Sunteți pe pagina 1din 12

1

A TELEVISÃO A FAVOR DA LEITURA E DA ESCRITA DO MUNDO: A


INCONVENIENTE HIPÓTESE DO ANALFABETISMO FUNCIONAL
MÚLTIPLO

João Alegria1

A cidadania no século XXI requer um grau de conhecimento que até


agora poucos de nós têm. Que requer do indivíduo que saiba ler os
produtos de mídia e que seja capaz de questionar suas estratégias.
Isso envolveria capacidades que vão além do que foi considerado
alfabetização em massa na época da mídia impressa. (...) Eu sugiro
que a alfabetização em mídia é mais necessária do que nunca,
precisamente porque ela é fundamental para a construção de
identidades, o senso de nós mesmos no mundo e nossa capacidade de
agir dentro dele. (SILVERSTONE, 2003, p. 58)

A televisão: convidada, intrusa ou o quê?

No mundo todo e também no Brasil já se disse muita coisa ruim sobre a televisão.

Confortavelmente instalada em quartos de dormir e salas de estar, testemunhando os


momentos e espaços mais íntimos das famílias e dos lares, a televisão seria uma convidada,
uma intrusa, ou então o quê? Como pergunta a si mesmo e a todos os telespectadores o
pesquisador italiano Pier Cesare Rivoltella (2005).

Esse tipo de questionamento ganha cada vez mais força no Brasil, principalmente pela
grande audiência de televisão no país, que é reconhecido como uma das sociedades mais
audiovisuais do planeta. Hoje em dia se pode dizer que existe pelo menos um aparelho de
televisão em cada domicílio brasileiro. Em muitos domicílios há mais que um televisor.
Para muitas famílias o televisor é um eletrodoméstico fundamental, cuja compra tem
preferência, por exemplo, frente ao refrigerador. As pesquisas de opinião mostram que o
televisor só perde para o fogão. Mesmo quando se tem em vista dois fortes concorrentes
contemporâneos, o computador e o celular, o televisor continua sendo um dos
eletrodomésticos preferidos pela população brasileira.

1
João Alves dos Reis Junior, mais conhecido profissionalmente como João Alegria, é Doutor em Educação
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), colaborador do Grupo de Pesquisa
Educação e Mídia (GRUPEM), docente do Curso de Especialização em Mídia, Tecnologia da Informação e
Novas Práticas Educacionais (PUC-Rio) e Gerente de Programação, Jornalismo e Engenharia do Canal
Futura.
2

Essa presença forte da televisão no cotidiano faz desse meio de comunicação um


importante agente de socialização que, ao lado da família, da escola e de outras instituições
sociais, colabora ativamente para construir valores, produzir subjetividades, identidades e
imaginários. É lícito, portanto, preocupar-se com o que a televisão tem oferecido ao seu
público e com o modo como essa instituição social produtora de bens culturais se relaciona
com a audiência.

Geneviève Jacquinot (2004) relata que em pesquisas realizadas na França, sobre as fontes
de conhecimento e informação identificadas por crianças e adolescentes que vivem no país,
em sua maior parte, os entrevistados relataram terem aprendido sobre história, geografia,
língua e até ciências exatas assistindo a programas de televisão. Surpreendentemente, a
menor parte do que estes entrevistados diziam conhecer eles próprios atribuíram à
educação formal.

Talvez isso se deva à adequação do meio de comunicação e da sua linguagem à condição


das sociedades contemporâneas. A TV é mágica e – ao mesmo tempo – inegavelmente
realista. É verdadeira e fabulosa: como na razão infanto-juvenil, a TV justapõe realidade e
ficção num complexo emaranhado de conteúdos verbais e impulsos visuais que só os
iniciados conseguem distinguir com perfeição. A TV é interativa e dispõe de controles que,
quando acionados, trazem conseqüências surpreendentes e deliciosas. Ela possui cores
fortes e luminosidade própria, associa imagem e som, é uma ponte de acesso virtual para
tudo o que existe e até para o que não existe. Além, disso a TV está em todos os lugares:
nos lares, no trabalho, nas ruas. É onipresente. (ALEGRIA, 2005, p. 60)

Cada vez mais, pessoas e fatos são conhecidos apenas quando aparecem na televisão. No
Brasil a taxa média de consumo individual diário de conteúdo televisivo está entre três e
quatro horas. Quando se faz uma segmentação por faixas etárias, as taxas de consumo
individual diário são maiores para os mais jovens, principalmente crianças e adolescentes.
Nenhum outro veículo de comunicação no Brasil alcança tais índices. Nem mesmo os
computadores, games e internet, preferidos pelos jovens à televisão, são mais bem
sucedidos, em razão das limitações de acesso a esses aparelhos e a rede mundial de
computadores. E se as novas gerações apresentam o que Jesús Martín-Barbero (2002)
chamou de empatia tecnológica, ou seja: uma enorme facilidade para se relacionar com as
Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTICs), seus produtos e conteúdos,
por outro lado, é também a ingenuidade destes grupos frente aos meios e aos seus
3

processos de produção o que vem deixando muitos interessados no assunto estupefatos e


preocupados.

Nessa direção, dos que reconhecem uma preocupante ingenuidade das novas gerações
frente aos meios e seus conteúdos, interroga-se John Wesley Freire (1999): assistir a filmes
violentos, no cinema ou na TV (e usar indiscriminadamente os jogos eletrônicos),
explicaria a violência real que vem ocorrendo nas escolas norte-americanas, por exemplo?
Será que as crianças e jovens vêem os seres humanos como imagens virtuais ou coisas, não
fazendo mal tirar-lhes a vida? Distinguirão eles o real e o virtual? Os noticiários da TV,
insistentemente mostrando o bombardeio dos inimigos pelos amigos, não mostram que é
bom matar os inimigos? Mas, como descobrir os inimigos entre os iguais? Ou os inimigos
serão os outros? Será que a máquina de fazer doido (no dizer de Stanislau Ponte Preta)
vem, como se diz agora, fazer cabeças? São questões complexas. Perguntas sem respostas
fechadas, às quais só é possível responder num grau de relatividade desconcertante.

Acredita-se que os meios de comunicação e outros artefatos da indústria cultural possam


fazer predominar hegemonicamente um conjunto de “verdades” que compõe o currículo
cultural das sociedades neoliberais, forjando consciências, moldando condutas (COSTA,
2002), interferindo no senso comum (SILVERSTONE, 2002), obnubilando o exercício na
cidadania (FEILITZEN, 2002), impedindo autonomia frente ao mercado, aguçando o
desejo, estimulando o consumismo e provocando exclusão (MINAYO, 1999). Aqueles
que já estão convencidos de que quase tudo é malefício, afirmam, por exemplo: “a mídia
deseduca”, “faz morrer a infância”, “destrói a imaginação”, “a mídia vicia”. Porém, a
afirmação dos efeitos que o consumo de mídia acarretaria deve-se em boa medida a
representações sociais e discursivas que foram formadas durante décadas, sem que muitas
delas tenham sido ainda comprovadas através de pesquisa (RIVOLTELLA, 2005). Nesse
campo, não se pode ter certeza de quase nada.

É bom ainda acrescentar o olhar imperfeito, já analisado por Martín-Barbero e Gérman


Rey em seu livro Os exercícios do ver (2001), com o qual boa parte da elite intelectual e
acadêmica mira os meios de comunicação. Um olhar “mal-olhado”, na expressão desses
autores, levando a uma atitude sempre queixosa, “reclamona”, para com a televisão e seus
conteúdos. Inclusive impedindo que uma análise pertinente seja realizada, que critérios de
qualidade sejam equacionados, que surjam propostas alternativas para a programação de
4

uma televisão pública e cidadã, como defendem os mesmos autores em outro texto
intitulado Televisión pública, cultural, de calidad. (MARTÍN-BARBERO et alli, 2000)

No tempo presente, quando empresas de comunicação de alcance mundial têm a


possibilidade de propor determinadas representações discursivas, onde o poder também
passa pelo que afirmam ou divulgam os meios de comunicação, a construção de uma
interlocução inteligente e ativa com os conteúdos midiáticos, bem como a formação de
produtores alternativos de conteúdo, deve ser um desafio permanente para os que atuam no
campo da comunicação (ALEGRIA, 2008). Não apenas no que se refere à televisão, mas
também no que se refere a todo o conjunto dos meios de comunicação, já que estão todos
incluídos nesse processo recente do qual resulta uma centralidade das tecnologias da
comunicação e da informação na determinação das sociedades contemporâneas. São essas
permanentes mediações — midiatizações — entre sujeitos, sociedades, universo do real e
do virtual, que se tornaram motivo de grande temor.

Letramento e media literacy

O suporte daquilo que se lê vem mudando através da História. Mas


sobrevive a linguagem, com sua capacidade narrativa e condutora do
pensamento. E sobrevive a leitura da literatura que essa linguagem cria.
(MACHADO, 1999, p. 106)

O vocábulo mídia se tornou usual no Brasil a partir do seu uso em língua inglesa, para
designar o conjunto, ou sistema, de meios de comunicação presentes numa determinada
sociedade. A origem está no termo medium, que, em Latim, significa “meio”. Medium foi a
palavra utilizada pelos primeiros estudiosos da comunicação para designar “meio de
comunicação”. O plural de medium em latim se escreve media, “meios” ou, no caso dos
estudos de comunicação, o conjunto dos meios de comunicação. A grafia mídia, com “i”,
tem a ver com a pronúncia da expressão media (latim, plural), em inglês.

No senso comum o termo é utilizado com três diferentes significados: para indicar o
conteúdo das produções difundidas através dos meios de comunicação; para se referir aos
próprios meios de comunicação e, por fim, para se referir aos suportes físicos de
transporte, conservação e distribuição de bens culturais realizados a partir do uso de
tecnologias da comunicação.
5

Assim, ao ouvir expressões como “a mídia faz mal à infância”, é correto entender que o
sujeito falante quer se referir aos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação. Já as
falas como “isso é culpa da mídia” referem-se aos próprios meios de comunicação, os
também chamados veículos de comunicação, ou seja, um determinado jornal, ou uma
emissora de rádio, em particular. Por fim, quando alguém pergunta “você vai me trazer o
filme em qual mídia?”, e outra pessoa responde “em DVD”, o termo está sendo utilizado
para indicar um suporte físico.

Conteúdo, meio de comunicação e suporte são conceitos específicos e eles mesmos devem
ser utilizados sempre que se queira a eles se referir. Neste segundo tópico do texto, a
preocupação inicial é recuperar a força do conceito mídia (seria incorreto frente ao
processo de convergência da mídia pensar a televisão apenas “em separado), evitando seu
uso generalizado e impreciso.

O termo mídia designa uma atuação sistêmica e articulada, que ultrapassa apenas um
veículo de comunicação e até mesmo uma tecnologia de comunicação: a mídia reúne todo
o conjunto dos meios em atividade num dado tempo e espaço, atuando simultaneamente. A
sua atuação consiste justamente em realizar e difundir bens culturais, portanto, envolve
processos, tecnologias e mercados da comunicação.

Desse ponto de vista fica difícil aceitar que um CD de música trancado numa gaveta, sem
ser exibido (enquanto produto gráfico), sem ser executado (enquanto fonograma), sem ser
consumido (enquanto música), possa ser considerado mídia.

Para empregar o termo mídia seria necessário dar conta de uma pequena equação: mídia é
o resultado da operação que envolve um bem cultural resultante de um processo de
produção característico de um determinado meio de comunicação, conservado e
transportado com o auxílio de um suporte físico específico e consumido por intermédio de
uma tecnologia da comunicação. É um pouco confuso, mas apenas até se acostumar com a
idéia. Fica mais fácil ao se tentar aplicar o conceito.

Exemplo 1:

CANÇÕES DO ROBERTO < FONOGRAMA DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA < CD


< TOCA DISCOS < OUVINTE

Exemplo 2:
6

REVISTINHA DA MÔNICA < IMPRESSO DA INDÚSTRIA GRÁFICA < REVISTA <


LEITURA < LEITOR

Uma revista fechada e guardada, sem ser lida, sem sofrer o que se denomina consumo
cultural, não chega a caracterizar mídia, é um bem cultural, mas não é mídia. O ato de
consumo cultural é o que mais caracteriza a mídia. Sem consumo cultural não há mídia.
Essa compreensão é importante para, desde já, valorizar o papel do sujeito (de todos os
sujeitos sociais) em qualquer discussão sobre a mídia.

O segundo exemplo é bem interessante fica demonstrado através dele que leitura e escrita
são facilmente identificadas como tecnologias da comunicação. E de fato o são.

Admitindo a leitura e a escrita como tecnologias da comunicação (é o que interessa a esse


texto com toda essa reflexão sobre mídia), a alfabetização pode ser definida como um
procedimento através do qual as gerações mais velhas ensinam às gerações mais novas
como se comunicar através de texto.

Porém, para que as pessoas possam se comunicar através da escrita e da leitura, pelo
menos três condições devem ser cumpridas: que aquele que escreve e aquele lê saibam ler
e escrever; que eles conheçam os caracteres com os quais a mensagem é redigida; que eles
compreendam a linguagem na qual a comunicação textual será estabelecida.

É esse “reconhecimento do código” o que se dá durante a alfabetização. Porém, apenas o


reconhecimento do código não é suficiente. Pois, quando os elementos do código são
combinados na escrita e identificados na leitura, dá se um fato novo: a produção de
linguagem. A linguagem reveste a escrita e a leitura (tecnologias da comunicação) de
contexto social e cultural. Deste modo os textos ganham sentido, intenção, estilo etc.,
exigindo que o processo de alfabetização não esteja restrito à formação da competência de
identificação dos elementos do código, abrangendo também habilidades tais como a
interpretação, a compreensão a apreensão de idéias e conceitos expressos em forma de
texto. A todo esse conjunto de aprendizados que caracteriza a alfabetização se pode
denominar letramento.

As mesmas condições devem ser preenchidas quando se trata de comunicação por meio da
imagem. A primeira condição, a mais importante, é que é necessário “saber ler e escrever”.
Ninguém sabe ler e escrever sem ter aprendido e todos crêem poder ler imagens sem o
mínimo de estudo prévio, o que é um equívoco. A segunda condição é o conhecimento dos
7

elementos que compõem a imagem. Uma fotografia, representando objetos e fenômenos


desconhecidos, é quase tão muda quanto um texto escrito em uma língua que a gente nunca
viu. A terceira condição é o conhecimento da língua na qual é escrita a mensagem icônica.
No caso da imagem, essa língua também é fruto do meio sócio-cultural. É um engano
comum achar que a linguagem da imagem é universal, no sentido de poder ser
compreendida integralmente por todas as pessoas. “Não existe, por exemplo, nenhuma
fotografia, que possa ser interpretada da mesma forma por um brasileiro, um francês e um
chinês, por uma moça de 18 anos e um homem de 80.” (LIMA, 1988, p. 18-19)

Na verdade, uma imagem, um audiovisual, uma página da internet, uma pintura, um texto
escrito não podem ser considerados como uma linguagem em si. É apenas através do
processo que sua leitura desencadeia no intelecto do leitor que eles são transformados em
linguagem e passam a possibilitar comunicação.

Esse conjunto de entendimentos sobre a relevância da presença social da televisão e as


questões da comunicação e da linguagem, apresentado até esse ponto, é que torna
defensável a necessidade de um processo de letramento mais abrangente, para além da
escrita e da leitura de texto, envolvendo toda a mídia. A isso se denominou em inglês
media literacy, ou seja, deixar de se contentar com uma alfabetização em leitura e escrita,
passar a buscar uma alfabetização em mídia.2 Apenas com um pano de fundo como esse é
que se pode pensar numa premissa como a que dá título a esse artigo: a televisão a favor
da leitura e da escrita do mundo.

A inconveniente hipótese do analfabetismo funcional múltiplo

No dia 9 de Setembro de 2003, com a manchete Analfabetismo funcional atinge 38% em


pesquisa, o jornal Folha de S. Paulo informava que apenas 25% dos brasileiros acima dos
15 anos demonstravam domínio pleno das habilidades de leitura e de escrita, segundo
dados de uma pesquisa feita pelo Ibope. Na prática, esse dado significa que só um em cada
quatro brasileiros apresentava condições de entender totalmente as informações de textos
mais longos e relacioná-las com outros dados.

2
É bastante comum no Brasil o uso da expressão alfabetizar para a mídia. A proposta por trás de alfabetizar
em mídia é bastante mais ampla e mais complexa do que alfabetizar para a mídia. Pois, não se trata de
buscar apenas desenvolver determinadas competências para uma “leitura crítica” dos conteúdos veiculados
pelos meios de comunicação, mas, sobretudo de desenvolver junto aos sujeitos sociais suas possibilidades de
expressão, compreensão, comunicação em diferentes linguagens.
8

Conforme noticiado pelo jornal, de acordo com o levantamento, 38% dos brasileiros
poderiam ser considerados analfabetos funcionais. Desses, 8% seriam absolutamente
analfabetos, e 30% teriam um nível de habilidade muito baixo, conseguindo apenas
identificar uma informação simples em um só enunciado, um anúncio, por exemplo.
Outros 37% da população demonstravam um patamar básico, capacidade de localizar uma
informação em textos curtos, como uma carta ou uma notícia.

Essas informações provocaram, à época, uma acalorada discussão sobre a eficácia da


educação. Na verdade ainda provocam discussão, uma vez que os dados continuam sendo
produzidos ano a ano desde 2001, sem grandes alterações nos resultados.3 Para os técnicos
do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa, responsáveis pela pesquisa, é
considerada analfabeta funcional a pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever um
enunciado simples, como um bilhete, por exemplo, ainda não tem as habilidades de leitura,
escrita e cálculo necessárias para participar da vida social em suas diversas dimensões: no
âmbito comunitário, no universo do trabalho e da política, por exemplo.4 Para muitos
pesquisadores, ao lado da leitura, da escrita e do cálculo, o alfabetismo deveria também

3
Desde o ano 2001, numa parceria envolvendo o Instituto Paulo Montenegro/Ibope e a ONG Ação
Educativa, foi desenvolvido um índice para a medição do analfabetismo funcional no Brasil, o Indicador
Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF). A partir de então o Instituto tem realizado pesquisas em âmbito
nacional para o diagnóstico do alfabetismo dos brasileiros. Esse dado já estava disponível anteriormente a
partir de pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, o IBGE
mede o analfabetismo funcional no Brasil do seguinte modo: é analfabeta funcional a pessoa que declara
possuir menos de quatro anos completos de escolaridade. No entanto, o número de anos de estudo
completados ou não por uma pessoa é um dado muito relativo. Depende há quanto tempo se deu e como foi
esse processo de escolarização, por exemplo. Por isso, para os técnicos envolvidos com o INAF, existia a
necessidade de construir instrumentos específicos para medir o analfabetismo funcional, independentemente
do grau de escolaridade. O INAF permite verificar a existência de analfabetos funcionais que passaram mais
de quatro anos na escola ou de alfabetizados funcionais que nunca foram à escola.
4
Dentre as informações disponibilizadas no site do Instituto Paulo Montenegro, sobre o INAF, encontra-se
um conjunto de definições nas quais se fundamentam as conclusões de seus técnicos. São elas:
Analfabetismo: corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a
leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de
telefone, preços etc.). Alfabetismo nível rudimentar: corresponde à capacidade de localizar uma
informação explícita em textos curtos e familiares (como um anúncio ou pequena carta), ler e escrever
números usuais e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas
quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica. Alfabetismo nível básico: as pessoas
classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente alfabetizadas, pois já lêem e compreendem
textos de média extensão, localizam informações mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências,
lêem números na casa dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma seqüência simples de operações e
têm noção de proporcionalidade. Mostram, no entanto, limitações quando as operações requeridas envolvem
maior número de elementos, etapas ou relações. Alfabetismo nível pleno: classificadas neste nível estão as
pessoas cujas habilidades não mais impõem restrições para compreender e interpretar elementos usuais da
sociedade letrada: lêem textos mais longos, relacionando suas partes, comparam e interpretam informações,
distinguem fato de opinião, realizam inferências e sínteses. Quanto à matemática, resolvem problemas que
exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de
interpretar tabelas de dupla entrada mapas e gráficos. Fonte: Instituto Paulo Montenegro [www.ipm.org.br].
9

envolver competências funcionais como a linguagem oral, a informática, a resolução de


problemas e as habilidades interpessoais aplicadas a contextos como a economia
doméstica, saúde, trabalho, recursos comunitários, leis e governo, dentre outras.

Investigando o nível e o tipo de competências necessárias para que os


indivíduos possam se desenvolver no seu contexto sociocultural, tal
perspectiva abre, inclusive, a possibilidade de se questionar a adequação dos
currículos escolares com relação às demandas da sociedade. Permite ainda
que se amplie a compreensão sobre os problemas relativos ao analfabetismo,
uma vez que o não domínio suficiente das habilidades pode ser associado
não apenas a deficiências dos sistemas educativos, mas a questões mais
amplas como as características do mercado de trabalho e dos meios de
comunicação de massa ou a distribuição social das oportunidades de
desenvolvimento cultural. Tal perspectiva de análise pode informar,
portanto, tanto as políticas de educação formal quanto as de educação não
formal de jovens e adultos e as políticas culturais de forma geral.
(HADDAD, 2008)
Em sintonia com o que se propõe neste texto, a questão do alfabetismo não deve ser
entendida apenas no que se refere às competências específicas de leitura e escrita de textos,
nem se constituir em responsabilidade exclusiva da educação formal. O alfabetismo é um
processo sócio-cultural muito amplo, que envolve competências de comunicação em
diversas linguagens (texto, visual, audiovisual, corporal etc.) no qual os meios de
comunicação e no caso do Brasil a televisão, desempenham um papel de importância
fundamental.

O termo analfabetismo funcional geralmente é empregado para designar a incapacidade de


pessoas utilizarem a leitura e a escrita, além de realizar cálculos básicos, em atividades da
vida diária que requerem tais habilidades. Mais recentemente, os estudiosos têm preferido
trabalhar com o conceito de alfabetismo, tomando-o como fenômeno complexo, que
comporta diversos graus e dimensões, como indicado acima.

Haddad pondera que “muitos estudiosos têm criticado a concepção de leitura como
conjunto de habilidades genéricas que, uma vez adquiridas, podem ser aplicadas a qualquer
situação; têm dirigido esforços para estabelecer conjuntos de tarefas socialmente relevantes
em que se utiliza material escrito e, a partir deles, dimensionar e analisar graus e tipos de
alfabetismo que caracterizam pessoas ou grupos”. (HADDAD, 2008) Ou então, como
contextualiza Vera Masagão Ribeiro:

Em todo o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvimento


tecnológico, a ampliação da participação social e política colocam demandas
cada vez maiores com relação às habilidades de leitura e escrita. A questão
10

não é mais apenas saber se as pessoas conseguem ou não ler e escrever mas
também o que elas são capazes de fazer com essas habilidades. Isso quer
dizer que, além da preocupação com o analfabetismo, problema que ainda
persiste nos países mais pobres e também no Brasil, emerge a preocupação
com o alfabetismo, ou seja, com as capacidades e usos da leitura e escrita
nas diferentes esferas da vida social. (RIBEIRO, 2005, p. 1)
Deste modo é possível imaginar um alfabetismo múltiplo e, em oposição, também um
analfabetismo múltiplo.5 O que quase torna obrigatório propor, de forma provocativa, a
inconveniente hipótese do analfabetismo funcional múltiplo.

A televisão a favor da leitura e da escrita do mundo

A hipótese provocativa do analfabetismo funcional múltiplo, em verdade representa uma


grande ameaça. Retomando a citação em epígrafe, que inspira esse texto, afirma Roger
Silverstone que “a cidadania no século XXI requer um grau de conhecimento que até agora
poucos de nós têm. (...) a alfabetização em mídia é mais necessária do que nunca,
precisamente porque ela é fundamental para a construção de identidades, o senso de nós
mesmos no mundo e nossa capacidade de agir dentro dele”. (SILVERSTONE, 2003, p. 58)

Não resta dúvida sobre a responsabilidade da televisão, ao lado de instituições sociais


como a escola e a família, na tarefa de alfabetizar as novas gerações. Os sucessivos
insucessos na alfabetização, quase sempre motivo de escárnio da educação formal nos
telejornais e na imprensa toda vez que é divulgada uma nova pesquisa, devem também ser
atribuídos à própria mídia. A mídia em geral, a televisão em particular, é co-responsável
pelo baixo alfabetismo e pelo analfabetismo funcional que se verifica em tão alto grau no
Brasil. A começar por não promover, ela própria, uma alfabetização nas linguagens que
caracterizam sua própria produção cultural (e isso inclui leitura e escrita). A escola não
existe sozinha, fora de contexto social. A alfabetização não ocorre apenas na escola,
inclusive a antecede, como conseqüência natural da socialização das novas gerações. A
própria leitura e escrita, como tecnologias da comunicação, antecederam a existência da
escola. Pensando muito longe no tempo, nas paredes das cavernas, talvez fosse correto

5
Levando em conta a reflexão apresentada no texto a expressão alfabetismo/analfabetismo múltiplo quase
chega a ser redundante. Porém, tendo em vista a evidente falta de consciência social da importância da escrita
e da leitura do mundo nas diferentes linguagens atualmente em uso, ela é importante para forçar a discussão
sobre o tema.
11

dizer que a responsabilidade da mídia com a alfabetização antecede a da escola. Talvez


seja maior que a da escola.

São poucas as experiências que demarcam exceções a essa regra. Sem a intenção de dar
conta de todas elas, merece destaque a experiência da jornalista argentina Marcela Czarny,
que desde os anos 1990 vêm desenvolvendo estratégias de apropriação da linguagem de
imprensa em inúmeras oficinas de produção realizadas nas escolas públicas da Argentina.
E nisso tem contado com o apoio de grandes jornais que circulam naquele país, como ela
própria relata. (CZARNY, 1997) Ou então o esforço de incentivo à leitura, às múltiplas
leituras do mundo, que resulta da ação conjunta da Universidade de Passo Fundo e do
Canal Futura, com a realização e veiculação do programa de televisão infantil Mundo da
leitura. (BECKER, 2007) Em vários pontos do país ocorrem oportunidades de formação
audiovisual, como um complemento ao processo de alfabetização do qual a educação
formal procura dar conta. É o caso de Belo Horizonte, onde a Associação Imagem
Comunitária dissemina ininterruptamente a produção audiovisual entre jovens das
periferias da cidade. Lá essa produção alcançou qualidade e reconhecimento, sendo exibida
semanalmente na televisão educativa local, ao lado da produção de profissionais da
comunicação. (LIMA, 2006) Existem experiências onde se procura contaminar as práticas
docentes tradicionais, centradas no texto, com as diferentes tecnologias da comunicação e
informação, como busca fazer a equipe do Educom, na cidade de São Paulo. (SOARES,
2004) Mas, ainda há muito para fazer.

O mais importante é não desanimar e continuar o trabalho para integrar, num único círculo
virtuoso, mídia, sociedade e escola, num processo permanente de produção e reinvenção
do mundo. Só assim estaria a televisão, verdadeiramente, a serviço da leitura e da escrita.

Bibliografia citada e fontes:

ALEGRIA, João. Decifra-me ou devoro-te. Caderno Cedes, Campinas, v. 25, n. 65,


janeiro-abril de 2005. p. 59-70
ALEGRIA, João. Dinâmica da produção colaborativa de audiovisuais. In: CARRARA,
Ana Regina; GARCIA, Mariana (Org.). Cultura, educação e Comunidade. São Paulo:
CENPEC, 2008. p. 62-73
BECKER, Paulo. Mundo da Leitura na TV. Mundo da Leitura. X: 14-14 p. 2007.
12

COSTA, Marisa Vorraber. Ensinando a dividir o mundo; as perversas lições de um pro-


grama de televisão. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 20, 2002.
FEILITZEN, Cecília Von. Educação para a mídia, participação infantil e democracia. In:
CARLSSON, Ulla & FEILITZEN, Cecilia Von (org.). A criança e a mídia: imagem,
educação, participação. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2002. (pp.19-35)
CZARNY, Marcela. Los chicos y los medios. Buenos Aires: Troquel, 1997. (Herramientas
para el docente)
FREIRE, John Wesley. O que fazer com a mídia? In: FIGUEIREDO, V. L. F. (Org.).
Mídia & Educação. Rio de Janeiro: Gryphus, 1999. p. 15-50.
HADDAD, Sérgio. Alfabetismo e analfabetismo funcional. Disponível em
http://www.cedes.unicamp.br/pesquisa/artigos/HADDAD/cap01.html. Acessado em 28 de
setembro de 2008.
INSTITUTO PAULO MONTENEGRO: www.ipm.org.br.
JACQUINOT, Geneviève. Qu'est-ce qu'un éducommunicateur? La place de la
communication dans la formation des enseignants. In: SOARES, Ismar (Org.).
Educommunication. São Paulo: NCE-ECA/USP, 2004. p. 47-57.
LIMA, Ivan. A fotografia é a sua linguagem. Rio de Janeiro: Espaço e tempo, 1988.
(Coleção Antes, aqui e além)
LIMA, Rafaela Pereira (Org.). Mídias comunitárias, juventude e cidadania. Belo
Horizonte: Autêntica; Associação Imagem Comunitária, 2006.
MARTÍN-BARBERO, Jésús; REY, Gérman; RINCÓN, Omar. Televisíon pública,
cultural, de calidad. Revista Gaceta, n. 47. Bogotá: Ministério de Cultura, Deciembre
2000. pag. 50-61
MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán. Os exercícios do ver: hegemonia
audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. La educación desde la comunicación. Buenos Aires: Grupo
Editorial Norma, 2002. (Enciclopedia Latinoamericana de Sociocultura y Comunicación)
MINAYO, Maria Cecília de Souza et alli. Fala, galera: juventude, violência e cidadania.
Rio de Janeiro: Garamond, 1999.
RIBEIRO, Vera Masagão. Analfabetismo e alfabetismo funcional no Brasil. Disponível
em: http://www.reescrevendoaeducacao.com.br/2006/pages.php?recid=28. Acessado em
28 de setembro de 2008.
RIVOLTELLA, Pier Cesare. Convidada, intrusa ou o quê? Os efeitos da televisão na
infância: entre a realidade e os discursos sociais. Parte 1. Psicologia Clínica. Rio de
Janeiro, v. 16, n. 2, 2005.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência
uni-versal. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Edições Loyola, 2002.
SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação, conceitos básicos. In:
Educommunication. São Paulo: NCE-ECA/USP, 2004. p. 31-34

S-ar putea să vă placă și