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Wilhelm Reich, ao longo de sua obra, segue rotas que vão se desdobrando
umas nas outras. De psicanalista e, a seguir, marxista, passando pela
sistematização teórica da análise caractero-vegetativa e alcançando a
proposição tanto de uma nova ciência denominada Orgonomia, como de um
modo de produção social nomeado Democracia do Trabalho. Portanto, o
Weltanschauung reichiano é complexo, contemplando, a um só tempo, aspectos
psíquicos, biológicos, sociais e energéticos. Mas, de que lugar se expressa Reich?
Vamos, inicialmente, dar uma visada em suas raízes.
1 - Raízes Familiares
Medicina, interessou-se por escritos sócio-políticos. Por esta época iniciou sua
formação em Psicanálise.
3 – A Esquerda Psicanalítica
4 – Análise Caractero-Vegetativa
capítulo tão somente por Psicopatologia e sociologia da vida sexual. Este livro
apesar de ter sido escrito em 1927 é comentado aqui na sessão correspondente a
sua segunda fase, uma vez que lança fundamentos da análise do caráter e da
vegetoterapia.
Reich restitui a importância da teoria da libido, que estava sendo preterida
pelos psicanalistas em favor da segunda tópica (Id, Ego e Superego) para a
explicação de neuroses. Afirma o autor que se houver um equilíbrio entre carga
e descarga da libido, será mais difícil o indivíduo adoecer. Desse modo, durante
o processo terapêutico, enquanto os psicanalistas enfatizam a qualidade dos
conteúdos simbólicos, Reich enfoca a quantidade de libido não descarregada
como o alimento da neurose.
Reich parte do pressuposto de que se há vários modos de descarregar a
libido (socar, gargalhar, chorar, prática de exercícios etc.), só há uma forma
plena de eliminar o excesso de carga energética: o orgasmo. Potência orgástica
foi o termo que o autor atribuiu à capacidade do organismo descarregar
completamente com freqüência o excedente de carga. O ato sexual satisfatório
ou curva orgástica, implica quatro momentos: movimentos voluntários do corpo;
pulsação involuntária do corpo; perda parcial da consciência; relaxação plena.
Ao contrário, o conservadorismo da família, da escola, a repressão sexual/social
produzem acúmulo de carga libidinal ou estase energética.
O desequilíbrio energético associado aos conflitos entre o ID e o superego
produz sintomas. Estes são pseudo-soluções para os conflitos e o desequilíbrio
energético, já que mantém a neurose. Mas, a resolução genuína dos transtornos
da potência orgástica passa pela instauração do primado genital. Se este não se
afirma, o organismo regride à pré-genitalidade e o corpo não descarrega a estase
energética.
A teoria reichiana sobre a importância do primado genital como necessário
para se alcançar o orgasmo e a saúde biopsíquica é questionável. Parece que
esta posição resulta em uma normatização sexual ou, o que é mais grave, na
naturalização de padrões sexuais e, conseqüentemente na patologização de
atitudes não conformadas a esta expectativa. Contudo, observa-se que na fase
seguinte de Reich (Orgonomia), o autor amplia a noção de orgasmo e a
compreende como a capacidade de entrega, de envolvimento com o que se
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estilo, é o sujeito liberto dos grilhões, embora, se saiba, que esta imagem é
menos uma possibilidade a ser alcançada e mais uma luta cotidiana, um norte ou
direção.
A típica conduta psicorporal chama-se caráter. Este representa uma
blindagem erguida pelo Ego para lidar com as pressões tanto Id como do mundo
exterior. Quando esta pressão torna-se intensa, o Ego enrijece e forma uma
barreira de proteção. Esta blindagem se, de um lado, protege, de outro
aprisiona. O caráter necessariamente está articulado ao momento sócio-
histórico. Se o indivíduo aprende a lidar bem com os conflitos, faz-se presente
um sujeito capaz de modificar a si e as situações sociais, caso contrário, tende a
conservar a si próprio e a não enfrentar as condições sociais adversas.
Reich descreveu algumas formas de caráter e suas fixações
correspondentes, por exemplo, o caráter depressivo (fase oral); masoquista
(fálica, sub-valorização do falus); fálico-narcisista (fálica, super-valorização do
falus); histérico (fase “genital” incestuosa); compulsivo (anal-sádica). Seu
trabalho sobre a tipologia da personalidade é minucioso, leva em consideração
os aspectos estrutural, dinâmico e econômico (carga e descarga energéticas) e
menciona vários outros tipos de caráter.
Entretanto, a relação entre estrutura de caráter e a fase onde a energia foi
fixada não é vista pelo autor de maneira determinista, ao contrário, o autor nos
fornece a compreensão de que as estruturas de caráter são produzidas sócio-
historicamente e, por isto, guardam complexidades singulares. Assim, a histérica
de Freud não é mais observada, ao menos naquele formato, nos dias atuais. De
modo semelhante, há tantos possíveis caracteres quanto a produção social puder
fabricá-los. Neste sentido, a tipologia reichiana não é fechada, nem restrita,
mas dinâmica, aberta e potencializadora de modos diversificados de existir.
Os estudos de Reich sobre um desses caracteres, o masoquista, produziu a
ruptura com Freud de forma contundente. De acordo com o último, o masoquista
busca o sofrimento pelo sofrimento, conduzido pela pulsão de morte. Para o
primeiro, o masoquista porta um nível altíssimo de tensão e demanda sofrer,
porque a cada ato de sofrimento ele alivia a tensão interna, gemendo,
queixando-se, reclamando, etc. É assim que o masoquista diminui a estase
energética, ou seja, a finalidade última de seu comportamento não é o
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sofrimento em si. O sofrimento é um meio distorcido que faz com que ele tenha
algum bem-estar temporário, uma vez que suas expressões são aliviadas da
tensão energética.
Em 1934, Reich desenvolveu a noção de contato. Este concerne à percepção
das correntes vegetativas (energéticas), à percepção de si enquanto se executa
algo, ao olhar atento e à profunda ligação afetiva consigo e com os outros.
Durante a análise, as sensações de corrente vegetativa articuladas às primeiras
sensações orgásticas – o brilho nos olhos, o sentimento de inteireza corporal, a
graça do movimento do corpo, constituem uma condição de recuperação do
contato a que o terapeuta deve estar atento.
Na seqüência, Reich (1942/1984a) nota que a blindagem de caráter
corresponde à contração de grupamentos musculares. A este conjunto muscular
rígido ele denominou couraça muscular. Mas tarde, amplia o sentido deste
conceito e passa a compreender que couraça diz respeito não só a contração,
mas também a frouxidão dos grupos de músculos e finalmente, conclui que a
couraça muscular corresponde à falta de pulsação vital (contração e expansão
constantes de tudo que é vivo). É a liberação da expansão energética, ou seja, a
potencialização da sexualidade que confronta o estado de contração e rigidez
contínuas (angústia). Dessa maneira, estabelece uma antítese inicial da vida:
sexualidade x angústia.
Reich inicia, então, o trabalho direto sobre as tensões corporais
(respiração, favorecimento de movimentos expressivos, manejo sobre as tensões
corporais). À medida que este cresce em sua clínica, observa que quanto mais
bem auto-regulado está o indivíduo, mais o organismo pulsa de maneira plena e
“natural” isto é, contrai e expande de forma harmoniosa. A estase leva à
tensões corporais, ao medo da entrega, ao desenvolvimento da falta de contato
e de envolvimento, ao crescimento da angústia e do desequilíbrio entre os
sistemas vegetativos simpático (geralmente responsável pela contração) e
parassimpático (na maioria das vezes compreende a expansão). Reich estabelece
assim sua meta terapêutica nesta segunda fase: a pulsação vital.
A couraça muscular aprisiona o corpo, suprime a espontaneidade. A
flexibilização da couraça proposta por Reich, traz à consciência a história e o
significado daquela rigidez e, conseqüentemente, uma maior e melhor
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No final dos anos 30, Reich já não era mais compreendido nem pelos
psicanalistas, nem pelos comunistas. A análise vegetoterapêutica afastara-se da
psicanálise, e a importância da sexualidade em um processo social
revolucionário pregada por Reich o afastou da ortodoxia marxista. Naquele
momento, Reich aceitou o convite para mudar-se para os EUA e lecionar na New
School for Social Research em Nova York. Paralelamente, Reich iniciou pesquisas
sobre o câncer e desenvolveu estudos sobre bions “sapa” (bions da areia da
praia) que constituem a energia orgônica – energia irradiada pelos bions e que
possui efeitos sobre o organismo.
Segundo Reich (1948/1985b), contrariando a ciência tradicional, o câncer
não é um tumor em si. É sintoma de uma patologia advinda da retração do
sistema vital. Conjuntamente com as pesquisas sobre o câncer, Reich incrementa
seus estudos sobre energia vital. Na fase psicanalítica de Reich a energia era
conceituada como libido (expressão da energia sexual), na segunda fase ou
análise caractero-vegetativa, a energia passou a ser por ele compreendida como
bioenergia (energia do vivo), agora na terceira fase – orgonomia, recebeu a
denominação de energia orgônica. Esta entendida como energia primordial
porque precederia a matéria. Para Reich, no princípio tudo era energia e a
matéria seria energia condensada. O autor chega a esta conclusão após uma
pesquisa denominada “Experimento XX”.
Nos EUA, Reich dedica-se cada vez mais à pesquisa da energia orgônica.
Constrói um aparelho que armazenaria orgônio. Seu princípio de funcionamento
era simples. O artefato era uma caixa constituída de material orgânico
externamente (algodão e madeira) e de metal internamente. O material
orgânico absorve energia e o metal reflete para dentro da caixa a energia,
acumulando-a em seu interior. Ao articular a pesquisa do orgônio com a do
câncer, Reich notou que o que há em comum é a importância da pulsação vital.
Então, ele partiu do pressuposto de que a energia acumulada na caixa orgônica
poderia ajudar a organizar melhor a energia das pessoas com câncer, uma vez
que estas sofreriam de retração vital. Assim, passou a associar a utilização do
acumulador de orgônio com a psicoterapia nos pacientes com tumores
cancerígenos. Obteve reconhecida sobrevida em alguns dos pacientes.
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De acordo com Reich não só o câncer, mas várias outras doenças como a
hipertensão, a asma etc. são biopatias, ou seja, enfermidades resultantes de
mau funcionamento de sistema vegetativo. O acumulador contribui para
restaurar a capacidade de pulsação (contração e expansão) dos corpos retraídos
das pessoas que sofrem de biopatias. Dizendo de outro modo, a orgonoterapia
(naquele momento a associação da psicoterapia com o acumulador) favoreceria
a auto-regulação dos indivíduos.
No final da década de 40, Reich conclui a obra La Biopatia del Cáncer e
toma a vereda de estudos existenciais-humanistas, cujo tema central seria o
assim chamado Zé Ninguém (1948/1982). Abastado ou não, este indivíduo está
paralisado de medo diante da tarefa de mudar o mundo. Não toma o destino em
suas mãos, sente-se impotente, prefere submeter-se a lideranças autocráticas,
agarra-se à segurança, não assume riscos que poderiam torná-lo mais feliz,
aliena-se em um trabalho que embota sua criatividade. Reich fustiga o Zé
Ninguém, visando uma sociedade melhor.
Uma sociedade mais justa implica crianças educadas para este fim. O texto
Crianças do futuro. Sobre a prevenção da patologia sexual (1950/1984b)
caminha nesta direção. Os pais e educadores deveriam capacitar as crianças a
cuidarem de si próprias e dos outros coletivamente. O sentido de um auto-
governo deveria ser favorecido desde cedo nas crianças. Em 1949, Reich e outros
profissionais fundam o Centro Orgonômico para a Pesquisa sobre a Infância –
OIRC. Ali foram desenvolvidos trabalhos com gestantes, supervisões do parto e
dos recém-nascidos, prevenção do encouraçamento até os 5 ou 6 anos e
acompanhamento das crianças até depois da puberdade.
A criança possui uma condição imanente de auto-regulação obstacularizada
pelas sociedades autoritárias. Aos pais e profissionais da educação caberia
propiciar um maior contato das crianças com seus núcleos ou centros
vegetativos. Isto as habilitaria a lidar melhor com os impulsos secundários
destruidores da vida, a flexibilizar mais suas couraças e a confrontar a repressão
sexual. A criança em contato com seu centro vegetativo torna-se mais graciosa,
alegre, solta, com olhos mais vivos, mais atenta a si e aos outros, enfim,
potencializa-se sua existência.
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Referências
ALBERTINI, Paulo. Reich: histórias das idéias e formulações para a Educação. São
Paulo: Ágora,1994.
FREUD, Sigmund. “Totem e Tabu.” In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago,
vol. XIII, 1980 (original publicado em 1914).
HIGGINS, Mary e RAPHAEL, Chester (Orgs.). Reich fala de Freud. Lisboa: Moraes,
1979 (original publicado em 1954).
MALUF JR., Nicolau (Org.). Reich: O Corpo e a Clínica. São Paulo, 1999.
REICH, Wilhelm. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes: 2001 (original
publicado em 1933).
. A Função do Orgasmo. São Paulo: Brasiliense, 1984a
(original publicado em 1942).
SHARAF, Myron. Fury on Earth. New York: St. Martin’s Press/Marek, 1983.