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LEONIDAS RAMOS PANDAGGIS

UMA LEITURA DA ÁRVORE DE CAUSAS NO ATENDIMENTO DE


DEMANDA DO PODER JUDICIÁRIO: UM FLUXOGRAMA DE
ANTECEDENTES

Dissertação apresentada à Escola


Politécnica da Universidade de São
Paulo para obtenção do Título de
Mestre em Engenharia

São Paulo
2003
LEONIDAS RAMOS PANDAGGIS

UMA LEITURA DA ÁRVORE DE CAUSAS NO ATENDIMENTO DE


DEMANDA DO PODER JUDICIÁRIO: UM FLUXOGRAMA DE
ANTECEDENTES

Dissertação apresentada à Escola


Politécnica da Universidade de São
Paulo para obtenção do Título de
Mestre em Engenharia

Área de Concentração:
Engenharia Mineral

Orientador:
Prof. Titular
Sérgio Médici de Eston

São Paulo
2003
Este exemplar foi revisado e alterado em relação à versão original,
sob responsabilidade única do autor e com a anuência de seu
orientador.

São Paulo, de de 2003.

Assinatura do autor ____________________________

Assinatura do orientador _______________________

FICHA CATALOGRÁFICA

Pandaggis, Leonidas Ramos


Uma leitura da árvore de causas no atendimento de demanda
do Poder Judiciário: um fluxograma de antecedentes / L.R.
Pandaggis. – ed.rev. -- São Paulo, 2003.
151p.

Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica da Universidade


de São Paulo. Departamento de Engenharia de Minas e de
Petróleo.

1.Acidentes de trabalho (Investigação; Análise; Métodos de


avaliação) 2.Morte do empregado 3.Fluxograma de antecedentes
4.Jurisprudência trabalhista I.Universidade de São Paulo. Escola
Politécnica. Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo
II.t.
Ao seu Péricles, meu pai.

À dona Marina, minha mãe.

Ao Márcio e à Ivone, meus tios, pela acolhida.


AGRADECIMENTOS

Agradeço à Fundacentro, por incentivar seus recursos humanos na busca


do conhecimento e por representar, mais que meu local de trabalho, uma
possibilidade de realização profissional.

Ao Prof. Titular Sérgio Médici de Eston, orientador da presente


dissertação, pelo crédito, compreensão e apoio que me deu durante sua realização.

Ao Dr. Dorival Barreiros, por ter atuado como co-orientador de forma


continuada, contribuindo com suas críticas bem elaboradas para o aprendizado
que a feitura deste trabalho me rendeu.

Ao Prof. Dr. Homero Delboni Jr. agradeço pelo senso de justiça na


providencial intervenção que me salvou das conseqüências de um erro humano.

Ao Dr. Wilson Siguemasa Iramina, pela postura amiga e pelas importantes


contribuições dadas no Exame de Qualificação.

Aos colegas de trabalho Gerrit Gruenzner, Itamar de Almeida Leandro,


Rogério Galvão da Silva e José Damásio de Aquino pelo importante
companheirismo que me acompanhou nessa jornada, ao Lourenil Aparecido
Ferreira, pela dedicação e competência na elaboração de algumas figuras que
ilustram este trabalho e aos demais colegas que, de uma forma ou de outra,
colaboraram comigo.

À Maria Cristina Martinez Bonésio, pela contribuição na apresentação das


referências bibliográficas.
À minha esposa Fátima pelo carinho e apoio em todas as horas e aos meus
filhos Marina e Yvan Thales, pela compreensão nos muitos momentos que o
estudo me subtraiu de sua companhia.
RESUMO

O acidente de trabalho fatal é evento que, por conta da magnitude do


impacto que impõe aos envolvidos, direta ou indiretamente, mobiliza diversas
instituições do Estado e da sociedade civil organizada. Uma dessas instituições
representa a Justiça, mesmo porque toda morte violenta enseja a abertura de um
inquérito policial.

A presente dissertação apresenta um estudo de caso que consiste na


investigação e análise de um acidente de trabalho fatal encaminhado à
FUNDACENTRO pelo Ministério Público do Trabalho, bem como os
desdobramentos dessa investigação.

O estudo de caso realizado buscou avaliar a possibilidade de aplicar o


método da árvore de causas em contexto alheio àquele recomendado por seus
propositores. Discutiram-se algumas concepções causais para o acidente de
trabalho; apresentou-se o método da árvore de causas, uma aplicação prática de
alguns de seus fundamentos conceituais e o produto obtido na forma de um
fluxograma de antecedentes. Também são apresentados alguns elementos
importantes da legislação pertinente ao tema, tanto no âmbito trabalhista como na
esfera civil e criminal.

Os resultados da análise promovida com suporte do método da árvore de


causas serviram de base para o Ministério Público Federal formular e firmar com
a empresa local do acidente investigado um Termo de Compromisso de
Ajustamento de Conduta.

Isso fez com que a Justiça, além de bem cumprir seu papel, repercutisse
sua ação em benefício da prevenção de acidentes do trabalho.
ABSTRACT

Fatal accidents in the workplace is an event which has a broad impact over
those involved and because of that its call the attention of different government
entities as well as other organized stakeholders. The Judiciary represents one of
these government entities which is mobilized because each fatal accidents requires
a police inquiry which later on turn out to be the base for a due process.

This dissertation presents a case study of a fatal workplace accident


investigation undertake by FUNDACENTRO under the request of the Federal
Prosecutors/Ministério Público do Trabalho as well as the decision making
afterwards.

An attempt was made to apply the causal tree method to investigate the fatal
accidents studied under conditions not recommend by its authors.

Different causal workplace accidents conceptions were discussed; the


causal tree method and its practical purpose and conceptual assumption were
presented as well as the causal factors chart showing the events that lead to the
fatal accident studied.

The incrimination connection of the health and safety due of care under the
Brazilian civil and criminal law framework was presented as well.

The results of the accident investigation obtained by applying the causal


tree method were used by the Federal Prosecutors/Ministério Público Federal to
formulate and to establish a formal and legal agreement with the company where
the accidents took place in order to promote and improve occupational health and
safety and health in place.

As a result of this agreement, the judiciary not only acted to prevail its role
but also contributes to promote health and safety prevention at the workplace.
SUMÁRIO

Lista de abreviaturas e siglas

Lista de figuras

Lista de fotos

Lista de quadros

Lista de tabelas

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 1

1.1 Estrutura do texto...................................................................................... 5

2 OBJETIVOS .......................................................................................................... 7

2.1 Objetivo geral ............................................................................................ 7

2.2 Objetivos específicos.................................................................................. 7

3 JUSTIFICATIVA.................................................................................................. 8

4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS À INVESTIGAÇÃO DE


ACIDENTES DO TRABALHO E O MÉTODO DA ÁRVORE DE
CAUSAS................................................................................................................. 25

4.1 A teoria dos sistemas e as árvores............................................................ 32

4.2 A árvore de causas..................................................................................... 44

4.2.1 Os fundamentos do método .......................................................... 46

4.2.2 A atividade como unidade de análise ........................................... 52

4.2.3 A variação dos componentes......................................................... 53

4.2.4 Coleta e organização dos dados .................................................... 54

4.2.5 As relações entre as variações dos componentes......................... 56

4.2.6 O diagrama..................................................................................... 59

4.2.7 Dificuldades à aplicação do método da árvore de causas .......... 60


4.3 A causalidade dos acidentes de trabalho................................................. 63

5 A LEGISLAÇÃO .................................................................................................. 91

5.1 A legislação trabalhista............................................................................. 99

5.2 A responsabilidade civil e criminal pelo acidente de trabalho .............. 101

6. METODOLOGIA ....................................................................................................... 109

6.1 Estudo de caso............................................................................................ 110

6.2 A coleta de dados ....................................................................................... 112

6.2.1 O contexto....................................................................................... 113

6.2.2 As fontes.......................................................................................... 117

6.3 Descrição dos antecedentes....................................................................... 118

7 RESULTADOS...................................................................................................... 119

7.1 A investigação ............................................................................................ 119

7.2 Inventário de antecedentes ....................................................................... 120

7.3 Fluxograma de antecedentes .................................................................... 122

7.4 Descrição dos elementos constantes no fluxograma de


antecedentes e de seu encadeamento lógico............................................. 124

7.5 O termo de compromisso de ajustamento de conduta ........................... 135

8 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 136

9 CONCLUSÕES ..................................................................................................... 141

LISTA DE REFERÊNCIAS................................................................................. 144


Lista de abreviaturas e siglas

AAF Análise de árvore de Falhas

ABIQUIM Associação Brasileira da Indústria Química

AFT Auditor Fiscal do Trabalho

AMFE Análise de Modos de Falhas e Efeitos

BSI British Standards Institution

CAT Comunicação de Acidente de Trabalho

CCOHS Canadian Centre for Occupational Health and Safety

CIPAMIN Comissão Interna de Prevenção de Acidentes na Mineração

EUA Estados Unidos da América

HSE Health and Safety Executive

IMD International Institute for Management Development

INRS Institut National de Recherche et de Sécurité

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

NR Norma Regulamentadora

OIT Organização Internacional do Trabalho

PIB Produto Interno Bruto

UNESP Universidade Estadual Paulista


Lista de Figuras

Figura 1. Relação entre competitividade e padrão de segurança no trabalho. ..........18

Figura 2. A causalidade dos acidentes segundo o CCOHS.......................................27

Figura 3. Árvore de Falhas para sistema de alarme de fogo domiciliar....................39

Figura 4. Árvore de causas de um acidente com caminhão fora-de-estrada.............42

Figura 5. Os cinco fatores de Heinrich da seqüência do acidente.............................66

Figura 6. Elemento chave de Heinrich para a prática da prevenção. ........................67

Figura 7. Estágios no desenvolvimento e investigação de um acidente


organizacional. ........................................................................................69

Figura 8. Modelo de acidente organizacional de Reason..........................................70

Figura 9. Anexo II da Norma Regulamentadora 5 vigente até 1999. .......................74

Figura 10. Classificação das causas no estudo de Heinrich (1941). .........................79

Figura 11. O Ciclo da Culpa. ....................................................................................82

Figura 12. Algoritmo de Reason - Algoritmo que permite diferenciar os tipos de


comportamentos quanto à intencionalidade. ...........................................87

Figura 13. Fluxograma de Antecedentes...................................................................123

Figura 14. Croqui do local do acidente .....................................................................130


Lista de fotos

Foto 1. Um incidente com veículos leve e pesado em mina a céu-aberto. ..................29

Foto 2. Posição assumida pela empilhadeira após a queda .......................................124

Foto 3. Caixa de papelão sobre um pallet junto ao pilar ...........................................126

Foto 4. Marca deixada na plataforma pela empilhadeira...........................................127


Lista de Quadros

Quadro 1. Distinções no custo de acidentes e doenças relativas ao trabalho


propostas por Dorman (2000) .................................................................16

Quadro 2. Quadro de registro de variações...............................................................55

Quadro 3. Representação dos tipos de ligações entre antecedentes no diagrama.....59


Lista de Tabelas

Tabela 1. Distribuição do número de acidentes de trabalho registrados segundo


sua classificação e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000..........................9

Tabela 2. Distribuição do número de acidentes do trabalho liquidados segundo


conseqüência e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000...............................10

Tabela 3. Distribuição das “causas apuradas” para os 125 acidentes de trabalho


investigados .............................................................................................75

Tabela 4. Distribuição das “medidas propostas” para os 125 acidentes de


trabalho investigados ...............................................................................76

Tabela 5. Distribuição dos 125 acidentes investigados segundo a conclusão da


empresa quanto às causas ........................................................................77

Tabela 6. Distribuição das responsabilidades pela ocorrência nos 125 acidentes


de trabalho investigados ..........................................................................78
0
1

1 INTRODUÇÃO

O trabalho é a principal atividade humana. A vida em sociedade é estruturada


em função do trabalho, de maneira que a relação estabelecida entre o indivíduo e sua
ocupação é um determinante na forma como se dá a sua inserção no meio social.

A organização da sociedade é marcantemente definida por relações de


trabalho, sendo os valores sociais do trabalho um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito, conforme enuncia o Artigo 1º do Título I (Dos Princípios
Fundamentais) da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5
de outubro de 1988 (Brasil, 1988).

Entre os diversos aspectos das relações sociais de trabalho, a área da


segurança e saúde no trabalho é a mais importante porque sem ela nenhuma outra faz
sentido. Quando, na sociedade capitalista, o indivíduo vende sua força de trabalho a
outro, está transacionando apenas sua capacidade de trabalho; a saúde do ser humano
não pode ser considerada como simples material de consumo ou passível de ser
valorada1.

Entre os fenômenos de caráter técnico e/ou social que assinalam a presença


humana no mundo do trabalho, as doenças e os acidentes incapacitantes e fatais
ocupam papel de destaque pela forma que repercutem na sociedade. A ocorrência de
um desses eventos impacta negativamente o trabalhador, vítima da doença ou do
acidente, sua família, sua equipe de trabalho, seu grupo social, a empresa e, por fim,
a sociedade como um todo.

Ao trabalhador vitimado cabe suportar o primeiro e principal encargo gerado


pelo acidente, que se materializa na incapacitação temporária ou permanente para o
trabalho, quando não lhe provoca a morte. Nos casos de acidentes fatais, esse
impacto estende-se imediatamente para a esfera familiar do trabalhador.

1
Na legislação trabalhista vigente no Brasil, a exposição a agentes ambientais nocivos à saúde implica
ao trabalhador percepção de adicional pecuniário variável com a gravidade da exposição.
2

Muitas vezes as famílias se desestruturam ao se verem, subitamente,


subtraídas em seus arrimos, que podem estar ou não cobertos pelo sistema de
seguridade social. Mesmo que o Estado, ao cumprir a legislação previdenciária com
a massa de trabalhadores segurada, procure suprir o aspecto financeiro das carências
impostas à família da vítima, as perdas, vistas de uma forma abrangente, têm caráter
permanente e de impossível valoração. Onde essa valoração é possível, como no
poder aquisitivo, estudos comprovam o empobrecimento das famílias que vivenciam
um acidente de trabalho com um de seus membros (International Labour
Organization, 2003).

Para as empresas, o acidente significa perdas que se iniciam com os custos


imediatos do acidente e se propagam de múltiplas maneiras pelos diversos aspectos
da administração. Entre os prejuízos provocados pelos acidentes de trabalho, os
aspectos econômicos envolvidos impõem a temática entre as prioridades da
administração empresarial com a força de fator que pode por em jogo a
sobrevivência da organização, ao expor ao risco os recursos humanos e materiais que
são imprescindíveis a sua operação.

A mensuração do impacto do acidente nos múltiplos elementos mobilizados


pelo sistema de gestão da empresa pode ser complexa, gerando resultados de
representatividade limitada, inexatos. Efeitos de impossível quantificação atingem as
equipes de trabalho que sofrem uma perda da magnitude daquela representada por
um acidente fatal. Da mesma maneira, é impossível quantificar o grau de
comprometimento da imagem da empresa perante o publico interno e externo quando
da ocorrência de um evento dessa natureza.

A impossibilidade de uma exata valoração se configura na difícil delimitação


dos prejuízos relacionados ao acidente de trabalho que podem, em função da
abordagem adotada, contemplar facetas da problemática não passíveis de
quantificação; seriam os impactos de mérito subjetivo, como aqueles de cunho
psicológico e/ou social, presentes em outro ambiente que não o meio ambiente de
trabalho. Não dá para transformar a perda de um ente querido em números; esse
sentimento não gera estatísticas, embora seja o mais importante para a condição
humana.
3

Os prejuízos mais importantes relacionados aos acidentes de trabalho,


segundo Dorman (2000) incluem o dano físico imposto à vítima, o custo emocional
para a família da vítima e sua comunidade e o comprometimento de valores sociais
como a justiça e a solidariedade.

Enquanto fenômeno social, o acidente de trabalho expõe múltiplas


dimensões; não se restringe ao ambiente de trabalho; é mais que uma disfunção ou
não conformidade2 do sistema produtivo. Quando a essa dimensão técnica do
acidente acopla-se a existência de uma vítima fatal ou gravemente lesionada, a
questão extrapola os muros da empresa e adquire os contornos de uma questão
social.

São essas características que implicam à problemática social do acidente de


trabalho a intervenção das Instituições do Estado que operam na defesa dos
interesses difusos e coletivos da sociedade.

A inserção do indivíduo na sociedade guarda várias dimensões. Ele é o arrimo


de família, o trabalhador, o empregado, o associado, o segurado, o contribuinte etc.

Dessa forma, o que ocorre em cada dimensão da vida do indivíduo em


sociedade tem reflexos no campo de atuação das instituições do Estado, como
aquelas pertencentes à Justiça, ao sistema de seguridade social e aquelas dedicadas às
questões específicas das relações de trabalho, como as Delegacias Regionais do
Trabalho3, que fiscalizam, entre outros aspectos, as condições nas quais o trabalho é
realizado.

2
Não conformidade é qualquer desvio dos padrões de trabalho estabelecidos, das práticas, dos
procedimentos, das normas, do desempenho do sistema etc. que podem levar direta ou indiretamente a
danos ou prejuízos à propriedade, ao meio ambiente de trabalho ou a combinação destes (British
Standards Institution, 1999).
3
A atribuição das Delegacias Regionais do Trabalho, no que diz respeito à fiscalização do
cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, está consignada no inciso I do Artigo
156 da Lei Nº 6.514 de 22 de dezembro de 1977, que alterou o Capítulo V do Título II da
Consolidação das Leis do Trabalho, relativo à Segurança e Medicina do Trabalho.
4

A ocorrência de qualquer morte acidental provoca a abertura de um inquérito


policial, primeira peça jurídica inerente a esse tipo de ocorrência. O inquérito policial
é, dentro dos autos de um processo, uma peça de caráter essencialmente informativo;
pode ser definido como um conjunto de atos e diligências que visam apurar alguma
coisa. Nele, após a identificação da vítima, são catalogados os dados relativos às
evidências dos fatos, que situarão a ocorrência física e temporalmente, além de trazer
os depoimentos de testemunhas eventualmente arroladas.

Os dados que compõem o inquérito policial são complementados pelas


informações geradas pela intervenção da Polícia Técnica no caso. A qualidade dessas
informações agrupadas em um laudo pericial será de grande importância àqueles que
se ocuparão da leitura e interpretação do relato sobre as evidências coletadas com o
fito de reconstituir e compreender as circunstâncias que redundaram no acidente fatal
ali tratado.

À Justiça, além do interesse imediato em apurar eventuais responsabilidades,


também é possível, e isso cada vez mais amiúde ocorre, a intervenção no sentido de
corrigir irregularidades que possam ser apontadas em um laudo técnico (Ussier,
2002).

As Instituições do Estado apresentam intersecções no que diz respeito às suas


áreas de atuação. Entretanto, essas intersecções nem sempre são explícitas. O papel
do agente público ora é de punição, ora de investigação, sindicância, ora de correção.
O reconhecimento dos espaços comuns entre as instituições no desempenho de seu
mister é primeira condição necessária ao estabelecimento de um inter-relacionamento
sinérgico entre elas, através da operacionalização de modelos cooperativos de
atuação.

A análise aprofundada do acidente de trabalho cumpre o papel de esclarecer


as causas indo além daquelas mais evidentes e próximas da ocorrência. É manifesto
que a acuidade da reconstituição dos eventos repercute na qualidade e capacidade de
julgamento de quem cabe fazê-lo.

Entretanto, o interesse na maior acuidade na elucidação das circunstâncias


envolvidas no acidente não deve atender, necessariamente, apenas o propósito de
5

apurar eventuais responsabilidades. A caracterização de situações propícias a


acidentes ou de fatores potenciais de acidentes também pode ensejar a concepção e
implementação de proteções e cautelas no ambiente de trabalho. Assim, a
incorporação ao processo judicial de uma análise do acidente com visão sistêmica,
que aumente a capacidade de identificação da multiplicidade de fatores envolvidos,
será de grande valia para que condições de trabalho propícias a acidentes sejam
transformadas, removendo-se os fatores potenciais de acidentes identificados ou para
eles estabelecendo as cautelas adequadas.

É certo que a principal perda provocada por um acidente fatal é irrecuperável,


no entanto, seria grave omissão negar a existência de possível aprendizado
decorrente da ocorrência. Conforme asseverou a Flight Safety Foundation: “Ter um
acidente é infeliz. Ter um acidente e dele nada aprender é imperdoável” (Gibb;
Hayward; Lowe, 2001).

1.1 Estrutura do texto

Esta dissertação apresenta-se estruturada, capítulo a capítulo, da maneira que


se segue:

O capítulo 2 explicita os objetivos geral e específicos estipulados para este


estudo. O capítulo 3 traz a discussão sobre os impactos negativos que o acidente do
trabalho provoca e o conseqüente interesse na otimização da capacidade de
intervenção e transformação que os agentes públicos e suas respectivas instituições
detém em relação às condições de trabalho. Esse capítulo procura constituir-se uma
justificação.

O capítulo 4 é formado pela apresentação de elementos teóricos e práticos


imprescindíveis à investigação e análise dos acidentes de trabalho; apresenta-se
resumido histórico da aplicação da teoria dos sistemas na prevenção de acidentes e
do desenvolvimento das árvores como ferramenta analítica (é feita uma comparação
entre as duas árvores: a de falhas e a de causas), além de uma visão panorâmica sobre
6

os principais modelos causais dirigidos ao acidente do trabalho. Nesse capítulo, entre


as ferramentas citadas, é dado destaque ao método da árvore de causas.

No capítulo 5 são apresentados alguns rudimentos da teoria jurídica aplicada


à segurança e saúde no trabalho.

O capítulo 6 procura expor a abordagem adotada e os elementos que


compõem o problema estudado, de forma que fique clara a opção metodológica pelo
estudo de caso.

O capítulo 7 é ocupado pelos resultados que são: realização da investigação e


análise do acidente de trabalho ocorrido com a apresentação de um diagrama que foi
chamado de fluxograma de antecedentes; o conseqüente atendimento à demanda do
Ministério Público do Trabalho de forma que se lhe foram apresentados elementos
importantes à elaboração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta
dirigido à empresa local do acidente e com esta firmado. O principal conteúdo desse
documento é apresentado em item específico desse mesmo capítulo.

O capítulo 8 é reservado à discussão do trabalho realizado e o capítulo 9 traz


as conclusões acerca desta dissertação.
7

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

O objetivo geral da presente dissertação é estudar a aplicabilidade do método


da árvore de causas no atendimento de demanda do Poder Judiciário relativa à
análise de acidente de trabalho fatal.

2.2 Objetivos específicos

a) Atender demanda do Poder Judiciário relativa à análise de acidente de


trabalho fatal, de maneira que os fatos sejam esclarecidos e o julgamento das
partes envolvidas seja aprimorado.

b) Identificar as limitações que o problema proposto importa à aplicação do


método da árvore de causas e discutir as possibilidades de superação dessas
limitações.

c) Gerar subsídios passíveis de utilização pelo Ministério Público do Trabalho


na formulação de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta ou
diligências que cumpram papel semelhante junto à empresa onde ocorreu o
acidente fatal objeto do inquérito.
8

3 JUSTIFICATIVA

A severidade das conseqüências que o acidente de trabalho importa para os


atores sociais envolvidos mais diretamente com sua ocorrência, como a vítima, sua
família e respectivo grupo social lhe atribui caráter de interesse difuso e coletivo para
a sociedade. Um dos impactos de repercussão imediata para a sociedade em geral se
consubstancia nos encargos financeiros para o sistema de seguridade social.

Tendo como agravante de contorno o fato da histórica suspeição quanto à sua


incompletude em relação aos dados reportados sobre os acidentes e doenças
relacionadas ao trabalho, as estatísticas que o Brasil apresenta nessa área trazem
índices inaceitáveis para um país que quer combater a iniqüidade social e buscar o
desenvolvimento sustentado.

É fato amplamente divulgado e reconhecido, inclusive no âmbito


internacional (Ávila; Castro; Mayrink, 2002), que obter informações acerca da
totalidade dos acidentes ocorridos nas empresas é missão de difícil execução, pois há
uma postura deliberada em não comunicar muitas ocorrências. Assim, vê-se que não
é problema exclusivo do nosso País a ausência de um sistema eficiente de notificação
dos acidentes do trabalho, que abranja 100% dos eventos passíveis de comunicação.

Ávila; Castro; Mayrink (2002) afirmam que: “...No entanto, apesar dos
avanços em termos de levantamento de informações, ressalte-se que os dados oficiais
não englobam o mercado informal, os funcionários públicos com regime próprio de
previdência e os militares. Ou seja, o real número de acidentes do trabalho
certamente é maior, entretanto, não há fontes disponíveis para mensurá-lo”.

Não obstante a subnotificação, os dados estatísticos do Ministério da


Previdência e Assistência Social sobre acidentes do trabalho já se mostram
demasiadamente elevados. Os dados principais, para o período compreendido entre
1996 e 2000 estão nas tabelas 1 e 2, a seguir:
9

Tabela 1
Distribuição do número de acidentes de trabalho registrados4 segundo sua
classificação e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000.

Classificação do acidente
Ano
Típico5 Trajeto6 Doença do Total
Trabalho7

1996 325.870 34.696 34.889 395.455

1997 347.482 37.213 36.648 421.343

1998 347.738 36.114 30.489 414.341

1999 326.404 37.513 23.903 387.820

2000 283.193 38.982 17.470 363.868


Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil, 2002).

4
Os acidentes registrados correspondem ao número de acidentes cujos processos foram abertos
administrativa e tecnicamente pelo Instituto de Seguridade Social. São dados oriundos das
Comunicações de Acidentes de Trabalho - CAT registradas nos postos da Instituição.
5
Acidentes típicos são aqueles que acontecem no exercício do trabalho ou que decorrem da extensão
do conceito inserido na Lei 8.213/91.
6
Acidentes de trajeto são aqueles que acontecem no percurso entre a residência e o trabalho.
7
Doença do trabalho inclui as chamadas doenças profissionais, conforme relação específica da
Previdência Social, e aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o
trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente.
10

Tabela 2
Distribuição do número de acidentes do trabalho liquidados8 segundo
conseqüência e ano de registro. Brasil. 1996 a 2000.

Conseqüência

Ano Incapacidade Incapacidade Óbito Total


Temporária Permanente

1996 375.495 18.233 4.488 448.898

1997 362.712 17.669 3.469 440.281

1998 333.234 15.923 3.793 408.636

1999 345.034 16.757 3.896 420.592

2000 304.352 14.999 3.094 376.240


Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil, 2002).

Segundo Baumecker; Faria; Barreto (2003) para que seja potencializada nossa
capacidade de prevenção é necessário que sejam melhorados nossos conhecimentos
sobre os acidentes de trabalho; para tanto são necessárias algumas providências,
como: “garantir a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho para todos os
universos abrangidos pelo Seguro de Acidente de Trabalho, incluindo assim os
contribuintes individuais, os trabalhadores domésticos, os empregadores (que
efetivamente trabalham), os trabalhadores por conta própria que totalizam 5.964.471.
A forma para a emissão dessa Comunicação de Acidente de Trabalho seria a mesma
dos segurados especiais (auto-emissão com avaliação da perícia) que já integram o
sistema do Seguro de Acidente de Trabalho. Todos esses segurados já têm benefícios
no caso de acidentes de trabalho, somente não são enquadrados como tais; definir a
comunicação obrigatória dos acidentes de trabalho dos servidores públicos

8
Acidentes de trabalho liquidados representa o número de processos de acidentes de trabalho
liquidados, em um determinado ano. Sempre existe uma diferença entre o número de acidentes
registrados e o número de acidentes liquidados, especialmente por causa da duração dos
procedimentos e de processos que são reavaliados.
11

(estatutários e militares) o que incluiria no sistema de informação mais 4.732.949


pessoas, as quais já têm o benefício por afastamento do trabalho sem o
enquadramento da origem do acidente de trabalho; criar a obrigatoriedade da
avaliação da origem do acidente ou da doença em todos os atendimentos da rede
básica de saúde estruturando formas de comunicação que possam agregar
informações sobre os acidentes no trabalho informal e também garantir avaliações
cruzadas que permitam apontar para a subnotificação e para o sub-registro...”.

Os números das estatísticas de acidentes incomodam pelo que relatam e pelo


que deixam de relatar; evidenciam altas taxas de freqüência por um lado e, por outro,
não permitem que se possa avaliar a dimensão das perdas que os acidentes e as
doenças relacionadas ao trabalho impõem à nação.

Em entrevista concedida à Revista CIPA, Pastore (2001), faz referência à


proporção de 4 para 1, proposta por Heinrich (1941), que existiria entre os custos
diretos e indiretos e, no intuito de obter um número que reflita uma somatória geral,
agrega a essas duas classes de custos as despesas que incidem sobre a família da
vítima (ao fazê-lo, Pastore passa a trabalhar com a proporção de 5 para 1 entre os
custos indiretos e diretos) e a considerar, ainda, os encargos assumidos pelo Estado
com o setor informal9. O gasto governamental anual com o setor informal por conta
do acidente de trabalho é estimado em R$ 5 bilhões.

É assim que, partindo de um montante de R$ 2,5 bilhões que, segundo


Pastore, a Previdência Social arrecada das empresas e gasta anualmente com os
acidentes de trabalho, ele chega à preocupante cifra de R$ 20 bilhões nos encargos
financeiros que os acidentes de trabalho importam à nação.

Embora cumpra papel de chamar a atenção da sociedade para o grave


problema social que o acidente de trabalho representa, o cálculo apresentado por
Pastore parte de premissas muito pouco consistentes, como a proporção de 4 para 1
entre os custos indiretos ou não segurados e os custos diretos ou segurados.

9
José Pastore, na mesma entrevista à Revista CIPA, afirma que, da população. “apenas 43% estão
vinculados ao sistema previdenciário. Os demais 57% são apenas consumidores de serviços de saúde e
assistência social”.
12

Provavelmente por conta de seu caráter histórico, a proporção aventada por


Heinrich de 4 para 1 entre os custos indiretos e os custos diretos do acidente ocupou
papel de destaque entre as suposições presentes na formulação de estimativas de
custos propostas pelos profissionais de Segurança e Saúde no Trabalho e outros que
se ocuparam dessa questão.

Já na década de 80, De Cicco (1983, p.06) afirmava que “inúmeros


profissionais da área de segurança, de companhias de seguros e outros, por terem
uma extrema carência de dados sobre o custo de acidentes, começaram a dar uma
importância exagerada à referida proporção. Muitos que a adotaram o fizeram sem
conhecer o seu verdadeiro significado, ou a aplicaram de forma incorreta”.

Segundo Dorman (2000), a estimação dos custos indiretos como uma


proporção dos custos diretos tem mostrado variação de valores menores que 1:1 até
valores maiores que 20:1, dependendo da empresa e da metodologia adotada pelo
pesquisador.

A classificação mais tradicional dos custos pertinentes aos acidentes de


trabalho os divide em duas classes: os custos diretos e os custos indiretos. Essa
classificação, possivelmente a primeira a ser formalizada, foi introduzida por H. W.
Heinrich, em trabalho de investigação realizado na década de 20 nos Estados Unidos
da América (Heinrich, 1959 apud De Cicco, 1983). Segundo De Cicco (1983),
Heinrich, que trabalhava para uma companhia de seguros, desenvolveu a pesquisa
nas empresas onde acidentes haviam acontecido e buscou identificar dispêndios
adicionais nos quais as empresas tinham incorrido, além dos gastos relacionados às
indenizações pagas pela companhia seguradora. Heinrich considerou os gastos da
companhia seguradora com a liquidação do acidente de trabalho como custo direto e
àquelas perdas acumuladas pela empresa em termos de danos materiais e de perda de
produção como custos indiretos.

Como o primeiro encargo gerado pelo acidente de trabalho grave ou fatal é


aquele a ser mobilizado pela entidade seguradora, cria-se uma referência de caráter
contábil para a análise dos demais custos atribuíveis ao acidente. Assim, foi natural
que os custos ditos indiretos ou segurados fossem referenciados como uma proporção
13

dos custos diretos ou segurados no estudo realizado por Heinrich. Esse estudo
apontou uma razão de 4 para 1 entre os custos indiretos e diretos.

Tendo como base essa classificação, há referências na literatura, conforme


pode-se observar em De Cicco; Fantazzini (1985), sobre custos diretos ou segurados
e custos indiretos ou não-segurados, explicitando a discriminação proposta por
Heinrich em seu estudo. Segundo De Cicco (1983) essa terminologia foi proposta na
década de 40, nos EUA.

Essa classificação, proposta por Heinrich, estrutura os custos pela natureza


dos encargos gerados pelo acidente de trabalho e tem como fulcro as perdas
financeiras e materiais que, em última análise, acabam se confundindo.

Fisa (1991), em material publicado pelo Ministério de Trabajo y Asuntos


Sociales, da Espanha, ao abordar a questão dos custos não-segurados provocados
pelo acidente de trabalho, trilha caminho semelhante e, no âmbito de um estudo de
caso desenvolvido sobre o tema, relaciona os seguintes componentes dos custos:

● com o atendimento em enfermaria, que implica custos com materiais e com a


dedicação do responsável pelo atendimento;

● com o traslado até um hospital, que implica o dispêndio material e com a


dedicação de pessoal responsável pela remoção da vítima;

● gerados pelo tempo perdido por outros trabalhadores não acidentados (da área de
produção e da área administrativa);

● provocados pela dedicação das chefias intermediárias e outros ao caso para, por
exemplo, promover a investigação do ocorrido;

● gerados pela interrupção do processo produtivo;

● relativos a perdas materiais;

● provocados pelo desperdício de produto semi-acabado ou matéria-prima;

● provocado pela contratação junto a terceiros de serviços especializados, como


aqueles necessários para recuperar instalações;

● gerado pelo pagamento de horas-extras para recuperar a produção;


14

● relativos ao recrutamento e contratação de trabalhador substituto do trabalhador


acidentado durante o período de afastamento, por igual salário e

● provocados por atrasos na entrega de produtos, como penalidades financeiras


previstas em contrato.

“Como pode ser aplicada a análise econômica à meta de criar condições mais
saudáveis e seguras de trabalho?”. Essa é a pergunta inicial formulada por Dorman
(2000) ao estudar os aspectos econômicos da Segurança e Saúde no Trabalho.
Segundo Dorman (2000), do ponto de vista de uma preocupação econômica bem
ampla, o principal dado de caráter contábil demandado pelos administradores da
empresa, em relação ao desempenho da área de Segurança e Saúde no Trabalho seria
o seu custo econômico líquido, apurado pela diferença entre o custo econômico das
atividades prevencionistas e o custo econômico da prevenção.

Entretanto, na área de Segurança e Saúde no Trabalho, esse dado tem


pequeno ou nenhum significado, visto que é impossível mensurar o desempenho das
atividades dirigidas à segurança e à melhoria das condições de trabalho, como um
todo, apenas em bases econômicas. A substituição de um operador dentro de uma
equipe de trabalho é uma variação abrupta e profunda que deve ser assimilada pelo
sistema de produção e esse processo de assimilação não é susceptível de
equacionamento numérico, de valoração em unidades de moeda, embora seja
evidente a perda de rendimento do sistema e conseqüente prejuízo financeiro.

Não obstante, permanece o interesse no estudo dos custos relativos aos


acidentes de trabalho e Dorman (2000) propõe, em seus estudos preliminares sobre
as questões econômicas da Segurança e Saúde no Trabalho, que se façam quatro
distinções: custos econômicos versus custos não econômicos (dependendo de sua
valorabilidade em termos econômicos); custos fixos versus custos variáveis
(dependendo de sua variabilidade face à incidência de acidentes e doenças
relacionadas ao trabalho); custos diretos versus custos indiretos (dependendo se o
reconhecimento deles pelos administradores faz parte da rotina) e custos internos
versus custos externos (dependendo se eles são pagos pelos administradores da
empresa ou por outra parte).
15

A proposição de Dorman (2000) pode ser visualizada no Quadro 1, a seguir,


onde além do critério, figura o significado da distinção proposta.
16

Quadro 1
Distinções no custo de acidentes e doenças relativas ao trabalho.

Distinção Critério Significado

Determina o caso
Avalia se o custo toma a
econômico para
Econômico versus Não forma de dano em bens
intervenção, à parte dos
econômico e serviços aos quais
aspectos éticos e de
podem ser dados preços
Saúde Pública
envolvidos

Determina se haverá
Avalia se o custo
incentivo econômico
permanece constante
para um determinado
apesar de mudanças na
Fixo versus Variável administrador caso
incidência e gravidade
tome medidas para
das lesões e
reduzir as taxas de
enfermidades
freqüência e de
gravidade

Determina se o
Avalia se o custo é
administrador
Direto versus Indireto medido e alocado por
perceberá o incentivo
meio de métodos
econômico que de fato
contábeis rotineiros
existe

Determina a diferença
entre o incentivo
Avalia se o custo do
econômico para um
acidente é pago pela
Interno versus Externo determinado
unidade econômica que
administrador e o
o gerou
correspondente
incentivo para a
sociedade
Fonte: Adaptado de (Dorman, 2000).
17

Essa contribuição posiciona a questão dos custos dos acidentes de trabalho no


sentido de receber um tratamento de caráter sistêmico, rompendo com a limitação
que historicamente caracterizou a abordagem dedicada ao tema. É assim que, mesmo
onde não há a possibilidade de monetizar o dano ou o prejuízo, é possível a
identificação qualitativa de impactos não mensuráveis pelas ferramentas contábeis. É
o reconhecimento analítico de que a inexistência de encargo para a unidade
econômica geradora do evento não implica inexistência de encargos.

O primeiro enfoque dado aos estudos relacionados às perdas provocadas


pelos acidentes de trabalho foi o econômico e, mais especificamente, dentro de
limites de claro interesse empresarial mais imediato. A ampliação desse olhar para
fora dos limites da empresa, como sugere a proposta de Dormam (2000), evidencia
uma nova forma de abordagem e caracterização do problema que os acidentes de
trabalho representam para a sociedade moderna. Conforme se observa no Quadro 1,
todas as categorias propostas por Dorman (2000) impactam a sociedade
frontalmente, mobilizando suas instituições e seus recursos.

Juan Somavia, Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho -


OIT, ao dissertar sobre a agenda da Organização Internacional do Trabalho
denominada “Trabalho decente”, afirma que trabalho decente é trabalho seguro e que
ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar essa meta; lembra que
anualmente cerca de dois milhões de homens e mulheres perdem suas vidas em
acidentes ou por causa de doenças relacionadas ao trabalho que executam. Considera,
ainda que seja uma estimativa conservadora, que ocorram cerca de 270 milhões de
acidentes de trabalho a cada ano (International Labour Organization, 2003).

A Organização Internacional do Trabalho estima que quatro por cento do


Produto Interno Bruto constitui perda provocada por acidentes e doenças
relacionadas ao trabalho. Essa é uma média global; ao referir-se à situação dos países
da América Latina, a Organização Internacional do Trabalho reporta-se a dados
apresentados em conferência promovida pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento, em 2000, e segundo os quais, não obstante as considerações de
praxe sobre a subnotificação dos acidentes de trabalho neles observada, os países em
desenvolvimento sofrem grandes perdas devido às doenças relacionadas ao trabalho,
18

acidentes e óbitos, que atingem cerca de dez por cento do Produto Interno Bruto
(International Labour Organization, 2003).

Não há evidência estatística alguma de que economias com baixo padrão de


segurança e saúde no trabalho sejam mais competitivas. As pesquisas da
Organização Internacional do Trabalho sugerem exatamente o contrário, pois os
países que contam com melhores condições de trabalho são aqueles que apresentam
melhores índices de competitividade, conforme se observa na Figura 1, a seguir:

Competitividade e Segurança

90
80
Competitividade
70
60
Indice

50
40
30
Acidente Fatais / 100.000 Trabalhadores
20
10
0
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or

or
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Fonte: Adaptado de International Labour Organization (2003).


Figura 1. Relação entre competitividade e padrão de segurança no trabalho.

A Figura 1 utiliza uma das classificações de competitividade de maior


autoridade no mundo, publicado em Lausanne pelo International Institute for
Management Development – IMD, no qual são consideradas as economias de 60
países, que são avaliadas por meio de 321 critérios. Os dados utilizados são de 2002.
Em seu sítio na rede mundial de computadores, o IMD apresenta uma lista com os
321 critérios que são incluídos no anuário de 2003 da competitividade no mundo
(International Institute for Management Development, 2003).

Esses critérios são agrupados nos quatro fatores de competitividade seguintes:

● desempenho econômico;

● eficiência do governo;
19

● eficiência do negócio e

● infra-estrutura.

À guiza de exemplificar a estruturação que o IMD dá ao conjunto de critérios


utilizados, destacamos, entre os fatores de competitividade, o relativo a infra-
estrutura. Esse fator é composto pelos seguintes aspectos pertinentes à infra-
estrutura:

● infra-estrutura básica;

● infra-estrutura tecnológica;

● infra-estrutura científica;

● saúde e ambiente e

● instrução.

Desses aspectos, escolhemos como exemplo aquele relativo à saúde e


ambiente e, entre os critérios que o constituem, encontramos, entre outros, os
seguintes:

● despesa total com saúde (em porcentagem do PIB);

● despesa pública com saúde (em porcentagem da despesa total com saúde);

● expectativa de vida no nascimento;

● expectativa de vida saudável;

● auxílio médico (número de habitantes por médico e por enfermeira);

● população urbana (em porcentagem da população total);

● índice humano de desenvolvimento;

● abuso do álcool e da droga;

● taxa de reciclagem de papel;

● plantas de tratamento de água e de esgoto (em porcentagem da população


servida);
20

● emissões de dióxido de carbono (emissões industriais de CO2 em


toneladas métricas por milhão de dólares do PIB);

● leis ambientais;

● outros.

A otimização da aplicação dos recursos que dispõe o Estado para o combate


aos acidentes graves e fatais constitui iniciativa de interesse social. Assim é a
possibilidade de contribuir para que a intervenção da Justiça considere e exercite a
capacidade de repercutir sua ação também em prol da prevenção.

Como o encaminhamento pelo Poder Judiciário de processos judiciais


envolvendo acidentes de trabalho fatais à Fundacentro10 configura forma relevante de
cooperação entre as instituições, é producente que se estabeleça uma forma de
abordagem que atenda as expectativas de cada instituição em relação ao caso e
possibilite o melhor tratamento da demanda cumprindo tarefa de interesse da
sociedade. A realização de uma investigação e análise aprofundadas do acidente de
trabalho permite agregar às atividades de apuração de responsabilidades
empreendidas pelo Poder Judiciário algumas características de uma intervenção de
caráter prevencionista, ou seja, calcada na discriminação de componentes e situações
de trabalho presentes na rede de causalidade do acidente, visando sua eliminação e
controle. A idéia é que com uma boa investigação, a Justiça pode fazer mais que
justiça, pode gerar ganhos para a prevenção. Isso é possível quando o órgão da
Justiça é municiado com o produto de uma investigação aprofundada, que não se
limita às superficialidades e causas de caráter imediato do acidente objeto de
inquérito, mas avança na identificação de fatores potenciais de acidentes que
compareceram na sua rede de causalidade. Assim, no exercício de seu mister, o
órgão da Justiça pode instar a empresa envolvida a transformar situações de trabalho,
instalações e outros elementos passíveis de uma atitude preventiva. Mais que isso, a

10
A Fundacentro – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho é
entidade vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, instituída pela Lei Nº 5.161 de 21 de
outubro de 1966 e que tem como principal missão o desenvolvimento de estudos e pesquisas na área
de segurança e saúde no trabalho.
21

Justiça pode, em razão da experiência acumulada em casos específicos que guardem


interesse geral, promover mudanças pautadas pela prevenção em um coletivo de
empresas que possuam aqueles mesmos fatores potenciais de acidentes identificados
num determinado procedimento investigatório.

Cabe aqui, ainda, um esclarecimento àqueles que travarão contato com esta
dissertação. Embora a mineração esteja presente em diversas partes do texto, o
estudo de caso apresentado aborda acidente ocorrido durante a operação de uma
empilhadeira na plataforma de expedição e recebimento de materiais de uma empresa
do ramo eletro-eletrônico.

A relação do método da árvore de causas com a mineração é estreita.


Conforme relata Villatte (1990), entre os estudos que culminaram na publicação do
“Método Prático de Pesquisa de Fatores de Acidentes – Princípios para Aplicação”,
de autoria de Krawsky, Monteau e Cuny, em 1972, por meio do Informe INRS Nº
024/RE, há aqueles que foram ambientados nas minas e na siderurgia. Nesta
dissertação, em seu item 4.1 (A teoria dos sistemas e as árvores), quando buscamos
diferenciar a árvore de causas da árvore de falhas, o exemplo apresentado para a
primeira explora acidente ocorrido com um caminhão fora-de-estrada em uma
mineração a céu aberto.

Binder, Almeida, Monteau (1995), apresentam em seu trabalho o texto


“Método Prático de Pesquisa de Fatores de Acidente. Princípios e aplicação
experimental”, de M. Monteau, G. Krawsky e X. Cuny, publicado em 1974. Esse
trabalho compreende duas partes. A primeira apresenta um método de análise de
acidentes e a segunda mostra o relato de aplicação experimental desse método em
169 casos de acidentes de trabalho ocorridos nas minas de ferro da região francesa de
Lorraine (Villatte, 1990). Nessa aplicação foi realizado o tratamento estatístico dos
dados que, segundo Binder, Almeida, Monteau (1995), “possibilita diagnosticar
focos de risco, permitindo estabelecer política de prevenção eficaz”.

Essa aplicação experimental consistiu nas seguintes etapas:

a) Apresentação e formação.
22

Nessa etapa foi feita a exposição dos fundamentos do experimento a ser feito
nas minas, realizado um exame crítico dos métodos clássicos de investigação de
acidentes, uma demonstração detalhada dos princípios de aplicação do método
proposto e apresentação de alguns exemplos e sua discussão.

b) Coleta dos dados.

A aplicação do método prático, em particular nessa etapa, exige bom


conhecimento dos modos de operação habituais próprios de cada tipo de produção.
Isso não constituiu problema para a efetivação do experimento porque os
participantes eram todos voluntários que tinham em comum uma longa experiência
de trabalho e de segurança na empresa. A coleta de dados foi efetuada imediatamente
após a ocorrência do acidente pelos técnicos do serviço de segurança das empresas.

c) Tratamento dos dados.

Esse tratamento dos dados é constituído por duas fases, que são a construção
do diagrama e a compilação dos diagramas obtidos e posterior análise estatística.

É importante ressaltar que a escolha da mineração para desenvolvimento do


experimento se deu em função de duas grandes razões, quais sejam:

● homogeneidade operacional do setor (semelhança de técnicas de produção


e de organização da segurança no trabalho) e

● existência de condições práticas, como a existência de voluntários, para a


aplicação do método proposto.

Entre os ensinamentos obtidos com a experimentação realizada, é possível


destacar algumas providências relativas à prevenção, aplicáveis aos diversos aspectos
envolvidos no desenvolvimento de uma atividade no local de trabalho. Conforme
aponta Binder, Almeida, Monteau (1995), em relação aos indivíduos e às tarefas que
executam, temos:

● informar explícita e completamente aos operadores sobre os riscos


presentes em decorrência de comportamentos que adotam em certas
situações;
23

● informar com exatidão aos contramestres sobre os métodos de trabalho


efetivamente utilizados por seus subordinados;

● formar operadores em relação às condutas a adotar em casos de incidentes


(panes, perturbações etc.);

● organizar, de modo sistemático, reciclagens para orientar a utilização de


materiais novos;

● integrar à formação global a aprendizagem dos modos de operação das


tarefas acessórias;

● evitar confiar substituições a operadores menos qualificados.

Naquilo que é pertinente ao material e meio de trabalho, temos:

● melhorar a manutenção (não esperar a pane completa para remediar


avarias de funcionamento do material, evitar reparações improvisadas);

● controlar o estado e o funcionamento do material no próprio local de sua


utilização;

● transmitir as sugestões dos que utilizam as máquinas e os equipamentos


aos seus fabricantes (falta de soluções ergonômicas na concepção dos
mesmos);

● manter adequadamente as áreas de circulação destinadas aos pedestres.

Com referência à organização do trabalho, temos:

● evitar hiatos no desenvolvimento do processo de produção (coordenação


entre extração e transporte do minério);

● definir ou precisar certas funções (conserto, manutenção, transporte etc.);

● analisar de maneira aprofundada os incidentes e os desgastes de material,


da mesma forma que os acidentes de trabalho, visando a identificação
antecipada de medidas preventivas.

Não obstante a origem do método estar associada à mineração, sua aplicação


não é mais ou menos recomendada para cada caso em função do setor econômico
onde o acidente a ser investigado aconteceu. Conforme comentamos no texto, no
24

item 4.2.7 (Dificuldades à aplicação do método da árvore de causas) existem


circunstâncias que podem criar problemas à aplicação do método da árvore de
causas, mas essas circunstâncias não estão associadas ao tipo de atividade
econômica. Segundo Binder, Almeida, Monteau (1995), o método da árvore de
causas pode ser aplicado com bons resultados em qualquer empresa sob duas
condições:

● obtenção da colaboração dos funcionários em todos os níveis;

● existência de serviço de segurança motivado e equipado.

A essas duas condições acrescentaríamos a existência na empresa de uma


política clara em relação à investigação e análise de acidentes, preferencialmente
inserida em um sistema de gestão da segurança e saúde no trabalho. Assim, à medida
que os empreendimentos na área mineral vão adotando programas de gerenciamento
de riscos de base sistêmica, abre-se, conseqüentemente, espaço para a implantação de
métodos de investigação e análise de acidentes de trabalho que tenham a mesma base
conceitual, como é o método da árvore de causas.
25

4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS À INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES


DE TRABALHO E O MÉTODO DA ÁRVORE DE CAUSAS

A investigação e a análise de acidentes de trabalho constituem matéria


complexa e são múltiplas as possibilidades de abordagem passíveis de utilização
pelos profissionais que atuam na área de segurança e saúde no trabalho.

Essa multiplicidade das possibilidades de estudo do acidente de trabalho


importa a existência de muitas ferramentas de análise, como as patenteadas por
empresas de consultoria em segurança e saúde no trabalho, como Reason® (2001) e
aquelas desenvolvidas por grandes grupos empresariais, como o ICAM – Incident
Cause Analysis Method, aplicado pelo grupo BHPBilliton (2003). Nesse último caso,
o método pode ser para exclusivo uso interno e também vir a configurar um produto
comercializável, se estendendo assim para além da empresa ou do grupo de empresas
que o concebeu.

A literatura traz uma série de referências a métodos de investigação e análise,


como o Accident Evolution and Barrier Function Method (AEB), que concebe o
acidente como fruto da interação entre dois sistemas: o sistema humano e o sistema
técnico (Svenson; Lekberg; Johansson, 1999).

Drummond (2003), ao abordar a problemática do acidente de trabalho,


relaciona as seguintes ferramentas de investigação de acidentes:

● MES – Multilinear events sequencing;

● ECFC – Events and causal factors charting;

● FTA11 – Fault tree analysis;

● MORT – Management oversight and risk tree;

● STEP – Sequentially timed events plotting;

11
Sobre a inclusão da Análise de Árvore de Falhas entre as técnicas aplicáveis à investigação de
acidentes de trabalho, a presente dissertação traz algumas considerações críticas no item 4.1 (A teoria
dos Sistemas e as Árvores).
26

● SCAT – Systemic causal analysis technique;

● CMT – Causal tree method;

● WAIT – Work accidents investigation technique.

O Health and Safety Executive (2003), ao relacionar as técnicas de análise


das causas básicas, divide-as em grupos, como: as técnicas de árvores e as técnicas
de check list. No primeiro grupo encontramos:

● MORT – Management oversight and risk tree;

● HPIP – Human Performance Investigation Process;

● ERCAP – Event root cause analysis procedure.

Na categoria das técnicas de check list, encontramos:

● HPES – Human performance evaluation systems;

● SCAT – Systematic cause analysis technique;

● TOR – Technic of operation review;

● SACA – Systematic accident cause analysis.

Embora exista a possibilidade de inúmeras variantes entre as técnicas de


investigação de acidentes, há alguns aspectos condicionantes do processo de coleta
de informações que são comuns para que se obtenha aquilo que, à luz da técnica
aplicada, seja considerado um bom resultado. Esses aspectos são:

● não é aconselhável que transcorra muito tempo entre o acidente e a


investigação;

● o acesso ao local do acidente e registro das suas principais características


é muito importante para as análises que serão feitas;

● sempre que possível colher o depoimento da vítima ou de companheiros


de equipe que presenciaram o acidente;

● compreender a atividade que era realizada quando ocorreu o acidente;


27

● evitar fazer a investigação sozinho, pois nossa capacidade de percepção,


por vezes, nos reserva algumas armadilhas, de modo que o óbvio nos
passa desapercebido.

A década de 90 foi palco de uma tendência crescente em relação aos


acidentes industriais: a política adotada para eles, segundo Gibb; Hayward; Lowe
(2001), foi de promover uma investigação de caráter abrangente, permitindo o exame
dos fatores sistêmicos que potencialmente contribuíram para a ocorrência, sem
perder de vista o contexto no qual eles tomaram lugar. Segundo Carvalho (1984) “os
modelos de estudo do comportamento humano muito restritos ao estudo individual,
se podem ser úteis em alguns casos, têm o grande defeito de ser avaliados fora do
ambiente ou do “sistema” de trabalho”.

A tendência observada nos modelos causais é no sentido de incorporar, ao


estudo do comportamento humano, o estudo de fatores organizacionais. O modelo
preconizado pelo Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003)
trabalha com cinco categorias, conforme se observa na Figura 2 a seguir:

Material

Tarefa Ambiente

Gerenciamento Indivíduo

Fonte: Adaptado de Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003).

Figura 2. A causalidade dos acidentes segundo o CCOHS.


28

O Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003) identifica as


seguintes razões para que os acidentes de trabalho sejam investigados:

● atendimento a exigências legais;

● determinação de custos de acidentes;

● determinação da conformidade com regulamentos de segurança


aplicáveis.

No entanto, o produto mais importante gerado pela investigação e análise,


independentemente do cenário onde esse processo se desenvolva, é o aprendizado em
relação às causas e o tipo de dinâmica e encadeamento das diversas variações até a
deflagração do acidente. A possibilidade de exercitar esse aprendizado existe em
todos os cenários e faz com que também seja recomendável a investigação e análise
de acidentes sem qualquer lesão ou dano à propriedade (os chamados incidentes),
que também irão permitir a identificação de fatores potenciais de acidentes que são
passíveis de correção. A Foto 1, a seguir, exemplifica um incidente em uma
mineração a céu aberto que deve ser objeto de investigação e análise.
29

Fonte: BHPBilliton (2003).

Foto 1. Um incidente com veículos leve e pesado em mina a céu aberto.

O Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003), ao tratar o


tema relativo à análise de acidentes, faz uma série de recomendações visando dar
objetividade aos procedimentos adotados. Algumas orientações merecem citação e
comentário. São elas:

● Necessidade de imparcialidade: devem ser evitados os pré-


julgamentos, como aqueles que induzem à crença que o acidente foi fruto da
falta de cuidado do trabalhador. Se a conclusão for nesse sentido, a
recomendação é de que sejam formuladas algumas questões como: o
trabalhador estava distraído? Se sim, por quê?

Ao questionar a distração do trabalhador, a orientação vem no sentido de não


limitar a investigação à atitude da vítima ou de outros trabalhadores envolvidos,
buscando esclarecer a natureza da presumida distração. É com esse propósito que
30

ante a conclusão de que o trabalhador estava distraído, além de buscar entender a


motivação da distração, devem ser formuladas as seguintes questões:

● Havia um procedimento de trabalho seguro sendo seguido? Se não,


por que?

● Os dispositivos de segurança estavam em ordem? Se não, por que?

● O trabalhador era devidamente capacitado? Se não, por que?

É provável que ao responder essas questões a investigação revele aspectos


passíveis de correção, indo além da surrada “falta de atenção” dos trabalhadores.

Em relação ao modelo de análise, a sugestão é que sejam utilizados cinco


categorias de fatores, quais sejam: indivíduo, tarefa, material, ambiente e
gerenciamento. A proposta de trabalhar com essas categorias denuncia a visão
sistêmica da abordagem.

Para a etapa de coleta de dados as orientações são aquelas que se fazem de


praxe, como a realização de entrevistas, a coleta de evidências no local do acidente e
vistas a documentos que tragam subsídios para o desejado esclarecimento do
ocorrido. Acerca da formulação de conclusões quanto à causalidade, ressalta o
Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003) que a preocupação com
elas deve existir apenas depois de concluídas as etapas de coleta de dados e de
análise. Ainda em relação às conclusões, lembra que se faz necessário esclarecer se
elas apresentam algum tipo de evidência (classificadas como diretas ou indiretas) ou
baseiam-se em alguma suposição.

A entidade governamental britânica, da área de segurança e saúde no


trabalho, Health and Safety Executive - HSE, ao abordar a problemática da
investigação e análise de acidentes de trabalho evidencia preocupação em evitar
investigações superficiais, que se restrinjam às causas imediatas. Entre os
documentos acessíveis no sítio da Health and Safety Executive (2003) inclui-se o
tratado “Proposals for a new duty to investigate accidents, dangerous occurrences
and diseases” que estipula alguns atributos para a consecução de uma análise bem
sucedida. Esses atributos são os seguintes:
31

● adota a abordagem sistêmica;

● contempla diversos níveis hierárquicos julgados relevantes;

● utiliza protocolos na estruturação da análise;

● identifica causas imediatas e causas básicas (ou subjacentes);

● as recomendações não se limitam à correção dos desvios associados às


causas imediatas, mas atingem o grupo de causas referidas como
básicas;

● implementa as recomendações e atualiza as análises de risco;

● acompanha os resultados das ações implementadas com vistas à


redução de acidentes no futuro;

● propicia a retro-alimentação e o compartilhamento do aprendizado


gerado pela experiência;

● alimenta banco de dados acessível.

Além desses, existem outros aspectos presentes nesse mesmo tratado que
explicitam a aplicação dos conhecimentos gerados pela investigação e análise dos
acidentes de trabalho nas atividades reputadas como de prevenção.

Entre as possibilidades existentes, o método da árvore de causas se destaca,


tendo inclusive merecido citação na Enciclopédia de Segurança e Saúde Ocupacional
da OIT, no desenvolvimento do verbete “análise de acidentes”. O método da árvore
de causas é estruturado de acordo com uma visão compatível com a adotada nos
sistemas de gestão da segurança e saúde no trabalho, que vêm sendo divulgados por
importantes organismos estrangeiros e internacionais de pesquisa e normatização,
como a Organização Internacional do Trabalho; a British Standard Institution, da
Grã-Bretanha; a National Occupational Safety Association, da África do Sul e a
American Industrial Hygienists Association, dos Estados Unidos da América.

Essa afirmação, embora possa parecer, à primeira impressão, temerária do


ponto de vista metodológico, faz sentido, pois a doutrina que dá sustentação à árvore
de causas é a mesma que baliza a formulação dos diversos sistemas de gestão da
segurança e saúde no trabalho, é a abordagem sistêmica.
32

Se a proposta de gerenciamento tem caráter sistêmico, a concepção que se


tem do problema abordado também tem o mesmo caráter, afinal é necessária a
compatibilidade entre o mal e o remédio e este é concebido em função dos atributos
que se percebe naquele. No caso da árvore de causas sua aplicação se dá no âmbito
de uma abordagem sistêmica, de forma que seus achados não serão incompatíveis
com a abordagem praticada pelos sistemas de gerenciamento que são inspirados na
mesma concepção do problema.

A investigação de acidente é atividade de retro-alimentação para o sistema de


gestão da segurança e saúde no trabalho; é geradora de subsídios para o refinamento
do sistema de gestão adotado pela empresa. Se a abordagem do gerenciamento é
pautada pelo pensamento sistêmico, o subsídio necessário ao seu aprimoramento
deve ter o mesmo caráter. Dessa maneira, ao propiciar avançar na investigação e
análise do acidente para além das causas imediatas, a árvore de causas desvenda
elementos que, dado suas características, podem ser utilizados para o melhoramento
do sistema de gestão. A árvore de causas se mostra método que, se aplicado de forma
metodologicamente correta, constitui caminho para melhor compreensão e
investigação dos fatores que contribuem para as anomalias organizacionais,
identificando as deficiências da segurança antes que elas causem acidentes e
incrementando o desempenho da política de segurança da organização.

4.1 A teoria dos sistemas e as árvores

O desenvolvimento de uma técnica ocorre, entre outras formas, para o


atendimento de uma necessidade específica. Isso é particularmente evidente para
vários ramos da medicina e da engenharia e, mais recentemente para a engenharia
biomédica. A evolução do conhecimento pode confirmar ou negar a compreensão
que se tem de um determinado fenômeno e a importância de uma investigação
científica é função, dentre outros fatores envolvidos, da efetiva aplicação pelos atores
sociais do conhecimento que lhes é disponibilizado na compreensão e transformação
da realidade. A importância do mapeamento do código genético para a medicina é
exemplo inequívoco.
33

Em relação à ação gerencial necessária à prevenção de acidentes, Heinrich


(1941) afirmou ser compreensão comum que os métodos bem sucedidos para tal
propósito seriam similares àqueles usados no controle da produção, de maneira que o
gerenciamento industrial de então estaria bem aparelhado para solucionar seus
problemas relativos à segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é evidente que esse
conceito de Heinrich é um equívoco e que a segurança e saúde no trabalho, embora
esteja obviamente associada à concepção do trabalho, demanda ferramentas
específicas para sua gestão.

Na década de 50, expressões como “engenheiro de sistemas” e “engenharia


de sistemas” se tornaram correntes e os tratados sobre a metodologia dos sistemas
começaram a ser publicados (Checkland, 1989). Um marco para a Teoria dos
Sistemas foi a publicação em 1962 do trabalho de A. D. Hall entitulado “A
Methodology for Systems Engineering”. Esse trabalho foi muito difundido no âmbito
dos experimentos realizados nos Estados Unidos da América pelos Laboratórios Bell
Telephone na década de 60.

Foi na década de 60 que as técnicas da Engenharia de Sistemas foram


apresentadas ao prevencionismo civil; até então o desenvolvimento da engenharia de
sistemas era restrito aos campos da engenharia militar e aeroespacial, que
apresentaram condições propícias para tanto. Conforme referido por De Cicco;
Fantazzini (1985), muitas das técnicas aplicadas na Engenharia de Sistemas foram
desenvolvidas para o campo aeroespacial, particularmente num momento da história
da humanidade que ficou conhecido como “corrida espacial”.

Os tipos de atividades empreendidas nessas áreas implicam o trabalho com


sistemas complexos, onde a tolerância para a falha é zero e é obstinada a luta pela
eliminação do espaço representado pelo acaso, de maneira que a previsibilidade da
operação do sistema seja a maior possível.

A evolução do conhecimento relativo à compreensão do papel que a área de


segurança e saúde no trabalho desempenha para o sucesso da organização
empresarial é fator determinante para a mudança na atenção que as organizações
empresariais vêm dispensando ao tema. Programas de gestão que integram a
segurança e saúde no trabalho na matriz de gerenciamento da organização como o
34

“Atuação Responsável” da Associação Brasileira da Indústria Química – ABIQUIM


são bons exemplos (Brasil, 2001).

Buscar a prevenção dos infortúnios que ocorrem no ambiente de trabalho é o


principal objetivo do conhecimento desenvolvido na área de segurança e saúde no
trabalho. Para tanto, a Engenharia de Segurança do Trabalho foi buscar na
Engenharia de Sistemas uma série de ferramentas que aplicadas à gestão das
condições de trabalho ensejariam os meios necessários à preservação da integridade
dos trabalhadores e dos meios de produção. A aplicação de uma abordagem sistêmica
à questão da segurança e saúde no trabalho almeja, nas análises prévias de perigos e
no estudo das possibilidades de ocorrência de falhas, a consideração de todos os
elementos que estariam envolvidos na geração de falhas com potencial de causar
danos aos trabalhadores e às instalações. Temos disponíveis uma série de técnicas12
passíveis de aplicação na gestão das condições de trabalho, para que sejam
identificados os riscos que a concepção e execução do trabalho eventualmente podem
acarretar, possibilitando, assim, que sejam controlados ou eliminados. Algumas
dessas técnicas, como a Análise de Árvore de Falhas (AAF) e a Análise de Modos de
Falhas e Efeitos (AMFE), têm base sistêmica.

Entretanto, quando acontece o acidente de trabalho, mormente aqueles graves


e/ou fatais, a visão sistêmica13 da questão é pouco aplicada e o tratamento que é
dispensado à questão muitas vezes limita-se à cena do acidente e o modelo aplicado
de forma hegemônica é de caráter monocausal, onde o acidente ocorreria por um ato
inseguro do trabalhador ou por condições inseguras de trabalho.

Embora a noção de sistema tenha se difundido para diversos ramos do


conhecimento, Morin (1977) apud Morin (1998) afirma que “a teoria dos sistemas
não escavou seus próprios alicerces, não elucidou o conceito de sistema. Assim, o

12
Entre as técnicas mais tradicionais pode-se citar a Análise Preliminar de Riscos (APR); a Análise de
Modos de Falhas e Efeitos (AMFE); a Técnica de Incidentes Críticos (TIC) e a Análise de Árvores de
Falhas (AAF) (De Cicco; Fantazzini 1985).
13
A visão ou abordagem sistêmica é aqui considerada como o processo de busca da compreensão de
determinado fenômeno em uma perspectiva complexa, onde são considerados os elementos do sistema
e suas inter-relações.
35

sistema como paradigma permanece larvar, atrofiado, não esclarecido; a teoria dos
sistemas sofre, portanto, de carência fundamental: tende incessantemente a cair nos
trilhos reducionistas, simplificadores, mutilantes, manipuladores de que devia
libertar-se e libertar-nos”. Portanto, segundo Morin (1998) a generalidade atribuída à
noção de sistema não é suficiente para dar à noção de sistema seu lugar
epistemológico no universo conceitual. Com essa perspectiva, ao discutir o conceito
de sistema, Morin (1998) questiona se essa visão sistêmica constitui uma teoria ou
trata-se de um paradigma.

A noção de sistema que o milagre da vida nos propicia, ainda que seja
limitada nossa percepção, é que a organização é atributo imprescindível à vida e a
complexidade da fisiologia humana é exemplo eloqüente dessa compreensão. Assim,
organização é o conceito que disciplina as interações, estabelecendo estrutura e
padrões funcionais para o sistema.

Morin (1998) ao desenvolver o conceito de sistema busca apoio em três


conceitos que entende ser indissolúveis:

● “sistema (que exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo,


assim como o complexo das relações entre o todo e as partes);

● interação (que exprime o conjunto das relações, ações e retroações que se


efetuam e se tecem num sistema);

● organização (que exprime o caráter constitutivo dessas interações – aquilo


que forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que dá à idéia de
sistema a sua coluna vertebral)”.

De Cicco; Fantazzini (1985), na introdução de seus estudos sobre a


Engenharia de Segurança de Sistemas, definem sistema como um arranjo ordenado
de componentes que estão inter-relacionados e que atuam e interatuam com outros
sistemas, para cumprir uma tarefa ou função (objetivos) num determinado ambiente.
Nessa definição é relevante ressaltar a interação com outros sistemas, pois esse
aspecto é imprescindível à abordagem sistêmica da organização.

Uma definição para sistema que se mostra conceitualmente harmoniosa com


o método da árvore de causas é aquela utilizada na apresentação dos seus
36

fundamentos14, onde ele é tido como um conjunto de partes interdependentes,


articuladas em função de um fim e operantes de forma coordenada.

No entendimento de Villatte (1990), sistema é um conjunto de variáveis em


interação que têm um objetivo comum. Villatte (1990) nos proporciona algumas
definições importantes na Teoria dos Sistemas, quais sejam:

● entradas do sistema: é tudo aquilo que é introduzido no sistema, amiúde


são denominados por agentes ou fatores;

● saídas do sistema: trata-se do resultado do funcionamento do sistema,


também são designados pelos termos de rendimento ou produção;

● estrutura do sistema: caracteriza as relações entre os elementos ou


componentes do sistema;

● funções do sistema: são as transformações que fazem as entradas do


sistema tornarem-se saídas do sistema;

● funcionamento do sistema: trata-se do programa das transformações pelas


quais devem passar as entradas para chegar às saídas, é a ordem na qual as
funções dos elementos do sistema devem ser postas em jogo;

● restrições do sistema: são as condições ou as regras que o funcionamento


do sistema deve respeitar;

● entorno ou contexto do sistema: é tudo aquilo que está em contato com o


sistema sem que dele faça parte;

● objetivos do sistema: são os resultados que devem ser alcançados, são as


exigências as quais as saídas do sistema devem responder.

Para Villatte (1990), qualquer sistema para estar estabelecido deve responder
aos seus dois objetivos: alcançar seus objetivos externos (alcançar os objetivos para
os quais foi criado) e internos (assegurar sua própria sobrevivência).

14
Alguns conceitos fundamentais à aplicação da árvore de causas, entre eles o conceito de sistema,
são apresentados no item 4.2.1 (Os Fundamentos do Método).
37

Conforme enunciado por Kennedy (1962) apud Villatte (1990), “um sistema
homens-máquinas é uma organização dentro da qual os elementos que a compõem
são homens e máquinas que trabalham juntos para alcançar um objetivo comum e
que se encontram ligados entre si mediante uma rede de comunicações. Ainda no
propósito de bem conceituar um sistema homens-máquinas, McCornick (1964) apud
Villatte (1990) afirma que: “um sistema homem-máquina pode ser definido como
uma combinação operatória de um ou vários homens com um ou vários elementos
que interatuam para obter certos resultados (saídas) a partir de insumos determinados
(entradas), tendo em conta as exigências de um contexto determinado”.

O sistema comporta duas importantes propriedades relacionadas a sua


funcionalidade que são a estabilidade e a confiabilidade. Estabilidade é o atributo do
sistema que permanentemente atende os objetivos que para ele foram definidos,
enquanto a confiabilidade é a probabilidade de o sistema, dentro de limites pré-
fixados, operar sem falhas durante um determinado espaço de tempo.

Um sistema estável é aquele que consegue assimilar ou contornar variações


indesejadas em seus componentes ou na relação entre os componentes, de maneira
que continue, como um todo, atendendo seus objetivos. Em toda situação de trabalho
é normal o aparecimento de variações, imprevistos e injunções das mais variadas
ordens, que ao surgirem, ensejam um processo de recuperação (Villatte, 1990). Esse
processo de recuperação visa o restabelecimento da funcionalidade do sistema, de
modo que parece razoável inferir que a estabilidade do sistema é função direta da sua
capacidade em promover uma recuperação de forma que a variação percebida não
propague-se pelo sistema ou o faça sem causar comprometimento do sistema na
consecução de seus objetivos.

É na Teoria dos Sistemas onde primeiro observamos a aplicação das árvores


como ferramenta de análise. Num processo de planejamento, as árvores de decisão,
através de suas múltiplas ramificações, representam várias condições alternativas
descrevendo os caminhos a serem seguidos.

Na engenharia de produção, as árvores são empregadas para representar e


planificar a manufatura. É possível, através da representação esquemática da rede de
dependências presente num determinado sistema de produção, determinar os pontos
38

de maior vulnerabilidade, os chamados pontos críticos e, em função de tais achados,


engendrar as cautelas necessárias, de caráter material ou organizacional, necessárias
à continuidade da operação em caso de falha ou disfunção de um ou mais elementos
do sistema.

A identificação das relações de dependência entre os insumos e produtos


semi-acabados na árvore que representa a planificação da manufatura de um
determinado bem, associada ao tempo, enquanto parâmetro de produção, permitiu a
formulação de estratégias empresariais como a denominada Just-in-Time.

Aplicadas aos acidentes, as árvores e a Teoria dos Sistemas, como um todo,


passaram a ter destaque, inicialmente, não para o acidente do trabalho, mas para as
companhias de seguros e para a engenharia militar. Para essa aplicação, as árvores
foram denominadas, na Teoria dos Sistemas, de Árvores de Falhas.

A Análise das Árvores de Falhas foi desenvolvida pelos Laboratórios Bell


Telephone, em 1962, a pedido da Força Aérea Americana, para uso no sistema do
míssil balístico intercontinental "Minuteman" (De Cicco; Fantazzini, 1985). O estudo
dos Laboratórios Bell Telephone foi empreendido para a determinação das
combinações de eventos e circunstâncias que poderiam causar certas catástrofes
específicas, uma das quais era um lançamento não autorizado do míssil.

Em grandes linhas, o método da árvore de falhas pode ser descrito como


tendo duas fases: a primeira seria a seleção de um evento indesejável e a composição
de um inventário de todos os fatores intervenientes e a segunda fase consistiria na
diagramação de eventos compondo o esquema que é chamado de árvore. A relação
entre os eventos é definida por comportas lógicas que podem ensejar processamento
matemático, quando se deseja o cálculo de probabilidades. Segundo De Cicco;
Fantazzini (1985), a simples diagramação seguindo a estrutura lógica da árvore de
falhas já descortina um grande número de informações ao analista, permitindo-lhe
uma visão bastante clara da questão.

À guiza de exemplificação, apresentamos na Figura 3 um caso que embora


singelo serve para esclarecer os principais aspectos e propósitos que estão envolvidos
39

na árvore de falhas. Trata-se de árvore de falhas construída para um sistema de


alarme de fogo domiciliar.

Conforme se constata no diagrama apresentado, existem sensores tanto no


primeiro piso como no segundo. Esses sensores estão conectados ao alarme que é
energizado por meio do circuito doméstico. O evento topo, que se deseja evitar, é a
presença de fogo e o não funcionamento do alarme.

ÁRVORE DE FALHAS PARA SISTEMA


DE ALARME DE FOGO DOMICILIAR

Fogo sem
alarme

Fogo no 1º Fogo no 2º
piso sem piso sem
alarme alarme

Fogo no Alarme incapaz Fogo no Alarme incapaz


1º Piso de responder 2º Piso de responder
a fogo no 1º piso a fogo no 2º piso

T
Alarme Sensor Alarme Sensor
inoperante 1º piso inoperante 2º piso
falhou falhou

Alarme Linhas do
sensor
falhou Não há falharam
potência
no sistema

Falha na Não há
potência
linha de
comercial
potência

Fonte: Adaptado de De Cicco; Fantazzini (1985).


Figura 3. Árvore de Falhas para sistema de alarme de fogo domiciliar.
40

Conforme se pode perceber nesse diagrama, existem dois tipos de comportas:


OU e E que se manifestam nas seguintes circunstâncias:

a) o evento indesejado poderá ocorrer se houver um incêndio no primeiro piso


sem alarme OU um incêndio no segundo piso sem alarme;

b) incêndio no primeiro sem alarme implica a presença do incêndio E o não


funcionamento do alarme;

c) a falha do alarme pode se dar em função de falha do sensor do primeiro piso


OU se o próprio alarme estiver inoperante;

d) o alarme inoperante se deve a uma falha intrínseca (um componente como a


“cigarra” falhou) OU se não houver potência OU ainda se as linhas do sensor
falharem;

e) a ausência de potência capaz de fazer operar o alarme pode ocorrer se a linha


de potência falhar OU se a concessionária não estiver fornecendo energia.

A árvore da Figura 3 foi desenvolvida apenas para o ramo relativo ao


primeiro piso, sendo que o mesmo raciocínio deve ser aplicado ao ramo relativo ao
outro piso. Essa condição é explicitada pela aposição do símbolo de transferência no
ponto a partir do qual o desenvolvimento é análogo àquele feito para o primeiro piso
(De Cicco; Fantazzini 1985). Um segundo nível de tratamento das informações
expostas no diagrama é a introdução dos cálculos que irão permitir, conforme já
referimos, a determinação da probabilidade de ocorrência do evento topo.

Conforme vimos, a árvore de falhas é construída sobre possibilidades, trata


com hipóteses que se materializando de determinada forma pode ensejar a ocorrência
de um fato para o qual se pretende a prevenção.

Só na década de 70, com os trabalhos publicados pelo INRS15, a árvore,


enquanto recurso de diagramação da aplicação do raciocínio lógico no
equacionamento de um determinado problema, foi utilizada na análise dos acidentes
de trabalho, recebendo o nome de árvore de causas.

15
A sigla INRS refere-se ao Institut National de Recherche et de Sécurité, da França, que tem como
objetivo a saúde e a segurança do homem no trabalho.
41

Assim como foi entendido para a árvore de falhas, o método da árvore de


causas também pode ser resumido em duas grandes etapas: a primeira ocorre com o
desenvolvimento do processo de coleta e tratamento das informações e a segunda é
realizada com a construção do diagrama que, a exemplo do estudo das falhas, se
assemelha a uma árvore que acaba sugerindo o nome das duas ferramentas de
análise.

A construção desse diagrama se dá em função das relações identificadas entre


os fatos coletados, cujas possibilidades encontram-se sintetizadas no Quadro 3
(Representação dos tipos de ligações entre antecedentes no diagrama).

Com o propósito de poder estabelecer uma comparação entre os dois


diagramas, o de falhas e o de causas, apresentamos a seguir um caso de acidente
ocorrido em uma mina a céu aberto onde foi aplicado o método da árvore de causas.

Consideremos como exemplo o caso de um acidente cujo resumo é o


seguinte: o operador de um caminhão fora-de-estrada, que transporta material estéril
para o bota-fora da mina, tomou como caminho uma rampa muito inclinada. Ao
tentar frear no declive os freios não respondem e o caminhão que havia sido
sobrecarregado, colide contra um barranco e o operador é ferido sem gravidade na
cabeça.

Na coleta de informações realizada constatou-se que o caminhão fora-de-


estrada utilizado era o caminhão reserva, pois o titular estava em reparos e que os
freios do caminhão reserva não estavam em boas condições. Além disso, obteve-se a
informação de que o caminho que usualmente o operador tomava, que era mais
extenso e menos inclinado, estava impedido por conta de operações programadas
pela gerência de produção. O diagrama construído com base nas regras do método é
apresentado na Figura 4, a seguir:
42

MT1 T1 MT3

Pista habitual Mudança de Rampa


impraticável itinerário muito
inclinada

T2

Falta de revisão
nos freios do M3 M4 T3 I1
caminhão reserva

Freios em Resposta Colisão Lesão no


M1 M2 condição insuficiente contra operador
precária dos freios barranco
Caminhão Utilização de
habitual fora caminhão
de operação reserva T2

Sobrecarga do
caminhão

Fonte: Adaptado de Villatte (1990).


Figura 4. Árvore de causas de um acidente com caminhão fora-de-estrada.

Conforme se pode observar, as duas ferramentas de análise detém algumas


semelhanças, além da estética que lhes rende o nome. Por exemplo: ambas utilizam,
para construção do diagrama, um procedimento que Villatte (1990) chama de
ascendente, ou seja, parte-se de um evento em particular e arrola-se, progressiva e
metodologicamente, uma série de fatos que estariam envolvidos na causalidade do
evento de origem, que na árvore de falhas trata-se do evento topo, que se deseja
evitar, e na árvore de causas trata-se do acidente investigado.

A árvore de falhas trabalha com um fato que hipoteticamente pode ocorrer,


sendo viável até calcular a probabilidade desse fato ocorrer, em função da
combinação lógica de um conjunto de acontecimentos identificados como sendo
possíveis, enquanto a árvore de causas opera com um fato realmente ocorrido e
representa gráfica e logicamente as combinações de fatos que realmente ocorreram
no sistema considerado e que confluíram para o acidente ou incidente objeto de
investigação e análise.
43

É plausível a aplicação da Análise de Árvore de Falhas para a investigação de


ocorrências indesejadas em sistemas com as características que Perrow (1984)
denomina de firme acoplamento, onde dependências exclusivas e bem definidas são
traço marcante no padrão de inter-relações apresentado pela funcionalidade do
sistema.

Embora possa ser possível a utilização da Análise de Árvore de Falhas para a


investigação de alguma classe de acidentes, não é cabível considerá-la uma
ferramenta de investigação e análise de acidentes do trabalho. A Análise de Árvore
de Falhas é, com toda propriedade, uma ferramenta aplicada nas atividades comuns
aos programas de gerenciamento de riscos16, como técnica adequada à antecipação,
num determinado tipo de sistema, das variações e suas combinações que acontecendo
teriam conseqüência nefasta para o sistema sob análise.

Utilizando a terminologia da Análise da Árvore de Falhas, temos que a árvore


de causas tem, como fruto do critério fixado para o estabelecimento das ligações17
entre os fatos, apenas uma comporta, a comporta E. A árvore de falhas, por sua vez,
apresenta duas comportas no diagrama, ou seja, as comportas E e OU. Essa diferença
decorre de que a árvore de causas trabalha com fatos e a árvore de falhas trabalha

16
Segundo a Norma Regulamentadora 22, da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e
Emprego, que trata da segurança e saúde no trabalho na mineração, o programa de gerenciamento de
riscos é composto pelas seguintes etapas (Saliba; Saliba, 2002):

a) antecipação e identificação de fatores de risco, levando-se em conta, inclusive, as informações do


Mapa de Risco elaborado pela CIPAMIN, quando houver;

b) avaliação dos fatores de risco e da exposição dos trabalhadores;

c) estabelecimento de prioridades, metas e cronograma;

d) acompanhamento das medidas de controle implementadas;

e) monitorização da exposição aos fatores de riscos;

f) registro e manutenção dos dados por, no mínimo, vinte anos e

g) avaliação periódica do programa.

17
Os tipos de ligações possíveis, suas representações e propriedades são apresentados no item 4.2.5
(As Relações entre as Variações dos Componentes).
44

com hipóteses. A grande virtude da árvore de causas é possibilitar num contexto pós-
acidente a possibilidade de aplicar uma ferramenta que é, por essência, multicausal.
Assim, as duas árvores se complementam: a análise a priori que a árvore de falhas
propicia e a análise a posteriori que se faz por meio da árvore de causas são capazes
de evidenciar aspectos úteis para o melhoramento contínuo da política de segurança e
saúde no trabalho da empresa.

4.2 A árvore de causas

A metodologia de análise de acidentes do trabalho que é o principal


argumento teórico da presente dissertação foi introduzida pelo INRS - Institut
National de Recherche et de Sécurité - na França, quando seus primeiros
fundamentos foram publicados em 1970 no texto intitulado "Prática de Análise de
Acidentes de Trabalho na Perspectiva Sócio-Técnica da Ergonomia de Sistemas", de
autoria de Cuny e Krawsky (Binder; Almeida; Monteau, 1995).

Conforme Binder, Almeida, Monteau (1995), dois anos depois, o INRS


publicaria o "Método Prático de Pesquisa de Fatores de Acidentes - Princípios para
Aplicação", de autoria de Krawsky, Monteau e Cuny. É esse texto que embasa o
resumo do método da árvore de causas que está a seguir.

Como no mundo do trabalho o propósito maior de qualquer atividade que se


pretende prevencionista é o incremento da capacidade de prevenir os acidentes de
trabalho, o método da árvore de causas se orienta a partir da premissa de que um
melhor conhecimento sobre a rede de fatores causais envolvida na gênese do
acidente é de grande importância para a prática da prevenção.

Binder; Monteau; Almeida (1995) entendem que, frente à complexidade das


situações de trabalho, faz-se necessário uma forma de analisar os acidentes que
consiga atender os seguintes objetivos:

a) instrumentalizar a busca sistemática de dados, para a pesquisa dos elementos


característicos do acidente e
45

b) permitir identificar fatores de risco comuns a diferentes situações de trabalho,


visando sua eliminação.

Na aplicação da árvore de causas constitui etapa de suma importância a


formalização do diagrama que, por ter caráter sinótico em relação ao acidente,
suporta análises que vão além das evidências imediatas ou superficiais.

Cada elemento do diagrama representa uma situação, uma condição


permanente ou transitória àquela situação estudada, que é referida como antecedente.
A permanência ou transitoriedade do antecedente implica sua classificação em duas
categorias: antecedentes-estados e antecedentes-variações. Os primeiros seriam
descrição de aspectos usuais no contexto de trabalho considerado, enquanto as
variações pertinem às mudanças percebidas nesse mesmo contexto.

A conceituação daquilo que não se altera no ambiente de trabalho é simples,


mas daquilo que é variação não é, pois a mudança, em função de sua relatividade,
exige a adoção de referências, de parâmetros para comparação. Essa discussão,
embora pertinente para os estudiosos do método, não apresenta maior interesse
prático para a construção do diagrama, que independentemente da categoria do
antecedente, busca por meio das relações identificadas entre eles, entender e explicar
a dinâmica envolvida na ocorrência do acidente.

Na abordagem sistêmica que se impõe, o acidente é conceituado como uma


das manifestações de disfunção do sistema, já que a empresa é assim percebida.
Dessa maneira, uma série de eventos anômalos da empresa, classificáveis como
disfunções, poderiam ser objeto de análise por meio do método. Entre esses eventos
estariam inclusos os incidentes, os desperdícios de matéria-prima, a freqüência
anormal de manutenção corretiva, a taxa anormal de defeitos ou de retrabalho e o
funcionamento anormal das instalações, entre outros.

Conforme esclarecem Binder, Monteau, Almeida (1995), em situações


análogas a utilização da árvore de causas deverá redundar em bons resultados, desde
que sejam observadas duas condições: obtenção da colaboração dos trabalhadores de
todos os níveis hierárquicos e a existência de serviço de segurança com boas
condições de trabalho tanto técnicas como administrativas.
46

4.2.1 Os Fundamentos do método

Conforme explicitado no “Método Prático de Pesquisa de Fatores de


Acidentes. Princípios e Aplicação Experimental”, publicado em 1972 na França pelo
INRS, algumas noções são essenciais à aplicação do método (Binder; Almeida;
Monteau, 1995).

O acidente de trabalho é aqui apreendido como um acontecimento complexo


que, mesmo aparentando eventual simplicidade, embute a mobilização de uma
diversificada gama de fatores interdependentes. Assim, o acidente será apreendido
como o derradeiro evento de uma série de perturbações ou variações dos
componentes, ocorridas durante o desenvolvimento de uma atividade por parte da
vítima ou de seus companheiros de trabalho.

Na condição de método de investigação e análise de acidentes de trabalho, a


árvore de causas não pode prescindir da formulação de alguns conceitos que irão
operar como base para a construção da teoria. O primeiro conceito a ser incorporado
é o da abordagem sistêmica.

Conforme Boulding (1956) apud Lieber (1998), “a abordagem sistêmica é a


maneira como pensar sobre o trabalho de gerenciar. Ela fornece uma estrutura para
visualizar os fatores ambientais internos e externos como um todo integrado. (...) Os
conceitos sistêmicos criam uma maneira de pensar a qual, de um lado, ajuda o
gerente a reconhecer a natureza de problemas complexos e, por isso, ajuda a operar
dentro do ambiente percebido. (...) Mas é importante reconhecer que os sistemas
empresariais são uma parte de sistemas maiores (...) e estão num constante estado de
mudança...”.

Os conceitos principais, imprescindíveis ao desenvolvimento de uma


determinada técnica ou método de investigação de acidentes de trabalho são aqueles
relacionados às noções de empresa e de acidente. O segundo porque se trata do
objeto a ser pesquisado e o primeiro por ser o meio no qual ocorre o acidente e onde
está parte expressiva dos fatores envolvidos na sua geração.
47

Existem variadas formas possíveis de utilização para descrever uma empresa,


que irão variar em função do interesse objetivo e da disciplina envolvida na
abordagem. É possível representá-la em gráficos, fluxogramas, proporções,
organogramas, balanços e estatísticas das mais variadas.

De uma forma ampla, e considerando seu papel na ordem social vigente, uma
acepção concorde com os princípios das Ciências Econômicas seria que a empresa é
uma “organização econômica destinada à produção ou venda de mercadorias ou
serviços, tendo em geral como objetivo o lucro”. É essa a compreensão de empresa
explicitada no Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio Buarque de Holanda
(Ferreira, 1975). Aqui, o termo “organização” é usado para referir-se à empresa,
como um todo. Entretanto, organização também pode ser entendida como uma das
funções administrativas, que acompanha o planejamento18 e contempla a designação
de tarefas, a forma como elas serão agrupadas e distribuídas entre os departamentos e
quais os recursos que serão alocados em cada um desses departamentos (Daft, 1999).

Neste texto o termo organização é entendido como aquele definido por Daft
(1999 p.7), segundo o qual “organização é uma entidade social que é direcionada ao
objetivo e deliberadamente estruturada. Entidade social quer dizer constituída por
duas ou mais pessoas. Direcionada ao objetivo significa destinada a atingir certos
resultados, como obter lucros, obter aumentos de salários para seus membros,
satisfazer necessidades espirituais ou prover satisfação social. Deliberadamente
estruturada quer dizer que as tarefas são divididas e as responsabilidades para o seu
desempenho são atribuídas aos membros da organização”.

Com o propósito de evitar confusão entre os termos organização e empresa, a


segunda é entendida, neste texto, como um exemplo particular da primeira.

Essa conceituação de empresa recorre à idéia que temos de organização.


Dessa forma, a conceituação de organização é fundamental para uma compreensão
da empresa que seja harmoniosa com as bases necessárias à aplicação do método da
árvore de causas. Esse cuidado se faz de suma importância, pois uma organização

18
Planejamento significa a definição de metas para o desempenho organizacional futuro, bem como a
decisão sobre as tarefas e o uso de recursos necessários para a sua realização (Daft, 1999).
48

pode se estruturar de uma maneira que, não necessariamente, seja sistêmica. Pode,
por exemplo, estar organizada de maneira que sua funcionalidade assuma caráter
sistemático, previsível e reprodutível sem, no entanto, operar como um sistema. Uma
compreensão de caráter sistêmico para organização encontra-se em Morin (1998),
para quem “uma organização constitui e mantém um conjunto ou ‘todo’ não
redutível às partes, porque dispõe de qualidades emergentes e de coações próprias, e
comporta retroação das qualidades emergentes do ‘todo’ sobre as partes”.

Assim, o sistema seria mais que um conjunto de elementos, materiais ou


idéias, seria um conjunto de elementos, materiais ou idéias entre os quais se possa
encontrar ou definir alguma relação. Como a organização pode ser conceituada como
o modo pelo qual se organiza um sistema, a empresa pode ser apreendida como um
conjunto de indivíduos que atuam de maneira cooperativa visando um objetivo
econômico comum, ou seja, a empresa pode ser entendida como um sistema,
entendido como um conjunto de partes interdependentes, articuladas em função de
um fim e operantes de forma coordenada. Embora não seja parte integrante dessa
compreensão, no caso de alguns sistemas específicos, como a empresa, essa
funcionalidade é regulamentada e opera dentro de uma faixa de expectativas
previamente estipulada. Há uma tolerabilidade intrínseca do sistema quanto à
variabilidade das relações entre seus componentes e entre o sistema e os demais
sistemas que com ele possuam interface ou inter-relações.

No caso do sistema de produção isso se consubstancia nas variações


permitidas ou toleradas nas especificações dos insumos. De acordo com a Teoria dos
Sistemas, as condições ou as regras que o funcionamento do sistema deve respeitar
são as chamadas restrições do sistema (Villatte, 1990).

Para Villatte (1990), “uma empresa está composta por elementos que ela
organiza com vistas a alcançar certos objetivos (principalmente produzir bens e
serviços) dentro de um ambiente definido. Os elementos que a compõem não estão
simplesmente justapostos. Entre eles existe uma importante rede de relações: são
interdependentes. Podemos então definir empresa como sistema”.
49

Assim, a consecução do objetivo principal da empresa é a evidência de seu


funcionamento de acordo com o planejado e os revezes, como o acidente de trabalho,
seriam a materialização de uma disfunção do sistema.

Se alguém lhe pedir para definir o que é um acidente, por certo você
encontrará algumas dificuldades. A resposta não é imediata, mesmo por que sua
completa conformação irá ocorrer em função de outras informações que permitam a
correta contextualização da questão proposta.

A definição que encontramos usualmente para a palavra acidente nos


dicionários é de caráter geral e contém conceitos como: evento não planejado,
inesperado, não desejado, infeliz, não intencional, desfavorável, inconveniente,
fortuito, prejudicial etc. (Ferreira, 1975). A definição mais geral é completada
considerando-se a noção de perda ou dano provocado por essa classe de eventos. A
perda poderá ser de caráter material ou pessoal. É comum que o acidente seja
definido pelo efeito que causa, pela reação ou sentimento que provoca ou por uma
concepção da sua própria causalidade.

Segundo o Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003), o


acidente pode ser definido como um evento não planejado, que interrompe uma
atividade, impedindo que seja completada e que pode (ou não) incluir lesão ou dano
à propriedade.

Em obra dedicada a formar sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores


em segurança e saúde no trabalho, tem-se a seguinte definição de acidente de
trabalho: “acidente de trabalho é o acontecimento fortuito que ocorre pelo exercício
do trabalho, provocando lesão corporal, distúrbio psicológico ou perturbação
funcional e que causa a morte, a perda ou redução, temporária ou permanente, da
capacidade para o trabalho” (BRASIL, 1995, p. 81).

Essa definição mistura uma visão fatalista do acidente, quando debita sua
ocorrência a uma eventualidade, com a abordagem que se pratica no mérito
previdenciário, pondo o foco na conseqüência do acidente para a vítima.

Conforme Drummond (2003), o acidente é:

• evento não intencional e indesejado;


50

• evento não planejado, inesperado em uma seqüência de eventos, que resulta


dano físico, lesão ou doença para um indivíduo, prejuízos à propriedade, uma
quase perda ou qualquer combinação desses efeitos;

• falha de um indivíduo ao enfrentar a verdadeira situação a ele apresentada.

Para Morin (1998) a mutação das espécies seria um exemplo de acidente,


onde este surgiria no momento da cópia da mensagem hereditária, que a modifica, ou
seja, modifica o sistema vivo que vai determinar.

Não é evidente e tampouco é imediata a definição do acidente pelo acidente.


Assim como Reason (1993) fez referência aos estudos da Psicologia Cognitiva em
relação ao erro humano como o estudo dos erros por eles mesmos, é cabível aventar
a possibilidade de conceituar o acidente por ele próprio, também. Não caberia numa
formulação dessa categoria qualquer referência a conseqüências ou presumíveis
causalidades.

O fascínio visual que exerce uma cachoeira com queda d’água bem alta só
existe porque um grande acidente topográfico ali está presente, simplesmente. Essa
acepção de acidente que o estudo da Topografia permite não está atrelada a qualquer
causa ou efeito e isso é interessante se há a preocupação de buscar uma significação
de caráter ontológico para o acidente enquanto fenômeno.

Se essa busca ocorrer à luz da visão sistêmica, o acidente será apreendido


como uma forma de ruptura, de uma variação, de uma disrupção no funcionamento
do sistema. Assim, teríamos que o acidente é uma variação, ou a materialização de
uma anomalia. Como nem toda variação irá caracterizar um acidente, cabe
estabelecer alguns critérios para que uma variação determinada seja assim
considerada. Esses critérios podem ser de duas categorias: ou são parâmetros que
estabelecem faixas “toleráveis” para as variações ou são definidos pelas
conseqüências que provocam. Essa última hipótese é a mais tradicional do mundo do
trabalho onde se diferenciam os acidentes dos incidentes em função do impacto que
causam. Nessa perspectiva, Villatte (1990) define acidente como uma conseqüência
não desejada do funcionamento do sistema, que está vinculado com a integridade
física do elemento humano desse sistema.
51

Para Binder; Monteau; Almeida (1995) o acidente é uma das manifestações


de disfunção do sistema, capaz de revelar o caráter patológico de seu funcionamento.

Não podemos deixar de considerar que os incidentes sem qualquer perda


tangível e aqueles com alguma perda material também são indicadores de falta de
segurança na operação ou no funcionamento do sistema e constituem oportunidade
para a prática da prevenção. Uma quase perda seria algo como um sobressalto, como
uma variação muito abrupta no funcionamento do sistema, para a qual o sistema
respondeu de forma satisfatória, permitindo a continuidade de sua operação sem o
registro de perdas tangíveis.

A maneira na qual é descrito o acidente de trabalho é função em muito


dependente da compreensão que se tem dos modos de produção de bens e serviços. A
forma como se vê o contexto, no qual é gerado o fenômeno, influencia fortemente a
forma na qual ele será descrito. Essa visão da realidade é individual e também
depende do perfil profissional do analista. Svenson; Lekberg; Johansson (1999)
afirmam que as análises de acidentes expõem diferenças quanto às conclusões e
recomendações de melhoramentos dos ambientes de trabalho em função do propósito
da análise e da capacitação profissional básica do analista.

Compreendendo a empresa como um sistema, o acidente fica bem


caracterizado como uma anomalia que nela se manifesta, revelando um não
funcionamento ou um funcionamento defeituoso do seu processo de produção.

É natural que a visão que é dirigida ao fenômeno pelas instituições que


intervêm quando de sua ocorrência mostrem algumas diferenças. A significação do
acidente irá variar em função da instituição envolvida, de forma que a abordagem
que lhe dedica uma companhia seguradora é diferente daquela levada a cabo para
atender o regulamento de concessão de benefícios do sistema de seguridade social
vigente.

Exemplificando, a definição consagrada pela Previdência Social no Brasil é a


seguinte: “Acidente de trabalho é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a
serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a
morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o
52

trabalho”. Como se observa, nessa definição não há qualquer menção às perdas de


outra natureza que são provocadas pelo acidente; o foco da Seguridade Social está
centrado no indivíduo que é o objeto da intervenção da instituição previdenciária.

Partindo de uma perspectiva sistêmica, segundo Binder; Monteau; Almeida


(1995), o acidente de trabalho emerge como uma das manifestações de disfunção do
sistema. Essa disfunção seria o não funcionamento ou o funcionamento de um ou
mais componentes fora de uma envoltória de expectativas previamente estabelecida
para o sistema considerado.

Todo acidente acontece durante o desenvolvimento de uma atividade ou de


um processo de realização de uma determinada tarefa. Essa atividade não
necessariamente é desenvolvida pelo indivíduo identificado como a vítima do
acidente, mas com ele mantém obrigatória interface e influência.

4.2.2 A atividade como unidade de análise

A execução de uma determinada tarefa pelo indivíduo no ambiente de


trabalho não é um fato que possa ser visto de uma maneira isolada, mormente porque
assim não é. O primeiro pressuposto é que essa tarefa é executada no âmbito de um
sistema, de maneira que há que ser considerada sua relação com outros elementos.
Alguns elementos associados à execução da tarefa são de identificação imediata: o
primeiro, obviamente, é o indivíduo trabalhador que executa a tarefa em foco; o
segundo é o material utilizado pelo indivíduo para execução da tarefa e o terceiro
elemento é o local onde isso ocorre, ou seja, o meio de trabalho.

Assim, temos um indivíduo num determinado meio de trabalho realizando


uma determinada tarefa com o concurso de determinados materiais. O conjunto
representado por esses quatro componentes irá definir uma unidade de análise
denominada atividade. Assim, a atividade corresponde à fração do trabalho realizada
pelo indivíduo no sistema de produção considerado, sendo que a cada indivíduo está
relacionada uma atividade. Num único acidente pode-se ter o concurso de várias
53

atividades desde que elas comportem relacionamento entre seus componentes. As


definições para esses quatro componentes que formam a atividade são as seguintes:

a) o indivíduo (I): compreende a pessoa física e psicológica que exerce suas


atividades na empresa, ou seja, comporta aspectos extraprofissionais. No acidente
pode tratar-se da vítima, de identificação imediata, ou de outras pessoas que exercem
atividades com relação mais ou menos direta com a atividade da vítima, como
integrantes da mesma equipe, encarregados, líderes de produção etc.;

b) a tarefa (T): refere-se, de maneira geral às ações do indivíduo que intervêm na


produção parcial ou total de determinado bem ou serviço; como exemplo citaríamos:
chegar a uma frente de lavra; posicionar uma carreta de perfuração, acoplar as hastes,
carregar um plano-de-fogo etc.;

c) o material (M): termo utilizado para designar os itens do conjunto de meios


técnicos e materiais colocados à disposição do indivíduo para a execução da tarefa.
Exemplos seriam um caminhão fora-de-estrada, uma carreta de perfuração, um
conjunto de hastes, um rolo de cordel detonante, uma coleção de retardos etc.;

d) o meio de trabalho (MT): relaciona-se ao contexto físico e social que circunscreve


a execução da tarefa pelo indivíduo; uma frente de lavra ou uma bancada são
exemplos.

Esses quatro componentes são capazes de, ao serem considerados em


conjunto, caracterizar a situação de trabalho de maneira exaustiva, permitindo a
identificação das variações envolvidas com a ocorrência do acidente. Na verdade os
componentes têm o papel de instrumentalizar a busca pela identificação do que
realmente mudou na situação de trabalho com o acidente, em relação à situação de
trabalho sem o acidente.

4.2.3 A variação dos componentes

A perturbação causada pela existência de uma determinada situação anômala


implica ou induz variações sucessivas de outros componentes do sistema,
54

culminando no acidente. Assim, a investigação do acidente consistirá na


determinação de todas as perturbações, alterações ou anomalias, designadas pelo
termo geral variação, ocorridas nos componentes da atividade. Uma variação pode
ser mais ou menos repentina, podendo ocorrer nas proximidades físicas ou temporais
do acidente ou não, devendo ser avaliada em relação ao desenrolar usual do trabalho
pelo indivíduo, seja a vítima ou não, ao qual está relacionada a atividade. Isso posto,
não cabe na fase de coleta de dados qualquer referência ou consideração quanto ao
modo de operação formal, conforme descrito em normas ou manuais. O interesse
reside na habitualidade das ações. Se nessa habitualidade se incluía alguma ação
caracterizável como violação de uma regra pré-estabelecida, pode haver interesse em
acobertá-la, o que significa uma dificuldade a mais para a caracterização precisa das
variações.

Quando uma norma nunca é atendida no desenvolvimento do trabalho, a


ocorrência de acidentes não pode ser explicada tão somente pelo fato da norma não
ter sido seguida. Finalmente, é fundamental salientar que a variação de um
componente é representada pelo fato objetivo e não por sua interpretação.

4.2.4 Coleta e organização dos dados

Após a coleta dos dados pertinentes às variações dos componentes cabe fazer
um inventário de todos os fatos envolvidos. Esse inventário é realizado partindo-se
do acidente, último evento do processo sob análise, regredindo-se progressivamente
no tempo e ampliando, conseqüentemente, o universo da investigação. Na maioria
dos casos mostra-se pouco producente deter a investigação na atividade realizada
pela vítima.

Conforme Monteau (1974) apud Binder; Monteau; Almeida (1995) duas são
as questões que devem ser formuladas para cada componente da atividade ou das
atividades sob investigação. As questões são:

a) em relação à habitualidade, houve de fato alguma variação?


55

b) em caso afirmativo, qual foi essa variação?

De acordo com a proposição do método, após a identificação e catalogação


das variações, elas devem ser classificadas em função do componente da atividade ao
qual se referem. O registro pode ocorrer em um quadro como o apresentado a seguir:

Quadro 2

Quadro de registro de variações.

Atividade do Indivíduo A

Sobre Lista de variações Natureza das Ordem cronológica


variações das variações

Indivíduo

Tarefa

Material

Meio de trabalho
Fonte: Adaptado de Binder; Monteau; Almeida (1995).

Conforme se depreende do Quadro 2 acima, essa forma de registro tem como


argumento central o indivíduo, de maneira que existirão, para cada acidente, tantos
quadros quantos forem os indivíduos envolvidos, não necessariamente na condição
de vítimas.

A ordem na qual cada antecedente é mobilizado na reconstituição da


dinâmica do acidente não pode ser predeterminada, uma vez que a relação (e
conseqüente ligação no diagrama) entre os antecedentes não está restrita a cada
atividade identificada na ocorrência do acidente. Assim, coluna do quadro reservada
à ordem cronológica das variações é de interesse muito limitado, pois não pode ser
preenchido antes da conclusão do diagrama e seu preenchimento após o diagrama ser
concluído é inócuo.
56

4.2.5 As relações entre as variações dos componentes

Para cada antecedente ou fato identificado, é formulada a seguinte questão:


quais antecedentes ou fatos foram necessários a sua ocorrência? Essa questão será
formulada até que o conjunto de fatos apurados reúna condições de necessidade e
suficiência à ocorrência do evento ou antecedente identificado. Esse procedimento
será repetido seguidamente para cada elemento que for sendo agregado ao diagrama.
As possibilidades de ligação entre os antecedentes são as seguintes:

a) primeiro caso: o fato de ter acontecido uma determinada variação X foi


necessário e suficiente para que ocorresse a variação Y. Nesse caso foi necessário o
acontecimento da variação X e somente da variação X para que Y ocorresse.
Esquematicamente, teríamos:

X Y

A esse tipo de encadeamento chamamos seqüência e por causa da propriedade


da ligação, temos que a remoção de X impede a ocorrência de Y. Um exemplo
prático e de caráter didático é o efeito de uma determinada intensidade de corrente
transitando por um disjuntor, que está no circuito elétrico para protegê-lo de
eventuais sobrecargas. Nesse tipo de arranjo temos que uma intensidade de corrente
maior que àquela nominal do disjuntor será necessária e suficiente para seu
desarmamento, de forma que teríamos uma seqüência como ligação entre a variação
da intensidade de corrente e o fato do disjuntor se desarmar.

b) segundo caso: mesmo que a variação X não tivesse acontecido, a variação Y


poderia ocorrer. Nesse caso a variação X não é absolutamente necessária para que a
57

variação Y apareça, e a ligação entre os dois eventos é representada por uma seta de
traço pontilhado.

X Y

Com esse tipo de ligação entre as variações, temos que a ocorrência de X,


sem ser necessária para que ocorra a variação Y, aumenta a probabilidade de que
essa variação venha a acontecer.

c) terceiro caso: mesmo que a variação X não tivesse ocorrido, a variação Y


aconteceria de qualquer forma. As variações consideradas têm caráter de
independência entre si, não existindo no diagrama ligação entre esses dois eventos.

d) quarto caso: embora a variação X seja necessária ao acontecimento da


variação Y, não se mostra suficiente para tanto. Faz-se necessária a conjunção de
variações independentes X1, X2....Xn que, ao combinarem-se, provocam o
aparecimento da variação Y. Esse tipo de relação entre as variações é representado
da maneira que se segue:

X1

X2 Y



Xn
58

Esse arranjo entre os antecedentes é referido como conjunção e, como é o


conjunto de antecedentes que reúne as condições de necessidade e suficiência à
ocorrência de Y, a remoção de pelo menos um antecedente Xi impede a ocorrência de
Y. A cachoeira é um exemplo de conjunção, pois é a existência e o encontro de um
curso d’água e de um acidente topográfico que permite o espetáculo fascinante que a
queda d’água propicia.

Há, ainda, a possibilidade de um quinto caso, que se caracteriza quando um


único antecedente X é suficiente para a ocorrência de Y1 e Y2. Esquematicamente,
esse arranjo é representado da forma seguinte:

Y1

Y2

Esse tipo de arranjo é chamado de disjunção e, à feição do que ocorre com a


conjunção, onde podem existir mais que dois antecedentes para a caracterização da
suficiência à ocorrência de Y, aqui também o antecedente X pode ser suficiente à
ocorrência de mais que apenas dois antecedentes, que usamos apenas como exemplo.

No Quadro 3, a seguir, temos um resumo das possibilidades de ligação entre


os antecedentes, sua representação e respectivas propriedades.
59

Quadro 3

Representação dos tipos de ligações entre antecedentes no diagrama.

SEQÜÊNCIA DISJUNÇÃO CONJUNÇÃO

Um antecedente Dois ou mais Um antecedente


(Y) tem uma antecedentes (Y1,Y2) tem (Y) tem mais de
DEFINIÇÃO
única causa uma única causa direta uma causa direta
direta (X) (X) (X1,X2)

Cada um dos
antecedentes X1 e
X2 é necessário
PROPRIEDADE X é necessário e X é necessário e para a ocorrência
suficiente para suficiente para a de Y e nenhum
a ocorrência de ocorrência de Y1 e Y2 deles isoladamente
Y é suficiente. Sua
conjunção é
necessária

Y1 X1

X Y Y
REPRESENTAÇÃO X

X2
Y2

Fonte: Adaptado de Binder; Monteau; Almeida (1995).

4.2.6 O diagrama

O diagrama da árvore de causas trata-se de uma representação esquemática da


relação existente entre os antecedentes que determinaram direta ou indiretamente o
acidente. A simbologia adotada para as duas classes de antecedentes é diferente: os
antecedentes-estado são representados por um quadrado, enquanto que os
antecedentes-variações o são por um círculo.
60

Nesse modelo de análise dos acidentes de trabalho, os princípios de


organização da rede de causalidade, denominada árvore de causas, são a cronologia e
o encadeamento dos acontecimentos que geraram as condições para a produção do
acidente.

O diagrama, além de representar o encadeamento das variações dos


componentes que levaram ao acidente; compõe quadro sinótico da dinâmica do
acidente e corresponde à formalização fundamentada da aplicação de relações
lógicas entre os eventos antecedentes. Através do diagrama é possível a
reconstituição da rede de relações que explicam a passagem de uma variação para
outra.

É a associação entre o diagrama lógico e a acuidade da análise clínica que por


meio dele se faz que irá permitir a identificação dos fatores potenciais de acidentes e,
por conseqüência, a prevenção.

4.2.7 Dificuldades à aplicação do método da árvore de causas

Os métodos de investigação e análise de acidentes de trabalho são formulados


tendo como pressuposto o acesso livre e imediato, por parte do condutor da
investigação e análise, a, senão todas, uma grande parte das informações pertinentes
à ocorrência estudada. Essa formulação, comum nos procedimentos investigatórios, é
passível de aplicação por um número muito restrito de profissionais, que são aqueles
que atuam nos serviços especializados em engenharia de segurança e em medicina do
trabalho das empresas que, em particular, adotam uma política de gestão na área de
segurança e saúde no trabalho contemplando uma determinada técnica de
investigação e análise de acidentes. A investigação promovida pela empresa tende a
se desenrolar de maneira que seja compatível com a cultura da organização,
particularmente com a maneira pela qual a segurança e saúde no trabalho se insere
entre os valores compartilhados pelos membros da organização.

No caso específico da árvore de causas, o emprego do método “exige que se


estabeleça diálogo entre os diferentes atores acerca do acidente de trabalho, com
61

despojamento de preconceitos e, principalmente, não emissão apriorística de juízos


de valor” (Binder, Monteau, Almeida,1995, p.113).

O ambiente no qual são estabelecidas essas pré-condições é o interno à


empresa e os personagens percebidos de forma central são os profissionais
integrantes do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do
Trabalho - SESMT. Assim, como já assinalado por Monteau e Favaro (1990) apud
Binder, Monteau, Almeida (1995), a árvore de causas é método prescritível para
situações nas quais os problemas básicos, mais elementares de segurança e saúde no
trabalho já tenham sido superados.

Conforme citam Binder; Monteau; Almeida (1995) os acidentes de trabalho


fatais não são casos para os quais a utilização do método da árvore de causas seja
recomendada. Entre os requisitos postos para a aplicação do método da árvore de
causas está a fidedignidade das informações e o fato de que o acidente fatal subtrai a
principal pessoa a ser interrogada é circunstância comprometedora. A existência de
uma vítima fatal aumenta as preocupações com os aspectos penais envolvidos e isso
pode levar à ocultação de fatos importantes na investigação.

Além do fato importante de que a gravidade do acidente muda o espaço onde


se dará a repercussão do depoimento das testemunhas em face das implicações
legais, há que considerar-se também o impacto emocional dos trabalhadores da
equipe de trabalho a qual pertencia a vítima.

Desenha-se assim um cenário de conflito entre a possibilidade da


investigação a serviço da prevenção e o risco de servir à caracterização de eventual
culpa da empresa. Se mesmo para acidentes que não implicam perda significativa
para a empresa não se observa a prática de efetuar investigações criteriosas, no caso
dos graves e fatais há ainda o constrangimento dela poder chegar a falhas da gestão
empresarial passíveis de responsabilização civil e criminal.

A discriminação de causas nos casos de acidentes graves e fatais, onde as


partes ou o Poder Público podem evocar responsabilidades, caracteriza um papel não
previsto para um processo investigatório interno à empresa, normalmente aplicado
62

para identificação de situações de risco e geração de subsídios para a prática da


prevenção de acidentes.

A figura da culpa é um inibidor de uma investigação que possa alcançar as


causas mais remotas do acidente e, por conseqüência, atua como um mecanismo
dificultador da prevenção. Nesse mérito, os casos de acidentes fatais são
emblemáticos quanto às implicações jurídicas no processo de investigação.

De acordo com Binder; Almeida; Monteau (1995) são três as condições


indispensáveis à aplicação do método da árvore de causas: a primeira é a já
comentada rapidez; a segunda é a também já referida familiaridade com o modo
operatório usual e a terceira pertine à disciplina do agente condutor da investigação
em relação às etapas do método, pois é necessário que não se confundam as etapas de
coleta de dados e de interpretação dos dados coletados.

Para o Canadian Centre for Occupational Health and Safety (2003) o


condutor ideal da investigação do acidente deve possuir os seguintes atributos:

● tratar-se de especialista no estudo da causalidade dos acidentes;

● tratar-se de pessoa experiente na aplicação de técnicas de investigação;

● tratar-se de pessoa que, em relação ao ambiente do acidente ocorrido na


empresa, tem completo conhecimento sobre o processo de trabalho, sobre
as pessoas e suas atitudes e sobre as relações industriais ali praticadas.

É pertinente observar que, independentemente do método adotado, o domínio


do analista sobre ele é obrigatório, mormente quando a investigação e seus resultados
inserem-se numa política de prevenção, não se esgotando em si mesma, sendo meio e
não fim.

É impossível a aplicação rigorosa do método da árvore de causas, conforme


formulada e prescrita por seus autores, no estudo de caso apresentado nesta
dissertação, pois, entre outras contingências, trabalha-se com dados colhidos por
terceiros e/ou colhidos muito tempo depois da ocorrência; esse é condicionante
irremovível, que pode dificultar em muito a investigação. Essa primeira dificuldade
imposta pelo tempo não ocorre de maneira exclusiva para o método da árvore de
63

causas, vez que independentemente da técnica utilizada, a recomendação é que a


investigação seja empreendida logo após a ocorrência do acidente (Binder; Monteau;
Almeida 1995, Canadian Centre for Occupational Health and Safety 2003). Essa
preocupação também é explicitada pelo Canadian Centre for Occupational Health
and Safety (2003) que ressalta a importância de perder o menor tempo possível entre
a ocorrência e o início da investigação, facilitando, dessa forma, a prevenção de
eventual descaracterização de evidências e a recuperação das reais condições de
quando ocorreu o acidente, além de propiciar a identificação de testemunhas.

A segunda dificuldade que o caso estudado apresenta ao agente externo à


empresa diz respeito, em geral, à ausência de familiaridade deste com os modos de
produção e seus detalhes.

Para sistemas mais simples no seu modo operatório isso não deve implicar
maiores problemas. No entanto, para situações de maior complexidade, a superação
dessa dificuldade está intimamente relacionada com a possibilidade de reconstituição
das atividades de interesse para a investigação e análise do acidente. Esse aspecto
consta como dificuldade não só para uma investigação conduzida dentro dos
contornos do método da árvore de causas, posto que é de clara compreensão que à
medida que o conhecimento de um determinado processo cresce, cresce com ele a
capacidade investigativa em eventos desse processo.

4.3 A causalidade dos acidentes de trabalho

A concepção do acidente do trabalho como fruto do azar, segundo


Kouabenam (1999) apud Baumecker (2000), remonta a períodos muito antigos. O
autor comenta que para Paracelso (1493 – 1541) os acidentes escapavam de qualquer
causalidade e que eram fruto dos caprichos de demônios subterrâneos e que “tais
explicações fatalistas se originam na própria história da humanidade, estando
ancorada firmemente nas representações populares onde o acidente, a morte e
qualquer outra forma de sofrimento são considerados como um preço a pagar pela
violação da ordem estabelecida. Aliada à idéia de fatalidade aparece a da causalidade
64

pessoal uma, vez que o azar é pessoal”. À idéia da fatalidade está amiúde associada o
conceito do acaso. Ocorre que, conforme nos ensina Ruelle (1993), a interpretação
científica do acaso começa pela introdução das probabilidades e o acidente não se
caracteriza por ter distribuição uniforme no tempo, no espaço e nos grupos humanos,
tendo determinantes, entre outros, de caráter econômico, político e social.

Estando superada a compreensão do acidente do trabalho como fruto da


fatalidade, onde sua ocorrência seria completamente tramada no insondável à
percepção humana, descortina-se o desafio de estudar e apreender o fenômeno de
maneira multicausal, identificando seus determinantes da forma mais ampla possível,
ensejando a concepção de medidas necessárias à prevenção de acidentes semelhantes
ou que tragam, em sua estrutura, elementos materiais ou imateriais comuns àquele
objeto de análise. Embora seja nítido o entendimento que cada acidente é único, é
possível identificar na sua dinâmica e estrutura elementos que podem vir a atuar
como suporte para outros eventos que se deseja evitar.

O grande argumento teórico e prático que sustenta a necessidade de promover


exaustivas investigação e análise dos acidentes é a prevenção; é a possibilidade de
conceber e implementar medidas de prevenção que sejam capazes de eliminar a
chance da ocorrência de acidentes semelhantes ou que tenham na sua rede de
causalidade aspectos comuns àqueles acidentes objeto de análise. Nesse sentido,
desde suas primeiras versões, o método da árvore de causas traz referências à noção
de focos de risco ou de rubricas, conceito esse que evoluiu para os denominados
fatores potenciais de acidentes.

Embora haja algumas identidades, o termo não deve ser confundido com os
chamados fatores de riscos da técnica do mapa de riscos. Conforme enunciado por
Nahas; Vago (2002), “fator de risco é uma condição ou um conjunto de
circunstâncias que têm o potencial de causar danos à saúde, à integridade física das
pessoas, ao ambiente, ao processo ou aos equipamentos, ou seja, é tudo aquilo que
tem o potencial de causar danos”.

Um fator potencial de acidentes não precisa causar diretamente o dano, pode


estar associado ao acidente embora alheio à cena do acidente ou mesmo ter caráter
imaterial como os aspectos organizacionais e/ou culturais. Por conta de sua natureza,
65

não é razoável considerar como fator potencial de acidentes aquelas situações


representadas pelas ausências das mais elementares medidas de prevenção de
acidentes, previstas na legislação específica ou de imediata percepção numa inspeção
no ambiente de trabalho.

É possível que seja regra geral, mas com certeza na indústria há um elevado
grau de dependência entre as políticas de segurança e manutenção; o fracasso de uma
não significa o sucesso da outra. Nesse caso, em particular, a comunicação, tanto
como manifestação cultural, quanto como política normativa da empresa,
desempenha importante papel no estabelecimento de um regime cooperativo entre as
atividades de manutenção e as exigências da segurança. O acidente da Piper Alpha19
é exemplo histórico do quão grave pode se tornar a não comunicação de uma
intervenção da manutenção a uma equipe que está assumindo o seu turno de trabalho
(Paté-Cornell, 1993). Na aviação civil, segundo Reason; Maddox (1998), a
percepção da importância da manutenção para a segurança dos vôos comerciais teve
radical transformação após o acidente do B-737 da Aloha Airlines ocorrido em 1988.

No estudo do acidente de trabalho, o foco esteve historicamente dirigido para


o erro ou falha humana. A respeito da causalidade dos acidentes industriais, Heinrich
(1941) afirmava que, para o senso comum, era admitido que a grande maioria dos
acidentes industriais seria causada diretamente por determinados atos inseguros
cometidos por pessoas ou pela exposição a determinados riscos materiais ou
mecânicos. Ao expor sua filosofia básica da prevenção de acidentes, Heinrich (1941)
relaciona uma série de axiomas da segurança industrial dos quais destacamos os
seguintes:

● a ocorrência de uma lesão invariavelmente resulta de uma seqüência


completa de fatores, sendo o próprio acidente um desses fatores;

● um acidente somente pode ocorrer quando precedido ou acompanhado por


uma ou ambas das duas circunstâncias: o ato inseguro de um indivíduo ou
a existência de um risco material ou mecânico;

19
O acidente com a plataforma Piper-Alpha ocorreu em 6 de julho de 1988 no Mar do Norte; matou
167 pessoas e gerou perda material da ordem de bilhões de dólares (Paté-Cornell, 1993).
66

● os atos inseguros das pessoas são responsáveis pela maioria dos acidentes.

Heinrich representou sua concepção da causalidade dos acidentes de trabalho


por meio de um arranjo específico de cinco peças de dominó, conforme sugere a
Figura 5 a seguir:

Fonte: Adaptado de Heinrich (1941).

Figura 5. Os cinco fatores de Heinrich da seqüência do acidente.

Segundo Heinrich (1941), o acidente seria causado por uma seqüência linear
de fatores que culminariam na lesão, de modo que “a ocorrência de uma lesão
passível de prevenção é a culminação natural de uma série de eventos ou
circunstâncias, as quais ocorrem invariavelmente seguindo uma ordem lógica e fixa”.
Nesse modelo cada fator é dependente do outro, constituindo uma fila que pode ser
comparada a uma fila de peças de dominó, postas de maneira tal que a queda da
primeira peça implica a queda de toda a fila. O acidente é apenas um elemento da
fila. A lógica da prevenção concebida por Heinrich é que a subtração de uma das
peças intermediárias impediria a queda da peça que simboliza o acidente ou a lesão.

A cadeia proposta por Heinrich inicia-se com a ancestralidade e o meio


social, que seriam responsáveis por características como o descuido, a teimosia e
outros traços indesejáveis de caráter que, na compreensão do autor, podem ser
hereditários e/ou serem desenvolvidos pelo meio social. Essa “peça” seria causadora
da segunda, que é referida como sendo defeitos pessoais, que são exemplificados por
meio do temperamento violento, nervosismo, falta de cuidado e outros. Essa segunda
67

“peça” seria causadora da existência da terceira, que é referida como ato inseguro e
condição insegura20. Essa “peça” seria causadora da queda da quarta “peça” (o
acidente), que por sua vez, causaria a lesão, representada pela última peça da fila.

Na concepção de Heinrich, o elemento chave para a prática de prevenção,


conforme sugere a Figura 6 a seguir, é o terceiro, representado pelo ato inseguro e
pela condição insegura, sendo que a grande maioria dos acidentes seria causada pelo
comportamento inseguro do trabalhador.

Fonte: Adaptado de Heinrich (1941).

Figura 6. Elemento chave de Heinrich para a prática da prevenção.

Segundo Monteau; Pham (1988) apud Almeida (1995), a classificação das


“causas” dos acidentes em atos inseguros e condições inseguras foi desenvolvida por
Lateiner com fundamento na terceira peça de dominó de Heinrich.

20
Na ilustração original de Heinrich (1941), essa peça do dominó é referida como ato inseguro e risco
material ou mecânico. Na adaptação aqui realizada optou-se pela linguagem que é a mais conhecida,
que é a do ato inseguro e condição insegura.
68

Esse tipo de abordagem do problema prima pela superficialidade, pois reduz


o universo da investigação à cena na qual ocorreu o acidente, onde quase que
invariavelmente a vítima ou um seu companheiro de trabalho surge como elemento
deflagrador, como autor daquela ação categorizada por Reason (1997) como uma
falha ativa. Essas falhas ativas ou erros ativos seriam cometidos pelos trabalhadores
que atuam na linha de frente das empresas e teriam conseqüências imediatas. Reason
também introduziu o conceito de erros latentes, que seriam cometidos em níveis de
concepção e de gerenciamento. Reason compara os erros latentes das organizações
tecnológicas aos patógenos residentes no corpo humano; da mesma maneira que os
patógenos, os erros latentes como projeto precário, lacunas na supervisão, defeitos
não detectados de fabricação ou falhas de manutenção, procedimentos não factíveis,
automação mal concebida, treinamentos mal formulados e ineficazes podem estar
presentes por um grande intervalo de tempo antes de, mediante combinação com
circunstâncias locais e erros ativos, conseguirem penetrar as defesas do sistema.

A compreensão de Reason (1997) sobre a estrutura daqueles que ele chama


de acidentes organizacionais evidencia-se na Figura 7, a seguir:
69

Defesas

PERIGO
Perdas
Riscos

Caminhos das Causas


Condições
Atos Inseguros
Latentes Investigação

Fatores Internos ao Local de Trabalho

Fatores Organizacionais

Fonte: Adaptado de Reason (1997).

Figura 7. Estágios no desenvolvimento e investigação de um acidente organizacional.

De acordo com o modelo de acidente organizacional de Reason, as falhas


ativas são produtos de ações individuais ou de equipe que, usualmente, envolvem
erros (sem má-fé) e/ou violações cometidas pelos trabalhadores de linha de frente da
empresa. Esses fatores ao combinarem-se com fatores ambientais ou outros eventos
desencadeadores encontram ou criam caminhos através das defesas (de engenharia
ou individuais) que foram engendradas pela organização para tentar impedir a
ocorrência de acidentes. Uma visualização dessa imagem é apresentada na Figura 8,
a seguir:
70

Tarefa e Condições Ações Individuais


Ambientais Defesas Falhas
Fatores e de Equipe
ou Ausentes
Organizacionais
e Sistêmicos

ACIDENTE

Condições Falhas Ativas


Latentes

Fonte: Adaptado de Gibb; Hayward; Lowe (2001).

Figura 8. Modelo de acidente organizacional de Reason.

A grande limitação do tratamento superficial dispensado ao acidente do


trabalho, ao considerar apenas as falhas mais evidentes ou ativas, que se
materializam nos chamados atos inseguros, é não alcançar as causas raízes ou as
condições latentes, de acordo com Reason (1997), que repousam inativas no sistema
de produção e que têm potencial para contribuir, provocar ou permitir as ações
praticadas pelo(s) trabalhador(es) e que tiveram o condão de precipitar a indesejada
ocorrência.

Embora a definição de causa raiz possa gerar controvérsias, é razoável


especular que, de uma maneira geral, as tentativas de conceituação da expressão,
ainda que de caráter intuitivo, guardem alguma identificação. A metodologia
SOURCE21 utiliza a seguinte definição: causas raízes referem-se à maioria das
causas básicas que podem razoavelmente ser identificadas, das quais o
gerenciamento tem controle para tratar e para as quais podem ser geradas
recomendações efetivas para prevenir sua repetição (USA, 1999). Paradies; Busch

21
A metodologia SOURCE™ (Seeking Out the Underlying Root Causes of Events) é baseada em
metodologia desenvolvida pelo Departamento de Energia da Westinghouse Savannah River
Corporation em 1991 (USA, 1999).
71

(1988) apud Almeida (2003) definem a causa raiz como uma “causa básica que pode
ser razoavelmente identificada e que a gerência tem meios de controle para corrigir”.

De acordo com Reason (1997), é possível agrupar os modelos da gestão da


segurança e saúde no trabalho em três grandes modelos, que poderiam ser
referenciados como modelos centrados no indivíduo, na engenharia e de abordagem
sistêmica. Os modelos de gestão da segurança e saúde no trabalho constituem uma
proposta de caráter técnico-administrativo para o enfrentamento de uma classe de
eventos que inclui o acidente de trabalho. A fundamentação teórica de cada modelo
de gestão das condições de trabalho dentro do sistema empresarial denota ou se dá
em razão também da compreensão que se tem do acidente de trabalho e das
disfunções do sistema de produção que podem redundar em prejuízo para os
empreendedores. Prosseguindo com esse raciocínio, pode-se pensar em também três
grandes agrupamentos teóricos para a causalidade dos acidentes de trabalho; eles
seriam calcados no indivíduo, nas falhas de engenharia e nos problemas
organizacionais.

Entre os elementos que embasam a estratégia de um importante grupo


empresarial presente na mineração (BHP Billinton, 2003), para o melhoramento do
desempenho da sua política de segurança, estão as condições seguras e o
comportamento do pessoal no local de trabalho e uma das metas do programa de
segurança é fazer com que todo seu efetivo adote comportamentos seguros no
trabalho, com as gerências estimulando o envolvimento e motivação do pessoal no
uso de processos comportamentais para melhorar o desempenho da política de
segurança.

Coerentemente, a ferramenta que o grupo aplica nas investigações de


acidentes, o ICAM – Incident Cause Analysis Method, foi desenvolvido tendo como
referência e orientação o trabalho do Professor James Reason, da Universidade de
Manchester, do Reino Unido, que é um psicólogo organizacional especialista em erro
humano (Gibb; Hayward; Lowe, 2001).

A abordagem comportamental também mostra variantes e o comportamento


humano pode ser um argumento para que se chegue às causas de caráter não
imediato. A EQE International (USA, 1999), discorrendo sobre um dos cursos que
72

oferece sobre a investigação e análise de acidentes afirma que o curso “Preventing


Human Error” propicia ao participante habilidade para examinar o erro humano e
identificar as condições que contribuíram para sua ocorrência, de modo que o
participante se tornará apto a reconhecer as verdadeiras causas por trás da maioria
dos erros humanos, como a fragilidade dos sistemas de gerenciamento que se usa
para projetar equipamentos e processos; desenvolver e aplicar procedimentos e
políticas e selecionar, treinar, supervisionar e comunicar-se com os trabalhadores.

No modelo do ato inseguro versus condição insegura, dois desses três grupos
apareceriam associados, como se fossem as duas faces da mesma moeda, de maneira
que o acidente seria causado por uma falha individual ou por uma falha da
engenharia ou, quiçá com mais propriedade, por uma falha técnica, de caráter
operacional. Talvez por tomar duas pretensas categorias de causas em consideração,
essa visão tenha assumido, enganosamente, ares de visão abrangente para a
interpretação dos acidentes de trabalho e venha se perpetuando no arsenal de
recursos que os profissionais de segurança e saúde no trabalho das empresas
mobilizam para realizar a investigação e análise de acidentes.

Estudos realizados no início da década de 90, no âmbito das atividades do


Programa de Saúde do Trabalhador, desenvolvido pela disciplina de Medicina do
Trabalho da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, em colaboração com o
Escritório Regional de Saúde (Secretaria de Estado da Saúde – SP), por meio da
vigilância epidemiológica dos acidentes de trabalho, constataram que as
investigações realizadas pelo SESMT e CIPA das empresas eram sempre
superficiais, restritas à cena do acidente; além de não proporcionar a experiência e o
aprendizado que a busca das causas implica, responsabilizavam o trabalhador,
atribuindo-lhe a culpa pela ocorrência.

Esses estudos levaram à realização de uma pesquisa específica executada em


empresas situadas nos municípios de Botucatu e Osasco, ambos no estado de São
Paulo. Conforme relatam Binder; Almeida (1993), foram analisadas as fichas
relativas aos acidentes ocorridos em 1990, no período de janeiro a junho, inclusive,
73

que tiveram emissão de CAT22 e foram investigados pela CIPA da empresa. Por
conta disso, uma das principais fontes de informação foi o Anexo II da Norma
Regulamentadora 5, que vigorou até 23 de fevereiro de 1999, quando foi publicado o
texto atual da regulamentação da CIPA. Desse Anexo II, que está reproduzido na
Figura 9, a seguir, foram compiladas e processadas as informações do tópico
“Investigação do Acidente” das fichas relativas a 125 acidentes investigados pelas
respectivas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes.

22
A sigla CAT refere-se à Comunicação de Acidente de Trabalho que deve ser feita pela empresa nos
termos do Artigo 336 do Decreto Nº 3.048, de 6 de maio de 1999 (Saliba; Saliba, 2002)
74

ANEXO II DA NR 5

FICHA DE ANÁLISE DE ACIDENTES


COMISSÃO INTERNA DE PREVENÇÃO
DE ACIDENTES
CIPA Nº .................................................................

EMPRESA...........................................................................................................................................

ENDEREÇO........................................................................................................................................

Nº...........................................................................................DATA ........................... HORA ...........

NOME DO ACIDENTADO...............................................................................................................

IDADE ........................................................... OCUPAÇÃO ..............................................................

DEPARTAMENTO EM QUE TRABALHA ........................................................... SEÇÃO .........

DESCRIÇÃO DO ACIDENTE .........................................................................................................


..............................................................................................................................................................

PARTE DO CORPO ATINGIDA .....................................................................................................

INFORMAÇÃO DO ENCARREGADO ..........................................................................................


..............................................................................................................................................................

...................................................................
ENCARREGADO

INVESTIGAÇÃO DO ACIDENTE

COMO OCORREU ............................................................................................................................


..............................................................................................................................................................
CAUSA APURADA............................................................................................................................
..............................................................................................................................................................

..................................................................
MEMBRO DA COMISSÃO

CONCLUSÕES DA COMISSÃO

CAUSA DO ACIDENTE ...................................................................................................................


RESPONSABILIDADE .....................................................................................................................
MEDIDAS PROPOSTAS ..................................................................................................................

Fonte: Atlas (1998).


Figura 9. Anexo II da Norma Regulamentadora 5 vigente até 1999.

O tratamento das informações constantes nos campos “causa apurada”,


“medidas propostas”, “causa do acidente” e “responsabilidade” estão reproduzidos,
75

respectivamente, nas tabelas 3, 4, 5 e 6. Conforme Binder; Almeida (1993), a


distribuição das “causas apuradas” atribuídas aos acidentes de trabalho foi a que se
observa na Tabela 3, a seguir:

Tabela 3

Distribuição das “causas apuradas” para os 125 acidentes de trabalho


investigados.

Causa Apurada Acidentes de trabalho

Quantidade %

Descuido, negligência,
desatenção, exposição
54 37,77
desnecessária ao perigo

Operação incorreta 22 15,38

Não uso de Equipamento de 13 9,09


Proteção Individual

Risco inerente à atividade 12 8,39

Defeito de equipamento, 12 8,39


instalação ou ferramenta

Gerado por terceiro 7 4,90

Improvisação 4 2,80

Pressa na execução da 3 2,10


tarefa

Outras causas 8 5,59

Sem informação 8 5,59

TOTAL 143 100,0


Fonte: Adaptado de Binder; Almeida (1993).
76

A análise das “causas apuradas” apontadas na Tabela 3 permite, entre outras


leituras, a de que 103 dessas causas são associadas à presença humana na execução
da tarefa, o que percentualmente representa aproximadamente 72% do total.

Em relação às “medidas propostas”, a distribuição da sua natureza nos


acidentes investigados foi aquela explicitada na Tabela 4, a seguir:

Tabela 4

Distribuição das “medidas propostas” para os 125 acidentes de trabalho


investigados.

Medida proposta Quantidade %

Conscientizar, orientar,
insistir em maior atenção, 86 59,7
disciplinar

Insistir no uso de
16 11,1
Equipamento de Proteção
Individual

Melhorar treinamento na
3 2,1
tarefa

Melhorar equipamento,
mudar processo,
inspecionar 32 22,2
periodicamente, eliminar
condições inseguras,
melhorar sinalização

Sem informação 7 4,9

TOTAL 144 100,0


Fonte: Adaptado de Binder; Almeida (1993).
77

Dirigindo a essa Tabela 4 a mesma questão formulada à Tabela 3, das causas,


temos que aproximadamente 73% das medidas propostas têm como foco o
comportamento do trabalhador; esse resultado é derivação do relatado na Tabela 3,
onde 72% das causas estão associadas ao trabalhador.

A distribuição em função da conclusão, por parte das empresas, quanto à


causa dos acidentes de trabalho investigados, está na Tabela 5, a seguir:

Tabela 5

Distribuição dos 125 acidentes de trabalho investigados segundo a conclusão


das empresas quanto às causas.

Conclusão Acidentes do trabalho

Quantidade %

Ato inseguro 88 (1) 70,4

Condição insegura 26 20,8

Ato e condição inseguros 4 3,2

Sem informação 7 5,6

TOTAL 125 100,0


Fonte: Adaptado de Binder; Almeida (1993).
(1) Para um acidente sobre o qual não havia registro de “causa” (sem informação na Tabela
3), no item “Conclusão” houve registro de ato inseguro.

Também nessa Tabela 5, a parte maior da distribuição está associada ao


trabalhador, que em aproximadamente 73% dos casos teria cometido um ato
inseguro.

Os dados obtidos para a distribuição da responsabilidade pela ocorrência ao


longo do universo de acidentes investigados são mostrados na Tabela 6 a seguir:
78

Tabela 6

Distribuição das responsabilidades pela ocorrência nos 125 acidentes de


trabalho investigados.

Responsável Quantidade %

Acidentado 69 55,2

Outro trabalhador 4 3,2

Empresa e acidentado 2 1,6

Empresa 8 6,4

Subtotal 83

Sem informação 42 33,6

TOTAL 125 100,0


Fonte: Adaptado de Binder; Almeida (1993).

Segundo essa Tabela 6, a própria vítima é responsabilizada em mais da


metade (69) de todos os casos (125) analisados. Também temos que em 42 fichas
esse campo não foi preenchido, de forma que o volume de acidentes com essa
informação se reduz de 125 para 83.

Em relação à responsabilidade apontada, podemos considerar que em 75 dos


casos (incluímos a responsabilidade de outro trabalhador e a responsabilidade
solidária com a empresa) ela recai sobre o trabalhador. Isso, em relação ao subtotal
de 83, corresponde a 90,36%. Relacionando esse achado com o modelo aplicado nas
investigações realizadas, segundo o qual o acidente ocorre por um ato inseguro do
trabalhador ou pela existência e exposição a uma condição insegura de trabalho,
temos que, do total de acidentes investigados, cerca de 90% teriam sido causados por
um ato inseguro do trabalhador, na sua grande maioria, a própria vítima.

É digno de menção que essas proporções reproduzam aquelas encontradas em


outro estudo realizado há mais de 60 anos nos EUA (Heinrich, 1941). Nesse estudo,
foram colecionados dados relativos a 75.000 acidentes industriais. Desse total, 2%
79

teriam tido como causa fatores imprevisíveis e os demais 98%, fatores previsíveis.
Esses números são, de certa maneira, alentadores para os profissionais de segurança
e saúde no trabalho; afinal, o atributo da previsibilidade do acontecimento é condição
necessária à prática da prevenção, que emerge da relação entre o prever e o prevenir.
Assim, prevenibilidade e previsibilidade são atributos que mantém inter-relação,
embora não sejam, na linguagem estatística, mutuamente exclusivos, pois a
capacidade de prever não implica obrigatória e exaustiva capacidade de prevenir.

Voltando ao estudo realizado por Heinrich (1941) nos EUA, após definição
da natureza dos fatores quanto à previsibilidade, ele apresenta, para a fração posta
como previsíveis, uma classificação quanto aos fatores causais que é a seguinte: 10%
dos acidentes previsíveis foram causados por condições inseguras de trabalho,
enquanto 88% teriam sido causados por atos inseguros dos trabalhadores. Um
resumo gráfico dessa classificação é exposto na Figura 10, a seguir:

Acidentes

2% Causas 98% Causas


imprevisíveis e previsíveis e
impreviníveis previníveis

88% Fatores 10% Fatores


humanos – atos materiais –
inseguros condições inseguras

Fonte: Sindicato dos Químicos SP/Sindicato dos Plásticos SP (1993).

Figura 10. Classificação das causas no estudo de Heinrich (1941).


80

Magrini; Ferreira (s/d) argumentam que a expressão “ato inseguro”, enquanto


locução da língua portuguesa não tem sustentação, pois não guarda significação por
si só, sem considerar outros elementos do contexto no qual teria ocorrido o ato
considerado como inseguro. Alguns aspectos que têm clara relação quanto à
segurança presente em cada atitude no ambiente de trabalho são: o ambiente, a
tecnologia empregada, o domínio do trabalhador em relação a essa tecnologia e, por
último mas não de forma menos importante, os sistemas de proteção existentes e
efetivamente utilizados. Corroborando essa abordagem do problema, Almeida (1995)
afirma que a proposição da prevenção, apenas com base na eliminação dos atos
inseguros, deriva da compreensão do comportamento do trabalhador como
autodeterminado, configurando uma leitura reducionista do acidente de trabalho.

No Brasil, lamentavelmente, a compreensão do acidente de trabalho como


fruto de um ato inseguro do trabalhador ou de uma condição insegura do ambiente de
trabalho ainda é o pensamento hegemônico. Conforme lembra Binder (1997),
possivelmente por influência do que ocorria internacionalmente, essa concepção foi
trabalhada e difundida no Brasil por meio de uma série de publicações como o
Cadastro de Acidentes – Norma Brasileira 18 (Associação Brasileira de Normas
Técnicas, 1975) e aquelas editadas pela Fundacentro, onde merecem destaque as
coleções “Curso de Engenharia do Trabalho” (Clemente, 1981) e “Curso de
Medicina do Trabalho” (Ribeiro Filho, 1981; Saad, 1981).

A expressão “ato inseguro” pode levar à compreensão de que todas as falhas


humanas no ambiente de trabalho podem ser agrupadas em uma só categoria.
Entretanto, conforme nos ensina Reason (1997) os erros humanos podem assumir
diferentes formas, ser gerados por diferentes mecanismos psicológicos e ocorrer em
diferentes partes do sistema.

O “ato inseguro” tal qual é compreendido e aplicado na análise de acidentes


na maioria das empresas do Brasil assemelha-se a uma caixa preta indevassável.
Assim, para fins de compreensão do fenômeno acidente, trata-se de conceituação
inútil, que não produz informação passível de tratamento no âmbito dos sistemas de
gestão de segurança e saúde no trabalho. Na verdade, trata-se de modelo que tem o
condão de elidir qualquer possibilidade de aprendizado que poderia ser gerado pela
81

investigação e análise de acidentes e atua como mecanismo de culpabilização do


trabalhador.

Oliveira (1997) ao discorrer sobre as tentativas de perpetuação de certa versão


da realidade reproduz o seguinte trecho de publicação utilizada nas campanhas de
prevenção de acidentes de uma determinada empresa:

“...a prevenção de acidentes não depende somente de boas condições


materiais, mas, principalmente, do elemento humano, ou seja, você [...] Grande
parcela de responsabilidade na prevenção de acidentes cabe ao empregado, não ao
dirigente, pois devido à natureza de seu trabalho, é quem corre maior risco de
acidentes, por estar fazendo trabalhos que exigem movimentos físicos, estar em
contato direto com máquinas, equipamentos etc. [...] Para o seu benefício não seja
igual a um destes: distraído, imprudente, gozador, curioso, sabido, ingênuo,
exibicionista, displicente, teimoso23”.

Estamos sempre prontos para julgar nossos semelhantes; é comum que ao


presenciar determinadas situações onde se observou um acidente, as pessoas tenham
a propensão de eleger responsáveis, ou melhor, culpados. Conforme assinala Reason
(1997) essa tendência encontraria explicação na “ilusão do livre arbítrio24”, que faz a
atribuição do erro ser tão usual para a natureza humana. Faz parte da nossa cultura,
também com raízes fincadas na fé cristã, a crença de que somos todos artífices de
nosso destino, de forma que os indivíduos têm a liberdade de escolha entre o certo e
o errado. Em função dessa compreensão dos indivíduos como seres livres, suas
atitudes também tendem a ser entendidas, pelo menos em parte, como de caráter
voluntário. Assim, se o erro carrega vontade, ao seu autor pode ser imputada a
responsabilidade pelo que provoca.

23
Oliveira (1997) registra que cada um dos tipos elencados se faz acompanhar de uma ilustração
caricatural.
24
Diz-se que o livre arbítrio é uma ilusão porque nosso espaço de ação é sempre limitado pelas
circunstâncias locais (Reason, 1997).
82

Reason (1997) ao desenvolver suas idéias sobre o gerenciamento do erro


humano ilustra a nocividade que o conceito de culpa acarreta por meio de um ciclo,
por ele chamado de ciclo da culpa, conforme se observa na Figura 11 a seguir:

As ações humanas são


vistas como as causas
de acidentes que
menos restrições
sofrem.
Por que? Porque as
pessoas são vista
Os erros agora são como agentes livres,
tratados como aptos à escolha entre
realmente algo o certo e o errado.
censurável, pois
quem errou parece
ignorar as
advertências e Uma vez que os
punições. erros são tratados
como parcialmente
deliberados, são
passíveis de
caracterizar culpa.

Tais medidas são


ineficazes, de modo Ações entendidas como
que os erros recrimináveis são tratadas
continuam com avisos, sanções e
associados aos exigências de maior
eventos indesejados. cuidado da próxima vez.

Fonte: Adaptado de Reason (1997).

Figura 11. O ciclo da culpa.

Esse ciclo vicioso configura verdadeira armadilha para o combate ao erro. A


culpa, também é importante frisar, é elemento comprometedor da investigação,
particularmente se está associada na cultura da empresa à punição.
83

“A clareza com que o esquema ou árvore expõe os “mecanismos” envolvidos


na ocorrência dos acidentes pode facilitar a superação da “cultura” da culpa”
(Almeida, 1995).

Discorrendo sobre a existência de inquéritos e processos que atestam a


fatalidade como causa de acidentes, Ussier (2002) lembra e comenta: “Por exemplo,
até 1988 eu era promotor criminal no interior de São Paulo, onde a gente faz de tudo
um pouco.

Cheguei a arquivar inúmeros inquéritos policiais de acidentes de trabalho


porque na minha cegueira de então eu sempre questionava: Mas será que alguém
empurrou o cara da obra? A vítima não tomou o cuidado necessário! O que ele estava
fazendo lá em cima? E acabava arquivando o inquérito porque não conseguia ver a
ocorrência de um crime ali, no ambiente de trabalho.

Mas depois que passei a conhecer aquele mundo subterrâneo das relações de
trabalho, eu venho afirmando com todas as letras, que nenhum acidente ocorre por
acaso, porque o trabalhador quis se acidentar, ou se descuidou. Não existe
legalmente, o que antigamente a ideologia ‘prevencionista’ chamava de ato inseguro.
Mas essa cultura de que o acidente acontece por culpa do empregado existe até hoje.

Eu trabalho e venho trabalhando há 10 anos para tentar mudar um pouco essa


cultura nos inquéritos civis que são da minha responsabilidade.

Toda vez que chega ao nosso conhecimento lá na promotoria um acidente


grave, um acidente fatal, eu peço para um dos engenheiros de segurança do trabalho
que assessoram o Ministério Público de São Paulo, elencar todas as causas que
levaram à ocorrência daquele acidente. Nós chegamos sempre à conclusão de que
aquele acidente aconteceu, no mínimo, em razão de uma multicausalidade na qual a
irresponsabilidade da empresa sempre aparece”.

A sujeição do trabalhador a uma condição de trabalho onde existe risco grave


e iminente é precedida pela opção por uma concepção do trabalho em formato que
implica risco de morte para quem o executa. Nessas circunstâncias, só a recusa ao
trabalho significa a determinação do não-acidente, vez que a mensuração do risco
grave e iminente recai no campo regido pela teoria das probabilidades.
84

No arcabouço teórico da Convenção 17425 da Organização Internacional do


Trabalho, em relação à análise dos grandes acidentes, tem-se que as causas principais
são classificadas nas seguintes categorias: operacionais; ambientais; organizacionais
e pessoais. Embora a classificação das causas sugira uma abordagem multicausal do
acidente, não há indicação de método a ser aplicado para a identificação das causas
denominadas principais (Almeida, 2003).

A sociedade moderna convive com tecnologias de alto risco, onde eventuais


erros humanos têm a capacidade de provocar efeitos catastróficos, capazes de atingir
grandes extensões territoriais e permanecerem ativos em sua nocividade por muito
tempo. Entre os sistemas complexos que utilizam tais tecnologias, Perrow (1984) cita
as plantas de energia nuclear, as plantas químicas, aeronaves e controles de tráfego
aéreo, embarcações, barragens, armas nucleares, missões espaciais e a engenharia
genética.

Segundo Reason (1993), os desenvolvimentos que vêm ocorrendo na


psicologia cognitiva, nos campos teóricos e metodológicos, desde a década de 70,
possibilitam que se faça um estudo dos erros por eles mesmos. Uma melhor
compreensão dos processos mentais poderá mais que permitir a concepção de
métodos eficazes para prevenir ou reduzir os erros humanos. Para Reason (1993), se
a compreensão dos processos mentais pela psicologia cognitiva propiciar uma
concepção adequada dos processos cognitivos de controle, ela deverá também
explicar, não apenas o desempenho correto, mas também as formas mais previsíveis
das falhas humanas.

Reason (1993) afirma que a precisão de nossa previsão dos erros depende
enormemente da qualidade da nossa compreensão dos fatores envolvidos na

25
Na Conferência realizada em Genebra, no dia 22 de junho de 1993, a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) adotou a Convenção de número 174 versando sobre a PREVENÇÃO DE GRANDES
ACIDENTES INDUSTRIAIS que envolvam substâncias perigosas cujas conseqüências resultem na
exposição de trabalhadores, população e meio ambiente a riscos imediatos ou de médio e longo prazo.
A Convenção OIT 174 foi ratificada no Brasil pelo Congresso Nacional, através do Decreto
Legislativo nº 246/2001 e sancionada pela Presidência da República por meio do Decreto 4.085, de
15.01.02 e entrou em vigor no País a partir de 02 de agosto de 2002.
85

produção desses erros, assim como a discriminação das causas é condição


imprescindível à apreensão do ensinamento que o acidente implica. A abordagem
sistêmica do acidente de trabalho busca a maior qualificação da compreensão que se
tem do fenômeno, para subsidiar o incremento da capacidade de prevenção de
ocorrências indesejadas pela organização e a necessidade da melhor compreensão
das vicissitudes da intervenção humana está contemplada nesse contexto analítico.
Com isso, Reason (1993) afirma que uma concepção adequada dos processos
cognitivos de controle poderá explicar as formas mais previsíveis da falha humana.

Um bom início é tentarmos conceituar o que seria, afinal, o erro. Segundo


Reason (1990) é aceitável que o erro seja conceituado como a falha de ações
planejadas em atingir uma meta desejada.

A abordagem que será praticada para a compreensão do erro humano também


deve ter caráter sistêmico, pois seria um equívoco teórico dedicar a um componente
do sistema um tratamento diferenciado; à parte, cabe uma abordagem que seja
compatível doutrinariamente26 com aquela praticada com o todo.

Assim, com o propósito de examinar a produção dos erros com o mesmo


olhar sistêmico, Reason (1993) afirma que a compreensão dos fatores de produção
desses erros só será possível com o suporte de uma teoria que contemple e articule os
principais aspectos presentes, que são: a natureza da tarefa e as condições nas quais
ela é realizada, os mecanismos que regem a atividade e as particularidades do sujeito.

Uma teoria que considere a multiplicidade dos fatores presentes no ambiente


de trabalho e ainda atente para a forma de inserção do trabalhador no sistema de
produção objeto de análise e sua relação com os demais elementos, poderá avançar
no sentido de permitir não só a previsão das circunstâncias mais propícias à produção
do erro, como também antecipar a forma particular que o erro assumirá.

Isso posto, o grau de complexidade do sistema sob foco atua como fator
determinante para a profundidade da leitura que se consegue fazer. Quanto mais
simples os sistema, com mais facilidade se empreende com sucesso uma abordagem
sistêmica. No entanto, para a maioria dos erros, nossa capacidade de apreensão da

26
Doutrina é o conjunto de princípios que servem de base a um sistema filosófico, científico etc.
86

interação complexa entre os fatores causais mostra-se imperfeita e incompleta. A


conseqüência disso é que as especulações que pode fazer a respeito dos erros acabam
tendo caráter probabilístico.

Na discussão que faz sobre os erros humanos, Reason (1990) associa a noção
de erro à noção de intenção, de maneira inseparável; para ele, se existe o propósito de
fazer um inventário das diferentes formas que o erro assume, é producente começar
pela examinação dos variados tipos de comportamento intencional.

O algoritmo proposto por Reason (1990) permite diferenciar os tipos de


comportamentos intencionais, conforme se observa na Figura 12, a seguir:
87

Não
Não Ação involuntária
ou sem intenção
Havia intenção
Havia intenção na
premeditada na
ação?
ação?
Sim
Ação espontânea ou
Sim subsidiária

Não
Ação não
As ações ocorreram intencional (falha ou
conforme previsto? lapso)

Sim

Não
As ações atenderam Ação intencional
os fins propostos? mas com falha

Sim

Ação bem sucedida

Fonte: Adaptado de Reason (1993).

Figura 12. Algoritmo de Reason - Algoritmo que permite diferenciar os tipos de


comportamentos quanto à intencionalidade.

Seale (1980) apud Reason (1990) introduziu uma diferenciação importante a


ser considerada na análise das ações intencionais, que comporta a intencionalidade
sempre mas não necessariamente uma intencionalidade planejada ou premeditada. É
necessário ter claro que o desenrolar de uma intenção premeditada ou planejada
comporta duas classes de ações, quais sejam: as ações intencionais e as ações sem
intenção.

De acordo com Reason (1990), ações não intencionais ocorrem devido a


falhas da memória que impedem a realização da atitude planejada, constituindo um
88

lapso, ou alguma falha como falta de atenção que provoca a realização da ação
equivocada, o que constituiria um deslize.

As ações intencionais são de dois tipos: erros e violações. Erros ocorrem


quando a compreensão, o conhecimento ou julgamento, numa determinada situação,
são deficientes e uma ação é planejada e executada de uma maneira tal que não
redunda no resultado desejado. Violações são ações intencionais que, por várias
razões não estão em conformidade com as regras vigentes, padrões e normas. Exceto
atitudes deliberadas como a sabotagem, a motivação envolvida na ocorrência de uma
violação não é a de causar mal ou dano, mas freqüentemente é simplesmente
“completar a tarefa” (Gibb; Hayward; Lowe, 2001).

Encontramos exemplo de ação intencional sem intenção premeditada nas


ações subsidiárias. Atrás das ações subsidiárias eu tenho uma intenção, mas não
tenho uma intenção premeditada ou planejada. Ao discorrer sobre essa questão,
Reason (1993) exemplifica com a seguinte situação: quando você afirma que irá ao
trabalho de carro, não está conscientemente se referindo a cada ação envolvida nesse
propósito, como o fato de que vai abrir a porta do carro, sentar, por o cinto de
segurança, checar posição dos espelhos, colocar a chave no contato, dar partida no
motor etc. Essas são as ações ditas subsidiárias.

Na abordagem sistêmica do acidente de trabalho deve ser considerada a forma


na qual a preocupação com a prevenção de acidentes se faz presente na cultura
organizacional, como se manifesta nas pequenas e grandes decisões que são tomadas
durante o transcorrer de um turno de trabalho. Höpfl (1994) examina as implicações
da mudança na cultura organizacional para as formas nas quais as questões afetas à
segurança são percebidas, formuladas e atendidas.

Schein (1985) apud Höpfl (1994) define cultura como o conjunto de


“assunções básicas e crenças que são compartilhadas pelos membros de uma
organização”. Fornecendo outros elementos para a conceituação de cultura dentro da
organização, Schein (1985) apud Maximiano (1997) afirma que “cultura é a
experiência que o grupo adquiriu à medida que resolveu seus problemas de
adaptação externa e integração interna, e que funciona suficientemente bem para ser
considerada válida. Portanto, essa experiência pode ser ensinada aos novos
89

integrantes como forma correta de perceber, pensar e sentir-se em relação a esses


problemas.

Robbins (1990) apud Maximiano (1997) sugere alguns indicadores para que a
cultura organizacional possa ser identificada e analisada, que são os seguintes:

● Iniciativa individual. Nível de responsabilidade, liberdade e


independência das pessoas;

● Tolerância ao risco. Nível de encorajamento da agressividade, inovação e


riscos;

● Direção. Clareza em relação aos objetivos e expectativas de desempenho;

● Integração. Capacidade de as unidades trabalharem de maneira


coordenada;

● Contatos gerenciais. Disposição dos gerentes para fornecer comunicações


claras, assistência e apoio aos subordinados;

● Controle. Volume de regras e regulamentos, e de supervisão direta que se


usa para supervisionar e controlar o comportamento dos empregados;

● Identidade. Grau de identificação das pessoas com a organização como


um todo, mais que com seu grupo imediato ou seus colegas de profissão;

● Sistema de recompensa. Associação entre recompensas e desempenho;

● Tolerância ao conflito. Grau de abertura para a manifestação de conflitos


e críticas;

● Padrões de comunicação. Grau de restrição das comunicações aos canais


hierárquicos.

Turner (1978) apud Höpfl (1994) afirma que os acidentes principais têm um
“período de incubação”, no qual ocorrem uma série de eventos não registrados ou
percebidos; isso contraria o pensamento estabelecido nas organizações de que o
sistema opera de uma maneira definida e os riscos existentes já foram caracterizados.
Sathe (1983) apud Höpfl (1994) argumenta que “as pessoas sentir-se-ão
compromissadas com os objetivos da organização quando identificam em tais
90

objetivos alguma ligação emocional. As crenças e os valores compartilhados que


compõem a cultura ajudam a gerar essa ligação”.

No contexto onde se dá a realização do trabalho a figura humana é central. É


necessário considerar que o acidente de trabalho é problemática social, que não tem
suas principais raízes fincadas no chão da fábrica, de forma que mobiliza, na busca
da imprescindível transformação da realidade, diversas disciplinas das Ciências
Humanas, com destaque para as Ciências Sociais e a Psicologia. A primeira porque o
trabalho é atividade basal da organização da sociedade e a segunda porque o
comportamento humano está sempre entre as múltiplas causas imediatas do acidente
do trabalho. Assim, essas disciplinas, além das interfaces que apresentam, se ocupam
de áreas do conhecimento que esteve pouco presente na revisão bibliográfica feita
nesta dissertação. Àqueles que pretenderem aprofundar sua leitura nessas áreas,
Almeida (2000) e (2002) apresenta extensa e recomendada relação de bibliografia.
91

5 A legislação

A legislação acidentária brasileira classifica os acidentes do trabalho em três


categorias: acidente-tipo27, doenças do trabalho ou doenças profissionais e acidentes
de trajeto. Conforme registra Segre (1985) apud Waldvogel (2002), “os acidentes-
tipo são aqueles que ocorrem no exercício do trabalho, de forma concentrada no
espaço e no tempo; as doenças profissionais são aquelas com relação direta e
constante entre o trabalho que se exerce e o aparecimento de doenças; os de trajeto
são aqueles que ocorrem no momento em que o trabalhador estiver se locomovendo
do trabalho para a residência e vice-versa, e nos horários de refeição”.

A investigação de acidentes do trabalho realizada pela própria empresa pode


ocorrer em diferentes cenários. O primeiro contaria com a existência de
procedimentos definidos no bojo de um sistema de gestão da segurança e saúde no
trabalho, tendo como razão o propósito de identificar causas para melhorar a
prevenção; o segundo seria o atendimento a regulamentos da legislação específica
sobre segurança e saúde no trabalho. Esses dois cenários podem aparecer
superpostos, bastando para tanto a empresa praticar um sistema de gestão e estar
obrigada à constituição de CIPA e SESMT.

27
De acordo com Waldvogel (2002), “apesar da denominação correta dos acidentes de trabalho
propriamente ditos ser acidente-tipo, conforme a Lei Acidentária Nº 6.367 de 1976, costuma-se adotar
o termo acidente-típico tal como é mencionado pela Previdência Social”. Essa nomenclatura adotada
pela Previdência Social tem como aspecto negativo a possibilidade de sugerir que existiriam atributos
em acidentes que os tornariam típicos do trabalho, quando o interesse maior da terminologia é apenas
diferenciar os acidentes que ocorrem durante o exercício do trabalho dos demais acidentes e das
doenças relacionadas ao trabalho.
92

No âmbito da Portaria Nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego,


temos duas normas regulamentadoras nas quais se faz presente a questão da
investigação e análise de acidentes do trabalho: a Norma Regulamentadora 4, que
trata do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do
Trabalho - SESMT28, e a Norma Regulamentadora 5, que cuida da Comissão Interna
de Prevenção de Acidentes – CIPA29 (Saliba; Saliba, 2002).

Na estrutura das normas regulamentadoras e outros diplomas legais similares


na área de segurança e saúde no trabalho, as normas do SESMT e da CIPA ocupam
espaço que guardam os meios imprescindíveis à operacionalização de qualquer
política para a prevenção do acidente e da doença relacionada ao trabalho. A NR 4
guarda elementos da dimensão administrativa, orgânica da política, enquanto a NR 5,
entre outros elementos, trata do direito do trabalhador participar da gestão da
segurança e saúde no trabalho na empresa, exercitando o direito de defesa de sua
saúde. Essas duas normas regulamentadoras, em vários aspectos, são
complementares e interdependentes. No texto de cada uma delas as citações são
recíprocas. Assim, para que a gestão da segurança e saúde no trabalho alcance seus
objetivos, essas duas instâncias devem ser adequadamente apropriadas e mobilizadas.
Entre as ações que são empreendidas no âmbito do SESMT e CIPA, a investigação e
análise de acidentes estão sujeitas a determinantes que influenciam a maneira como
esse processo se desenrola no interior das empresas. A possibilidade da investigação
resgatar circunstâncias que venham caracterizar culpabilidade para a empresa é um
incômodo, ainda que não explicitado no processo.

28
Na NR 4, no item 4.12, que relaciona as competências dos profissionais integrantes do SESMT, no
subitem h, temos: “analisar e registrar em documento(s) específico(s) todos os acidentes ocorridos na
empresa ou estabelecimento, com ou sem vítima, e todos os casos de doença ocupacional,
descrevendo a história e as características do acidente e/ou da doença ocupacional, os fatores
ambientais, as características do agente e as condições do(s) indivíduo(s) portador(es) de doença
ocupacional ou acidentado(s);”.
29
Na NR 5, no item 5.16, que relaciona as atribuições da CIPA, no subitem l, temos: “participar, em
conjunto com o SESMT, onde houver, ou com o empregador da análise das causas das doenças e
acidentes de trabalho e propor medidas de solução dos problemas identificados;”.
93

Historicamente, o Direito à Saúde do Trabalhador vem evoluindo desde as


primeiras anotações sobre doenças do trabalho e sua relação com o ambiente, na
Roma antiga, no Renascimento, na Alemanha, na Itália em 1700 com Ramazzini,
(Ramazzini, 2000) com descrições detalhadas de pneumoconioses, estresse, neuroses
e lesões por esforços repetitivos, entre outras. Durante a Revolução Industrial, a
concepção à época era a de que as lesões, acidentes e enfermidades eram
subprodutos da atividade empresarial e a prevenção era responsabilidade do próprio
trabalhador. Em 1802, a Inglaterra aprovou a primeira lei de proteção aos
trabalhadores, a Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes, que estabelecia limite de 12
(doze) horas por dia, proibia trabalho noturno, obrigava os empregadores a lavar as
fábricas e tornava a ventilação obrigatória.

O “Factory Act”, de 1833, aplicava-se a todas as empresas da Inglaterra e


proibia mais de 69 (sessenta e nove) horas semanais; exigia escolas para menores de
13 (treze) anos; exigia idade mínima de 9 (nove) anos para o trabalho e já obrigava a
existência de um atestado médico para o trabalho.

A Igreja, com a Encíclica "De Rerum Novarum", de 1891, interessa-se pela


condição de trabalho dos operários, e surgem, a partir de 1884, na Alemanha, as
primeiras leis de acidente do trabalho, estendendo-se a outros países, até chegar ao
Brasil em 1919, com o Decreto Legislativo Nº 3.724.

Antes da publicação do Decreto Nº 3.724 em 1919, a presença da segurança


do trabalhador já se manifestara no Brasil em dois Códigos do nosso arcabouço
jurídico. Conforme descreve Waldvogel (2002), o primeiro texto legal brasileiro a
contemplar o acidente do trabalho foi o Código Comercial de 1850, onde em seu
artigo 78, pode-se ler: “Os agentes de comércio são responsáveis pelos preponentes,
por todo e qualquer dano que lhes causarem por malversação, negligência culpável,
ou falta de exata e fiel execução das suas ordens e instruções, competindo até contra
eles ação criminal no caso de malversação”. No entanto, a abrangência do dispositivo
restringia-se aos trabalhadores do setor comercial.

A ampliação dessa abrangência veio com o Código Civil de 1916 que, em seu
artigo 159, resguarda o direito na relação de trabalho, ao afirmar que “aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar
94

prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Embora a situação de trabalho


não esteja explícita, é incontroverso que o dispositivo poderia ser evocado pelo
trabalhador na qualidade de direito comum para a defesa de seus interesses.

Conforme assinala Waldvogel (2002), esses dispositivos legais encontram


inspiração na teoria da “culpa aquiliana”, sendo a responsabilidade pelo eventual
dano de caráter extracontratual. A culpa do empregador devia ser provada pelo
trabalhador que nessa empreitada encontraria dificuldades. Nesse mérito, registra
Martins (1997) apud Waldvogel (2002) que “o operário, porém, não conseguia fazer
a prova do acidente quanto à culpa do empregador pois as testemunhas que arrolava
não compareciam, visto que eram oriundas da própria empresa , ficando com medo
de serem despedidos pelo patrão”.

Em 1919, por intermédio do Decreto Legislativo Nº 3.724, de 15 de janeiro


daquele ano, implantaram-se os serviços de medicina ocupacional, com a
fiscalização das condições de trabalho nas fábricas (Brasil, 2003).

De acordo com Waldvogel (2002), o Decreto Nº 3.724 foi a primeira lei a,


dentro do termo genérico “dano ao trabalhador”, abordar o acidente do trabalho
como uma categoria especial. Inverteu-se o ônus da prova, cabendo ao empregador o
ônus de provar eventual dolo do trabalhador. A substituição do princípio da culpa
aquiliana pela teoria do risco profissional criou uma responsabilidade objetiva do
empregador em relação ao acidente do trabalho. Motivo de força maior, dolo da
vítima ou dolo de terceiros não geram responsabilidade para o empregador.

Nesse mesmo ano de 1019, a Organização Internacional do Trabalho aprova


uma série de Convenções destinadas à proteção do trabalho, contemplando aspectos
como a limitação da jornada de trabalho, proteção à maternidade, trabalho noturno
para mulheres e menores e a idade mínima para admissão de crianças (Brasil, 2003).

Na esfera internacional, destaca-se, ainda, a Declaração Universal dos


Direitos Humanos, aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das
Nações Unidas, que assegura ao trabalhador o direito ao trabalho, à livre escolha de
emprego, às condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o
desemprego; o direito ao repouso e ao lazer, limitação de horas de trabalho, férias
95

periódicas remuneradas, além de padrão de vida capaz de assegurar a si e sua família


saúde e bem-estar.

Cabe incluir nas responsabilidades do empregador sobre o acidente do


trabalho dois outros aspectos do Direito:

● Ação Regressiva da Previdência Social, onde, nos casos de negligência


quanto às normas de segurança e higiene do trabalho indicadas para a
proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação
regressiva contra os responsáveis, para ressarcimento das despesas
decorrentes dos acidentes do trabalho ocorridos por dolo ou culpa do
empregador. É o que preceitua o artigo 341 do Decreto Nº 3.048 de 1999.

● Garantia de Emprego do Acidentado, onde o segurado que sofreu acidente


do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a
manutenção de seu contrato de trabalho na empresa, após seu retorno da
Previdência Social, independentemente de percepção de auxílio-acidente
desta. Essa garantia abrange as hipóteses de acidente típico, doenças
profissionais, doenças do trabalho e outras hipóteses mencionadas na lei
como equiparadas a acidentes do trabalho. Não existe essa garantia nos
acidentes menores, cujo período de afastamento seja de até 15 (quinze)
dias, onde não há a percepção de auxílio-doença-acidentário, do INSS
(Saliba; Saliba, 2002).

Na legislação vigente acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do


trabalho a serviço da empresa, ou ainda pelo exercício do trabalho dos segurados
especiais, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a
perda ou redução da capacidade para o trabalho, permanente ou temporária.

Consideram-se acidente do trabalho, nos termos da lei, as seguintes entidades


mórbidas:
96

I. doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada


pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e
constante da relação de que trata o Anexo II30;

II. doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em


função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com
ele se relacione diretamente, desde que constante da relação de que
trata o Anexo II;

Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produz incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurados habitantes de região em


que ela se desenvolva, salvo comprovação de que resultou de
exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação


constante do Anexo II resultou de condições especiais em que o trabalho é
executado e com ele se relaciona diretamente, a previdência social deverá equipará-
la ao acidente do trabalho.

Equiparam-se também ao acidente do trabalho:

I. o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa


única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, ou para
a perda ou redução da sua capacidade para o trabalho, ou produzido
lesão que exija atenção médica para sua recuperação;

II. o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário de trabalho, em


conseqüência de:

a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou


companheiro de trabalho;

30
O Anexo II referido trata-se de relação de doenças elaborada pelo Ministério da Previdência Social.
97

b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa


relacionada com o trabalho;

c) ato de imprudência, negligência ou de imperícia de terceiro, ou de


companheiro de trabalho;

d) ato de pessoa privada do uso da razão;

e) desabamento, inundação, incêndio ou outros casos fortuitos


decorrentes de força maior.

III. a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no


exercício de sua atividade;

IV. o acidente sofrido, ainda que fora do local e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviços sob a autoridade


da empresa;

b) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo, quando


financiada por esta, dentro de seus planos para melhor capacitação da
mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado,
inclusive veículo de propriedade do segurado;

c) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para


aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de
propriedade do segurado, desde que não haja alteração ou interrupção
por motivo alheio ao trabalho.

Nos períodos destinados à refeição ou ao descanso, ou por ocasião da


satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local de trabalho ou durante este, o
empregado é considerado no exercício do trabalho. Não é considerada agravação ou
complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra
origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.

Considerar-se-á como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do


trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade
habitual ou o dia em que o diagnóstico for concluído, valendo para esse efeito o que
ocorrer em primeiro lugar.
98

Será considerado agravamento de acidente do trabalho aquele sofrido pelo


acidentado quando estiver sob a responsabilidade da reabilitação profissional.

A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à previdência social até


o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à
autoridade competente sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite
máximo do salário-de-contribuição sucessivamente aumentada nas reincidências. Da
comunicação a que se refere este artigo receberão cópia fiel o acidentado ou seus
dependentes, bem como o sindicato a que corresponda a sua categoria. Na falta do
cumprimento do disposto no caput, caberá ao setor de benefícios do Instituto
Nacional do Seguro Social-INSS comunicar a ocorrência ao setor de fiscalização,
para a aplicação e cobrança da multa devida.

Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio


acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o
assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo
ordinariamente previsto.

O acidente do trabalho deverá ser caracterizado:

I. administrativamente, pelo setor de benefícios do Instituto Nacional do


Seguro Social-INSS, que estabelecerá o nexo de causa e efeito entre:

a) o acidente e a lesão;

b) a doença e o trabalho;

c) a causa mortis e o acidente.

Em caso de acidente do trabalho, o acidentado e os seus dependentes têm


direito, independentemente do cumprimento de carência, às seguintes prestações e
serviços:

I. quanto ao segurado:

a) auxílio-doença;

b) aposentadoria por invalidez;

c) auxílio-acidente.
99

II. quanto ao dependente: pensão por morte;

III. quanto ao segurado e dependente;

a) serviço social;

b) reabilitação profissional.

5.1 A legislação trabalhista

No texto vigente da Constituição da República Federativa do Brasil, em


relação à segurança e saúde no trabalho, destaca-se o artigo 7º, onde define-se que
“são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria
da sua condição social (...); XXII: “redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio
de normas de saúde, higiene e segurança (...)”; XXVIII: “seguro contra acidentes de
trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado,
quando incorrer em dolo ou culpa”.

Sobre o seguro de acidente de trabalho há ainda a Emenda Constitucional Nº


20 que, ao parágrafo 10º do artigo 201, deu a seguinte redação: “Lei disciplinará a
cobertura do risco do acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo
regime geral da previdência social e pelo setor privado” (Waldvogel, 2002).

É responsabilidade da empresa o cumprimento da legislação específica


exarada pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, através da Secretaria de
Fiscalização do Trabalho - SEFIT, a elaboração de ordens de serviço, quanto às
precauções a serem tomadas no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças
relacionadas ao trabalho, o acatamento das determinações técnicas do serviço
competente das Delegacias Regionais do Trabalho e a facilitação do exercício da
fiscalização trabalhista. É o que preceitua o Artigo 157 da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT.

Por sua vez, a Lei 6.514, de 22 de dezembro de 1977, regulamenta o inciso


XXII do artigo 7º da Constituição Federal e, dentre outros, estabelece no artigo 200,
que cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às
100

normas de que trata o Capítulo V da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT),


tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho. Com base
nesse dispositivo, através da Portaria nº 3.214 de 08 de junho de 1978, foi aprovada
as Normas Regulamentadoras (NR) do Capítulo V, Título II, da CLT, que ao longo
dos anos sofreram diversas alterações, e atualmente são num total de trinta, conforme
relacionado a seguir:

• NR 1 Disposições Gerais

• NR 2 Inspeção Prévia

• NR 3 Embargo ou Interdição

• NR 4 Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina


do Trabalho - SESMT

• NR5 Comissão Interna de Prevenção de Acidentes- CIPA

• NR 6 Equipamentos de Proteção Individual

• NR 7 Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional

• NR 8 Edificações

• NR 9 Programa de Prevenção de Riscos Ambientais

• NR 10 Instalações e Serviços em Eletricidade

• NR11 Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais

• NR 12 Máquinas e Equipamentos

• NR 13 Caldeiras e Vasos de Pressão

• NR 14 Fornos

• NR 15 Atividades e Operações Insalubres

• NR 16 Atividades e Operações Perigosas

• NR 17 Ergonomia

• NR 18 Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção


101

• NR 19 Explosivos

• NR 20 Líquidos Combustíveis e Inflamáveis

• NR 21 Trabalho a Céu Aberto

• NR 22 Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração

• NR 23 Proteção Contra Incêndios

• NR 24 Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho

• NR 25 Resíduos Industriais

• NR 26 Sinalização de Segurança

• NR 27 Registro Profissional de Técnico de Segurança do Trabalho no


Ministério do Trabalho

• NR 28 Fiscalização e Penalidades

• NR 29 Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário

• NR 30 Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho


Aquaviário

5.2 A responsabilidade civil e criminal pelo acidente de trabalho

As relações estabelecidas por um contrato de trabalho, antes de serem


relações de trabalho são relações civis, onde a vida em sociedade impõe regras de
comportamento fundamentais à busca da harmonia social. Do ponto de vista
doutrinário, a legislação trabalhista no campo do acidente de trabalho é estruturada
no sentido de amparar o trabalhador, de forma que o mais fraco nada tem a provar
(FIESP, 2003). Do estabelecimento de limites deriva a necessidade de caracterizar o
que constitui ato ilícito, que pode ser omissivo (fruto de uma omissão) ou comissivo
(fruto de uma ação). O ato ilícito comporta ainda duas outras categorias: o ato doloso
e o culposo. Se a ação ou omissão for intencional ou voluntária, o ato ilícito é doloso;
se a ação ou omissão for involuntária e gerar o dano, o ato ilícito é culposo. A culpa
102

pode ser definida como a “responsabilidade por ação ou omissão prejudicial,


reprovável ou criminosa, mas não intencional” (Ferreira, 1975). O ato reveste-se da
culpa quando praticado com negligência31, imprudência32 ou imperícia33.

A caracterização da culpa da empresa pode se dar em duas situações: a


primeira seria a culpa in eligendo, oriunda da falta de cautela ou previdência na
escolha de pessoa a quem confia a execução de um ato ou serviço. Uma situação que
tipifica essa modalidade de culpa é a manutenção, pelo empregador, de empregado
não habilitado ou sem as aptidões requeridas; a segunda modalidade seria a culpa in
vigilando, que é causada pela ausência de diligência, atenção, vigilância, fiscalização
ou quaisquer outros atos de segurança do agente, no cumprimento do dever, para
evitar prejuízo a alguém. Exemplo dessa modalidade de culpa ocorre quando a
empresa de transportes deixa o veículo sair desprovido de freios e provoca, em
função disso, acidentes (Brasil, 2003).

Conforme distingue Pulino (1996) apud Waldvogel (2002) “há três formas de
responsabilidade na legislação acidentária. São elas: 1. a responsabilidade objetiva
do órgão de previdência social para com os beneficiários; 2. a responsabilidade
subjetiva do empregador para com o acidentado ou seus dependentes, quando aquele
agiu com dolo ou culpa; e 3. a responsabilidade subjetiva da empresa para com o
órgão previdenciário, em regresso àquilo que foi pagão por este último ao
beneficiário, nos casos em que aquele negligenciou as normas padrão de higiene e
segurança do trabalho”.

Conforme recorda Waldvogel (2002), a ação regressiva foi introduzida na


legislação acidentária pela Lei Nº 8.213 por meio do artigo 120 que trazia a seguinte
redação: “nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene

31
Negligência é a omissão voluntária de diligência ou cuidado; falta, ou demora no prevenir ou obstar
um dano (Brasil, 2003).
32
Imprudência é a forma de culpa que consiste na falta involuntária de observância de medidas de
precaução e segurança, de conseqüências previsíveis, que se faziam necessárias no momento para
evitar um mal ou a infração da lei (Brasil, 2003).
33
Imperícia é a falta de aptidão especial, habilidade ou experiência, ou de previsão, no exercício de
determinada função, profissão, arte ou ofício (Brasil, 2003).
103

do trabalho, indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social


proporá ação regressiva contra os responsáveis”. A ação regressiva é instrumento
que, se efetivamente aplicado, pode produzir mudança de interesse social no
comportamento das empresas em relação às boas práticas de segurança e saúde no
trabalho.

Para que seja caracterizada a responsabilidade civil por conta de acidente de


trabalho não é imprescindível a existência de vínculo empregatício entre a vítima e o
tomador de seu serviço. Saad (2002) comenta decisão do Tribunal de Alçada do Rio
Grande do Sul em caso com essas características, afirmando que “apesar da vítima
ser trabalhador autônomo, como alegado pela ré, e inclusive invocado no voto
vencido, esse dado foi considerado pela maioria dos julgadores como secundário, por
se tratar de indenização de direito comum, menosprezando a existência de vínculo
empregatício, exigida pela Lei de Acidentes de Trabalho. Tal aspecto faz denotar a
autonomia do campo da responsabilidade civil comum na matéria acidentária”.

O primeiro diploma legal a estabelecer que o pagamento da indenização


securitária não exime o empregador de outra indenização no âmbito do direito
comum, relativa ao mesmo acidente, foi o Decreto-Lei Nº 7.036, de 1944.
Tal dispositivo produziu a súmula Nº 229, do Supremo Tribunal Federal, onde se
estabeleceu que “a indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso
de dolo ou culpa grave do empregador”.

A culpa grave a que alude a Súmula Nº 229, do Supremo Tribunal Federal


caracteriza-se pela persistência de condições de trabalho que possam ter relação
causal com os acidentes fatais ou propícias à ação nefasta das doenças profissionais
ou do trabalho.

A ação pública penal é acionada mormente quando as causas que ensejaram a


morte do trabalhador cercarem-se de indícios que permitam a caracterização de
homicídio culposo.

A culpa se decompõe em atos de negligência, imprudência ou imperícia,


cometidos pelo empregador ou seus prepostos, abrangendo o pessoal do Serviço
Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho - SESMT,
104

cuja função, acima da conotação profissional, transforma o agente em preposto do


empregador no campo específico de segurança e saúde no trabalho.

A culpa grave, pela sua intensidade, pode ser equiparada ao dolo. Embora
inexista a intencionalidade que tipifica o dolo, não é exagerado supor que, na culpa
grave, o agente poderia prever as conseqüências de sua ação e evitar que fosse
consumada. O reconhecimento da existência do crime, assim entendido como
violação culposa da lei penal, em sentença condenatória, torna certa a obrigação de
reparar o dano dele resultante, pois a decisão de tal sentença reconhece a ocorrência
de ato ilícito.

Segundo Campos (1987), “os dissídios individuais entre empregados e


empregadores referentes às indenizações derivadas do acidente do trabalho estão no
âmbito da competência da Justiça do Trabalho, com a promulgação da Constituição
Federal de 1988”.

O Ministério Público34, obrigatoriamente, atua nos processos relativos a


acidentes do trabalho, em razão da natureza da lide de ordem pública, de natureza
alimentar, indisponível e irrenunciável e da qualidade da parte, normalmente, mais
frágil, na relação jurídica processual.

Até 1967 vigia no Brasil o sistema indenizatório segundo o qual o


empregador, por ser responsável pelo risco de acidente, era o responsável primário
pelo dever de reparar o infortúnio incapacitante. A indenização era tarifada. Não se
indagava mais, como se exige no Código Civil, a demonstração de conduta culposa,
por parte do empregador, a responsabilidade era objetiva. Só a conduta dolosa do

34
Segundo Brandimiller (1996), “O Ministério Público é um órgão autônomo com relação aos
poderes judiciário, legislativo e executivo, incumbido de defender os interesses da sociedade, em
relação ao governo/administração pública, à ordem jurídica e aos interesses sociais e individuais
indisponíveis. A atuação do Ministério Público não se limita à esfera do judiciário. As diversas
funções do Ministério Público são exercidas pelos promotores de justiça, que, no judiciário, podem
atuar como agente, ajuizando ações civis ou criminais, pleiteando direito alheio, individual ou
coletivo; ou como interveniente, atuando obrigatoriamente como sujeito em determinados processos
como nas ações de indenização por acidente de trabalho, em razão da natureza alimentar da lide e da
condição do acidentado, de parte mais fraca na relação jurídica”.
105

empregado excluía a reparação acidentária. Tornou-se obrigatória a constituição do


seguro de acidentes do trabalho, realizado por companhias seguradoras privadas, que
se sub-rogavam nas obrigações do empregador. Todavia, a partir de 1967, ocorreu
radical transformação no sistema infortunístico do trabalho, no Brasil. O acidente do
trabalho passou a ser, por determinação constitucional, mais um benefício
previdenciário. Adotou-se o risco social, passando o INSS a ser o órgão autárquico
encarregado do pagamento dos benefícios e auxílios acidentários.

De acordo com Campos (1987), na prática, os benefícios maiores ocorreram


para os empregados vitimados, que passaram a ter reabilitação profissional e
assistência médica com maior elasticidade, recebendo menos, mas sempre, por outro
lado, os empregadores, com louváveis exceções passaram a se omitir no tocante às
normas de segurança e saúde no trabalho previstas como garantias mínimas para os
trabalhadores.

Sendo independentes as ações de acidente do trabalho, de responsabilidade


civil e penal. Cabe a cumulação das ações civis e acidentárias, sem qualquer
compensação como confirmado pelo Supremo Tribuna Federal, Súmula Nº 229: “A
indenização acidentária não inclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa
grave do empregador”.

Não se pode olvidar que a responsabilidade civil envolve a empresa, o patrão


ou seus prepostos, sendo presumida culpa de patrão ou comitente pelo ato culposo do
empregado ou preposto”.

Em relação à culpa grave, conforme descreve Campos (1987), são exemplos


concretos: age com culpa grave o empregador que permite, ou exige, o trabalho:

• em prensas sem proteção, em máquinas defeituosas e perigosas;

• no setor siderúrgico, a mestres ou fiscais arriscado procedimento na retirada de


cargas de sucata, acarretando explosão das caçambas que transportavam escória
liquefeita em alta temperatura;

• na construção civil, em soldagem de chaminés sem condições de segurança;

• em soldagem de tanque de álcool;


106

• a simples carpinteiro, exercer atividade de operador de máquina de rebocar


paredes, ou fazer reparos em caldeira que aquecia água;

• a pedreiro que foi chamado pelo mestre-de-obras para ser operador de máquina
elétrica;

• a superintendente que exige de empreiteiro o esgotamento de tanque de


combustível com bomba movida a motor de gasolina;

• a novato trabalhar como operador de máquina com sistema elétrico danificado e


que funcionava, há dias, com ligação direta;

• em edifício em construção no décimo nono andar, executar serviço altamente


perigoso, sem usar cinto de segurança;

• em plataforma a cinco metros do chão, sem qualquer proteção;

• a engenheiro e mestres-de-obras que não fiscalizam a construção de taludes


devidamente escorados com pranchas metálicas ou de madeira;

• em local onde havia emanação de gases altamente tóxicos, com total omissão do
empregador no que tange à segurança;

• a lesionado por LER35 tido como curado e com o retorno à anterior atividade com
recidiva da moléstia.

Na esfera penal pode-se configurar o crime previsto no artigo 132 do Código


Penal, que é crime de perigo, originariamente criado objetivando a prevenção de
acidentes do trabalho. Esse artigo veda “ expor a vida ou a saúde de outrem a perigo
direto e iminente” e estipula pena com detenção de três meses a um ano, se o fato
não consitui crime mais grave.

A ação penal e a conseqüente ação civil serão improcedentes nos casos em


que se comprovar, que o acidente fatal foi causado por imprudência da própria
vítima, em desrespeito flagrante às normas internas de segurança do trabalho.
Mesmo uma condição de risco atribuível à empresa, desde que repentina e

35
A sigla LER refere-se às lesões por esforços repetitivos.
107

imprevisível, descaracteriza a culpa grave e, portanto, a ação penal, embora o


inquérito policial seja necessário, conseqüente da ação pública que é inerente a
qualquer morte acidental.

O que informa o dispositivo penal em questão é a consciência e vontade de


expor a vítima a grave perigo, bastando que o agente acarrete para a vítima uma
situação de fato em que sua vida ou saúde é exposta a um perigo direto e iminente,
restando suficiente a vontade ou consciência no sentido de tal situação de perigo. O
perigo deve apresentar-se direto e iminente, isto é, como realidade concreta, efetiva,
presente, imediata (exposição a substâncias altamente tóxicas ou a poeira em
suspensão de sílica livre, máquinas perigosas sem proteção, operários em grandes
alturas sem equipamentos de proteção etc.). O dolo específico pode ser direto ou
eventual: ou o agente pratica a ação (ou a omissão) com o intuito de criar o perigo,
ou, inescrupulosamente, não se abstém dela, apesar de prever a possibilidade de
dano.

São alguns exemplos concretos:

• objetos lançados dos edifícios em construção, sem as proteções determinadas


pelas normas;

• médico do trabalho que considera operários acometidos de leucopenia ou


saturnismo, após a alta, aptos ao trabalho para retornar à atividade anterior,
mesma que gerou o afastamento;

• empregador que permite, para economizar, como rotina, no setor siderúrgico, que
caçambas com umidade recebam escória liquefeita, em alta temperatura, sendo
iminente o risco de explosão e

• o empreiteiro que transporta “bóias-frias” em caminhões inadequados, sem


condições de segurança.

Conforme ensina Campos (1987), são exemplos concretos de homicídio


culposo:
108

• acidente do trabalho com morte de dois operários decorrente de deslizamento de


terra, em obra, em construção com responsabilidade do engenheiro e do mestre-
de-obras bem caracterizada;

• morte de recém-nascido, causada por incêndio em berçário de hospital com


manutenção precária da aparelhagem, responsabilidade do encarregado de
manutenção, e negligência também da atendente de enfermagem, caracterizando
culpa criminal de ambos;

• empregador que manda empregado menor pulverizar agrotóxico, com morte do


mesmo;

• agente que transporta passageiros em carreta de trator em total estado de


insegurança.
109

6 METODOLOGIA

Neste trabalho, procura-se aplicar no estudo de caso, os fundamentos de uma


metodologia de investigação e análise de acidentes do trabalho que, como proposta
para a sua compreensão enquanto fenômeno de caráter técnico-social, procure
avançar em relação às concepções causais que ainda vêm sendo aplicadas,
particularmente no âmbito dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança
e Medicina do Trabalho das empresas - SESMT36.

É importante fazer com que na apresentação da análise do acidente esteja


presente a preocupação em explicitar a justificação do pensamento do analista
através do raciocínio lógico. Com esse propósito, buscou-se o necessário suporte
teórico na metodologia da árvore de causas de investigação e análise de acidentes de
trabalho, por entender que a aplicação de seus princípios dificulta o exercício de
conceitos subjetivos no desenvolvimento da análise.

O esforço possível para um processo de investigação e análise de acidente de


trabalho com as características do estudo de caso aqui apresentado e as limitações
que lhe são inerentes, reside na tentativa de reconstituição das atividades que tiveram
relação mais próxima com a ocorrência investigada. Não basta a reconstituição da
atividade da vítima se existe o propósito de avançar na identificação dos demais
fatores envolvidos. Na abordagem sistêmica que se propõe o método da árvore de
causas, a atividade é a unidade de análise, de maneira que atua à feição de um fio
condutor para o desenvolvimento da investigação, permitindo a incorporação
progressiva de atributos menos evidentes das circunstâncias relacionadas ao acidente.

A opção manifesta no objetivo geral da presente dissertação, de operar no


espaço dos acidentes de trabalho fatais encontra justificação e guarida no tipo de
tratamento institucional, alheio ao Ministério do Trabalho e Emprego, que essa classe
de eventos recebe.

36
Os SESMT - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho das
empresas constituem assunto regulamentado pela Norma Regulamentadora 4 da Portaria Nº 3.214/78
do Ministério do Trabalho e Emprego.
110

O material gerado na investigação empreendida pelo departamento


técnico/científico da polícia, contém registros de informações que são necessárias na
tentativa de reconstituição das situações de trabalho existentes quando da ocorrência
dos acidentes. Dessa forma, as evidências colhidas, além de servir ao propósito
policial, desempenham papel importante para a construção de cenários verossímeis,
que resgatem informações relevantes para o interesse da prevenção.

Embora todos os elementos que comparecem na trama do acidente não sejam


passíveis de resgate, as manifestações materiais colhidas permitem, após sua análise,
a formulação de hipóteses e cenários que avancem na compreensão do acidente
enquanto fenômeno de gênese multicausal.

Outrossim, essa abordagem deve ser tal que a elaboração do pertinente


parecer técnico não fique totalmente à mercê das impressões pessoais do analista. A
ausência total de subjetividades é impossível, dada a natureza do fenômeno acidente
de trabalho, mas a adoção de uma metodologia pode contribuir para que a análise a
ser promovida seja pautada predominantemente pela objetividade.

O espaço a ser ocupado pela subjetividade, na análise do acidente, pode ser


restringido na elaboração de um parecer técnico se estiver presente a preocupação em
explicitar a justificação do pensamento do analista através do raciocínio lógico. É
impossível a parametrização do procedimento analítico, por conta da subjetividade
que lhe é inerente, mas é possível estabelecer os atributos que deve conter a
apresentação do resultado da análise, do seu produto.

A abordagem sistêmica e o raciocínio lógico seriam as ferramentas para a


identificação da presença desses atributos no produto apresentado pelo analista.

6.1 Estudo de caso

Uma pequena retrospectiva histórica evidenciaria em um determinado


período a crescente amplitude nas disciplinas que se ocuparam e das abordagens que
111

foram dirigidas às questões relacionadas à segurança e saúde do trabalhador, até


culminarem nas intervenções multidisciplinares.

A par da inerente complexidade da atuação conjunta de diferentes disciplinas


em uma mesma problemática, não se pode esquecer do caráter dinâmico de cada
ramo do conhecimento, das possibilidades de diferentes abordagens, da construção
de diferentes modelos e hipóteses passiveis de utilização na busca das respostas para
que o fenômeno estudado.

O presente estudo de caso bem caracteriza, enquanto recurso a ser aplicado na


pesquisa científica, o grupo de métodos denominados qualitativos.

Aqui, os métodos de cunho quantitativo, dirigidos à mensuração de


determinados aspectos da problemática estudada, se mostram irrelevantes. Mesmo
que o estudo proposto contemplasse uma amostra extensa de casos, a questão central
estipulada, para a qual propõe-se uma abordagem, poderia ser alocada em apenas um
elemento ou em pequeno grupo de elementos da amostra. Isso porquê a atenção
maior está direcionada à compreensão do fenômeno acidente de trabalho.

Segundo Yin (1989) apud Lazzarini, 1995, o estudo de caso surge como
método potencial de pesquisa quando se deseja entender um fenômeno social
complexo. Tal complexidade pressupõe um nível maior de detalhamento das relações
dentro das organizações, e entre os indivíduos e organizações, bem como dos
intercâmbios que estabelecem com o meio ambiente em que estão inseridos.

Lazzarini (1985) afirma que “a partir de uma revisão da literatura, conclui-se


que o método é aplicável para situações onde o problema de pesquisa é abrangente,
complexo e não pode ser analisado fora de seu contexto”. Com essa compreensão da
relação existente entre método e objeto, o estudo de caso, como método de pesquisa,
encontra no acidente de trabalho uma aplicação coerente, pois o evento a ser
estudado é por demais complexo para os métodos quantitativos.

Conforme ensina Lazzarini (1995), pesquisas de orientação qualitativa seriam


recomendáveis em situações onde o propósito é a construção de teorias, ao passo que
os métodos ditos quantitativos seriam adequados para situações propícias à
realização de testes de teorias.
112

Conforme enuncia Lazzarini (1995), a ausência de procedimentos bem


definidos e rigorosos para a coleta de dados e posterior avaliação é uma limitação
metodológica dessa modalidade de estudo. Isso não compromete a possibilidade de
aplicação desse recurso de pesquisa para casos onde se busca:

● explicar as relações causais em intervenções da vida real;

● descrever um contexto da vida real;

● ilustrar determinados casos;

● explorar situações onde a resposta não seja perfeitamente clara para o


pesquisador.

Essas seriam para Yin (1989) apud Lazzarini (1995) as quatro aplicações
básicas para o estudo de caso.

A adoção da Metodologia da Árvore de Causas como referencial teórico do


estudo aqui apresentado cumpre papel fundamental, mesmo que os limites pensados
por seus propositores sejam ultrapassados em função das características do caso
estudado. Conforme referido por Lazzarini, (1995) o referencial teórico funciona
como uma espécie de “matéria-prima”, que será moldada a partir das evidências
obtidas com o estudo.

6.2 A coleta de dados

Nas atividades de investigação e análise de acidentes de trabalho é importante


atentar para a possibilidade de diferenças entre a tarefa conforme constante em
manuais de procedimentos ou prescrita e a tarefa efetivamente realizada.

A postura do condutor do processo de investigação e análise deve ser isenta


de noções pré-concebidas; ele deve agir de forma que não menospreze aspectos ou
evidências que possa julgar, à primeira vista, improcedentes, pois escolhas erradas
podem significar afastamento dos fatos que realmente devem ser considerados.
113

As questões formuladas devem atender as necessidades suscitadas por um


tumultuado processo mental de elaboração de cenários, que é a essência do esforço
do agente condutor da investigação na reconstituição das principais circunstâncias
existentes na dimensão temporal mais próxima do surgimento da lesão no operador.

Uma recomendação de caráter prático é a de ir anotando, durante a condução


dos trabalhos, as informações e as idéias que vão surgindo. A análise delas deve
ocorrer em um segundo momento.

6.2.1 O contexto

No caso apresentado, seria impossível atender rigorosamente a metodologia


da árvore de causas, conforme foi formulada originalmente. As representações sobre
o acidente com as quais o agente responsável pela investigação vai tendo contato
carregam a marca da interação entre cada indivíduo e o fato investigado nas diversas
dimensões que conformam a inserção de cada trabalhador no meio de trabalho.
Importante salientar que as diligências que subsidiam a presente análise ocorreram
após um intervalo de tempo muito grande depois do acidente, quando já se
configurava um novo contexto no ambiente de trabalho e as conseqüências e
repercussões do acidente para a organização já estavam em adiantado processo de
assimilação pelos trabalhadores que, no desenrolar de sua atividade, vivenciaram
situações pertinentes física ou temporalmente àquelas mais diretamente relacionadas
com o acidente.

No caso do acidente de trabalho, a aplicação do método transcende sua


dimensão matemática e sua utilização sofrerá as influências sociais, econômicas e
políticas que regem as relações humanas. Acrescente-se que o acidente irá gerar
circunstâncias que irão manifestar-se de forma singular em cada elemento do
sistema. Como as interações têm continuidade pós-acidente, sua representação
coletiva irá sendo moldada à mercê de coações, dos mecanismos de defesa
individuais ou coletivos. Essa representação pode não se explicitar objetivamente
114

quanto ao papel que desempenha para a continuidade do sistema e assumir feições


dissimuladas entre os componentes do grupo.

Entretanto, a análise de acidentes é demandada em diversas circunstâncias


que nem sempre comportam as exigências postas para a aplicação de determinado
método. Uma dessas situações ocorre quando ao analista não é possível realizar a
investigação do acidente ou apenas pode realizá-la muito tempo após sua ocorrência.
Na situação que pretendemos abordar a principal fonte de informação acessível ao
analista é a documentação constante do processo judicial a ele encaminhado para que
elabore seu parecer. Eventualmente, como já referido anteriormente, poderá ter
acesso ao local de trabalho, se o espaço de tempo transcorrido ainda não tiver
assistido sua desfiguração.

O acidente de trabalho é fenômeno que extrapola o arcabouço jurídico


trabalhista ou previdenciário; há uma responsabilidade civil e criminal envolvida, de
maneira que nos casos de acidentes graves ou fatais as investigações empreendidas
pela empresa são tendentes a eximi-la de responsabilidade, atribuindo a causa do
acidente a um ato faltoso, negligente ou imperito da vítima.

A tramitação e processamento das ações relativas ao acidente de trabalho, em


suas diversas formas de proposição, na esfera do Poder Judiciário podem demandar,
em determinado momento, uma manifestação técnica específica, que pode ser
suprida por parecer técnico exarado por agente público especialista em segurança e
saúde do trabalhador.

Assim, muitas vezes configura-se uma demanda e um espaço temático para a


atuação da Fundacentro – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e
Medicina do Trabalho, que é instada por órgãos do Poder Judiciário, nos assuntos de
sua competência institucional, a contribuir com a instrução de processos cujos
objetos são acidentes fatais do trabalho.

Em função das características inerentes ao processamento da ação pela


Justiça, configuram-se algumas dificuldades à promoção da análise desejada. Essas
dificuldades variam de caso para caso e podem assumir feições mesmo impeditivas a
qualquer consideração que não tenha que transitar pelo incerto campo das
115

conjecturas. São casos onde a carência de informações quase absoluta inviabiliza


qualquer manifestação analítica lastreada em algum método com fundamento
científico; no máximo é possível apontar o não cumprimento flagrante de
dispositivos legais da área de segurança e saúde no trabalho. Esse tipo de caso foge
ao escopo do presente trabalho, cujo foco dirige-se àqueles casos nos quais as peças
que instruem o respectivo processo preservam informações fundamentais, obtidas
através do trabalho da polícia científica, dos depoimentos de testemunhas colhidos
em juízo e do resgate de documentação gerada pela empresa, como ata de reunião
extraordinária de CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, onde essa
comissão existe. Quando existe a possibilidade de fazê-lo, poderá ter acesso ao local
de trabalho, se o espaço de tempo transcorrido ainda não tiver assistido sua
desfiguração, tornando a inspeção no local do acidente uma diligência inócua.
Acidentes em frentes de lavra na mineração podem criar essa situação, pois se
houver a continuidade do processo de extração do minério após o acidente, o local da
ocorrência passa a ser um ponto perdido no espaço.

Na investigação de acidentes fatais, onde o condutor do processo comparece


como representante do Estado, tendo sua ação provocada e ambientada por uma ação
judicial, as dificuldades para reconstituir as circunstâncias do acidente se avolumam,
pois não há o depoimento da vítima e há o acobertamento de detalhes que possam
representar culpabilidade da empresa.

É esse receio da obliteração deliberada de evidências que suscita a dúvida


quanto à oportunidade da participação dos supervisores ou chefias imediatas da
vítima, que podem ter o envolvimento de interesses pessoais. A introdução de vício
na investigação, no entanto, pode ser identificada por meio de criteriosa revisão das
informações catalogadas durante a investigação. O confrontamento de versões e o
estudo da plausibilidade de cada uma delas são recursos de averiguação de
veracidade que devem ser aplicados durante a análise, antes da formulação de
conclusões. Ao lado da possibilidade das pessoas mais próximas à vítima, como sua
chefia direta, procurarem defender eventuais interesses pessoais, existe, por parte
delas o conhecimento do modo operatório usual na atividade que é aspecto relevante
para o condutor da investigação.
116

Esse tipo de intervenção do agente público normalmente ocorre após um


intervalo de tempo muito grande depois do acidente, quando já se configura um novo
contexto no ambiente de trabalho e as conseqüências e repercussões do acidente para
a organização já estão em adiantado processo de assimilação pelos trabalhadores que,
no desenrolar de sua atividade, vivenciaram situações pertinentes física ou
temporalmente àquelas mais diretamente relacionadas com o acidente.

Entretanto, isso não impede que apliquemos alguns dos fundamentos do


método, mesmo que os dados disponíveis possam, eventualmente, não explicitar, na
totalidade, a situação vivenciada quando ocorreu o acidente.

Entretanto, através de cuidadosa reconstituição do desenvolvimento de cada


situação de trabalho, é possível identificar elementos que levem à formulação de
diagramas suportados por fatos objetivos. As medidas adotadas pela empresa pós-
acidente também propiciam indícios preciosos ao analista, embora, pela sua própria
natureza devam ser mantidas na condição de hipóteses, não constando, assim, no
diagrama do acidente.

Ainda, e de maneira não menos importante, há que ser considerada que a


própria presença do agente público dentro da empresa constitui um fator que provoca
reações dentro do sistema, sendo impossível sua abstração.

Isso posto e cientes das limitações impostas, busca-se, à luz do raciocínio


lógico, elaborar um “Fluxograma de Antecedentes”, visando representar, através de
um diagrama, as circunstâncias que concorreram para o acontecimento do acidente.
Cada componente presente no Fluxograma é explorado, sempre que necessário à
melhor compreensão, na “Descrição dos Elementos Constantes no Fluxograma de
Antecedentes”.
117

6.2.2 As fontes

São os procedimentos inaugurados pela emissão de um Boletim de


Ocorrência Policial, que irão conformar o espaço oferecido ao analista para
elaboração de seu parecer técnico sobre o acidente de trabalho motivo da ação.

Especial atenção deve ser dispensada às entrevistas realizadas com as


testemunhas que, na maioria das vezes para o agente público instado a fazer a
investigação do acidente, compõem fonte primária de informações. Existindo mais
que uma testemunha, elas devem ser entrevistadas separadamente. De qualquer
maneira, quando a coleta de informações se dá muito tempo depois da ocorrência, o
condutor da investigação irá lidar com uma situação que já foi trabalhada pelos seus
personagens. A discussão das testemunhas entre si pode fazer com que as percepções
pessoais sejam perdidas. Essa perda faz, naturalmente, parte de um processo normal
de construção de um consenso sobre fatos que não necessariamente geram uma única
compreensão.

Esses elementos foram obtidos em observação direta na empresa, nos


documentos encaminhados pelo Exmo. Sr Procurador (Relatório elaborado pela
Auditora Fiscal do Trabalho que atuou no caso, Laudo de Exame Necroscópico,
Laudo de Exame em Local de Morte Violenta elaborado pelo Instituto de
Criminalística do Departamento de Polícia Técnico-científica da Polícia Civil do
Estado e cópia de ata de reunião de CIPA), cópia de ata de reunião realizada pela
empresa e depoimentos colhidos durante os trabalhos de investigação. Durante as
diligências foram ouvidos os seguintes trabalhadores: engenheiro de segurança do
trabalho, técnico mecânico, líder de produção, vigilante, chefe do almoxarifado e o
chefe da produção.
118

6.3 Descrição dos antecedentes

Analisar, na definição dada por Ferreira (1975) é decompor um todo em suas


partes componentes, observar, examinar com minúcias, examinar cada parte de um
todo com vistas a conhecer sua natureza, suas proporções, suas funções, suas
relações. Assim, ao promover uma análise do acidente, estamos buscando conhecer a
natureza do acidente de trabalho ou, ao menos, avançar na compreensão dessa classe
de eventos.

A maneira pela qual se dá a formulação dos fatos exige muita cautela, pois a
forma como descrevemos determinada situação pode levar o interlocutor a construir
mentalmente imagens que embutem um pré- julgamento e isso é inadmissível para
uma ferramenta que se pretende analítica.

Algumas expressões como: não parecia normal; insuficiente; fez má escolha;


fez a opção errada; agiu equivocadamente; estava distraído; mostrava-se nervoso e
tantas outras que buscam descrever estados de ânimo do trabalhador não são
aconselháveis.

Como o método da árvore de causas trabalha com fatos e não hipóteses e o


diagrama se apóia no raciocínio lógico, o rigor na descrição é aspecto imprescindível
à construção de árvores que impliquem contribuição relevante à análise do acidente.
A isenção na formulação de cada antecedente que estará no diagrama é etapa de
suma importância no processo de análise e o ideal é que consigamos aplicar na
utilização do nosso idioma o mesmo rigor que uma expressão matemática nos
permite.
119

7 RESULTADOS

A aplicação dos princípios expostos nesta dissertação, aplicáveis à


investigação de acidentes do trabalho, redundou na obtenção de resultados que foram
além daqueles obtidos por abordagens que se limitam às circunstâncias imediatas ao
acidente. Esses achados estão apresentados a seguir, contemplando as informações
obtidas na investigação, os resultados da análise, incluindo aí o fluxograma de
antecedentes e a essência do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta
pactuado entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho.

7.1 A investigação

C. S. B., 21 anos de idade, trabalhava no turno das 22h50 às 6h como


operador de máquina de injeção de resina na produção de componente eletrônico.
Tendo sido admitido em 1 de outubro de 1996, para trabalhar na empresa, estava
desempenhando suas funções no turno da madrugada desde agosto de 1999. O
acidente fatal ocorreu no final do mês de janeiro de 2000.

O acidente ocorreu por volta das 2h na plataforma de expedição e


recebimento de materiais de uma empresa do ramo eletro-eletrônico. A plataforma
possui duas rampas metálicas cujo movimento vertical permite seu ajuste às
superfícies de carga dos caminhões que se posicionam junto à plataforma para
entregar ou receber materiais. O trabalhador estava nessa plataforma operando uma
empilhadeira; ao executar manobras com o veículo, este transitou por sobre uma das
rampas que estava destravada. A rampa cedeu e a empilhadeira desequilibrou-se,
caindo no piso inferior à plataforma. Nesse movimento, o trabalhador foi projetado
para fora do posto de operação do veículo e teve o crânio esmagado contra o solo
pela proteção superior da empilhadeira, tendo morte instantânea. A vítima era
operador de linha de produção, não existindo registro formal de que operava a
empilhadeira.
120

Na investigação foram catalogados, a partir do acidente, fatos que o


antecederam, assim como foram registradas condições permanentes àquela situação
de trabalho. Esses elementos, que subsidiam a análise, estão relacionados a seguir:

7.2 Inventário de antecedentes

1. Acidente fatal;

2. A proteção superior da empilhadeira prensou a cabeça do trabalhador contra o


piso;

3. Queda e tombamento da empilhadeira;

4. O trabalhador foi projetado para fora da empilhadeira;

5. A empilhadeira transitou por sobre a rampa esquerda da plataforma;

6. A rampa cedeu;

7. O operador fica "solto" na direção da empilhadeira;

8. O trabalhador manobrava a empilhadeira na plataforma;

9. A rampa é endentada na superfície da plataforma;

10. A rampa estava destravada quando a empilhadeira transitou sobre ela;

11. A empilhadeira não possui, em seu posto de operação, proteção lateral ou


cinto de segurança;

12. Arranjo físico do local (dimensões e posição relativa do ponto de carga da


bateria da empilhadeira, das rampas e da porta de acesso do almoxarifado à
plataforma);

13. Houve descarregamento e/ou carregamento de caminhão (ões) em turno


anterior;

14. Após uso a rampa não foi travada;

15. A empilhadeira foi tirada do ponto de carga da bateria pelo técnico mecânico;
121

16. A empilhadeira foi deixada ao lado do reservatório de resina, em posição de


descarga do tambor;

17. A empilhadeira estava em operação de carga da bateria;

18. A empilhadeira foi utilizada pelo técnico mecânico, para descarregar um


tambor no reservatório de resina;

19. O técnico mecânico, ausentou-se antes de devolver a empilhadeira ao ponto


de carga da bateria;

20. O reservatório, com capacidade de 800 Kg, comportava o conteúdo de um


tambor (cerca de 240 Kg);

21. Havia um tambor de resina na estufa;

22. Decidiu-se esvaziar um tambor;

23. A máquina insersora de diodo apresentou problemas de funcionamento;

24. A produção da máquina insersora de diodos estava atrasada;

25. O técnico mecânico, não tinha os conhecimentos necessários para sanar o


problema;

26. O técnico apto a executar o conserto estava em sua casa;

27. Criou-se a necessidade de um recipiente para colocar detritos;

28. Indisponibilidade de recipiente adequado no local;

29. O trabalhador recebeu ordem para fazer a limpeza de máquina de injeção de


resina;

30. A máquina que o trabalhador operava, de injeção de resina, só iria entrar em


operação depois das 3 h;

31. Havia um pallet, com uma caixa grande de papelão, posicionado junto ao
pilar que fica ao lado da rampa onde ocorreu o acidente.

32. Os técnicos de manutenção estavam na empresa realizando a manutenção da


máquina insersora de diodos quando ocorreu o acidente, pois segundo consta
122

na ata de reunião realizada na empresa após o acidente, eles adentraram à


empresa por volta de 1h16.

7.3 Fluxograma de antecedentes

Com base nas informações constantes no inventário anteriormente


apresentado, foi elaborado o fluxograma de antecedentes quês está na figura 13 a
seguir:
123

Figura 13. Fluxograma de antecedentes.


124

7.4 Descrição dos elementos constantes no fluxograma de antecedentes e de


seu encadeamento lógico

1. Acidente fatal;

2. Proteção superior da empilhadeira prensou a cabeça do trabalhador contra o


piso;

3. Queda e tombamento da empilhadeira;


Na queda, a empilhadeira girou sobre si e caiu com a lateral da proteção
superior do operador virada para baixo, conforme se observa na Foto 2 a
seguir:

Fonte: Pandaggis (2000).

Foto 2. Posição assumida pela empilhadeira após a queda.


125

4. O trabalhador foi projetado para fora da empilhadeira;

Fato que, em conjunção com a posição assumida pela empilhadeira ao tocar o


piso gerou as condições para que o trabalhador tivesse a cabeça prensada
contra o piso pela proteção superior do equipamento.

5. Empilhadeira sobre a rampa esquerda da plataforma;

Para entender a queda da empilhadeira é forçoso considerar a posição que ela


ocupava nesse momento.

6. A rampa cedeu;

O fato de a rampa ceder, em conjunção com o fato da empilhadeira estar


nesse momento sobre ela (antecedente 5), provocou a queda e tombamento da
empilhadeira (antecedente 3).

7. Operador fica "solto" na direção da empilhadeira;

Circunstância que, se considerada em conjunção com o fato da rampa ter


cedido (antecedente 6), explica o fato do trabalhador ter sido projetado para
fora da empilhadeira (antecedente 4) na queda do equipamento.

8. Pallet posicionado junto ao pilar;

Havia um pallet suportando uma caixa grande de papelão, posicionado junto


ao pilar que fica ao lado da rampa onde se deu o acidente, conforme se pode
observar na Foto 3 a seguir.
126

Fonte: Pandaggis (2000).

Foto 3. Caixa de papelão sobre um pallet junto ao pilar.

Conforme considerações seguintes, trata-se de circunstância importante para


compreender o fato da empilhadeira ter assumido posição sobre a rampa
esquerda da plataforma (antecedente 5).

9. O trabalhador manobrava a empilhadeira na plataforma;

Trata-se de hipótese necessária para explicar a presença e posição da


empilhadeira sobre a rampa esquerda da plataforma (antecedente 5). A
posição do equipamento após a queda deixa claro sua orientação quando
alcançou a rampa, evidenciando que o movimento da empilhadeira se dava
em marcha ré. Pensar a respeito dos movimentos da empilhadeira na
iminência de sua queda é de suma importância. Portanto, a consideração da
posição do pallet com a caixa de papelão junto ao pilar (antecedente 8) é
deveras relevante, pois trata-se de região onde a manobra do veículo aqui
cogitada deveria ocorrer, sendo plausível aventar que, ao executar a manobra
127

o trabalhador desviara o veículo do pallet, atingindo assim a superfície da


rampa. A extensão da área ocupada pelo pallet com a caixa de papelão fica
evidenciada na Foto 4 a seguir.

10. Rampa endentada na superfície da plataforma;

A superfície da rampa forma um contínuo com a superfície da plataforma,


onde as cores de ambas se confundem, situando-se a rampa em um recorte da
plataforma, conforme observa-se na Foto 4, a seguir. Esse fato, em conjunção
com a hipótese do trabalhador estar manobrando a empilhadeira no local
(antecedente 9) e com o fato do pallet estar posicionado na região onde
ocorreu a manobra (antecedente 8), constitui conjunto de argumentos que se
mostra suficiente para explicar o fato da empilhadeira estar sobre a rampa
esquerda da plataforma (antecedente 5).

Fonte: Pandaggis (2000).

Foto 4. Marca deixada na plataforma pela empilhadeira.


128

11. A rampa estava destravada;

Circunstância que explica o fato da rampa ter cedido (antecedente 6) quando


a empilhadeira transitou por sobre ela.

12. Concepção do posto de operação da empilhadeira;

Embora a inexistência, no equipamento, de aparato que pudesse ter impedido


a queda do trabalhador para fora da empilhadeira não consiga isoladamente
explicar o fato do operador ficar "solto" no posto de operação (antecedente 7),
posto que existem outros aspectos envolvidos, é, claramente, aspecto que
deve ser considerado. É obrigatório lembrar que para as funções para as quais
o equipamento foi projetado pode-se considerar excesso de zelo a existência
de proteção lateral ou cinto de segurança no equipamento, pois a velocidade
de tráfego e as condições do piso dos locais por onde deve transitar tornam
tais proteções pretensamente desnecessárias. Entretanto, é impossível deixar
de considerar que a existência e uso de proteção no posto de operação do
veículo teria impedido a tragédia.

13. ?

Como a simples ausência de proteção lateral ou cinto de segurança na


empilhadeira não se configura como o bastante para explicar o fato do
operador ficar "solto" na operação da empilhadeira (antecedente 7), este
elemento do fluxograma lembra que outros aspectos devem ser considerados,
entre eles a possibilidade ou não de determinado dispositivo ser efetivamente
usado pelo trabalhador que executa uma determinada tarefa em função do tipo
de interferência que o dispositivo apresenta com as ações por ele
desenvolvidas.

14. O trabalhador conduzia a empilhadeira para o ponto de carga da bateria;


Elemento necessário para explicar a hipótese do trabalhador estar
manobrando a empilhadeira na plataforma (antecedente 9).
129

15. Arranjo físico do local;

As dimensões e a posição relativa da porta de acesso à plataforma, da rampa


envolvida com o acidente e do ponto de carga da bateria da empilhadeira,
além da existência de um pallet junto ao pilar (antecedente 8), em conjunção
com o fato do trabalhador estar conduzindo a empilhadeira para o ponto de
carga da bateria (antecedente 14), propiciaram as circunstâncias que
permitem conceber uma explicação para o conjunto de movimentos realizado
pelo veículo para que assumisse posição na qual viesse a transitar por sobre a
rampa, atingindo esta com sua parte traseira. O arranjo físico do local também
é determinante para o fato da rampa ser endentada na plataforma (antecedente
10). A figura 14, na página a seguir, reproduz a planta da plataforma, com os
elementos acima referidos.

16. Carga e/ou descarga de caminhão (ões) em turno anterior;

O ato de travar e/ou destravar a rampa está associado à operação de


carregamento e/ou descarregamento de caminhões na plataforma de
expedição. Assim, é coerente supor que na véspera do acidente ocorreu
operação de carga e/ou descarga de caminhão (ões) na plataforma. É condição
necessária à compreensão das circunstâncias que levaram ao fato da rampa
estar destravada (antecedente 11).

17. Após uso rampa não foi travada;

Para que se caracterizasse o fato da rampa estar destravada (antecedente 11)


não foi o bastante ela ter sido utilizada; também se fez necessário que após o
uso ela não tivesse sido travada. O sistema de travamento não é automático e
demanda a ação de um trabalhador para que isso aconteça.
130

2.00
1.80

2.00
Rampa

6.00

2.00
PLATAFORMA

10.00
Pé Direito = 3.60
2.00 1.80

Rampa
Local
do
Acidente

2.30
1.50 3.00 1.55 2.30
1.60

1.00 0.20

2.30
Carga da Bateria
Porta de
Enrolar da Empilhadeira

Recebimento

ALMOXARIFADO MEDIDAS EM METROS

Fonte: Pandaggis (2000).

Figura 14. Croqui do local do acidente.

18. A empilhadeira foi tirada do ponto de carga da bateria;

Trata-se de fato apurado na investigação que, embora não seja o bastante,


caracteriza-se como necessário para explicar o fato do trabalhador estar
operando a empilhadeira na plataforma.

19. A empilhadeira foi deixada ao lado do reservatório de resina;

Segundo informações fornecidas pelo técnico mecânico, que acompanhava o


turno de trabalho da noite do acidente, constantes de ata de reunião
extraordinária promovida pela empresa, ao precisar sair do local de trabalho,
deixou a empilhadeira com as chaves no contato no local onde ela tinha sido
utilizada, ainda em posição na qual ocorria a transferência da resina contida
no tambor para o reservatório. Esse antecedente, associado ao fato de que a
131

empilhadeira deveria ser devolvida ao ponto de carga da bateria para concluir


a operação, pois fora dali tirada (antecedente 18), faz parte do conjunto de
circunstâncias que permite compreender o fato do trabalhador estar
conduzindo a empilhadeira para o ponto de carga da bateria (antecedente 14).

20. O trabalhador sabia operar a empilhadeira;

Conforme informação fornecida pelo técnico mecânico, este deixou a


empilhadeira em posição na qual se dava a transferência do conteúdo do
tambor para o reservatório de resina. Nessa situação, a empilhadeira portava
um adaptador, cuja função é propiciar suporte para que a empilhadeira possa
fazer o levantamento do tambor até a altura do reservatório, permitindo que o
tambor gire sobre si e entorne seu conteúdo no reservatório que alimenta a
máquina de injeção de resina. Após o acidente o tambor foi encontrado
entornado sobre a grelha de proteção do reservatório de resina, posição usual
para a operação, para que todo seu conteúdo escorra para o reservatório e, no
acidente, a empilhadeira não portava o adaptador, permitindo inferir que o
trabalhador, ao sofrer o acidente, estava prestes a concluir a operação iniciada
pelo técnico mecânico. Durante o processo de coleta de informações na
empresa, pudemos acompanhar um operador de empilhadeira executando
toda a operação e deixando claro o grau de dificuldade da tarefa. Assim, ficou
evidente que para o trabalhador conduzir a empilhadeira, do ponto onde foi
deixada pelo técnico mecânico, até o local do acidente, foi imprescindível um
conjunto de habilidades que teria adquirido de forma alheia a um processo
formal de capacitação. O fato do trabalhador saber operar a empilhadeira,
associado aos antecedentes 18 e 19, permite a compreensão do fato de estar
conduzindo a empilhadeira para o ponto de carga da bateria (antecedente 14).

21. Empilhadeira em operação de carga da bateria;

Fato que contribui para a compreensão do fato do equipamento ter sido


retirado do ponto de carregamento da bateria (antecedente 17).
132

22. Empilhadeira utilizada pelo técnico mecânico, para descarregar um tambor no


reservatório de resina;

Este antecedente, considerado em conjunto com o fato do equipamento estar


em operação de carga da bateria (antecedente 21) fornece dados suficientes
para explicar o fato da empilhadeira ter sido tirada do ponto de carga da
bateria (antecedente 18).

23. O técnico mecânico, ausentou-se antes de devolver a empilhadeira ao ponto


de carga da bateria;

Esse antecedente, considerado conjuntamente com o fato da empilhadeira ter


sido utilizada para descarregar um tambor no reservatório de resina
(antecedente 22), permite compreender o fato do equipamento ter sido
deixado ao lado do reservatório de resina (antecedente 19).

24. Havia um tambor de resina na estufa;

É fato necessário para que se possa compreender o fato referido no


antecedente 22 (empilhadeira utilizada pelo técnico mecânico para
descarregar um tambor no reservatório de resina).

25. Decisão de esvaziar um tambor;

Este antecedente, considerado em conjunto com o fato de existir um tambor


em aquecimento na estufa (antecedente 24), permite explicar o fato referido
no antecedente 22 (empilhadeira utilizada pelo técnico mecânico para
descarregar um tambor no reservatório de resina).

26. Máquina insersora de diodo apresentou problemas de funcionamento;

Fato que é necessário para compreender o referido no antecedente 23 (o


técnico mecânico ausentou-se antes de devolver a empilhadeira ao ponto de
carga da bateria), embora não o justifique por completo.

27. O técnico mecânico não tinha os conhecimentos necessários para sanar o


problema;

A exemplo do antecedente referido no item anterior, é fato que é necessário


para compreender o referido no antecedente 23 (o técnico mecânico ausentou-
133

se antes de devolver a empilhadeira ao ponto de carga da bateria), embora não


o justifique por completo.

28. Técnico apto a executar o conserto estava em sua casa;

Este fato, de forma semelhante aos dois anteriores (antecedentes 26 e 27),


também se mostra necessário à compreensão do antecedente 23 (o técnico
mecânico ausentou-se antes de devolver a empilhadeira ao ponto de carga da
bateria).

29. A produção da máquina insersora de diodos estava atrasada;

Esse dado, considerado em conjunto com os referidos nos antecedentes 26, 27


e 28, fornece elementos que se mostram suficientes à compreensão do
antecedente 23 (o técnico mecânico ausentou-se antes de devolver a
empilhadeira ao ponto de carga da bateria).

30. Necessidade de um recipiente para colocar detritos;

É fato associado à decisão de esvaziar o tambor de resina (antecedente 25),


embora não seja o bastante para explicá-lo.

31. Indisponibilidade de recipiente no local;

Também é fato que contribui para a compreensão da decisão de esvaziar o


tambor de resina. Considerado em conjunto com os antecedentes 30
(necessidade de um recipiente para colocar detritos) e 24 (havia um tambor de
resina na estufa), temos as condições necessárias e suficientes para que a
decisão de esvaziar um tambor (antecedente 25) fosse tomada.

32. Limpeza de máquina de injeção de resina;

O fato do trabalhador ter recebido orientação para executar a limpeza de


máquina de injeção de resina tem relação imediata com a necessidade de um
recipiente para colocar os detritos (antecedente 30) gerados pela limpeza da
máquina.
134

Embora todos os elementos que compareceram na trama do acidente não


sejam passíveis de resgate, as manifestações materiais que foram colhidas permitem,
após sua análise, a formulação das considerações que se seguem:

1. o acidente ocorreu durante a madrugada, quando a equipe de trabalho é


bastante reduzida. Esse turno de trabalho funciona como um espaço de
manobra para o gerenciamento da produção e a equipe que nele atua é
composta por trabalhadores aptos a operar mais que um equipamento.
Segundo informações colhidas na empresa, o 1º turno de trabalho naquela
unidade de produção conta com 35 trabalhadores, o 2º turno conta com 28
trabalhadores e o 3º turno conta com 8 trabalhadores. Dado o papel que
cumprem, o grau de autonomia e autoregulação que possuem é aspecto
relevante para seu desempenho. O potencial de autoregulação do sistema será,
em parte, determinado pelo domínio que os elementos que nele atuam
possuem sobre os meios disponíveis e na habilidade desenvolvida para a
superação de imprevistos que emergem na realização de determinada
atividade. Dito de outra forma, teríamos o grau de maturidade organizacional
e autonomia do sistema caracterizando sua capacidade de autoregulação.
Assim, é pertinente afirmar que a cultura organizacional hegemônica no
grupo é composta, também, pelo caráter multifuncional de seus integrantes;

2. inexistia no turno do acidente profissional legalmente habilitado à operação


da empilhadeira, embora as informações obtidas permitam inferir que aquela
não foi a primeira vez que o equipamento foi utilizado no 3º turno e o acesso
a ele não apresentava qualquer obstáculo;

3. o arranjo físico do local impunha que a empilhadeira transitasse pela


plataforma toda vez que era levada ao ponto de carga de sua bateria,
conforme evidencia-se na Figura 14 (Croqui do local do acidente), à página
130. Durante os contatos mantidos com profissionais da empresa, alertamos
para o fato, sugerindo mudança no arranjo físico que possibilitasse à
empilhadeira o acesso ao ponto de carga da bateria sem necessidade de
transitar pela plataforma. A proposta consistiu na abertura de uma porta no
135

almoxarifado, na parede que separa essa seção da unidade de carga de bateria.


A proposta foi apresentada ao Sr. Gerente de Recursos Humanos, que
mostrou-se receptivo à alteração proposta.

7.5 O Termo de compromisso de ajustamento de conduta

Por diligência da competente Procuradoria Regional do Trabalho, a empresa


onde ocorreu o acidente de trabalho aqui tratado firmou junto ao Ministério Público
do Trabalho um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta. Nesse
documento a empresa comprometeu-se a37:

“1. Proibir expressamente o uso e operação de empilhadeiras e outras


máquinas e equipamentos por pessoas não capacitadas ou não
expressamente autorizadas;

2. Afixar e manter afixado, na área de operação de empilhadeiras, placas de


advertência quanto à proibição de seu uso e operação por pessoas não
capacitadas ou não expressamente autorizadas;

3. Elaborar e implantar procedimento para travamento e destravamento das


rampas hidráulicas das docas de movimentação de materiais;

4. Manter a empilhadeira na área interna do almoxarifado, quando fora


de uso ou em operação de carga de bateria.

37
Os destaques em negrito constantes nos itens acordados constam do documento original.
136

8 DISCUSSÃO

A adoção de determinado modelo de análise de acidente repercute no modo


no qual se dará o processo de julgamento e definição de responsabilidades em
eventuais processos judiciais. Isso se verifica porque o campo de idéias configurado
pelo modelo de análise aplicado, no qual se dará o embate entre as partes, pode ser
de uma maneira tal que uma das partes nele sinta-se muito mais á vontade que a
outra para o exercício da defesa de seus interesses. Assim é quando a compreensão
do fenômeno acidente se dá em bases eminentemente subjetivas.

Dessa maneira, a imparcialidade do relatório produzido pelo investigador não


irá depender exclusivamente da sua boa fé. Se o investigador acredita que os
acidentes são causados por condições inseguras, irá procurar com mais atenção
evidências que confirmem sua crença; por outro lado, se ele acredita que a maioria
dos acidentes são provocados por atos inseguros, atentará para confirmar sua tese
através da identificação de erros cometidos pelos trabalhadores. Essa é uma razão da
necessidade de ir além das causas imediatas, examinando os fatores subjacentes
presentes na rede de causalidade do acidente, pois não é raro que a aparentemente
mais honesta das investigações acabe concluindo que o acidente ocorreu devido a
uma única causa.

Binder; Monteau; Almeida (1995) citam textualmente afirmação de Pham;


Monteau (1989) de que: “...A aplicação durável do método da árvore de causas
depende da capacidade da empresa de integrá-lo a uma política de prevenção
planejada e concebida como um elemento entre os demais de gerenciamento da
empresa”.

Superadas as contrariedades de mérito político e administrativo à implantação


do método na empresa, restariam aquelas inerentes ao processo de assimilação, pelo
sistema, dos princípios que o fundamentam. Binder; Monteau; Almeida (1995)
relatam a experiência francesa relativa à implantação do método da árvore de causas,
quando a difusão do método se fez acompanhar de deturpações associadas a três
ordens de fatores: deficiência no ensino do método; uso inadequado e falta de
estrutura necessária à sua implantação duradoura nas empresas. Desses fatores,
137

destaca-se a deficiência no ensino do método, pois a aplicação de simplificações e a


falta de rigor metodológico no processo de aprendizagem determinam sua
descaracterização, que é condição necessária à utilização equivocada do método,
podendo até incorporar conceitos superados que o método busca evitar.

Almeida (2003) reporta-se à experiência de outros países para acreditar que,


no Brasil, a adoção pelos AFT38 do Ministério do Trabalho e Emprego de
concepções mais avançadas na análise de acidentes tenha impacto nas empresas,
contribuindo para que elas também vivenciem evolução na maneira pela qual se
apropriam e processam esse tipo de fenômeno.

Conforme citação de Binder; Almeida; Monteau (1995), à visão de Monteau,


o método da árvore de causas apresenta algumas limitações, que seriam:
● trata-se de um método com ênfase na análise clínica, ou seja, cada caso
será analisado individualmente;
● é método de investigação, sua contribuição para a correção de situações
inadequadas de trabalho se dá a partir de um acidente já ocorrido;
● não é método que tenha aplicação em todo e qualquer acidente.

O ambiente interno dentro do qual os tomadores de decisão se movimentam


inclui a cultura39 organizacional, a tecnologia da produção, a estrutura organizacional
e as instalações físicas.

Na caracterização do meio ambiente de trabalho, além das instalações físicas,


equipamentos e materiais há que se considerar elementos culturais e organizacionais
do sistema. No entanto, a apreensão de valores culturais de um determinado grupo
social, salvo aqueles claramente explicitados, não é possível no prazo que se dá a
investigação. Nos primeiros contatos entre o observador e o observado, as atenções
estarão voltadas para a percepção e compreensão da funcionalidade do sistema, para

38
A sigla AFT refere-se aos Auditores Fiscais do Trabalho, servidores do Ministério do Trabalho e
Emprego responsáveis pela fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista no Brasil.
39
Cultura pode ser definida como um conjunto de valores-chave, crenças, compreensões e normas
compartilhadas pelos membros da organização (Kilmann; Saxton; Serpa, 1986 e Smircich, 1983 apud
Daft 1999).
138

que se torne possível a caracterização de cada atividade relacionada ao acidente de


trabalho investigado. Cabe lembrar que a atividade é a unidade de análise do método
da árvore de causas.

Do ponto de vista institucional, ocorreu nos últimos anos a inclusão do tema


entre as preocupações programáticas do Ministério do Trabalho e Emprego. Entre as
atividades desenvolvidas nesse sentido, está a realização de cursos específicos sobre
investigação e análise de acidentes de trabalho para os auditores fiscais do trabalho e
a inserção de material específico sobre o tema no sítio virtual, na rede mundial de
computadores, do Ministério do Trabalho e Emprego, no espaço reservado à
Segurança e Saúde no Trabalho. Entre as atividades que visaram a valorização do
tema, também merece menção a realização de uma série de cursos sobre a árvore de
causas pela Fundacentro, atendendo profissionais da área de segurança e saúde no
trabalho, auditores fiscais do trabalho e dirigentes sindicais de diversas regiões do
Brasil.

A questão que amiúde se coloca sobre a participação dos trabalhadores no


processo de investigação e análise de acidentes do trabalho deve ser abordada
considerando, primeiramente, o contexto no qual se desenrola tal atividade. À guisa
de exemplo, lembramos que em uma investigação realizada no âmbito de uma CIPA
– Comissão Interna de Prevenção de Acidentes de uma determinada empresa, a
participação dos trabalhadores, particularmente dos membros da Comissão, irá
ocorrer em todas as etapas do processo, da coleta de dados, passando pela análise, até
a elaboração de recomendações. Essa participação está prevista na legislação de
Segurança e Saúde no Trabalho vigente, mais especificamente no item 5.16 (Das
Atribuições) da Norma Regulamentadora 540.

Considerado o contexto, que implica as possibilidades de participação dos


trabalhadores na condução do processo, cabe então discutir as maneiras pelas quais
os trabalhadores irão participar. Assim, podemos dizer que a oportunidade da

40
A Norma Regulamentadora 5, que disciplina as atribuições, composição e funcionamento das
Comissões Internas de Prevenção de Acidentes está inserida na Portaria Nº 3.214/78 do Ministério do
Trabalho e Emprego e teve seu conteúdo vigente definido pela Portaria SSST Nº 8, de 23 de fevereiro
de 1999.
139

participação dos trabalhadores é definida pelo contexto que circunscreve a


investigação, enquanto que a maneira pela qual o processo é conduzido irá repercutir
na qualidade dessa participação, variando sua importância na formulação de
conclusões e possíveis recomendações, quando cabíveis. Isso é particularmente
importante quando o processo de investigação e análise ocorre dentro dos limites
institucionais da empresa, porque o tratamento dispensado aos acidentes ocorridos
constitui elemento importante do modelo de gestão da segurança e saúde no trabalho
por ela praticado. Também deve ser compreendido que para cada contexto há uma
coleção de objetivos que, se não são conflitantes entre si, são elaborados e
perseguidos por sujeitos imbuídos de papéis diferentes em cenários também
diferenciados.

Nas condições nas quais se deu o estudo aqui apresentado, a participação dos
trabalhadores é bem caracterizada na etapa de investigação, de coleta de informações
relativas às circunstâncias de caráter material e imaterial que são pertinentes ao meio
de trabalho sob contém a atividade sob investigação. É óbvio que a participação dos
trabalhadores próximos de alguma maneira da atividade onde se deu o acidente é de
suma importância para a reconstituição das circunstâncias direta e indiretamente
envolvidas com a cena do acidente investigado.

Os contornos estabelecidos para a atividade de investigação e análise de


acidentes a ser desenvolvida por agentes públicos, designados para a geração de
subsídios passíveis de utilização na ação da Justiça, não proporcionam o espaço
necessário, na etapa de análise, à participação formal dos trabalhadores. Entretanto, é
natural que a participação dos trabalhadores na etapa de coleta de dados repercuta na
etapa de formulação de conclusões. O que não é recomendável é o atropelamento de
etapas, que estão muito bem definidas no método da Árvore de Causas, promovendo-
se análises precoces ainda na etapa de coleta de dados.

Se o propósito da investigação não é limitar-se às atitudes da vítima ou dos


trabalhadores envolvidos com as circunstâncias que redundaram no acidente, é
necessário, mais que buscar esclarecer a natureza do erro humano, como uma
eventual distração, buscar também avaliar o grau de dependência da funcionalidade
do sistema em relação a um possível erro do trabalhador, ou seja, buscar saber quão
140

importante é a não ocorrência, por exemplo, da distração dos trabalhadores para o


sistema considerado continuar operando normalmente.

Quanto maior for a aderência da estrutura e funcionamento do sistema


conforme documentado, em relação ao que concretamente se desenvolve, maior a
possibilidade de medidas corretivas adotadas efetivamente eliminarem ou
controlarem os fatores potenciais de acidentes identificados nas investigações e
análises de acidentes. Também é necessário considerar a possibilidade das medidas
corretivas provocarem algum tipo de descolamento do trabalho efetivamente
realizado daquele que é prescrito, como compensação praticada pelos trabalhadores
face ao impacto operacional de uma determinada medida.

O ideal da prevenção é a antecipação da repercussão de cada injunção na


funcionalidade do sistema.
141

9 CONCLUSÕES

De acordo com Dodier (1994) apud Waldvogel (2002), “um acidente pode ser
tratado como um fato moral, onde um ator é designado como responsável, ou pode
ser tratado como uma disfunção do sistema”. No estudo de caso aqui apresentado,
essas duas abordagens se entrelaçam, pois a demanda gerada pelo órgão do Poder
Judiciário tem como pano de fundo a caracterização de responsabilidades e o
tratamento que o caso mereceu na análise promovida procurou balizar-se pelo olhar
sistêmico. A questão principal que se coloca é a adequação de propósitos das
abordagens em relação ao papel do sujeito que a empreende. À Justiça é
absolutamente coerente que na intervenção que faz busque a caracterização de culpa
e eventuais responsabilidades. À Fundacentro, por outro lado, não cabe apontar
culpados, mas soluções. A utilização de um método analítico de base sistêmica
permite que se extraia da materialização do fracasso das proteções, considerando-se
que elas existem, a experiência e algumas informações que, se adequadamente
percebidas e processadas, constituirão aprendizado aplicável em prevenção, ou seja,
na redução do risco do fracasso.

Um resultado inerente ao presente estudo é a contribuição que significa à


discussão sobre a causalidade dos acidentes de trabalho, no âmbito da atuação dos
órgãos públicos, em particular do Ministério do Trabalho e Emprego e dos órgãos da
Justiça, quando intervêm na questão.
Do ponto de vista coletivo e preventivo, a propositura pelo Ministério
Público do Trabalho de Ações Civis Públicas, fruto da nova concepção instrumental
do processo, vem se tornando o instrumento mais eficiente na proteção coletiva do
direito à saúde do trabalhador.

O Inquérito Civil Público, instaurado previamente, pode reunir as provas


necessárias e suficientes para se propor a ação civil pública perante a Justiça do
Trabalho, solucionando de maneira global o que cada reclamação trabalhista tenta
reparar de forma individualizada. São inúmeras as vantagens da ação civil pública
para a proteção à saúde dos trabalhadores, especialmente para exigir através de
142

compromissos de ajustamento de conduta às exigências legais, obrigações de fazer


para os empregadores, no sentido da correção dos fatores de riscos existentes.

Essa intervenção da Justiça cria espaço de ação institucional passível de ser


ocupado sinergicamente pela Fundacentro e o Ministério Público, de forma que a
utilização dos recursos públicos seja otimizada e a intervenção dos órgãos públicos
se dê, efetivamente, de maneira a transformar a realidade identificada. Assim,
delineia-se a importância da harmonização de alguns procedimentos, como aqueles
responsáveis pela composição da documentação gerada na investigação policial
normalmente executada após um acidente fatal. Se a documentação que constitui a
fonte secundária para a análise for exaustiva, restaria discutir o papel daquele que irá
mobilizar essas informações.

Pensar a árvore de causas como se fosse um conjunto de regras, receitas, de


aplicações mecânicas, onde o papel do analista ocuparia segundo plano constitui
equívoco. Conforme ensina Morin (1998), ao discutir a relação entre o sujeito e o
método em uma perspectiva complexa, a aplicação do método não pode prescindir
de atributos a serem exercitados pelo sujeito, que não deve lançar mão de pré-
julgamentos no exercício de uma investigação e análise e deve ter domínio sobre a
técnica aplicada.

Enfim, como ensina Morin (1998), "Uma teoria não é o conhecimento, ela
permite o conhecimento. Uma teoria não é uma chegada; é a possibilidade de uma
partida. Uma teoria não é uma solução; é a possibilidade de tratar um problema. Em
outras palavras, uma teoria só realiza seu papel cognitivo, só ganha vida com o
pleno emprego da atividade mental do sujeito. É essa intervenção do sujeito que dá
ao termo ‘método’ seu papel indispensável".

Em relação aos objetivos específicos estipulados no Capítulo 2 desta


dissertação, devem ser registradas as considerações seguintes, específicas para cada
um deles:

a) O primeiro objetivo específico firmado foi o de atender demanda do Poder


Judiciário relativa à análise de acidente de trabalho fatal, de maneira que os
fatos sejam esclarecidos e o julgamento das partes envolvidas seja
143

aprimorado. Esse objetivo foi atendido pela análise detalhada dispensada ao


caso. O fato dessa análise não se restringir às evidências mais próximas ao
acidente permitiu ao Ministério Público do Trabalho uma compreensão
abrangente das circunstâncias que levaram ao acidente fatal investigado.

b) O segundo objetivo específico estabelecido foi o de identificar as limitações


que o problema proposto importa à aplicação do método da árvore de causas
e discutir as possibilidades de superação dessas limitações. Esse objetivo foi
alcançado e a discussão dos aspectos envolvidos estão explicitados no item
4.2.7 (Dificuldades à aplicação do método da árvore de causas), sendo
fundamental ressaltar o papel que cumpre o trabalho da Polícia Técnica em
casos como o aqui estudado.

c) O terceiro objetivo específico consignado foi o de gerar subsídios passíveis


de utilização pelo Ministério Público Federal na formulação de Termo de
Compromisso de Ajuste de Conduta ou diligências que cumpram papel
semelhante junto à empresa onde ocorreu o acidente objeto do inquérito. A
consecução desse objetivo específico, em particular, consta do Capítulo 7
desta dissertação, de forma que fica evidenciada a estreita relação entre as
considerações últimas do item 7.4 (Descrição dos elementos constantes no
fluxograma de antecedentes e de seu encadeamento lógico) e o termos usados
pela Procuradoria Regional do Trabalho na elaboração da documentação
encaminhada à empresa para o firmamento do termo de compromisso de
ajustamento de conduta.

O caso aqui estudado mostrou a viabilidade de, mesmo remotamente, aplicar


alguns conceitos que são fundamentais no método da árvore de causas e avançar
para além da “superfície” do acidente de trabalho. É certo, como já foi devidamente
registrado por Binder; Monteau; Almeida (1995) que o método tem suas limitações
naturais, intrínsecas a uma investigação, entretanto, é vetor que se orienta no sentido
de compor esforços com as iniciativas mais conseqüentes na área de segurança e
saúde no trabalho.
144

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