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I. Introdução
Nos últimos anos, muita atenção se tem dada ao urban sprawl (espraiamento ou
espalhamento urbano), principalmente nos Estados Unidos, a terra do urban sprawl. Na
demografia brasileira, é prestada cada vez mais atenção neste tema.
Mas o que vem a ser urban sprawl? Quais as suas características? Suas
vantagens e desvantagens com relação a outros modos de desenvolvimento do uso de
terras? Qual a importância deste tema para a demografia brasileira? Quais as últimas
conclusões que os estudiosos americanos têm chegado a este respeito? É bom ou ruim?
Outros, por sua vez, defendem o sprawl, dizendo que os dados utilizados pelos
críticos não foram bem analisados, que a densidade populacional nos subúrbios é
semelhante à dos centros das cidades, e que a qualidade dos dados utilizados é
considerada muito ruim, sendo ruins os métodos utilizados para as análises.
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Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado
em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.
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O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPq, uma entidade do Governo Brasileiro voltada ao
desenvolvimento científico e tecnológico.
Colocando estas discussões sobre os diferentes pontos de vista à parte, é
inevitável a seguinte pergunta: “Estaria este modo de desenvolvimento sendo
reproduzido aqui no Brasil, agora ou num futuro próximo?” Porque se estiver sendo
desenvolvido no Brasil, o que acontecer nos Estados Unidos poderia ser aproximado
como um futuro do que estaria para acontecer no Brasil? E já existem indícios de um
movimento de criação de um novo modo de desenvolvimento. As pessoas já começam a
se mudar para residir mais próximas ao local de trabalho ou lazer, para poder caminhar
até lá, fazendo mais exercícios e se livrando dos congestionamentos. Procuram assim
uma melhor qualidade de vida.
Este tema é abordado neste trabalho, que utiliza dados de estudos recentes de
inúmeros autores americanos, em especial com respeito ao planejamento urbano, que
analisam as mudanças nos padrões de desenvolvimento do uso de terras em diversas
regiões metropolitanos dos Estados Unidos. É feita, então, uma comparação com países
da América Latina, e mais especificamente o caso brasileiro, na tentativa de chegar a
alguma conclusão concreta sobre o assunto. Especialmente com relação a como a
população reage a isto, quais as respostas demográficas ao sprawl, e as conseqüências
ao meio ambiente que nos cerca.
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urbanização. O autor mostra que em parte devido aos impactos negativos de
crescimento da cidade, tem havido um êxodo em grande escala dos cidadãos com
melhores condições financeiras (wealthy), da cidade para povoados menores e regiões
mais rurais, o que tem levado a uma polarização sócio-espacial e a um enfraquecimento
do capital humano das cidades. Este autor também denota que as famílias que possuem
crianças em idade escolar formam a força primária na contra-urbanização, em sua busca
por casas maiores e mais espaço.
Quem primeiro utilizou a expressão edge city (cidade limite, no limiar) foi Joel
Garreau, em 1991, quando lançou uma obra com este termo. Esta seria a cidade formada
a partir de um subúrbio ou área onde há 30 anos não havia quase nenhuma atividade
urbana, somente fazendas ou pequenas vilas. Para este autor, as edge cities representam
a terceira “onda” do estilo de vida americano, sendo a primeira a suburbanização,
especialmente depois da Segunda Grande Guerra, e a segunda a mudança dos locais de
trabalho para fora das cidades, com o medo de ter que voltar para a cidade. Garreau
chama este período de malling da América, que seria a expansão dos shopping centers
(malls), especialmente nas décadas de 1960 e 1970. Mas o próprio Garreau se denomina
repórter e não crítico, sendo portanto sua obra mais descritiva do que analítica.
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Assim, é o urban sprawl que é o alvo de críticas, apresentadas nos textos de
Tondro (1999), Burchell (2000), Ewing (2000), Nelson (2000), Voith (2000), entre
outros.
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mil, um grupo representando a Hewlett-Packard, Intel, Cisco e outras 120 companhias
tem abraçado o smart growth.
O fato dos subúrbios se expandirem mais que o centro não é surpresa, uma vez
que o centro já não possui muitas opções de terrenos vazios, e quanto à qualidade do ar,
não mostra o quanto da piora é relacionada com o sprawl das residências, e o quanto
relativa à expansão do setor industrial. Deixa transparecer que o culpado da piora da
qualidade do ar é o aumento do uso de automóveis, o que pode não ser verdade.
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gastos para moradias para os pobres são perto de US$ 500 milhões. Existe um subsídio
para o desenvolvimento da periferia em favor dos ricos. Afirma também que gasta-se
anualmente US$ 200 a 400 bilhões na criação e manutenção de estradas (Cámara de
Diputados de Chile et all, 2000).
O narrador conta que nas edge cities a pessoa não precisa do carro para ir de um
lugar para outro, mas sim precisa para fazer de tudo, é impossível fazer qualquer coisa a
não ser de carro. Na maioria destas cidades, não existem calçadas, e se torna perigoso
“tentar” andar a pé. O historiador Michael Smith conta que o centro da cidade morreu
com a rodovia federal. E em Miami, 30 mil lares foram removidos para ampliação de
uma rodovia. Suzuki (1999) fala que “o som do sprawl é o ruído da rodovia”.
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aumento relativo na poluição do ar, e a contenção da possibilidade de se caminhar ou
andar de bicicleta nas ruas.
As antigas áreas não seriam mais abandonadas ou ignoradas porque não são
mais desejadas. Ao contrário, seriam renovadas e melhoradas, para atrair novamente
população e empregos.
Ewing (2000) mostra que diversos fatores criarão uma demanda por “padrões”
de desenvolvimento mais compactos, com distâncias para se andar a pé (walkable
distances), entre os moradores dos subúrbios criados pelo sprawl. Entre eles, destacam-
se:
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0,38, ou 40 centavos de dólar. E a água por bem mais que isso, em geral o dobro ou
mais.
O exemplo de Portland é mostrado por Suzuki (1999), cidade esta que tenta se
adaptar a este novo tipo de desenvolvimento, com as novas áreas contendo casas
próximas à rua, sem garagens aparentes, bairros mais densos, com escolas nas
proximidades, e grandes calçadas para se poder andar com tranqüilidade pelas ruas do
bairro, que contém muitas áreas verdes e de recreação. É a busca pelos boulevars de
Paris.
Mas às vezes fazendo-se o smart growth, podem ser criadas comunidades que o
povo não quer. Qual seria então o papel do governo em decidir como as famílias
deveriam organizar suas vidas? É uma pergunta que fica para se pensar a respeito.
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que se produz aos habitantes da maioria das extensões urbanas por carecer de meios de
comunicação eficientes.
William Goldsmith também conclui que a separação (gap) entre ricos e pobres
nos EUA tem crescido fantasticamente nos últimos anos. Goldsmith (1998) mostra que
enquanto a democracia social tem protegido os europeus dos piores estragos do mercado
global, nos EUA políticas sociais e econômicas ruins têm gerado novas classes de muito
ricos e muito pobres. E afirma que a segregação racial e econômica é o coração do
“problema urbano” da América. Exemplifica com Detroit, MI (EUA), que possuía perto
de 1 milhão de habitantes na cidade, sendo 76% de negros; e de 3,3 milhões de
habitantes nos subúrbios, sendo 90% de brancos. Assim, mostra que nos EUA, o
problema não é só dos limites cidade-subúrbio. Os conflitos são mais profundos.
Para a economia doméstica dos moradores, Valdés mostra que a maior extensão
urbana repercute em altos gastos com locomoção, em mais altos preços de artigos que
se compram nos arredores de suas casas e no grande consumo de tempo livre dedicado
ao transporte (Cámara de Diputados de Chile et all, 1999).
Outra possível causa do sprawl é mostrada por Banerjee (2001), para quem a
presença de pichações com grafite, lixo espalhado e vandalismo intimidam a população.
E muitos dos espaços públicos das cidades são “privatizados” e monitorados por
guardas de segurança e circuitos de câmaras de televisão.
Davis (2000) chama este fenômeno de fortress effect (efeito fortaleza), que
emerge como uma deliberada estratégia sócio-espacial. E a revolução das comunicações
e tecnologias torna isso possível, com um isolamento cada vez maior da população.
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Na tentativa de mostrar que os espaços públicos estão se tornando
progressivamente menos públicos, Zukin (2000) denota que a Bryant Park Restoration
Corporation, que administra o parque Bryant, em Manhattan, NY (EUA), iniciou a
limpeza do midtown business district, onde se localiza o parque. Para isto, adotou
princípios de design social desenvolvidos por William Whyte, para quem a idéia básica
é a de que os espaços públicos se tornam seguros pela atração de uma porção de
usuários “normais”.
Carbonell cita que nos EUA, as causas desta expansão urbana se devem à
prosperidade e ao uso dos veículos de transporte. Na América Latina, talvez à pobreza e
à prosperidade (Cámara de Diputados de Chile et all, 1999). A discussão nos EUA, em
termos gerais, não se faz entre o crescimento e o não crescimento, mas sim qual seria o
crescimento mais inteligente. Mas deve-se também falar de equidade e justiça. Se há
custos ou benefícios que se associam à expansão “descontrolada”, seria justo perguntar
quem paga os custos e quem recebe os benefícios.
Já Goldsmith mostra que em vez dos 3 “e” que preocupam os EUA: environment
(ambiente), economic (economia) e equality (igualdade); existem na Região
Metropolitana de Santiago 4 problemas que se destacam como os 4 “p”: pobreza (e
desilusão pelo ingresso familiar), produtividade (competitividade dos negócios da
região), proteção (contra a insegurança física e pessoal), e a poluição (medidas contra
padrões daninhos para o meio ambiente na região) (Cámara de Diputados de Chile et
all, 1999).
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A influência do ambiente físico na urbanização também é profunda, refletida de
muitas maneiras. Olpadwala e Goldsmith (1992) citam que o fato do Rio de Janeiro ser
limitado pelo oceano, pela baía, e por montanhas dita sua forma de expansão física.
Deixam também claro que a agressão ao ambiente é quase certa, e pode ser
caracterizada por 2 grupos:
degradação ambiental;
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Todos estes problemas pioraram por causa da expansão da globalização
econômica, políticas de liberalização inapropriadas e esquemas de privatização
grandemente desregulados. Mesmo com sua rápida integração no crescente mercado
global, a América Latina tem visto a escalada da pobreza social na última década.
Para Martim Smolka é difícil integrar uma comunidade que está à margem do
tecido urbano. Cita que o preço da regularização de uma favela custa entre US$ 80 e
100 por m2, enquanto o preço de produção de um lote servido nas periferias pode custar
perto de US$30 por m2. A única maneira de reverter o quadro de segregação que castiga
as cidades latino-americanas, segundo o autor, é através de mecanismos que permitam a
participação de uma maneira muito mais ampla e direta das definições das políticas que
conhecemos. Expressar as idéias em termos do que se pretende fazer em cada área para
reverter o quadro de que estamos falando (Cámara de Diputados de Chile et all, 2000).
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VI. Conclusão
Com isto, vai degradando cada vez mais o meio ambiente, se tornando cada vez
mais dependente dos automóveis, e exigindo cada vez mais obras de infra-estrutura e
criação e conservação de novas áreas de lazer, escolas, bairros, etc.
Talvez esta seja a melhor definição de urban sprawl. Agora imagine o leitor uma
daquelas plantas com inúmeras sementes brancas muito leves. Quando são colhidas,
levantadas e assopradas, estas sementes são levadas pela menor brisa para lugares com
certa distância do ponto de partida. Isto é sprawl. É uma tática utilizada por este tipo de
planta para se disseminar em áreas maiores, mas não deve ser o mais indicado para o
caso da população humana.
Mas o êxodo dos mais abastados também acontece no Brasil. Temos presenciado
o aparecimento dos grandes condomínios de luxo na periferia das grandes cidades. Os
condomínios “alphaville” são os melhores exemplos disto. Os terrenos loteados são
grandes, mais de mil metros quadrados, e seu valor é alto. São situados sempre
próximos às grandes rodovias, como a rodovia Castelo Branco em São Paulo, e a
rodovia Campinas-Mogi Mirim, em Campinas.
Diversos outros condomínios deste tipo estão surgindo por todos os lados, com
leis restritas para tamanhos mínimos de área construída, muito bem cercados e vigiados,
e com lagos e outras áreas de lazer em seu interior. A especulação imobiliária vai
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avançando e degradando o meio ambiente em todas as partes. É a busca do sonho
americano aqui no Brasil também.
Se é possível crescer sem sprawl, então é possível ter uma alta qualidade de vida
sem depreciação de recursos e abandonar infra-estruturas de capital valioso e
vizinhanças existentes (Burchell, 2000).
Giuliano (1995) mostra por que deve-se guiar os padrões de uso de terra:
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2. Para aumentar a igualdade social.
Conclui então dizendo que como as áreas urbanas continuam a evoluir, a ligação
entre uso de terra e transporte continuará a enfraquecer. Então só intervenções políticas
diretas podem resolver os problemas sociais e ambientais associados com os existentes
padrões de uso de terra e de viagens.
Uma vez colocados todos estes fatos, espera-se que este trabalho tenha
proporcionado uma boa contribuição teórica para inspirar outros a escreverem mais
sobre este assunto, tão novo no Brasil, especialmente na área demográfica, e tão
habitual nos Estados Unidos. A intenção era a de levantar mais questões do que
proporcionar respostas.
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