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GERIR É CRIAR
Laurent Lapierre
HEC Montréal
Nos últimos 20 anos os princípios e na condução geral das organizações tividade ou nossas habilidades em-
o vocabulário de gestão se infiltra- de qualquer tipo, na liderança de preendedoras.
ram em quase todas as esferas da ati- pessoas e na formação de gestores. Os conceitos abundam e tomam
vidade humana. Hoje em dia, nós Dirigimos-nos a todos aqueles e um semblante de lemas que são ra-
não apenas gerenciamos nossos ne- aquelas que vivem dentro de uma pidamente apropriados e aplicados
gócios, mas também nossa vida, organização, e, em especial, àque- a toda e qualquer situação. Essa lis-
nossos relacionamentos amorosos e les da nova geração de especialistas ta é longa, mas aqui estão apenas al-
até mesmo nossas emoções! A ges- que emergiu nos últimos 50 anos ou guns exemplos desses conceitos:
tão adquiriu tamanho prestígio que mais. competitividade, reengenharia, mo-
muitas pessoas são impregnadas dernização, otimização, just-in-time,
pelas últimas teorias e modelos sem livre comércio, terceirização, globa-
notarem. Os slogans proliferam, ONIPRESENÇA DA GESTÃO lização, qualidade de vida no traba-
competindo uns com os outros para lho, qualidade total, racionalização,
publicar suas “verdades”, por exem- Não faltam estudos e teorias no conformidade ISO, excelência, es-
plo: “o cliente é o rei; o lucro é o campo da gestão. Nossa língua se tratégia, liderança, cadeia de valo-
único objetivo possível; as empre- expande com termos que têm suas res, valor agregado, desempenho,
sas devem crescer ou morrer; a con- origens no gerenciamento. Os seto- mensuração, parcerias público–pri-
corrência é global; você não pode res públicos e os setores para-públi- vadas, organizações que aprendem,
melhorar o que você não pode me- cos, as forças armadas, as institui- cultura corporativa, perfis de com-
dir”. Os gestores, em especial, são ções de lazer, as culturais e, é claro, petência, coaching, inteligência emo-
bombardeados diariamente com os negócios são examinados por cional, mentoring, governança corpo-
“mensagens” que inevitavelmente meio das lentes dos princípios, teo- rativa e convergência. Todas essas
acabam moldando suas abordagens rias e modelos de gestão. No espaço noções se sucedem e/ou se chocam
e ditando suas ações. Sem nem mes- de algumas décadas, a gestão se tor- nesse contexto dos novos credos,
mo terem tido o treinamento neces- nou uma nova referência universal, pouco documentados e pouco apro-
sário, eles adotam a prática de ge- tanto assim que de fato todas as áreas fundados, e portanto validados por
renciamento pré-determinada, mol- da atividade humana são hoje me- “especialistas” de todos os tipos.
dada ou ditada pelas últimas ten- didas com seus padrões. Somos en- Esses modelos que tendem a ge-
dências. corajados a considerar nossos cole- neralizações e universalizações são
Esta pensata representa uma po- gas, nossos chefes e até mesmo os sedutores. Na verdade, passam e são
sição coletiva, e foi assinada por pes- membros da nossa família como rapidamente substituídos por outros
soas de diversas posições e perspec- “clientes” ou “parceiros” cujas ne- modelos, para o lucro de uma indús-
tivas, como altos dirigentes empre- cessidades precisam ser atendidas. tria da novidade, da mudança e do
sariais, executivos, diretores de es- Qualquer pretexto será bom para progresso. Isso é particularmente
colas, professores, pesquisadores, demonstrar nossa liderança, para verdade no domínio da liderança,
artistas e estudantes. Nosso foco é mostrar nosso espírito de competi- muito em moda hoje em dia.
Esses credos têm vida curta, mas los e modismos”. Essa recusa se uma visão reducionista em compa-
as crenças que lhes dão nascimento impõe para resistirmos a noções pre- ração com a realidade. Na prática,
são fortes. Para dizer a verdade, concebidas, dogmas, tendências, e todos, inclusive os gestores, obtêm
aquilo que se passa na gestão é re- nos livrarmos de novos catecismos informações e constroem seus pró-
velador de um fenômeno da socie- e outras doutrinas que pretendem prios entendimentos do contexto,
dade bem mais amplo. Os novos estabelecer um novo paradigma so- suas próprias teorias, suas próprias
conceitos gerenciais não nascem por bre a ação e a direção. Devemos, formas de conduzir, sejam elas im-
acaso. Chamam a atenção e podem mais uma vez, soltar as amarras e plícitas ou explícitas, que convêm a
ter alguma substância, mas podem buscar espaço para a originalidade cada situação na qual estão inseri-
barrar as possibilidades de expres- e a criação. dos e com as quais buscam apren-
são, de criação e de ação enquanto Gerir é difícil. Não é surpreen- der e compreender a melhor forma
não reconhecem as particularidades dente que profissionais sejam sedu- de agir. E eles fazem isso sem se sen-
que comandam as soluções genuí- zidos por modelos que parecem pro- tirem impedidos de nutrir-se com as
nas e inovadoras. duzir resultados como se fossem idéias dos outros. Gestão é um fe-
mágicas. Nem é surpreendente que nômeno que se deve estudar com o
consultores e outros vendedores de “máximo de rigor possível”, mas
URGÊNCIA DE UMA NOVA tais receitas mágicas vejam nisso um sempre considerando a escolha do
“RECUSA TOTAL” recurso infindável de oportunidades tipo de “ciência” que convém à com-
de negócios. plexidade dessa realidade.
Há algum tempo, a sociedade do Ao contrário da matemática ou
Quebec era dominada pela religião das ciências biológicas, em gestão
com autoridade quase absoluta. não há conhecimento científico que FORMAÇÃO EM GESTÃO
Muitos intelectuais se ressentiam possa ser descrito como universal,
disso como um esvaziamento que nem há um conhecimento genera- A profissão de gestor é uma das úni-
oprimia o pensamento, a liberdade lizado que seja aplicável em todas cas profissões que podem ser ensi-
e a criação. As crenças, os interdi- as situações. Os conceitos são e de- nadas sem jamais ter sido pratica-
tos, os tabus e os medos constituí- vem ser “contextualizados”. Rara- das. O que pensariam cirurgiões,
ram barreiras poderosas. A autori- mente os conceitos se transferem de dentistas, enfermeiras, advogados,
dade da Igreja e ao mesmo tempo as uma realidade para outra, ou sim- cantores ou escritores de alguém
hierarquias políticas fundaram um plesmente de uma organização para que viesse ensinar-lhes suas profis-
poder de elites religiosas e civis que outra. sões sem ter jamais feito uma cirur-
mantiveram fortes laços na socie- Então, não existe uma única for- gia, extraído um dente, cuidado de
dade do Quebec. Em 1948, um gru- ma de gerir, assim como não existe um doente, apelado a um juiz, can-
po de artistas dessa província ca- um modelo infalível de organização tado em um palco ou publicado?
nadense assinou o Refus global ou de liderança. Parafraseando Bor- Que valor eles atribuiriam a um con-
(“Recusa total”), um manifesto re- duas, poderíamos dizer nas escolas ferencista que viesse falar sobre suas
digido pelo pintor Paul-Émile Bor- de administração de negócios: “Para profissões ou pretendesse ensiná-
duas. Esse texto anunciava a “Re- o inferno com as teorias de gestão!”. los? Entretanto, esse tipo de situa-
volução Tranqüila”, que viria na Essa rejeição deve se aplicar tanto a ção ocorre regularmente nas esco-
década de 1960. No manifesto, teorias normativas como a teorias las de Administração.
preconizava-se a libertação do ca- elaboradas a partir de processos de Abordar esse assunto da forma-
tolicismo, das ortodoxias, dos me- pesquisa que, mesmo sendo tecni- ção em gestão é inevitavelmente
dos e das intenções ditadas pelo camente rigorosos, não podem dar colocar-se a questão fundamental: O
paradigma religioso. Claramente, conta da complexidade e organici- que é gerir? Que lugar essa idéia de
essas não foram reformas insigni- dade da gestão e da liderança, e me- “gestão profissional” tem ocupado
ficantes. nos ainda dos mistérios do compor- em nossa sociedade nas últimas dé-
Na gestão, chegamos ao ponto em tamento humano e das realidades cadas? Em todos os domínios da arte
que é necessária uma nova “recusa”, organizacionais. e da ação, a criação, levada a seu
algo que poderia ser formulado Mesmo quando úteis, modelos, mais amplo sentido, é indissociável
como uma “recusa a teorias, mode- métodos e teorias se baseiam em da ação. É na ação que se exprime a
visão pessoal e a compreensão da esses aspectos menos desejáveis mas • É experimentar nossa autonomia,
realidade. Freqüentemente, é somen- bem reais de nós mesmos, dos quais nossa abertura de espírito com
te depois, e não antes, que as cria- nos apropriamos para não sermos nossos próprios princípios e os
ções são enriquecidas por aqueles ou vítimas deles, e para podermos até dos outros, com nossas crenças e
aquelas que as estudam e se devo- mesmo usá-los em nossa vantagem, as dos outros, é achar nossa pró-
tam a ensiná-las. Não o inverso. no sentido de sermos bem-sucedi- pria maneira de pensar, nossa
As escolas de Administração têm dos. Dessa forma, gerir como somos unicidade como dirigentes, e, as-
estabelecido novos domínios de pes- tem as seguintes implicações: sim, “gerir com nosso próprio
quisa acadêmica e de ensino supe- • É conhecer-nos melhor, desen- estilo”.
rior. Têm contratado pesquisadores volvendo uma percepção justa e
treinados em métodos científicos, e realista de nós mesmos e dos ou- Para sermos verdadeiros criadores e
obtiveram grande credibilidade em tros. líderes de opinião, devemos, como
círculos acadêmicos. Mas a que pre- • É enterrar o líder ideal que acre- dirigentes, deixar de lado modelos
ço? O próprio objeto de suas pes- ditávamos e gostaríamos de ser, que não correspondam às nossas rea-
quisas é o que lhes escapa, o que tem esquecer os modelos e as receitas lidades e ousar deixar livre a nossa
sido ocultado e o que não conse- que poderíamos aplicar em qual- imaginação, a nossa inteligência e o
guem mais dimensionar, sobretudo quer situação e em qualquer tem- nosso julgamento esclarecedor.
pelo simples fato que não existem po, desconsiderando as diferen-
respostas fáceis e menos ainda uni- ças de situações e as especifici-
versais. dades das pessoas. UM MÉTODO
O desafio das escolas de Admi- • É aceitar que não sabemos tudo,
nistração é apresentar aos futuros é cercar-nos de pessoas compe- Querer importar o modelo das ciên-
gestores conhecimentos capazes de tentes nas áreas em que somos cias exatas para estudar e compre-
guiar suas ações quando chegar a menos eficientes, e cercar-nos de ender as ações humanas é um erro
hora de agir, permitir-lhes aprender colaboradores qualificados, dos grave, freqüentemente repetido nas
a agir e iniciá-los nas complexida- quais possamos receber sugestões “ciências humanas”. O ser humano
des da gestão enquanto conciliam e solicitar críticas. que estudamos é uma entidade viva
conhecimento, intenções e ações. • É aceitar sermos nós mesmos di- e pensante que age e muda. Ele pes-
ante dos outros, podendo causar quisa com os pesquisadores. Muda
desgostos a alguns e mesmo ser à medida que o estudamos. A sub-
GERIMOS COMO SOMOS alvo de sua agressividade, sem de- jetividade e a intersubjetividade são
sabarmos por isso; partes integrantes do “real e do ob-
Sem considerar o campo no qual é • É dar-nos o direito de pensar di- jetivo” no que concerne às pessoas.
praticada, a gestão é uma atividade ferentemente dos outros. É reco- Para bem compreendermos, quan-
específica dos seres humanos, com nhecer o dever de consultar, es- do tratamos da gestão de organiza-
seus conhecimentos e sua falta de cutar e admitir nossos erros, de ções e da direção de pessoas, o pro-
informação, suas qualidades bem aprender alguma coisa, de reco- jeto científico deve então focar a
como seus defeitos, seus talentos meçar e de continuar. “descrição” dessa realidade da ma-
bem como suas lacunas, suas forças • É gerir seres humanos imperfei- neira mais humilde, mais fiel e mais
bem como suas fraquezas, suas ha- tos, como nós mesmos. completa possível, tal como ela se
bilidades bem como suas inaptidões. • É também gerir com outras pes- dá em um dado momento.
O talento é a amálgama de todos soas. A gestão é evidentemente A gestão é uma questão de con-
esses componentes. Não se trata de uma profissão eminentemente so- texto e de historicidade, como men-
ignorância, de defeitos, de faltas, de cial. Quanto mais o gestor é ele cionado anteriormente. A história é
imperfeições, de fraquezas e de mesmo, mais ele se conhece, mais feita mais por líderes e organizações
inaptidões invocadas com compla- ele aceitará que os outros perma- do que por teóricos que observam e
cência ou usadas para justificar a neçam eles mesmos enquanto se relatam nossos comportamentos e
impotência ou o fracasso, como é concentram nas tarefas a serem resultados. Para assumir uma dire-
freqüentemente o caso. Aprende- executadas ou no serviço a ser ção, é indispensável uma compreen-
mos, a cada dia, a nos compor com prestado. são da complexidade das pessoas e
das organizações. Somente quando examina, caso a caso, a inteligência mestres gestores, aprenderemos, por
temos uma compreensão melhor das ações daqueles que foram bem processo de osmose, sobre a própria
dessa complexidade é que podemos sucedidos ou que fracassaram, ana- aprendizagem, formando nós mes-
simplificar, voltar à essência e con- lisando o que se passa na vida real, mos nosso próprio talento.
duzir um curso estável por meio de para extrair orientações, posições Poderíamos pensar que somente
águas turbulentas e calmas. A ges- pessoais e novas sínteses que então os grandes gestores são bons candi-
tão é uma prática que conhecemos e podem ser colocadas a serviço de datos a tornar-se professores de ges-
aprendemos na maioria das vezes por suas próprias práticas. tão. Entretanto, a experiência tem
experiência, primeiramente dos ou- Na formação em gestão, a relação mostrado que poucos dentre eles
tros e posteriormente por nossas pró- do tipo mestre–aprendiz, os estágios possuem competência ou desejo de
prias experiências. Trata-se de uma com os grandes especialistas e as au- se tornarem pesquisadores ou pro-
ação enriquecida por meio da refle- las com os mestres devem ser privi- fessores em seus campos de atuação.
xão, o que permite, graças à ação e à legiadas. O método de estudo de Ser pedagogo demanda qualidades
reflexão, construir uma prática mui- casos é um tipo de substituto da particulares, um longo trabalho de
to peculiar. O conhecimento técnico realidade do relacionamento entre preparação e uma reciclagem contí-
não substitui a experiência. mestre e aprendiz. Um estudo de nua. Se gerirmos como somos, no
Existe um conceito errôneo de caso deve colocar o aprendiz na po- campo da formação em gestão, en-
que o mesmo modelo ou o mesmo sição de tomador de decisão e levá- sinaremos também como somos,
processo de gestão possa invariavel- lo a refletir sobre a situação de ma- com todas as exigências e imperfei-
mente ser aplicado não apenas em neira que vá além das soluções pron- ções que podem fazer parte desse
todas as empresas norte-americanas, tas. Queremos especialmente falar processo.
mas também em todas as empresas de um método de estudo de caso ba- De fato, poucos altos dirigentes
das repúblicas da extinta União So- seado em narrativas práticas, que se tornam bons professores, ainda
viética, da Europa, dos países da produz uma descrição profunda e mais se acreditarem que ensinar se
África ou da América Latina, do documentada, uma narrativa a mais limita a descrever suas experiências.
Haiti, apenas para citar alguns. Será fiel possível da realidade que que- Eles correm o risco de não ter ma-
que podemos dizer que todas as cul- remos conhecer e que constitui o terial para mais do que poucas
turas nacionais e corporativas, que objeto da aprendizagem. Em todos horas! Formar para a gestão não
todas as pessoas e condições de os casos, trata-se de um método de consiste – e não deve consistir – em
vida são as mesmas em todos os aprendizagem indutivo no qual a produzir clones daquilo que fomos.
lugares? Será que sabemos que o pessoa que aprende desempenha o Ninguém nasce sendo um bom pro-
que era verdade para um país ou papel principal. fessor de gestão.
organização dez anos atrás conti- Mesmo que isso proporcione al-
nua sendo verdade hoje em dia ou gum diferencial, como todos os ta-
ainda será verdade daqui a dez A ARTE DE SER UM PROFESSOR lentos, o talento do “mestre de ges-
anos? Claro que não. DE GESTÃO tão” é algo que se desenvolve e se
No campo da pesquisa de gestão, adquire. O aspecto inato nada mais
o método de estudo de casos cons- Nossas primeiras aprendizagens têm é que uma base. Como em qualquer
titui uma abordagem empírica dire- uma influência inegável sobre nos- profissão, algumas pessoas têm
ta que forma a base para a produção sa maneira de ensinar. Um músico maior potencial, o que torna o pro-
de documentos e o avanço do co- ou cantor necessariamente aprende cesso de seleção muito mais decisivo.
nhecimento. Esses documentos ser- sua arte por meio de um “mestre”. Tornar-se professor supõe, da par-
vem de apoio para o processo de Ele poderá então favorecer certo te do alto dirigente, que ele se reci-
aprendizagem da prática e de habi- tipo de formação e de aprendizado cle verdadeiramente, que se infor-
lidades. O método de casos é basea- muito mais facilmente que um diri- me sobre as diversas maneiras de
do na abertura e na receptividade do gente, a quem se tem transmitido exercer a gestão, e se prepare para
contato direto de pessoas e experiên- somente o conhecimento abstrato. se tornar um mestre autêntico, um
cias concretas. Dá-se preponderân- Se tivermos a oportunidade de es- guia, uma pessoa capaz de ajudar
cia à própria prática, ao estudo ri- tar em uma relação com um tipo de outra a encontrar seu próprio cami-
goroso do fenômeno, em que se mentor ou de estar em contato com nho. Em outras palavras, capaz de
fazer emergir seu próprio talento. sistir ao ímpeto, natural e legítimo uma escola de gestão prestigiosa,
Freqüentemente, ele faz isso com do professor, de ensinar. Implica so- seja garantia de sucesso.
pessoas mais jovens e mais brilhan- bretudo resistir à propensão a “pro- Isso não significa, evidentemen-
tes que ele, e, como um pai que não fessorar”, interiorizada desde o iní- te, que devamos questionar a exis-
tem inveja, fica orgulhoso de ver cio da educação que tradicional- tência das escolas de gestão. Se es-
seus filhos não somente fazerem coi- mente recebemos. Formar dessa ma- tiver em contato com a comunida-
sas de maneira diferente e melhor neira é renunciar ao desejo de im- de de negócios, com o mundo da
que eles, mas até mesmo superá-los. pressionar como professor. ação, em todos os domínios, a esco-
Que orgulho para um professor ver la de gestão pode oferecer aos que a
seus jovens discípulos fazerem me- freqüentam o registro das práticas,
lhor que as gerações que os prece- REPENSAR A FORMAÇÃO EM a formação de uma rede de conhe-
deram! GESTÃO cimentos, ganho de tempo, desen-
O mestre certamente ensina com volvimento de espírito crítico, for-
seus conhecimentos, mas também Os números, as estatísticas, o uso da mação ou aprimoramento do julga-
com suas qualidades e suas imper- linguagem matemática e dos méto- mento, além de ensiná-lo a conhe-
feições, suas forças e fraquezas. O dos quantitativos são necessários e cer e descobrir seus próprios talen-
que ele é e o que faz é mais impor- indispensáveis para uma boa gestão tos. Fica por conta do próprio pes-
tante do que aquilo que diz. Quan- e a concepção de soluções eficazes. soal da universidade (diretores, pro-
do realmente acreditamos na força Esses aspectos são muito importan- fessores, pesquisadores) permane-
e no valor de uma abordagem peda- tes e constituem os objetos da for- cer vigilante, evitando qualquer des-
gógica indutiva, mesmo que reco- mação. Mas será sempre necessário vio que venha a romper essas liga-
nheçamos esses limites, somos ca- voltar à essência da gestão: uma prá- ções necessárias. Eles têm a respon-
pazes de colocar nossa fé na inteli- xis, uma filosofia da ação e da cria- sabilidade de proteger a razão de ser
gência da pessoa que aprende, não ção encarnadas no bom senso. Nes- da instituição.
apenas em relação a uma aprendi- se ponto reside o aspecto mais de- A mensagem que atualmente se
zagem específica, mas também em terminante do fato de gerir: fixar transmite, direta ou indiretamente,
relação a “aprender a aprender”. O metas e objetivos, desenvolver e, a jovens professores formados nos
objetivo é dar autonomia à pessoa usando seu julgamento, assumir a programas de doutorado em gestão,
que “queira” aprender e aguçar seu direção das pessoas. é que devem produzir um tipo de
julgamento. Então é importante ter em mente pesquisa direcionada puramente aos
É possível ser um bom pedagogo que uma organização pode ter um demais professores. Para avançarem
sem ter antes exercido a profissão de bom produto ou oferecer um servi- em suas carreiras, eles devem publi-
gestor. Entretanto, o professor que ço de qualidade ao mesmo tempo car em revistas acadêmicas, aquelas
não tem experiência própria de ges- em que tenha uma gestão artesanal que são classificadas em função do
tão e não a conhece pela prática deve ou que esteja fora das normas reco- número de vezes que os artigos ali
ter a humildade e a sabedoria de bus- nhecidas, das regras tradicionais da publicados são citados por outros
car ainda mais a experiência daque- exatidão, dos processos normativos pesquisadores. As certificações
les que a vivenciaram, que têm inte- e das teorias populares. A gestão (accreditations) internacionais que
ligência e conhecem o sucesso. Deve pode parecer deficiente aos olhos pesquisam as escolas de gestão im-
igualmente aceitar aprender com dos especialistas e, apesar disso, a pulsionam ainda mais na direção de
seus estudantes, que podem ter ri- organização conhecer bastante su- uma padronização da pesquisa e dos
cas experiências de gestão, e usar cesso. Igualmente, um dirigente programas de formação.
abordagens pedagógicas, tais como o pode não ter nenhuma formação Escondidos em suas torres de
método de estudo de casos, que lhe superior em gestão e ser bem-suce- marfim, falando somente com seus
permite compensar sua falta de ex- dido na condução de uma organiza- semelhantes, professores pesquisa-
periência e refletir com seus estudan- ção. Por outro lado, dificilmente dores podem chegar a não se dar mais
tes sobre a prática de outros. poderemos afirmar que o uso de um conta do que fazem as pessoas que
Ensinar gestão é profundamente processo de gestão em moda ou re- dirigem verdadeiramente as organi-
desafiador, provocando sentimentos conhecido, ou que o fato de ser de- zações no mundo real, olhando-os
de insegurança porque implica re- tentor de um diploma outorgado por de cima com seus modelos teóricos
e normativos e, pior ainda, menos- crucial, necessariamente criação. to pelos praticantes e aprendizes de
prezando-os. Não será surpresa en- Ela repousa sobre a imaginação, so- gestor como por todos aqueles que
tão ver as escolas de gestão se isola- bre a inteligência do que deve ser aspiram a lhes ensinar.
rem do mundo da ação e caírem feito, para produzir os resultados em Em gestão, devemos estar sempre
numa crise de legitimidade. equipe. vigilantes para oportunizar um es-
As empresas que tentam mudar a paço maior para o bom senso, para
cultura organizacional para adotar o julgamento e para a criação. Os teó-
REJEITAR OS MODISMOS EM uma moda a mais, baseada ou fabri- ricos devem permanecer na escuta e
GESTÃO cada a partir de modelos prontos ou observar a experiência prática da
de receitas mágicas, mesmo com a gestão se desejarem que suas refle-
A gestão, como a educação e a cria- melhor boa vontade dos gestores de xões sejam pertinentes e levadas a
ção, nem sempre é emocionante. recursos humanos, arriscam-se a sério. As escolas de Administração
Contém inevitavelmente sua porção experimentar um sucesso relativo e devem assumir com urgência um
de aspectos mecânicos, repetitivos, breve. A inteligência própria das verdadeiro papel de liderança nesse
técnicos, rotineiros e monótonos. ações precisará, ainda e sempre, ser sentido e formar para a liberdade de
Mas é, em sua componente mais descoberta, descrita e difundida tan- pensar, de criar e de gerir.
Laurent Lapierre
Professor titular da Cátedra de Liderança Pierre-Péladeau, HEC Montréal.
Interesses de pesquisa nas áreas de liderança, gestão de pessoas, gestão de indústrias cultu-
rais, pesquisa e ensino do método de estudo de casos.
E-mail: laurent.lapierre@hec.ca
Site pessoal: http://www.hec.ca/pages/laurent.lapierre/
Endereço: HEC Montréal, 3000, chemin de la Côte-Sainte-Catherine, Montréal – Québec,
Canada, H3T 2A7.