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TOTALMENTE NADA Apresenta:

Cun Grano Salis


(A Saga)
Ou: Uma estranha compilação de contos malignos

Alan Marinho Lopes


CONTEÚDO
Aviso 1 ......................................................................................................................... 9
Aviso 2: 22-05-05 ......................................................................................................... 9
A Lama Do Chiqueiro (Parte 1), ou seja, 07-01-01 ...................................................... 11
A Peste (Parte 1): 17-12-03 ........................................................................................ 11
Aviso 3: A Lama Do Chiqueiro (Parte 2) ...................................................................... 12
07-01-01. E depois, O Período Intermediário, que vai de 07-01-01 até 17-12-03, e se
encerra com A Peste (Parte 2) .................................................................................... 12
Gez ............................................................................................................................. 15
Humanos vs Zumbis: E também, o encontro de Marco e Camilla ............................... 16
Final: ??-??-?? ............................................................................................................ 17
Uma Nova Aventura ................................................................................................... 22
Conclusão................................................................................................................... 25
Jaime Xavier, Danny Espíndola, José Marco Paulo, A. Ramirez, E Carno em: .............. 28
4:37 – Jaime. .............................................................................................................. 28
5:12 – Danny .............................................................................................................. 28
7:01 – Jaime ............................................................................................................... 29
8:02 – José ................................................................................................................. 30
10:23 – A. Ramirez ..................................................................................................... 31
12:30 – Danny ............................................................................................................ 31
13:15 – Danny ............................................................................................................ 32
14:59 – Jaime ............................................................................................................. 33
16:00 – José ............................................................................................................... 34
18:00 – A. Ramirez ..................................................................................................... 35
18:09 – Jaime ............................................................................................................. 35
19:59 – Danny ............................................................................................................ 36
20:00 – A. Ramirez ..................................................................................................... 37
21:00 – Jaime ............................................................................................................. 38
22:30 – José (Parte Final) ........................................................................................... 39
22:30 – Carno entrevista Raqui .................................................................................. 40

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21:30 – Jaime ............................................................................................................. 41
23:00 – Danny (Parte Final) ........................................................................................ 41
23:45 – Jaime Semi-morto (Parte Final) ..................................................................... 42
23:00 – A. Ramirez (Parte Final) ................................................................................. 43
0:00 – Carno (Considerações Finais)........................................................................... 44
Sobre o conto de horror ............................................................................................. 47
Parte 1 – Fim e 1 ........................................................................................................ 48
Um Vislumbre na Floresta .......................................................................................... 49
A noite na Taverna ..................................................................................................... 50
Parte II – Um invólucro Que Se Parte (Fim (Pt. 1)) ..................................................... 51
Um Re Começo – Rumo Ao Novo Ser. ........................................................................ 54
Apresentando: Carno! ................................................................................................ 54
Certo Dia Aconteceu Uma Coisa ................................................................................. 55
Ufa! Foi Apenas Um Sonho......................................................................................... 57
O Fractal Onírico ........................................................................................................ 59
Antinferno & A casa da bruxa ..................................................................................... 61
Uma visita sexual a dona bruxa .................................................................................. 63
A Catarse e o cheiro de xereca ................................................................................... 63
Qüiproquó .................................................................................................................. 65
O Clímax – Despedidas Tardias ................................................................................. 67
O Poder do Fractal e o Novo Ser ................................................................................ 67
Fim (Parte Final) ......................................................................................................... 69
Face Primeira: Vórtice ................................................................................................ 69
Face Segunda: Robô Gigante ...................................................................................... 72
Face Terceira: Enviovore ............................................................................................ 75
Face Quarta: Sete ....................................................................................................... 77
Face Quinta: Robô Gigante (Parte II) .......................................................................... 82
Face Última: Adão e Eva ............................................................................................. 86

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Cun Grano Salis
(A Saga)
Ou: Uma estranha compilação de contos malignos

Parte 1: A Estrutura Mosqueada do Universo


Parte 2: Personagens em Frenesi
Parte 3: O Verdadeiro Propósito da Conjuração

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Parte 1
Voltando Para O Início
Uma Nova Aventura
Um Dia Na Vida

Parte 2
A Criança Da Floresta Remake

Parte 3
Tenebras

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Voltando Para O Início
Um novo conto de Alan Marinho
Você precisa ler. Ou não
Agressivo, diferente, alarmante
“Voltando Para O Início” é sui generis
Um conto de auto-flagelo e +
Um estilo trash e canastrão
Psicografado por Alan Marinho
Cuidado, você deve odiar esse conto!
Uma metáfora sem noção
Um retrato do vazio

Voltando Para O Início


Ou: Deus Ex Machina

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AVISO 1
Este conto não diz nada sobre nada. São relatos desconexos, randômi-
cos, incongruentes e profundamente mal narrados. Esses escritos não são e-
dificantes. Eles não exaltam nada de bom, de belo ou de moralmente louvá-
vel. Um conto que não tem nem começo nem fim, nem é esquerdista, nem
direitista, não é metafísico nem é analítico, nem filosófico, nem charmosinho,
nem bem sacado, nem isso nem aquilo. Um texto rui8m, que eu o considero
assim, e que permanece rui8m, sem aquela surpresa no final que faz toda a
chatice anterior ter valido a pena. Nem isso e nem a contemplação parnasia-
na de um escrito habilidoso cheio dos sibilos ágeis, que oscilam férteis em
mentes daninhas. Não. E repito: não. O que vem aqui são lamentações bobo-
cas, conceitos gagás e manjados, maneirismos que todo mundo conhece e
clichês literários disfarçados, metidos à cabeça. Um texto rui8m, que abre
aspas e não cita ninguém, segue até o fim em busca de inspiração, mas não
chega lá nunca. Sintam-se avisados.

AVISO 2: 22-05-05
Acordei todo suado às quatro e meia da manhã, agoniado com o calor
e, sim, naquele momento, pensando em me matar. Fucei o armário e não en-
contrei aquele velho Colt, que outrora foi de papai. Ele mostrava e carregava
aquilo na frente de todo mundo, eu me lembro bem do barulho que tinha
quando ele girava o tambor. Acho que em onomatopéia seria uma espécie de
VRRRUUUUUPT. E ele freava aquilo com a mão, aparava as balas e as coloca-
va de volta no tambor. Merda! A arma não estava lá. Fui até o outro quarto,
examinei na gaveta e não estava lá.
É estranha a sensação de querer se matar. Assim, de ter certeza que
aquilo é o melhor, que todos vão entender e você não vai fazer tanta falta as-
sim. Essa é uma certeza que tranqüiliza e, meio que racionaliza o momento.
Pensei em mamãe, tadinha, ia ter que entender. Ia ficar lá chorando quieta,
mas, que nada, sou só eu que parti. Pensei em meu pai, esse ia mesmo ter
que entender, pois foi ele que me ensinou a ser o homem que eu sou. Ele me
fez esse resto de homem que eu sou.
Fucei mais pela casa em lugares poucos prováveis que o Colt poderia
estar, e nada, e nada, e nada, e nada, e nada. Sentei no chão da varanda e

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acendi um cigarro, pois em breve a minha busca ia continuar. Fumei o bicho,
voltei revigorado à procura da arma do velho, e dessa vez, em lugares menos
prováveis, randômicos. Fui ficando angustiado, tinha de acabar com tudo de
uma vez. Cadê a arma de papai? Cadê a porra da arma de papai!? Aí eu en-
contrei-a de um súbito, cheia de cápsulas. Olhei no cano do revólver, minhas
mãos tremiam.
Quando eu era menor a minha mãe me chamava de Dé, o diminutivo
de José Marco Paulo Judas Freitas, ou seja, eu. Ela me levou para passear
uma tarde que era solstício de inverno, quando o dia possui uma camada cin-
zenta de neblina, muito grossa e faz muito frio. Minha mãe olhava pra mim e
dizia: Dé, ta com frio? E me abraçava. Dé, ta com frio? E me abraçava de no-
vo, a danada. Minha mãe me tratou com todo o amor até o dia que me ba-
teu, me cuspiu e foi embora chorando, para nunca mais me ver. Ela me ba-
teu, mas nada doeu tanto quanto sua cusparada, porque foi uma dor mais
metafísica, mais de licença poética, no caso, em justa causa, explicitada com
atitude por mamãe.
Aí, PUF! Eu voltei para o início.
O início desse conto, que fala de um cara que vai se matar, por causa
de seus demônios no passado, mas que segundo o seu próprio ego, acha que
deve ser ouvido e compreendido e deixado em paz, na morte, no silêncio. En-
fim, um registro pretensioso e rui8m, clichê e tal, que eu já avisei e atento
pela segunda vez que, se daqui pra frente, surpreender a todos com a má
qualidade do material apresentado, que a surpresa já não seja tão grande as-
sim.
Voltei para o início. E no início, era o nada. O silêncio. A criação do uni-
verso ex nihil, que em um só ínterim, espasmodicamente, reverberou-se se-
relepe em seu oposto: Faça-se a luz! Era o carnaval cósmico e seu carro abre-
alas. O Big Bang trouxe a matéria, a anti-matéria, os fenômenos físicos e +.
Trouxe também os favelados, os humilhados, os amaldiçoados, os preguiço-
sos, os pervertidos, os odiosos, os tenebrosos, os petulantes, os pré-
potentes, os mentirosos, os retardados, os espalhafatosos, fanfarrões, por-
cos, menores, cheios de coriza e outras melecas que somos nós, nós, nós,
NÓS, NÓS!
E no início, foi bom. No início eu era José Marco Paulo Judas Freitas,
mas fiquei mais conhecido como Marco. E esse início foi bom. Eu era um es-
critor fracassado, ainda o sou, já que não acho que vá conseguir muita coisa

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com esse meu canto de cisne. Joga-lo-ei na Internet e meus amigos, prova-
velmente uns poucos, hão de se dar ao trabalho. Eu era o escritor fracassado,
mas até ai tudo bem. Depois fui o vicioso, o derrubado, o declinado, o galado.
Sem escapatória, pelos meus atos em vida, a mão do carrasco da justiça des-
feriu seu golpe certeiro, um tiro de Colt que, ó ironia, me deixou frente ao ju-
ízo final e ao retorno de Sem-Umbigo outra vez. Mas tudo isso não será nar-
rado por mim, quer dizer, tudo isso e além, nos vórtices espaciais de harmo-
nia pré-estabelecida, e no fim absoluto de toda a nossa espécie.

A LAMA DO CHIQUEIRO (PARTE 1), OU SEJA, 07-01-


01
Esse foi o dia mais importante para essa história, pode escrever, por-
que nele eu acordei, fiz um monte de coisas sem nenhuma importância e de-
pois conheci ELA, a figura que também é A+ importante de toda essa história.
Teresa Neuma. Te-re-sa Neu-ma. Ela e aquele rosto mulato, muito lindo, de
um encantamento muito natural. Ela me viu. E pensar que eu só falei por
causa da lama do chiqueiro. A vida tem mesmo dessas coisas. O que é lama?
A lama é a alma do negócio.

A PESTE (PARTE 1): 17-12-03


Já estava com Teresa há algum tempo, chamava de Têtê e dava uns be-
liscõezinhos em sua bunda. Aquela bunda de Teresa, que passou a ser a de
uma mulher bacana, muito altiva, uma bela companheira em minha vida e pa
pa pa. Teresa me devia algo e me pagava com a moeda do amor. Ah! Ne-
nhum dólar paga a moeda do amor, não acham?
Esse é um conceito complicado, o do amor, improvável de se definir,
impossível de se discutir. Peraí! É amor ou é paixão? Como transportar para a
linguagem uma separação, brusca até, entre um capricho absurdo e a subli-
mação absurda do ser? O amor. Amour. Para mim, amor é grana. Um depósi-
to de amor é grana. É tempo. Uma metáfora idiota que exprime a minha me-
diocridade com as palavras, uma tentativa de fugir de arquétipos, mas esse
sou eu. José Marco Paulo Judas Freitas, ou Marco, ou Dé, ou eu. Dé, ta com
frio? Neste ou naquele dia, o amor estava lá. O amor de mãe à Dé, menino

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muito feio, que melhorou e depois piorou de novo, em seguida. O amor de
mamãe deixou Dé vaidoso e burro. O amour de Teresa deixa Marco intumes-
cido. Eu nem sei o que é essa palavra, intumescido, vou checar o dicionário.
Bem, aqui está, “rígido, inchado”, e era bem isso mesmo que eu tinha em
mente. Teresa deixa Marco intumescido, rígido. Mamãe deixa Dé molengo,
colóide.
Teresa passava de lá pra cá, pela casa, soltando beijinhos enquanto eu
beliscava a sua bunda. Nós nos amávamos, e até este dia, 17-12, vivemos o
período intermediário. No início, era o nada. Depois, os favelados, os peripa-
téticos e os profiláticos. E depois eu, mamãe, papai, seu Colt, e Teresa, e Au-
gusto. Ainda devo falar sobre Augusto, Camilla, e sobre Gez. O narrador in-
trometido, Gez. Mas não antes de contar sobre o período intermediário. De-
pois do nada, e antes do nada em que ia se tornar minha vida em seguida.
Antes, também, de eu explodir meus miolos com a arma de papai, para aí
sim, poder retornar a minha doce pátria e a Deus. Um período intermediário
é importante, além de poder encher um pouco de lingüiça nesse meu conto
de merda. Teresa e eu, naquele dia, descobrimos a doença, e isso ia destruir
tudo, quer dizer, ia destruir todo o processo de cognição da realidade e reti-
rar-me o ser da inserção cotidiana impessoal, arraigada na medianidade.

AVISO 3: A LAMA DO CHIQUEIRO (PARTE 2)


07-01-01. E DEPOIS, O PERÍODO INTERMEDIÁRIO, QUE
VAI DE 07-01-01 ATÉ 17-12-03, E SE ENCERRA COM

A PESTE (PARTE 2)
Os avisos e sugestões não foram mesmo suficientes. Mas se estamos
aqui, deixe-me tentar persuadi-lo mais uma vez e avisar que esse não é um
texto edificante. Ele nem tem sentido. Se eu disser que essa história de Tere-
sa e de peste, e de outras coisas, vai terminar em uma salada de referenciais
bizarros, de cunho espírita-messiânico, com um diálogo bem particular entre
eu e o todo poderoso Deus. Desiste vai! Esse conto definitivamente não é pra
você. Vai terminar, porque eu vou me matar com a arma do meu velho, ir pa-

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ra o purgatório, de lá para o céu, de lá para Deus, e de Deus, para o fim. Ou
quase, ou o início. O início da criação Ex Nihil, do nada, como queiram. Adian-
ta dizer isso? Adianta dizer que esse texto não é edificante. Adiantou?
Porque se não, vale uma última ressalva para argumentar que, a partir
desse momento da história, tudo se transforma em uma massa escura, con-
fusa e desconforme. Os acontecimentos, lugares, tudo fora de foco, minha
mente entrando em combustão. Deve ter sido por conta da passagem entre
essa e a outra vida. O fato é que a coisa toda fica um pouco + complicada pra
mim a partir daqui. E isso quer dizer que minhas literatices referenciais pas-
sam a se apresentar de maneiras muito menos sutis e o desenvolvimento es-
trutural se compromete feio. Devido a esse período intermediário com Tere-
sa.
A lama do chiqueiro foi que fez eu me aproximar da mulatíssima Tere-
sa Neuma. Aquele seu rosto inteligente me fez fazer uma pergunta muito idi-
ota, mas que funcionou:
— Você gosta de artes?
Eu vi na cara de Teresa que ela adorava aquilo tudo, a postura de quem
aprecia uma obra de arte é diferente daquela exercida por um mero expec-
tador, como eu. Teresa olhava e olhava aquilo com garra, a garra de um pu-
ma, fitando, e escamoteando o seu rosto, nos rostos retorcidos daquela gale-
ria.
A Lama Do Chiqueiro era um quadro que não tinha nada de lama e na-
da de porcos. Eram uns homens de terno, com expressão de tristeza. Eu não
manjo nada de artes, mas aquilo deve ter um significado muito profundo e
poético, por trás, incluído na exclusão do conceito. Era um quadro muito bo-
nito, digo, bem feito, mas aparentemente uma foto do cotidiano, nada de
surreal ou destoante, eram homens em uma sala muito ampla, todos am-
plamente tristes. Da Lama do Chiqueiro para a minha pergunta idiota, que
funcionou e me fez levar Teresa para a cama, fez também ela se mudar, e vir
morar comigo, em troca de um pequeno favorzinho.
O marido de Teresa era um homem muito rico. Eu nem disse que Tere-
sa era casada. Mas era. Com Augusto. Também Augusto era um homem pos-
sessivo e cruel, trabalhava com tráfico de pó. Viciava os jovens filhinhos de
papai em troca de grana, de honra. Teresa sugeriu, enquanto transávamos,
que eu matasse Augusto e aí a gente pegava a grana do cofre, fugia e se ca-
sava. Eu respondi que tudo bem. Teresa, só de olhar pra mim conseguia o

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que queria e matar um homem não era exceção. Ela me deu uma arma car-
regada e sem digitais, disse que eu devia usar luvas e chegar na mansão de
Augusto lá pelas doze da noite. Pular o muro e desligar o alarme. Depois, ir
até o quarto de Augusto dar-lhe três tiros e abrir o cofre com a senha 4747.
Roubo o dinheiro e dou o fora da casa. Simples.
Mas foi quase assim que aconteceu. Por fim o dinheiro era menos do
que esperávamos, mas muito para os nossos planos. Por fim também, havia o
cachorro que me mordeu feio, arrancando-me o chamboque da perna. Mas
eis um homem apaixonado que fez as malas e partiu. Parti. Com Teresa rumo
a bela terra dos sonhos ou o período intermediário, em que eu beliscava a
bunda dela todo dia, em que eu abraçava e amava na cama a Teresa que eu
tanto quis. Matei o homem lá, que enchia as crianças de tóxico, que vendeu a
alma ao diabo. Mas eu ia perceber, quando em muito tempo, eu vi que Au-
gusto tinha virado zumbi, faminto por miolos. Mas isso é depois.



É a escuridão, meu Deus, estou nas trincheiras. Ouço ganidos humanos


e tiros de morteiro, eu estou nu, desarmado, escondido entre um cadáver e
outro, aterrorizado e com muito frio. Meu Deus, eu estou nas trincheiras.
O diabo tem um jeito todo especial de tapear você, assim como eu ve-
nho tapeando desde o início do conto. Isso não quer dizer que eu seja o dia-
bo, mas sim que a lógica do diabo é, na realidade, fazer um marketing às a-
vessas. Porém, fico sempre imaginando a idéia de um talk show com o nome
de “Cão – Direito de resposta”, um programa de auditório estrelado pelo
próprio cramulhão em que ele ficava a exaustão repetindo frases do tipo:
“Quem foi que fez o dilúvio? Eu não fui”, ou então “Quem foi responsável pela
santa inquisição? Eu não fui”. Mas o ponto é que o diabo sabe muito bem re-
ceber visita em casa.
Eu estou nu, nas trincheiras que na verdade é o purgatório ou o infer-
no, e começo a me esgueirar entre os cadáveres e é quando um deles gira e
segura a minha mão, era um louro, rosto muito branco, mas seus olhos esta-
vam arrancados, e as duas pernas, e seu outro braço também.
— Eu me chamo Gez, chegue + perto de mim, é difícil ouvir com esses
tiros.
— Pois não – disse eu encostando perto de Gez.

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— Sabe o que é, está todo mundo longe de casa, esses são nossos ter-
rores, nossas vergonhas acima da alma, uma brincadeira de regras ao contrá-
rio. Tudo o que eu queria aqui, meu menino, era comer um cuzinho uma ul-
tima vez.
Eu me afastei.
— Mas não vai ser o seu, tenha calma – disse Gez.
— E o quê então? – disse eu.
— Há uma mulher, Camilla, que está do outro lado, ela é muito bonita,
traga ela pra mim. Eu ainda tenho meus bagos, vou conseguir o que quero se
ela vier até aqui.
— E porque acha que ajudaria você? – disse eu.
— E porque não? – disse Gez.
O “Outro Lado” era um bar, tinhas aquelas cortinas e...
PUF! Voltei para o início. E no início, era o nada, você sabia?



A peste era uma doença degenerativa, muito agressiva, e que trans-


formava a pessoa em um zumbi, faminto de miolos. Adivinhe quem pegou
essa merda? Teresa Neuma. Foi o fim do período intermediário e o início da
Era Dos Combates.

GEZ
Oi aqui é o Gez, enfim, se vocês recordam, existem os comentários ao
longo deste texto, alegando que ele não diz coisa com coisa, que é um deva-
neio, que não tem sentido e bla bla bla. Então, é tudo verdade. Porém, aqui é
Gez, que assumi essa voz e esse conto agora é meu. Mas como? Pergunta vo-
cê. E eu respondo: Jogo de interesses. A historieta de José Marco Paulo Judas
Freitas será, a partir de agora, contada por mim, e eu garanto muito mais:
emoção, ousadia, piruetas mirabolantes e, sim! Uma amarga e fantástica
surpresa no final.

15
HUMANOS VS ZUMBIS: E TAMBÉM, O ENCONTRO DE
MARCO E CAMILLA
O nosso querido Marco foi encontrar-se com Camilla no bar. Camilla,
naquele momento, era a única chance que eu tinha de foder pela ultima vez,
todo sujo de sangue e sem as pernas, que serviam para eu poder dar aquele
“gingadinho gostoso”. Tudo bem, mas o importante era que Marcão não po-
dia falhar.
Marco entrou no bar. Eu conheço gente como ele. Aposto que ele nem se
descreveu nesse conto. É baixinho, feioso e tem o pinto pequeno. Por isso,
Teresa o deixou, foi embora morar com o Augusto, que tinha virado zumbi. E
ela também virou. E essa maldição de Augusto e Teresa mandou milhões de
pessoas para o inferno, iniciando uma era de combates, entre o homem e es-
ses zumbis, que embora irracionais, tinham força e resistência superiores.
O exército equipava a cada homem adulto, com uma arma de fogo
pronta, para o combate contra os zumbis. Os militares, por sua vez, vinham
com bombas e tanques, pelas vizinhanças, destroçando um montante insano
de carne morta. O nosso Marcão tava lá e combateu, quando deu de cara
com Teresa, apodrecida e sem face, repetindo sem parar: RUUUUUAAAAAA-
AAARRRR!!!! Que merda! Pensou Marco.
E chorou ali mesmo, descendo o dedo na Teresa Neuma versão George
Romero. Depois, gritou a toda:
— Teresa, eu te amoooooo!!!!!!



Esta morte vai explodir sua cabeça,


Esta morte vai explodir sua cabeça,
Esta morte vai explodir sua cabeça,
Esta morte vai explodir sua cabeça.



Pense rápido!
O relógio da sua vida está batendo.

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O tempo está se esgotando.
Cada cigarro que você fuma,
Cada mau hábito te consome,
O tempo já não é mais nosso.
Pense rápido, amigo, ou o que?
O tempo já não é só seu.



— Você que é Camilla? – Disse Marco.


— Não, você me confundiu.
— Nada a ver, é você mesma!
— Não! – A mulher deu as costas e correu, rápida como a luz, rumo a
dispensa do bar, e de lá para o quintal, e de lá pulou o muro.
Marcão correu junto dela, começou a perseguição. Camilla, numa mo-
to e Marco, num Corvette muito style. Vamos! Eu torcia ao observar o movi-
mento em Outro Lado. Vamos! Vamos! As ruas e o trânsito deixavam tudo +
difícil para eles. Camilla era muito rápida com a motoca e disparava costu-
rando os carros de maneira visceral. Marco pisava fundo com seu possante,
sempre na cola da moto, até que pararam e desceram dos veículos na ponte.
— Eu já enfrentei zumbi dona! – era Marco com uma pistola na mão.
Um certo Colt.
— Vem que tem! – Disse Camilla, ao disparar suas garras embutidas de
metal maciço.
A luta entre eles durou vinte e três minutos. Marco saiu vitorioso. Ca-
milla, era super rápida, e defendia as balas do Colt do papai de Marco com as
garras, rebatendo-as e se esquivando. Marco girava por detrás do Corvette,
inserindo-se furtivamente no campo de visão da inimiga, a tentar surpreen-
der com um tiro. Bang! Um foi vital para a derrota de Camilla, que caiu. Viva!
Ele conseguiu.

FINAL: ??-??-??
Além do fluxo do espaço. As cores se multiplicam, e a sombra de sua
vida espairece na carne, verdade algoz final...

17
O cinegrafista amador gravara uma cena muito curiosa de um cavalo
desgovernado em uma maratona de ciclistas.
Dentro da fumaça do cigarro há um asteróide chamado Chip, sempre a
pedir contribuições para a recauchutagem da paróquia de sua igreja. Asterói-
de beato, esse Chip.
Cada momento é uma fotografia da eternidade.
A vacinação contra a rubéola já começou.
Escute, lembra aquele dia que levamos Pam e Marjorie para jantar?
Pois é, eu vou querer mesmo que você pague a sua parte da conta, já que es-
tou quebrado.
Celeuma, impropério, derrisão, mascate, pernicioso, ipso facto, particí-
pio, petrolífero, Adidas, superstição, derivado, catafático, brutalidade, O Ve-
lho, perímetro.
Vá com Deus.
Hoje à noite me deparei com a terrível verdade por trás do caso de Jo-
sé Marco Paulo Judas Freias. Descobri que foi Deus, quem o mandou aqui pa-
ra mim. Meu caso, já era, sou apenas um cadáver animado, naquilo que cos-
tuma se chamar de umbral, ou mesmo inferno. Perdi tudo em uma guerra,
mas nunca me lembro bem se realmente estive numa guerra. Foi o diabo
quem fez isso comigo. Embaralhou minha cabeça. Eu estou aqui faz tanto
tempo. Mas eu ainda posso sentir braço e as pernas, que já se foram. Sinto
mesmo. E sinto + o meu pinto em riste e cheio de porra, louco para encontrar
aquelas ancas largas de Camilla.
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Teresa, porque foi embora? Tudo depende de você Teresa, ainda mais
agora. Você não entende? Eu matei por você! Eu fugi com você! Teresa! Eu te
amooooo!!!!!
Peraí! Isso é ele, é Marco. Marco e não eu, Gez.
Oi sou eu, Teresa, quero avisar aqui que não é nada mal participar des-
se balé com vocês. São dois homens mortos ou um só? Cai na real Marco, foi
tão importante assim? Tem certeza? Era você quem me batia, quem era o
traficante. Lembre, abra os olhos em sua morte medíocre e lembre. E esse
Gez que você forjou, quá quá quá! Ele é você, você está a muitas vidas nessa

18
trincheira sem mulher! É o seu grande super medo, ficar sem mulher, ficar
sem mim! Vendedor de pó. Você perdeu completamente a noção. Saiba que
eu estou morta também por sua causa e não tem nada de história de zumbi,
de conspiração, de Augusto, quem é Augusto? Quem é Augusto porra! Você
não sabe o que é o amor. Fica falando em metáforas, você desconhece a no-
ção de racionalidade em meio a um monte de devaneios sem nenhum senti-
do em que nem mesmo eu sou real. Não há Teresa Neuma, não há nada dis-
so. Caia na real, e você quem é? É Marco mesmo? Que nome lindo, José Ma-
ria Paiva Nunes Neto. Não é esse?? Você tem certeza que tem pleno controle
da sua vida? Já parou pra pensar que morreu, que está usufruindo de alguns
minutos de capacidade cerebral remanescentes e viajando em uma jornada
de aceitação em Shangri-La. Vá para lá valentão, você não tem bagos. O que
é você? É uma partícula de Golen, Golen é Deus. É que nossas categorias são
um pouco diferentes onde nos encontramos. O fato é que tudo o que você
viveu até agora é uma grande farsa, eu sinto muito, e eu mesma aqui falando
agora sou falsa, nunca existi, se bem que eu era mesmo uma maravilha na
cama. Golen vai retornar em breve da reunião e vai ter uma palavrinha com
você daqui a pouco, espere aqui que eu te sirvo um café, vamos, sente. Sente
Marco. Sente e perceba a bagunça que você se tornou.

Quem é o manipulador agora? Eu te disse que esse conto não prestava.


Estamos no presente ou no passado? Eu te disse que esse conto não presta-
va. Tudo o que eu me lembro é da arma de papai na minha cabeça e depois
estava lá sem os braços e as pernas, sem os olhos, naquela trincheira maldita.
E ai apareceu aquele rapaz. E me trouxe Camilla suculenta e com minhas ser-
pentes eu a engoli inteira como iguaria e nutrição. Mas o que estou dizendo?
Este é...

Aqui é Deus. Vim para dar um jeito nessa lambança. Em primeiro lu-
gar a vida é muito simples e vocês complicam demais. Seja bom, ame os
seus amigos e também a diversão, tenha paciência com os problemas e go-
ze a vida com equilíbrio. Nada disso é real, esse conto pode parecer ruim,
mas ele é bom. Ele termina onde começa e por isso sou eu, que era nada e
virei Causa Sui. De volta ao início e além, porque o meu tempo é muito
maior do que imaginas. Esta é minha existência, meu fardo. Eu sou o Deus
porque já perdi cada um de vocês, os magníficos, abençoados, os bem a-

19
venturados e cordiais, inteligentes, perspicazes, os essenciais, os charmo-
sos, os cheios de graça e toda essa raça incrível que é a humanidade.

Papai do céu pegou Dé pela orelha e deu carão.


Meu Deus, perdão.
A luz me iluminou todo e me jogou para o alto em uma velocidade de
ficção cientifica. Encontrei a mão do divino ser no horizonte, acenando e toda
a mágica de minha vida, como em um filme, também muito rápido e que me
fez chorar. E vieram as lembranças. No telefone enquanto era filmado em
minha festa de aniversario. Vieram as cartas de meus amigos, de todos eles,
congratulando-me pelas boas vendas de meu livro. Por fim, meus pais, minha
mãe, danada, tinha pouca cultura e muito coração. Que droga. A luz estava
chegando no meu destino e eu de longe saquei qual era.
De novo. Voltando para o início mais uma vez. FIMMIFFIMMIFFIMMIF-
FIM.

20
Uma Nova Aventura
Alguns odeiam, outros detestam
Na melhor das hipóteses, é diferente
Psicografado por mim, Alan Marinho
O conto “Uma Nova Aventura”, não tem sentido
Pode ser transubstanciação, pode ser imaginação
Simplesmente irrelevante. Ou não
Uma cilada muito Trash
Não vá pra cama sem ele

Uma Nova Aventura


Ou: O Regresso do Sem-Umbigo

21
UMA NOVA AVENTURA
Dentro do barril era o vórtice espacial do destinatário, do não-nascido
e do intruso. A aventura começa quando termina ou se desligam todas as co-
nexões com os padrões convencionais arraigados na cultura desde o perce-
ber da existência. Desprenda-se de normas pré-estabelecidas e prepare-se
para um mergulho às profundezas da subjetividade. Chega de regrinhas tolas,
e uma dramaticidade aqui, uma pitada de romance ali, uma reviravolta. Que
nada! O que eu estou querendo desenvolver com você é outra história. Ou
melhor, não há nenhuma historia.
Há, sim, o destinatário que conclama o intruso a seu retorno mágico ao
barril-portal, e a todas as memórias infantis e suas cantigas. E entre os dois,
há o não-nascido, o infeliz, o sem-umbigo. O destinatário sou eu. A mim foi
dado o recado. E ao intruso, que é você, o recado está sendo repassado. Mas
há um erro nisso tudo.
Digamos que você vá até uma banca de revistas e bata o olho numa
daquelas apelativas semanais de fofoca. É um recado, quer dizer, uma versão
distorcida de um fato que ocorreu, e você, de intruso, está lendo, ou vendo,
ou batendo o olho. É assim que funciona este aqui também. É uma fofoca,
quer dizer, não é, é mais como se alguém tivesse uma idéia genial e de um
jeito ou de outro quisesse transmitir, levar adiante. Não é bem assim, eu a-
cho.
No vórtice espacial do distanciamento absoluto é onde realmente co-
meça a nossa jornada, e onde você vai encontrar com suas memórias infan-
tis. O verdadeiro sentido disso tudo reside em sua memória infantil. Pense
em uma anedota que aprendeu. Essa casa definitivamente não é sua. Pense
nas referências misturadas. Um leve calor e, pronto, você já o reconhece en-
talado entre as pernas de uma prostituta. Se o estupro for marcado com an-
tecedência, tudo bem, dizem os maiorais.
Os maiorais moram dois quarteirões abaixo do vórtice espacial do dis-
tanciamento absoluto, exatamente no vórtice espacial da verdadeira maio-
nese. Pedro, Davo e Ângelo. Eles se reuniam por ali e com alguns goles de
cerveja e motos, saiam barbarizando meio mundo, noite afora. Para o trans-
torno dos moralistas de plantão e de todo mundo que leva fé nos bons cos-
tumes.

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Os maiorais foram pegos e multados, ambos, por excesso de velocida-
de e direção imprudente e, sem dinheiro, ficaram detidos na delegacia. E is-
so, nos dá espaço para prosseguir e adentrar outra cadeia de erros e desnor-
teio, todos qüididativamente extrínsecos, todos profiláticamente acachapan-
tes. O erro consiste em errar pelas cadeias das eras, escorregar serelepe no
limite da linguagem e transcender. E, ahhhhh, gozei. Ainda não gozei, e nem
você, quer dizer, não é bem isso que está pensando. O gozo, no sentido de
compreender o que compreendo e abruptamente deslocar o fêmur do trilho
do trem da nossa, ou melhor, da minha consciência.
Rápido, rápido, lá está o vórtice espacial de Progéria, temos de nos a-
pressar.
Rápido, quem mora na Progéria tem seu envelhecimento acelerado ao
extremo, de modo em que alguns minutos bastam para que você e eu enve-
lheçamos meses ou até um ano. Pense nisso. Bastam algumas horas e você
sabe falar, meio dia, você está no colegial, às seis da noite você tá fazendo
sexo, depois o emprego, o casamento, os filhos, tudo rápido, e depois a mor-
te. A vida que desabrocha fugaz assim, e vai, e passa, e machuca e nem sara,
envelhece, mas nem dura. Morreu. Pobre vida na Progéria, pobre vida de to-
dos nós.
O que está achando intruso? Ainda não chegamos lá. Nossa jornada a-
travessou três esferas de um inominável templo de almas alheias, o nosso
barril de conhaque. O que está achando? Mande críticas ou sugestões no e-
mail bilonhamaster@yahoo.com.br, ou no telefone que está aparecendo no
seu vídeo.
O fato é que tentamos algo inusitado aqui. Esse texto termina com uma frase
pela metade, vê se pode, uma frase incompleta. E essa frase diz:
“...esperamos tornar verdade durante toda a nossa existência e...”. E o início
do texto diz: “Dentro do barril era o vórtice espacial...”. Será que há méritos
nisso, algum reconhecimento? Dos amigos, eu quero dizer, faço minhas coi-
sas pra eles e provavelmente você que lê talvez seja um. Mas o sentido do
recado e da fofoca é ser transmitido com ou sem fidelidade absoluta. Eu que-
ro dizer, se vai dar uma flechada, tente atingir o mais próximo possível do
centro do alvo, e se acertar o alvo, parabéns! Não obstante, a precisão da
transmissão de meu recado está aquém, meu Deus, muito aquém do deseja-
do.

23
Pronto, podemos ir? A aventura começa quando nos desligamos dos
pré-feitos, dos re-arranjados, dos recauchutados, dos pós-chafurdados. A a-
ventura aqui é abraçar o não-acabado, o desestabilizado, o nauseante-
prepotente e o ceifador de sonhos. Mas principalmente, amigo, abraçar o tu-
bo gástrico da ampulheta mística com pó de unicórnio albino. Podemos ir?
Rec rec rec rec vic vic vic vic vic hust hust hust hust hust hust oked o-
ked oked oked deko deko deko deko plqawosk qpalwosk qplawosk qpalwosk
qplaeudh qpaluehd nemdnmendmedewkjnqdçuiowehdp
9undjfdnçwexns xklwoefijqçf r rhurhf iuhefud uhrfruehfp
u p h u
uh .
Qual a sua sensibilidade para isso?
Se alguém ri para você na rua, o que você faz? Depende, é a resposta.
Depende de quem é, de qual o horário, de como está seu dia, de um
monte de coisas que não há como se determinar, um monte de coisas sem
explicação nenhuma que vive acontecendo conosco dia a dia. Mas quando
recorremos, ou melhor, quando recorrem à arte, querem um sentido para
tudo, querem tudo mastigado e preparado segundo preleções e prolegôme-
nos jurássicos, que perduram e prosseguem, manuseando de um artefato pa-
ra minar a gênese do sem-umbigo, aquele que junto dele, vem trazendo as
sombras dançarinas.
Dançam a valsa do vórtice espacial da harmonia pré-estabelecida, e
nós já estamos nele, ou melhor, ajustados a ele. Como dois relógios, diferen-
tes, mas funcionando em absoluta sincronia, em uma harmonia pré-
estabelecida. Tudo está lá, sua vida, sua infância, o presente e o futuro. Ali
está a sua morte e seu encontro com Deus, e depois o fim, ou o início, ou tu-
do disposto em quatro dimensões, e com sulcos de perfeição eclodindo. E o
melhor desse vórtice, é que podemos brincar com nossa existência modifi-
cando os fatos do passado e do futuro. Se digamos, eu fiz uma coisa da qual
me arrependo, eu posso ir lá e ajeitar o que fiz, e descobrir as conseqüências
depois. Quer mudar o futuro, pode também. E também pode mudar o pre-
sente e eu vou mudar ele agora para avançarmos uma casa no tabuleiro e
descobrir o que vem por ai.
É o momento do não-nascido aparecer, que pena, temos pouco tempo
agora. Falta pouco amigo, para descobrir. Contam essa historia dum sem-
umbigo por aí. Ai que saco, não vai dar tempo. O fato é que eu ouvi da boca

24
dele o segredo do universo, a verdade reveladora, aquilo que esperamos tor-
nar tenente durante toda a nossa existência e...

CONCLUSÃO
Esse texto é mais um panfleto do Movimento TOTALMENTE NADA,
uma manifestação artística até agora reconhecida apenas por mim, que pro-
curo debater o incerto terreno do vazio, e todas as manifestações de niilis-
mo. O Movimento Totalmente Nada atende a qualquer um que quiser expor
qualquer idéia insana ou ortodoxamente recriminada. Eu fundei essa mani-
festação com vontade de fazer realmente o que quiser. E isto é o que acaba-
ram de ler. E ainda o Voltando Para O Início, meu conto anterior. Tudo é mui-
to estranho, nossa vida também é, tenho certeza que alguém vai compreen-
der o que eu quis dizer, o meu recado, ilógico, em diferentes perspectivas de
conhecimento. Tchau.

Fim.



25
Jaime Xavier, Danny Espíndola, José Marco Paulo, A. Ramirez e Carno em:

Um Dia Na Vida
Fechando uma trilogia sem sucesso
Para quem aprecia uma leitura inútil
Um conto cheio de novidades e reviravoltas
Com estilo psicografado & inconfundível de Alan Marinho
Cuidado!
O fim da saga mais trash dos últimos tempos
Eu aprovo e assino embaixo
Na escala de 0 a 10, eu não sei
“Um Dia Na Vida” vai mudar você. Ou não
Opressivo, duvidoso, emblemático

Um Dia Na Vida
Ou: A Cidadela de Ouro

26
27
JAIME XAVIER, DANNY ESPÍNDOLA, JOSÉ MARCO
PAULO, A. RAMIREZ, E CARNO EM:

4:37 – JAIME.
Deu a tragada no cigarro, a derradeira, que na verdade foi também a
primeira, já que ele deixou o cigarro entre seus dedos e apenas esperou que
o vento o fumasse. Olhando para a brasa, lá, parado, Jaime escorregou os
dedos entre os cachos de seus cabelos e pousou a mão na nuca, lá a deixan-
do por quase dez minutos. A dor. Desesperado. Claramente desesperado e
devastado com o que acabara de cometer. Alguns raios de sol já adentravam
na fresta da persiana e alguns passarinhos já emitiam seus silvos quando Jai-
me ergueu-se e pensou pela primeira vez no que ele ia fazer com o cadáver.
“É minha mulher, porra!”.
Foi até a cozinha do apartamento e bebeu dois copos cheios de conha-
que barato fazendo uma careta azeda a cada gole. Voltou à sala e tomou a
sua mulher nos braços, morta, opaca, vazia. Para Jaime ela merecia aquilo
por ter o enganado durante tanto tempo, mas naquele momento ele já não
sabia mais. Era Nilza o nome dela. Casaram-se faz cinco anos e ela o traía a
seis, desde o tempo de namoro, e com o mesmo sujeito, Armando. Sujeito
sinistro esse Armando.
Mas o Jaime também o era e por isso não titubeou em chacinar Nilza a
facadas quando descobriu da traição, e com certeza, a hora de Armando não
custaria a chegar.

5:12 – DANNY
Danny Espíndola passou a noite inteira acordada. Acordada, e imersa
nas proeminências mais acachapantes de sua subjetividade. Quero dizer, ela
estava mesmo surpresa com seu ego. Danny pensava e eu penso com ela. Ve-
jamos a possibilidade de acontecer algo grande na vida, algo realmente ino-
vador, que sacuda os alicerces da estrutura existencial. São possibilidades

28
quase nulas. A vida é chata, não tem sabor, nada acontece, é tudo igual. Toda
a vida esperando tornar-se apenas míseros oblívios, evanescendo-se tardia-
mente e morrendo, tornando-se historicidade.
Danny pensava e pensava. E eu junto dela, pensava e procurava com-
preender o âmago de suas paixões. Mulher, anjo, tola, rebelde, altiva, ingê-
nua, malícia. Ela se via e se estendia multifacetada em pollyDannys das mais
incontáveis e também, das mais indecifráveis. Quem decifra o enigma do u-
niverso? O Sem-Umbigo eu respondo. Mas essa é outra história. Ou melhor,
está contida na historicidade de um outro caractere, e não na de Danny Es-
píndola. Por enquanto.
Qual a chance de acontecer? Pequena, muito pequena, eu digo, mas
não nula. E é exatamente nessa não-nulidade da possibilidade em que nossa
amiga se agarrava com unhas e dentes, bem, mais unhas que dentes, e pas-
sava noites em claro pensando em seus próprios botões. Esqueci de dizer,
também, que Danny era uma moçoila muito bonita, muito doce e tímida, so-
nhadora, e determinada, e amiga, sincera, e bonita, e gostosa. E que bunda, e
que seios.
Parece heroína de folhetim né?

7:01 – JAIME
Optou em serrar as pernas de sua mulher em primeiro, pois intuiu que
a cabeça seria a parte mais desagradável. Quando serrou a coxa esquerda,
um suco vermelho, grosso e escaldante chicoteou o seu estômago com força
e o fez vomitar. Era sangue. Jaime nunca tinha olhado realmente para san-
gue. Digo, aos borbotões, como uma cascata, pedaços de carne, cheiro de os-
so serrado embebido em uma gordura fétida e pus de tumor, tudo junto, no
amálgama mais grotesco de se olhar e mais seboso de tocar.
E Jaime olhou e tocou, na gordura da coxa de sua mulher, ali, exposta.
“Que merda!”.
Não, merda ainda não. O abdômen foi o momento mais nojento e de-
sagradável, ao contrario do que Jaime supôs, quando intuiu em serrar primei-
ro as coxas. Era órgão genital, fígado, cheio de baba verde, pulmão de fuman-
te, todo negro e lamacento, fedorento, era pus, sucos gástricos, artérias, tu-
do muito vermelho, tudo muito abundante. Os intestinos, e a merda, os ca-
nais, e Jaime enlouquecendo, vomitando em tubos.

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Na hora de serrar a cabeça, Jaime chorou. Olhou ao rosto de Nilza, ain-
da estava com os óculos, olhou, segurando a sua cabeça, sem vida, a coluna
cervical em frangalhos. Olhou, triste como um São Bernardo e beijou, ali
mesmo, no meio de litros e litros de groselha e lodo, a cabeça decepada, a
cabeça descarnada.
“Armando, salafrário, você vai me pagar”.
Colocou tudo em sacolas negras de lixo, e desceu em três viagens, co-
locando os retalhos no porta-malas do carro e dando a partida, acendendo
um careta.
Jaiiiiime, Jaiiiiiiime. Era a voz de sua consciência. O clamor.

8:02 – JOSÉ
José Marco Paulo Judas Freitas ficou solto no tempo. Podiam ser real-
mente oito e dois da manhã, no relógio da praça, ou do pulso, mas para ele,
para José, era um lampejo de eternidade, seu encontro com o divino. Ele es-
tava solto no tempo. Perdido no início, quer dizer, no início da criação ex ni-
hil. Onde silêncios e sinfonias coexistem, concatenados intrinsecamente, co-
mo duas peças de um mecanismo, conjurado debaixo das barbas do impera-
dor. Ou de Deus. Ele testemunhou tudo e, que ironia, não havia mais nin-
guém a quem ele pudesse contar, pois já estava morto mesmo.
Todos os acontecimentos de sua vida lhe vinham ferozes e abordavam
os seus pensamentos mais distantes. E vinha Teresa Neuma, os zumbis, Au-
gusto e o velho revólver de seu pai. O revólver com o qual ele havia estoura-
do os seus próprios miolos. Todos os pensamentos de José o vinham como se
ele estivesse no vórtice temporal de harmonia pré-estabelecida, e enxergan-
do em quatro dimensões, manipulando sua própria cadência.
Lembrou quando traficava cocaína e viciava os jovens, roubando-lhes a
honra. Lembrou das peripécias em vida e das alucinações em morte. Será que
aquilo não seria mais uma delas? Tudo tão confuso. O pior é que Deus, lá,
não soltava um pio, apenas observava José com seu olhar magnânimo e inte-
ragia com o ambiente a formular rios e florestas e bichos e naves. E planetas.
“É estranho, que ele não queira falar nada”.
“Porque será que eu sou o prometido?”.
José Marco Paulo Judas Freitas esteve solto no tempo. E não fazia dife-
rença o passar dos minutos. Só uma coisa lhe afligia.

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“É real?”.

10:23 – A. RAMIREZ
A. Ramirez guardava um segredo. Todos guardamos alguns, mas o dele
era um puta segredo. Ele vagava semi-louco, semi-vivo, semi-homem, pelas
ruas da cidade em um errante e incerto algoritmo de referências discrepan-
tes. Andava nos bairros sujos da periferia da cidade, em meio aos drogados,
prostitutas, leprosos, cafetões e a cigana. A cigana que parecia uma jóia, uma
rosa no meio dos espinhos, uma rainha. A. Ramirez, quando muito se distan-
ciava, logo retornava àqueles becos para estar mais próximo, da influencia
daquela cigana.
Tudo isso, e + o fato de existir toda uma mitologia agregada, uma his-
tória muito longa e trágica, que envolve sangue, morte, aborto, e o sussurro
friorento dos demônios*. A. Ramirez havia participado de uma espécie de
trama maldita, que o condenou à danação. Sua alma havia sido tocada pro-
fundamente por um demônio chamado Asmodeus, ou o Três-Cabeças, que
em um joguete cósmico de conspiração, manipulou a existência de Ramirez
com o intuito de uma causa maior. A destruição de toda a vida no mundo, ou,
a chegada de Sem-Umbigo.
E certamente aquela cigana representava algo, era uma peça naquela
trama toda, mas que A. Ramirez não conseguia, com sua mente devastada,
encaixar em sua existência. Foi às 10:23, ele caminhou até a tenda da cigana,
olhou para os seus dois guarda-costas, do lado de fora, homens imensos com
cabeça de porco, baixou a cabeça em um sinal de respeito e pediu permissão
para entrar na tenda e ir até o trono. A própria cigana Raqui falou de dentro
da tenda em um dialeto perdido aos homens-porco antes mesmo de qual-
quer um pensar.
“UMAMAYA MAMON MOSH”
* - Ler o meu conto “A Criança Da Floresta”.

12:30 – DANNY
Quando Danny entrou no café, não sabia ainda que aquele era o desti-
no da vida. Pediu torta de limão e ficou bebendo café por um tempo até o
rapaz aparecer.

31
— Olá? – disse o rapaz.
— Oi.
— Posso sentar com você?
— Pode.
— E se me permite a intromissão, você é a menina mais linda e triste
que eu já vi num café. É lógico que já estive em um montão de cafés, então
isso torna a minha afirmação hiperbólica – O estranho parecia bastante con-
vincente.
— O que faz da vida? – Disse Danny.
— Sabe como é, roubo almas por aí.
— E esse é um trampo legal?
— Nem te conto – Nisso o estranho pisca para Danny, que retribui, se-
relepe, a oferenda.
— Qual o seu nome?
— Eu tenho muitos nomes – O estranho rapaz sorri, mostrando um
dente de ouro – Qual o seu?
— É Danny.
— Edane?
— Não! O meu nome é Danny.
— Eu sei, só estava brincando com você – Ele ri, riem. – Eu pago esse
café.
Danny sorri e aceita o convite do moço para dar uma volta.

13:15 – DANNY
Saíram os dois, a conversar sobre todo o tipo de assuntos interessan-
tes. Cinema, música, literatura & filosofia, cultura e artes, and more.
— Mas você ainda não me disse o seu nome – Falou Danny, já curiosís-
sima.
— O meu nome é Asmodeus.
— É um nome um tanto incomum.
De fato, Asmodeus era alto, usava cabelos compridos e uma jaqueta
com golfinhos, que era incomodamente brega e fashion ao mesmo tempo.
Uma calça jeans surrada e um rosto belo, muito carismático e confiante de si.
Asmodeus gesticulava para Danny, alisando os seus longos cachos em con-
trapartida ao cabelo super curto da garota, e discutia com ela, de geo-política

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ao jogo do Corinthians. Tudo inserido em um ponto de vista arriscado, meio
prepotente, mais muito lascivo e com lábia sem igual. Asmodeus falava e fa-
lava, mas também escutava as opiniões de Danny com muita atenção e inte-
ragia, com delicadeza, a todas elas. E, nisso, já havia se passado uma hora.
— Preciso ir Asmodeus, tenho alguns currículos para entregar – Disse
Danny quando chegaram até o ponto de ônibus.
— Queria poder te ver, mais uma vez – Disse Asmodeus.
— É, eu também – Disse a pobre, doce e indefesa Danny.
— Hoje à noite posso te pegar na sua casa.
— E...
— E damos um giro, não mordo.
Estava Danny se entregando ali, aos poderes do ritual de renascimen-
to, se entregando na bandeja do banquete diabólico, nocivo e espetacular do
Sem-Umbigo.

14:59 – JAIME
Estacionou o carro bem na beira do rio, decidiu se livrar do corpo de
Nilza o quanto antes, pois, com Armando a situação seria um pouco mais de-
licada. Jogou as pernas e os órgãos de Nilza, mas ficou com o saco que conti-
nha a cabeça na mão durante alguns minutos, antes da despedida. Jaime ras-
gou o saco, tomou para si a cabeça enrijecida e, meio como que em uma ce-
rimônia, beijou-a e tocou-a com paixão. Nesse momento a cabeça disse:
— Você ta muito louco mesmo né Jaime? Jaiiiiiime, Jaiiiiiiiime.
— Cale a boca essa é a voz da minha consciência – disse Jaime, espiri-
tuoso.
A consciência de Jaime era como toda e qualquer consciência. Um dia-
bo apareceu na frente dele, parecia um títere de madeira, todo negro, com
seus chifrinhos e rabinhos em miniatura, mas com o rosto composto unica-
mente das feições de Jaime. E disse:
— Foi ótimo cara, você mostrou pra ela.
— Não! – reluta Jaime com o demônio.
— Foi sim, eu vi na hora que você serrou-a. Teve uma ereção.
— É mentira!
— Vamos Jaime, nós sabemos que não o é.

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A cabeça de Nilza continuava a se comunicar, e a lançar olhares de pa-
quera em Jaime que, já fora de si, defecava e vomitava sem razão. Havia a
consciência boa de Jaime, era um anjinho, aparecido depois de uma lufada
de alfazema, que se contrapunha às investidas constantes do odor cáustico e
visceral da morte horrível.
— Ainda há tempo para se arrepender, deixe Armando para lá e peça
perdão a Jesus – Disse o anjinho que, dicotomicamente, também possuía a
mesma face de Jaime humano.
— Que nada, com Armando é que vai ser show – Disse o diabinho.

16:00 – JOSÉ
As fendas no tempo podem aparecer de duas maneiras. Uma maneira
é quando você morre. Quando José Marco Paulo Judas Freitas atirou com o
colt em sua boca e transcendeu, na realidade conjurou-se uma fenda no
tempo que o liquidou rumo aos vórtices espaço-temporais da regência abso-
luta do púbis genesíaco, e da verdadeira maionese, cuja conjuntura célere da
abertura funde-se, ainda, na conjunção primeira e/ou primeva.
Quando olhou para o tempo e pode entender o mistério da santíssima
trindade, José questionou a sua própria sanidade. Era bom demais para ser
verdade. A harmonia pré-estabelecida dava conta do recado para nós, e nos
ajustava espacialmente no tempo, segundo uma perspectiva de circunvisão
que nos proporcionava o salto qüididativo do quê, para o como, de modo a,
não obstante a face deletéria da celeuma, nos dar a propriedade das quatro
dimensões.
E José tava lá, sabe-se lá quando, ou onde. Ele saltou no tempo e sub-
jugou-o, de modo à normativa do nosso alicerce proposicional cair por terra,
em meio à manipulação exoesquelética da metafísica de todos os corpos. A
maximização da alegoria da caverna. E era Deus, nada mais, essa parafernália
semântica toda. Deus. E o mais impressionante é que Ele olhava para José, a-
li, todo confuso e não soltava um pio. Não dizia nada.
“’Deus! Ei Deus!”.
Deus não respondeu, e sim Gez, um guerrilheiro que serviu, e foi con-
decorado como herói nos campos do Fürer. Gez conhecia José de outros car-
navais, ou melhor, das trincheiras, os momentos de purgação e choro. Gez

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era o próprio José, encrencado, e em um mundo onde ele não sabe o que fa-
zer. E morto.

18:00 – A. RAMIREZ
Bastou pouca coisa para A. Ramirez ficar completamente encantado
com a ridícula beleza de Raqui, cigana. Era algo perfeito demais, absurdo
demais, era uma Deusa, de pele caramelada, um rosto que beirava a perfei-
ção, com o corpo mais magnânimo e inimaginável. E o rosto de Raqui, more-
no, quase mulato, de cútis delicada, cabelos de fios leves, no meio do caos,
da sujeira e da morte. Raqui contou para ele o que pretendia fazer logo mais
à noite, e explicou que Asmodeus também estava envolvido, e que algo mui-
to grande e inominável estava prestes a eclodir. A. Ramirez prestava atenção
a cada palavra e mínimo trejeito de Raqui, olhando-a com a devoção de um
beato.
A. Ramirez havia sido tocado por um demônio, Asmodeus, e seria um
ótimo hospedeiro para os ovos do Sem-Umbigo, segundo Raqui. Ele não a
questionou nenhuma vez e se ofereceu de alma e tudo para servir ao bem
maior e, principalmente a Raqui, a salvadora, Raqui, a magnífica.
“MAMMOE MOIM MESMEMA MAMA”
Salve Raqui, salve a rainha.
“MAMAES UMEMIM A MAM MEMIMO MEIN”
Salve Deusa, salve rainha.
A. Ramirez entendeu, depois de tudo, o sentido da sua existência ali.
Graças a Asmodeus, louvado seja, que ele estava ali, graças à criatura na flo-
resta e a toda a mazela de sua loucura, que ele estava lá, se oferecendo pe-
rante a coisa mais importante e relevante de todas. Raqui, a cigana.

18:09 – JAIME
Jaime estava voltando para o carro, depois de se livrar de todos os pe-
daços de Nilza, jogando-os no rio. Um guarda vinha descendo, e de um súbi-
to, abordou Jaime, logo depois dele ter jogado a cabeça descarnada da espo-
sa rio abaixo.
— O que temos aqui? – Disse o guarda.
— Nadinha – Jaime fez um gesto com os olhos que o denunciou.

35
— Vamos, abre o porta-malas.
— Não dá – Jaime em desespero, seus gestos delatores foram o sufici-
ente.
— Mate-o, mate o guarda – Disse o diabo de sua consciência.
— NÃO DÁ!
O guarda puxou a arma e disse:
— Mãos ao alto! Quero ver o seu porta-malas!
— Se você o matar estará condenado, confesse o crime Jaime, confes-
se que matou Nilza – Disse o anjinho na consciência de Jaime.
— Pode deixar, guarda, vou abrir pra você ver.
— Mata o puto – O diabo dizia.
— Confesse, se entregue – O anjo dizia.
— Mate esse puto!
E Jaime, ao abrir o porta-malas e deixar o guarda principiante perplexo
com a quantidade de sangue e fedor, esgueirou-se para a direita e depois pa-
ra a esquerda, puxou o pé-de-cabra e POF! Na cabeça do oficial que desceu
estribuchante.
— Você se condenou, está tudo corrompido agora – Disse o anjo.
— Não estou nem aí pequenino – os olhos vermelhos de Jaime – Não
estou nem aí.

19:59 – DANNY
Armando fala sempre em rimas.
Mas isso ainda não vem ao caso aqui. Na história do dia de Danny Es-
píndola, o que importa mais é a sua conexão espiritual, na cerimônia de ba-
tismo e regresso do Sem-Umbigo, entidade mais antiga e misteriosa, cultua-
da por religiões arcaicas, anteriores ao próprio Deus. Na história do dia de
Danny Espíndola, aconteceu que a sua alma foi marcada por um demônio,
que prometeu flores and dates. Que lástima, tudo bem que aquele seria o úl-
timo dia para a raça humana e nada mais seria possível a ninguém mesmo,
mas a lástima de Danny era não ter sido realmente amada. Buscou o amor de
um homem e nada mais, e ganhou uma entrada para o camarote macabro
deste teatro de velas.

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Trriiimmm, o relógio marca 20:00. Está na hora de Asmodeus chegar.
Na verdade ele estava dobrando a esquina para chegar no apartamento de
Danny, quando cruza com um sujeito bastante familiar.
— Ramirez! – Diz Asmodeus com um sorrisão no rosto.
A. Ramirez observou Asmodeus de perto, aquele rosto familiar, que
parece estar sempre por perto, invisível, indizível. Era o rosto de Asmodeus,
sua quimera e ao mesmo tempo, o divino homem que abriu seus olhos para
Ela.
Danny, já estava toda arrumada, e caminhava de um lado para o outro
na sala, nervosa e aflita. Seria o encontro com o rapaz que conhecera no ca-
fé? Seria isso? Ou seria mais? Alguma coisa dentro dela, como uma intuição
feminina, alertava de algo grande, que haveria de ocorrer naquele encontro.
Será sexo?
20:15, 20:20, 20:30, tic, toc, tic, Seria isso? Seria aquilo? A campainha! Che-
gou!
— Desculpe o atraso boneca, Let´s rock´n roll!!!

20:00 – A. RAMIREZ
“Rápido, rápido, preciso chegar lá”.
Os passinhos ligeiros de A. Ramirez ainda eram os mesmo do tempo
em que ele costumava ser humano, digo, humano no sentido de ter uma ca-
sa, uma família, emprego e pa pa pa. Chegava atrasado na firma em que tra-
balhava e estava atrasado agora em seu compromisso, e pior, um compro-
misso para Raqui.
— Ramirez!
Era Asmodeus, que merda. Há quantos anos A. Ramirez vagava a esmo,
atordoado de memórias difusas e perspectivas arbitrárias. Tudo por causa
dele. Daqueles dedos negros que ainda eram os mesmos, daquelas três cabe-
ças, lembrava de tudo naquele momento e, ironicamente, tudo tinha uma ra-
zão de ser.
— Salve, Asmodeus, demônio da luxúria – Disse A. Ramirez com a mão
no peito.
— Você está nessa empreitada também Art? Fico feliz em saber – Disse
Asmodeus.
— Eu A conheci, sabia? O que o que fez comigo não foi em vão.

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— Jamais, amigo. Jamais. Qual a sua função aqui? – Asmodeus pergun-
tou.
— Buscar o Carno, para apresentar a cerimônia.
— Ninguém melhor que ele, não é mesmo.
— É – A. Ramirez sorri e faz um sinal de respeito a Asmodeus.
— Estou contente em te ver, meu campeão, como eu sempre digo,
amo toda e qualquer criaturinha de Deus – Nisso, Asmodeus inclina-se e larga
um beijo na testa de A. Ramirez, que entende o recado e segue o seu cami-
nho, renovado, renascido e pronto.
“Antes do chamado ao Carno, preciso passar em uma floricultura”.
Compra camélias e orquídeas, rosas e violetas, todas para Ela.
“Vou fazer tudo certo dessa vez, meu amor, nada vai sair errado”.

21:00 – JAIME
Após ter jogado o corpo do guarda morto, no rio, Jaime resolveu bater
um rango em uma lanchonete de beira de estrada, antes de prosseguir e ir
pegar Armando de jeito. Enquanto esperava a comida, discutia pontos de vis-
ta com sua consciência, e olhava para as suas mãos, sujas de sangue inocen-
te.
“Armando é o culpado, o círculo se fecha com ele”.
E rumou a casa de Armando. Subiu na árvore e viu Armando na piscina.
Era riquíssimo o cachorro. A noite estava pouco iluminada. Tudo corria per-
feito para o assassinato. Que visão. Armando na piscina, bebendo um Dry
Martini, e gargalhando, enquanto uma prostituta o masturbava dentro da
água.
“Que escroto, essa puta vai morrer junto com ele”.
De repente:
— Vamos, Jaime, não precisa pedir, entre e tome o Martini que vou lhe
servir.
Jaime desceu da árvore e entrou pela cerca de madeira que ficava logo de-
pois do imenso portão de aço que dava para o jardim do castelo monumental
de Amando, que depois disse:
— Sei que és vingativo, não há como me negar, você matou a Nilza
primeiro, e agora, veio para me matar – Um sorriso maroto teimava em não
sair da fisionomia de Armando que continuou:

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— Cheio de ódio e rancor o seu coração está, o meu tem muita alegria,
pois sei que vou te matar! Sua cólera não me comove, veja meu semblante
de calma, sua hora está para chegar e eu vou engolir sua ALMA!!!!
Jaime apontou a arma para Armando e disparou três vezes. BLAM!
BLAM! BLAM!

22:30 – JOSÉ (PARTE FINAL)


Gez, o guerrilheiro, já não tinha as pernas e o braço esquerdo. Então se
locomovia arrastando a carcaça com a mão direita, já carcomida e sem unhas
devido ao atrito com o solo das trincheiras. Gez era a primeira parte do que-
bra-cabeça, e José, a segunda.
Três são muito difíceis de encaixar, disse O Enforcado, a quarta presen-
ça, que em seu ponto culminante, murmurou ao ouvido de Gez a Canção do
Artifício ou Cancione Del Artifíccio. E Deus, que presenciava tudo sentado em
seu trono conjurou a última presença naquele momento de eternidade: O
Sem-Umbigo.
Um clarão de luz. José, Gez, O Enforcado eram agora um só. Sem-
Umbigo desce, grotescamente, em sua elegia de sinos e sonhos mortos can-
tando a canção e dançando, junto de um batalhão de sombras.
— Pois é, Deus, parece que esse é o meu momento. Deixe-os comigo –
Disse o Sem-Umbigo. E Deus apenas tingiu-se de negro e pôs se a chorar, em
seu trono mais alto, do alto da luz muito + iluminada, e em frente a ele, a a-
berração, o feioso, o mais canhoto, o ao-contrário, o framulhoso, o budèllo, a
origem-obscura, a ipso facto do pútrido asteróide, o ao-contrário, o ao-
contrário, o Sem-Umbigo.
José contemplou tudo aquilo com tristeza incrível e colou sua face na
superfície de uma tela de TV de um zilhão de polegadas, transmitindo o espe-
táculo da criação e da danação a alguma entidade muito mais antiga e deta-
lhada, muito mais minimalesca. Esta entidade veio cobrar o mundo que ou-
trora foi dela e é a tela de TV que o fez despertar. Agora sim! Tudo está co-
nectado à cigana, que com seus conhecimentos de cosmogonias ancestrais,
alinhou-se em conjunção infra-estrelar de modo a recobrar a forma física à
Sem-Umbigo que despertado, e amamentado, vai dar inicio ao banquete de
toda a humanidade.

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José percebeu que é bem real, é tudo bastante real. A sua vida é que
não foi.

22:30 – CARNO ENTREVISTA RAQUI


E agora com vocês, o primeiro e único: Zoltam Carnovashch!!!
APLAUSOS
Eu sei, eu sei, obrigado, muito obrigado. Caham. Estou feliz de estar
aqui, feliz de compartilhar essa magia de profunda emoção. Viva o amor mi-
nha gente, viva o amor O AMOR!!!
APLAUSOS
E agora com vocês a grande responsável pela destruição do universo
Queen Raqui!!!
+ APLAUSOS
Como vai cigana Raqui? Há quanto tempo, cinco anos? Como pensou
em ser o algoz de todo o cosmos?
MAMMI MAHAM MAMOUS MAM A MIAM.
Entendo, isso foi lindo, foi lindo e você também está. Minha platéia,dê
uma olhadinha no modelito dessa rainha, dá uma voltinha Queen,, por favor.
APLAUSOS
Ha há há há, não é verdade? Eu adoro estar certo. Raqui, responda-me,
você vai mesmo despertar o Sem-Umbigo hoje aqui ao-vivo para nós?
MAMMISCH.
Entendo. Esplendido, realmente, magnífico que isso vá ser transmitido
e gravado. É o amor! Meu Deeeeus o amor!!! Entra o musical! E depois, o
comercial!
Uma música fúnebre e triste que tocava, qual réquiem, retirou nossas
esperanças naquela noite de fúrias. Os céus tempestuosos cobriam o mundo,
e nosso mundo, e o seu também, leitor. É o fim que vem. Uma transmissão
televisionada em um aparelho de polegadas infinitas, o fim. A versão bizarra
e desconforme do bicho-papão. A história começa aqui. No início do fim da
raça humana.

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21:30 – JAIME
— Venha Jaime, eu não tenho medo, chega mais perto e eu te conto
um segredo – Disse Armando e Jaime percebeu que não acertou nenhum tiro
de raspão. Jaime girou e se escondeu em uma moita quando percebeu que
Armando estava armado e perigoso, com uma Magnum estilosa em sua mão
esquerda. O duelo começou.
— Saia, minha boneca, da piscina e da minha propriedade, pois não
quero que presencies tamanha brutalidade – Disse Armando e deu uma pis-
cadela na prostituta que, mais que rápido, exauriu-se do recinto, e da eterni-
dade.
Tiros. Muitos. As balas de Jaime acabaram, quando em uma atitude
Kamikaze, ele se jogou na frente de Armando, saindo da moita em rodopios
alucinados. BLAM! BLAM! Era a Magnum de Armando que só tinha três tiros
no coldre. Jaime girando e se esquivando furtivamente para a esquerda e pa-
ra a direita. BLAM! Dois tiros, Jaime ferido de raspão. Fugiu e girou para ga-
nhar um pouco de tempo.
“O puto é rápido”.
— Jaime, Jaime, apareça devagar, tenho duas balas para ao inferno te
enviar.
Jaime aparece, e gira, e um tiro de Armando, que errou. Jaime foge, vai
até a moita.
— Venha puto, vou te ferrar, me basta um tiro e depois vou te enrabar
– Dizia Armando enfurecido, louco.
“É agora, é minha chance”.
Jaime dá um rodopio certeiro na direção de Armando, que só tem uma
bala. Tiro zero. Jaime está caído morto, no chão. Armando prepara um Mar-
tini e bebe, olhando para o corpo de Jaime. Quando finalmente se dá conta
de que há algo estranho naquela noite. Os céus, aquela sensação nostálgica.
Armando ia morrer, não como Jaime morreu, mas de uma maneira muito
mais inominável. Foi quando Jaime voltou dos mortos e acendeu um careta.

23:00 – DANNY (PARTE FINAL)


Que ironia Danny. Você era importante afinal. Não do jeito que queria,
mas Deus escreve certo por linhas tortas. Que ironia. Vem fácil, vai fácil. O

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homem não era um homem e sim, Asmodeus, o demônio da luxúria, que a
levou à cerimônia de regresso absoluto do estrupício Sem-Umbigo. O corpo
dela pertencia à Sem-Umbigo que ao ejacular dentro da vagina de Danny,
uma garota pura e de coração honrado, vai gerar o ambíguo produto imacu-
lado. O filho dos dois será Nemesis, a criança ao-contrário, a zebra-estarlína.
Danny foi amarrada em uma mesa de sacrifício e dois homens-porcos
ergueram-na frente ao portal. Raqui foi até o portal e pronunciou as palavras
finais.
MAMAIN MAMAMOE MEMUMN
Sem-Umbigo estava diante de Danny, que perdeu a razão no momento
em que o viu. Melhor para ela, sua mente devastada já não ia + perceber a
dor. Depois dali, era a morte, e não só para ela, mas para mim e para você
também leitor, que lástima. Sem-Umbigo tocou a pele alva de Danny, e expe-
liu um muco gosmento de um de seus inúmeros anus, na boca da moça, e
depois a comeu. Das duas formas. Dentro de Sem-Umbigo, Danny e o esper-
ma iam dar origem a Nemesis, parido pela cigana Raqui, a mãe.
Danny Espíndola. Tinha o apelido de Titi, pois era muito magrinha na
escola. Titi era menina de sorriso ágil, criança madura e inteligente. Um dia
se apaixonou por Cosme, um garoto muito loiro e de bigode que deu o maior
fora em Titi. Esse Cosme. Titi virou Danny denovo e fez faculdade de jorna-
lismo e ganhou opiniões maduras a respeito de um monte de assuntos. Tem
uma boa conversa quando bebe e não enche o saco. É bonita. Essa é Danny,
sentiremos saudades. Talvez a personagem mais gente-boa que já criei.
Danny Espíndola, a doce, nos veremos, se puder.

23:45 – JAIME SEMI-MORTO (PARTE FINAL)


Armando volta da cozinha com dois Martini, um para si e outro para
Jaime Semi-morto, que estava na beirada da piscina fumando um cigarro. Os
dois ficaram ali até o fim, papeando, relembrando dos momentos em que e-
ram amigos na faculdade. Armando ficou rico. Jaime não. Beberam um, dois,
três Martini. Estavam embriagados, os dois observando de longe a carnifici-
na.
Já avistaram Sem-Umbigo, com seu tamanho monumental, avançando
e destruindo tudo. Não há como descrever o Sem-Umbigo. Imagine uma coi-
sa grande o suficiente para encobrir uma galáxia, uma coisa muito feia e fe-

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dorenta, cheia de tentáculos tenebrosos e membros genitais, e patas grotes-
cas, e bocas mucosas. Mas nenhum umbigo.
Rapidamente Armando teve uma idéia. Entrou na casa e voltou trazen-
do um armamento tão pesado que daria para derrubar um tanque. Armando
trabalha com o tráfico de cocaína e por isso era rico e tinha toda essa para-
fernália bélica em sua residência. Era um AR15, oito granadas, uma Ozzie, es-
pingarda, três berettas e uma bazuca.
— Vamos morrer, mas não vamos nos render! – Disse Armando entre-
gando armamentos e munição a Jaime Semi-morto que com um sorriso e um
cigarro na boca tratou de iniciar uma pequena guerrilha de resistência ao
Sem-Umbigo ali mesmo, na varanda da mansão de Armando.
Os tentáculos iam se desfazendo com as balas e granadas, mas logo os
restos mortais se fundiam em outras criaturas e a dupla de amigos finalmen-
te percebeu que era em vão lutar mais. Um anus de Sem-Umbigo defecou em
Armando, e Jaime Semi-morto, falou no fim:
— Desculpa aí Armando.
Logo a escuridão. E a cidadela.

23:00 – A. RAMIREZ (PARTE FINAL)


O errante A. Ramirez se despede de Raqui, beijando seus pés, e abrin-
do seus dois braços diante da boca de Sem-Umbigo, que o devorou sem ce-
rimônias. O fato é que alguns não eram imediatamente liquidados pelas en-
zimas e ácidos de Sem-Umbigo, e desciam um tobogã psicodélico de cores e
raio laser, até chegar em uma cidadela misteriosa e secreta, dentro do orga-
nismo de Sem-Umbigo. A.Ramirez chegou à Cidadela de Ouro e viu um tem-
plo gigantesco, muito maior que o sol. Muitas pessoas festejavam e dança-
vam e ele pôde ver claramente Jaime Xavier, Danny Espíndola, José Marco
Paulo, Armando e muitos outros em uma ciranda que cantarolava assim:
Verde, o campo, azul é o céu.
Eu amo Nemesis, nós amamos Nemesis!
A cidadela era a única possibilidade humana de continuar. Viver ali,
naquele oásis, o tempo que for permitido. A. Ramirez percebeu uma lágrima
em seu olho e sentiu também, uma mão pousando em seu ombro, uma mão
amiga, de Asmodeus.
— Esse é o nosso presente campeão, o presente de Raqui.

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— Viva a nossa cigana – Disse A. Ramirez que resolveu se juntar ao
grupo e às cantigas naquela roda que festejava a chegada dela, A mãe. Raqui,
enfim apareceu, vestindo vermelho, lindíssima. Maquiada, cheirosa e inefá-
vel.
O re-início, o retorno ao útero. Qual filosofia não é infantil? A. Ramirez
e todos ali sabem o que vai acontecer. Por que é nosso o direito de continu-
ar. Os sorrisos não foram em vão, a luta valeu a pena. A partir de agora, só
vai existir paz e amizade.
Um clarão ofuscou a vista de todos, era Nemesis, filho de Danny.
Salve Danny! Salve Nemesis!

0:00 – CARNO (CONSIDERAÇÕES FINAIS)


Bem minha gente, é o fim. Podem ir embora, o espetáculo acabou. O
Showbisness é isso aí. É difícil animar as platéias nos dias de hoje, nada grati-
ficante. Querem tudo muito bem explicado, tudo mastigado, eu particular-
mente acho sem graça. Você também acha? Não? Tudo bem, tudo bem, o
que querem que eu explique? Liguem agora no número que está aparecendo
no seu vídeo e pergunte. Estamos ao vivo. Opa! Temos um telefonema, alô?
Oi aqui é Norma, queria saber o que é na realidade o Sem-Umbigo.
Norma, o Sem-Umbigo é uma entidade do nono círculo de Cum Grano
Salis, uma galáxia infernal que a cada 2.000.000.000.000.000 de anos se ali-
nha com a nossa. A função de Sem-Umbigo então é a de migrar para nossa
galáxia e consumir toda a existência nela inserida. Próximo?
Oi, aqui é Silvia, quem realmente a cigana é?
A cigana Raqui é uma mulher que na verdade é a encarnação de Raqui
a semi-deusa. Ela é também um espírito muito antigo e passou de corpo em
corpo, pelas eras, até encontrar a chance de conjurar um vórtice espaço-
temporal dentro de um barril de conhaque e trazer de volta a regência de
Sem-Umbigo. Mas Raqui é esperta e herdou o título de A Mãe, sendo a única
humana a atingir o status de Deusa da Cidadela encantada. Próximo?
Oi, aqui é Maurício, fale-me sobre a Cidadela de Ouro?
A Cidadela, Maurício, é o refúgio dos humanos, dentro de Sem-
Umbigo, é o lugar em que, alguns escolhidos, irão perpetuar a nossa espécie.
A Cidadela é na realidade um grandioso campo verde iluminado por um tem-
plo, que na verdade é uma estrela, que na verdade é Nemesis, a simbiose de

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mãe, filho, e Sem-Umbigo. Há um misticismo e uma religião em Cidadela, que
prega a existência de Danny, uma pura e linda princesa que deu a vida em
pró da continuação de nossa raça. E prega Raqui, como a deusa entre os ho-
mens, o espírito eterno, a cigana cheia de emoção, que amamenta o novo
ser, o Nemesis. Próximo?
Boa noite, qual é a importância de Nemesis?
Nemesis é uma criança que na verdade é uma estrela, mora na Cidade-
la e é nele que os homens que vivem lá devem crer como salvador. Acima de
Nemesis há Danny, e abaixo dele, há Raqui. Não há como distingui-los, por
que ambos são um só. E é Nemesis o único inimigo de Sem-Umbigo e respon-
sável pela luz inesgotável nos campos de centeio e pela graça de manter Ra-
qui viva entre as eras. Nemesis é a criança que obteve a pureza do que havia
de melhor na humanidade. A pureza de Danny, a nossa mártir. Próximo?
Oi, eu queria saber qual a ligação deste conto com os outros contos do
“Totalmente Nada”.
Pois bem, existem várias ligações. Como puderam notar, José, é o
mesmo José de “Voltando Para O Início”, que passa esse conto já morto, de-
pois de seu encontro com Deus. Já A. Ramirez, é o mesmo Art Ramirez de “A
Criança Da Floresta”, primeira publicação da “Totalmente Nada”, e mostra o
que acontece depois de seu encontro com Asmodeus. Carno, que sou eu,
também faço uma ponta no conto “Fechado Em Enigmas”, todos psicografa-
dos por Alan Marinho.

E este, minha gente, é o fim de mais uma transmissão de sucesso ao vivo e a


cores. Espero que você tenha se divertido lendo isto aqui e assistido a tudo
em sua própria televisão de um zilhão de polegadas. Este conto fecha a trilo-
gia iniciada com “Voltando Para O Início” e complementada com o interlúdio
“Uma Nova Aventura”. E o fechamento de uma saga, também implica no
nascimento de outra. Uma ótima vida para você que está aí. Viva o amor!
Os créditos passam e o filme acaba, bem como este conto. A tela da TV
de nossa vida vai continuar a nos exibir, ou pelo menos, até a chegada do
Sem-Umbigo novamente.
FIM.........!



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46
A CRIANçA DA
FLORESTA
REMAKE
SOBRE O CONTO DE HORROR
Este conto é um conto de horror. Um conto de horror sobre degrada-
ção e morte. E sangue. Será que é isso que faz esse conto ser de horror? Será
mais? Digo, eu posso colocar comédia ou ironia, mas ainda assim continuar
sendo de horror. Minha pretensão aqui é chocar você, leitor. Minha vontade
é de deixá-lo perturbado. Para isso, entrego aqui esse escrito bizarro, banha-
do a sangue, mórbido, decadente e horrível. Nada do que está aqui, salvo a
ironia e as literatices referenciais, busca trazer luz, ou boas mensagens. Não
obstante, eu estou aqui, psicografando esse engodo com o único intuito de
que você quem lê, se cague nas calças. Mas não é algo assim tão simples, eu
digo. Escrever algo deste naipe exige talento e muita habilidade, coisa que eu
não sei se ele, o espírito que me ditou toda a história, obtém em suas facul-
dades cognitivas. Se é que isso existe no além-morte. É um delírio, um pesa-
delo, uma fantasia escrita com requintes de sadismo, um conto de horror, e

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que não poupa ninguém de descrições nojentas, detalhes tétricos, passagens
de escatologia e uma historia sinistra de bestificação humana, sem o final fe-
liz. Quer dizer, sem final nenhum. Isso o define, por excelência, como uma
narrativa sobre o horror, um horror gráfico, que maximiza a carnificina, mas
também metafísico, que respira onipresente. Aquele demônio que observa,
que sussurra e não nos deixa, nunca. Ele dá as caras aqui. Um mal muito an-
tigo e de três cabeças, que assovia uma música de funerais, que anuncia a
terrível profecia. Na boca da noite, na hora da grilagem, ele vem, horripilan-
te, trazendo com ele, sombras dançarinas. E é a floresta, companheiro, uma
floresta que faz disso tudo o que virá, a definitiva experiência do horror. Seja
bem-vindo ao mundo de “A Criança Da Floresta Remake”. Tempo para os
nossos comerciais.

PARTE 1 – FIM E 1
Depois de currar a menina, que não passava dos doze, o demônio o-
lhou para ela e contemplou o seu momento delícia. Com seus olhos verme-
lhos ele viu a garota indefesa curvar-se para frente, na cama, expelir um ruí-
do de náusea, e vomitar uma cascata escaldante de sangre. Olhou para a
menina, que já não tinha mais nenhuma honra, a menina já estava morta, an-
tes mesmo de morrer, ali, sangrando, foi violada, justamente naquele recan-
to mais íntimo, seu cu. Era o demônio que estava em frente a ela, um demô-
nio com um pinto em riste, duro e horrível, como uma serpente, que perfu-
rou sua alma, degradando, envenenando. O demônio apenas sorriu e partiu
para as torturas com a menina. Pausa. Vamos parar aqui, não posso contar a
tortura agora, é necessário regressar e tentar efetivar uma apresentação de
personagens, começando por nosso protagonista Art Ramirez.
O Que falar sobre Art? Que ele é magro, baixinho e calvo? Que ele é
casado com Verônica Ramirez? Que ele bebe? É + importante aqui, falar uma
única coisa sobre ele. A. Ramirez foi tocado pelo demônio, desvendado, sua
alma entrou em combustão e ele bestificou-se, tornou-se um também. De-
pois de entrar no Clube América, provar da depravação e da sodomia, degus-
tar uma sórdida refeição em um banquete de fezes e, finalmente, experimen-
tar das torturas de morte em um abatedouro satânico, já não era mais um
homem, era besta. Era a besta. Esse é nosso protagonista. Ele é a criança da
floresta.

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Antes dele, ou depois, tanto faz, está Asmodeus, o demônio da luxúria.
Com sua astúcia, manipulou a realidade ao bel prazer, fazendo a prévia do
rampage ancestral do Sem-Umbigo em seu retorno máximo. Asmodeus, o
homem da floresta, nos faz sonhar com dedos de carvão. Dedos feitos de
carvão e mal-hálito. Art dormia e, na madrugada podre, visitava aquela flo-
resta tão antiga.

UM VISLUMBRE NA FLORESTA
Não, nessa época Ramirez ainda não conhecia Asmodeus. Mas Asmo-
deus o observava, percebia os seus passos e já o encarava como cria, como
seu pupilo de devassidão. A. Ramirez era casado com a Sra Ramirez, vivam fe-
lizes, em uma casa com cerca e tudo, com um balanço feito de pneu sabe-se
lá para quê. Ele viva lá e trabalhava em uma firma de informática, ganhava
bem, era feliz. Mas algo ia acontecer e destruir tudo. Ia fazer Art chacinar a
sua esposa, depois, ou antes da cerimônia de bestificação e alta magia, a ser
realizada no Clube América, um reduto de demônios e espíritos inferiores.
Mas tudo foi determinado com os sonhos. Foram em seus sonhos, que
um portal para Asmodeus ganhar força e despertar, surgiu. O demônio ia ma-
terializar naquela que, seria a sua forma até o fim. Antes disso, quer dizer,
antes de Art conhecê-lo, em definitivo, os sintomas começaram a se manifes-
tar de forma onírica.
O Sonho da floresta. O sonho da criança na floresta, que procura o ga-
to, seu bichinho de estimação. É uma criança que representa a Ramirez, a to-
dos nós, e também representa os assustados ou os curiosos. Esse menino vai
entrar numa floresta muito antiga, de árvores retorcidas que bloqueiam o
caminho. O menino vai ouvir os murmúrios dos espíritos que erram naquelas
bandas esquecidas por Deus, repletas de umidade fétida, de insetos e de bo-
lor. São espíritos do mal, que aparecem e cantam versos, mas quando se vira
para poder ver, não estão mais lá. Essa é a floresta, mas tem muito +. Aguar-
do vocês no próximo sonho, vamos dar um pequeno intervalo no nosso con-
to, para que você possa fazer um lanche, e se preparar para a doença e a mi-
séria que se seguem.
Um comercial é exibido em uma tela de TV de um zilhão de polegadas.
Estamos assistindo tudo, na nossa fértil e ardilosa imaginação.
“Relaxe e goze, eu estarei por aqui até o fim”.

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A NOITE NA TAVERNA
Como é a sua vida? Ela satisfaz você? Ou permanece sempre a sensa-
ção de obscurecimento e oblívio? A vida são alguns meros momentos magi-
calmente bem agrupados, contra uma maioria esmagadora de sucessões de
instantes idênticos e sem perspectiva, que nauseia, que amofina. Talvez seja
esse o segredo da vida! Ela passa, e passa mesmo e quando vê, já foi. Nossos
momentos, os momentos divinos, são cadências astrais de nossas probabili-
dades, que se esfacelam perante a espirituosidade furiosa da velhice, da de-
crepitude e da morte. E que morte! E que morte horrível irão ter os persona-
gens de meu conto. A esposa de A. Ramirez, Verônica, vai morrer. A garota
do Clube América, que A. Ramirez faz o sexo dos amaldiçoados, também vai
morrer, e muitas outras pessoas, como a garotinha no sonho, também vão
morrer. A. Ramirez não vai morrer, nem Asmodeus, eles tem outra missão
que os aguarda no futuro e estão salvos nesse conto. Porém, ainda assim,
hão de conhecerem as fúrias antigas da descarnificação, que antecedem a
desforra do vórtice para a eternidade sombria.
Veja só que ironia, A. Ramirez começou a freqüentar esse pub que fi-
cava na parte oeste da cidade, um barzinho interessante e rústico. Foi lá com
um amigo, Julio César, que trabalhava junto dele naquela firma de computa-
ção. Ramirez começou a beber e exagerou um pouco na dose, aquelas oito
canecas de cerveja começavam a fermentar em suas entranhas e o acesso à
vertigem foi inevitável.
— Segura as pontas aí Júlio, eu preciso vomitar.
O banheiro do bar tinha uma cabine apenas e já havia sido ocupada
por um cidadão com as mesmas necessidades de Art. Sobrara apenas o con-
tainer coletivo, e não havia tempo para pensar, dobrou-se com a cabeça a-
baixada e o que lhe veio, foi numa lufada, uma catinga de mijo. Isso bastou.
Expulsou dos meandros de seu corpo, a cerveja e mais outras coisas que
também pediram para sair. Depois de tudo, quando A. Ramirez já estava la-
vando as mãos, meio zonzo, apareceu esse cara. Um cara cabeludo e cheio
de tatuagens, que entrou no banheiro com um fedido cigarro de cravo aceso.
O cara cabeludo botou a pomba pra fora e deu uma mijada segura em cima
do caldo grosso expelido por Art, que já dava as costas e voltava ao balcão do
pub. Em meio à conversa, meio desinteressante com Julio César, A. Ramirez

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observou o mesmo sujeito do banheiro, lá longe, com duas gatas saradas, em
uma orgia de línguas que beirava o obsceno.
“Que cara!”.
E as idas ao pub ficavam mais constantes de maneira diretamente pro-
porcional às suas brigas com Verônica. Algumas semanas se passaram e Art
sempre dava de cara com o cabeludo no bar, perambulando, bebendo e fu-
mando horrores, sempre acompanhado de duas, ou + beldades.
Esse cara cabeludo é Asmodeus, e simultâneo a ele, outros seres de e-
nigma caminham também em nossa terra, sussurrando aos nossos ouvidos.
Como quando temos acesso àquela região mais abissal de nossa tolerância, e
abraçamos o errado, o injurioso, o pervertido. Nessa hora, são eles, aqui e ali,
soprando, e dizendo:
— Primeira questão: Quando você puxa o gatilho, você lava a mão an-
tes ou depois? Antes e depois? Ou nem antes e nem depois? Quando você se
masturba, você lava as mãos antes ou depois? Antes e depois? Ou nem antes
e nem depois? Quando você introduz o dedo, você lava as mãos antes ou de-
pois? Antes e depois? Ou nem antes e nem depois?
Esse é o questionário de Asmodeus, o demônio da luxúria e das artes
sodomitas. Ele freqüentava aquele pub porque gostava muito do chope de
barril de lá, sempre geladinho. Gostava de seduzir garotas fáceis e prostitutas
que se sentiam inebriadas pelo charme do demônio. Via de regra, as levava
de lá, para a chacina no Clube América.

PARTE II – UM INVÓLUCRO QUE SE PARTE (FIM (PT.


1))
A.Ramirez tem uma característica interessante. É ele o protagonista
desse conto. Ele reaparece, me perturba, definitivamente é um cara que quer
atenção. Venho escrevendo sobre Art desde 2000 e ainda não esgotei algu-
mas possibilidades interessantes que tenho com ele em minhas mãos. O que
faz dele especial? Talvez o fato de que ele seja uma pessoa ridiculamente
comum, mas que viveu e aproveitou da salada mista mais tosca e perturba-
dora, inimaginável à razão humana. Isso faz dele, um sujeito especial às aves-
sas. Ele deu azar, esteve na hora errada e no lugar errado. Não há razão para
a miséria de Art. Ele não era um homem mau. Mentia, sim, era egoísta, traiu

51
sua esposa, comia prostitutas, mas e daí? Isso é pouco para a sua punição. Eu
gosto dessa palavra, punição. Eu também gosto da palavra mártir.
Ramirez deixou Julio César em casa, certa noite e voltou à taverna para
mais algumas canecas de chope. Estava farto do papo besta do compadre,
queria mesmo era azarar uma gatinha de bobeira no pub. Foi ao balcão, co-
meçou a beber e deu uma piscadela numa moça loira, sentada quase ao seu
lado. E ela disse:
— Tudo bem carinha?
— Tudo, sim. A noite aqui é quente, está só? – Disse Art, beirando um
galanteador.
— Eu estou acompanhada – E nisso surge, detrás da moça, o seu a-
companhante. Era o cabeludo bonitão que foi chegando e foi enfiando logo a
mão dentro da calça jeans da loirinha que, prontamente, gemeu com ternu-
ra.
— E aí amigo? – Era o estranho sujeito, agora, se dirigindo à A. Rami-
rez.
— Tudo certo – Falou Art com um sorrisinho idiota de constrangimen-
to.
O cara enfia a mão na parte de traz da calça da chica, começa a pegar
na bunda dela. Por fim, enfia o dedo médio até o talo.
— No cuzinho é mais gostoso?
A.Ramirez não acreditava em seus olhos, estava perplexo. Como um
cara podia fazer um negocio daqueles na frente de um estranho? A mastur-
bação continuava e, volta e meia, o sujeito retirava a mão das calças da mo-
ça, apenas para beber um gole ou dois ou acender um cigarro Em meio a tu-
do isso ainda encontrava concentração para interagir com Art, falar sobre ar-
tes, filosofia, música, sempre com opiniões instruídas e pretensiosas.
— Sou Asmodeus, você gosta do que vê?
— Não sei, a menina é uma coisa – Disse Ramirez desdenhando, po-
rém, louco pra tirar uma lasquinha.
— Sim é. Deixe-me falar sobre ela. Seu nome é Tina e adora pagar um
boquete gostoso. Fodam-se as regras! Você nunca sentiu vontade de extra-
polar? Eu amo essa menina aqui, com todas as minhas forças, vou dar de
presente a ela, um prazer que jamais sonhou, e ela vai me agradecer ofere-
cendo tudo!

52
Alguns minutos se passaram, Ramirez coçou o nariz, bebeu, pensou, curtiu,
escutou.
— Você deveria juntar-se a nós qualquer dia – Disse Tina, já se recom-
pondo da masturbação de Asmodeus.
— A gente se esbarra brother – Disse Asmodeus, dando de ombros.



E a floresta novamente. A criança estava lá, com sua lanterna, quando


encontra uma garotinha chorando, sentada num tronco de oak. A garotinha
branca tem cabelos muito pretos, e se perdeu na floresta em busca de seu
ursinho de pelúcia. O menino chega bem perto dela, na escuridão, e toca a
sua mão.
— Há uma clareira, lá longe, vamos procurar nossos bichinhos juntos.
A menininha se levanta, limpa suas lágrimas. Na busca dos dois, que
haveria de demorar muito para terminar, a recompensa seria a morte da pu-
reza em seus corações. Um invólucro que se partiu. Na busca, no sonho, no
caminho da clareira, os meninos encontrariam pERSONAGENS. As figuras da
floresta, os nativos. Dentro de nossa mente há o universo inexplorado do e-
rotismo grotesco. Ninguém chega perto, é um território que nos traz asco e
repulsão. Então, a função de pERSONAGENS é ensinar o terrível, fazer apare-
cer e transmitir o indizível. O primeiro pERSONAGEM, o aleijado veio até eles.
O aleijado vem aí. Ele chegou. O aleijado usava uma máscara para ta-
par a sua feiúra, que era incrível, não tinha nem os braços, nem as pernas.
Era gordo, adiposo, rolava e pulava como uma bola para poder se locomover.
A pele esfacelada e suja mantinha hematomas e sinais. O aleijado ficou de-
fronte aos dois meninos. As crianças da floresta. De um súbito, no rolar do
aleijado, foram-se emergindo na mente dos dois, os pensamentos mais no-
jentos em relação àquele pERSONAGEM. Uma aflição gelada penetrou o co-
ração do garoto que correu, fugindo. Era um pensamento que não era seu.
Foi a floresta. Ela murmura devagar e prazerosa a melodia penetrante da mu-
tilação, da masturbação, da trapaça, da perversidade, da fatalidade, da ansi-
edade, da decomposição, do assassinato, da obscenidade, da crueldade.
Quando você mata sua mãe, você lava as mãos antes ou depois? Antes e de-
pois? Ou nem antes e nem depois?

53
Enquanto tentava fugir do aleijado, ele rolou para esquerda e depois
para a direita, num golpe de mestre que fez o garoto tropeçar. O aleijado fez
um gesto com a barriga e colocou o seu pinto pra fora, uma minhoca magra,
deformada, fedida e enorme, + de um metro e meio. O pinto tinha uma ca-
beça humana em miniatura bem na ponta, tão medonha quanto a maior, o
que era sem dúvida o detalhe mais insólito. O pinto foi se arrastando até o
garoto amedrontado, caído no chão. O menino gemia e o pinto do aleijado
enroscou-se na perna e na coxa, foi até o cu, subiu pelas costas, enrolou na
cabeça, foi ao ouvido do garoto, paralisado, terrificado.
— Para onde vai, essa pequena morte é só o começo – Disse a cabeça
do pinto.
Pronto, desperto novamente. As imagens daquele sonho teimaram em
não deixar a mente de A. Ramirez descansar em paz.

UM RE COMEÇO – RUMO AO NOVO SER.


APRESENTANDO: CARNO!
Lá vem o Carno lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá; lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá; lá, lá,
lá, lá, lá, lá; lá, lá, lá, lá, lá, lá; lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá; láááááááááááááá-
ááááááááá!!!!!
APLAUSOS.
Opa! Boa noite meu povo desse mundão sem fronteiras, tudo bem
com vocês? Tudo certo? Estou de volta hoje, mas vocês não enjoam de mim
nunca né? Há quanto tempo temos nos encontrado, eu e você, nesse pro-
grama. Viva o amor, minha gente, vi-va o AMOR. E nossas atrações, meu a-
migo telespecleitor, estão muito especiais. Especiais, pois eu afirmo que esta
noite, ao vivo pra vocês, vai ocorrer uma transmissão do evento especialíssi-
mo, a acontecer logo mais no requintado e badalado Clube América. Sabe o
que isto significa não? Morte, monstruosidades e escatologia, pertinho de
você, na sua casa irmão. Alellujah!!
APLAUSOS.
Ok, caham. Ok. Peço a vossa atenção. O que é o re começo? Algumas
pessoas já foram tocadas pelos demônios. Eu, graças ao amor e a minha fa-
mília, nunca fui, porém, certos tipos são mais tendenciosos que outros. Estes
possuem a incredulidade e o niilismo na vida, que tanto atraem a atenção, de

54
bestas como Asmodeus. Foi o destino ele ter escolhido Art para o re começo?
Não há nenhum destino aqui. Há apenas uma roleta russa de egos em transe,
meu povo, loucos para adentrarem em uma trama da qual não conseguirão
sair. O recomeço para Ramirez é atingir o estágio de um novo ser, esquecer
de seus paradigmas, poder navegar no esgoto podre da libertinagem ines-
crupurulenta da cerimônia de bestificacão. Comerciais, um beijo, amo vocês
e... Até já.
+ APLAUSOS.

CERTO DIA ACONTECEU UMA COISA


Certo dia A. Ramirez encontrou com Asmodeus naquele pub.
— E aí bicho – Disse Art acendendo um careta.
— Nada mal – Disse Asmodeus, que estava sentado em uma mesa,
com uma garota ao seu lado o beijando, e uma segunda moçoila, de cócoras,
embaixo da mesa, dando uma chupada em seus testículos. A garota debaixo
da mesa levantou a toalha para entrar no campo de visão de A. Ramirez, que
emitiu um risinho.
Asmodeus era muito sedutor. Sua lábia e sua maneira inesperada, alia-
da à sua magnífica beleza, o tornava um ornamento exótico e imponente,
como um líder. Art ficara encantado. E muito curioso. Esse talvez tenha sido
o momento do bote, e o motivo dele também. Naquela noite eles beberam e
a garota do bar pagou + uns cinco boquetes em Asmodeus, que depois de go-
zar falou.
— Vamos num motel com essas vadias Ramirez?
— Vamos, com certeza.
Partiram no carro de Asmodeus, em alta velocidade até encontrarem
um motel barato e pútrido, nos limites daquela cidade. Art e Asmodeus en-
traram em na espelunca-quarto com as duas do bar e lá beberam sua seiva,
gozaram em suas bocas e enrabaram com tesão. E Art viu. Uma sombra, mas
ele viu. Tinha três cabeças e em seu momento mais aterrador, prostrou-se
diante da vagabundinha numero um, segurou o pinto com a mão e soltou um
mijo na cara dela, que sorria, enquanto sorvia tudo aquilo de uma vez.
— É bom! – Ela gritava.
E Asmodeus disse:
— Mije em mim agora, coração.

55
— Pois não meu amo.
Neste ínterim, Ramirez está na cama com a vagaba número dois, o-
lhando tudo boquiaberto, a sombra das três cabeças continuava lá:
— Você quer também, não quer? – Disse a sua parceira com uma cara
dengosa.
— Eu não sei, acho que sim – Falou Art, enquanto olhava Asmodeus
que sorria como criança embaixo daquela cascata dourada. Mijo! Viva o mijo!
E Art bebeu tudo, enquanto se masturbava, sem nem mesmo perceber que
sua humanidade estava indo embora, mais rápido do que ele poderia pensar.
Depois de gozar, A. Ramirez olhou Asmodeus dar umas pancadas na
garota. Mas não falo de tapas de amor, eram alguns socos fortes, feitos para
nocautear. Quando desfaleceu, Asmodeus a comeu, toda mole, como um
fantoche.
— Isso é demais pra mim, quero ir embora – Art já estava colocando a
roupa, ainda fedendo a mijo, quando Asmodeus levantou-se e falou:
— Este é um dos pontos de convergência entre nós, amigo. Nunca é
demais. Pense nessa gata, toda esfolada, entregue em seus braços, pensa
nessa boceta escorregadia e no sangue em seus dentes, pensa em como seria
bom vê-la morrer aqui, abrir um orifício novo nela, com uma faca e penetrar,
até atingir o máximo e sair dela com o pinto pingando vermelho. Pense nisso.
Gya há, há, há, há, há, há, há, há, HÁ, HÁ, HÁ, HÁ, HÁ, HÁ, HÁ.



Está difícil de agüentar leitor? Está pesado? Quer que eu pegue leve é?
Vai esperar sentado. Aqui não há o termo “pegar leve”, aqui eu pego pesado,
eu decido o destino, eu crio meus personagens e os puno, severamente, já
que não posso punir a vida. Você tem a opção de parar, já que a partir de a-
gora tudo vai declinar para a sacanagem total, e o negócio aqui irá pertencer
apenas à degeneração mesmo, só. Vai ficar difícil, se não tem estomago, nem
tente. May day! May day! Estamos perdendo altitude, vamos cair!
Bem vindos ao inferno grotesco e inatingível de meu teatro cósmico de
ódio. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível de meu teatro cósmico de
pus. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível de meu teatro cósmico de
sebo de rôla. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível de meu teatro cós-
mico de medo. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível de meu teatro

56
cósmico de lixo. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível de meu teatro
cósmico de esperma. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível de meu te-
atro cósmico de bosta. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível de meu
teatro cósmico de bode. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível de meu
teatro cósmico de merda. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível de
meu teatro cósmico de sangre. Bem vindo ao inferno grotesco e inatingível
de meu teatro cósmico de cânceres. Bem vindo...

UFA! FOI APENAS UM SONHO


Art acordou, foi um sonho. Mas essa informação é duvidosa, já que a
partir dessa noite, ele nunca mais descobriu ao certo se esteve sonhando, ou
bem acordado o tempo inteiro. É um indicativo. O primeiro sintoma da che-
gada do novo ser. Imaginava situações com Asmodeus, imaginava diálogos
com Verônica, mas depois tomava consciência que não existiu diálogo algum.
Isso acontecia, mas por vezes ele se sentia desperto, com suas faculdades
motoras respondendo, realizava ações e até mesmo ia trabalhar, por dias e
noites a fio, para depois acordar, de um sonho, e descobrir estupefato, que
nada aconteceu. Ufa! Foi apenas um sonho. E de novo, e novamente, e +
uma vez e + uma dose, pois queremos beber hoje. Quem não gosta de be-
ber? Quer dizer, muitos não gostam, mas Art bebera todas, numa noite em
que, sentia particularmente desperto de seu subconsciente labiríntico. Bebeu
com o Julio César, contou a sua teoria:
— O mundo é uma ilusão.
— Como sabe?
— Eu nunca sei se estou sonhando ou acordado, de repente estou aqui
e PUF! Voltei para minha cama. É angustiante perder dias e dias de trabalho
em um sonho. A sensação que tenho é a de que eu me canso de verdade. É
uma ilusão, Julio, das grandes. Eu me vejo fazendo coisas como comer cocô,
estuprar uma mendiga anciã e depois matá-la. Peraí, porque estou contando
isso para você?
— Você se sentiu confortável para me dizer.
— O mundo é ilusão Julio! É sério! Mas tem um sonho que se repete. É
como se todos os outros sonhos viessem desse sonho-mãe, que é uma flores-
ta.
— Uma floresta.

57
— Sim! Uma floresta antiga, horripilante, eu estou lá com uma garoti-
nha, eu e ela estamos procurando algo. É muito ruim lembrar dessa floresta
agora que estou acordado, dá muito medo, mas todas as noites em um so-
nho, ou o sonho de um sonho, ela está lá. A impressão mais sinistra que te-
nho é que, eu acho, quer dizer, me parece, que essa floresta vem me visitar e
não ao contrário.
— É estranho.
A. Ramirez para um pouco de falar e faz um giro com a cabeça ao redor
do bar. Dá de cara com Asmodeus e uma loira no outro balcão, ele olha para
Art o tempo inteiro, boceja, ri, fuma, masturba a loira, ri, pede uma tequila,
pede um chope, pede +, masturba a loira, ri, olha para Art e pisca, canta uma
outra garota qualquer, canta +, olha ao redor, fuma, bebe, fuma, fuma e
masturba a loira. Tudo isso em apenas alguns segundos.
Relaxe e goze, eu serei seu guardião. Quando Ramirez se volta para Ju-
lio César descobre que o seu rosto mudou. Sua pele ficou mais branca e em
vez de boca ele tem um pênis, murcho, com dois testículos no lugar de quei-
xo. Os olhos foram substituídos por vaginas escorregadias, o nariz era de por-
co e tinha um chapéu na cabeça.
“Merda, é um sonho!”.
As vaginas começaram a conversar sobre geo-política com A. Ramirez,
que neste instante estava completamente confuso e constrangido. É quando
chega Asmodeus, dando três tapinhas em suas costas, sorrindo mansamente
e dizendo:
— Relaxe e goze, eu serei seu guardião.



Na Floresta, as duas crianças seguiram se deparando com vários pER-


SONAGENS, o pervertido, o luminoso, o pegajoso, todos tinham algo a ensi-
nar, sobre a morte, a mutilação, a perversão, o sadismo. Doravante apareceu
um pERSONAGEM novo, o boceta, cuja descrição eu já fiz no bar.
— Oi, eu sou o boceta, mas também conhecido como Julio César. Vim
pra dizer: O mundo é uma ilusão.

58
O FRACTAL ONÍRICO
Depois de escorregar por um túnel de raios e luzes psicodélicas, Art
encontrou a curva do tempo. Uma constelação. Um artefato. Entrou em um
caminho sem volta. É sonho? Porque se pensar, não dá pra saber. O Fractal
Onírico. A porta verde parece estar cheia de grana. Uma velha na frente do
templo. Um oficial transando com uma cabra. O túnel de luzes ia chegando
no fim, em seu destino. É mesmo um sonho?
Verônica Ramirez apareceu para Art, em uma manhã e comentou que
também estava tendo sonhos estranhos com um cara entrando toda noite
em seu quarto.
— É tudo muito real Art, e quando eu percebo, estou submissa a ele.
— O que ele faz?
— Ele me come gostoso, no início eu não quero, mas ele é muito bom
e me convence. No fim de tudo fico me sentindo suja.
— O Que vocês fazem?
— Ah, ele me pega e me chupa, depois, enfia o caralho grosso na mi-
nha boceta. E me beija, Art, me beija mesmo. Ele tem dedos feitos de carvão.
— Como ele é?
— É alto. Meu Deus, como eu sou suja. É lindo. Cabeludo.
— É Asmodeus?
— É.
Verônica era uma mulher muito branca e alta, tinha cabelos vermelhos
e um corpo bem roliço, principalmente nos quadris. Verônica estava amaldi-
çoada com o estigma de Asmodeus. Enquanto brincava com os sonhos de
Art, Asmodeus visitava Verônica todas as noites e, em seus sonhos, plantou a
semente do mal.
“Dentro de mim está contida uma coisa.
Que vou te dar no momento certo.
Essa morte que respira dentro de teu ventre”.
Asmodeus e A. Ramirez agora estavam em uma praia deserta, ambos
nus em frente a uma enorme escultura de uma mão, como que se erguendo
da terra. Ninguém mais estava lá, apenas no céu, lá longe, havia uma estrela
muito brilhante que se repartiu em constelações, numa uma explosão de co-
res, cheiros e sentimentos.
— Esse é O Fractal Onírico – Disse Asmodeus.

59
— Para onde isso leva? – Disse Art.
— Para canto algum, foi ele que nos trouxe.
De repente, a mão que estava emergindo de gaia, move-se e levanta-
se dali, um gigante de pedra, que abre os braços e se vai, sugado pela forca,
no Fractal. Mais de um milhão de anos se passaram em silêncio, depois do
escape do gigante de pedra. Art ficou lá, naquela praia, sentiu cada segundo,
cada era, cada estação, junto de um Asmodeus que o observava sempre a-
tento, mas jamais interagia. Às vezes apareciam umas raposas. Às vezes As-
modeus se transformava em pedra, em lua, em pérolas, em doçura e por fim,
em amor. Um milhão de anos and then:
— O que é o tempo, não é mesmo? – Disse Asmodeus rompendo o si-
lêncio.
Nesse instante O Fractal retorna trazendo novamente o gigante de pe-
dra que pára em frente a eles, faz um sinal de respeito com sua cabeça colos-
sal e se enterra novamente, deixando apenas os seus cinco dedos direitos de
fora.
Mas ali estava Ramirez, solto de novo, comendo o cu de uma oriental
no Clube América. Eles já estavam lá. A cara de dor da oriental, com suas
mãozinhas minúsculas tocando nas gotas de sangue que escorriam do orifí-
cio, fizeram Art entrar em erupção. Fracku! Fracku! Fracku! Eles estavam lá.
Lá vem o trem, o trem de sombras que chegaram para a valsa. Dança! Dança
a dança! E Ramirez lá, dando porrada na colegial japa, arrancando dente, ar-
rancando tudo.
APLAUSOS.
Quanto tirou a pomba do buraco, cheia de sangue, colocou o punho
dentro do cu e terminou de esfolar a menina já quase desacordada. Entram
uns homens vestidos estranhamente naquele quarto no Clube América. Eram
religiosos, membros de uma seita que venera uma entidade antiga e muito
poderosa, chamada de Sem-Umbigo, ou não-nascido. Retiram a garota do
quarto, apertam um botão vermelho na parede e... Estamos nos nossos co-
merciais.
Asmodeus alimentou Ramirez alguns meses com suas próprias fezes e
mijo. Art, em princípio relutou, mas com um tempo, se entregou de cabeça
aos mistérios gustativos da coprofagia. Todo dia, Asmodeus trazia um pouco
da sua merda em um prato e colocava na boca de A. Ramirez, com uma co-
lher. Contava histórias antigas de gordas que imprensavam seus maridos com

60
a bunda, que peidavam. Contava histórias e logo elas passavam realmente a
existir, pois Art vivenciava tudo em seus sonhos, naquele quarto seboso e
gosmento, em uma masmorra qualquer, perdida na subjetividade.
“O que foi que aconteceu? Eu morri? Onde está Verônica, onde está
minha vida? Porque estou envolvido com essas coisas horríveis? Porque não
me nego? Quero escapar. Quero acordar, tomar um café, ir trabalhar de no-
vo. Onde estou? Onde está todo mundo? Para onde foram os sorrisos, a ami-
zade, a beleza, a delicadeza e a feminilidade? Porque me afundo e afundo
nessa poça de lama? Ou seria de merda? Asmodeus. Você é o cara. O cara
que me fodeu legal. Chegou assim, sem mais nem menos e me fodeu. Ele sa-
bia, aliás, ele sabe. Ele vê, e te vê, e chega perto e sussurra e epa! Ele é dono
de sua vida, dono dos seus sonhos. Hora do almoço. Estou na floresta”. Co-
mercial.

ANTINFERNO & A CASA DA BRUXA


Voltamos a apresentar: “A Criança Da Floresta Remake”.
Perceba a vida então dessa forma, amigo leitor. Como um mosaico de
acontecimentos incongruentes e desconformes, reavivados por nós em ca-
dência duvidosa. Volte a sua infância e recorte todas as capas de disco e cha-
péus de aniversário que você puder. Recorte o sorriso de seus amigos e a sa-
tisfação de correr na chuva, de banho de bica. Recorte a escola e a primeira
namorada, a primeira transa e o primeiro cigarro. E o primeiro cigarro depois
de uma transa. Vá adiante, desperte consigo toda a licença poética de Pablo
Neruda e ALAKAZAM! Você tem um prato requentado que é: Vida.
Pense nisso e entenderá o meu conto.
Pessoas como ele tem valores e medições completamente divergentes
das abraçadas pela parcela que compõe o que podemos chamar de mediani-
dade niveladora do impessoal. Ou seja, seus conflitos são resolvidos em esfe-
ras muito mais oriundas das estruturas existenciais primordiais, de sobrevi-
vência e de estados de natureza.



Ao acordar, mais uma vez, Art pensou finalmente que estava livre do
mal. Mas esteve todo esse tempo no Fractal Onírico, e dele, foi direcionado

61
retamente para o antinferno, nossa antepenúltima parada. A penúltima será
na casa da Bruxa e a última, nos reinos misteriosos de Sem-Umbigo. Antin-
ferno era igual a uma sala de recepções de um hotel ou hospital. Tinha uma
secretaria Del Rego, que ficava bebendo café e lendo revistas de moda femi-
nina, enquanto atendia um e outro com cara de paisagem.
— Pois não?
A. Ramirez foi até Del Rego, prestando muita atenção ao generoso de-
cote da moça e disse:
— Por favor, eu acho que tenho um problema aqui.
— O que é? – Disse a blasé Del Rego.
— Er, eu vou tentar explicar. Alguém me mandou pra cá. Bem, eu não
sei ao certo quem foi sabe? Mas, eu estou muito cansado e confuso. Eu pare-
ço ser parte de uma peça cósmica, mal estruturada e viciosa, de mau gosto. E
aí acordo, mas o mundo desperto não é mais o mesmo. Parece que eu matei
minha esposa, é isso.
— É o que diz o seu formulário, ela estava grávida né? – Comentou Del
Rego baixando um pouco a armação de seus óculos.
— É. É o que dizem, mas... Algo errado. Eu estava com Verônica, era
minha mulher, mas eu nunca pude ter filhos, sou estéril. Ela é louca por cri-
ança. Fui eu quem o vi, ou melhor, eu não vi, mas ouvi. Era Asmodeus sabe?
Ele vinha devagar e entrava na janela de Verônica quando eu não estava.
Trapaceiro! Ele colocou a semente do demônio.
— Por isso está aqui?
— NÃO! – Grita Ramirez – Eu fui mandado e tenho algo a dizer. O
mundo é...
Nesse momento, Julio César entra na sala de estar do Antinferno, junto
de vários outros pERSONAGENS, eles seguram a cabeça de uma criança:
— Sou boceta, marquei hora.
— Por aqui, com licença – Disse Del Rego a Ramirez enquanto levava
boceta através de uma portinhola miúda no canto da sala – Muito boa sorte.
Insosso, que era mais um pERSONAGEM, pegou pela mão de Art e o
carregou junto a uma segunda portinhola na outra extremidade do Antinfer-
no. Ambos adentraram a portinha e uma luz alaranjada ergueu-se, junto de
odor de carniça e lama. Ao acordar, mais uma vez, ele pensou estar livre do
mal, mas estava regresso naquela floresta verde-musgo, defronte à Casa da
Bruxa.

62
UMA VISITA SEXUAL A DONA BRUXA
A CATARSE E O CHEIRO DE XERECA
Quando pensei em reescrever “A Criança Da Floresta”, algo podia dar
muito certo e algo podia dar muito errado. Era uma história, mais rudimen-
tar, mais longa e bastante diferente desta que agora você lê. Seria perigoso
para mim re visitar um texto que foi construído em uma outra fase de minha
vida. Algo podia dar muito certo. Eu acuro o meu foco no texto anterior e a-
penas modifico algumas coisas, podando os excessos etc. Mas algo podia dar
muito errado. Eu me desprenderia do conto original para ir atrás de uma ou-
tra face da besta. Seria um novo conto, com a mesma moral, mas reinventa-
da e desmembrada, uma versão in loco, adentrando num terreno inexplora-
do, oriundo e extraterreno. Percebo agora, nessa altura do campeonato, que
“Remake” deu muito errado.



A floresta havia ficado mais escura e garotinha morrera dilacerada por


alguns pERSONAGENS. Eles estriparam sua pele, degustaram do pequeno ori-
fício e da vagina infantil. Depois disso, pERSONAGENS comeram e regurgita-
ram a menininha várias vezes, restando apenas a cabeça descarnada. A. Ra-
mirez não era mais menino, era um homem, e futuramente viria a tornar-se
novo-ser. Insosso carregava Ramirez através do interior da floresta, seguran-
do o seu braço com um tentáculo asqueroso de ventosas e güentos enquanto
murmurava o poema que dizia assim:

“Ósculo da madrugada, oferecido pela graça,


Na Floresta que goteja, na fogueira da grilagem,
O Mantra perseguido das odes pagãs,
É o invólucro de precipício nas esferas ancestrais,
Da morte e aventura, rumo aos seus umbrais...”

“Asmodeus, seu safado. Algo saiu muito errado. Sinto que estou che-
gando ao fim da linha. A minha missão, minha epopéia manchada de sangre

63
parece degringolar errante em uma desconstrução ou derretimento por ben-
zina. Estou cansado. E as bestas que me guiam. Elas sabem do vindouro. Bes-
tas de um mundo de pesadelo do qual eu jamais quis participar. Fui escolhi-
do. Minhas mãos começam a se modificar e minhas costas ardem. Algo erra-
do. A vigilância de minha mente adormece junto de uma estática e microfo-
nia. A floresta e essa bruxa descomunal”.
“Eu sou Asilum, a bruxa. Esse floresta é meu. O que traz o visitante é
minha determinação. E pronto. Não querer entender. Inútil. Ser criatura anti-
ga, verdadeira. Você, falso. Pequenóide. AGZT STEPZ VERBRTN OCARNZSHK.
Eu ser Asilum, a bruxa. Danço a valsa da redimizigicaredionumisazação. A ce-
rimônia, visitante. De retorno. Sou Asilum aqui e Raqui lá fora. Sou bruxa a-
qui, cigana ser eu. Lá fora”.
Tudo desmorona. Tudo mingua. Homens preparem-se para o pior:
A bruxa aquece Art entre suas tetas do tamanho de barris. A bruxa ti-
nha três metros de altura e era a rainha daquela floresta. Tinha o corpo caído
e pendurado em uma pele ressecada, cinzenta. As mãos eram galhos de ar-
vores. Seu corpo tinha inúmeras cicatrizes e os olhos eram duas bolas negras
de carvão. A xereca era gigantesca, tinha dentes de tubarão e exalava uma
catinga descomunal de azedume. A boca murmurava um ruído dissonante,
mas que fazia sentido como uma voz. Ramirez divertiu a bruxa por alguns di-
as, sexualmente, eu digo.
— Chega! – o desespero de nosso incompreendido protagonista – Eu
não agüento +!
A bruxa sub julgou Ramirez em joguetes humilhantes e escatológicos.
Obrigava-o a cometer atos grotescos e na medida da progressão desses atos,
Ramirez sentia o seu corpo mudar. Asilum era terrível, um pesadelo vindo do
inferno, pois tinha inteligência e longevidade suficiente, para pensar indiscu-
tíveis formas de tortura e mutação. Aquele era o mundo dos pesadelos e dali,
daquela floresta, Asilum ia trespassar a barreira onírica apoiando-se no Frac-
tal, para então retornar a forma carnal e trazer de volta o grande mestre. Art
era a criança da floresta, ou seja, apenas mais um pERSONAGEM, o escarro.
Depois veio a luz.
Ramirez estava vestindo um terno branco, muito alinhado, estava na
frente de um prédio junto de Asmodeus, especialmente belo ao seu lado.
Ambos entraram no prédio. Um elevador surge, e uma conversa reveladora.

64
QÜIPROQUÓ
Asmodeus: Preste atenção meu querido, pois vou revelar toda a ver-
dade.
Ramirez: Já não era sem tempo. Diga-me, pois em todo o momento,
desde que, desde que eu consigo me lembrar, parece que estou em um pe-
sadelo sem fim.
Asmodeus: Na verdade está.
Ramirez: Então, me diga (revoltado), me diga logo, leu ludibriador ba-
rato! Por que eu? O que faz de mim especial, como faço para despertar?
Asmodeus: Uma questão de cara vez.
Ramirez: Por que eu?
Asmodeus: Porque podia ter sido qualquer outro. Você não é especial
Ramirez, em nada. É randômica a nossa seleção. O inferno apenas aponta ví-
timas em potencial. Eu estava naquele bar, entrei naquele banheiro, me en-
tende?
Ramirez: Certo, entendi. Mas então a parte do bar era real?
Asmodeus: Eu não disse isso.
Ramirez: Como faço para acordar?
Asmodeus: Você VAI despertar meu amigo, no momento oportuno.
Enquanto isso, alguns anos já se passaram no mundo real, você foi diagnosti-
cado como um portador da doença do sono ou catalepsia.
Ramirez: Quantos anos?
Asmodeus: Uns dez.
Ramirez: E Verônica?
Asmodeus: Você não lembra frangote, você a matou.
Ramirez: Qual o propósito disso tudo?
Asmodeus: Bem, amigo, este é o ponto. Há um jogo acontecendo ago-
ra, bem diante de nossos narizes. Um jogo de cachorros imensos. Deus está
envolvido, e nós do inferno também. Há um ponto de intersecção, o Fractal
Onírico, aparece em cada era, num local de sonhos, ou pesadelos. O Fractal
atual situa-se na floresta da Bruxa. Um pesadelo muito comum.
Ramirez: Estou gostando disso, diga mais.
Asmodeus: Esse ponto de intersecção vai funcionar como um portal
para a passagem de uma entidade antiga, que está prestes a emergir. Nin-

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guém sabe o que ele é, exceto nós. Parece que virá reclamar o território que
outrora foi dele. Deus deu passe livre.
Ramirez: Que entidade?
Asmodeus: Chamam de Sem-Umbigo, o não nascido, ele está crescen-
do, dentro de nós. Dentro dessa construção, um pedacinho do inferno. A
Bruxa, que transpassa as eras, entrará através do Fractal, no mundo carnal
em forma de uma cigana. Essa cigana ganhará um barril de conhaque. Nesse
barril, está a chave para a volta do Sem-umbigo.
Ramirez: Não entendo, qual a minha participação nisso?
Asmodeus: Qüiproquó Ramirez. Toma lá, dá cá. Quando você desper-
tar, estará em um outro estado de mundo. Você vai preparar a chegada de
Sem-Umbigo. Nós do inferno te daremos poderes ilimitados, que serão usa-
dos aqui e na hora da cerimônia. Quer dizer, você não vai se lembrar de nada
que conversamos aqui quando acordar. Mas seu prêmio será poder ilimitado,
para modelar o mundo onírico.
Ramirez: E para ganhar esse poder, eu devo me entregar a essa causa?
Asmodeus: Precisamente.
Ramirez: E se eu recusar?
Asmodeus: Arrumaremos outro.
Ramirez: Porque me fez passar por tudo aquilo, a praia e os mais de
um milhão de anos de silêncio, a merda, a tortura, porque Asmodeus, por-
que?
Asmodeus: Diversão.
Ramirez: É só poder que eu ganho? E depois? Quando esse monstro
chegar?
Asmodeus: Ele vai destruir a raça humana. Bem, tecnicamente ele vai
engolir a galáxia.
Ramirez: E eu vou morrer?
Asmodeus: Vai, mas vai ganhar um bônus.
Ramirez: E qual é?
Asmodeus: Vida, meu amigo. Vida. A galáxia vai deixar de existir, mas a
Bruxa, ou melhor, a cigana, soube arquitetar o plano. Haverá um sacrifício. E
uma Cidadela especial. Nessa Cidadela, alguns poucos vão permanecer para
dar continuidade a nossa espécie. Você será um deles.
Ramirez: Eu topo.
Asmodeus: Isso foi acertado. Vamos, o elevador parou.

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O CLÍMAX – DESPEDIDAS TARDIAS
O PODER DO FRACTAL E O NOVO SER
O novo ser. Um embrião. O prédio em que eles estavam era uma filial
do inferno no mundo dos sonhos, poderia ser também, a extensão do Clube
América.. Lá estava um pedaço de Sem-Umbigo, meio carne, meio plasma, e
um pouco dele seria passado para Ramirez antes do despertar. Ramirez e
Asmodeus chegaram à cobertura do prédio, um vislumbre de Sem-Umbigo,
ali mesmo, um pedaço do inferno. Todos os irmãos de Asmodeus estavam ali.
Astaroth, a besta de fogo, tremulava com seu enorme machado em mãos.
Baal, das asas, um arcanjo renegado que observava tudo com um único olho.
Beuzebub, o senhor das moscas, Beliel, Scratch, Azazel, Shubnigurath e Lúci-
fer, estrela da manhã.
Acima deles, Sem-Umbigo. O embrião onírico de Sem-Umbigo. Tudo
começa com os sonhos. Neles, existe uma certa região inexplorada que per-
mite a passagem de entidades anciãs para o mundo físico. Na verdade um
pedaço dele estava ali, como um embrião, mas o verdadeiro Sem-Umbigo es-
tava em sua galáxia, o nono círculo de Cun Grano Salis. Dali, ele observava a
reação que provocaria um pouco da essência dele, inserida nos sonhos de al-
guém da terra. Como Ramirez seria o receptor da essência de Sem-Umbigo,
desperto, no mundo real, seus poderes naquele lugar, seriam praticamente
infinitos. Seria o mundo dele, criado ao seu bel prazer, um mundo de possibi-
lidades infinitas.
Ramirez caminhou até onde O Embrião estava e com as duas mãos, to-
cou seus tentáculos azuis e gosmentos, seus ânus ensopados, suas bocas as-
querosas e as ventosas repugnantes. Levou aquilo até a boca e engoliu, sen-
tindo-se pleno, quando todas as lembranças vieram furiosas cortando sua
alma. Um milhão de anos! Ou mais. Os banquetes de merda no Clube Améri-
ca, as torturas infindáveis e as visitas à floresta. A Bruxa, a cigana semi-deusa.
Então veio uma história. Muitas histórias, que romperam os pensamentos de
Art Ramirez e se realizaram. E se realizavam. Aquele mundo era dele, tudo
valeu a pena. A redenção vem aí. Nestas terras ele é um nobre que come u-
vas e desfruta de meretrizes cheirando a leite. Nestas terras, ele caça e dança
e voa e vive. Ele é Deus.

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Ramirez vê acontecer à história de José, o suicida. Vê o barril de co-
nhaque. Vê o vórtice espacial do distanciamento absoluto e/ou do Fractal, e
vê a invasão de zumbis. Art pensa rápido e acontece tudo, o mundo com
Sem-Umbigo por perto é muito melhor. Vê Jaime Xavier matar a própria es-
posa, como ele mesmo fez. Conhece Danny, tão importante, e também Ra-
qui, a cigana e a mãe. Foi um sonho, ele estava no mundo dos sonhos, mas
pouco importa, se é pra ser assim, que seja. Se a farsa está acontecendo bem
diante de seus olhos, é bom relaxar e apreciar o espetáculo. Um prato re-
quentado: Vida. Asmodeus sorri e vê tudo, durante um inimaginável período
de tempo. Vai até Ramirez, põe a mão em seu ombro e diz:
— Pronto acabou, já viu o que tem de fazer, é hora de cumprir sua mis-
são.
— Já? Está cedo astronauta – Disse Ramirez debaixo de uma cachoeira
de água e de rosas.
— Faça a sua despedida – Asmodeus olha o relógio e dá uma piscadi-
nha.
— OK! – Art riu.
Rapidamente, Verônica Ramirez apareceu e sentou ao lado da cachoei-
ra, estava linda, grávida, e o filho era dele, era de Art. Verônica tocou os ca-
belos, sorriu para ele, andou, alisou o barrigão de nove meses, mandou um
beijinho e chamou-o com o dedo. Art catou a rosa mais exuberante que havia
caído da cachoeira, subiu nas pedras, chegou até Verônica e disse:
— Aqui está, é melhor que um machado.
— Sim é – Ela disse.
Ramirez deu um beijinho tímido nos lábios de Verônica e tocou seu
rosto:
— Receio que me excedi com você, amor. Perdoe.
Verônica deitou a cabeça no ombro e sorriu, desaparecendo numa nu-
vem colorida de borboletas de jardim.
— Não vou me lembrar de nada? – Perguntou Art a Asmodeus.
— Nadinha.



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FIM (PARTE FINAL)
Isso foi um conto de terror? Ou não foi? Acho que me perdi. Fiz você
cagar de medo? Ou provoco aqui uma outra reação? Esse conto é uma expe-
riência de terror para mim que psicografo. Ou que escrevo. Minha alma gela
amedrontada só de pensar em algumas coisas que eu expus nesse texto. São
fantasmas, fetiches, delírios e engraçadas referencias, das mais variadas e
que me deixam com receio desse pequeno inferno particular, forjado aqui.
Tenho lá meus pesadelos com Asmodeus desde que o criei. Melhor, desde
que o modernizei, com cabelos compridos e ares de caubói. E Ramirez, possa
ser que seja eu. Ou nós. Ou o espectro de um medo de todos nós. Eu não sei
se fui claro. Nem sei se quero o ser. Tudo prossegue. Essa história não aca-
bou.
Mas e aí, é terror?

FIM. CONTINUA>>>

TENEBRAS
FACE PRIMEIRA: VÓRTICE
É calmo e é o fundo de minha mente. Na verdade estava sozinho em
meu apartamento concertando o meu violão. Juntando os cacos de uma bri-
ga ainda quente. A rapidez com que tudo aconteceu me fez deslocar-me no
tempo. Isso parece estranho de ouvir, mas é a única maneira que eu tenho
de explicar. No fundo de minha mente existe esse segredo que se abriu no
momento em que eu quebrei o meu violão na briga que eu tive com Marisa.
E escapou. Tudo como num jorro de vômito. Acelerei no tempo e fui parar
vinte anos depois. É um túnel colorido que se parte em dois e se estreita, vi-
rando um vórtice. Marisa, minha querida, viu só o que você fez? Fui ao espe-
lho do apartamento que estava bem desgastado. Todo o apartamento estava

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mais estranho e enigmático. Alguns quadros fora do lugar, uns desenhos bi-
zarros nas paredes. O espelho refletiu a minha face, estava mudado, mais
magro. Os cabelos grisalhos predominavam, mas não havia sinal de calvície.
Escovei os dentes, estavam amarelos. Tomei um banho. Fui ao telefone e
comecei a contatar alguns velhos amigos e dizer coisas do tipo: “Puxa já faz
vinte anos”, ou, “e a vida, o que faz da vida?”, ou ainda, “sabe o que foi, é
que eu acelerei o tempo e avancei vinte anos”. Descobri que Anchieta, um
grande amigo, tinha morrido. Um cigarro a Anchieta!
Vinte anos, o que é isso? É tempo suficiente para esquecer da própria
alma. É tempo de ficar inerte. Vinte anos, foram uma lacuna pra mim. Uma
porta doida que se abriu e eu entrei de cabeça entre as pernas de uma vaga-
bunda, onde eu encontrei um mapa de tesouro, com a respectiva paráfrase
que se mostra insuficientemente dilacerada pelas determinações proeminen-
tes da cobal. Essa estrutura regurgitada era, em realidade, um malabarismo
efetuado erroneamente, destinado a confundir e ludibriar. Mas porque será
que me veio, em seguida, uma idéia de concertar o violão? Durante esses
vinte anos que eu estive inerte nunca sentia vontade de tocar, mas naquele
momento me arrebatava uma vontade de compor a valsa. Eu troquei as cor-
das, limpei, afinei o bichinho. Era um bom violão, sobrevivera bem. Eu me
sentei no tapete da sala de meu apartamento e comecei a desempenhar al-
gumas notas de valsa. Imaginava a mão de Marisa tocando a minha e eu a
tomando para dançar o meu toque de caixa. Que bonito. Que bonito seria.
Batizei a valsa de “À dança com Marisa”. Alguns diziam ser idéia fixa, o pobre
Anchieta mesmo vivia a me alertar sobre ela. Sobre a minha situação, minha
doença. Mas eu não estava mais doente, não mais. Fui curado, ta certo que
tomaram vinte anos de minha vida, mas que se fodam! Estou curado.
Da janela do meu apartamento eu podia enxergar a cidade, o céu e o
mar. A cidade era disposta na forma de prédios como o meu, e de ruas, car-
ros e pessoas, que pareciam pequenas e robóticas dali. O céu estava bonito,
mas naquela manhã ele tinha um brilho especialmente bonito e limpo. O mar
é verde, tem espumas que parece esperma, o meu esperma que se uniu a
Marisa e gerou Guilherme, a estranha criatura. Acho que foi por causa de
Guilherme que eu e Marisa brigamos. Pior que não, não foi o só ele, quer di-
zer, eu achava doentio o fato de Marisa querer matar a criança. Bem, eu não
saberia dizer exatamente se era uma criança. Mas matar? Eu não ia matar. O
fato é que muita coisa mudou com a chegada de Guilherme. Ele queria ama-

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mentar, dilacerava os mamilos de Marisa com seus dentes horríveis. Eu me
pegava ouvindo-o falar na madrugada. Um recém nascido falando, mas era
verdade. Eram preces anciãs, em uma língua morta, muito rude, que se repe-
tiam e me levavam para longe. As preces de Guilherme me levavam a um
campo de centeio imenso e belíssimo, com um sol gigantesco parecendo um
templo. Toda noite era igual, eu achava que Guilherme era algo único, tipo
uma criança prodígio, mas eu nem mesmo conseguia identificá-lo como tal.
Não tinha forma nenhuma que o assemelhasse com uma criança, parecia
mais um bezerro.
Marisa e eu havíamos nos conhecido a vinte e três anos atrás, na fren-
te de um cinema. A vida é bastante bela, digo, é muito onírica, e cinemato-
gráfica também. O que é a vida? É um álbum de recortes, é sua infância. Vida
é aquela lembrança nostálgica e musical das vivências se obliterando etéreas
em um vendaval de pétalas de sonhos, cuidadosamente organizadas em uma
caixinha de velhas quinquilharias. Que é vida? Para mim, é o cuidado de nos-
sos pais, nossa primeira espinha, o primeiro beijo, que brega, que piegas, a
vida. “Morgan Freeman e Brad Pitt em Seven – Os sete crimes capitais, será
que é bom?”. Eu tentei puxar papo com Marisa naquela noite chuvosa. Ela
riu, a noite então se transformou em luz e o brilho do sol da alma de Marisa
iluminou o mundo, repleto de anjinhos com trombetas, e esquilos e peque-
nos grilinhos tocando bandolim. Deus! Molhe-me com tua chuva, eu abraço
esse momento! Eu abraço a vida e me apaixono, aqui, agora! Meu sangre,
minha virtude, meu fígado e meu tédio, tudo por ti.
Depois daquilo tudo, veio-me tardia uma familiaridade depois de tanta
estranheza. Um riff, um acorde em meu coração me trouxe de volta para à-
quela realidade em que eu estava sem Marisa, encharcado de um medo anti-
go, de vinte anos atrás. E em crescendo. Um Crescendo de paixão e sangre, e
bodas de morte, e uma criança maldita. Onde eles estavam depois de tanto
tempo, os gordos? Eles vinham me fazer visitas quando eu era apenas um ga-
roto em minha cama, à noite. Separar o corpo da mente, eles queriam. Preto
e branco é o que eu vi em minha infância. E os homens gordos. Uma noite
aquele acorde me veio e eu encarei um dos homens gordos em minha cama,
ele tinha uma maçã em sua mão e uma faca enfiada em sua barriga, e me
disse: “O seu prêmio vai ser a doença, aceite, você não tem escolha”. O ho-
mem gordo flutuou em minha frente e vomitou na minha boca, uma gosma
negra e amarga. Isso foi infância para mim, e também conhecimento e deslo-

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cação. Foi sentir-me conectado à verdadeira inspiração da beleza e da progé-
ria estrita, da vanguarda espacial e da dança do vendaval. A dança do espiral.
A ferramenta é você. A verdadeira maionese é você.
A casca do coco é você.
O molho da poeira espacial é você.
A guitarra mais furiosa é você.
O homem gordo é você.
A regra de três é você.
O imoral é você.
A ingratidão é você. O engenho de cana era você.

FACE SEGUNDA: ROBÔ GIGANTE


Estive em uma casa de praia, gostava muito de ver o mar. Sua mudança
sutil, sua sinfonia. Sentei-me na areia da praia e comecei a observar o clima
mudar, à noite, a lua virou uma sintonia fina com a TV de um milhão de pole-
gadas. E Marisa veio até mim, nua dançando um som longínquo de ataba-
ques tribais. Ela desceu até mim, arrancou minha roupa e me mordeu, sor-
vendo o meu sangue. Marisa ergueu-se, sua boca e seus dentes tingidos de
vermelho, olhou-me e disse: “O que é seu é meu e o que é meu é só meu”.
Depois fizemos sexo. Eu coloquei nela a semente e a doença. Naquela noite
de fúrias, foi gerado Guilherme. O Espaço é o limite. Minha mãe, meu pai,
meu irmão, minha tia, meu tio, meus outros tios, minha namorada, minhas
ex-namoradas, meu cachorro, minha bicicleta, minha dor, minhas inquieta-
ções, meu estigma, minha morte, meu conhecimento, minha integração com
o fluxo de todo o cosmos.
O apartamento começou a mudar novamente, estava vivo. Eu estava
integrado ao espaço físico de meu apartamento e conectado também a um
organismo que respondia e duelava com meus estímulos e instintos. Eu sabi-
a! Aqueles homens gordos eram aliens. Está provado, não estamos sós. Eu
estive com eles durante minha infância inteira. E Ludovico. E o meu quarto
era, também uma estrutura alienígena, um corpo, como uma barata gigante,
seu abdome viscoso, suas patas se moviam, e eu também me movia. Uma
simbiose grotesca. Um amálgama inimaginável. Eu respirei e inflei todo o
ambiente! Sim!

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Vinte anos. Tomei coragem e resolvi ligar para Marisa. “Sinto muito,
este número agora pertence à outra pessoa”. Maldição. Mas também, o que
eu poderia falar com Marisa? Pedir perdão? Falar que devia ter escutado ela
antes? Talvez isso mesmo, talvez a chamasse para jantar, talvez depois de
tanto tempo as feridas não estivessem mais tão evidentes. Será? Como con-
seguir o número atual dela? Liguei para Aurélio, ele sempre foi muito amigo
de Marisa. “Aurélio? Me ajuda homem!”. Contei a história a Aurélio. “Então,
você não soube mesmo? A Marisa morreu”. Caos. BLEIM BLEIM BLEIM
BLEIM. “Como isso aconteceu Aurélio?”. “Ela adoeceu Martins, sinto muito”.
Veio-me forte um peso no peito, uma dor morna, de saudade. Nunca mais.
Depois daquele dia, do violão quebrado, das juras desfeitas, nunca mais. Ma-
risa, que saudade invadiu minha alma, que dor imensa. Eu podia ter engolido
o orgulho e te pedido perdão. “Aurélio, desculpe, ainda está ai?”. “Sim, meu
velho”. “Alguma outra coisa que queira me dizer?”, falei. “Sim, o Guilherme
está vivo”, ele se antepôs. Era um alien.
Passei algumas semanas, trancado em meu apartamento. Ouvia aten-
tamente o ruído de minha barba crescer e podia observar outros fenômenos
curiosos com as pessoas na rua. Pouco a pouco, elas iam começando a mu-
dar, o clima ia ficando mais frio, eu não conseguia entender. Em alguns dias o
sol não aparecia. Era noite o tempo inteiro e eu olhava, da janela do prédio,
os vários assassinatos naquelas ruas inóspitas. Eram bestas. Não eram pesso-
as, e sim bestas de aspecto sinistro. Cabeça de cavalo, pelos por todo o cor-
po, em uma coloração negra, essas coisas caçavam e se deliciavam com suas
presas em noites eternas. Pouco a pouco o trânsito de pessoas como eu e
você ia ficando cada vez mais rarefeito, e as ruas eram dominadas por essas
bestas errantes. Minha barba cresceu, estava mais magro. Que segredos ma-
cabros estariam escondidos ali?
Ligava a televisão hora ou outra, um dia me deparei com uma coisa es-
tranha. Havia apenas uma transmissão de um canal japonês, mostrando um
robô gigante lançando ogivas nucleares nas cidades de lá. Não sabia distin-
guir se era verdade ou filme. Parecia um documentário. Ia assistindo e aos
poucos me deparando com indícios de que tudo aquilo era mesmo real. Era
um robô, de trinta metros de altura, detonando tudo nas ruas de Okinawa.
Era igualzinho àqueles robôs de seriados com equipes de uniforme, só que
muito mais verossímil e letal. A coisa estava em estado de fúria, disparando
mini ogivas que destroçavam ruas inteiras. E o estranho, não eram pessoas

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que iam pelos ares. Eram as tais bestas com cara de cavalo. E o ainda mais
estranho é que o nome do meu país não parava de piscar em meio aos carac-
teres nipônicos, bem como o nome da cidade em que eu me encontrava na-
quele momento.
Em alguns dias eu queria morrer. Não tinha coragem de me matar, en-
tão eu imaginava um ex machina surpreendente e PUF! Estaria Martins na
terra dos pés juntos. Em alguns dias eu pensava demais em Marisa. Queria
que todas as religiões estivessem certas e eu completamente enganado, e ao
morrer, ganhar a vida eterna. Viveria em um luxuoso apartamento com vista
pra Deus, ao lado de Marisa, tomando doses de Martini infinitas. Marisa, vo-
cê estava morta e eu não pude aproveitar. Se eu não tivesse quebrado o vio-
lão, quer dizer, se eu tivesse ouvido você e matado Guilherme, talvez a gente
não tivesse brigado e não haveria robô gigante. Eu pensava demais em você,
em como teria sido se pudéssemos ter evitado o pior. Em alguns dias, ou me-
lhor, em algumas noites, eu sonhava com Guilherme e acordava com asma.
Ficava imaginando como ele devia estar. O que andava fazendo. E a questão
principal, como ele era. Eu tinha uma intuição tenebrosa de que tudo, desde
o meu salto temporal até o aparecimento do robô gigante, tudo se ligava a
Guilherme. E as bestas, eram elas as crias de Guilherme?
O espaço negro, as expectativas são baixas. Algo havia acontecido com
o mundo diziam os estudiosos. Um Eviovore, novo vírus letal, tornava os se-
res humanos mutantes. Enviovore era transmitido na saliva dos infectados,
ou no ar, que se transforma em uma neblina purulenta. Os sintomas come-
çavam a desabrochar apenas 24 horas depois da contaminação. Todo o mun-
do estava em estado de alerta. Em lugares de todo o mundo, foram detecta-
das presenças do Enviovore. O medo era o combustível da humanidade na-
queles tempos, e também, a sua necessidade de sobrevivência. O ar estava
ficando purulento, era uma questão de tempo para chegar no alto de meu
apartamento. “O vírus, o Enviovore, pois bem, que venha, eu abraço”. Não
tinha medo. Quer dizer, antes do Enviovore engolir minha alma e me trans-
mutar em cavalo bípede, havia algo que eu sentia ser meu dever fazer. Achar
o responsável por toda aquela balbúrdia, o meu filho Guilherme.
Comecei a organizar tudo para a minha partida, a coisa não ia ser fácil.
Fiz uma mochila com mantimentos, alguns primeiros socorros e um livro de
Dostoievski. Levei o violão e uma espingarda calibre doze muito antiga, que
eu guardava no armário. No dia anterior a minha partida eu escutei alguns

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vinis de David Bowie e The Smiths, comi pipoca e assisti a um filme triste
chamado Casablanca. Olhei um retrato de Marisa e me masturbei, emporca-
lhando com sêmen, a última imagem de minha amada. Fui até a janela e a
coisa estava feia, quase nenhum humano, eu tinha de esperar um horário
com menos bestas por perto e assim, poder trilhar o meu caminho. O para-
deiro de Guilherme não era longe, acho que alguns 120 a 130 quilômetros de
meu apartamento. Ia dar pra encarar. Em uns dias de caminhada eu comple-
taria a jornada, veria Guilherme, exigiria dele toda a verdade e me entregaria
de alma e tudo para o banquete simbiôntico do Enviovore.

FACE TERCEIRA: ENVIOVORE


Em tempos difíceis, levei comigo uma canção. A minha respiração estava
mais lenta, profunda, eu podia sentir o Enviovore absorver pequeninos peda-
ços de carne de minhas narinas e garganta. A respiração ia ficando pior à
medida que eu descia a escadaria de meu prédio. As paredes estavam reple-
tas de lodo e cheiravam mal, o clima úmido e escuro, as luzes estavam que-
bradas e as portas de vários apartamentos arrancadas. Algo errado. Minha
mente começa a dar pane, é o Enviovore. Desço mais um lance de escadas e
vejo no fim do corredor uma besta, mastigando alguma coisa. Nunca havia
visto tão de perto. Pareciam cavalos, mas não era bem assim. Os olhos esta-
vam virados para frente, como nos humanos, havia uma textura de pele na
cabeça, as bocas salivavam e todos eles faziam um ruído medonho e repetiti-
vo enquanto batiam com as mãos que mais pareciam cascos e os pés eram
grotescos. Os pés de Guilherme.
Está tudo tão distante. Porque a vivência harmônica do exclusivismo
epistemológico reverbera a condição oriunda do arcabouço sensorial? Por-
que Marisa teve de morrer? Já sei, para que eu saísse nesta missão. È mesmo
a ultima coisa que eu vou fazer, por ela, por Marisa. A vida já não vale mais a
pena, os tempos são outros. Correm rumores de que as autoridades vão
mandar pulverizar o mundo e apenas alguns poderosos arianos irão viver em
bunkers debaixo da terra, e tentar achar um antídoto para o Enviovore. Eu
recebo essas cartas, de alguém que sabe de algo, fazendo essas perguntas.
Sei não. Solto no tempo, saiu de dentro da parte diferente que a espingarda
molhou, bicicleta, sem fome. Antes de mais nada quero dizer que a minha
cabeça fez um vapt, quero a minha m...

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Saudações, terráqueos, eu sou o Enviovore, isto que os humanos cos-
tumam chamar de vírus ou infecção. Eu não sou um vírus, eu sou um orga-
nismo alienígena que pensa e sabe o que está fazendo. Isso me diferencia e
me eleva na cadeia alimentar. Aliás, há um plano que vem sendo forjado faz
muito tempo para todos vocês. Serão comidos como ração, e é bem isso
mesmo que resume vocês. Porque uma raça evoluída como os Cun Grano ha-
veriam de se preocupar com um grão idiota de centeio cósmico, inserido em
um sistemazinho de merda? Bah! Vão se foder, eu tenho nojo de vocês. Veja
esse espécime aqui. Martins de Araújo, brasileiro. Que merda de país. Ele a-
cha que é especial, pois, em sua doença sagrada, estava contido Vermillion e,
por conseguinte, o Enviovore, ou seja, eu. Mas Martins de Araújo não é espe-
cial. É um cagão, que acha que está numa campanha em busca da verdade
reveladora. Ele vai encontrar Vermillion. No lugar que nós, descendentes dos
Cun Grano apelidamos de cidade de Tenebras.
Prossegui o meu caminho, tentando me afastar ao máximo possível
daquele bairro empestado. Segundo as cartas que eu recebo, a avenida está
menos povoada de bestas e, ao que parece, ainda existem alguns humanos
vivos em uma loja Mesbla. Desempacotei um sanduíche e me sentei em um
banco depois de algumas horas de caminhada. Comi o bicho, tirei o violão
das costas e comecei a desempenhar os acordes de “À dança com Marisa”,
minha valsa melhor. Os dedos iam desfilando nas pestanas e trastes aranhu-
dos de minha composição e, que lúdico, as bestas de repente começaram a
ficarem dóceis, em transe. Toquei e toquei os mesmos acordes da minha mú-
sica à exaustão, até os meus dedos começarem a sangrar, e daí eu toquei
mais. Tocava e caminhava, fazia o meu percurso. O mais curioso é que se eu
parasse, as bestas voltavam a emitir os ruídos de porta infernais e estalar os
cascos em busca de alimento. O sangue descia e pingava na extremidade do
corpo do violão até que uma corda se foi. As bestas, umas vinte e que esta-
vam por perto, se espantaram com o ruído da corda quebrando, e logo trata-
ram de começar a se aproximar. Os estalos malditos e o ranger de dentes. A
Mesbla era logo na outra esquina, mas eu achava que não ia conseguir. Tro-
quei prontamente o violão sem corda pela espingarda calibre doze e mirei na
cabeça de uma que se aproximava. BANG! One down. Sai correndo quando
percebi que as outras bestas se enfureceram com a morte da colega e vieram
todas + rapidamente e fazendo + estalos. Tropecei numa coisa e beijei o
chão, contatando uma imensidão de cadáveres que se colocavam sob a né-

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voa. Cristo! Fiquei deitado no chão ouvindo os barulhos dos cascos aumentar
cada vez mais. Os ruídos gosmentos e BANG! BANG! BANG! BANG! Quatro
bestas no chão. “Levante-se, o meu nome é Arnaldo”. Era um quatro olhos,
cara de bobo e devia ter no máximo vinte e dois anos. Era Arnaldo, um hu-
mano enfim.
Comecei a conversar com Arnaldo sobre geopolítica enquanto via-o
despachar todas as bestas que surgiam no caminho. Engraçado, apesar da
mira acurada de meu salvador, o violão era mais eficaz. Chagamos na Mesbla
e após uns lances de escada, dei de cara com uma mini fortaleza de resistên-
cia às bestas do Enviovore. Eram em sete. Bruno, 33 anos, ele cuidava dos
suprimentos, um sujeito falastrão e engraçado, vinha sempre com frases de
efeito. Dona Vilma, 61 coitada, já estava quase transformada em besta. Os
outros tinham concordado em assassiná-la quando ela perdesse a razão. Will,
o inglês, 33 anos, era o mais quieto, estava sempre armado e me parecia um
cara perigoso. Tinha também Lúcia, de 14, jovem e linda, parecia ter bom
humor para lidar com tudo, até mesmo com uma situação como aquela. Ade-
le era a mais tímida com 25, tentou se matar tomando remédios da farmácia
da Mesbla e foi salva por Carlos o doutor, que com 48 anos é o mais prestati-
vo e comprometido de todos os resistentes.

FACE QUARTA: SETE


O fato é que eu resolvi prestar a minha ajuda àquelas pessoas. Resolvi
passar lá uma semana, vivendo naquele abrigo e dedicando um dia para ofe-
recer auxílio específico a todos. Seria bom, seria algo de nobre e nesse qüi-
proquó eu também sairia ganhando, com mantimentos e energia. O lugar
onde eles ficavam era à parte de eletro eletrônicos da Mesbla, um lugar não
muito vasto, mas com área razoavelmente alta para o Enviovore não alcançar
de imediato. E não devastar a todos de uma vez. As pessoas viviam nessa mi-
ni-civilização de um modo curioso, assim, eram estranhos que haviam se co-
nhecido a uns poucos dias atrás, quando eclodiu a epidemia. Eles se reuniram
nesse lugar em comum, blindaram o ambiente com as portas de metal da
Mesbla e se armaram, com o arsenal disponível na própria loja. Foram cora-
josos, estão tentando resistir, afinal, já são três semanas e meia e restam
poucos humanos no planeta. Não contei para eles de Guilherme ou de Mari-
sa, nem dos homens gordos, nem de nada demais. Exigi uma corda de violão,

77
e um lugar para dormir, em troca da ajuda e da companhia, antes de meu
destino final.
Dia 1: Foi o dia de ajudar Arnaldo, que tinha mesmo 20 anos. Ele era
valente e gostava de atirar. “Aprendi nos videogames”. Arnaldo era meio que
um exterminador de bestas e todo o dia dava uma ronda pelos arredores fa-
zendo uma limpeza. Estava infectado, mas o Enviovore estranhamente não
havia entrado em erupção ainda. “Eu não entendo Martins, éramos em nove,
e dois morreram em questão de dias. Ninguém exceto eu e dona Vilma está
infectado lá em cima. Dona Vilma, como você pôde perceber, já está se trans-
formando e será sacrificada em breve. Mas eu não. Eu tô na boa Martins. A
coisa não me atingiu ainda, respiro como um menino, veja”. Arnaldo inspira o
ar do mundo a plenos pulmões. “Viu? Ninguém mais respira assim em tem-
pos de Enviovore. Então o que eu faço? Eu as esmago, as dilacero, com esses
brinquedinhos que achei. Eu agradeço a Deus pelo presente magnânimo, a
vida”. Descemos e fomos para a caçada. Tive a idéia de tocar a Valsa durante
o nosso percurso e funcionou que é uma beleza. Arnaldo atirou em, no mí-
nimo, umas cem bestas naquela tarde, afastando o perigo eminente durante
pelo menos uma semana.
Dia 2: Bruno era comerciante, um sujeito engraçado. Vivia penteando o
cabelo para traz com aqueles pentes redondos de bolso. Contava umas pia-
das de baixo calão e retrucava frases como: “Taboa fina e que agüenta pre-
go”, “ta no inferno, abrace o diabo”, “minha vida é um litro aberto”, “dá pra
comer no claro”, e inúmeras, acredite, inúmeras outras. Ele cuidava de bus-
car suprimentos no supermercado da Mesbla, coisa que levava pelo menos,
um terço de dia. Fui com ele, conversando e discutindo o jogo do Palmeiras e
outras bobagens. “Sabe o que é cara, não leve a mal, nem sou preconceituo-
so nem nada, mas cá pra nós, veado é uma merda. Eu sou daqueles que ado-
ra um boquete, sabe, a boca naquilo, tenho alguns pornôs somente sobre is-
so, mas, peraí, colocar a boca em uma merda enrugada?”. Bruno fez uma ca-
reta de nojo que eu jamais vou esquecer. “Para uma coisa essa merda de En-
viovore serviu, para acabar com todos os merdas dos veados da terra. Con-
corda comigo, ou você é + uma bichinha que acredita em direitos para to-
dos?”. “Eu concordo com você Bruno, em gênero, número e grau”. Talvez
nem concordasse com tamanho radicalismo, mas discutir com um cara como
Bruno é simplesmente perda de tempo. Eu e Bruno desempacotamos uma
gigantesca quantidade de mantimentos e voltamos para o abrigo. “Vê o que

78
eu trouxe aí pra gente Martins. Cerveja! Quero encher a cara e ficar olhando
para aquelas tetinhas de Lúcia”. “Ela é muito nova Bruno, tem catorze”. “Que
se dane!”.
Dia 3: Chegou o dia de ajudar dona Vilma e esse foi um momento mar-
cante. Todos os sobreviventes revezavam turnos e ficavam a dar assistência à
senhora que já oscilava entre humano e besta. Ninguém, exceto o doutor
Carlos se sentia à vontade com dona Vilma devido a sua aparência grotesca e
também devido ao fato dela já estar em um estágio muito avançado de con-
taminação. Eu sentei-me ao lado dela e ouvi-a falar por horas, contou-me so-
bre uma vida linda, repleta de amor pelo marido, filhos e netos. Chorou ao
lembrar da morte de cada um deles. “É uma benção, você entende? Eu em
breve vou me juntar a todos eles”. Dona Vilma entrava em transe às vezes e
balbuciava palavras estranhas. Outra hora emitia o grunhido elástico das bes-
tas, era horrível. O focinho crescia visceralmente, bem como os cascos, que
surgiam em forma de feridas. “Alguns dias, talvez dois, não vou durar”. Em
um dos seus transes eu tive uma experiência assustadora. Do focinho de do-
na Vilma, era emitida a prece ancestral de Guilherme bebê. A mesmíssima, e
me levou ao campo de centeio outra vez. “Pai! Sou Guilherme, a sua parte
racional, humana”, era Guilherme surgindo de dentro do templo imenso, que
na verdade era o sol. Ele era um jovem muito bonito e alinhado, de jeito
perspicaz. “Você é meu filho?”, falei em meu sonho, em meu delírio. “Sou o
que há de humano nele, a outra parte, está lá fora, devorando tudo. “Há al-
guma maneira de impedir?”, perguntei eu. “Não há, mas lembre-se de mos-
trar a pedra no momento oportuno”. De repente, tudo caótico, um disparo
me fez acordar. Era Arnaldo, atirou na cabeça de dona Vilma que havia sido
tomada completamente pela besta. Estava em cima de mim quando levou o
tiro. Um cigarro a dona Vilma!
Dia 4: Will, seu inglês de merda, você sacaneou. De todas as pessoas
que estavam resistindo naquela base, o único que eu não senti vontade al-
guma de ajudar foi o Will. Ta certo que o Bruno era um pé no saco, mas Will
era fora de série. Era um canalha. “Todo dia eu entro naquela tendinha da
Adele e fôdo com ela. Vai dizer que não conhece o poder da ameaça? Ela fica
calada, e se me trair e contar ao resto de todos, eu enveneno-a como já o fiz
por aí. Martins, eu não tenho mais nada, o que me resta fazer aqui é tirar a
moral daquela pobre jovem”. Ele me disse isso enquanto caminhávamos pela
Mesbla abandonada. Eram corredores grandes de mercadoria divididas por

79
seções. Will falava e gesticulava, e eu o ouvia e via-o segurar de tempos em
tempos na cintura, onde guardava uma magnum, um gesto que dava uma
impressão de preocupação em não deixar a arma fugir. “Eu fôdo, eu fôdo
mesmo, não estou nem ai, se ela contar, eu a mato. Eu não tenho nada a
perder Martins, nadinha, poderia estourar seus miolos aqui mesmo e vê-lo
sangrar, mas eu não vou fazer isso, se me ajudar numa coisinha”. “O que
quer Will?”, eu disse. “Vê isso aqui?”, Will tirou do bolso uma pedra, “Esta é a
pedra mágica encontrada perto da cidade maldita. Há alguns quilômetros
daqui, há um foco muito forte de Enviovore e creio eu, você me disse estar
indo para lá”. “Como conseguiu isso?”. “Eu matei quem a possuía anterior-
mente e desde que adquiri isso eu nunca durmo. Isto aqui tem a ver com a
cura para o mal do Enviovore e a derrota alienígena”. Perguntei-me como
Will tinha conhecimento dessa trama, pois eu era o único que sabia dos pro-
pósitos aliens, já que foi de mim que surgiu Guilherme. “Leve essa porra com
você Martins, isso está me consumindo”. Will me entregou a pedra na mão e
eu senti um calafrio, olhei para a pedra mágica e senti que ela era realmente
especial. Alem de saber da verdade e rever Guilherme, minha jornada ganha-
ra uma terceira camada, um terceiro objetivo. Descobrir o que é pedra mági-
ca
Dia 5: Lúcia era uma menina, tinha todo o espírito jovial da infância,
em um corpo e rostos já de moça, uma moça lindíssima e de uma leveza sem
igual. Definitivamente o dia mais agradável de todos foi ajudando a Lúcia.
Primeiro que era moleza, já que ela não fazia nada durante o dia inteiro. Gos-
tava de conversar e falava pelos cotovelos. Tinha um bom humor para tudo e
tudo o que ela dizia tinha um fundamento interessante e otimista. “Meus
pais morreram, mas não faz mal, sinto falta deles é lógico, mas eles estão no
céu, e se não estiverem, quando eu morrer também nunca vou saber. Lem-
bro deles da melhor maneira possível e rio de tantas coisas boas ao invés de
chorar. E seus pais Martins?”. “O meu pai eu nunca conheci, ele fugiu, minha
mãe morreu eu já era grandinho, era uma boa senhora”. Lucia sorria para
mim a cada coisa que eu dizia. “Não fique zangado amigo, nós somos muito
pequenos diante de um plano muito maior. Eu não sei, acho que a vida é a
coisa mais interessante que tem”. E o era, de fato. Acho que nunca vou es-
quecer de Lúcia, e à noite, quando eu e ela nos despedimos, eu deitei-me em
meu colchão e chorei. De tristeza, porque se o Enviovore pegar todo mundo,
a Lucia ia morrer. Era uma criança linda e inteligente que não ia desabrochar

80
e descobrir mais da vida que parecia fasciná-la tanto. E chorei de alegria pela
raça humana. Há brilho sim, podemos ser especiais. As palavras da jovem fi-
lósofa não deixavam de me intrigar. “Somos muito pequenos diante de um
plano muito maior”.
Dia 6: Era o dia de Adele. E de todos, foi o dia de sofrimento maior. Eu
conheci-a e fui tentando penetrar em sua mente confusa, distante. Ela era
bonita, mas muito pálida e cheia de olheiras e manchas roxas na pele. Adele
conversou pouco comigo, eu falava muito mais que ela, mas as coisas que ela
dizia me tocavam de uma maneira incômoda e melancólica. “Eu estou suja,
veja, a maresia me enferrujou. Eu pareço um hammster, indefeso, oprimido.
Eu sinto uma dor no peito e parece que é infarto, mas é fastio. Fastio desse
mundo, dessa peste, disso tudo”. Adele me olhou com seus olhos profundos
e eu fitei, por um instante, sua grande necessidade. Deitei-me com ela e co-
bri-a de beijos, penetrei-a, e gozamos juntos, de uma maneira culpada, mas
amena. “Porque você não diz a todo mundo, do Will?”, eu perguntei. “Mas
todos sabem, só fingem que não”, disse Adele. Levantei-me, saí da tenda e
fui tomar um copo de água, quando escutei o disparo da magnum. Adele es-
tava morta, um tiro no coração. Will, inglês escroto. Soquei a fuça dele e ele
caiu, largando a arma. Peguei-a e ameacei Will. “Filho da puta, vá embora
daqui antes que eu o mate, eu não ligo que morra lá fora!”. Todos acordaram
com o estrondo do tiro e todos viram Will se despedir dali aquela noite. Os
outros se sentiram um pouco culpados por omitirem as peripécias noturnas
de Will, mas um pouco felizes, pois ele estava de partida. “Vá embora e vire
besta Will, eu não dou a mínima”. Arnaldo falou. Levamos o cadáver de Adele
a um container gigante e o cremamos, foi melhor. Deitei-me e pela segunda
vez consecutiva naquela fortaleza de resistência, eu chorei. Desta vez, só de
tristeza, de tristeza.
Dia 7: Carlos o doutor, um homem determinado. Serviu a todos os que
morreram até o fim. Aplicava os sedativos, dava os analgésicos e conversava
com eles. Era um bom homem. Enquanto conversávamos, ele fazia uns exa-
mes em Lúcia que parecia estar com uma febre. “Seria a contaminação?”,
perguntei aflito a Carlos. “Acho que não, os sintomas são outros, mas eu não
vejo muita esperança para nós. Eu luto e farei de tudo, não vou sair daqui. E
você, Martins, para onde quer que vá, espero que encontre alguma coisa no
fim da jornada, talvez sua verdade”. De repente, Bruno aparece de olhos ar-
regalados na nossa frente, “O Arnaldo ficou preso, nas portas de roldana, es-

81
tá muito ferido!”. Eu corri com o doutor e vimos Arnaldo com as duas pernas
presas numa porta pesadíssima de roldana. Gritava atordoado e às vezes
perdia a razão tamanha a dor. Eu e Bruno tratamos de tentar levantar as rol-
danas para que Carlos o puxasse, e foi o que fizemos. Arnaldo estava dilace-
rado, o bom doutor fez de tudo para salvá-lo, amputou uma perna, fez os
torniquetes, transfusão de sangue, e eu realmente o ajudei, mas já era. Ar-
naldo já era. Duas pessoas mortas, e não pela contaminação. Que ironia. Vol-
tei com Carlos para as tendas do abrigo e junto com ele fumei um cigarro.
“Estou tentando parar”, ele falou. “Acho que agora é meio tarde para isso
doutor”, eu falei.
Chegou à hora de partir. Foi interessante. Eram apenas três agora, três
humanos vivos. Ao invés de ir falar com cada um deles eu simplesmente dei-
xei o lugar sorrateiramente, na madrugada. Levei cordas sobressalentes de
violão e alguns mantimentos, juntamente com lembranças de uma das se-
manas mais marcantes de minha vida. Quanta coisa. Boa sorte àquelas três
pessoas, talvez as últimas com quem falei. Deixei a Mesbla e toquei o violão.
Agora eu não podia mais parar.

FACE QUINTA: ROBÔ GIGANTE (PARTE II)


O ar estava mais pesado e denso, eu sentia minhas costas mudar de
formato. Minhas mãos estavam enrugadas e ásperas, era dificílimo de tocar o
violão. Tinha frio. Caminhei quase um dia inteiro e comecei a perceber o fo-
cinho grotesco em mim. Cresciam-me pêlos, há uma dor fina e penetrante
em cada um desses sintomas. Percebo que quanto mais avanço, as bestas
começam a mudar de formato, ficarem maiores, mais fétidas, e mais indeci-
fráveis. Minha perturbação apenas não é maior, pois estava mais perturbado
ainda com o avanço do Enviovore em mim. Era horrível. Em minhas mãos,
começaram a crescer umas feridas pustulentas, e meus pés mudavam a cada
passo. Meus olhos começaram a enxergar no escuro. Tenebras é a cidade
que estava por vir.
As bestas avançadas tinham o tamanho de um prédio de três andares e
eram como junções de centenas de pequenas bestas, que assumiam forma-
tos inesperados e enlouquecedores. A razão às vezes me deixava e eu caía.
Era difícil tocar meu violão. É quando eu menos espero que encontro um co-
nhecido logo adiante. Will, inglês galado. Ele estava muito mais bestificado

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do que eu, já tinha cascos e pele na cabeça, o focinho estava enorme, mais
ainda havia algo de Will. Ele correu em minha direção, tomou o meu violão e
espatifou-o, destruiu-o. “Cadê a minha pedra?”, ele disse. “É minha pedra
agora!”, eu falei e tirei a calibre doze das costas, prontamente espatifando os
miolos de Will, com gosto, com raiva assassina. Meu violão. As bestas come-
çaram a emitir silvos e gemidos angustiantes. As gigantes olhavam para mim
com centenas de olhos. Um mamute, um macaco, uma lesma. As bestas gi-
gantes eram o horror inominável e antigo, as formas evoluídas da amálgama
infra-estelar. Um polvo, uma ameba, uma cabra. Elas me olhavam, minha al-
ma estava gélida e elas vinham, inúmeras, a sombra de centenas. Logo mais,
podia ver o meu destino, o paradeiro de Guilherme. O coração de Tenebras.
Tinha de correr senão a besta me alcançava. Alguns tumores em erupção na
minha face, como dói. Corri e corri mais, busquei um esconderijo dentro de
uma caverna estreita.
Aí eu encontrei Tanaka, o membro do esquadrão Trovão, o piloto do
robô. Tanaka estava sem as pernas e arquejava, expelindo assobios a cada
suspiro. “Shin magami tensei. Otogi suehiro, misato itawa!”, droga Tanaka,
não conseguia te entender. Parecia-me que aquelas palavras balbuciantes do
jovem oriental eram de fato algo muito importante. “Shin magami tensei...”.
Ele então começou a gesticular freneticamente com as mãos, numa espécie
de estágio final da existência, e apontou para uma pequena saída que dava
para o outro lado da caverna. “O que tem lá Tanaka?”, perguntei. “Luo-boru,
lo-bô gigan-te”, ele disse. Robô gigante! Era isso. Tanaka sorriu e de suas cos-
tas retirou uma espada pequena. Cometeu harakiri, suicídio japonês, ali
mesmo e escafedeu-se, sumindo em uma nuvem de fumaça. O outro lado da
caverna era um ninho ainda muito maior de besta, milhares aparecendo e
crescendo. Eu estava acabado, cansado, mas sabia definitivamente o meu
destino. Obrigado Tanaka, esse cigarro é pra você. Mais à frente, ao lado de
uma besta gigante que parecia uma aranha, estava ele, o robô. Estava caído,
mas eu tinha que chegar nele de qualquer jeito. Atravessei um emaranhado
de bestas médias e puxei a espingarda. BLAM! “Hahahahaha!” BLAM! BLAM!
BLAM! “Vou matar vocês!” Um sentimento de satisfação tomou a minha al-
ma de assalto e me veio um sopro de força. Virei um aniquilador. E via aquele
montante insano de carne morta se formar ao meu redor. As investidas das
bestas eram surpreendentes, mais a minha agilidade com a calibre doze era
mais letal. Era sem igual. BLAM!

83
Cheguei no robô. Já quase sem balas. Uma besta gigantesca crescia
perto de mim. Digo crescia, pois este era o estado de maturidade do Enviovo-
re no ser humano. As bestas iam se deformando e se concatenando umas
com as outras, e crescendo. Eram ainda mais feias quando ficavam maiores,
iam criando bolsas de água preta, e mostarda escorria de seus ânus. Deus do
céu! Fui na cabeça do robô, mas não havia nenhuma entrada, então percorri
as suas extremidades para constatar uma portinhola no calcanhar esquerdo.
A besta quase me alcançara, minha arma não dava conta daquilo. Todavia,
Robô Gigante sim. Dentro, encontrei algumas pequenas portas de acesso
com caracteres em japonês. Puxei um alçapão com uma alavanca e cheguei à
cabeça do robô. Tinha um botão. Quando eu apertei, apareceu um hologra-
ma com as opções de várias línguas. Cliquei com minha mão no “português”
e, viva, funcionou! Apareceu o holograma da cabeça de um japonês, que dis-
se em minha língua: “Olá, sou Ícaro, do esquadrão Trovão, você acessou as
instruções de comando de Robô Gigante, ou também conhecido como uni-
dade Totem. O que deseja saber?”. Daí apareceu um menu que tinha escrito:
“Mais sobre a o esquadrão Trovão”, “Mais sobre a ameaça”, “Mais sobre co-
mo pilotar Robô Gigante”. E eu fui nesse último, sem dúvida. Um barulho ter-
rível lá fora, era a besta tentando destruir a unidade Totem. As instruções di-
ziam: “È muito fácil pilotar o robô, basta encaixar os pedais no acento especi-
al, vestir as luvas virtuais e partir pro abraço”.
De fato. Ergui-me com a unidade Totem e parti pro abraço. As luvas
virtuais me garantiam acesso à mini-ogivas, mísseis, metralhadoras laser e a
bazuca, só utilizada em momentos de desespero. Desloquei-me, então, em
direção a Guilherme, em direção ao meu filho. Destroçava as bestas gigantes,
mas ia percebendo, com meu avanço, que elas se tornavam super-gigantes.
Bestas colossais e catastróficas, oriundas dos tentáculos de Guilherme itself.
Senti uma dor fina no peito e me veio o dejá vu. Perdi a consciência. A dança
do espiral. A ferramenta é você. A verdadeira maionese é você.
A casca do coco é você.
O molho da poeira espacial é você.
A guitarra mais furiosa é você.
O homem gordo é você.
A regra de três é você.
O imoral é você.

84
A ingratidão é você. O engenho de cana era você. Nossa, eu pensei, ou
eu penso, sei lá, parece que nada fez sentido. Ou foi um outro momento? Em
alguns dias eu queria morrer. Não tinha coragem de me matar, então eu i-
maginava um ex machina surpreendente e PUF! Está Martins na terra dos pés
juntos. Em alguns dias eu pensava demais em Marisa. Queria que todas as re-
ligiões estivessem certas paredes estavam repletas de lodo e cheiravam mal,
o clima úmido e escuro, as luzes estavam quebradas e as portas de vários a-
partamentos arrancadas. Algo errado. Minha mente começa a dar pane, é o
Enviovore. Desço mais um lance de escadas e deixei a Mesbla, toquei o vio-
lão. Agora eu não podia mais parar. O espaço negro, as expectativas são bai-
xas. Algo aconteceu com o mundo dizem os estudiosos. Um Eviovore, novo
vírus letal, torna os seres humanos mutantes. Enviovore é calmo e é o fundo
de minha mente.
Ao invés de ir falar com cada um deles eu simplesmente deixei o lugar
sorrateiramente, na madrugada. Levei cordas sobressalentes de violão e al-
guns dedos iam desfilando nas pestanas e trastes aranhudos de minha com-
posição e, que lúdico, as bestas de repente começaram a ficarem dóceis, em
transe. Toquei e toquei os mesmos acordes da minha música à exaustão, até
os grilinhos tocando bandolim. Deus! Molhe-me com tua chuva, eu abraço
esse momento! Eu abraço a vida e me apaixono, aqui, agora! Meu sangre,
minha virtude, meu fígado e meu tédio, tudo por ti. Tudo estava passando
por mim e se misturando e virando suco e eu estava enlouquecendo e pane
no sistema e vaias da platéia e esse conto é uma merda e Alan Marinho é um
medíocre e a vaca foi pro brejo e eu não sei o que dizer e os Cun Grano vão
vencer e o planeta nosso é deles e o monstro sou eu e o meu quarto sou eu e
o receptor da desgraça na terra sou eu.
Voltei ao comando, tudo isso foi em um segundo. Eu já era 60% besta.
Mas continuei a estraçalhar aquelas aberrações, mesmo percebendo que Ro-
bô Gigante já não era o mesmo. Respondia lento aos meus comandos, ia ser
destruído breve. Mas tinha de dar. Eu tinha mesmo que conseguir. O ânus
colossal então arreganhou-se em minha frente, que fedor, era Guilherme.
Maior que dez, não, maior que vinte estádios de futebol juntos, sugou a mim,
a unidade Totem e a tudo o que havia em um raio de quilômetros. Eu pude
então sentir. Ainda não acabou, o final está próximo agora.

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FACE ÚLTIMA: ADÃO E EVA
Desci, junto de Robô, um tobogã gigante cor de rosa, quando entrei
naquele orifício que na verdade é o cu do meu filho. Umas viagens acontece-
ram no caminho. Numa hora eu estava dentro da unidade Totem, já quase
que completamente transformado, mas ainda com um respingo de razão. Eu
sabia de meu destino. Noutra hora eu estava no meu quarto, nu, ao lado de
Marisa, e essa foi a minha primeira viagem. Marisa estava nua, deitada de
bunda pra cima, e estava linda. Uma das coisas que eu mais adorava era vê-la
nua. Como era bonita a danada. Aquelas ancas. Era eu mesmo, estava viven-
do aquilo, como se por alguma razão cósmica estivessem dando a mim uma
nova ou última chance. “Olá aí”, disse eu deslizando meus dedos no cabelo
dela, seu cheiro me inebriava de êxtase, o amor estava quente, vivo e fulmi-
nante, bem ali. “Porque não fazemos de novo antes do café?”, Marisa suge-
riu. “Beleza”, eu disse. E foi bom e meu Deus do céu e foi bom demais e foi
mais que ótimo e foi duas vezes e eu senti o gosto agridoce do sexo nova-
mente, experimentei a verdadeira conjuração final, porém, meu sêmen im-
puro. Eu era o culpado. Marisa levantou-se, fez o café, e nós passamos aque-
le dia juntos, toquei para ela a valsa que compus no violão e jurei novamente
o meu grande amor. O apartamento ainda era o mesmo dos velhos tempos.
Assisti TV junto de Marisa e fizemos algumas coisas banais. A Banalidade é
linda. A rotina é linda. Volta e meia eu me lembrava do fato que eu ainda es-
tava escorregando dentro do ânus de Guilherme e quase podia ouvir o baru-
lho de Robô Gigante, mas eu voltava ao meu apartamento e à Marisa, até o
dia acabar. “Marisa, querida, não esqueça de mim”. “Não dá Martins”, Mari-
sa disse e riu.
Voltei ao robô, descendo numa velocidade alucinante. Resolvi acessar
o menu de comando e escolher aquela opção “Mais sobre a ameaça”, que
havia sido ignorada no momento de precisão maior. Aí vem Ícaro, pois bem,
o que ele tinha a me dizer? “Olá, sou Ícaro, membro do esquadrão Trovão...”,
não preciso repetir essa parte. “A raça alienígena que disseminou o Enviovo-
re chama-se de Cun Grano Salis, ou Cun Grano, para os íntimos. É uma espé-
cie avançadíssima que realiza micro experiências em planetinhas distantes,
como o nosso. Eles têm a possibilidade de viajar pelo tempo, e suas essências
se teleportam por qualquer mente no universo. Tudo indica que os Cun Gra-
no, através de sonho, seu veículo de maior poder, transferiram uma essência

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para a mente de um terráqueo que pelo coito gerou Têtrís, o filho amaldiço-
ado...”, nessa hora eu pensei: “Guilherme”. E o japa continuou: “... para des-
truir as bestas o poder de fogo avançado é o suficiente, porém, a essência do
Enviovore, reside no coração de Tenebras, a cidade prometida. Lá, o próprio
Têtrís estará e, junto dele, o foco de toda a ameaça. Para banir o foco e pros-
seguir a vida na terra, basta usar Pedra Mágica, o artefato maior, no momen-
to certo que é...”, neste instante eu entrei na segunda viagem.
Ela me levou a um carrossel, a minha infância. Lá tudo era em tons pas-
téis, tudo era mais simples e grande, tudo muito calmo e também energético.
Era lisérgico. Psicodélico. O carrossel me levou a uma diversidade de cores e
sabores e cheiros. Barulhos de minha infância, memórias que eu achava que
nem tinha mais. Quão melancólico e trivial. Quão lindo. Lembrei-me de meu
pai a figura mais importante e também de minha mãe, não havia nem Marisa
e nem Enviovore. Meu amigo Simão, jovem guri. Meu cachorro Ringo. Verde
limão, amarelo queimado, roxo, minha infância se disfarçava rapidamente
por trás de cortinas etéreas. Esse carrossel parou e eu desci e me encontrei
com um garotinho horrível, deformado e gordo. A boca enorme vomitava
uma bile negra. Ele me contou, telepáticamente, que eu fazia parte de um
plano maior, e minha existência seria recompensada. Agora pude perceber
que o garotinho era um Cun Grano, que aparecia e vomitava em mim, na noi-
te. O Bezerro Pedrês. Esse é mais um nome de Guilherme. A infância me fez
perceber tudo de maneira mais simples. Bezerro Pedrês é o verdadeiro nome
de meu filho, eu sabia. A coisa gigante, muito maior que tudo, aquele que en-
toa a oração. O bovino deformado. Meu Deus era horrível.
O vislumbre de Bezerro me fez retornar da viagem, mas o robô não es-
tava mais comigo. Senti profundamente, era a morte de um companheiro.
Um cigarro, aliás, uma carteira inteira à Robô Gigante, ou Unidade Totem.
Desci naquela subida e subi naquela descida, já nada mais fazia sentido, eu
esquecia da linguagem, eu intensifiquei meu sincronismo com a inteligência
alienígena. Havia me transformado em besta. As percepções adquiridas até
aquele momento se perderam, esquecidas feito à poeira pueril, depois volta-
vam todas, catódicas e enigmáticas. Naquele patamar, eu havia avançado e
transcendido, unificando os meus poderes com o Dele, que naquele momen-
to eu percebi ser a criatura mais poderosa de todo o universo. Ouvia a ora-
ção, em cânticos misteriosos. Era o murmúrio do cosmos. A verdade verda-
deira, eu era Ele, O Bezerro Pedrês. Pensei em Marisa, “qual é o segredo, mi-

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nha amada?”. Pensei em Ludovico, o meu amigo. Ele havia me dito, em mi-
nha outra vida, o propósito do plano deles. “Apenas uma seleção. Como A-
dão e Eva. É assim Martins, na verdade esses ETs são Deus, isso mesmo, só
que apenas a religião chama Deus. É o seguinte, eles fazem experiências e
deixa a raça humana progredir até certo ponto, depois exterminam tudo até
restar apenas um casal. E vê o que rola. Aí o próximo Adão e Eva está para
acontecer, pelo que eu sei, é uma parada cíclica.”. Droga Ludovico, nunca a-
creditei em você. Naquele momento necessitava de suas palavras mais que
nunca. A terceira viagem me veio, mas eu não soube distinguir. Eu já me en-
contrava inserido na maior das viagens, os intestinos de Bezerro Pedrês. Co-
mo assim? Eu pensava. Que mistérios estariam mais adiante? Porque essa
jornada louca? É épico tragicômico, essa mentira deslavada, a vida. Tudo se
desfaz, como se desfez meu violão, partido, meu coração e você Marisa, o
meu maior bem.
“É uma parada cíclica”, lembrei-me de repente das palavras de Ludovi-
co, um ufólogo inveterado. Mas não seria mesmo uma parada bíblica? Digo,
de Deus e tudo o mais? Será que as religiões estão certas e eu verei Marisa
de novo? Estarei eu indo ao encontro do Deus, que na realidade é o Bezerro?
Eu não era nada, fui apenas o transmissor. A verdadeira importância estava
em Marisa, a mãe. Se fosse assim, usaria Pedra Mágica e poderia vê-la, já que
a pedra na verdade é esperança. Começo a entender tudo. O próprio orga-
nismo de Bezerro Pedrês se encarregou de ir me preparando para o baque
aos poucos, na descida da escuridão. As viagens na verdade eram comunica-
ções. O que Ludovico chamaria de contatos imediatos ao enésimo grau. Eu
sabia o que fazer e aquele era o sentido de tudo. Não havia mesmo como a-
fastar o Enviovore, mas sim como fazer brotar um novo sonho. Na verdade,
Cun Grano são detentores dos direitos autorais de Deus.
Daí para o fim foi depressa. Desci uma longa escadaria, numa espécie
de masmorra. Eu não estava mais transformado pelo Enviovore. Era eu, Mar-
tins, e tinha um violão. Desci e desci até encontrar uma porta que deu para
um imenso campo de centeio, o coração de Bezerro. Daí a parte humana de
Guilherme veio a mim, surgindo de dentro do sol. “Pai, enfim estamos aqui”.
Dei um abraço naquele bonito rapaz e beijei sua face. “Que bom que não de-
sistiu”, ele disse. Pus a mão no bolso e tirei Pedra Mágica, mostrei-a a Gui-
lherme. Resolvi usar naquele momento. Guilherme me pegou pela mão e dis-
se: “Vamos para o sol!”. Era o fim, minha recompensa afinal. Era eu o Adão,

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Marisa a Eva. Ela estava no fim do horizonte, como que por mágica, olhou
para mim e veio caminhando. “Pai, nós só temos mais alguns instantes, antes
dela chegar, por isso preste muita atenção. Aja com simplicidade, cative Ma-
risa cada dia até o fim. Escreva algo a respeito de tudo isso e guarde, como
uma estória. Porém, se o violão se quebrar, tudo estará perdido. Toque a val-
sa, aí vem ela”. O encontro aconteceu enfim e nesse momento pude sentir
que não havia mais Bezerro Pedrês entre nós, nem o Enviovore. Não havia
mais meu filho Guilherme, nem o campo de centeio. Eu e Marisa nos entreo-
lhamos e sorrimos um para o outro. Estávamos sozinhos no mundo, íamos
dar conta.

Fim.

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