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PAULO BAULER

O CAMINHO DE SÃO EROS

EDIÇÃO ANTROPÓFAGOS ERÓTICOS


Desce a escadaria para a caverna iluminada
livre dos sons da superfície:
motores
músicas mercenárias
camelôs esganiçados
Deixa para trás odores plúrimos e confusos

A caverna é asseada
O povo caminha direções predestinadas
O lagarto de metal abre suas bocarras
O lagarto de metal fecha suas bocarras

Obtém sentar-se.
Os músculos esculpem uma aparência cansada
Tal que todos, e, tal que todos, atento embora.
Esgueiram olhares
que buscam fixar-se no vazio
Desde que nada lhes interessará
Nada lhes será accessível

Há um pacto coletivo, silencioso:


trancar animais selvagens em frágeis fios de pensamento
Desrespeitosas adolescências rompem rituais
Suas risadas incomodam o monótono monomovimento
Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro
Alguns rostos sérios se desanuviam
Outros, se enrugam ainda mais
Pensa nos filhos que não teve
(conforme o filho, Deus tece a descendência)

Devolvem-se todos aos próprios motivos


Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro

Uma nesga de alegria esboça o sorriso de canto:


(ela espera, em cuidados feminis, decerto
Talvez se banhe agora
talvez até cantarole, romântica)
Primeiro encontro,
talvez avalie esperanças lúdicas
(cúpidas e patrimoniais)

Procura fixar-se em encantamentos


Mas respiram todos o livre-comércio de um mesmo tempo
Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro
Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/fer
Ro/fer/Ro/fer/Ro/fer/ro/fer/ro/fer/ro/fer/ro/fer
Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/fer

Súbito, um grito alegre lhe atropela as pernas


um corpo quente mente a mulher pronta
e um seio lhe arde o braço distraído

Por instinto, quer fisgá-la (ah! cheiro fëmeo)


Antes protegê-la da queda brusca
Quase a tem ao colo, a vida em décimos de segundo

Selvagem, ela é dona dos seus tendões


Escapa - se desculpa
Zanga (inconvincente) com outra moçoila irrequieta
E o mundo é feito de risinhos, pouco siso, e duas faces cor-de-rosa
Cenhos se espelham, a desvendar reações
Aguardam todos o retorno à seriedade
A retomar seus corpos lassos

Ele mantém a compostura, embora as orelhas aquecidas


e se deixa embalar ao som das rodas implacáveis
Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro/ferro/Ferro
ferro/ferro/ferro/ferro/ferro/ferro/ferro/ferroooooo
O lagarto de metal abre suas bocarras

Percebe a vida escapar porta afora e quer segui-la


mas ela se mistura à multidão que se livra do dia a dia

A terra volta a girar sob os seus sapatos


(este chão feito de átomos espaços vazios, elétrons apressados)
Tenta registrar, decorar, guardar seu rosto ao menos
Mas o áspero contacto das carnes juvenis arreda o que em si não sejam
róseas pétalas
e o pólen secreto (ah!)
E a memória é a encruzilhada dos tempos
E foi por isso que um dia se sentou à beira dos caminhos
Uma imagem se apagando em combustão
como uma pintura soterrada quando achada à luz do sol
Os pulmões incham do ar renovado, ele
expira pecados não cometidos
A chuva, farta, obriga apertar o passo

Uma repentina preocupação com a própria aparência basta


A esvair de todo a imagem imerecida

Chegaria como quem parte, não fosse a lavanda fêmina


Trocam sorrisos, afagos ensaiados
Ela é mulher bonita, saudável
e carente de másculos contactos
Roga sua masculinidade em cada movimento
dos braços
dos lábios
Por isso que urge
a suspenda nos altos
beije a boca incendiada
colha ferocidades
Das garras que arranham as costas

Amalgamados
arrastam os desejos para um quarto perfumado
Despem os corpos, as mãos trocadas
Ao sopro dos afogados
O calor aguça vontade maior que a premeditada
Os gestos, porém, mesmo grosseiros, ora suaves
lapidam as carnes
ao polimento das almas
Conhecem, então, preliminares
e nisso são pródigos

Quando ataca, agigantado, fragilidades


recebe incontinênti carícias mais que experientes
nos músculos
do peito
das costas
ao nervo másculo

A leveza táctil, porém, faz soltar a alma


Torna-se frio, mecânico, então
Mas todo ali, rindo à razão obscena
Que pudesse ela ouvir, talvez se recolhesse
talvez tivesse medo

E ele segue cedendo o prazer em doses milimétricas


Homeopáticas
Cruelmente imune
à gula atávica

Ela reage, quer tudo de uma vez


Que lhe vaze a alma

Malabaristas, escalam profundezas


Em frágeis cabos de união

Vira seu corpo ao avesso, desvira


Bailam uma dança primitiva, repetitiva e
prazerosa
Intervalos respiratórios flagram a chuva na vidraça
E só por isso há amor

E o gozo escorre sem alarde


gemidos conscienciosos
sussurros educados
eros e psiqué

Sobre seu braço ela descansa os murmúrios sonolentos


Travam os ponteiros dos relógios que marcam o envelhecimento
(Não
não é verdade que estamos sempre envelhecendo
por alguma curiosa magia a natureza concede um espaço sem tempo
Uma trégua no transcorrer do desgaste e da morte)

Ela se debruça em sonhos, ele


se entrelaça, carinhosamente

Também ele está agradecido


Da ternura inusitada que assombra o frio raciocínio
Aproxima o rosto da janela
As luzes da cidade cristalizam gotas de chuva
Multicores lacrimosas

Sua imagem no vidro reflete apenas o esboço


de um vazio que se pensa
Já nem é apenas a sua própria face - mas
as linhas do que tanto busca nos corpos que toma
a parte que falta, tombada há milênios
desgarrada de si

Quase estende os braços

Um riso juvenil atravessa a noite


Ele passa, sôfrego, a mão na vidraça - apaga
O bafo da alma
Antes que

O cérebro é um labirinto
Em que fomos encarcerados para sempre
A saída ficou para trás
Ao centro reside um deus condenado
Pobre diabo!
Ver nossa imagem modelada em carne
Ser obrigado a reconhecer nela nossa identidade
Efêmera identidade
Precária identidade
Metade, metade da metade, menos que metade
Para sempre metade de uma ínfima parte que nem metade é
Ah! Saber da nossa imagem modelada em carne
E aprender a existir

A alma encarcerada conhece o que seja finitude


E chora no lusco-fusco

Atravessando os pântanos da humanidade somos símios em extinção


Ao encontro de uma outra espécie
Um dia seremos - tal as que nos vieram
meras sombras
arremedos
Motivo de risos e paleontologias
Talvez uma espécie, num tempo para além de todos os tempos
livre da carne
Envolvidos pelo espaço silencioso e infinito
Uma espécie só feita de absolutos
Filhos pródigos de Deus

No entanto, sabemos:
já que saímos das águas
Das terras sairemos
Ela resmunga ininteligências
Ele busca refúgio no corpo amolecido

Sob mãos intrusas, ela se ajeita


Receptiva às intenções que anunciam luxúrias
Felina de carícias fugidias
Enfim, ele abre suas pernas qual abrisse fruta roubada
E lambem mil línguas o sumo de todos os pecados

Aguarda, paciente, a aquiescência de um corpo sem dona


Seus desejos, inteiros à razão, pescam em águas abundantes
Invadindo um território cor-de-rosa
Mesclando possibilidades, disponibilidades
Possuindo recantos íntimos, profundidades
Qual uma sonda manobrasse
Em busca de sítios inconfessáveis

Ela, dormindo embora


obedece aos ritmos
Dormindo ainda
move-se em murmúrios
gemidinhos
reclamaçõezinhas
Vênus lúcifer lúcida
quando chegam os espasmos de prazer
Quando os corpos estremecem em gozo subitamente violento
Aos urros e miados, ganidos
Atracados
Como se bradassem aos céus, aos futuros, aos infinitos
(já por inexorável)
Que só a Carne importa, afinal!
A primavera na cidade cheira a flor e a sexo
As mulheres espremem lírios e maçãs verdes e jasmins
nos pulsos e nas dobras
Tímidas, a maioria
Evas ainda (ou déjà?)

Livram as frestas baratas e sanguessugas


Umas reparam, apenas, maledicentes
Outras movimentam as antenas buscando o plasma

Há machos de todas as medidas


farejando fêmeas
Bolorentos, a maioria
Nem assim emasculados

O inverno se foi
O sol afasta a peste e os maus presságios
Tudo o que importa é efêmero
Quando as juntas femininas se umedecem
e alagam salivas masculinas

Há igualdade no desejo
Ultrapassando religiões e enrugamentos
Quanto a ele, é um dos que cavalgam o próprio corpo
Tem a barba por fazer e roupas de qualquer um
Também sente a ânsia das ruas
A sugar luz e calor da grande estrela se aproximando

Quando os pés e as mãos guardam ainda os meses invernais


saciado da palidez das moças
Urge enrubescer essas faces lindas, ainda frias
em aliança com o sol

As bundas das mulheres se aquecem primeiro


(talvez pela proeminência da raça)
Expostas à luz de mil braseiros

Malhas e brins pouco escondem


Muitas se exibem em frágeis tecidos
Alertando que o pudor é algo sazonal

A cidade, em tácito acordo, rende suas homenagens


Aqui e acolá antigos caninos ríspidos
Mas é mesmo assim que a vida continua

Embora o desleixo, também ele quer


Não apenas uma daquelas fêmeas cheirosas
Duas, três, todas as flores que fazem a primavera

Sabe que é preciso ousadia


(e cautela)
Plantas que não cultivou

Os encontros passados passaram


Mas assim para todos, ressalvados os loucos
(compreende-se às lágrimas)

Do desejo pela primeira mulher nasce o desejo por todas, por isso
Pretende ser terno
Relações unas e duradouras são relações de propriedade
(nem importa o sexo de quem manda)
Essa microfísica do poder
A cidade é palco de rebeldias nas primaveras
Mulheres abrem portas e janelas
Homens oferecem lanças esticadas
(Sim! Cavalgamos todos os próprios corpos)

Atravessa um corte na massa de concreto, enquanto


Carros de combate policial rastreiam inconformados
de todo gênero

Na mesma calçada, ela é um botão


Da rosa que olha e sorri, entreaberta
Basta vê-la, a saber da nova estação
Reconhece-lhe as curvas em quarto crescente, vizinha
da habitação coletiva
Ela sorri solenidades, e a mãe - fêmea treinada - se dá a perceber
A solenidade agora é trivial, quase natural

Busca não reter o olhar


Não decepcionaria artistas ou fotógrafos, tal mãe
Talvez trespassasse incólume mais um par de anos, tal filha
Feitas ambas da boa argamassa que moldou estátuas gregas
Unindo arquiteturas de terras estrangeiras

Mas é de bons sentimentos, o que lhe assusta (às vezes)


e o acorrenta à moral
Desvia-se à direita e, no entanto
(outra esquina e se olham nos olhos)
Pontuais (Ó Fortuna, Imperatrix Mundi!)
pousam juntos à mesma construção
No transporte vertical cede a passagem
(educado e discreto)
Simpáticos, os monossílabos

Caretas de riso, a menina (com que então era mesmo ainda tão menina!)
Mas esses olhos cinzas, com águas marinhas
A negar os temas e as molduras, enquanto
A mãe enruga a testa e ele ouve um canto místico de um recôndito
passado

O sangue lateja pontos sensíveis quando encontra a própria porta


Esquecido de quais razões mecânicas

Ali dentro mora e engorda a solidão das solidões


Roendo por dentro

Por isso que foge, obedece


a um inarredável instinto de descer
De voltar às ruas, correr pelas ruas
ao encontro do mero ato de viver

A caixa insensível, escrava


de condôminos desígnios
A uma outra urgência pára - e ele, tão distraída a alma
ao corpo acorda, quando
ela (ó fortuna, imperatrix mundi!)
dona das aquarelas
colore as paredes frias da carne
dos pêlos às peles grisalhas
Ele sua nas mãos
e larga fogo pelas narinas

Filha de Afrodite, abre-se em arco-íris


sossegando o que era inquietude
Mas ele conhece regras e cautelas
(ela, nem tanto) quando
Olhos que se roçam anunciam o fim do mundo
De volta às ruas, nem atina porque a loja de quinquilharias
Arriscando comprar alhos por bugalhos, ambos despiciendos

Ainda pensou buscar o tempo perdido, mas


Ao mau caçador nunca é dada a caça

Desolado, como se o apocalipse afinal


Vê murcharem flores às árvores
E uma bruta fúria irracional
a alterar o pulso do coração

Ia com o rosto tão retorcido, quase (não fosse tão ridículo)


Sentava ao meio-fio
e chorava

Perde-se em inutilidades, as horas transcorrem virgens


Bate os pés nas calçadas rumo ao horizonte
Nada mais busca, é todo paisagem
Quando a indiferença dos outros é cumplicidade
Quando a relevância dos fatos volta ao poder da urbis

Queixa-se do sol de setembro


da preguiça de certas flores
da absoluta inutilidade dos pardais
E dos passantes apressados, clones citadinos
(não é que nos bastaria um casal de humanos, zoológico?)
Mas reproduzimos em cativeiro
esta espécie paciente e ambiciosa
Quer berrar aos transeuntes
(o mundo não tem solução!), mas
Nem possui a voz dos que indicam caminhos
Nem pode falar alto o que não sabe
Volta, enfim, para o casulo
Um budista sem quaisquer desejos
Não cederá à paixão
( rasga a consciência,
insufla a cidade contra si)

Melhor é:
contemplar o desespero dos outros (loucos!)
enquanto não lhe castram os absurdos (tolos!)

Coisas de casulo:
sons de casulo
palavras de casulo
imagens de casulo
E todo esse enorme ego de casulo
(estúpido! que importam harmonias de casulo?)

Tenta uma fruta, ensaia telefonemas, abre janelas aos pássaros


Nada!

(Por que será que


sempre que chamam à porta ajeitamos as espáduas?)
Eis que de repente, não mais que de repente
Com o sol que adentra as janelas abertas pela manhã
Em raios violáceos de impossíveis reflexos
A transbordar a prata das cavernas obscuras da mente ora iluminada
Um animal que há pouco ferido e humilhado
Redescobre as forças milagrosas do desejo
Que se liberta e nem atenta às razões do trivial
Ao contrário, mais se agita
Quando alma e corpo, e vida
É tudo o único que se quer

Dedos, ou favos de mel - tocam sua mão calejada?


E o que mais fazer senão curvar-se e beijá-la?
Deixar-se ir ao som daquela bailarina, fugida
De alguma caixinha de música, distraída

Que também lhe quer, a vencer pudicícias


Que há muito, há muito tempo lhe sabe
e também quer

E prendê-la em seus braços como um polvo júlioverne


Sem qualquer pressa, nenhuma pressa quando ela se solta
Nem precisa perder de todo o senso, quando
Ela se solta, provoca em ser arrebatada

Afinal, noiva das entregas é toda em modos tão corretos


Tão mocinha essa mocinha dos seios já intumescidos
E o sorriso a sorrir que já é pronta

Quanto a ele
(delicadeza é - definitivamente - amor)
O coração comovido, a ternura dos gestos
E um surdo súbito absurdo refrão a gritar pelos neurônios:
que fruta madura se come no pé
fruta madura se come no pé
fruta madura se come no pé
Alcançam o leito, antes misógino e cansado
Senhor de todos os sentidos é um animal metafórico
Um lobisomem se agarra às grades e balança os músculos
Ao ritmo dos gritos lancinantes que invadem as janelas:
Buzinas
Sirenes
Motores (os humanos)

Nuvens carregadas de eletricidade explodem ao longe


Fazem pesado o ar (os deuses)

Tão jovem, não teme os deuses


Nem tem (ainda) por que temer os homens

Dela sorve a seiva licorosa um vampiro nobre


um connaisser de vinhos raros
Mãos trêmulas exploram recantos paradisíacos

É todo em joelhos, tal num templo


Curva-se à vontade da Deusa o mais humilde, o mais
contrito dos fiéis, buscando
A adoração
e o milagre

E nem o mais empedernido dos infiéis abalará a sua fé


Na Carne
Flagra-a uma gata ocultando o portal
Em cada gesto é mais o seu amor
Maior a crença em seus poderes mágicos
Pouco importa amanhã lhe atirem à cova dos leões

Arranha os mamilos, mordisca


assim mais róseos
Faz-lhe cócegas, a pele sensível de raríssimas carícias
Brincam com os apetrechos da carne

Mulher, recebe-o em peso


abre-se ao seu jeito
Nus, são a afirmação da Natureza
centro incontestável de todo o poder

Entre lábios melados encontra presas aguçadas


E as línguas colhem róseos sabores

Aos pés da cama, as roupas


e todas as vergonhas

Ele desliza sobre a pele aveludada


ela vai cerrando os olhos, íntima de si

Repetem e se repetem, redundantes


Até que ele adentra
carne a carne
a carne embriagada
Quase não se movem, agora
Ao mais insignificante tremor o prazer arrisca transbordar
Por isso que beija delicado nas faces, delicado nas pálpebras
Bebe-lhe a respiração
Toma nas mãos o crânio de porcelana
E talvez nada mais quisesse
fosse isso possível
Nem fossem as pernas cruzadas à cintura, forçando um ritmo
A boca aberta e os gemidos
Os monossilábicos convites

Por um instante ela morde o lábio em dor


Só por um instante ela morde o lábio em dor

Dor bendita, dor heróica, dor erótica, dor


de Mulher
Que provoca a ira pélvica do seu homem
Que nada mais existe que aquela concha glútea, gulosa
A engolir, a viciar a vontade
Tal se lançasse a um tufão alucinógeno
Escravo e senhor das suas entranhas
O cérebro abandonado
O gozo na ponta da espinha

Sábia como só as fêmeas atávicas desce devagar as pernas


Se abre e se fecha em longos cílios
Se encerra como as pétalas das damas
da noite
quando o dia

Cúmplice, segue seu ritmo


Buscam juntos o espaço e o tempo do prazer
Ela agarra forte, tem nele um ser xipófago
Morde o lábio inferior em compassos marcados
Seus gemidos contagiam
Sacam dele grunhidos animalescos
Impossível reter mais, e ela segue alargando um grito contínuo tal que
se desmanchasse
e levanta as pernas bem alto
como se travasse os céus na sola dos pés
e pede mais, e grita
e continua gritando
e balança a cabeça para os lados
e grita mais, e pede mais
a cada estocada repete que mais
Escorrendo-se toda em cachoeiras de gozo

Quanto a ele, definitivamente pronto


Inteiramente lançado ao ataque final
Viajeiro dos desertos debruçado em seus oásis
A trocar urros por gemidos
No limite máximo de um arco retesado
Epiléptico
Desbragado
Ao som de trombetas vindas dos quatro cantos da Terra
Anunciando e glorificando um novo Tempo
Quanto a ele, desencarcera a alma e
Jorra,
jorra,
jorra,
e rosna,
e ri
E jorra e rosna e ri
O riso franco do menino ainda em si
Expulsos do paraíso, é assim que recobrem suas vergonhas
Emudecidos

A sugar cada instante


(e não se apaguem)
Essas brasas que nem duram eternamente

Logo ela retorna à adolescência inculpada, gaiata


Em trejeitos e recreios pós as aulas
Depois, se aquieta
E pousa sabiá ao peito em pêlos

Caçador de pérolas em águas profundas, ele


retorna à superfície insular

Como um pescador a voltar tarde de um mar bravio


é feito de silêncios
Só o chacoalhar da maré cheia, e nada mais

Então, ela se faz parceira antiga


E beija-lhe a fronte franzida e brinca
aos pêlos grisalhos, zomba
de gato e rato
Nenhum motivo há
de preocupação

Mas ele se agita um mar revolto de receios


Agora que é inteiro o seu amor
Ave de arribação, ela
estala um beijo fugaz
E lacra o seu coração

Não quer assistir o seu vestir, mas


não sendo grumete
Adivinha cada peça e seus botões, enquanto
A alma se lamenta, agonizante

Ela é toda interjeições, e se despede


infantil

Ele se tranca a porta

Se perguntando quem é

Caminha por entre os móveis


uma assombração
Um alcoólatra, o garrafão vazio

Com artes de quem abre


as portas de uma gaiola e solta
Se dedica a recolher
(em meio aos restos do que era há tanto tempo o seu casulo)
Rubras pétalas de primavera em seus lençóis
Mas vida é um banquete
para algumas poucas gentes
E as veias latejam sangue em ritmos diversos

Esta não tem nada de mais (que as outras)


Também ele sabe que não é homem de criar encanto em toda mulher
Ela fala insistentemente assuntos domésticos
Enquanto ele busca um lugar de contemplar pernas exibicionistas

Há um quasar no salão
Enquanto mastigam azeitonas e amendoins e ovos de codorna
os olhos, quais faróis
encontram a boca entreaberta
Ajeita o gancho das calças, disfarça
que tais coisas gelam qualquer mulher

Ela se levanta (ah! Que linda gazela!)


se move
se sorri
Para alguém do outro lado do mundo (um grupo
só de machos)

Ele, por ela se move


Por ela altera
a direção do nariz
Percorre toda a geografia
(talvez seja essa a tal terra
prometida)

Enfim, ela o percebe - indiferente


(ma non troppo)
Ele é faro felino, sabe
de longe o seu perfume
parceira da própria pele
casca
couraça
seu cheiro

Que a natureza abraça a natureza


Desdenha
leis humanas a reconstruir mundos e céus

Laboriosos arquitetos erguem tijolos, muros e açudes


Criam códigos e salmos
Ele sabe apenas que aquela mulher lhe pertence
(tanto quanto a outros tantos
no girar das estrelas que apontam e desapontam pares)
Ele é dois no salão
Garçons oferecem bibelôs culinários, antepastos
Outros servem açúcares e álcool
Limpam cinzeiros de maridos

Verdes olhos e os seus


não se desviam

Um fogo-fátuo
a quatro brasas
Adivinha um frêmito
(kundalínico)
Na pele que adivinha nua
Medita
(a quantos saltos a corça não se assusta)

Há maldade em cada andar


(maior prazer lhe dá)

Duas interjeições
e se aproximam
Tudo o mais são razões que desconhecem

Tecidos só de leve se roçam, mas


ligam fios em combustão

Da cozinha adentra a carne


pratos e talheres
Nele ruge o peito, feroz
(não é essa a fome de quem ama)

Cuidar não perder a presa


(também ela receia)
Em volta é outra a liça, as crises
econômicas, os desalinhos
políticos, a decadência
das idéias, a quantas anda
o capital

Alguns são música e poesia, outsiders


Todos iguais na hora
em que servem a comida

O chão é grama aos seus pés e o vestido dela é vermelho


(carne viva)
Os cabelos brincam soltos, os seios
(tudo solto aos seus desejos)

As palavras são metáforas, parábolas


metonímias
Mais que perfeitos os sons
para o coração
o dorso e os pontos
que são mais
Harpas invisíveis, imemoriais

Sabe sobre ela tudo o necessário


Métrica e rima
(e os pés quebrados)

Atores experimentados, deslizam para o palco


Sem que a platéia para vaias ou aplausos
Que o ato obriga resguardo aos corpos, e os olhos
críticos são os mais treinados
A sós, se tateiam
dicionários em braile
As mãos exploram partes nobres
há em cada qual um ser independente
(cubos de picasso)
São números múltiplos, geométricos
Outras matemáticas

Na face oculta da lua


uma estranha música, hesitante
ainda são vozes obscuras, fiapos de luz
Mas as orelhas ardem
esticadas

A alcova guarda roupas de cama delicadas


Quando um monte de feno lhes bastava

Fecham a porta, chaves mestras


e as mãos se apressam, sobem
sábias, pelo tafetá e a alcançam
íntima, enquanto
O linho às costas segue seu destino amarrotado
Se atracam
Garras de fêmea experiente suplicam posse selvagem
E ele espalma a mão à nuca recurvada entre pêlos e zelos
São duas bocas grudadas
sufocando com as línguas murmúrios e gemidos

Ela grita, repentina


mas logo se refaz
Decerto as orelhas
novamente se esticam, mas
Já a liça é campo aberto
tarde demais

Retesada
a coxa é falsa guardiã de segredos, última barricada
Esfinge, arregala os olhos (decifra-me que te devoro)
Guerreiro, é tal um louva-a-deusa

Mas um mundo não isola o mundo


Que bate à porta

Tremem as mãos agitadas por um silêncio cúpido


Ensaia-se quem sabe uma compostura
Tarde demais

Por sorte não há convicção


naqueles punhos que hesitam
Sabem os dois que é quase sempre assim
Por sorte
quase sempre assim

O calor renova a direção e ela se deixa curvar

Voltam as batidas à porta. Agora


animais em cópula
(quem mais se importa?)
Acertam ainda mais os passos, clássico
balé
Vulcão que transborda a tudo lava em lava incandescente

Mais batidas à porta.


Mas o jogo é dentro, sol em expansão
Que não acolhe reclamos de outros calores

Uma língua toca o céu e os lábios ardem, apimentados


Soltam-se as últimas roupas, últimas amarras dos barcos que não tem cais
E mais se beijam, se lambem
E mais e mais por tanto quanto batem à porta
Que se trancou para o mundo

Ela tem pêlos ao modo dos triângulos amazônicos


E toca um músculo em prontidão
Toma-o na boca
é quase um desespero não urrar
Um intervalo feito de vozes e os passos se distanciam em tímida apreensão
Mas o instinto fisga o intruso trás-da-porta
Há, é certo, um respirar ofegante, uma inquietude d’alma
Sabe de quem, mas
(qual se importa?)

Que seja de três o par nessa contradança


A ela não é mais dado escolher qualquer outro mal
Que abrir seu universo mais vago
Que nenhum homem jamais selaria
Que a natureza é mesmo desastrosa
(sempre sábia)

Nele um semideus faz do corpo uma alavanca a alterar o curso do planeta


A reconstruir humanidades
Nele, arde a chama da onipotência

Ela quer reter as pernas esticadas em horizontal e mentirosa resistência


Circulam as pélvis emaranhadas, forja-se
ferrageiro, em brasas e líquidos abundantes
Até que a pega de jeito
que lhe puxa, provoca, belisca
desafia

Força a entrada às portas primevas do cosmos, onde encontra a chave da


Carne
O reverso do primeiro choro das crianças
Que o prazer é primitivo ao signo
do eterno retorno

Calça-lhe por trás o ser e seus dedos tocam a espinha enrijecida


A buscar o arco certo para a glória

Compassos logo decorados evoluem ao comando da batuta


Mas a urgência em cravar-se em carnes tão obedientes
arranca gemidos algo dissonantes
Aos poucos soltam-se as bestas
Berço de deuses e humanos
Todos profanos

No entanto, lá longe
Sons traiçoeiros traem pensamentos corriqueiros

Por alguns instantes arrefece, e o corpo


segue um vai-vem automático
Entrando e saindo, entrando e saindo
Apenas por ela
que se abandona
Vítima indefesa da felicidade

Aquela música ao longe, (ah!) seriam sinos?

Ao primeiro orgasmo ela diz que sim


sim
sim
Faz que ri, faz que chora
Faz que vai explodir

Em seguida, suspira
Abraça
Beija em gratidão
Quando nele os primeiros desejos ainda mordiscam orelhas e seios
Ainda exploram sensibilidades

Num jogo de forças faz dela em bruços


E por isso recebe, galo plumoso, uma cadelinha amestrada
Ganindo para a mão que afaga e recompensa
Ela balança a cabeça para os lados e toda a Terra eppur si muove
brilhando na escuridão das esferas
É tão ancestral sua posição desprotegida que parece ter sido sempre sua
Que a leva empinar-se mais
e mais e toda

Deixá-la querer sugar totalmente a matéria


tentar devorar o cosmos

Até que é o mais vil dos bandidos


Que dela assim, posta indefesa
Nada carece respeitar

Agarra com força os cabelos e torce, uma égua em rédeas


na suficiência do domínio
às portas da dor
Erigido em totem primitivo, nem quer tanto que vê
Nem há que violar templo tão mesquinho

Segue mordendo, mordiscando, beija inteiro o dorso inflamado


Depois lava, gatuno
reentrâncias e orifícios

Prende os caninos ao pescoço arregalado e a obriga revirar-se


uma égua em rédeas
Mostra que também a sua voz vem das entranhas da terra:
Deita!
Por isso que ela, a boca entreaberta
soluça obediências
Enquanto o dorso requebra apelos transversos
oferecimentos
convites
Por isso que uma urgência inarredável o força um meteoro
Mergulhando incandescente sua atmosfera mais íntima
Os metais em brasa
Ao balançar frenético dos quadris
A aceitar que o prazer é feito de retas e círculos
Acumpliciando-se mais, e mais
e muito, e mais
e muito
e mais
Até que urros, zurros, grunhedos animalescos
Espargem nela sementes generosas

Ele é, então, o mais frágil dos mortais


Silenciados, vestem os corpos e os olhares e as frases
Ela sorri, um sorriso nervoso, os lábios afinados
Ele se faz sério como um cão de guarda

Novos ruídos à porta mostram a importância dos relógios


Nada a culpar, por enquanto
mas tornam-se tímidos, e apressados
Apenas
corrigem vestígios

Escorregam pelos corredores em passos desiguais


São, agora que completos, ainda mais estranhos

Mais à frente
(aligeirando-se)
um espaldar masculino cruza o batente
Tão perto
Tão distante
Num repente, ela o alcança
Boca a boca, a língua em chamas
Como se fosse um dragão

Ainda é lasso
Nu sobre os lençóis, estirado
O cérebro cheio de cifrões

O sol da manhã ainda é fora do seu mundo


Mexe as pernas, tenta escapar
Ela o alcança por trás

Sente os pêlos ásperos e gosta, se volta


Entrega-se ao feitiço de forças soberanas
Esquece os cifrões
Deixa-se cavalgar
Uma amazona
guerreira
invencível
implacável
escraviza-lhe a força yang
Força que se refugia em ponta
só pronta a lhe servir

Ela lhe prende os pulsos


Só por isso ele chega às fronteiras do seu feudo

Um movimento em falso e subleva-se em senhor


Mas o tempo é ingrato a rebeldias
E há prazer em todas as coleiras
Valete, se deixa montar
quanto queira sua rainha
Súdito submisso à sua coroa
Unidos no corpo, unidos na alma
Unidos no gozo, unidos no reino
Ambos são faces
do mesmo dinheiro

Quando ela se vai, mulher comum


Sobram-lhe as algemas
do dia a dia

Banha-se, um cantor de banheiro


As roupas guardam as cores da liça, em neutralidade suiça
O trabalho não seduz, assim as cifras
O cansaço é do espírito. Filosofias
(e causas políticas)
Arredam o homem dos seus sonhos juvenis

Nu em pêlo o duplo no espelho sorri


Nu em pêlo volta a dormir
Sonhando-se um gauguin no Tahiti
Acorda em sobressalto
O sol da tarde é claro e vigoroso
A campainha soa pontual

Ela é um sorriso largo ao seu corpo ainda nu


Escolar em hora de recreio, quer logo brincar
Livra-se das roupas em apressadas alegorias de streaper
Atira ao leito a inocência em bruços

Adivinha-lhe os olhinhos apertados mordendo o lábio inferior


Imagina que tenha sonhado com isso frente aos professores
Talvez ensaiando mentalmente gestos triunfais
Quase receia decepcioná-la

Logo seus quilos obrigam suspiros, fauno em ebulição


Ergue, hercúleo, o mundo em suas polpas
maçã madura
Molha a língua serpentina um paraíso feito de escuridão
É carinhoso, muito carinhoso ao adentrar o quarto escuro
Sob o chuveiro, folguedos
Cabelos molhados resgatam uma infância distante
Enquanto um coro religioso ao cérebro, menino
em primeira comunhão

Beijos lambidos libertam asas à alma


Doce, suave liberdade, que aplaca as ondas de violência da cidade
Tudo tão distante quanto os quasares mais longínquos do universo
Violência, sombra implacável do pecado

Há pecado em seu desejo ereto?


Há pecado em sua gruta úmida?

Não terá, a Casa do Senhor, assim tantas moradas?


(Ama a Deus sobre todas as coisas
Ama a teu próximo como a ti mesmo)

Ainda rindo em seus botões ela escoa porta afora


E tudo o que lhe deixa é um longo fio de cabelo preso aos pêlos
Um tempo promíscuo se anuncia
Enquanto um sol sangra e entrega a cidade à noite escura
E lâmpadas urbanas desdenham luminosas estelares

Pelas ruas, os olhos incandescentes dos automóveis


ofuscam ainda mais a razão
Abrindo largos espaços a toda imaginação

Afinal, quem sabe essa - noiva prometida - lhe libertará


curará as feridas abertas à sátira sina?
(Ah! Que bela silhueta anuncia
o transparente vestido)

Com a mesma atenção dos papagaios ele apenas repete as falas curtas
Colhidas dos próprios discursos femininos
Aceita que as palavras podem ser carícias
De natural sentido
Sibilinas

De qualquer sorte,
Fronhas e lençóis querem dele um viajante feliz

É ela quem lhe deita o corpo afoito e se deita e cuida o prazer


Sua língua é destra, e ele - um homem sensível
Náufrago em mar revolto busca a praia insular
Boia em ondas crescentes, que se enchem, se renovam, sem arrebentar
Sôfrego, entrega-se ao gosto fêmeo
Que beija beijos fortes, e lhe deixa
A masculinidade angustiada
Ela desliza a palma na extensão de toda a curvatura
Coxas grossas lhe abraçam o tronco, duas jibóias famintas

Braços de polvo percorrem um sítio aferventado


E uma razão desatinada obriga erguer-se em joelhos
Endurecer-se ao máximo
Ela escala seu corpo até o ponto culminante
Malabarismo conquistado à força do desejo em fúria mais que selvagem
As frases mais loucas
Que um homem objeto, que o mais abjeto
Alternando músculos e manhas feminís

Mas o muito é nada quando se busca o impossível


Quando aventureiros dos absolutos
Então ele faz que sai, negaceia, cigano em mercancia
Ela grita, olhos mendigos girando em frenesi, desespera
Acaba por se entregar

Reino conquistado, concede um domínio alvissareiro


Sublima, por total, a ocupação
Em êxtase, ela passa a lentos voleios
Nau à deriva, gira em círculos - e gosta, e gosta muito

Dois movimentos e alcança-lhe o colo


de frente para o norte
Saboreia lábios inchados
Beija como nunca beijariam os vampiros
Da Transilvânia a Dusseldorf

Quase se sorriem, quase


Ela aponta o queixo e ele morde o pescoço de ema
as orelhas de lebre, as tetas de vaca premiada
O gozo é farto
E chega de mãos dadas com o dela

Enquanto conta estórias de mulher, e brinca em torno seu umbigo


ele mede, a mão em concha, os seios muito rijos
São horas de ir, ela insinua dizer
São horas de ir, ele aceita concordar
À noite é uma outra cidade a sua cidade
Que aprendeu a amar mais que o país
Num tempo de distinguir reinos e reis

Famílias se debruçam sobre imagens televisivas


Teleprazeres, teletristezas
A vida é lá, telecidadãos
A Terra vista de fora, suspensa no espaço
Um mundo distante, uma beleza fria e solitária
Um mundo pequeno
a caber em caixas de 20 polegadas
Telemundo, em que somos todos coadjuvantes

A vida, a vida mesma, sempre continua, no entanto


Cidadelas marginais negociam
sexo, dinheiro, poder (uns)
Sexo, drogas, rock’n roll (outros)

Sexos(todos)
para dentro
ou
para fora
Sob o manto diáfano da violência dos contrários

Mas os anjos existem


Também as fadas, e os gnomos
Os encontros são fartos
Tanto quanto a solidão
Todos parecemos dizer as mesmas coisas
em absurda discordância
Talvez busquemos apenas a nós mesmos nos calores alheios, sabe-se lá
E no entanto sempre há os que amam, os que amam nas trevas
Estrelas na noite escura

Na madrugada habitam os sobreviventes


ele, quem sabe, tenha flagrado a paz

Observa as pessoas espetando carnes de espécies atrasadas


mastigando vegetais
Escolhe uma sopa de animais marinhos retalhados
(melhor prevenir
que se explicar

Um casal repassa suas desavenças


A mulher movimenta olhos ligeiros
às costas (largas) do parceiro

Concentrado num tentáculo amputado, desvia-se dos olhares


A meditar sobre a inteligência dos polvos
Sempre repara que é bela
sem ser incomum
E que possui mesmo olhos bem ligeiros

As costas largas se retiram, e ela


fica menos só
Os olhos agora (nem tão ligeiros)
Brilham como os seus

Na rua, já são dois namorados


Ele segura em sua mão e diz de dedos prestidigitados
Ela garante que acredita em predestinação
No quarto de motel o desejo se espalha em correntes alternadas
Tão atentos que em aulas de anatomia
Ouvindo-se os pensamentos
O recíproco ensarilhar dos devaneios

Tanto quanto ele, ela é atriz experimentada


Faz dele um espectador de primeira fila
Nervoso que não desçam os panos do teatro

Beijos, mordiscos
Fêmea habilidosa, acende seus minúsculos, másculos mamilos
A sugerir uma feminilidade recôndita, primeva
Que a cidade perigosamente ensina a ignorar

Ele se deixa conduzir


Conhece a cumplicidade das almas
Iguala toda a carne ao contacto das periferias

Lembra o tema central do primeiro diálogo


(Somos iguais, sim!)

Deixa-se arranhar, alternar-se em beijos e sucções


A gozar o encontro dessa igualdade fortuita
(Somos iguais, sim!, garantem os arrepios da pele)
(Somos iguais!, gritam as mãos, as pernas, os súbitos seios, os pêlos
que areiam a sensibilidade)
(Sim, somos iguais!, gritam ambos em uníssonas sensações)
Gritos tão agudos que ecoam pelos quatro cantos da cidade
Ao encontro de machos e fêmeas solitários, isolados, enjaulados
Nas próprias carícias solitárias, nos orgasmos culpados
Nas mentes que adoecem sem testemunhas
No choro mudo das partes condenadas
Ocultos em másculos quadrantes
Submersos em águas feminis
Re-dividido, redivivo
Deita-se sobre ela em inequívoca identidade
Que flexiona as pernas e cede as entradas
Sorrindo, primeiro
Pálpebras submissas, logo depois

Lutam uma luta surda e muda


Tal qual os seus avós, e os avós dos seus avós
(para dentro, e para fora)
O gesto repetido é tudo o que importa
(para dentro, e para fora)
Como se não quisessem parar, ou progredir
Viajantes de um planeta frio e distante, sexofágico
(para dentro, e para fora)
Fixados apenas nas partes inferiores da Carne
as cabeças, os braços, os peitos, as mãos
São seres frios, ao gelo das alturas
embora embaixo motores fervam protuberâncias e vãos
(para dentro, e para fora)
Poderiam, talvez, cometer algo
Desligar os botões daquelas máquinas acopladas
cujo único sentido era seu próprio funcionamento
(para dentro, e para fora)
sem nenhum desejo, apenas funcionar, funcionar, funcionar
funcionar indefinidamente
(para dentro, e para fora)

Surdos e mudos, assim se desligam


Sem desatar o nó
(Amar ou fornicar, that’s the real question)
Querem ambos levantar, ir embora
Nada mais há a consumir
No entanto, não se desatam
Descansam acoplados e, no entanto
desconhecem qualquer intimidade

O sol aos poucos vai-se erguendo na manhã


Ela ergue novamente as pernas e recomeçam
Para dentro, e para fora
Abre-lhe a porta e a alma
Ela mostra uma florzinha
mal-me-quer
bem-me-quer
Tem um olhar acanhado, um beicinho triste
Toda a alegria galopa lá fora
Aos potros e prados

Afinal, a juventude atrai a juventude (blá!)


A fronte grisalha compreende e aceita (blá!)
que ela se apaixone (blá!)
que ela queira casar (blá!)
que ela queira ter filhos (blá!)
blá, blá, blá/blá, blá, blá/blá, blá, blá
Que ela ame alguém da sua idade - afinal
(blargh!)

Tanto quanto ele, o amor envelheceu


(anéis de saturno em alta rotação)
Cede lugar ao músculo que o matou

[Ora, direis, ouvir (!)(!)(!) !]


Abre-lhe a porta
O coração dá ao momento todo o peso do luto
Os braços são tensos, aos nervos do pescoço
Traz no peito uma respiração chorosa
É toda um choro da alma em contrição
Ele é quase um pai

Ela não desfaz o laço das mãos e se aninha aos seus pés
Ele é todo ouvidos
o que ouve são histórias de mistérios, romances, aventuras
resgatando antigas cenas de pirataria, raptos de donzelas
de um mar revolto, onde reinam a solidão e o medo

Ela brilha feito uma santa barroca


E os gestos de mulher contradizem o rosto debutante

Ele ouve o assobio dos ventos


os ferros da cidade
um gavião, voando em círculos
e os arrulhos de uma pomba distraída
Ela quer o som da moda
Ele serve um compasso firme, de melodia linear

Com o mesmo único solfejo na voz, ela


vai desvendando os próprios mistérios
mostrando-se de posse de uma certa filosofia

Por momentos se cala, pensativa


Como à espera de alguma reação
cujos estímulos ele desconhece

Mas, não, não é verdade


Ela o quer assim, passivamente receptivo
Nada importa o que ele diga, ela é senhora absoluta de todas as verdades
Ele é apenas um sexo que ouve
(que bem-me-quer, mal-me-quer)

Como quem sente esvaziar-se o último cálice de felicidade


agarra-se a ela, sem saber ao certo se se delicia às últimas gotas
ou se ainda tenta que venha mais desse hidromel

Súbito naufraga, agarra-se a ela


beija-lhe as pálpebras assustadiças
suga a respiração entrecortada
avança a língua libertina por dentições pouco arredadas
Puxa um corpo ainda frio aos músculos endurecidos
Desce os beijos pelo pescoço amolecido
Suga seus mamilos assim tão frescos, logo embicados para cima
Em fervilhante contraste com a blusa escolar

Suspende em braços e tenazes a carne leve, apressado


a carne cada vez mais leve, como se a cada segundo ela
fosse se tornando mais e mais menina, uma menininha
já ele se fazia um criminoso, um abominável tarado das esquinas
talvez o leito fosse já um berço e, ele, um velho sem nervo
Mas nem lhe importa o intento quando a cama
a saia escolar generosamente alevantada
quando ele a empurra, rude como nunca
e ordena obediência de fêmea, e a blusa
arrancada com as mãos trêmulas de uma masculinidade exacerbada
e segue desnudando um corpinho primeiro frágil, ruborizado
logo os pêlos da entrada e o pequeno nervo dos orgasmos, logo
ela é uma intensa febre, a febre dos trópicos
que tornam santos todos os pecados, embora os braços
e as pernas, tanto as dele como as dela, principalmente as dela
já nem fossem as primeiras elasticidades só porque
as febres da alma são raras quando as febres da carne

No entanto, bastam alguns segundos para os casais de fato


Um mexer qualquer dos quadris, mesmo um gesto abrupto
ao movimento dos músculos mais íntimos
cheiros e peles se mesclam, machos e fêmeas
assim Deus nos criou

Minha fêmea!, rosna o seu nervo. Meu macho!, ela responde com cheiros
Logo se sabem, logo se reconhecem
Tanto quanto sempre se sabe das infidelidades, da perda do par

Do alto dos seus anos céticos


conhece o inexorável amor da carne sem que a alma
e que uma tristeza avança sob o ardor dos gestos
Urge que se apresse, portanto

Basta uma carícia conhecida e ela aperta os olhos, fantasia


se deixa de todo conduzir
Acertam pouco a pouco as pulsações, mas
ainda dançam distraídos e por isso
Ele busca trazer os lábios ainda entreabertos na direção do próprio prazer
Que sufoque, dela, todas as razões
Mas assombram fatos corriqueiros a armar tempestades de neve
Que a mente possui seus ardis, artimanhas da alma

Mesmo assim mantém-se firme no leme, velocidade cruzeiro


Liga-se um piloto automático, um só ritmo de entrar e de sair
a despregar da carne a imaginação consciente

Enquanto isso:
bebe café em bares
seduz uma amiga
viaja pelo país
Mais ainda:
preenche documentos
enfrenta fila de banco
reclama providências
nega favores
decide ler proust

Ela geme, grita, abre e fecha as pernas


enquanto ele aperta os botões certos para o gozo
e rememora equações matemáticas
e canta salmos
e recita os lusíadas

Ela geme, grita, levanta bem alto ambas as pernas


E no entanto tudo nela é quietude d’alma, ele sabe
pelo ritmo dos pulmões
Salvo o choro guardado, o ralo no peito
a escoar águas abundantes
pelos subterrâneos da femealidade
Mas a alma mesma, essa
é toda quietude
como que suspensa no éter
dos angelicais seres sem matéria

E ele devia atiçar-lhe umas palmadas


Passar-lhe o cinturão nas nádegas
Acorrentá-la às grades da cama
Tratá-la aos mais chulos palavreados
Até que a mais pornográfica

Tão mimosa, porém


só o que pode é beijar-lhe o corpo miúdo
negligente do que ocorre ao rés do chão das serpentes

Ela percebe, a alma


e concede ceder aos caprichos dos instintos, ceder
retornar a este seu reinado nem que seja pela última
à sua inteira majestade
desse reino ao contrário
em que o domínio vem do servir tanto e melhor

Então, os olhos se abrem em sorrisos de cumplicidade


Mãos pequenas afastam o corpo retesado
em seguida se vira de bruços
convida-o ocupar o dorso
montanhas que sobem da terra em direção aos céus
declives sobrenaturais, o corte epistemológico da carne
até que ele se perde, espírito vencido, despiciendos referenciais

Senhor de todas as realidades profanas, carne e alma


é assim que a reúne toda em cabelos presos à dexia mão
e crava dentes raivosos em colo delicado, marca-lhe os ombros
com a flor de lis carmesim das antigas mulheres da vida, banidas
do sacro convívio das famílias, penetra na pele a sua marca roxa
para que todos a saibam, de quem realmente é
Ela grita e corcoveia, exibe os lábios retorcidos
Tão menina e já a alma se faz endemoniada, uma besta fera
que aflora às faces fogueadas, mostra os caninos
e lhe abre o pescoço em desafios
que mais lhe morda, lhe bata até
que a penetre o mais fundo que puder, que mostre
também ele, a raiva mais funda, a mais animalesca que puder
ao contrário de todas as bondades, todas as ternuras
que de nada vale o amor quando carne é tudo o que se quer

Força re-acesa, invade destemido


Com patas firmes agarra e apalpa e crava redondezas
E rosna, animal que é
Enlaça-lhe perna a perna e é inteiro o sítio conquistado
E com língua sibilina ensurdece-a de todos os ouvidos

Ela reluta ainda render-se de todo, ele sabe


conhece agora cada fibra do seu coração
Sabe que deve ser mais devasso que ela
a ser o seu dono e senhor
Então, exibe-se em imagens e falas do mais fundo inconsciente
dos kama-sutras aos pornôs

E ela quer mais e mais, a cada vez quer mais, muito mais
para além, muito além daquele entrar e sair

O gozo chega em ondas de um mar em ressaca


a explodir à beira dos sentidos
Em dueto, uma voz aguda e desbragada se eleva para fora das janelas
junto aos berros roucos da besta que volta às origens

Inteiramente saciado, ele desaba


sobre um corpo novamente tão noviço
tão pequeno e a alma
de uma pomba
Ela se debruça à janela do quarto e banha os seios ao hálito da tarde
Repousa a cabeça de lado e o quadro lembra uma pintura impressionista
aquele sol vangogh lambendo-lhe os contornos,
um quadril adolescente de gauguin e a bunda
com uma inocência à renoir
Acomodado entre lençóis alvoroçados espera que ela se volte
e retorne ao seu discurso ensaiado
Por enquanto, sustenta o mundo no antebraço

Pensa-se um gato, passeando a língua áspera


por ombros, dorso, cortes e coxas
Flagra um trecho de mama esculpida ao delírio e está certo
absolutamente certo do que seja o belo de platão

Ela se volta em nu frontal


Suas formas contrastam o rosto choroso, aquelas pálpebras de boneca
e duas poças d’água ameaçando desabar

Até que desabam, abrindo caminho a lágrimas fartas


em choro convulsivo

Ela se atira ao leito e larga a fronte em braços ternos e compreensivos


Pois sabe que ela é apenas uma garotinha atônita
angustiada com a terrível opção:
escolher um, entre dois brinquedos

Bebe suas lágrimas uma a uma lado a lado


Se faz um urso de pelúcia
grande, aconchegante, encantado

Homem maduro, vive seu próprio conto de fadas


E se banha em águas de eterna juventude
Cúmplice das noites de lua cheia, blue moon
à sorrelfa da cidade
Ela se acalma, mais outra vez quer ser mulher inteira
Gaiata, vai remexendo e aproximando os quadris
E a boca volta a desenhar sorrisos de recreio

Uma alegria repentina sopra para longe as nuvens escuras do coração


Depois da tempestade, a bonança

Ao longo das pernas, entrelaçam desejos lúcidos


São de volta ao salão, ao compasso de um baile de carnaval
Em cada gesto um toque, em cada toque um truque
Rolam ao longo da cama
abraços, beijos, risos
como num parque de diversões
Ela é toda exclamações

Repentinamente séria se ergue em joelhos, se ajeita em posição


Lentamente, se faz penetrar, requebrando os quadris
balançando a cabeça para os lados, como a negar-se
repetindo com a língua um modo de umedecer os lábios
A pele ao longo do pescoço é branca e sensual
Mas o que lhe importa agora é o desejo alegre
Que surge dos gestos lúdicos, mesmo lúbricos
Na resistência dos músculos internos, molusca
Abrindo-se, entreabrindo-se, fechando-se
Uma resistência risonha e moleca
Até que desce inteiramente um paraíso
O encaixe perfeito
Oferecendo os bicos pontiagudos, os lábios, tudo
Até que ambos se entregam ao abraço afetuoso
Um abraço apertado de aniversário
Mentindo-se para si mesmo, e um ao outro
Que solitário nunca mais

Ungidos por Deus, simplesmente deixam-se estar


leves, em comunhão
Um amor sorvido em paz
Assim na terra como nos céus

Como se vivessem um século feliz


Corpos perfumados de suor são selvageria em harmonia
Ouro, incenso e mirra
O intenso brilho dos olhos formam uma nova constelação
Que resplandecem dentro a noite mais escura

No afago repetido embala uma garotinha sonolenta


Quase murmura canções de ninar
Qualquer breve tremor de cílios e beija-lhe as faces
e afaga-lhe os cabelos
e acalma o mundo
E no entanto as luas que vêm nunca são as mesmas que vão
Logo assim um sol mais claro se anuncia

Lá fora, asas de gavião apontam seres frágeis


Enquanto as patas de um leopardo dourado
pisa as praias de morfeu e ela
espicha músculos e idéias

As tardes continuam existindo, é verdade


Mas não são mais as tardes que existiam
Nem mesmo tardes são, agora
que se emendam, dissolvidas, na fria face dos dias

Vaga um lobisomem pelas ruas, uivando à distância


Um uivo preso na garganta, uivando para dentro do peito
Chorando a luz e o calor que não são seus

A barba se agrisalha
Os músculos envelhecem
Saias coloridas esvoaçam e acirram um final de verão
Passando por ele em vão
Afogado em obrigações comezinhas, perde a noção dos espaços
perde a noção dos tempos
Faz e desfaz planos inúteis
Bate as patas em calçadas sem esquinas
E adquire hábitos vadios

Emagrece
E torna a soltar fumaça pelo nariz

Suadas são as noites


Ao ar fresco do outono, fronhas e lençóis molhados
Busca no escuro, talvez entre as estrelas
Sempre pelas janelas, e a vontade de gritar seu nome
Nem é mais um nome, um rosto, um corpo
Só uma ausência da alma

A cidade, impiedosa, ocupa o mundo


E seus sons desordenados, e as luzes que escorrem pelas ruas abaixo

Entrega-se à sua realidade


Tenta uma tola aritmética: somar os fachos luminosos dos automóveis
Um, dois, três, vinte, trinta
Um, dois
Volta ao leito largo e árido
E dorme o sono dos muito velhos
talvez o último
Os dias são mesmo tristes
Chora a chuva miúda, choram seus pés escorregadios
Em vão fêmeas sinalizam, emasculado
Adolescências transitam encurvadas
ou infantis
Tal um pai-francisco parece um boneco desengonçado
Enerva-se quando lhe tratam um homem normal

Nos rostos das moçoilas, as faces de leite


Outras, cedo machucadas
De que valem os sorrisos, e esse ar fino de abril?
A cidade é feita de cinzas

Acolá umas costas parecidas


Quer resgatar ao menos uma silhueta, um recorte
E aproxima o desejo inconveniente

Mas olham-no como o mendigo que realmente é, em busca de restos


Insiste, um sambista em baile de valsas
Mais lhe refugam, quase um nojo
Do polvo que é, em palavras e gestos
Mas sempre as há, as servas de afrodite

E esta o conduz por entre as frestas da cidade


E atiça os olhos em direções transversais
E encontram um casal de enamorados
E ela diz que prefere os devassos
E não é ele de todos o mais devasso?
Uma certa planta indígena alarga a noite
E um pó de pirlimpimpim cria super-homens de nietzsche

Em silencioso ritual todos se despem


E as roupas são como máscaras sorrindo no vazio, coadjuvantes

Olhos incandescentes se buscam à meia luz


Todos parecem diante de um milagre iminente

Um macho enrijecido a escolhe


E há nela uma aquiescência contemplativa
Agarra em sua mão e roça o desejo firme, enlaça-a pela cintura
Desce a pata em seus meios
Levanta um corpo em pluma contra a parede
Afastando pernas que abraçam, obedientes
Ela é em êxtase, como se tomada por um halo divino
Beijos e gemidos são tambores
E os ventres dançam um bailado alucinado
Copulam com fúria, dir-se-ia um ódio
Não fosse essa a mais comum preferência
da carne pela carne
Uma outra fêmea tem seios espalhados
Que lhe oferece em jantar de cerimônia
Também ela é lua nua
Mas ele percebe cada qual dos botões das suas vestes
Ela baixa bem o rosto e lhe suga em lábios gulosos a carne endurecida
Segue uma repetida liturgia
Ele assiste o balançar da nuca, os longos pêlos louros
esparramando-se em suas coxas

O dorso recurvado mostra um ângulo ascendente bem torneado


bem dividido
É uma fêmea jovem e fogosa, dona de quadris convidativos
Repara que já sua parceira deságua em cataratas profundas
polimorfas
Até desabar em lagunas de plácidas paisagens
Enquanto o fauno se desembaraça com naturalidade de amante antigo
E aponta o desejo inda ereto àquela que lhe serve
Assaltando-a por trás
Que em tudo facilita, que melhor se ajeita
em deslizante e passiva recepção
Por um instante encontra olhos irônicos, desafiadores
Que se desviam, desnecessários
Há ainda fúria em suas idas e vindas
que se aceleram a cada estocada
É certo que há ali um desafio, razões tribais que desconhece
E a que se desobriga
Um tanto indecisa a fêmea se desprende do seu músculo
A concentrar-se toda no outro parceiro
Em seguida encontra um norte em suas coxas, estica-se ao máximo
e alcança-lhe a boca em lábios carnudos
os seios oferecidos ao tato generoso
Uma súbita urgência e ele força satisfazê-lo também
Dirige seus lábios, sua língua voraz
de volta ao nervo rijo e sensível
Que ela primeiro beija, depois mordisca e lambe
e volta a beijar, mordiscar e lamber
até que o engole quase inteiro
por momentos inchados de eternidade
Para baixo, para cima
para baixo, para cima
para cima, para baixo
para cima, para baixo
para baixo e para cima e para baixo
E explode em gozo forte e prolongado, polifônico
Um gozo que a tudo contagia
Que provoca gozos simultâneos
Unindo gritos, grunhidos, gemidos
de seres até então tão díspares, tão desiguais
Numa corrente contínua de luxúria em expansão
Enquanto a cabeça lhe gira, rodopia um pião
E se parte e reparte em luzes e relâmpagos
Iluminando imagens fracionadas, visões
Visões de antigas fantasias
E era ali em todos um gozo tão real
Nem mesmo tanto assim se sonharia
Tanta nudez, umas em repouso, desmaiadas de gozo
Negros, louros, castanhos triângulos emaranhados
Os lábios inchados, róseos, roxos e vermelhos, os mamilos apontados
Essas bocas que se abrem, se fecham, se abrem lenta ou velozmente
E que se repetem, repetem, repetem
Num compasso de busca agoniada
Até que ele mesmo retorna aos próprios urros
Em contraste com os demais e sabe, afinal consciente
De que em tudo, se há vida, domina
uma feroz competição
Já vestidos, ela é outra vez a parceira e amiga
Estica amolecida os braços em torno seu pescoço, desmaia o corpo
no seu, e se deixa caminhar em namoro adolescente
Como se flutuassem no éter de uma viagem astral

E ela beija-lhe a face, agradecida


Que então são assim tão íntimos, afinal
Um companheirismo jamais antes pensado, fêmeas e machos
carne a carne, sonhos, fantasias, liberdade
Que o amanhã trará um mundo melhor, um mundo em que os sexos
não causem medo nem pecado
E novamente lhe beija
um beijo de noiva no altar da igreja

Ele caminha com ela um novo caminho, o mesmo cético homem


Mas observa que sempre há desses instantes
tão indefinido quanto indelével
Um preciso e precioso instante
Em que são todos
felizes
Muito felizes

Cruza o portal da própria casa como se deixasse para trás o paraíso


Sabe dela, no entanto, que pertence à encruzilhada
Por isso que adentra o portal da própria casa alegremente
Estão todos bêbados
E, bêbados, cantam canções de amor
A cevada gelada anima as gargantas secas da labuta
Ela se faz romântica
(pois romanticamente pende a face de lado, e os olhos)
Com a alegria dos convivas cresce uma tristeza, talvez uma saudade
Que só por displicência não se notaria
Mas ele é todo em olhares, atenções
Embora ao peito um rugir de dragões, um coração vulcânico
Baco, para muitos mau conselheiro, desembaraça as frouxas amarras
E a cidade inteira cabe numa garrafa de álcool
Ele é um mero espectador de si mesmo quando levanta o braço e
aproxima a mão espalmada da vasta
cabeleira negra e encaracolada
Um felino em trabalhos de caça
Os fios crespos, fortes, a fazer das veias corredeiras e
nota que a cidade é atenta
como se fosse iminente um crime grave

Ela é magistrada, e anunciaria a um só gesto o veredictum


Culpado ele, de banimento a pena
Há ciúmes em volta, alguma inveja
E o ar parado das tragédias
Mais outra vez desliza a mão em seus pêlos até as costas, carinhoso e
tranqüilo
Ela não se mexe, olhos anoitecidos
Nem lhe corta as carícias
É como já se pertencessem desde remota antigüidade
Em verdade, ele resgata aquela alma à vida
E logo são um brilho intenso, uma romântica parceria

A cidade se rende e compreende


Os copos se enchem e se esvaziam
E tornam a encher, e a esvaziar

A lua é crescente e a maresia sopra ao longo da avenida atlântica


São, em bando, uma cidade alegre e barulhenta
enquanto eles são mãos entrelaçadas, os passos atrasados
alma e matéria que se separam
e formam um outro mundo

Ela tem um modo triste de se entregar ao amor


Colhe flores noturnas na orla prateada
As ondas quebram mais perto, provocando os pés às sensações
Enquanto as espumas, afrodisíacas, desenham florescências azuis

Falam a linguagem própria das paixões que se aquecem


Doces monossílabos, brisas, sussurros
Enquanto os corpos se entregam ao jogo sutil dos esbarros casuais
Um seio ao braço, ela
um braço ao seio, ele
Quadris que se tocam, se afagam, se examinam
se afastam cada vez menos, se aqroximam feito gatos, se caçam
até que estalam beijos cúmplices, sorridentes, sem que a carne
ainda

Ela requer cuidados, todavia


Como que suplica
a ternura dos gestos

Quanto a ele, guarda a calma dos poderosos


A cidade cresce mesmo adormecida
E os pulmões da noite movimentam ratos e caranguejos, malfeitores
que espreitam casais desprevenidos
Ela é uma alma recheada de receios
Ele é todo em cuidados, conselhos
E seu apartamento é um lugar seguro, sem dúvida
e muito confortável

Passos furtivos, sorrisos, olhares, as mãos úmidas


Ela é toda uma pomba sacrificial

Enquanto prepara confortos domésticos


ela examina o mobiliário como se os fosse comprar
E ele tenta não examiná-la à luz mais clara, aos cantos dos olhos
se mais gorda, se mais magra

Não há muito o que falar


E toda a magia conquistada ensaia dissipar
O coração rosna, sente as orelhas esticarem feito um cão de caça

Sabe a presa dominada


mas percebe afrouxarem os laços de caçador
Ambos receiam estar por um fio o frio da decepção
E rosna o seu coração

Ela mantém um toca-fitas gravado dentro do peito


e um medo de berço aciona a tecla play
abrindo uma angustiante coleção de déjà-vus
de melodia monocórdia, pausas afiadas
Embora uma ou duas músicas promissoras
que lhe esboçam breves sorrisos
Ela precisa de álcool
ele se alegra em servi-la

Peças femininas titubeiam pelo corpo em idas e vindas


esquentando as mãos ágeis da fêmea comportada
fazendo crescer nele uma agressividade mal contida
o desejo de cravar-se às carnes generosas das coxas
à morena maciez dos seios
a tudo o mais adivinhado
O desejo de arrancar-lhe aquela máquina infernal
implantada em seu coração, em sua mente
Quebrá-la, destruir para sempre aquela fita esganiçada
Incinerá-la aos beijos e desejos

Intuitiva, espanta a boca


Num gole de bebida reconhece a inutilidade das palavras femininas
quando aponta o macho na esquina
Narinas dilatadas, que o tempo conspira contra as entregas
Que suas próprias defesas decoradas se erigem em muralhas da china
Que a forças reunidas para a defesa do castelo fêmino
acabam por encarcerar e suicidar o real desejo
numa torre fria e obscura
Deve decidir-se: molusco ou mulher

Estende para ele os braços de mulher decidida


a conceder seus favores ao homem que até ali obteve chegar
Ele captura pés delicados ao colo e massageia as falanges, uma a uma
Há que fazê-la vir mais, querer mais que a simples concessão

Então ela suspira, e novamente suspira


e ele ouve os sons de uma oração dita com fé e devoção
que ele, sumo sacerdote, a tome logo
a comungar a totalidade da carne
o absoluto da alma
a completude do ser
E ele vai subindo as mãos por entre coxas e cócegas até que
ela levante bem as pernas
e ofereça a peça mais íntima
esse símbolo definitivo da feminilidade
Presa ao dentes, é assim que ele vai desvendando
ao saboroso som dos seus guizos-de-cascavel
o cântico dos cânticos
Ao cheiro dos incensos profanos na maresia
na maresia pelas janelas abertas do pensamento

Tê-la assim, os lábios trêmulos de prazer, a soltar-se indefesa


pronta a implodir seu velho mundo
quem sabe uma supernova nos céus

Ela é prestes a desabar do alto do éter


Misto de expectativa e medo
E a esperança de tudo acabar bem

Fora de si ele é, vendo-se no espelho da mente


mãos súbito ligeiras desabotoando a carne
Autofágico voyeur, narcisíaco
a romper os limites da própria solidão

Partes mais alvas vão se tornando róseas à passagem


O juízo lhe foge, os miolos em fogo
Todo entregue à própria masculinidade, vaidoso
forte, soberbo, soberano imperador
Todo em querência, urgente, autoritário
- Vem!

Ela obedece incontinenti


Movida sabe-se lá por que obediência
E se sobe ao colo pronto, se ajeita, se amolda
E se delicia, e lhe delicia
A boca perfumada sussurra coisas
Esfrega-se, busca a fenda o encaixe mais que perfeito
E se deseja uma gata no cio, uma gata das mais vagabundas
dessas, que gritam indecências pelos telhados
a provocar nos machos calores de marte
Tanta aflição quase o machuca
Há que submeter nervos esticados ao passo adequado, porém
Rainha, deve estar à altura do seu rei

Até que consegue, enfim


perfurar-se em brasas, de tal jeito colada
que dele os movimentos, mínimos
são meros reflexos do seu próprio remexer de quadris
E se aquieta um ritmo certo, geme
Jura amor e fidelidade eternas
E lambe-lhe os lábios
E lhe encara súbito atônita
E se sobe, e se desce
A dizer coisas recolhidas do mais avesso do seu ser

As estrelas seguem seu movimento na noite


Eles conhecem apenas o seguir do seu próprio brilho
o brilho da carne em redenção

Ele é apenas um homem rouco, e ela


se esfrega e ronrona entre as cobertas
Descansa os braços desarmados
como se acabasse de abrir janelas e cortinas ao amanhecer
Como se gritasse bom-dia ao sol
e aos verdes galhos das árvores

Ela mantém um sorriso permanente


ele assobia um acorde interior
Já cortam os céus as cotovias, acorda um mundo lá fora
Um mundo nascido dos cheiros mesclados do amor
Um mundo bom
Os lençóis são feitos de listas verticais, multicoloridas
Ela se mantém em inusitada atenção
caminhando caminhos da só imaginação
que de coisas à toa são feitos os momentos do depois
Também ele se distrai, contando sinais espalhados ao dorso recôncavo

Ela é feliz em saber-se desfrutada às últimas


Quase chega a um orgasmo mental, extraterrestre, sem que a carne

Seus dedos são antenas, a trazer dos céus mensagens de luxúria


Quando ele se arreda um pouco, ela franze a testa
interrogativa
ébria ainda do prazer recente, entorpecida

Ele apenas se concentra em aproveitar aquele corpo nu de mulher


Tal quando menino arregalava a alma para as pinturas
Fotos e filmes em que os meros pêlos púbicos
agora carne disponível, ao alcance das pupilas arregaladas

É todo em olhos, viaja em fronteiras gentilmente demarcadas


Pára ali e acolá
a floresta de pêlos, uma porta selvagem, tesouros de ali babá
as montanhas empinadas, seus picos culminantes e as nádegas
ao inteiro alcance das mãos

Se esbalda em pervertida inocência


Conquista sua geografia
Cerra as úmidas pálpebras, a rodar o tempo para trás
Sente um particular eterno retorno ao colo generoso da mulher natureza
E os seios mexidos e sugados, sem culpas nem pecados
Alguns arrepios da pele sub examen e abandona considerações metafísicas
Vira-lhe o corpo de um modo abrupto, frio
um legista que termina seu trabalho
anseia lavar as mãos, retirar o avental
ganhar as ruas, talvez um cinema ainda
talvez um jogo de xadrez, a janta doméstica
mulher e filhos, um compromisso às dez
talvez mesmo uma outra mulher

Mas a fêmea, mesmo a mais amada é sempre um outro ser


outras vontades, a maior parte dissonantes
Por isso que ela voa outros pensamentos
e se ajeita em bruços, os glúteos
fervendo em pecados
Ansiedades muito pouco esclarecidas
como se não fosse para tanto tão curta a vida

Ele recoloca o avental, calça as luvas plásticas, ajeita melhor os óculos


Sempre há mais o que aprender ao próprio ofício

Com a mão espalmada alisa as peles ósseas primeiro


carinhoso e gentil
Com os polegares massageia as bordas da coluna até o cóccix
Que incontinenti se agiganta em curvas iluminadas
E tem diante de si verdadeiras nádegas da raça

Abre suas polpas a examiná-la à luz fria dos laboratórios


Ela se deixa levar pelo estranho que lhe abre e examina
uma brincadeira safada e distante, e sorri, como se a vergonha
Enfia a cabeça irrequieta sob os travesseiros
levanta uma perna, abaixa, torna a levantá-la

Ele aproxima mais o corpo e compreende cada grão daquela vontade


em cada roçar de peles, de pêlos
Ela treme e treme
arrepia toda nas costas, toda nas coxas
toda nas nádegas
Massageia mais e mais, anárquico ma non troppo
a reter nas garras as carnes polpudas
Deve ter calma no manejo do leme, tanto que ele mesmo quer
tanto que ela quer e quer que ele não lhe perca a direção
Sabem mais, sabem que é mister agir como se nada quisessem
Que em tudo há a música certa
e a perder o passo se perde a dança

Há nela duas almas, duas vontades, e uma só carne


Ele sabe, e ela sabe que ele sabe
Uma não quer, apesar da carne oferecida
infensa a qualquer submissão ao macho da espécie
A outra, só se sabe submissa, tem olhinhos saltitantes de corça
e tudo o que faz é esperar, ansiosa
o momento da mais vergonhosa servidão

Macho unívoco ele quer e quer, quer porque quer


Por isso que a cerca em quatro patas
e deixa que sinta o nervo másculo roçar-lhe as parte altas
até que tudo siga o seu caminho certo
Que seja dele a batuta, a pauta e o compasso

Ela esquiva um pouco, finge ainda fracas defesas


Ele força um tanto mais, encosta-se, retira-se
ora apenas de leve, ora mais firme
novamente de leve, se encaixa, desencaixa
prepara o ataque indefensável
Até que nem mesmo ele seja dono dos próprios atos
Fixando-se no ponto que mais arde
Aguardando apenas aquele átimo de segundo
em que os destinos se encontram para a fatalidade

Ela morde o lábio, choraminga e inicia um ritmo cadenciado


Diz mesmo que não quer, que assim não quer, não assim
Há nela um medo, um medo que excita a ambos
Que esvai qualquer possibilidade de aquilo não mais acontecer
(Não quer? Ah! Ela não quer? Que desejou, desafiou
que se deixou vencer, submeter, aprisionar a carne em fogo
Ela, por livre vontade chegada às portas de sodoma, não quer?)
E ela repete entre dentes que não, que não quer, não quer mais
E ele força a entrada, e ela geme mais, que não, assim não
e grita, negaceia o corpo

E ele segue forçando sempre um pouco mais


com todo o peso de uma vontade férrea
adentrando-se todo à porta estreita
e a cada vez que ela, a voz rouca, alcança sua veia estufada
mais a sentença se faz sólida, mais ele quer, sem condescendência
sem se importar à mínima às lágrimas que correm soltas
ao contrário, sorve arrogante toda a sua humilhação
E ainda mais ele quer quando faz que vai soltar-se, ela
arrependida do tamanho da entrega, ainda concentrada em dores
Mais ele retém suas pernas entre as dele, e cavalga uma égua em rédeas
e assiste à rendição das tropas rebeldes, das últimas forças em
soltar-se, rendição indignada, orgulho ferido, e não há mesmo ali
qualquer centelha de amor

Deixa esvair toda a resistência, relaxa músculos e nervos


Bate a mão espalmada no traseiro irrequieto daquela égua rebelde
E manda que mais se abra, que deixe cavalgá-la como quiser
Que mansa e obediente, domada, que trote a rebolar as ancas
um trote ordeiro e prazeroso

Seca entre beijos e carinhos as lágrimas do sacrifício


Sente as carnes se acomodarem, passarem da recusa angustiada
à parceria em agradar
como se passasse do vestido de baile à camisola de dormir
Se acomoda também, precisam reunir forças para a carreira final
Deixar que se acostume, que goste, que goste muito
Com o corpo, antes
com o coração, depois, com o cérebro, com a alma, enfim
com toda a plenitude da sua carne avermelhada
E ela aos poucos se aceita, se sujeita, se alarga para ele, se aperta
no leve mexer dos quadris, nos esparsos murmúrios de prazer
Embora a veja conformada sabe, senhor das profundezas
que busca ainda evitar a entrega total da alma
mantendo-se intacta em seu último reduto
exibindo-se gentil e amiga, obediente
mulher generosa e prendada
sempre pronta em curvar-se aos caprichos do seu homem
seu dono, seu amo, de volta aos arquétipos
aos tempos apagados da sua memória igualitária
que sendo mulher sabe fingi-lo bem, com todo o corpo
com as pernas amalgamadas às dele
como se em tudo fosse reconhecida gratidão

Por isso que ele saboreia sem pressa


Permite que conduza seus dedos pelos pêlos ásperos, a agradá-la
a afagar-lhe o ego maiúsculo naquele nervo mínimo
a conceder-lhe jóias e bijuterias, perfumes, sedas macias
Ela agora sorri, tola que foi
se era tudo quanto desejava, sentir-se assim, dele
protegida, amalgamada, inteira
não uma parte amputada da alma
que segue perdida na carne em solidão
como se fosse a cauda decepada de uma lagartixa marrom

Quanto a ele, procura manejar-se com toda a maestria


arando sem nenhuma piedade seu coração de galinha
erguendo bem alto aquela cabeça de cobras agonizantes
escancarando as portas do cosmos, vencendo as antimatérias
libertando os mistérios encarcerados desde o início dos tempos

Feliz, entrega-se toda


oferecendo em bandeja de prata seus segredos mais caros
levitando, arqueando ao máximo seu dorso acoplado

São tão unidos agora que gozam antes da carne a existência da alma
a vitória sobre as forças das trevas da separação, esta sim
fonte absoluta de todo o mal
Gozam tão forte e tão fundo, que toda intimidade até então vivida despenca,
suave e despicienda
Como uma folha de outono aos ventos do entardecer
A cidade é feita de curvas femininas, aos milhares
Passam, pessoas, indiferentes à sua cara de cão
Sem dona e sem coleira, rastreia, rasteja até

Às vezes toca de leve o focinho úmido, pêlos e peles


Mas elas aceleram o passo para longe dos seus olhos vira-latas

Seu farejar causa nelas repulsa - ódio, em algumas


E muitas têm medo de animais

Algumas possuem cílios nervosos logo notam as garras afiadas


Bem tenta falar-lhes
mas a garganta solta ganidos estridentes e elas fogem
horrorizadas

Há as que se emocionam
Há as que o compreendem
Mas não têm cio
A cidade é feita de fêmeas, aos milhares
e ele é um cão vadio, sem dona
farejando apenas a poeira que levantam

Há as que vivem o acasalamento recente


Ele tenta sobreviver à melancolia
Especialmente quando atravessa casais enamorados

Há ainda as que se dão por felizes


Conduzindo cães de pelagem rala, as presas faltando, ossos machucados
língua lambendo a coleira
o sexo murcho, sublimado

Numa esquina encontra, finalmente, oferecimentos


Uma delas parece desejá-lo, por um instante

Aguça as orelhas, sobe o focinho


acompanha cada gesto, cada movimento
Lábios e braços agitam desejos, ele se vê entumescer, afinal
um oásis de alegria ao abrir da noite

As vestes são óbvias, exibicionistas


pintura muito exagerada
E tem o sorriso fixo das babilônicas
Chega mais perto
Ela diz um preço accessível
Enfim, a moeda é um meio de troca
e arma de caça mais comum
Não regateia, tão preciosa mercadoria
E mede e pesa e avalia carnes e pratos

Suas maneiras seguem técnica há muito repetida, repara


e não se incomoda
Força as narinas buscando o cheiro da intimidade
Mas o forte odor dos frascos baratos

Arregala um olho ao seu despir ligeiro, profissional


Abandona definitivamente as narinas

Ela é de oferecimentos declarados, aberta a todos os favores


Desliza dele as roupas e roça em seu peito dois bicos espetados pelo frio
E toma à boca o sexo instantaneamente pronto

Senhora do tempo, sustenta nele a vontade adequada


entrelaça pernas e braços
e ele gosta
Seus lábios sabem o que fazem
Chega por cima, os joelhos ancorados ao largo
Ele desaparece em pêlos abundantes ao passo que ela lhe impõe
Resta apenas acompanhar-se em desaparecer
e reaparecer
Olhos fechados tenta uma visão lúdica qualquer
enquanto a fruta incolor de competentes serviços

Na verdade, não espera nem deseja encontrar mais


que o para baixo, para cima
um elo de ligação entre as curvas e a reta
Agarra o corpo que surpreende leve e prazeroso
E é como se a lançasse para o alto e aparasse de volta
num passatempo divertido
a devanear
dividindo-se em duas metades independentes

A parte superior viaja, desligada da outra, para um passado


longínquo, um elo perdido, para sempre perdido
uma perda irreparável, um castigo terrível
verdadeira queda do paraíso
um paraíso que jamais conheceu
que nunca lhe pertenceu
almas que se despregaram da alma primeira, repartida
de impossível clonagem, essas tais almas-gêmeas
quem sabe eclipsando com tal lua seu sol afobado
quem sabe esgotando um desejo que sempre volta a cada manhã
mesmo nesses gemidos fabricados
nesses falsos lábios retorcidos
representação caricata do que já foi um dia
feminilidade fictícia adquirida ao preço do possível
mesmo nessa mercadoria descartável
mesmo no súbito sorriso da profissionalidade flagrada
mesmo na cumplicidade fortuita que lhe acende seu ar maternal

Ele solta as peias da imaginação e vive um heavy-film pornô


Só lhe importa que é para cima e para baixo o seu caminho
Tudo o que tem a fazer é atiçar sonhos represados
Esquecer o dia-a-dia de solidão e machucaduras
Só o que importa é que tem aquela mulher nua em seu bastão másculo
Por isso que se concentra na parte inferior da terra
Onde aquela máquina de sugar em sua máxima rotação
Mesmo sabendo que manipula à vontade a intenção

Tenta encontrar um rosto sob a máscara, impossível


E é bem fraco em recusar o poder das partes baixas
Nada importa, mesmo, nada importa, agora que o gozo vem chegando
Tem em mente uma contagem regressiva quando a hora
E ela mestra em fricção e ficção, chega igual
Como se o prazer fosse mesmo tão banal
O coração petrificado pesa ao peito, há muito carne e sangue
Quer conversar, cuspir fora o desamor acumulado
Que tem uma pedra ao peito, é tudo o que necessita dizer
Ensaia o início da frase, ouvidos até que tão atentos
Mas as palavras escorregam como ditas por qualquer um

Cala-se a própria aflição, o corpo feito de um mármore frio e


incolorido, de uma morte que se faz antiga

Mas ele reage, está vivo


Violento, repudia coração e mente
A metade inferior é o que de melhor existe, então
Tanto que a enlaça com ternura sensual
Fazendo com que lhe acompanhe os gestos
Na aceitação total de suas condições necessárias
Noivos em núpcias profanas
Carcaças derretidas, sexo como fornalha
Amputando e lançando ao fogo tudo quanto a cidade corteja:
amor sem paixão, ego, valores, poder, dinheiro enfim
Coisas que para eles não possuem agora qualquer utilidade
E é tudo que os impulsionou à infelicidade preestabelecida
Condenando-os à solidão de todo ato de amor

Pois se a ela coube o destino da entrega pela sobrevivência


Sendo a entrega pela entrega moeda mais cara
A ele também coube a sua parte, eros inútil senão a preço vil
Casam, portanto, metades solitárias
Acumpliciando-se prazerosamente na derrota
Aceitando fervorosos as leis da queda
Brincando de arrulhos
Gozando plenamente as mentiras dos corpos e das almas

Conto de bruxas, ela é donzela


E ele cobre sua imagem maltratada com retalhos de amores passados
Tantos rostos, corpos, vozes, cheiros
O néctar puro e profano dos prazeres retidos na memória
Colhem, ao reino das trevas
as rosas mais vermelhas de uma lua escura
Ela o compreende na cumplicidade dos silêncios
Na inteligência própria do seu mundo

Entregam-se a um jogo de carícias descaradamente obscenas


Mamilos, os bicos, as coxas, as bundas, orifícios e frestas
E a sua verga no centro de todas as malícias

Entregam-se almas tão necessitadas que até aos demônios ruborizam


Alisando suas partes com perícia de psicopatas
Adivinhando-se, avaliando-se, aceitando-se

Ela se vira e oferece indecente as carnes polpudas


Convidando fazer como fazem os bichos de deus
Mas não ali, que ali não fazem, mas
nenhuma proibição vingará em seu mundo escuro
E o que ele quer é arrancar a parte podre daquela alma mutilada
Em troca de um fiapo de verdadeiro gozo

Por isso força coração, nervos, músculos, tudo


A dar seja o que for que neles ainda exista
A dar a volta na chave
A soltá-la nos prados dourados dos seus sonhos
uma fêmea altaneira e livre
como se nunca houvesse sofrido da alma
com as quatro patas no leito, à maneira dos símios
a cavar fundo as entranhas da terra
a cavar cavernas em sua carne esburacada
a alargar ainda mais as suas medidas
até que todos as tristezas, decepções, desenganos
desmaiem soterrados
e afinal para que servem mesmo as prostitutas
e para que serve ele, afinal?

E reencontra por um momento o macho que já vem eterno


Agigantado, pacificado, até feliz
Deitada de bruços evita encará-lo
Surpreende-se o sorriso ao canto dos lábios
tecendo sonhos ligeiros de casais comuns
senão com este, talvez alhures
Quando uma campainha providencial restaura todas as realidades

Ele deixa sobre a cômoda duas notas dobradas


E ela o acompanha até a porta em súplicas de volta
embora ambos saibam das muralhas intransponíveis

Aos frios de fora, ele sorri um si bemol


Sabe que também ela esboça o sorriso de alívio

Mais alguns passos e ele se volta


Estátua de sal
Na rua é novamente mais um na multidão
Aqui e ali abre a carteira, paga preços e lembra

Alguém lhe toca o ombro de leve


e se desmancha em sorrisos e trejeitos
Repara embevecido os mesmos cabelos encaracolados de outrora
Que descem ainda às costas e ondulam os mesmos desejos

O rosto é uma lua cheia de cio


Provoca instintos com as despiciências mais comezinhas

As roupas leves e diáfanas mostram peças íntimas


umas de carne, outras de algodão

Se faz uma mulher travessa e ele pensa:


gosta de mulheres travessas
O apartamento é o mesmo antigo apartamento, ela observa
E ele conhece os motivos da paixão

Álcool e fumo desprendem nós cerebrais


E ela busca o caminho do leito
centro nervoso do labirinto em que ele se encarcerou

Ainda a primeira peça de roupa e batem à porta


Mal me quer, bem me quer

Trocam palavras educadas


discretas, ele repara
E também que cresceram
seios e quadris

Ao telefone sabe de uma separação recente, de um convite


Um banquete para algumas poucas gentes
Volta aos cabelos encaracolados
que se distrai olhando o mobiliário como se o fosse comprar
Ela tem uma nova filosofia, insiste que é nova, novíssima
Acredita que amor deva ser livre, inteiramente livre
Fala de amigas que organizam festas íntimas
Casais que se trocam, destrocam, e tudo o mais

Enquanto fala vai se despindo


e ele ainda se surpreende com um nu feminino
acomodando-se sob os seus lençóis

Ainda vestido chega à janela e contempla a cidade


a vida em pingos de luz
(Deus, como é tão mais vasta a escuridão!)

De milhares de fêmeas a cidade é feita, ele pensa


E mergulha para a mulher, os músculos retesados
Desencantado e livre

Por pouco, muito pouco não é feliz


chega ainda a considerar
Focinho úmido adentrando pêlos crespos
Garras vermelhas às costas
Nervo batendo à porta do paraíso
Pernas morenas entrelaçadas à cintura
Aqueles lábios gulosos, famintos, e o encontro das línguas
As juras, os sussurros e os gemidos
E os gritos
Vista do alto a cidade parece pequena
As pessoas são formigas laboriosas
E as luzes, pingos de sol
Vésper se recolhe aos seus aposentos

Em meio à noite escura ouve as batidas do próprio coração


e passa a contemplar as estrelas, o cruzeiro do sul
com a sofreguidão de um cego
que vislumbra ao longe brilhar um fiapo de luz

Estamos todos numa sarjeta, oscarwildes


Mas alguns de nós olhamos para as estrelas
Tal que alguns, sabe a solidão do planeta
E a enormidade que nos separa das fontes da Criação
Há espaço para tudo nessa imensidão
monstros multiformes
espaçonaves guerreiras
querubins alados
fadas e salamandras
E os cientistas garantem que a nossa percepção inteligente
alcança apenas a ínfima parte, máquina sub-aproveitada
da realidade em nosso próprio mundo real
Grandes esperanças residem na imortalidade da alma
Debruçado ao parapeito a cabeça busca instintivo equilíbrio
Balança entre o piso e o vazio
Sem que haja diferença substancial entre o cair
e o deixar-se estar
Para frente ou para trás (que diferença mesmo faz?)

Deita sobre um lençol sem rugas


Repousa a cabeça num travesseiro sem cheiros
Vive só, seu olfato se enche de si mesmo - inodoro
No cotidiano sem parceria o telefone não toca
não batem à porta
nem o coração ouve a harpa cúpida
Mas é em vão que mulheres baterão à sua porta
(Não abrirás!)

Aperta os olhos na escuridão


Re-visita imagens colecionadas, sem os endereços
um seio bem torneado (quase estica a mão)
um mamilo marrom, intumescido
os lábios entreabertos
as partes cor de rosa
a boca vermelha e carnuda
a língua molhada, cobra de paraíso

Pai! Mãe! Porque me abandonastes?

Ah! Aqueles lábios entreabertos, aquelas bocas vermelhas


Aquelas mãos hábeis, aquelas coxas, aquelas bundas
E o cheiro de feno verde entre os pêlos trançados e fecundos
Sob um sol escaldante a mulher primeira solta os cabelos
Não vê seu rosto, apenas cabelos ao vento
a assobiar um riso alegre e inocente

Ele se reconhece, definitivamente, todo o mal

Tudo está a avisar que é novamente o verão


Pardais observam, inquietos, vestir-se para o trabalho
É útil à cidade e assim ela permite que viva
Segue suas ordens

Nem vê nisso nenhuma subserviência


Que sem ela nada é
Que ser depende de ser por ela pensado
A cidade pensa, logo, existimos
É fim de tarde
A chuva molha os cabelos e os olhos
Há um horário, e ele se apressa

Ela tem o rosto seco, os cabelos ralos


E um traço de gosma esbranquiçada no lábio inferior
No pijama hospitalar é ainda mais esquálida
sem as carnes abundantes de outrora que ele ainda imagina
Ela se habituou olhar direto nos olhos
Apenas nos olhos, espelhos da própria alma
Que ainda sustentam vida e esperança
E a ele miram as mesmas fogueiras
Que tanto aqueceram seus frios repentinos da alma
Senta à direita da cabeceira
sabendo a presença macabra do outro lado
A morte, preparando a ceifa
É normal, logo aos primeiros diálogos
que a intrusa se vá esmaecendo
até que desapareça sem se despedir
Mas seus contornos desta vez se firmam
Quase pode ver o rosto fatídico à sombra
Que uma luz pálida lança ao pé da cama

Um calafrio cruza-lhe os braços

Aos diálogos, os ferros de um purgatório


injeções, exames radiológicos, químicas modernas

As gargantas se calam a frases mais longas


Que enterram antes toda e qualquer esperança

Não há esperança
Desde quando se fecharam as portas brancas
As veias saltadas, as pálpebras salgadas

Não, não há esperanças


O tempo escorrega e congela as imagens
Ora mais fixas, ora diáfanas

Ela repara o súbito silêncio


uma pequena lágrima se forma ao canto do olho nublado

Pega em sua mão, um gesto brusco


Aflita agita as pernas, arregala os olhos
Sabendo, tanto quanto ele, da escura e incômoda visitante

As faces coram, e ele sabe de toda a sua indignação


Logo os lábios sorriem um sorriso de outrora, até irônico
Alertando que não se entregará
E ele percebe a encapuzada crescendo
mesmo sente seu cheiro

Tenta ignorá-la
tanto quanto busca alegrar-se aquela que lhe é tão cara
Mãos dadas, amalgamam as almas
tanto quanto amalgamavam antes as carnes

Tudo não passa de um sonho mau de crianças


Mas a voz breve se cança
e segue perdendo forças

O silêncio inoportuno aviva a esfomeada


Que alcança a espinha em múltiplos calafrios
Ela tem medo e nojo, enjôo

Gente de branco atende à hora dos remédios


São todos polidos
A certeza do desfecho faz deles cúmplices circunstanciais
Ele se afasta do leito, enquanto
providências esculápias descerram um seio ainda rijo e belo

Ela lhe olha um canto de olho


enquanto a maldita se retira como que acuada

Mãos treinadas alternam providências higiênicas


Ele repara os gestos todos
sem deixar de reparar no balanço de um traseiro bem torneado
que esbarra involuntário

Volta o silêncio
Ela estica os braços como uma certa escultura camille claudel
Tem no rosto uma lua nova

Reunidos em seu colo os dedos se acariciam


Terna, pousa as mãos entrelaçadas sobre o coração

Ele faz carinhosa pressão sobre o seio


E o inchaço do mamilo sugere que siga em frente
Escorrega a mão até tomá-lo por inteiro, depois o outro
Pressiona os bicos entre os dedos
Faz a cabeça pender e tocar suave a dela
Os lábios se tocam, cuidadosos primeiro
Logo se fundem, um beijo macio e demorado

Nem por isso ele pensa permitido mais, nem possível


Também ela crê na impossibilidade do amor
Deixam-se apenas ficar assim unidos, aquietados
E nada do que pensam faz sentido real
Apenas murmuram sílabas do coração, que as mentes
entregues a lânguido abandono
não têm forças para ignorar

A tarde em fuga projeta um mundo de penumbras e solidões


Sabem que estão no limiar de cumprir-se o destino
A morte, ela brinca com eles
como os gatos brincam com os camundongos
parecendo querer só diversão

Em doce armistício, fazem dela quase amiga


São dois seres apaixonados, afinal
Que se comprazem, adolescentes, no testemunho do seu amor
sem se importarem qual coadjuvância

A morte sorri, traiçoeira que é, em vestes felinas


Chega mais perto, sorrateira, curiosa
e o seu manto desce sobre eles um sentimento de urgência
Mãos de antigo conhecedor voltam a passear peles de súbito aquecidas
Apalpam novamente os seios, mãos trêmulas
Percorrem toda a extensão da pele em direções delirantes

Ele agarra o sexo em concha


A maciez do contacto os mantém quietos e satisfeitos
Mas logo ela pressiona os dedos embaixo
faz correr o zíper da calça
E é como se lhe suspendesse a alma um balão em chamas

Um longo beijo liga energias luminosas


que passam de um corpo a outro em corrente contínua
afastando os traços visíveis da morte

Em zelos e beijos sobe a roupa engomada apenas na suficiência


E cobre com o seu o corpo amado banhado em suor

Dois movimentos, e penetra


a caverna incandescente
Por um triz, não transbordam

Ela crava unhas de posse gemendo aos ouvidos sons que só para ele
cantam à harpa cúpida de eros, puros e cristalinos
Ele se firma dono de si, evita mover-se
mantendo-se colado entre as coxas alevantadas
como se fosse esse o modo natural de estar no mundo
Ela se revolve em movimentos circulares
e pressiona os calcanhares em pernas ainda musculosas
o máximo desejo
Ele sente o bafo da morte às costas desprotegidas
um misto de medo, ódio e asco
Amolece um pouco
Mas a fêmea se revolta pela sobrevivência do momento
Cruza forte braços e pernas em torno seus quadris
sussurra antigas cantigas
que resgatam, de pronto
masculinidade e desejo

Sobreleva-se, então, puxa ao tronco o corpo débil


os joelhos bem ancorados no colchão
Sai dela por instantes, e torna mais rijo
Passa a golpeá-la com estocadas que dificultam a respiração
Acelera mais o ritmo
Almas orgíacas ignoram o corpo in extremis

Como uma pequena brasa oculta entre as cinzas


ela acende e se espalha
Incendeia um hálito forte de vida
em alucinada cópula, quase violenta
A morte, esta se encolhe, esquecida
torna-se para si mesma uma presença anoitecida

A batalha ao leito ganha novos contornos, sutilezas, aguçamentos


Fêmea descerrada, cavalga a galopes
Faminta de vida, quer tudo engolir, uma louva-a-deus
A paixão há tempos guardada libertas quae serae tamen
Ruídos à porta não cortam os gestos de amor e prazer
As pessoas que adentram, visitantes de outras galáxias
se quedam entre incrédulos e preocupados
O quarto se enche de uma estranha luz, de múltiplas cores
e não se vê nem sombra da escurecida
No coração uma pontada, um primeiro alerta
e uma dor aguda corta a respiração

Ele se entrincheira na vontade


Se concentra unicamente no prazer que lhe dá a dança das penetrações
E ela é todo um querer de atingirem juntos a felicidade
Em transe, ela escancara os lábios e grita, em gozo múltiplo
E a cada ascensão ela chora e ri e chora e grita e geme
para retornar ao mesmo ciclo faminto

Outra pontada e ele faz que vai sufocar


Sofre descargas elétricas nos braços e nas mãos
Prende e solta alternadamente a respiração
Nenhuma dor o impedirá a tentativa em ser feliz
Enquanto os orgasmos dela encherem-lhe a alma, vibrar-lhe a carne
de contentamento e cumplicidade

Um rubro ponto cresce á frente e se espalha pela alcova


Puxa-a inteira para si
e bem fundo daquela carne, daquela alma tão amada
se espalha também em gemidos roucos
que se lhes escapam indiferentes às razões do mundo
ainda mais pelos mamilos embicados roçando-lhe o peito
senha secreta à libertação dos próprios espasmos
que se elevam aos céus da Criação

Goza, enfim livre, uno com ela


sua fêmea, deusa, escrava e rainha
O tempo se estica, assim a linha do horizonte
Cada gesto agora se mede à luz das estrelas mais distantes
Os braços recusam arredar seres para sempre amados
São, ambos, a síntese das próprias vidas, desde o berço
Amores, decepções, os prazeres mais corriqueiros
A busca angustiada do Espírito

Almas entrelaçadas, não temem mais a morte


Na possibilidade do tudo quanto se negaram em vida
Olhos nos olhos, dilatam-se ao espanto de cada nova descoberta
No deslumbramento da certeza do amar e ser amado

Apenas por um átimo se dão conta da vida ainda


na carne
Amalgamam-se mais e mais as almas nuas
E não buscam, nem envergonhados, folhas de parreira

Docemente ela vai se esvaindo em quietude


Seus olhos vão se tornando duas contas fixas
E no entanto ainda são para ele e para sempre duas lanternas vivas
Por isso que se mantém nela sem medo ou aflição, o coração ardendo
queimando os últimos cálices de oxigênio
estrangulando-se em dores

As luzes vão desaparecendo


Um enorme manto sem cor segue cobrindo seus corpos lentamente
De volta ao útero do universo

Sabem da morte pela vidraça que se forma entre eles e o mundo


Sabem dela apenas um hiato
Que um halo intenso de luz acolhe as suas almas
Ao reinício da sempiterna gestação

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