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Sendo assim, ainda que parte da doutrina (dentre outros, NEVES, 1994, p. 61-75)
relacione os conceitos de constituição, constitucionalismo, Estado de Direito e
direitos fundamentais, não consideraremos a previsão de direitos fundamentais
como nota característica do conceito de constituição. Exigir uma relação necessária
entre constituição e direitos fundamentais é próprio de uma conceituação ideal de
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constituição, o que, apesar de possível e tradicionalmente praticado, não parece
corresponder ao universo de possibilidades. Tomamos a relação existente entre
constituição e direitos fundamentais em um outro nível. Assim, não é propriamente a
constituição que se caracteriza pela previsão de direitos fundamentais. São os
direitos fundamentais que se caracterizam por se encontrarem previstos em normas
constitucionais. É o que se destacará a seguir, ao se conceituar direitos
fundamentais.
Para uma conceituação sob o ponto de vista formal, seguimos a lição de Alexy
(2002, p. 62), para quem direitos fundamentais são aqueles provenientes dos
denominados enunciados normativos de direito fundamental inseridos no texto
constitucional vigente.
Falando sobre a Lei Fundamental Alemã, Alexy (ibid., p. 62-63) aponta dois
problemas que o conceito proposto apresenta:
Invertendo a ordem para resposta dos questionamentos, vê-se que Alexy (ibid., p.
66-73) faz menção à possibilidade de um único enunciado normativo de direito
fundamental, em certos casos, servir de significante para diversas normas de direito
fundamental. Tal situação no entanto, é um falso problema. A norma jurídica não se
confunde com o enunciado normativo. Os enunciados se constituem como suporte
físico das normas, que são as significações deles extraídas. Nada impede que um
único enunciado sirva de suporte físico de mais de uma norma, da mesma forma
que nada impede que uma única norma seja construída a partir de diversos
enunciados.
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Tradução nossa. Nos originais “El primero consiste en que, como no todos los enunciados de la Ley
Fundamental expresan normas de derecho fundamental, presupone um criterio que permita clasificar
los enunciados de la Ley Fundamental em aquéllos que expresan normas de derecho fundamental y
aquéllos que no. El segundo problema puede formularse con la pregunta acerca de si a las normas
de derecho fundamental de la Ley Fundamental realmente pertenecen sólo aquéllas que son
expresadas directamente por enunciados de la Ley Fundamental.”
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acrescentar que os enunciados de direitos fundamentais poderão servir não apenas
como suporte físico de normas que estabeleçam direitos subjetivos fundamentais,
mas também como suporte físico de outras que determinem a organização e
atuação estatal.
Quanto ao primeiro dos problemas apresentados, Alexy (ibid. p. 65) sugere a adoção
de um critério formal para a identificação de quais são os enunciados de direito
fundamental. Isto quer dizer que deverá ser considerada a forma em que os
enunciados foram dispostos ou positivados. Aplicando o método de Alexy para o
caso brasileiro, devem ser considerados direitos fundamentais todos aqueles que se
pode extrair dos enunciados contidos no Título II da CRFB/88, intitulado “Dos
Direitos e Garantias Fundamentais” (arts. 5° a 17).
Entretanto, conforme admite o próprio Alexy (ibid., p. 65), nem todos os direitos
fundamentais se encontram veiculados no título próprio. Isto é, há direitos
fundamentais que podem ser encontrados em outros setores do texto constitucional.
A solução encontrada pelo autor alemão é complementar o rol dos enunciados
normativos de direito fundamental tomando por base o artigo 93, parágrafo primeiro,
4, da Lei Fundamental Alemã, que alude a direitos que podem ser objeto de recurso
de inconstitucionalidade.
Assim, a adoção de um critério formal, ainda que seja defensável para o caso da
Alemanha, não pode ser tomado como único para o caso da CRFB/88, pois ela
própria faz menção a uma qualificação dos direitos fundamentais em razão de seu
conteúdo e não apenas em razão de constarem expressamente do texto
constitucional e menos ainda em razão de se situarem em título próprio.
Vale registrar que mesmo em relação a Lei Fundamental Alemã, Alexy (2002, p.
505) admite que o caráter fundamental dos direitos também possui um aspecto
material, na medida em que servem de parâmetro para “a estrutura normativa básica
do Estado e da sociedade”. 2
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Tradução nossa. Nos originais “… la estructura normativa básica del Estado y de la sociedad.”
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A classificação é atividade por meio da qual certos objetos que são reunidos em
grupos (ou subgrupos) de acordo com suas semelhanças ou diferenças (COPI,
1978, p. 413-414). A ciência faz uso de classificações com o objetivo de aprimorar o
conhecimento a respeito de certos objetos (ibid., p. 414) e, para tanto, pode se valer
de diversos critérios ou esquemas de classificação.
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Na medida em que podem ser vistos sob diversos enfoques, os direitos
fundamentais podem ser classificados segundo diversos critérios. A respeito dessas
diversas classificações, relembrando Carrió (1994, p. 98), não se pode falar que uma
delas seja verdadeira e as demais sejam falsas, mas que serão úteis ou inúteis.
Uma proposta de classificação dos direitos fundamentais, segundo determinado
critério – assim como qualquer proposta de classificação de quaisquer objetos – será
considerada como mais ou menos útil na medida em que se torna mais ou menos
fértil “na sugestão de leis científicas” e mais ou menos “prestável na formulação de
hipóteses explicativas” (COPI, 1978, p. 414).
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Utilizaremos o termo “dimensões de direitos” em detrimento de “gerações de direitos”, pois “a idéia
de ‘gerações’ (…) é equívoca, na medida em que dela se deduz que uma geração se substitui,
naturalmente, à outra, e assim sucessivamente” (TAVARES, 2002, p. 358), o que não ocorre com os
direitos fundamentais.
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sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades”
(ibid., p. 517). Os direitos de segunda dimensão se apresentam como direitos que se
relacionam com o ideal de igualdade e, de certa forma, “visam a oferecer os meios
materiais imprescindíveis à efetivação dos direitos individuais” (TAVARES, 2002, p.
359). Enquanto os direitos de primeira dimensão são encarados como direitos de
defesa, os de segunda dimensão se apresentam como “pretensões exigíveis do
próprio Estado, que passa a ter de atuar para satisfazer tais direitos” (ibid., p. 360).
É preciso observar nesse ponto que não há um consenso sobre o preciso conteúdo
dos direitos de segunda dimensão. Como visto, Bonavides (2004, p. 517) inclui na
categoria dos direitos de segunda dimensão os “direitos coletivos ou de
coletividades”, ao passo que Tavares (2002, p. 361) desloca os direitos coletivos,
juntamente com os difusos, para a categoria dos direitos de terceira dimensão.
Parece concordar com o segundo Ferreira (2002, p. 101).
Fala-se ainda em direitos de quarta dimensão. Esses seriam os direitos que visariam
à universalização dos direitos fundamentais: “o direito à democracia, o direito à
informação e o direito ao pluralismo” (BONAVIDES, 2004, p. 525).
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Uma outra classificação dos direitos fundamentais leva em consideração o tipo de
relação jurídica no qual ele se situa. Para sua melhor compreensão é preciso
resgatar o conceito de direito subjetivo.
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Tradução nossa. Nos originais “… una ventaja conferida a un sujeto (o a una clase de sujetos) frente
a otro sujeto (o a otra clase de sujetos) al que se le impone un deber (una obligación) correlativo”.
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Os direitos a uma prestação positiva seriam aqueles que conferem aos destinatários
a possibilidade de exigir do Estado um fazer. Segundo Alexy (2002, p. 194-5),
podem ser de dois grupos: direitos a uma prestação fática e direitos a uma
prestação normativa. Tal subdivisão é problemática, pois a “prestação fática” que
concretiza determinado direito fundamental não terá relevância apenas no plano
fenomênico, pois estará expressa também por meio de normas jurídicas (no caso,
concretas e individuais). Daí porque preferimos falar em direitos a uma prestação
positiva ora como direitos a uma prestação normativa concreta, ora como direitos a
uma prestação normativa abstrata.
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Informação bibliográfica: