socioecológica:
e m 2 0 0 5 , h á q u a t r o distritos p o r inspetor. C o m o p o d e m o s
esperar evitar violações das diretrizes ecológicas sem a partici-
pação do setor público?
T a m b é m vemos liberdades extraordinárias sendo tomadas
c o m as auditorias ecológicas. Aqui, o problema é que as empre-
sas são obrigadas p o r lei a tomar providências razoáveis para
assegurar q u e os projetos industriais sejam discutidos c o m o
público, para q u e os interesses da s o c i e d a d e e os interesses
gerais do Estado sejam adequadamente considerados. Isto sim-
plesmente não está acontecendo. O mais preocupante é que as
piores transgressoras são as empresas nas quais o Estado tem a
maior participação financeira.
D i z e m q u e u m a empresa b e m conhecida, envolvida c o m o
oleoduto da Sibéria Oriental até o Pacífico, está se comportan-
do de maneira totalmente imprópria. Para obedecer à exigên-
cia de u m a auditoria ecológica pública, ela m o n t o u uma asso-
ciação " p ú b l i c a " própria e a registrou em M o s c o u . Este órgão
tem t o m a d o decisões sobre o que deve ser feito para as pessoas
que vivem na costa, o que deve ser feito para as pessoas em
Irkutsk, o q u e deve ser feito para os Buriats e o n d e seria mais
interessante para eles que passe o oleoduto. Q u a n d o um proje-
to deste tipo está sendo construído na Rússia, há repercussões
i n t e r n a c i o n a i s . O c o m p o r t a m e n t o dessas empresas é b e m
conhecido, há muita confusão e isso só p o d e nos prejudicar. È
preciso dizer a essas empresas, nas quais o Estado tem uma pre-
sença substancial, que este tipo de conduta simplesmente não é
aceitável.
Temos um sistema para avaliar custos ecológicos. Oitenta e
cinco p o r c e n t o das empresas privadas q u e procuramos estavam
preparadas para dar ao público acesso às suas contagens ecoló-
gicas: n e n h u m a empresa estatal quis fazê-lo.
P u t i n respondeu: "Gostaria que você entendesse a lógica
da situação na qual se acham as organizações estatais c o m rela-
ção às auditorias ecológicas.Você acabou de mencionar um dos
nossos projetos mais vitais, comparável em importância c o m a
rodovia Baikal-Amur, que levou décadas para ser construída.
Espero q u e esse projeto não seja tão grande, mas seu valor para
o Estado p o d e r á ser muito maior do que a própria rodovia, que
DIÁRIO R U S S O 313
I
de associações que ajudem a resolver nossos problemas para
otimizar as decisões importantes. E claro que para isso precisa-
m o s ter mais contato t a m b é m c o m organizações estatais."
Zabelin: " C e r t a m e n t e as coisas mais importantes são esta-
I
belecer contato e nossos interesses nacionais. Q u a n t o a esse
g r a n d e oleoduto, o principal é q u e ele deve ser construído.
. N e n h u m a associação ecológica de n o m e está dizendo que ele
n ã o é necessário. Estamos falando de questões específicas, de
definir o traçado e a localização do terminal. A atual opção,
baseada exclusivamente na minimização dos danos ecológicos,
é a pior de todas. Há muitas alternativas e estou preparado para
lhe entregar a análise dos cientistas do extremo oriente que
d i z e m q u e há outras opções e c o n ô m i c a , social e ecologica-
m e n t e mais interessantes. Somos parceiros nisto, assim como no
m o n i t o r a m e n t o ambiental público. Q u a n t o às auditorias eco-
lógicas, as pessoas precisam o b e d e c e r à lei. Temos uma legisla-
ção excelente sobre auditoria ecológica, datada de 1995. Ela
deve ser observada."
P u t i n : " E u gostaria de voltar a isto no futuro. Acho que
seria correto criar um m e c a n i s m o mais sensato para interagir
c o m nossas associações ecológicas nacionais, porque não pode-
m o s nos dar ao luxo de c o m e t e r erros e ao mesmo t e m p o nao
p o d e m o s permitir que esta questão seja usada, c o m o eu disse,
c o m o alavanca p o r nossos c o n c o r r e n t e s . Vejam o q u e esta
a c o n t e c e n d o no mar Cáspio: bastou a Lukoil erigir um equi-
p a m e n t o para dizerem que a ecologia não permitia. N e n h u m a
das outras empresas possui tecnologias limpas c o m o as nossas.
Ela é mais dispendiosa, mas levamos isso em conta. O mesmo
está acontecendo agora no Báltico."
DIÁW 0
RUSSO 315
ü M
21 de j u l h o
27 de julho
O u t r a audiência para os bolcheviques nacionais e começa o inter-
rogatório das testemunhas. O j u i z convida Natalia Kuznetsova a
dizer c o m o os bolcheviques nacionais se comportaram em 14 de
d e z e m b r o . Ela trabalha no E s c r i t ó r i o de Assuntos I n t e r n o s de
Kitai-Gorod, p r ó x i m o do prédio da administração presidencial, de
o n d e observou o que estava acontecendo. Natalia mostra ser uma
m u l h e r sincera e admite que, na verdade, ela só viu a "desordem"
pela televisão. Porém, ela t e m evidências diretas relativas ao detec-
tor de metais que, de acordo c o m a acusação, foi quebrado pelos
jovens e é o item principal da alegação de danos ao gabinete de ser-
viços residenciais do presidente. B e m , testemunha Natalia, o detec-
tor de metais havia sido consertado na manhã de 13 de dezembro
e desde então estava funcionando b e m . O juiz C h i k h a n o v levou
isso em conta? Será que a principal acusação foi autodestruída? Os
acusados p o d e m ser libertados? N ã o . N ã o se p o d e m privar do
direito de ir para a prisão jovens russos que ousaram questionar a
justiça das autoridades. Especialmente se eles estão c o m e ç a n d o a ter
idéias a respeito de política.
28 de julho
Todos t ê m queixas justificadas da polícia, mas ela, depois de procu-
rar p o r mais de um ano, conseguiu pegar Sergei Melnikov, extor
als
sionário e braço direito do chefe da máfia de Togliatti. Os p o l i c i
foram buscar autorização para detê-lo no Gabinete do Procurador
geral de Moscou e Vladimir Iudin, o subprocurador, disse-lhes que
se danassem. Ele se recusou a emitir uma ordem de prisão porque,
U M DIÁRIO RUSSO 319
3 de a g o s t o
As 4 da m a n h ã em Siktivkat, capital da R e p ú b l i c a de K o m i , no
norte, a redação de um jornal democrático de oposição, o Courier
Plus, foi incendiada. O edifício t a m b é m acomodava dois programas
de televisão oposicionistas, Telemensageiro e Moderação, produzidos
p o r Nikolai Moiseiev, m e m b r o local do Iabloko e vereador.
DIÁRIO RUSSO 321
4 de agosto
Jihad de novo. No início de setembro, será o sexto aniversário da
"operação antiterrorismo" na T c h e t c h ê n i a . De acordo c o m a p r o -
paganda do Kremlin, há m u i t o a vida pacífica voltou às suas cida-
des e aldeias e quase todos os rebeldes que eles q u e r i a m apanhar
foram postos fora de ação pelas forças pró-federais. Mas o que é
isto? Jihad? Contra quem? E este não é o primeiro Jihad declarado
na Tchetchênia nos onze anos desde o início da Primeira Guerra
Tchetchena. Elas foram declaradas, mas foram canceladas.
Desta vez, é um Jihad contra wahhabis e terroristas e a palavra
oficial é de que foi declarado pelo chefe p r ó - M o s c o u dos M u ç u l -
manos da República, o mufti Sultán Mirzaev. Ele reuniu os mulas
de todos os distritos para u m a conversa na qual, na presença dos
comandantes de todas as u n i d a d e s de segurança t c h e t c h e n a s
(Iamadev, Kadirov, Alkhanov, R u s l a n , entre outros), ele leu a direti-
va. Significa que agora os h o m e n s de Iamadev, Kadirov, Kokiev e os
outros e os policiais t c h e t c h e n o s p o d e m c o m consciência limpa
matar outros t c h e t c h e n o s e, é claro, n ã o - t c h e t c h e n o s , caso eles
se
j a m suspeitos de terrorismo ou wahhabismo. N ã o haverá necessi-
dade de procedimentos judiciais ou de investigações. Eles t a m b é m
Podem ter certeza de q u e , c o m o m u ç u l m a n o s , estão fazendo a
coisa certa. Mirzaev c h e g o u a declarar que estava preparado para
e
P gar em armas ele próprio.
Dado que todos esses paramilitares tchetchenos e seus c o m a n -
dantes são tecnicamente soldados federais sujeitos às leis da Rússia,
u e
q não reconhecem o Jihad, isto parece marcar outro estágio na
tc
h e t c h e n i z a ç ã o " da guerra.
322
POLITKOVS;
Mas por que o Jihad foi declarado hoje? Depois dos aconte
m e n t o s na aldeia de Borozdinovskaia, na fronteira da Tchetchena
c o m o Daguestão (uma brutal "limpeza" em 4 de j u n h o , durant
qual as forças de Iamadaev raptaram onze pessoas e executaram
operações de roubo em massa, assassinato e incêndio criminoso)
centenas de habitantes fugiram para o Daguestão. Mas havia umà
g r a n d e consternação entre todas aquelas atrocidades. Na Tchet
chênia, o sistema imposto pelos russos, de justiça extrajudicial e
execuções, parecia estar ameaçado.
D u r a n t e muito t e m p o , o arranjo foi:"Nós matamos quem você
nos diz para matar e em troca você cuida de nós." " N ó s " se refere
aos soldados de infantaria. " V o c ê " se refere p r i n c i p a l m e n t e a
Iamadaev e a R a m z a n Kadirov. Estes são os comandantes de campo
da tchetchenização, os protagonistas de u m a guerra civil que colo
ca tchetchenos contra tchetchenos, para cujo sucesso eles receb
ram dragonas federais, armas e imunidade de acusações.
Depois do incidente de Borozdinovskaia, os soldados subalter-
nos da tchetchenização exigiram u m a indulgência adicional para
trabalhar c o m o assassinos de aluguel. R a m z a n Kadirov acertou isso
c o m o mufti, que c o n c o r d o u em declarar o Jihad. Para alguns assas-
sinos tchetchenos do Estado russo, isto é muito importante. Eles se
sentem m u i t o melhor c o m a proteção do Jihad. M u i t o melhor sig-
nifica m u i t o menos inibidos.
A confirmação não d e m o r o u a chegar. Na mesma noite em
q u e o Jihad foi declarado, os assassinos c o m e m o r a r a m cometendo
um assassinato na aldeia de C h e l k o v s k a i a , no t e r r i t ó r i o de
Iamadaev. Foi um crime de audácia e brutalidade excepcionais.
Por volta das dez da noite, vários carros prateados se dirigiram
até a casa deVakhambi Satikhanov, um professor de árabe e dos fun-
d a m e n t o s do Islã na escola local e pai de u m a g r a n d e farruli
T c h e t c h e n o s armados, vestindo uniformes de camuflagem, leva
r a m - n o até cerca de 100 metros da casa e fizeram um círculo com
seus carros. Os vizinhos e amigos tentaram intervir, mas os pararm
v i r a
litares ameaçaram matá-los. D u r a n t e toda a noite, as pessoas ^
carros saindo e chegando, o u v i r a m gritos e tiros, mas somente
madrugada os carniceiros se foram. O n d e estivera o círculo, encon
traram o corpo deVakhambi c o m dezenas de ferimentos a faca, se
dedos quebrados, as unhas arrancadas.
U M PIAR' 0
RUSSO 323
e u
GHQ- S comandante, Sulim Iamadaev, recebeu de P u t i n o título
je Herói da Rússia depois das atrocidades em Borozdinovskaia,
dando assim a mais alta sanção possível àquilo que os paramilitares
de Iamadaev lá haviam feito.
A declaração de Jihad n a T c h e t c h ê n i a é mais u m a prova de que
a República pode viver pela lei costumeira e tomar vidas em desa-
fio às leis russas. Em que isso difere das execuções ilegais do t e m p o
de Maskhadov?
O silêncio e a incapacidade para tomar ações corretivas t a m -
bém constituem o sinal mais seguro de que o Jihad t e m a bênção
tácita do próprio Putin.Trata-se simplesmente de mais um passo ao
longo da estrada sem saída da t c h e t c h e n i z a ç ã o p e r c o r r i d a p o r
Putin. Agora todos os muftis d a T c h e t c h ê n i a estão implicados, assim
como no passado a Igreja O r t o d o x a Russa foi cúmplice ao aben-
çoar os crimes de Stalin e Kruschov.
Agora a vida é selvagem, ainda mais que no período soviético,
mas o povo russo parece não se importar. N i n g u é m c o n v o c o u o
procurador-geral para declarar o Jihad nulo e sem valor.
9 de agosto
Continuam as mortes misteriosas de pessoas m u i t o próximas das
autoridades do Estado. Em Sotchi, Piotr S e m e n e n k o caiu de u m a
janela do décimo quinto andar de um hotel. D u r a n t e os últimos 18
anos, ele havia sido C E O da m a i o r fábrica de máquinas operatrizes
da Rússia, a Kirov, que p r o d u z de tudo, de aparelhos sanitários a
turbinas para submarinos nucleares.
Semenenko era u m a i m p o r t a n t e figura na área industrial. Em
s
ua maioria, as pessoas s u p õ e m que ele tenha sido m o r t o devido a
desacordos a respeito da divisão de ativos industriais sob o sistema
de Putin de capitalismo de Estado. Q u e ele foi auxiliado para cair
do décimo quinto andar, n i n g u é m t e m dúvidas.
E n q u a n t o isso, na prisão Matrosskaia Tichina, Mikhail K h o -
dorkovski foi transferido da cela de detenção n° 4, q u e c o m p o r t a
quatro prisioneiros, para a cela n° 1, que c o m p o r t a onze. Ele não
Pode mais receber j o r n a i s , n e m ver televisão. O m o t i v o é, sem
324 ANNA POLITKOVSK AYA
11 de agosto
Em Urus-Martan, seis paramilitares nâo-identificados seqüestraram
Natasha K h u m a n o v a , 4 5 anos, irmã d o c o m a n d a n t e d e c a m p o
tchetcheno D o k u U m a r o v , o s e g u n d o em c o m a n d o de Basaev.
Nada se sabe do seu destino. Em U r u s - M a r t a n , acham que foi um
trabalho dos h o m e n s de Kadirov.
A captura de c o n t r a - r e f é n s está se t o r n a n d o cada vez mais
comum e esta foi claramente u m a dessas manobras, destinada a for-
çar Umarov a se render às forças federais. Alguns tchetchenos c o n -
sideram isto justo e q u e os m é t o d o s primitivos funcionam melhor
do que os legais. O u t r o s simplesmente estão à espera do m o m e n t o
certo para se vingar da Rússia.
12 de agosto
Em Krasnoiarsk, S i b é r i a , 45 m e m b r o s da U n i ã o da J u v e n t u d e
Comunista realizaram u m a marcha por liberdade e democracia.
Eles marcharam pelo centro da cidade exibindo slogans anti-Putin.
As pessoas na rua gritavam " M u i t o b e m ! Para o inferno c o m o
Putin deles!", mas não se juntavam aos manifestantes. N ã o é que as
Pessoas não se i m p o r t e m c o m a Juventude Comunista. C h e g a m até
a te
m ê - l a , c o m seus retratos de C h e Guevara. Eu não marcharia sob
328 A N N A POLITKOVSKAYA
V
~ndente dos tribunais.
Davidova apela para o emocional e pinta um retrato tocante de
ângsteres decentes e c u m p r i d o r e s da lei. M e l n i k o v entregou-se
-luntariamente à polícia, q u e ouviu o que ele tinha a dizer, m a n i -
._stou simpatia e o libertou. Assim, Melnikov havia de fato invali-
do o mandado de busca federal e sua detenção em 22 de j u l h o
i ilegal: o s u b p r o c u r a d o r I u d i n havia m e r a m e n t e restaurado o
rincípio da legalidade q u e havia sido violado. E claro que isto é
onversa fiada. No p r o n t u á r i o de M e l n i k o v n ã o existe m e n ç ã o
enhuma a ele ter se entregado voluntariamente a alguém.
Ajuíza Potapova retirou-se para considerar seu veredicto e logo
ltou para declarar q u e o procurador sempre t e m razão e t a m b é m
tinha naquele caso q u a n d o decidiu não sancionar a prisão de
elnikov, apesar de ter sido realizada u m a caçada nacional para
encontrá-lo. Ela rejeitou a queixa e achou que os atos do subpro-
curador não infringiram os direitos constitucionais das vítimas de
elnikov. Exceto, é claro, o importante direito à vida.
"Os arranjos sociais e políticos da Rússia são profundamente
íjustos", diz Vladimir R i j k o v a t o d o m u n d o . Ele é u m a das espe-
ranças de um renascimento democrático, j o v e m e das províncias,
que se sai b e m c o m o público.
Porém, são e x a t a m e n t e esses "arranjos injustos" q u e reforçam
a apatia social e fazem c o m q u e as pessoas r e l u t e m em p ô r a cabe-
ça para fora. O hábito de considerar-se c o m o u m a "pessoa p e q u e -
*" é c o m o o b o t ã o v e r m e l h o na maleta nuclear do presidente —
asta ele apertá-lo e o país está em suas mãos. Estou certa de que
Putin e sua corte c o m b a t e m a corrupção exclusivamente para fins
de relações públicas. Na verdade, a c o r r u p ç ã o lhes é proveitosa; ela
desempenha um papel i m p o r t a n t e em condicionar as pessoas para
que se m a n t e n h a m quietas. E n q u a n t o os tribunais são puxados de
u
m lado para o u t r o pelos criminosos e pelos políticos, ele nada
t e r
n a temer.
Hoje é a terceira vez em que poloneses foram espancados em
t o s c o u e isto não p o d e ser coincidência. Funcionários da embai-
a
d a e um jornalista polonês foram atacados no decorrer de p o u -
°s dias.
330
A N N A POLITKOVSKAYA
13 de agosto
A mais recente tentativa de dar a Putin um terceiro mandato vei
de Adam Imadaev, deputado da Assembléia Legislativa da região i
Primorski e fisiológico b e m conhecido. Ele anuncia que descobri
u m a brecha na legislação que permitiria q u e P u t i n fosse eleito pe
terceira vez. O C o m i t ê Legal do Parlamento de Primorski deci
de imediato examinar o assunto em setembro.
u M DIÁRIO RUSSO 331
16 de agosto
A. Suprema C o r t e causou sensação ao rescindir a proibição, pelo
Tribunal Provincial de M o s c o u , do f u n c i o n a m e n t o do Partido
Bolchevique Nacional. Limonov ficou tão e m o c i o n a d o que disse,
o deixar o prédio do tribunal, que quase tivera restaurada sua fé
a
na Rússia. O p r o c u r a d o r - g e r a l está m u i t o i r r i t a d o e p r o m e t e u
entrar c o m um recurso contra essa decisão j u n t o ao presidente da
Suprema C o r t e .
Os b o l c h e v i q u e s nacionais c o m e m o r a r a m infiltrando-se na
inauguração da prestigiosa Mostra Aeroespacial de M o s c o u 2005,
motivo de o r g u l h o para Putin. C o m p a r e c e r a m todos os tipos de
xeques árabes, b e m c o m o representantes do c o m p l e x o industrial-
militar indiano e o rei Abdullah II da Jordânia, um descendente do
Profeta. Apesar das incríveis medidas de segurança, tão logo Putin
começou seu discurso de a b e r t u r a da m o s t r a , os b o l c h e v i q u e s
nacionais (Deus sabe c o m o conseguiram entrar) começaram a g r i -
tar a apenas 30 metros de distância dele: " A b a i x o Putin!" e alguma
coisa a respeito de ele ser responsável p o r Beslan. Foram imediata-
mente detidos e levados para o posto policial na cidade vizinha de
Jukovskoie.
Três horas mais tarde, foram libertados sem n e m mesmo pagar
uma multa. Eles ficaram totalmente surpresos, pois esperavam aca-
bar na prisão. E possível que os policiais de Jukovskoie não liguem
para Putin. Coisas estranhas acontecem.
Putin e m b a r c o u em um bombardeiro n u m a pista próxima da
Mostra Aeroespacial e seguiu até a província de M u r m a n s k . O pes-
soal da defesa estava preocupado; aquilo podia ser b o m para Putin
em termos de relações públicas, mas para eles era u m a dor de cabe-
ça em termos de segurança. Porém, nossos generais são b e m treina-
dos e sabem q u a n d o não responder. Eles ordenaram que Putin fosse
posto na cabine de c o m a n d o , embora seja contra todos os regula-
mentos. Ele pilotou brevemente o avião e n q u a n t o este estava em
y
elocidade de cruzeiro. A mídia de massa estatal foi ao delírio: Putin
es
tava inspecionando pessoalmente nossa aviação militar! Mas por
u
q e? Talvez para a u m e n t a r seu índice de popularidade?
Naquela noite, mais u m a vez os nachistas espancaram os b o l -
cheviques nacionais. N ã o vale a pena n e m tentar conversar c o m os
332 ANNA P O L I T K O V S R A
18 de agosto
Ainda há controvérsias a respeito do que irá provocar a queda deste
regime. C o m o irá ruir? A atual oposição é fraca demais e carente de
propósito para derrubá-lo. Um protesto espontâneo do povo russo
parece ainda m e n o s provável.
U m a possibilidade é que, se Putin construir um sistema neo
soviético, ele poderá cair, c o m o antes, pela ineficiência econômica-
DIÁRIO R U S S O 333
19 de agosto
A audiência de hoje do j u l g a m e n t o dos bolcheviques nacionais cai
para o c a m p o da farsa.
" E m 14 de dezembro, olhei e vi u m a agitação. Eu estava ao
lado da sala 14.Vi tudo o que aconteceu. Então, quando vi a estru-
tura do detector de metais caída n u m a posição horizontal..." C o m
a determinação de um detetive provincial, Ievgeni Posadnev apre-
senta esta condenável prova do banco das testemunhas. Ele era dire-
tor de u m a instituição trabalhista corretiva soviética e agora traba-
lha para a administração presidencial c o m o "conselheiro de recep-
ção", o q u e significa que é um m e d i a d o r entre Putin e seu sofrido
pessoal. A fisionomia de Posadnev é e x t r e m a m e n t e grave. Ele esta
denunciando inimigos.
" E m q u e condições estava o d e t e c t o r de metais depois que
esses jovens o derrubaram?", pergunta o promotor.
UM DIÁRIO RUSSO 335
21 de agosto
O u t r o aniversário do golpe de 1991 contra G o r b a t c h o v e nossa
libertação dele. Cerca de oitocentas pessoas foram a u m a c o m e m o -
ração organizada pelo partido da Rússia Livre. N ã o tive vontade de
parar q u a n d o passei por ela. N ã o há liberdade; então, o que há para
comemorar? Desde aquela data, trouxemos de volta o q u e tínha-
mos antes.
Oficialmente, 5 8 % das pessoas pesquisadas aprovam o slogan
"A Rússia para os russos". O u t r o s 58%, quando lhes perguntaram
o que fariam se ganhassem um salário decente, disseram que c o m -
p r a r i a m i m e d i a t a m e n t e p r o p r i e d a d e s no exterior e e m i g r a r i a m .
Isto é u m a sentença de m o r t e para a "Rússia Livre" e t a m b é m
explica p o r que não temos revoluções ultimamente. Estamos espe-
rando q u e alguém a faça para nós.
23 de agosto
Algumas mães de crianças q u e m o r r e r a m em Beslan se trancaram
no prédio do tribunal em Vladikavkaz, na Ossétia do N o r t e , o n d e
N u r p a c h a Kulaev está sendo julgado. Oficialmente, ele é o único
terrorista de todos os q u e t o m a r a m a escola.
D e p o i s da tragédia, as m ã e s disseram que só confiavam em
Putin e t i n h a m certeza absoluta de que ele iria garantir um i n q u é -
rito objetivo. Putin p r o m e t e u que sim. Um ano se passou. P o r é m ,
o i n q u é r i t o exonerou todos os burocratas e agentes de segurança
que planejaram e executaram o ataque que levou à m o r t e de tantas
crianças e adultos. Agora as mulheres estão exigindo que elas m e s -
mas sejam presas. Elas se consideram responsáveis pela m o r t e de
seus próprios filhos, p o r q u e votaram em Putin. Sua invasão é um
ato de desespero.
Khodorkovski entrou em greve de fome na prisão Matrosskaia
Tichina, recusando até m e s m o água, em sinal de solidariedade para
c o m seu amigo Platon Lebedev, gravemente enfermo. Por i n t e r m é -
338 A N N A POLITKOVSKAYA
24 de agosto
27 de agosto
O presidente da Comissão Parlamentar sobre Beslan, Alexander
Torchin, a d m i t e que o relatório pelo qual Beslan espera há tanto
UM DIÁRIO RUSSO 341
29 de agosto
30 de agosto
O C o n s e l h o Militar da Suprema C o r t e está estudando um recurso
contra a absolvição de u m a u n i d a d e de Operações Especiais pelo
Tribunal Militar do n o r t e do Cáucaso. Essa unidade, subordinada à
Diretoria Central de Inteligência, m a t o u seis pessoas e q u e i m o u
seus corpos no distrito de C h a t o i , na Tchetchênia, em janeiro de
2002. O veredicto foi considerado ilegal e o processo enviado de
volta para reconsideração.
Isso é m u i t o i n c o m u m . As objeções básicas ao primeiro v e r e -
dicto foram violações grosseiras dos procedimentos na seleção dos
jurados e na conduta do j u i z aos lhes dar instruções políticas antes
de q u e eles se retirassem para deliberar sobre o veredicto.
A u n i d a d e de Eduard U l m a n foi absolvida p o r q u e , e m b o r a
tenha m a t a d o e queimado suas vítimas, não poderia ser responsabi-
lizada p o r q u e estavam somente c u m p r i n d o as ordens de seus supe-
riores, q u e não podiam ser questionadas. O tribunal ignorou total-
m e n t e o fato de não haver ordens escritas, somente indicações vela-
das de um obscuro diretor da operação, cuja voz foi ouvida através
de um walkie-talkie.A Suprema C o r t e t a m b é m ignorou este i m p o r -
tante detalhe.
O q u e acontecerá a seguir? Esta é a terceira vez em q u e o caso
foi revisto, mas infelizmente ele ainda será j u l g a d o em R o s t o v -
s o b r e - o - D o n . Se o Conselho Militar estivesse esperando seriamente
um veredicto de culpado, U l m a n e sua unidade seriam n o v a m e n t e
detidos e o caso não teria voltado para Rostov, o n d e é praticamen-
te impossível formar um j ú r i radicalmente diferente dos anteriores.
Os j u r a d o s de R o s t o v foram de opinião que U l m a n estava perfei-
t a m e n t e em seus direitos; ele estava executando u m a missão para a
pátria e, de qualquer maneira, todos os tchetchenos são culpados a
priori. O forte sentimento antitchetcheno é um fato da vida no sul
da Rússia.
Por que nesta ocasião o veredicto foi deixado de lado? Afinal,
a Suprema C o r t e tem um l o n g o histórico de fechar os olhos para
assuntos inconvenientes. Ela está fazendo o j o g o de Putin. Q u a n d o
se e n c o n t r o u c o m os defensores dos direitos h u m a n o s no início do
verão, o presidente disse q u e ficara chocado c o m a absolvição de
U l m a n e seus comandados. Assim, a Suprema Corte se apressou em
344 A N N A POLITKOVSKAYA
31 de agosto
Há u m a divisão em Beslan. As mães devem ou não ir a M o s c o u
para se encontrar c o m Putin em 2 de setembro?
UM DIÁRIO RUSSO 343
Personalidades:
Basaev, Chamil: principal comandante dos guerrilheiros tchetchenos
quando a Rússia invadiu aTchetchênia em 1994. Os bombardeios russos
mataram onze membros da sua família e depois disso ele se transformou
num guerreiro impiedoso. Acusado de tramar as tomadas de reféns em
Nord-Ost e na Primeira Escola em Beslan, que terminaram de forma san-
grenta pelo governo russo. Morto numa explosão em 2006.
Berezovski, Bóris: tornou-se um oligarca na era Ieltsin e construiu um
império de mídia que ajudou a reeleição de Ieltsin, mas caiu sob Putin por
sua oposição à Guerra Tchetchena e seu apoio às causas liberais e demo-
cráticas na Rússia.Vive hoje em Londres. Acusou Putin de responsabilida-
de pela morte de Alexander Litvinenko, seu associado, em 2006.
Bonner, Ielena: incansável defensora dos direitos humanos, cujo pai, um
secretário de origem armênia da Internacional Comunista, foi assassinado
pelo regime em 1937. Viúva de Andrei Sakharov, físico laureado com o
Nobel e ativista dos direitos humanos.
Chubais, Anatoli: vice-primeiro-ministro em 1994-6 associado ao pro-
grama de "terapia de choque" de reformas de livre mercado, com privati-
zação e a criação dos oligarcas sob Ieltsin.Tornou-se vice-líder do partido
político União de Forças de Direita.
Fradkov, Mikhail: ex-diretor da Polícia Fiscal Federal e representante
junto à União Européia; nomeado primeiro-ministro da Rússia por Punn
em 2004, para substituir o turbulento Milhail Kasianov.
354 A N N A POLITKOVSKAYA
Organizações:
C o m u n i d a d e de Estados Independentes (CEI): criada em 1991,
unindo frouxamente todas as antigas repúblicas da URSS, exceto a
Geórgia e os estados bálticos Estônia, Lituânia e Letônia.
UM DIÁRIO RUSSO 357
Outros:
Bachkortostan ou Bachkiria: formada em parte pelas montanhas Urais
do sul e pelas planícies adjacentes; população de 4 milhões, dos quais 36%
são russos étnicos, 29% bachkirs e 24%, tártaros.
Daguestão: localizado na parte mais ao sul da Rússia, nas montanhas do
norte do Cáucaso. Etnicamente muito diversificado.
Geórgia: a primeira república a declarar sua independência da Rússia,
pouco antes do colapso da URSS. Problemas separatistas com a Abkhazia
e a Ossétia do Sul em particular são fomentados pela Rússia. Rica em
recursos naturais, atraente para turistas e famosa por seus vinhos, a Geórgia
está combatendo a corrupção, que atrasa a economia.
Inguchétia: abrange principalmente muçulmanos sunitas de várias
ordens sufis.Tem muitos refugiados da guerra na Tchetchênia. População
de meio milhão composta por 77% de inguches, 20% de tchetchenos e
1,2% de russos.
Kirghizia: isolada do mar e montanhosa, às vezes chamada de Suíça da
Ásia Central.Teve sua Revolução das Tulipas em 2003 em protesto contra
eleições fraudulentas e a repressão dos oposicionistas, mas o novo regime
está se esforçando para cumprir suas promessas de combater a corrupção
e descentralizar a autoridade.
Revolução da Rosa: uma série de protestos na Geórgia no final de 2003
em resposta a fraudes nas eleições parlamentares de novembro de 2003. A
incapacidade do presidente Eduard Chevardnaze para lidar com proble-
mas separatistas e a corrupção generalizada fizeram com que ele perdesse
a eleição para Mikhail Saakachvili. Chevardnaze cantou vitória, mas foi
obrigado a reconhecer a derrota depois que o prédio do Parlamento foi
tomado por partidários de Saakachvili, trazendo rosas como símbolo de
não-violência; unidades militares de elite se colocaram ao lado dos mani-
festantes. A eleição foi repetida em janeiro de 2004 e o partido de
Saakachvili venceu por uma ampla margem.
Revolução Laranja: deflagrada na Ucrânia no final de 2004 pela maciça
fraude na eleição presidencial pelas autoridades pró-Moscou. Uma nova
eleição em dezembro de 2004 levou à vitória de Viktor Iustchenko, que
havia sido envenenado pouco antes da primeira eleição e recebeu 52%
dos votos contra os 44% em favor de Viktor Ianukovitch.
Tchetchênia: situada na parte leste do norte do Cáucaso e predominan-
UM D I Á R I O RUSSO 359