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PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO PROCESSO CIVIL

ACESSO À JUSTIÇA
GARANTIAS DO PROCESSO JUSTO
NOVO MODELO PROCESSUAL

ACESSO À JUSTIÇA

1. Direito à jurisdição
O art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que
“toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja
equitativa e publicamente julgada por um Tribunal independente e imparcial
que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação
em matéria penal que contra ela seja deduzida”.
Este direito à justiça sem qualquer discriminação por motivos económicos é
uma consequência do Estado social de direito que se encontra consagrado no
art. 2º CRP. O acesso à justiça não é, aliás, o único direito fundamental
assegurado ao cidadão na área da protecção dos direitos: adequadamente, o
art. 20º/1 CRP atribui, a par da garantia de acesso aos Tribunais, uma garantia
de acesso ao próprio direito. Sem este “direito ao direito”, a garantia do acesso
aos Tribunais poderia tornar-se vazia e ilusória, dado que não importa criar as
condições para aceder aos Tribunais se, simultaneamente, não se possibilitar o
conhecimento dos direitos que se podem defender através desses órgãos.
Nesta perspectiva, percebe-se que, nos termos do art. 20º/2 CRP, a garantia do
acesso ao direito envolva o direito à informação e consultas jurídicas e, em
caso de necessidade, ao patrocínio judiciário e que o art. 6º DL 387-B/87, de
29/12, englobe o direito à consulta jurídica e ao patrocínio judiciário num mais
vasto direito à protecção jurídica.

2. Garantias do acesso à justiça


Quando considerada na perspectiva do acesso à justiça, qualquer reforma
do processo civil deve orientar-se para a eliminação dos obstáculos que
impedem, ou, pelo menos, dificultam, esse acesso. Cappellitti considera os
seguintes obstáculos ao acesso à justiça: o obstáculo económico, se os
interessados não estiverem em condições de aceder aos Tribunais por causa
da sua pobreza; o obstáculo organizatório, porque a tutela de certos
interesses colectivos ou difusos impõe uma profunda transformação nas regras
e institutos tradicionais do direito processual; finalmente, o obstáculo
propriamente processual, porque os tipos tradicionais de processo são
inadequados para algumas tarefas de tutela.
a) Obstáculo económico:
A garantia do acesso à justiça, para ser efectiva, pressupõe a não
discriminação por insuficiência de meios económicos (art. 20º/1 CRP). O art. 6º
DL 387-B/87 garante, no âmbito da protecção jurídica, o chamado apoio
judiciário, o qual compreende a dispensa, total ou parcial, ou o diferimento do
pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (art. 15º/1 DL 387-B/87).
Este apoio judiciário destina-se a evitar que os custos relacionados com o
processo seja utilizados pela parte economicamente mais poderosa como um
meio de pressão sobre a parte mais fraca.
b) Obstáculo organizatório:
O art. 26º-A regula a legitimidade para as acções e procedimentos
cautelares destinados à tutela de interesses difusos, como os que se referem à
saúde pública, ao ambiente e qualidade de vida, ao património cultural, ao
domínio público e ao consumo de bens e serviços.
O art. 26º-A contém apenas uma norma remissiva para a lei
regulamentadora da acção popular, mas, ainda assim, apresenta a vantagem
de integrar no âmbito do processo civil a legitimidade popular, isto é, a
legitimidade para a defesa dos interesses difusos através da acção popular
prevista no art. 52º/3 CRP. Esclareça-se, a propósito, que, nos termos do art.
12º/2 Lei 83/95, a acção popular civil pode revestir qualquer das formas
previstas no Código de Processo Civil, pelo que essa legitimidade abrange
qualquer acção ou procedimento admissível na área processual civil.
c) Obstáculo processual:
O processo declarativo segue uma tramitação, comum ou especial, fixada
pela lei (art. 460º/1 CPC). Abandonada qualquer correspondência entre o
direito subjectivo e a respectiva actio, são fundamentalmente motivos ligados à
necessidade prática de adaptar a tramitação processual a certas situações
específicas que conduzem à previsão de certos processos especiais. Mas, os
processos especiais previstos na lei só abrangem certas situações particulares,
o que significa que a grande maioria das acções propostas em Tribunal é
regulada para a tramitação comum (art. 460º/2 CPC).
Segundo o art. 265º-A CPC, quando a tramitação processual prevista na lei
não se adequar às especificidades da causa, o juiz deve, mesmo
oficiosamente, determinar, depois de ouvidas as partes, a prática dos actos que
melhor se ajustem ao fim do processo e definir as necessárias adaptações no
seu procedimento. Deve entender-se que a iniciativa da adaptação pode
pertencer quer ao juiz, quer a qualquer das partes. A adaptação pode consistir
tanto na realização de actos que não sejam previstos na tramitação legal e que
se mostrem indispensáveis ao apuramento da verdade e ao acerto da decisão,
como na dispensa de actos que se revelem manifestamente inidóneos para o
fim do processo.
O art. 265º-A CPC, não o diz, mas é claro que a tramitação sucedânea tem
de respeitar estritamente a igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e, em
particular, o princípio do contraditório (art. 3º/2/3 1ª parte CPC). Mesmo que,
como o art. 265º-A CPC, o exige, a parte tenha sido previamente ouvida, ela
não fica impedida de invocar o desrespeito daqueles princípios na tramitação
sucedânea. A prática ou a omissão de um acto que implica a ofensa daqueles
princípios traduz-se numa nulidade processual (art. 201º/1 CPC), pois que são
directamente violados os preceitos que os consagram (arts. 3º/2/3 1ª parte e
3º-A CPC) e essa violação influi certamente no exame ou decisão da causa.
Nas hipóteses de cumulação de vários objectos processuais numa mesma
acção, o problema da inadequação formal surge numa outra vertente: sempre
que uma certa situação da vida jurídica comporte aspectos a que, quando
considerados parcelarmente, correspondam processos comuns e especiais ou
diferentes processos especiais, coloca-se o problema de saber se essa
diferença formal deve impedir o seu tratamento unitário num mesmo processo.
É evidente que é desejável que motivos formais não impliquem um
desmembramento de uma mesma situação jurídica por vários processos.
GARANTIAS DO PROCESSO JUSTO

3. Direito ao processo justo


Não basta assegurar a qualquer interessado o acesso à justiça: tão
importante como esse acesso é garantir que o processo a que se acede
apresenta, quanto à sua própria estrutura, garantias de justiça. Este direito ao
processo justo encontra-se expressamente consagrado no art. 10º Declaração
Universal dos Direitos do Homem, no art. 14º/1 Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos e no art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do
Homem. Todos estes preceitos atribuem o direito a um julgamento equitativo,
que, aliás, eles próprios concretizam nas garantias de imparcialidade e de
independência do Tribunal, de igualdade das partes, de publicidade das
audiências, do juiz legal ou natural e de proferimento da decisão num prazo
razoável.
Estes princípios são, todos eles, susceptíveis, de moldar o regime
processual. Assim, é indispensável garantir àquele que recorre aos Tribunais
um julgamento por um órgão imparcial, uma plena igualdade das partes, o
direito ao contraditório, uma duração razoável da acção, a publicidade do
processo e a efectivação do direito à prova.

4. Imparcialidade do Tribunal
A administração da justiça não é possível sem um Tribunal independente e
imparcial: a imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do
processo justo. As garantias de imparcialidade do Tribunal podem ser vistas,
quer como garantias do Tribunal perante terceiros, quer como garantias das
partes perante o Tribunal. Naquela primeira perspectiva, as garantias de
imparcialidade costumam classificar-se em materiais e pessoais: as garantias
materiais respeitam à liberdade do Tribunal perante instruções ou quaisquer
intromissões de outro órgão do estado (art. 206º CRP, art. 4º/1 EMJ – Estatuto
dos Magistrados Judiciais, Lei n.º 21/85, de 30/7, alterada pelo DL n.º 342/88,
de 28/9, e pelas Leis n.º 2/90, de 20/1, e 10/94, de 5/5); as garantias pessoais
protegem o juiz em concreto: são elas a irresponsabilidade (art. 5º EMJ) e a
inamovibilidade (art. 6º EMJ).
Na perspectiva das partes, as garantias de imparcialidade referem-se à
independência do juiz e à sua neutralidade perante o objecto em causa.
Constitui ainda uma garantia das partes a chamada independência interna
do juiz. Refere-se esta às influências a que o juiz está sujeito pela sua origem,
educação ou processo de socialização. É este aspecto da independência
interna que justifica a proibição da prática de actividade político-partidárias de
carácter público e de ocupação de cargos políticos pelos magistrados judiciais
em exercício de funções (art. 11º EMJ), bem como a proibição do desempenho
pelos mesmos de qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções
docentes ou de investigação jurídica, desde que não remuneradas (art. 218º/3
CRP, art. 13º EMJ).

5. Igualdade das partes


Ambas as partes devem possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e
deveres, isto é, cada uma delas deve situar-se numa posição de plena
igualdade perante a outra e ambas devem ser iguais perante o Tribunal. Esta
igualdade das partes, que deve ser assumida como uma concretização do
princípio da igualdade consagrado no art. 13º CRP, é agora um princípio
processual com expressão legal no art. 3º-A CPC, este preceito estabelece que
o Tribunal deve assegurar, durante todo o processo, um estatuto de igualdade
substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso
dos meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções
processuais.
Um primeiro problema suscitado pelo art. 3º-A e pela referida igualdade
substancial entre as partes é o de nem sempre é viável assegurar essa
igualdade. Em certos casos, não é possível ultrapassar certas diferenças
substanciais na posição processual das partes; noutras hipóteses, não é
possível afastar certas igualdades formais impostas pela lei.
Devem ser respeitadas todas as situações de igualdade formal entre as
partes determinadas pela lei processual. Há que observar alguns preceitos que
visam directamente a igualdade formal entre as partes (arts. 42º/2 e 512º-A/1
CPC). Portanto, também neste campo não existe qualquer possibilidade de
assegurar uma igualdade substancial entre as partes.
O art. 3º-A tem como destinatário o Tribunal, pois que é a este órgão que o
preceito atribui a função de garantir a igualdade substancial das partes. Mas
esta função pode ser entendida de duas formas bastantes distintas: se essa
função for concebida com um conteúdo positivo, aquele preceito impõe ao
Tribunal o dever de promover a igualdade entre as partes e de, eventualmente,
auxiliar a parte necessitada; se, pelo contrário, essa função for entendida com
um conteúdo negativo, só se proíbe que o Tribunal promova a desigualdade
entre as partes.
O direito português concede ao Tribunal certos poderes instrutórios (arts.
535º/1, 612º/1 e 653º/1 CPC) e inquisitórios: quanto estes últimos, resulta do
disposto nos arts. 264º/2 e 265º/3 CPC, que o Tribunal pode investigar e
considerar os factos instrumentais relevantes para a decisão da causa. Mas o
uso destes poderes instrutórios e inquisitórios é orientado, não pela
necessidade de obter a igualdade entre as partes, mas pela de procurar proferir
uma decisão de acordo com a realidade das coisas.
A expressão do princípio da igualdade deve ser procurada fora daqueles
poderes instrutórios ou inquisitórios, o que de modo algum exclui um amplo
campo de aplicação desse princípio. Esta aplicação verifica-se tanto no referido
conteúdo positivo, que impõe ao Tribunal um dever de constituir a igualdade
entre as partes, como no conteúdo negativo, que o proíbe de originar, pela sua
conduta, uma desigualdade entre as partes.
A referência à igualdade substancial que consta no art. 3º-A não pode
postergar os vários regimes imperativos definidos na lei, que originam
desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais. Quer
supressão dos factores de igualdade formal, mas através de um auxílio
suplementar a favor da parte carenciada do auxílio. Essa igualdade substancial
não é obtida através de um minus imposto a uma das partes, mas de um maius
concedido à parte necessitada.
O princípio da igualdade substancial não choca com o princípio da
imparcialidade do Tribunal. Esta imparcialidade traduz-se numa independência
perante as partes, mas, no contexto do princípio da igualdade, imparcialidade
não é sinónimo de neutralidade: a imparcialidade impõe que o juiz auxilie do
mesmo modo qualquer das partes necessitadas ou, dito de outra forma,
implica, verificadas as mesmas condições, o mesmo auxílio a qualquer delas; a
neutralidade determina a passividade do juiz perante a desigualdade das
partes. Portanto, o juiz tem de ser neutro perante as situações de desigualdade
que existam ou que se possam criar entre as partes, mas deve ser imparcial
perante elas, dado que, quando tal se justifique, deve auxiliar qualquer delas.
O conteúdo negativo do princípio da igualdade substancial destina-se a
impedir que o juiz crie situações de desigualdade substancial entre as partes.
Assim, por exemplo, esse princípio obsta a que o Tribunal fixe, para cada uma
das partes, prazos diferentes para o exercício da mesma faculdade ou o
cumprimento do mesmo ónus.
Quanto às decisões sobre o mérito da causa, elas são determinadas pelos
critérios resultantes da lei ou que por ela seja permitidos, como a equidade (art.
4º CC) e a discricionariedade própria dos processos de jurisdição voluntária
(art. 1410º CPC). Assim, o Tribunal só pode introduzir na sua decisão as
correcções que a lei permita ou que resultem de qualquer daqueles critérios
formais de decisão.

6. Garantia do contraditório
O direito do contraditório – que é, em si mesmo, uma decorrência do
princípio da igualdade das partes estabelecido no art. 3º-A – possui um
conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de
que contra ele foi proposta uma acção ou requerida uma providência e,
portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas
também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e
a tomar posição sobre elas, ou seja um direito de resposta.
a) Direito à audição prévia:
O direito à audição prévia encontra-se consagrado no art. 3º/1 (o Tribunal
não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a
resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente
chamada para deduzir oposição) CPC in fine, embora possa sofrer as
excepções genericamente previstas no art. 3º/2 (só nos casos excepcionais
previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem
que esta seja previamente ouvida) CPC: assim, num procedimento cautelar
comum, o Tribunal só ouvirá o requerido se a audiência não puser em risco
sério o fim ou a eficácia da providência (art. 385º/1 CPC); a restituição
provisória da posse e o arresto são decretados sem a audiência da parte
requerida (arts. 394º e 408º/1 CPC). É ainda o direito à audição prévia que
justifica todos os cuidados de que há que revestir a citação do réu e a
tipificação dos casos em que se considera que ela falta (art. 195º CPC) ou é
nula (art. 198º/1 CPC) e que está subjacente à possibilidade de interposição do
recurso extraordinário de revisão contra uma sentença proferida num processo
em que tenha faltado a citação ou esta seja nula (art. 771º-f CPC) e de
oposição e anulação da execução com base nos mesmos vícios (arts. 813º-d e
921º CPC).
b) Direito de resposta:
O contraditório não pode ser exercido e o direito de resposta não pode ser
efectivado se a parte não tiver conhecimento da conduta processual da
contraparte. Quanto a este aspecto, vale a regra de que cumpre à secretaria
notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, elas
possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral,
exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz,
nem de prévia citação (art. 229º/2 CPC). Concretizações desta regra constam
dos arts. 146º/5, 174º/1, 234º/1, 542º e 670º/1 CPC.
O direito de resposta consiste na faculdade, concedida a qualquer das
partes, de responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegação
ou acto probatório) da contraparte. Este direito tem expressão legal, por
exemplo, no princípio da audiência contraditória das provas constante do art.
517º CPC.
O art. 3º/3 1ª parte CPC, impõe ao juiz, de modo programático, o dever de
observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do
contraditório. Significativa é também, quanto a este aspecto, a supressão dos
processos sumários e sumaríssimos como processos cominatórios plenos
(arts. 784º e 794º/1 CPC): neste caso, não é o contraditório que se garante,
mas as consequências do seu exercício que se atenuam.
A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades
processuais constante do art. 201º/1 (fora dos casos previstos nos artigos
anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de
um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade
quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no
exame ou na decisão da causa) CPC: dada a importância do contraditório, é
indiscutível que a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no
exame ou decisão da causa. Uma concretização desta regra encontra-se no
art. 277º/3 (são nulos os actos praticados no processo posteriormente à data
em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia
determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o
exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu) CPC.

7. Duração razoável do processo


A lentidão processual encontra causa endógenas e exógenas. Como
causas endógenas podem ser referidas as seguintes: a excessiva passividade
– se não legal, pelo menos real – do juiz da acção; a orientação da actividade
das partes, não pelos fins da tutela processual, mas por razões frequentemente
dilatórias; alguns obstáculos técnicos, como os crónicos atrasos na citação do
réu e a demora no proferimento do despacho saneador devida às dificuldades
inerentes à elaboração da especificação e do questionário. Outras causas da
morosidade processual são exteriores ao próprio processo: falta de resposta
dos Tribunais ao crescimento exponencial da litigiosidade, dada a exiguidade
dos meios disponíveis; maior complexidade do direito material e crescente uso
nele de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais, cuja concretização,
deficiência na preparação técnica dos profissionais forenses.
Uma consequência da morosidade da justiça é o recurso cada vez mais
frequente às providências cautelares como forma de solucionar os litígios,
especialmente quando elas podem antecipar a tutela definitiva ou mesmo vir a
dispensá-la.
São várias as soluções habitualmente seguidas (ou tentadas) para obviar à
morosidade processual. Salientam-se, entre ela, as seguintes soluções: o
estabelecimento entre as fases do processo, ou mesmo no seu interior, de
regras de preclusão, que obstam a que um acto omitido possa vir a ser
realizado fora do seu momento legalmente fixado; o reforço do controlo do juiz
sobre o processo; a concentração do processo numa audiência na qual a
causa possa ser discutida e, eventualmente, decidida.
O art. 2º/1 CPC, atribui à parte o direito de obter, num prazo razoável, a
decisão da causa, o que significa que o Estado tem do dever de disponibilizar
os meios necessários para assegurar a celeridade na administração da justiça.
Assim, a concessão deste direito à celeridade processual possui, para além de
qualquer âmbito programático, um sentido preceptivo bem determinado, pelo
que a parte prejudicada com a falta de decisão da causa num prazo razoável
por motivos relacionados com os serviços da administração da justiça tem
direito a ser indemnizada pelo Estado de todos os prejuízos sofridos. Esta
responsabilidade do Estado é objectiva, ou seja, é independente de qualquer
negligência ou dolo do juiz da causa ou dos funcionários judiciais.
Para obter a indemnização dos prejuízos causados pelo atraso no
proferimento da decisão tem sido utilizada, com alguma frequência, a petição
dirigida à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 25º/1), para que
esta solicite a apreciação da violação pelo Estado português da garantia da
decisão do processo num prazo razoável pelo Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem (arts. 44º e 48º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e, se
for caso, a atribuição ao lesado de uma reparação adequada (art. 50º
Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

8. Publicidade do processo
O Processo Civil é – diz enfaticamente o art. 167º/1 CPC – público. A
publicidade do processo tornou-se possível com a introdução da oralidade e
contínua a possuir a justificação tradicional: ela é um meio para combater o
arbítrio e assegurar a verdade e a justiça das decisões judiciais. A essa
publicidade estão subjacentes os princípios fundamentais do Estado de direito,
nomeadamente a possibilidade de um controlo popular dos órgãos que – como
sucede com os Tribunais – exercem poderes de soberania (art. 110º/1 CRP). É
nesta perspectiva que se deve entender a garantia da publicidade das
audiências dos Tribunais, que se encontra consagrada no art. 206º CRP e no
art. 656º/1 CPC, bem como a garantia do acesso aos autos por todos os
interessados estabelecida no art. 167º/2 CPC.
A publicidade das audiências dos Tribunais constitui uma importante
garantia numa dupla dimensão: em relação às partes, ela assegura a
possibilidade de um controlo popular sobre as decisões que as afectam
directamente; relativamente à opinião pública, essa publicidade permite
combater a desconfiança na administração da justiça.
A publicidade das audiências é, no entanto, excluída quando circunstâncias
ponderosas o aconselham. Esses motivos encontram-se constitucionalmente
tipificados (art. 206º CRP) e são repetidos no respectivo preceito da lei
ordinária (art. 656º/1 CPC): são eles a salvaguarda da dignidade das pessoas e
da moral pública e a garantia do normal funcionamento da audiência (art. 9º lei
3/99).
A publicidade do processo implica o direito, reconhecido a qualquer pessoa
capaz de exercer o mandato judicial ou a quem nisso revele um interesse
atendível, de exame e consulta dos autos na secretaria do Tribunal e de
obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas pelas
partes (art. 167º/2 CPC). Este acesso aos autos é, porém, limitado nos casos
em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das
pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública ou pôr em
causa a eficácia da decisão a proferir (art. 168º/1 CPC).

9. Direito à prova
A prova é a actividade destinada à formação da convicção do Tribunal
sobre a realidade dos factos controvertidos (art. 341º CC), isto é, dos factos
que constituem a chamada base instrutória (art. 508º-A/1-e, 508º-B/2, e 511º/1
CPC). Essa actividade incumbe à parte onerada (art. 342º CC), que não
obstará uma decisão favorável se não satisfazer esse ónus (art. 516º; art. 346º
CC).
Para cumprir o ónus da prova, a parte tem de utilizar um dos meios de
prova legal ou contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das
partes (art. 345º CC). Dada a importância do cumprimento do ónus para a
contraparte e para terceiros, costuma falar-se de um direito à prova. Este
direito é habitualmente deduzido, para a generalidade dos processos
jurisdicionais, do disposto no art. 6º/3-d Convenção Europeia dos Direitos do
Homem, que garante ao acusado o direito de interrogar ou fazer interrogar as
testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das
testemunhas de defesa nas mesmas condições daquelas.
O direito à prova contém limites impostos pela protecção de direitos de
terceiros: aquele direito cede perante direitos de terceiros que mereçam do
ordenamento jurídico uma tutela mais forte. Em geral, os limites do direito à
prova consubstanciam-se nas chamadas provas proibidas, que podem ser
tanto provas que são materialmente lícitas mas processualmente proibidas,
como provas que são materialmente e processualmente proibidas.
Algumas provas são materialmente lícitas, mas, apesar disso, não são
processualmente admissíveis. Estas provas podem conduzir a uma proibição
de produção ou de valoração. Noutros casos, a prova pode ser produzida num
processo, mas não pode ser valorada numa outra acção.
Outras provas são materialmente proibidas e, portanto, ilícitas. São
exemplo de provas ilícitas todas aquelas que são obtidas através dos métodos
previstos no art. 32º/8 CRP ou no art. 519º/3 CPC.
As provas ilícitas são, em regra, insusceptíveis de ser valoradas pelo
Tribunal, isto é, não podem servir de fundamento a qualquer decisão judicial.
Mas, quanto ao real âmbito destas provas insusceptíveis de valoração, parece
haver que distinguir entre aqueles meios de prova cuja produção é, ela própria,
um acto ilícito (é o caso das provas previstas no art. 32º/8 CRP e no art. 519º/3
CPC) e aquelas provas cuja produção não representa, em si mesma, qualquer
ilicitude.

NOVO MODELO PROCESSUAL

10. Premissas gerais


As características do processo liberal, dominado pela passividade judicial,
são essencialmente as seguintes; às partes é concedido o controlo sobre o
processo e os factos relevantes para resolução do litígio e é minimizado o
contributo do juiz e de terceiros para essa resolução; a decisão requer apenas
uma legitimação dependente da observância das regras e dos pressupostos
processuais. Em contrapartida, são as seguintes as linhas essências do
processo submetido ao activismo judiciário: as partes repartem com o Tribunal
o domínio sobre o processo e ela próprias são consideradas uma fonte de
informações relevantes para a decisão da causa; as partes e terceiros estão
obrigados a um dever de cooperação com o Tribunal; a legitimação da decisão
depende da sua adequação substancial e não apenas da sua correcção formal;
as regras processuais podem ser afastadas ou adaptadas quando não se
mostrem idóneas para a justa composição do litígio.
O processo é poder. Nas sociedades modernas, submetidas ao poder
político do Estado e organizadas em torno deste, o poder jurisdicional dos
juízes é expressão de posição que o sistema jurídico lhes concede para a
resolução dos conflitos de interesses públicos e privados (art. 202º/2 CRP). Isto
reconduz a análise para o problema da legitimação do processo jurisdicional,
ou seja, para a adequação da instituição processual para realizar os fins que o
Estado e a sociedade lhe atribuem.
Os processos jurisdicionais de natureza declarativa destinam-se a obter o
proferimento de uma decisão pelo Tribunal. A correcção desta decisão depende
da sua coerência com as premissas de facto e de direito que foram adquiridas
durante o processo e da própria não contradição entre essas premissas: se
essa decisão for correcta, será possível encontrar na sua fundamentação
naquelas premissas ou, pelo menos, reconstitui-las a partir dela. A esta
coerência da decisão com as sua premissas pode chamar-se legitimação
interna.
Esta legitimação assegura a coerência da decisão com as suas premissas,
mas nada garante quanto à verdade ou aceitabilidade dessas premissas e,
portanto, daquela decisão: do facto de esta ser coerente com as suas
premissas não se segue que ela corresponda à realidade das coisas, pois que,
para tal, é necessário que estas premissas estejam, elas próprias, de acordo
com tal realidade. A esta correspondência da decisão com a realidade extra-
processual pode chamar-se legitimação externa.
O Estado social de direito que se encontra plasmado no art. 2º CRP
pressupõe uma democracia económica, social e cultural. O processo
jurisdicional não pode deixar de reflectir essas preocupações sociais e de ser
impregnado por uma concepção social: a solução dos conflitos não é uma
matéria de mero interesse dos litigantes e estes não devem ser tratados como
titulares abstractos da situação litigiosa, mas antes como indivíduos concretos
com necessidades a que o direito e o processo devem dar resposta.
O Estado social de direito representa um compromisso entre a esfera do
Estado e a da sociedade, dos grupos e dos indivíduos. Também este
compromisso se reflecte em vários aspectos dos modernos processos
jurisdicionais.

11. Cooperação inter-subjectiva


O art. 266º/1 CPC, dispõe que, na condução e intervenção no processo, os
magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes devem cooperar
entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa
composição do litígio. Este importante princípio da cooperação destina-se a
transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho” e a responsabilizar
as partes e o Tribunal pelos seus resultados. Este dever de cooperação dirige-
se quer às partes, quer ao Tribunal, pelo que importa algumas consequências
quanto à posição processual das partes perante o Tribunal, deste órgão
perante aquelas e entre todos os sujeitos processuais em comum.
a) Posição das partes:
Dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância da
boa fé (art. 266º-A – As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de
cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior – CPC). A infracção
do dever do honeste procedere pode resultar de má fé subjectiva, se ela é
aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objectiva, se resulta
da violação dos padrões de comportamento exigíveis. Segundo o art. 456º/2
CPC proémio, essa má fé pressupõe quer o dolo, quer tão-só a negligência
grave.
Qualquer das referidas modalidades da má fé processual pode ser
substancial ou instrumental: é substancial, se a parte infringir o dever de não
formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (art.
456º/2-a CPC), alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a
decisão da causa (art. 456º/2-b CPC), isto é, violar o dever de verdade; é
instrumental, se a parte tiver omitido, com gravidade, o dever de cooperação
(art. 456º/2-c CPC) ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso
manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir
a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem
fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (art. 456º/2-d e art. 720º
CPC).
A má fé processual obriga a parte ao pagamento de uma multa e, se a
parte contrária o pedir, de uma indemnização (art. 456º/1 CPC). Esta
indemnização pode consistir, segundo a opção do juiz (art. 457º/1-b 2ª parte
CPC), no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a
parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos (art.
457º/1-a CPC), ou no reembolso dessas despesas e na satisfação dos
restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou
indirecta da má fé (art. 457º/1-b CPC).
O dever de cooperação das partes estende-se igualmente à importante
área da prova. O art. 519º/1 CPC, estabelece, na sequência do direito do
Tribunal à coadjuvação de outras entidades (art. 206º/3 CRP), que todas as
pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua
colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for
perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for
requisitado e praticando os actos que forem determinados. Este dever de
colaboração é independente da repartição do ónus da prova (arts. 342º a 345º
CC), isto é, vincula mesmo a parte que não está onerada com a prova.
A recusa da colaboração devida pela parte implica uma de duas
consequências: se a parte recusar a sua própria colaboração, o Tribunal
aprecia livremente, para efeitos probatórios, o valor desse comportamento (art.
519º/2 1ª parte CPC); se a violação de dever de colaboração resultar da
circunstância de a parte ter culposamente tornado impossível a prova à
contraparte onerada, o ónus da prova (art. 519º/2 in fine CPC; art. 344º/2 CC).
Como o dever de colaboração pode recair sobre a parte que não está onerada
com a prova do facto, esta inversão do ónus da prova pode implicar, com base
na regra do non liquet (art. 516º CPC; art. 346º CC), o proferimento de uma
decisão de mérito contra a parte à qual não cabia inicialmente a demonstração
do facto.
O dever de cooperação da parte também encontra expressão na acção
executiva: se o exequente tiver dificuldade em identificar ou localizar os bens
penhoráveis do executado, o Tribunal pode determinar que este preste todas
as informações indispensáveis à realização da penhora, sob a comunicação de
ser considerado litigante de má fé (art. 837º-A/2 CPC).
b) Posição das partes
Existe um dever de cooperação das partes com o Tribunal, mas também há
um idêntico dever de colaboração deste órgão com aquelas. Este dever
desdobra-se, para esse órgão, em quatro deveres essenciais:
1) Um é o dever de esclarecimento, isto é, o dever de o Tribunal se
esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas
alegações, pedidos ou posições em juízo (art. 266º/2 CPC), de molde a
evitar que a sua decisão tenha por base a falta de informação e não a
verdade apurada;
2) Um outro é o dever de prevenção, ou seja, o dever de o Tribunal
prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas
alegações ou pedidos (art. 508º/1-b, 508º-A/1-c, 690º/4 e 701º/1 CPC);
3) O Tribunal tem também o dever de consultar as partes, sempre que
pretenda conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas
não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (art. 3º/3 CPC),
porque, por exemplo, o Tribunal enquadra juridicamente a situação de
forma diferente daquela que é a perspectiva das partes ou porque esse
órgão pretende conhecer oficiosamente certo facto relevante para a
decisão da causa;
4) Finalmente, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção
das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no
cumprimento de ónus ou deveres processuais (art. 266º/4 CPC).
O dever de esclarecimento implica um dever recíproco do Tribunal
perante as partes e destas perante aquele órgão: o Tribunal tem o dever de se
esclarecer junto das partes e estas têm o dever de o esclarecer (art. 266º-A
CPC). Encontra-se consagrado, quanto ao primeiro aspecto, no art. 266º/2
CPC: o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir qualquer das partes,
seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os
esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem
pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da
diligência. O segundo dos referidos aspectos (dever de esclarecimento do
Tribunal pelas partes) está previsto no art. 266º/3 CPC: as pessoas às quais o
juiz solicita o esclarecimento são obrigadas a comparecer e a prestar os
esclarecimentos que lhe forem pedidos, salvo se tiverem uma causa legítima
para recusar a colaboração requerida. Deve considerar-se legítima a recusa
baseada em qualquer das circunstâncias referidas no art. 519º/3 CPC.
O dever de prevenção, é um dever do Tribunal perante as partes com
uma finalidade assistencial, pelo que não implica qualquer dever recíproco das
partes perante o Tribunal. O dever de prevenção tem uma consagração no
convite ao aperfeiçoamento pelas partes dos seus articulados (arts. 508º/1-b, e
508º-A/1-c CPC) ou das conclusões das suas alegações de recurso (arts.
690º/4, e 701º/1 CPC). Aquele primeiro convite deve ser promovido pelo
Tribunal sempre que o articulado enferme de irregularidades (art. 508º/2 CPC)
ou mostre insuficiências ou imprecisões na matéria de facto alegada (art.
508º/3 CPC).
Mas o dever de prevenção têm um âmbito mais amplo: ele vale
genericamente para todas as situações em que o êxito da acção a favor de
qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. São
quatro as áreas fundamentais em que a chamada de atenção decorrente do
dever de prevenção se justifica: a explicitação de pedidos pouco claros, o
carácter lacunar da exposição dos factos relevantes, a necessidade de adequar
o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa actuação.
O dever de consulta, é um dever de carácter assistencial do Tribunal
perante as partes. Este dever encontra-se estabelecido no art. 3º/3 CPC: salvo
no caso de manifesta desnecessidade, o Tribunal não pode decidir uma
questão de direito ou de facto, mesmo que seja de conhecimento oficioso, sem
que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem sobre ela. O
escopo deste preceito é evitar as chamadas “decisões surpresa”, isto é, as
decisões proferidas sobre matéria de conhecimento oficioso sem a sua prévia
discussão pelas partes.
O dever de auxílio, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na
supressão das eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou
faculdades ou o cumprimento de ónus ou deveres processuais.
O princípio da cooperação determina, a imposição ao Tribunal, além de um
dever de auxílio, dos deveres de esclarecimento, de prevenção e de consulta.
Coloca-se então a questão de saber quais as consequências que resultam da
omissão pelo Tribunal de qualquer destes deveres. O problema é
particularmente complexo, porque a previsão destes deveres nem sempre é
uma situação completamente definida por lei, antes faz apelo, em muitos
casos, a uma ponderação do Tribunal.
Alguns desses deveres de cooperação assentam numa previsão “fechada”,
que não deixa ao Tribunal qualquer margem de apreciação quanto à sua
verificação; outros, pelo contrário, decorrem de uma previsão “aberta”, que
necessita de ser preenchida pelo Tribunal de acordo com a sua ponderação.
Esta distinção é importante quanto aos efeitos do não cumprimento dos
referidos deveres. Se o dever for estabelecido por uma revisão “fechada” – isto
é, se a situação em que ele tem de ser observado não deixar ao Tribunal
qualquer margem de apreciação –, a sua omissão constitui uma nulidade
processual, se, como em regra sucederá, essa irregularidade puder influir ou
exame ou decisão da causa (art. 201º/1 CPC).
A violação do dever de cooperação pela parte constitui, quando seja grave,
uma das situações que a lei tipifica com má fé processual (art. 456º/2-c CPC).
Aquela gravidade da omissão do dever de cooperação pressupõe o dolo ou a
negligência grave da parte (art. 456º/2 proémio CPC).
12. Objecto do processo
O processo civil é regido, quanto à relevância da vontade das partes, pelo
princípio dispositivo e da disponibilidade privada: aquele primeiro assegura a
autonomia das partes na definição dos fins que elas procuram obter através da
acção pendente; este último determina o domínio das partes sobre os factos a
alegar e os meios de prova a utilizar para conseguir aqueles objectivos. Pode
dizer-se que o princípio dispositivo representa a autonomia na definição dos
fins prosseguidos no processo e que o princípio da disponibilidade objectiva
assegura o domínio das partes sobre os meios de os alcançar.
O âmbito dos poderes do Tribunal e das partes relativamente à matéria de
facto relevante para a apreciação da causa constitui um dos aspectos
essenciais de qualquer regime processual.
a) Factos relevantes:
Como resulta do estabelecido no art. 264º CPC, a solução legal baseia-se
numa distinção, talvez demasiado esquemática, entre factos essenciais,
instrumentais e complementares ou concretizadores:
- Os factos essenciais: são aqueles que integram a causa de pedir ou
o fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da
acção ou da excepção;
- Os factos instrumentais, probatórios ou acessórios: são aqueles
que indicam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova
indiciária destes últimos;
- Os factos complementares ou concretizadores: são aqueles cuja
falta não constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excepção
complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa acção
ou excepção.
A cada um destes factos corresponde uma função distinta:
- Os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito
invocado pelo autor ou da excepção deduzida pelo réu: sem eles não se
encontra individualizado esse direito ou excepção, pelo qual a falta da
sua alegação pelo autor determina a ineptidão inicial por inexistência de
causa a pedir (art. 193º/2-a CPC);
- Os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos
essenciais de que são complemento, a procedência da acção ou da
excepção: sem eles a acção era julgada improcedente;
- Os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função
probatória dos factos essenciais ou complementares.
Importa acentuar que esta classificação não assenta num critério absoluto,
mas relativo: um mesmo facto pode ser essencial em relação a um certo
objecto e complementar ou instrumental perante outro objecto; por seu turno,
um facto é sempre complementar ou instrumental em relação a um certo facto
essencial.
· Factos principais:
A procedência da acção ou da execução pressupõe certos factos: os factos
necessários a essa procedência podem ser designados por factos principais.
Estes factos englobam, na terminologia do art. 264º CPC, os factos essenciais
e os factos complementares, cuja distinção se traça do seguinte modo: os
factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica
alegada na acção ou na excepção; os factos complementares são aqueles
que são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção, mas não
integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.
Os factos essenciais são necessários à identificação da situação jurídica
invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da acção
ou da excepção.
· Factos instrumentais:
São utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principiais, isto é,
esses factos são aqueles de cuja a prova se pode inferir a demonstração dos
correspondentes factos principais. Portanto, o âmbito de aplicação dos factos
instrumentais coincide com a prova indiciária, pelo que esses factos não
possuem qualquer relevância na prova histórica ou representativa.
As presunções judiciais são aquelas em que a inferência do facto
presumido assenta em regras de experiência, isto é, são aquelas em que o
Tribunal deduz, com base nessas regras, o facto presumido. Podem ser
qualificados como factos instrumentais aqueles que constituem a base das
presunções judiciais, ou seja, aqueles que permitem inferir, através de regras
de experiência, o facto principal constante da base instrutória (arts. 508º-A/1-e,
e 508º-B/2 CPC).
b) Disponibilidade e oficiosidade:
- Factos principais:
Assente a distinção entre factos essenciais, complementares e
instrumentais, o regime legal é o seguinte:
· Incumbe às partes alegar os factos essenciais que integram a causa
de pedir ou que fundamentam a excepção (art. 264º/1 CPC);
· O Tribunal pode considerar os factos complementares que resultem da
instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste
vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado,
quanto a eles, o exercício do contraditório (art. 264º/3 CPC);
· O Tribunal pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos
instrumentais que resultem da instrução e julgamento da causa (art.
264º/2 CPC).
Deste enunciado resulta claramente que a disponibilidade objectiva vale
quanto aos factos essenciais e aos factos complementares, pois que o Tribunal
não os pode considerar, quanto àqueles primeiros, se eles não forem alegados
pelas partes e, quanto a estes últimos, se a parte interessada não manifestar
vontade de se aproveitar deles. Portanto, os factos principais estão sujeitos à
disponibilidade das partes.
- Factos instrumentais:
Há que reconhecer que não é totalmente claro o âmbito dos poderes que
são conhecidos ao Tribunal pelo art. 264º/2 CPC. É certo que este preceito
estipula que o Tribunal pode considerar oficiosamente os factos instrumentais;
mas isto pode significar que, se os factos surgirem na instrução e discussão da
causa, o Tribunal pode considerá-los na sua decisão ainda que nenhuma das
partes o requeira, como querer dizer que o Tribunal pode promover, por
iniciativa própria, a investigação desses factos durante a instrução e discussão
da causa.
A favor do reconhecimento de poderes inquisitórios do Tribunal sobre os
factos instrumentais pode invocar-se, antes de mais, a comparação entre os
ns.º 2 e 3 do art. 264º CPC: neste último concede-se ao Tribunal o poder de
considerar os factos complementares, mas sujeita-se esse poder à condição de
a parte interessada desejar o seu aproveitamento na acção pendente; naquele
primeiro, atribui-se ao Tribunal o poder de considerar os factos instrumentais e
não se submete o uso desse poder a qualquer condição. É, no entanto, na
conjugação entre os arts. 264º/2 e 265º/3 CPC, que se encontra o apoio mais
firme para entender que o Tribunal possui poderes inquisitórios sobre os factos
instrumentais.
Os factos sobre os quais o Tribunal pode exercer estes poderes
inquisitórios com a finalidade de apurar a verdade ou de obter a justa
composição do litígio são precisamente os factos instrumentais.
- Factos instrutórios:
O art. 265º/3 CPC, dispõe que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo
oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à
justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Os
factos sobre os quais o Tribunal possui poderes instrutórios são não só os
factos instrumentais alegados pelas partes ou investigados pelo Tribunal, como
os factos principais alegados pelas partes.
Da conjugação entre os poderes inquisitórios atribuídos pelo art. 264º/2
CPC, e os poderes instrutórios estabelecidos no art. 265º/3 CPC, resulta o
seguinte regime legal: os poderes inquisitórios respeitam exclusivamente aos
factos instrumentais (art. 264º/2 CPC); os poderes de instrução referem-se
tanto aos factos principais, como aos factos instrumentais, o Tribunal pode não
só investigá-los, com ordenar quanto a eles as actividades instrutórias que
sejam da sua iniciativa; pelo contrário, quanto aos factos principais, o Tribunal
não possui poderes inquisitórios, pelo que, relativamente a eles, só pode
ordenar as actividades oficiosas de instrução legalmente permitidas.
c) Ónus de alegação:
Segundo o estabelecido no art. 264º/1 CPC, cabe às partes alegar os
factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as
excepções: estes factos devem ser alegados nos articulados das partes (arts.
467º/1-c, 489º/1, 502º/1, 503º/1, 785º, 793º e 794º/1 CPC). Todavia, o art.
264º/1 CPC, não abarca a totalidade do ónus de alegações que deve ser
cumprido nos articulados. Este ónus não se restringe à indicação da causa de
pedir ou do fundamento da excepção, ou seja, aos factos essenciais: ele recai
sobre todos os factos necessários à procedência da acção ou da excepção, ou
seja, sobre os factos principais. Portanto, o art. 264º/1 CPC, refere-se apenas a
uma fracção do ónus de alegação que as partes devem cumprir nos seus
articulados.
Ao contrário dos factos principais – que são submetidos ao ónus de
alegação nos articulados –, os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados
numa função probatória e, por essa razão, não estão sujeitos a esse ónus.
Os factos instrumentais não estão submetidos a qualquer ónus de
alegação nos articulados. Aliás, como a alegação dos factos instrumentais é
uma actividade instrutória, esses factos, mesmo que sejam invocados nos
articulados, podem sempre ser alterados enquanto for possível requerer os
meios de prova (arts. 508º-A/2-a, 512º/1 e 787º CPC) ou alterar ou aditar o rol
de testemunhas (arts. 512º-A/1 e 787º CPC). Portanto, mesmo que a parte
invoque um facto instrumental no seu articulado, ela não está impedida de usar
qualquer outro facto na demonstração do respectivo facto principal.
- Preclusão:
A distinção entre factos essenciais, complementares e instrumentais é
relevante quanto a vários aspectos do tratamento da matéria de facto em
processo. É o que sucede quanto ao regime da sua preclusão: o art. 264º/2
CPC, mostra que podem ser considerados factos instrumentais não alegados
e, quanto aos factos complementares, é nítido que não existe em relação a
eles qualquer preclusão quando não sejam alegados nos articulados,
precisamente porque o art. 264º/3 CPC, permite a sua consideração quando
eles só sejam adquiridos durante a instrução e discussão da causa.
Os factos essenciais devem ser invocados nos articulados (art. 264º/1
CPC), mas importa referir que a sua omissão não implica necessariamente a
preclusão da sua alegação posterior.
Mais discutível é saber se a alegação de um facto essencial depois dos
articulados é possível mesmo que a parte tenha agido de má fé, ou seja, ainda
que a omissão da invocação desse facto tenha resultado de negligência grave
ou dolo da parte (art. 456º/2-b CPC). Parece impor-se uma resposta negativa
da questão, dado o disposto no lugar paralelo da alegação dos factos
supervenientes. Com efeito, se esses factos podem ser considerados se a sua
alegação não atempada não for culposa (art. 506º/4 CPC), isto é, se, quanto a
esses factos, só se admite uma invocação extemporânea desde que ela não
seja culposa, o mesmo há que concluir, por maioria de razão, quanto aos factos
essenciais. Assim, a alegação destes factos fora dos articulados só deve ser
aceite quando a parte não tenha agido com negligência grave ou dolo.
Portanto, a má fé da parte na omissão do facto essencial nos seus
articulados tem como consequência, além da sua condenação no pagamento
de uma multa e de uma indemnização à contraparte (art. 456º/1 CPC), a
inadmissibilidade da sua alegação posterior do facto. Neste caso, verifica-se
uma preclusão decorrente da má fé processual.
O art. 264º/3 CPC, demonstra que os factos complementares podem ser
adquiridos durante a instrução e discussão da causa, pelo que a omissão da
alegação desses factos nos articulados não implica qualquer preclusão.
Importa acentuar, no entanto, que o art. 264º/3 CPC, não concede qualquer
opção quanto ao momento da alegação desses factos, mas apenas a
oportunidade de sanar uma insuficiência na alegação da matéria de facto que
só foi detectada na instrução e discussão da causa.
Relativamente aos factos instrumentais, o problema da preclusão
equaciona-se de modo diverso. Estes factos não são nem constitutivos da
situação jurídica alegada pela parte, nem indispensáveis à procedência da
acção ou da excepção. A sua função é apenas a de servir de prova indiciária
dos factos principais, pelo que o momento da sua relevância processual não é
o da alegação da matéria de facto, mas o da apresentação ou requerimento
dos meios de prova: é neste momento que devem ser invocados os factos
instrumentais que se pretende demonstrar com esses meios de prova (arts.
552º/2, 577º/1, 612º, 633º e 789º CPC). Portanto, a preclusão da sua alegação
só ocorre quando não for possível indicar ou requerer os meios de prova
(quanto ao processo ordinário e sumário, arts. 508º-A/2-a, 512º/1 e 787º CPC)
ou alterar os que anteriormente foram apresentados ou requeridos (quanto aos
mesmos processos, arts. 512º-A/1 e 787º CPC).
13. Prevalência da decisão de mérito
O art. 265º/2 CPC, estabelece que o juiz providenciará, mesmo
oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais
susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à
regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação
subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los. Esta sanação
oficiosa das excepções dilatórias visa diminuir, tanto quanto possível, os casos
de absolvição da instância e favorecer, sempre que isso seja viável, a
apreciação do mérito. Segundo a doutrina tradicional, os pressupostos
processuais devem ser apreciados antes do julgamento do mérito da causa. Ou
seja, segundo esta orientação nunca é possível o proferimento de uma decisão
de mérito antes da averiguação do preenchimento de todos os pressupostos
processuais. Essa posição redunda, assim, num dogma da prioridade da
apreciação dos pressupostos processuais. Na valoração crítica deste dogma
devem ser consideradas duas situações. Uma primeira refere-se aos casos em
que o Tribunal, no momento em que conclui pelo não preenchimento de um
pressuposto processual, ainda não pode proferir qualquer decisão sobre o
mérito da causa por falta de elementos suficientes. Uma segunda situação
engloba aquelas hipóteses em que o Tribunal, no próprio momento em que
aprecia a falta de um pressuposto processual, está em condições de julgar a
acção procedente ou improcedente. Em geral, os pressupostos processuais
podem realizar uma de duas funções: esses pressupostos podem destinar-se
quer a assegurar o interesse público da boa administração da justiça, quer a
garantir o interesse público na boa administração de uma tutela adequada e
útil. A generalidade dos pressupostos processuais visa acautelar os interesses
das partes, ou seja, assegurar que a parte possa defender convenientemente
os seus interesses em juízo e não seja indevidamente incomodada com a
propositura de acções inúteis ou destituídas de objecto. É para estas situações
que o art. 288º/3, 2ª parte CPC, estipula que, ainda que a excepção dilatória
subsista, não deverá ser proferida a absolvição da instância quando,
destinando-se o pressuposto em falta a tutelar o interesse de uma das partes,
nenhum outro motivo obste, no momento da sua apreciação, a que se conheça
do mérito da causa e a decisão possa ser integralmente favorável a essa parte.
Segundo o disposto no art. 288º/3 (as excepções dilatórias só subsistem
enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º
2 do artigo 265.º; ainda que subsistam, não terá lugar a absolvição da instância
quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro
motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do
mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte)
CPC, o Tribunal pode pronunciar-se sobre o mérito da causa, ainda que se
verifique uma excepção dilatória sanável ou não sanável. A aplicação do art.
288º/3, 2ª parte CPC, pressupõe uma distinção entre pressupostos processuais
dispensáveis e não dispensáveis. O art. 288º/3 CPC, refere-se aos
pressupostos processuais e às excepções dilatórias, pelo que se pode
perguntar se um idêntico regime deve valer quanto aos pressupostos de actos
processuais. A resposta deve ser negativa, porque a consequência da falta do
pressuposto do acto processual é a ineficácia do acto e o Tribunal nunca pode
decidir como se o acto não fosse ineficaz.

O REGIME DO DIREITO PORTUGUÊS SOBRE A COMPETÊNCIA


INTERNACIONAL LEGAL

14. Função
As facilidades de deslocação de pessoas, bens e capitais potenciam o
surgimento de litígios que apresentam, através quer das partes interessadas,
quer do seu próprio objecto, conexões com várias ordens jurídicas. Quando
emerge um desses litígios plurilocalizados, coloca-se o problema de determinar
qual o Tribunal que, no âmbito das várias ordens jurídicas envolvidas, tem
competência para o dirimir. Esta selecção incumbe às regras sobre a
competência internacional directa, às quais cabe determinar, em cada uma das
jurisdições com as quais o litígio tem contacto, se os Tribunais de alguma delas
são competentes para resolver o conflito. Essas regras são, por isso,
verdadeiras normas de conflitos, semelhantes na função que desempenham às
regras próprias do Direito Internacional Privado.
As regras relativas à competência internacional utilizam certos elementos
de conexão para determinar a jurisdição nacional competente. Esses
elementos podem ser, por exemplo, o domicílio de uma das partes, o lugar de
cumprimento da obrigação ou o da ocorrência do facto ilícito. Coloca-se então
o problema de saber como se procede à qualificação desses elementos de
conexão, sendo duas as orientações possíveis: de acordo com uma delas,
esses elementos são qualificados pela lex cause, ou seja, por uma lei que é
determinada pelas normas de conflitos de foro.
As regras sobre competência internacional não são, consideradas em si
mesmas, normas de competência, porque não se destinam a aferir qual o
Tribunal concretamente para apreciar o litígio, mas apenas a definir a jurisdição
na qual se determinará, então com o recurso a verdadeiras regras de
competência, qual o Tribunal competente para essa apreciação. Dada esta
função, as normas de competência internacional podem ser designadas por
normas de recepção, pois que visam somente facultar o julgamento de um
certo litígio plurilocalizado pelos Tribunais de uma jurisdição nacional. É esta a
estrutura da generalidade dos critérios que constam do art. 65º/1 CPC, e de
muitas das regras contidas nos arts. 2º a 24º Convenção de Bruxelas e da
Convenção de Lugano.

15. Limites
Para orientar a escolha da jurisdição competente para resolver o conflito
plurilocalizado não existem na comunidade internacional regras fixas e, menos
ainda, uniformes. Apenas se pode esperar que, cada Estado actue de tal forma
que os critérios definidores da sua competência internacional possam valer
simultaneamente como princípios de uma legislação universal. Quer isto dizer
que cada Estado pode determinar quais os elementos de conexão que
considera relevantes para abrir a sua jurisdição ao julgamento de litígios
plurilocalizados. Esses elementos podem ser escolhidos pela lei do Estado,
mas também é frequente que se reconheça relevância à vontade das partes
nesta matéria: é esse o caso da competência internacional convencional (art.
99; art. 17º Convenção de Bruxelas e da Convenção de Lugano).

QUESTÕES RELATIVAS À COMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

16. Normas de recepção


As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos
de conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos
Tribunais do foro para o conhecimento de uma certa questão. As normas de
conflitos que definem as condições em que os Tribunais do foro são
competentes para a apreciação de um objecto que apresenta uma conexão
com várias ordens jurídicas podem designar-se por normas de recepção. É
essa a função dos vários critérios enunciados no art. 65º/1 CPC (A
competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de
alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo
tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo
sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de
competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de
pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de
acção proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua
propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem
jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou
real).
Estas normas de recepção definem a competência internacional dos
Tribunais de uma certa ordem jurídica. Elas decorrem tanto da regra segundo a
qual, quando, o caso em apreciação apresenta uma conexão relevante com
uma ordem jurídica, os seus Tribunais devem ser competentes para a acção,
como do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os
Tribunais daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois que
isso pode equivaler a uma denegação de justiça. Note-se que a conexão com
uma certa ordem jurídica pode ser mais fraca do que aquela que determina a
aplicação do direito nacional ao caso sub iudice, porque não há qualquer
paralelismo necessário entre a atribuição da competência internacional e a
aplicação da lei material do foro.
A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no
seguinte: a competência interna respeita às situações que, na perspectiva da
ordem jurídica portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com
outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que
apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.
As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que
os Tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma
relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque
não a atribuem a um Tribunal, antes se limitam a determinar as condições em
que uma jurisdição nacional faculta os seus Tribunais para a resolução de um
certo litígio com elementos internacionais. As normas de recepção preenchem,
no âmbito processual, uma função paralela àquela que as normas de conflitos
realizam no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma
relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas
aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma
certa ordem jurídica.
a) Necessidade:
Nem sempre a circunstância de a questão em apreciação se situar no
âmbito da competência internacional (porque o objecto em apreciação é uma
relação jurídica plurilocalizada) implica a utilização dos critérios específicos da
competência internacional para a atribuição de competência aos Tribunais de
uma certa ordem jurídica. Para que haja necessidade de aferir a competência
internacional dos Tribunais de um certo Estado, é indispensável que se
verifique um de dois factores: que a conexão com a ordem jurídica nacional
seja estabelecida através de um elemento que não é considerado relevante por
nenhuma das normas da competência territorial e que, portanto, não possa ser
atribuída competência aos Tribunais de um certo Estado utilizando
exclusivamente as regras de competência territorial dos seus Tribunais; ou que
o Estado do foro esteja vinculado, por convenção internacional, a certas regras
de competência internacional.
b) Unilateralidade:
As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas
normas se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de
uma certa questão. Ou seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais
de uma ordem jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a
apreciação dessa mesma questão por um Tribunal estrangeiro.
c) Previsão:
Quando a acção apresenta uma conexão objectiva, relativa ao objecto do
processo, ou subjectiva, referida às partes em causa, com uma ou várias
ordens jurídicas estrangeiras, pode ser necessário determinar a competência
internacional dos Tribunais portugueses. Essa aferição deve restringir-se às
situações em que os Tribunais portugueses não são competentes segundo as
regras da competência interna, pois que, como se verificou, só importa
averiguar a competência internacional quando os Tribunais de uma certa ordem
jurídica não sejam competentes para apreciar uma relação jurídica
plurilocalizada segundo as suas regras de competência territorial. Essa é a
função dos critérios constantes do art. 65º/1 CPC.
A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é
determinada, segundo uma ordem decrescente de aplicação pratica, pelos
critérios da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), do domicílio do réu (art. 65º/1-a
CPC), da causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).

17. Critério da exclusividade


Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em
Portugal quando os Tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes
para a apreciação da causa (arts. 65º/1-b, 65º-A CPC). A competência
internacional resulta, assim, da coincidência com as regras de competência
exclusiva constantes do art. 65º-A CPC.
Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados
interesses através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania.
Nesse sentido, ela é semelhante à reserva de ordem pública do Estado do
reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f
CPC).
O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses
para as seguintes situações:
a) No caso de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre
bens imóveis sitos em território português;
b) Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência,
relativamente a pessoas domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas
ou sociedades cuja sede esteja situada em território português;
c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo
ou ao decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades
que tenham a sua sede em território português, bem como para as
destinadas a apreciar a validade das deliberações dos respectivos órgãos;
d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da
validade da inscrição em registos públicos de quaisquer direitos sujeitos a
registo em Portugal.
A relevância prática da competência exclusiva dos Tribunais portugueses
reside no seguinte: como, nessa hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a
competência de nenhuma outra jurisdição para apreciar a acção, nenhuma
decisão proferida numa jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão
proferida numa jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou
se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa.
Uma sentença proferida por um Tribunal estrangeiro não é, em princípio,
imediatamente eficaz na ordem jurídica portuguesa; para que se lhe conceda
essa eficácia é necessária a sua revisão e confirmação, nos termos e nas
condições do correspondente processo de revisão de sentenças estrangeiras
(arts. 1094º a 1102º CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados pelo art.
1096º CPC, para a concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que
essa decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português (que é uma das
Relações, art. 1095º CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda
a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

18. Critério do domicílio do réu


Segundo o critério do domicílio do réu, a acção pode ser proposta nos
Tribunais portugueses quando o réu ou algum dos réus tenha domicílio em
território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou
pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).
Como a competência internacional só deve ser apreciada se da aplicação
das regras da competência territorial não resultar a atribuição de competência a
um Tribunal português, o critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC)
só pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses não forem competentes
segundo aquelas regras.
Os critérios territoriais podem ser especiais (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou
gerais (arts. 85º a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts.
85º/1, 86º/2 CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for
aplicável o critério territorial geral e se da sua aplicação resultar a atribuição de
competência a um Tribunal português, está determinado, sem necessidade de
aplicação do critério do domicílio do réu, o Tribunal que é territorial e
internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a aplicação desse critério
de competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu
não tem domicílio em Portugal), essa competência também nunca poderá
resultar do critério de competência internacional do domicílio do demandado
(art. 65º/1-a CPC).
Quando a causa se inclui no âmbito do critério territorial geral, a
competência internacional nunca pode ser determinada pelo critério do
domicílio do demandado, seja porque aplicação daquele critério territorial torna
dispensável a aferição da competência internacional, seja porque, quando é
impossível empregar o critério territorial, também é impossível aplicar aquele
critério de competência internacional.
Se o objecto da acção fizer funcionar um dos critérios territoriais especiais,
também aqui são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses
critérios resulta a atribuição de competência a um Tribunal português, não
importa averiguar a competência internacional deste Tribunal segundo nenhum
dos critérios enunciados no art. 65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação
concreta for aplicável um critério especial, mas da sua aplicação não resultar a
atribuição de competência a um Tribunal português, justifica-se aferir a
competência internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio
do demandado (art. 65º/1-a CPC).
O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art.
65º/1-a CPC) nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio
do réu e também não pode ser aplicado quando um critério territorial especial
atribua competência a um Tribunal português. Em conclusão: o critério de
domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso
concreto for aplicável um critério territorial especial e da aplicação deste não
resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como limite à
determinação da competência segundo o critério do domicílio do demandado
não pode operar no âmbito de aplicação material das Convenção de Bruxelas e
de Convenção de Lugano: nesta situação, a única competência exclusiva
relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas
e de Convenção de Lugano.
O art. 65º/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicação do critério do
domicílio do demandado, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa
colectiva cuja a sede estatutária ou efectiva se localize em território português
ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação.

19. Critério da causalidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos
que a constituem, tiver sido praticado em território português (art. 65º/1-c CPC).
Assim, por exemplo, os Tribunais portugueses são internacionalmente
competentes quando, apesar de o facto ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte
dos danos se produziram em Portugal (RC – 23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o
contrato de seguro foi celebrado em território português (Assentos/Supremo
Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).

20. Critério da necessidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa
conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida
em acção proposta nos Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse
critério procura-se obstar à denegação de justiça decorrente da impossibilidade
de encontrar um Tribunal competente para a apreciação da acção: verifica-se
então um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.
O critério da necessidade abarca não só a impossibilidade jurídica, por
inexistência de Tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de
competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele
apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática,
derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição
competente.

21. Tribunal territorialmente competente


Para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os
Tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo o critério
da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações
previstas no art. 65º-A. Exceptua-se desta análise a hipóteses prevista no art.
65º-A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art.
16º/1 Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível
de ser usado quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial
especial (arts. 73º a 84º e 89º CPC) e da aplicação deste não resultar a
atribuição de competência a um Tribunal português.
Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo
critério da causalidade ou da necessidade, também há que averiguar qual dos
Tribunais portugueses é o territorialmente competente. Para a determinação
deste Tribunal só podem ser utilizados critérios aos quais não possa ser
concedida a dupla funcionalidade característica das normas sobre a
competência territorial, porque, de outro modo, a competência internacional dos
Tribunais portugueses já teria decorrido dessa competência territorial. Está
nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país
estrangeiro, será demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se
encontrando em território português, será demandado no do domicílio do autor,
e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será competente para a
causa o tribunal de Lisboa) CPC.
Assim, se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro mas se
encontrar em território português, é territorialmente competente o Tribunal do
local em que se encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do
autor (art. 85º/3, 2ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português e se o autor também tiver domicílio em território
estrangeiro, é territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in
fine CPC).
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

22. Pactos de competência


A competência interna é determinada através de um pacto de competência
(pactum de foro prorrogando). Em regra, o pacto de competência refere-se a
uma questão que não apresenta qualquer conexão com outras ordens
jurídicas, mas isto não significa que não haja pactos de competência referidos
a relações jurídicas plurilocalizadas.
O pacto de competência só pode incidir sobre a competência em razão do
valor e do território (art. 100º/1 CPC).
O pacto de competência só é válido se acompanhar a forma de contrato
substantivo, se este for normal, ou se tiver a forma escrita, se aquele for
consensual (art. 100º/2 CPC). Mas considera-se reduzido a escrito o acordo
constante de documentos assinados pelas partes ou o resultante de troca de
cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova
escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles
conste uma cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja
contido (arts. 110º/2, 1ª parte, e 99º/4 CPC). Além disso, o pacto de
competência deve designar as questões submetidas à apreciação do Tribunal e
o critério de determinação do Tribunal ao qual é atribuída a competência (art.
100º/2, 2ª parte CPC).
O pacto de competência contém implicitamente uma renúncia antecipada –
isto é, anterior à propositura da acção – à arguição da excepção de
incompetência relativa (art. 108º CPC), pois que é atribuída competência
territorial a um Tribunal que, sem esse contrato processual, não seria
competente. Essa renúncia exige, como requisito ad substantiam, a forma
escrita (art. 100º/2, 1ª parte CPC), pois que condiciona as possibilidades de
defesa do réu na acção proposta naquele Tribunal e, concretamente, exclui a
invocação da excepção de incompetência relativa.
A competência convencional interna é vinculada para as partes (art. 100º/3
CPC), pelo que a sua infracção determina a incompetência relativa do Tribunal
onde a acção foi indevidamente proposta (art. 108º CPC).

23. Pactos de jurisdição


A competência convencional internacional pode ser determinada através de
um pacto de jurisdição (art. 99º/1 CPC). Esse pacto pode ser, quando
considerado pela perspectiva da ordem jurídica portuguesa, atributivo ou
privativo.
O pacto é atributivo, quando concede competência a um Tribunal ou a
vários Tribunais portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou
exclusiva.
O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais
portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art.
99º/2 CPC).
Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em
relação à ordem jurídica portuguesa, a validade de um desses pactos não é
vinculativa para os Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras.
O pacto de jurisdição só pode incidir sobre situações subjectivas
disponíveis (art. 99º/3-a CPC). Esta condição é suficiente para possibilitar a
celebração de um pacto de jurisdição sobre a generalidade das situações
patrimoniais.
O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de
ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva
inconveniente grave para a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se
essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.
O pacto de jurisdição não pode ofender a competência exclusiva dos
Tribunais portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta competência, art. 65º-A
CPC, isto é, o pacto não pode privar os Tribunais portugueses da sua
competência exclusiva.
Se as partes, através de uma convenção de arbitragem (art. 1º Lei da
Arbitragem Voluntária – lei 31/86, de 29/8), atribuírem competência para o
julgamento de certo litígio ou questão emergente de uma relação jurídica
plurilocalizada a um Tribunal Arbitral (funcionando em território português ou no
estrangeiro), é igualmente aplicável a esse negócio o requisito respeitante à
observância da competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-d
CPC).
O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art.
99º/3-e in fine CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à
ordem jurídica de uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser
feita directamente: nesta eventualidade, as partes indicam um Tribunal
específico. Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente
através de uma remissão para o Tribunal que for competente segundo as
regras de competência vigentes na jurisdição designada: nessa hipótese, as
partes designam globalmente os Tribunais de uma jurisdição.
O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou
confirmado por escrito (art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se
reduzido a escrito o acordo que consta de documentos assinados pelas partes
ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de
comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham
directamente o acordo, quer deles conste uma cláusula que remeta para algum
documento que o contenha (art. 99º/4 CPC).
Como a incompetência absoluta decorrente da infracção das regras da
competência internacional é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia
oficiosamente (arts. 102º/1, 494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração
tácita de um pacto atributivo de jurisdição pela preclusão da invocação daquela
excepção num processo pendente.

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar
determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos
da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para
essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência
jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição
de Tribunal Arbitral.
25. Incompetência absoluta
Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência
em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência
internacional, salvo quando haja mera violação dum pacto privativo de
jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal) CPC, a
incompetência absoluta provém da infracção das regras da competência
internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC) e da competência interna material
(arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e
hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A incompetência absoluta referida no art.
101º CPC, é, naturalmente, apenas aquela que se verifica no âmbito do
processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a
relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do
art. 65º. A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num
Tribunal de 1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou
vice-versa. Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no
Tribunal comum de uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da
instauração de uma acção num Tribunal de competência especializada
incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material
decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial
quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho
saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2
CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta
num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser
arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito
em julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência
absoluta deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1,
234º-A/1 CPC). O conhecimento oficioso da incompetência absoluta é
realizado, em regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de
citação determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-
A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz
à absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).

26. Incompetência relativa


O art. 108º (A infracção das regras de competência fundadas no valor da
causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou
decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º,
determina a incompetência relativa do tribunal) CPC, enuncia as situações que
originam a incompetência relativa: esta incompetência resulta da infracção das
regras da competência fundadas no valor da causa (art. 68º CPC; arts. 47º e 49
LOTJ), na forma do processo aplicável (art. 68º CPC; art. 48 LOTJ), na divisão
judicial do território (arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de
competência ou de jurisdição (arts. 99º e 100º CPC).
Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-
se não só na competência interna, quando são infringidas as regras que
definem, de entre os vários Tribunais, qual o territorialmente competente, mas
também na competência internacional.
Perante os Tribunais portugueses apenas pode relevar, quanto à
competência internacional directa, a infracção de um pacto privativo de
jurisdição. Esta violação verifica-se quando, apesar de as partes terem
estipulado a competência exclusiva de um Tribunal estrangeiro para apreciar
certa questão, a acção vem a ser proposta num Tribunal português.
Confirmando a disponibilidade das partes sobre a competência relativa (art.
100º CPC), a correspondente incompetência não é, em princípio, de
conhecimento oficioso (art. 495º CPC). Neste caso, a incompetência pode ser
arguida pelo réu no prazo de contestação (art. 109º/1; arts. 486º/1, 783º, 794º/1
CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, não havendo
lugar a este, em articulado próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à
notificação da entrega do articulado do réu (art. 109º/2 CPC). Conjuntamente
com a alegação da incompetência relativa, as partes devem apresentar as
respectivas provas (art. 109º/3 CPC). Produzidas estas, o Tribunal decide qual
é o Tribunal competente para a acção (art. 111º/1 CPC).
São várias as situações em que a incompetência relativa é de
conhecimento oficioso. É o que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas
acções relativas a direitos reais sobre imóveis, a responsabilidade civil extra-
contratual e naquelas em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certas partes,
nos processos de recuperação da empresa e de falência, nos procedimentos
cautelares e diligências antecipadas, na determinação do Tribunal ad quem,
bem como na acção executiva fundada em sentença proferida por Tribunais
portugueses e nas acções executivas para a entrega de coisa certa ou por
dívida com garantia real.
A incompetência relativa também é de conhecimento oficioso quando
decorra da infracção das regras da competência respeitantes à forma do
processo ou do valor da causa (art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts.
48º e 49º LOTJ. Como a competência em razão do valor da causa (art. 49º
LOTJ) se reflecte na competência do Tribunal de círculo (art. 81º LOTJ) e do
Tribunal singular (art. 83º LOTJ), o art. 110º/2 (a incompetência em razão do
valor da causa ou da forma de processo aplicável é sempre do conhecimento
oficioso do tribunal, seja qual for a acção em que se suscite) CPC, engloba
igualmente a violação da competência destes Tribunais.
Finalmente, a incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos
processos em que não se verifique a citação do demandado ou requerido (art.
110º/1-b CPC), ou seja, nos processos que não constam da lista do art. 234º/4
CPC, e nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro
processo (art. 110º/1-c CPC), como sucede, por exemplo, com o incidente de
habilitação (art. 372º/2 CPC).
A decisão de procedência sobre a incompetência relativa determina, em
regra, a remessa do processo para o Tribunal competente (art. 111º/3 CPC).
Exceptua-se a hipótese de a incompetência resultar da violação de um pacto
privativo de jurisdição, dado que o Tribunal português não pode enviar o
processo para o Tribunal estrangeiro competente: neste caso, a consequência
desta excepção dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição
do réu da instância (art. 111º/3 in fine CPC).

27. Preterição de Tribunal Arbitral


A preterição de Tribunal Arbitral resulta da infracção da competência de um
Tribunal Arbitral que tem competência exclusiva para apreciar um determinado
objecto. A preterição pode verificar-se quando um Tribunal Arbitral necessário,
quando for proposta num Tribunal comum uma acção que pertence à
competência de um Tribunal Arbitral imposto por lei (art. 1525º - se o
julgamento Arbitral for prescrito por lei especial, atender-se-á ao que nesta
estiver determinado. Na falta de determinação, observar-se-á o disposto nos
artigos seguintes – CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntário, quando
for instaurada num Tribunal comum uma acção que devia ter sido proposta
num Tribunal Arbitral convencionado pelas partes (art. 1º LAV).

QUESTÕES RELATIVAS À COMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

16. Normas de recepção


As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos
de conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos
Tribunais do foro para o conhecimento de uma certa questão. As normas de
conflitos que definem as condições em que os Tribunais do foro são
competentes para a apreciação de um objecto que apresenta uma conexão
com várias ordens jurídicas podem designar-se por normas de recepção. É
essa a função dos vários critérios enunciados no art. 65º/1 CPC (A
competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de
alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo
tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo
sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de
competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de
pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de
acção proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua
propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem
jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou
real).
Estas normas de recepção definem a competência internacional dos
Tribunais de uma certa ordem jurídica. Elas decorrem tanto da regra segundo a
qual, quando, o caso em apreciação apresenta uma conexão relevante com
uma ordem jurídica, os seus Tribunais devem ser competentes para a acção,
como do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os
Tribunais daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois que
isso pode equivaler a uma denegação de justiça. Note-se que a conexão com
uma certa ordem jurídica pode ser mais fraca do que aquela que determina a
aplicação do direito nacional ao caso sub iudice, porque não há qualquer
paralelismo necessário entre a atribuição da competência internacional e a
aplicação da lei material do foro.
A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no
seguinte: a competência interna respeita às situações que, na perspectiva da
ordem jurídica portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com
outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que
apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.
As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que
os Tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma
relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque
não a atribuem a um Tribunal, antes se limitam a determinar as condições em
que uma jurisdição nacional faculta os seus Tribunais para a resolução de um
certo litígio com elementos internacionais. As normas de recepção preenchem,
no âmbito processual, uma função paralela àquela que as normas de conflitos
realizam no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma
relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas
aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma
certa ordem jurídica.
a) Necessidade:
Nem sempre a circunstância de a questão em apreciação se situar no
âmbito da competência internacional (porque o objecto em apreciação é uma
relação jurídica plurilocalizada) implica a utilização dos critérios específicos da
competência internacional para a atribuição de competência aos Tribunais de
uma certa ordem jurídica. Para que haja necessidade de aferir a competência
internacional dos Tribunais de um certo Estado, é indispensável que se
verifique um de dois factores: que a conexão com a ordem jurídica nacional
seja estabelecida através de um elemento que não é considerado relevante por
nenhuma das normas da competência territorial e que, portanto, não possa ser
atribuída competência aos Tribunais de um certo Estado utilizando
exclusivamente as regras de competência territorial dos seus Tribunais; ou que
o Estado do foro esteja vinculado, por convenção internacional, a certas regras
de competência internacional.
b) Unilateralidade:
As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas
normas se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de
uma certa questão. Ou seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais
de uma ordem jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a
apreciação dessa mesma questão por um Tribunal estrangeiro.
c) Previsão:
Quando a acção apresenta uma conexão objectiva, relativa ao objecto do
processo, ou subjectiva, referida às partes em causa, com uma ou várias
ordens jurídicas estrangeiras, pode ser necessário determinar a competência
internacional dos Tribunais portugueses. Essa aferição deve restringir-se às
situações em que os Tribunais portugueses não são competentes segundo as
regras da competência interna, pois que, como se verificou, só importa
averiguar a competência internacional quando os Tribunais de uma certa ordem
jurídica não sejam competentes para apreciar uma relação jurídica
plurilocalizada segundo as suas regras de competência territorial. Essa é a
função dos critérios constantes do art. 65º/1 CPC.
A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é
determinada, segundo uma ordem decrescente de aplicação pratica, pelos
critérios da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), do domicílio do réu (art. 65º/1-a
CPC), da causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).

17. Critério da exclusividade


Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em
Portugal quando os Tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes
para a apreciação da causa (arts. 65º/1-b, 65º-A CPC). A competência
internacional resulta, assim, da coincidência com as regras de competência
exclusiva constantes do art. 65º-A CPC.
Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados
interesses através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania.
Nesse sentido, ela é semelhante à reserva de ordem pública do Estado do
reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f
CPC).
O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses
para as seguintes situações:
a) No caso de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre
bens imóveis sitos em território português;
b) Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência,
relativamente a pessoas domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas
ou sociedades cuja sede esteja situada em território português;
c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo
ou ao decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades
que tenham a sua sede em território português, bem como para as
destinadas a apreciar a validade das deliberações dos respectivos órgãos;
d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da
validade da inscrição em registos públicos de quaisquer direitos sujeitos a
registo em Portugal.
A relevância prática da competência exclusiva dos Tribunais portugueses
reside no seguinte: como, nessa hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a
competência de nenhuma outra jurisdição para apreciar a acção, nenhuma
decisão proferida numa jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão
proferida numa jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou
se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa.
Uma sentença proferida por um Tribunal estrangeiro não é, em princípio,
imediatamente eficaz na ordem jurídica portuguesa; para que se lhe conceda
essa eficácia é necessária a sua revisão e confirmação, nos termos e nas
condições do correspondente processo de revisão de sentenças estrangeiras
(arts. 1094º a 1102º CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados pelo art.
1096º CPC, para a concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que
essa decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português (que é uma das
Relações, art. 1095º CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda
a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

18. Critério do domicílio do réu


Segundo o critério do domicílio do réu, a acção pode ser proposta nos
Tribunais portugueses quando o réu ou algum dos réus tenha domicílio em
território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou
pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).
Como a competência internacional só deve ser apreciada se da aplicação
das regras da competência territorial não resultar a atribuição de competência a
um Tribunal português, o critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC)
só pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses não forem competentes
segundo aquelas regras.
Os critérios territoriais podem ser especiais (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou
gerais (arts. 85º a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts.
85º/1, 86º/2 CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for
aplicável o critério territorial geral e se da sua aplicação resultar a atribuição de
competência a um Tribunal português, está determinado, sem necessidade de
aplicação do critério do domicílio do réu, o Tribunal que é territorial e
internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a aplicação desse critério
de competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu
não tem domicílio em Portugal), essa competência também nunca poderá
resultar do critério de competência internacional do domicílio do demandado
(art. 65º/1-a CPC).
Quando a causa se inclui no âmbito do critério territorial geral, a
competência internacional nunca pode ser determinada pelo critério do
domicílio do demandado, seja porque aplicação daquele critério territorial torna
dispensável a aferição da competência internacional, seja porque, quando é
impossível empregar o critério territorial, também é impossível aplicar aquele
critério de competência internacional.
Se o objecto da acção fizer funcionar um dos critérios territoriais especiais,
também aqui são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses
critérios resulta a atribuição de competência a um Tribunal português, não
importa averiguar a competência internacional deste Tribunal segundo nenhum
dos critérios enunciados no art. 65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação
concreta for aplicável um critério especial, mas da sua aplicação não resultar a
atribuição de competência a um Tribunal português, justifica-se aferir a
competência internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio
do demandado (art. 65º/1-a CPC).
O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art.
65º/1-a CPC) nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio
do réu e também não pode ser aplicado quando um critério territorial especial
atribua competência a um Tribunal português. Em conclusão: o critério de
domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso
concreto for aplicável um critério territorial especial e da aplicação deste não
resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como limite à
determinação da competência segundo o critério do domicílio do demandado
não pode operar no âmbito de aplicação material das Convenção de Bruxelas e
de Convenção de Lugano: nesta situação, a única competência exclusiva
relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas
e de Convenção de Lugano.
O art. 65º/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicação do critério do
domicílio do demandado, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa
colectiva cuja a sede estatutária ou efectiva se localize em território português
ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação.

19. Critério da causalidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos
que a constituem, tiver sido praticado em território português (art. 65º/1-c CPC).
Assim, por exemplo, os Tribunais portugueses são internacionalmente
competentes quando, apesar de o facto ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte
dos danos se produziram em Portugal (RC – 23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o
contrato de seguro foi celebrado em território português (Assentos/Supremo
Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).

20. Critério da necessidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa
conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida
em acção proposta nos Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse
critério procura-se obstar à denegação de justiça decorrente da impossibilidade
de encontrar um Tribunal competente para a apreciação da acção: verifica-se
então um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.
O critério da necessidade abarca não só a impossibilidade jurídica, por
inexistência de Tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de
competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele
apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática,
derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição
competente.

21. Tribunal territorialmente competente


Para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os
Tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo o critério
da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações
previstas no art. 65º-A. Exceptua-se desta análise a hipóteses prevista no art.
65º-A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art.
16º/1 Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível
de ser usado quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial
especial (arts. 73º a 84º e 89º CPC) e da aplicação deste não resultar a
atribuição de competência a um Tribunal português.
Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo
critério da causalidade ou da necessidade, também há que averiguar qual dos
Tribunais portugueses é o territorialmente competente. Para a determinação
deste Tribunal só podem ser utilizados critérios aos quais não possa ser
concedida a dupla funcionalidade característica das normas sobre a
competência territorial, porque, de outro modo, a competência internacional dos
Tribunais portugueses já teria decorrido dessa competência territorial. Está
nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país
estrangeiro, será demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se
encontrando em território português, será demandado no do domicílio do autor,
e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será competente para a
causa o tribunal de Lisboa) CPC.
Assim, se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro mas se
encontrar em território português, é territorialmente competente o Tribunal do
local em que se encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do
autor (art. 85º/3, 2ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português e se o autor também tiver domicílio em território
estrangeiro, é territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in
fine CPC).
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

22. Pactos de competência


A competência interna é determinada através de um pacto de competência
(pactum de foro prorrogando). Em regra, o pacto de competência refere-se a
uma questão que não apresenta qualquer conexão com outras ordens
jurídicas, mas isto não significa que não haja pactos de competência referidos
a relações jurídicas plurilocalizadas.
O pacto de competência só pode incidir sobre a competência em razão do
valor e do território (art. 100º/1 CPC).
O pacto de competência só é válido se acompanhar a forma de contrato
substantivo, se este for normal, ou se tiver a forma escrita, se aquele for
consensual (art. 100º/2 CPC). Mas considera-se reduzido a escrito o acordo
constante de documentos assinados pelas partes ou o resultante de troca de
cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova
escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles
conste uma cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja
contido (arts. 110º/2, 1ª parte, e 99º/4 CPC). Além disso, o pacto de
competência deve designar as questões submetidas à apreciação do Tribunal e
o critério de determinação do Tribunal ao qual é atribuída a competência (art.
100º/2, 2ª parte CPC).
O pacto de competência contém implicitamente uma renúncia antecipada –
isto é, anterior à propositura da acção – à arguição da excepção de
incompetência relativa (art. 108º CPC), pois que é atribuída competência
territorial a um Tribunal que, sem esse contrato processual, não seria
competente. Essa renúncia exige, como requisito ad substantiam, a forma
escrita (art. 100º/2, 1ª parte CPC), pois que condiciona as possibilidades de
defesa do réu na acção proposta naquele Tribunal e, concretamente, exclui a
invocação da excepção de incompetência relativa.
A competência convencional interna é vinculada para as partes (art. 100º/3
CPC), pelo que a sua infracção determina a incompetência relativa do Tribunal
onde a acção foi indevidamente proposta (art. 108º CPC).

23. Pactos de jurisdição


A competência convencional internacional pode ser determinada através de
um pacto de jurisdição (art. 99º/1 CPC). Esse pacto pode ser, quando
considerado pela perspectiva da ordem jurídica portuguesa, atributivo ou
privativo.
O pacto é atributivo, quando concede competência a um Tribunal ou a
vários Tribunais portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou
exclusiva.
O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais
portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art.
99º/2 CPC).
Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em
relação à ordem jurídica portuguesa, a validade de um desses pactos não é
vinculativa para os Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras.
O pacto de jurisdição só pode incidir sobre situações subjectivas
disponíveis (art. 99º/3-a CPC). Esta condição é suficiente para possibilitar a
celebração de um pacto de jurisdição sobre a generalidade das situações
patrimoniais.
O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de
ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva
inconveniente grave para a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se
essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.
O pacto de jurisdição não pode ofender a competência exclusiva dos
Tribunais portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta competência, art. 65º-A
CPC, isto é, o pacto não pode privar os Tribunais portugueses da sua
competência exclusiva.
Se as partes, através de uma convenção de arbitragem (art. 1º Lei da
Arbitragem Voluntária – lei 31/86, de 29/8), atribuírem competência para o
julgamento de certo litígio ou questão emergente de uma relação jurídica
plurilocalizada a um Tribunal Arbitral (funcionando em território português ou no
estrangeiro), é igualmente aplicável a esse negócio o requisito respeitante à
observância da competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-d
CPC).
O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art.
99º/3-e in fine CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à
ordem jurídica de uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser
feita directamente: nesta eventualidade, as partes indicam um Tribunal
específico. Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente
através de uma remissão para o Tribunal que for competente segundo as
regras de competência vigentes na jurisdição designada: nessa hipótese, as
partes designam globalmente os Tribunais de uma jurisdição.
O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou
confirmado por escrito (art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se
reduzido a escrito o acordo que consta de documentos assinados pelas partes
ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de
comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham
directamente o acordo, quer deles conste uma cláusula que remeta para algum
documento que o contenha (art. 99º/4 CPC).
Como a incompetência absoluta decorrente da infracção das regras da
competência internacional é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia
oficiosamente (arts. 102º/1, 494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração
tácita de um pacto atributivo de jurisdição pela preclusão da invocação daquela
excepção num processo pendente.

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar
determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos
da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para
essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência
jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição
de Tribunal Arbitral.
25. Incompetência absoluta
Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência
em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência
internacional, salvo quando haja mera violação dum pacto privativo de
jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal) CPC, a
incompetência absoluta provém da infracção das regras da competência
internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC) e da competência interna material
(arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e
hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A incompetência absoluta referida no art.
101º CPC, é, naturalmente, apenas aquela que se verifica no âmbito do
processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a
relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do
art. 65º. A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num
Tribunal de 1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou
vice-versa. Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no
Tribunal comum de uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da
instauração de uma acção num Tribunal de competência especializada
incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material
decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial
quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho
saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2
CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta
num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser
arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito
em julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência
absoluta deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1,
234º-A/1 CPC). O conhecimento oficioso da incompetência absoluta é
realizado, em regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de
citação determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-
A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz
à absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).

26. Incompetência relativa


O art. 108º (A infracção das regras de competência fundadas no valor da
causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou
decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º,
determina a incompetência relativa do tribunal) CPC, enuncia as situações que
originam a incompetência relativa: esta incompetência resulta da infracção das
regras da competência fundadas no valor da causa (art. 68º CPC; arts. 47º e 49
LOTJ), na forma do processo aplicável (art. 68º CPC; art. 48 LOTJ), na divisão
judicial do território (arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de
competência ou de jurisdição (arts. 99º e 100º CPC).
Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-
se não só na competência interna, quando são infringidas as regras que
definem, de entre os vários Tribunais, qual o territorialmente competente, mas
também na competência internacional.
Perante os Tribunais portugueses apenas pode relevar, quanto à
competência internacional directa, a infracção de um pacto privativo de
jurisdição. Esta violação verifica-se quando, apesar de as partes terem
estipulado a competência exclusiva de um Tribunal estrangeiro para apreciar
certa questão, a acção vem a ser proposta num Tribunal português.
Confirmando a disponibilidade das partes sobre a competência relativa (art.
100º CPC), a correspondente incompetência não é, em princípio, de
conhecimento oficioso (art. 495º CPC). Neste caso, a incompetência pode ser
arguida pelo réu no prazo de contestação (art. 109º/1; arts. 486º/1, 783º, 794º/1
CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, não havendo
lugar a este, em articulado próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à
notificação da entrega do articulado do réu (art. 109º/2 CPC). Conjuntamente
com a alegação da incompetência relativa, as partes devem apresentar as
respectivas provas (art. 109º/3 CPC). Produzidas estas, o Tribunal decide qual
é o Tribunal competente para a acção (art. 111º/1 CPC).
São várias as situações em que a incompetência relativa é de
conhecimento oficioso. É o que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas
acções relativas a direitos reais sobre imóveis, a responsabilidade civil extra-
contratual e naquelas em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certas partes,
nos processos de recuperação da empresa e de falência, nos procedimentos
cautelares e diligências antecipadas, na determinação do Tribunal ad quem,
bem como na acção executiva fundada em sentença proferida por Tribunais
portugueses e nas acções executivas para a entrega de coisa certa ou por
dívida com garantia real.
A incompetência relativa também é de conhecimento oficioso quando
decorra da infracção das regras da competência respeitantes à forma do
processo ou do valor da causa (art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts.
48º e 49º LOTJ. Como a competência em razão do valor da causa (art. 49º
LOTJ) se reflecte na competência do Tribunal de círculo (art. 81º LOTJ) e do
Tribunal singular (art. 83º LOTJ), o art. 110º/2 (a incompetência em razão do
valor da causa ou da forma de processo aplicável é sempre do conhecimento
oficioso do tribunal, seja qual for a acção em que se suscite) CPC, engloba
igualmente a violação da competência destes Tribunais.
Finalmente, a incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos
processos em que não se verifique a citação do demandado ou requerido (art.
110º/1-b CPC), ou seja, nos processos que não constam da lista do art. 234º/4
CPC, e nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro
processo (art. 110º/1-c CPC), como sucede, por exemplo, com o incidente de
habilitação (art. 372º/2 CPC).
A decisão de procedência sobre a incompetência relativa determina, em
regra, a remessa do processo para o Tribunal competente (art. 111º/3 CPC).
Exceptua-se a hipótese de a incompetência resultar da violação de um pacto
privativo de jurisdição, dado que o Tribunal português não pode enviar o
processo para o Tribunal estrangeiro competente: neste caso, a consequência
desta excepção dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição
do réu da instância (art. 111º/3 in fine CPC).

27. Preterição de Tribunal Arbitral


A preterição de Tribunal Arbitral resulta da infracção da competência de um
Tribunal Arbitral que tem competência exclusiva para apreciar um determinado
objecto. A preterição pode verificar-se quando um Tribunal Arbitral necessário,
quando for proposta num Tribunal comum uma acção que pertence à
competência de um Tribunal Arbitral imposto por lei (art. 1525º - se o
julgamento Arbitral for prescrito por lei especial, atender-se-á ao que nesta
estiver determinado. Na falta de determinação, observar-se-á o disposto nos
artigos seguintes – CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntário, quando
for instaurada num Tribunal comum uma acção que devia ter sido proposta
num Tribunal Arbitral convencionado pelas partes (art. 1º LAV).

QUESTÕES RELATIVAS À COMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

16. Normas de recepção


As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos
de conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos
Tribunais do foro para o conhecimento de uma certa questão. As normas de
conflitos que definem as condições em que os Tribunais do foro são
competentes para a apreciação de um objecto que apresenta uma conexão
com várias ordens jurídicas podem designar-se por normas de recepção. É
essa a função dos vários critérios enunciados no art. 65º/1 CPC (A
competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de
alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo
tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo
sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de
competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de
pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de
acção proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua
propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem
jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou
real).
Estas normas de recepção definem a competência internacional dos
Tribunais de uma certa ordem jurídica. Elas decorrem tanto da regra segundo a
qual, quando, o caso em apreciação apresenta uma conexão relevante com
uma ordem jurídica, os seus Tribunais devem ser competentes para a acção,
como do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os
Tribunais daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois que
isso pode equivaler a uma denegação de justiça. Note-se que a conexão com
uma certa ordem jurídica pode ser mais fraca do que aquela que determina a
aplicação do direito nacional ao caso sub iudice, porque não há qualquer
paralelismo necessário entre a atribuição da competência internacional e a
aplicação da lei material do foro.
A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no
seguinte: a competência interna respeita às situações que, na perspectiva da
ordem jurídica portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com
outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que
apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.
As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que
os Tribunais de uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma
relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque
não a atribuem a um Tribunal, antes se limitam a determinar as condições em
que uma jurisdição nacional faculta os seus Tribunais para a resolução de um
certo litígio com elementos internacionais. As normas de recepção preenchem,
no âmbito processual, uma função paralela àquela que as normas de conflitos
realizam no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma
relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas
aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma
certa ordem jurídica.
a) Necessidade:
Nem sempre a circunstância de a questão em apreciação se situar no
âmbito da competência internacional (porque o objecto em apreciação é uma
relação jurídica plurilocalizada) implica a utilização dos critérios específicos da
competência internacional para a atribuição de competência aos Tribunais de
uma certa ordem jurídica. Para que haja necessidade de aferir a competência
internacional dos Tribunais de um certo Estado, é indispensável que se
verifique um de dois factores: que a conexão com a ordem jurídica nacional
seja estabelecida através de um elemento que não é considerado relevante por
nenhuma das normas da competência territorial e que, portanto, não possa ser
atribuída competência aos Tribunais de um certo Estado utilizando
exclusivamente as regras de competência territorial dos seus Tribunais; ou que
o Estado do foro esteja vinculado, por convenção internacional, a certas regras
de competência internacional.
b) Unilateralidade:
As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas
normas se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de
uma certa questão. Ou seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais
de uma ordem jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a
apreciação dessa mesma questão por um Tribunal estrangeiro.
c) Previsão:
Quando a acção apresenta uma conexão objectiva, relativa ao objecto do
processo, ou subjectiva, referida às partes em causa, com uma ou várias
ordens jurídicas estrangeiras, pode ser necessário determinar a competência
internacional dos Tribunais portugueses. Essa aferição deve restringir-se às
situações em que os Tribunais portugueses não são competentes segundo as
regras da competência interna, pois que, como se verificou, só importa
averiguar a competência internacional quando os Tribunais de uma certa ordem
jurídica não sejam competentes para apreciar uma relação jurídica
plurilocalizada segundo as suas regras de competência territorial. Essa é a
função dos critérios constantes do art. 65º/1 CPC.
A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é
determinada, segundo uma ordem decrescente de aplicação pratica, pelos
critérios da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), do domicílio do réu (art. 65º/1-a
CPC), da causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).

17. Critério da exclusividade


Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em
Portugal quando os Tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes
para a apreciação da causa (arts. 65º/1-b, 65º-A CPC). A competência
internacional resulta, assim, da coincidência com as regras de competência
exclusiva constantes do art. 65º-A CPC.
Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados
interesses através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania.
Nesse sentido, ela é semelhante à reserva de ordem pública do Estado do
reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f
CPC).
O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses
para as seguintes situações:
a) No caso de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre
bens imóveis sitos em território português;
b) Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência,
relativamente a pessoas domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas
ou sociedades cuja sede esteja situada em território português;
c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo
ou ao decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades
que tenham a sua sede em território português, bem como para as
destinadas a apreciar a validade das deliberações dos respectivos órgãos;
d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da
validade da inscrição em registos públicos de quaisquer direitos sujeitos a
registo em Portugal.
A relevância prática da competência exclusiva dos Tribunais portugueses
reside no seguinte: como, nessa hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a
competência de nenhuma outra jurisdição para apreciar a acção, nenhuma
decisão proferida numa jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão
proferida numa jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou
se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa.
Uma sentença proferida por um Tribunal estrangeiro não é, em princípio,
imediatamente eficaz na ordem jurídica portuguesa; para que se lhe conceda
essa eficácia é necessária a sua revisão e confirmação, nos termos e nas
condições do correspondente processo de revisão de sentenças estrangeiras
(arts. 1094º a 1102º CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados pelo art.
1096º CPC, para a concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que
essa decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português (que é uma das
Relações, art. 1095º CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda
a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

18. Critério do domicílio do réu


Segundo o critério do domicílio do réu, a acção pode ser proposta nos
Tribunais portugueses quando o réu ou algum dos réus tenha domicílio em
território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou
pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).
Como a competência internacional só deve ser apreciada se da aplicação
das regras da competência territorial não resultar a atribuição de competência a
um Tribunal português, o critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC)
só pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses não forem competentes
segundo aquelas regras.
Os critérios territoriais podem ser especiais (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou
gerais (arts. 85º a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts.
85º/1, 86º/2 CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for
aplicável o critério territorial geral e se da sua aplicação resultar a atribuição de
competência a um Tribunal português, está determinado, sem necessidade de
aplicação do critério do domicílio do réu, o Tribunal que é territorial e
internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a aplicação desse critério
de competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu
não tem domicílio em Portugal), essa competência também nunca poderá
resultar do critério de competência internacional do domicílio do demandado
(art. 65º/1-a CPC).
Quando a causa se inclui no âmbito do critério territorial geral, a
competência internacional nunca pode ser determinada pelo critério do
domicílio do demandado, seja porque aplicação daquele critério territorial torna
dispensável a aferição da competência internacional, seja porque, quando é
impossível empregar o critério territorial, também é impossível aplicar aquele
critério de competência internacional.
Se o objecto da acção fizer funcionar um dos critérios territoriais especiais,
também aqui são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses
critérios resulta a atribuição de competência a um Tribunal português, não
importa averiguar a competência internacional deste Tribunal segundo nenhum
dos critérios enunciados no art. 65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação
concreta for aplicável um critério especial, mas da sua aplicação não resultar a
atribuição de competência a um Tribunal português, justifica-se aferir a
competência internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio
do demandado (art. 65º/1-a CPC).
O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art.
65º/1-a CPC) nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio
do réu e também não pode ser aplicado quando um critério territorial especial
atribua competência a um Tribunal português. Em conclusão: o critério de
domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso
concreto for aplicável um critério territorial especial e da aplicação deste não
resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como limite à
determinação da competência segundo o critério do domicílio do demandado
não pode operar no âmbito de aplicação material das Convenção de Bruxelas e
de Convenção de Lugano: nesta situação, a única competência exclusiva
relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas
e de Convenção de Lugano.
O art. 65º/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicação do critério do
domicílio do demandado, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa
colectiva cuja a sede estatutária ou efectiva se localize em território português
ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação.

19. Critério da causalidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos
que a constituem, tiver sido praticado em território português (art. 65º/1-c CPC).
Assim, por exemplo, os Tribunais portugueses são internacionalmente
competentes quando, apesar de o facto ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte
dos danos se produziram em Portugal (RC – 23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o
contrato de seguro foi celebrado em território português (Assentos/Supremo
Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).

20. Critério da necessidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais
portugueses quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa
conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida
em acção proposta nos Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse
critério procura-se obstar à denegação de justiça decorrente da impossibilidade
de encontrar um Tribunal competente para a apreciação da acção: verifica-se
então um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.
O critério da necessidade abarca não só a impossibilidade jurídica, por
inexistência de Tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de
competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele
apresenta uma conexão relevante, mas também a impossibilidade prática,
derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição
competente.

21. Tribunal territorialmente competente


Para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os
Tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo o critério
da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações
previstas no art. 65º-A. Exceptua-se desta análise a hipóteses prevista no art.
65º-A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art.
16º/1 Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível
de ser usado quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial
especial (arts. 73º a 84º e 89º CPC) e da aplicação deste não resultar a
atribuição de competência a um Tribunal português.
Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo
critério da causalidade ou da necessidade, também há que averiguar qual dos
Tribunais portugueses é o territorialmente competente. Para a determinação
deste Tribunal só podem ser utilizados critérios aos quais não possa ser
concedida a dupla funcionalidade característica das normas sobre a
competência territorial, porque, de outro modo, a competência internacional dos
Tribunais portugueses já teria decorrido dessa competência territorial. Está
nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país
estrangeiro, será demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se
encontrando em território português, será demandado no do domicílio do autor,
e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será competente para a
causa o tribunal de Lisboa) CPC.
Assim, se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro mas se
encontrar em território português, é territorialmente competente o Tribunal do
local em que se encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do
autor (art. 85º/3, 2ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar
em território português e se o autor também tiver domicílio em território
estrangeiro, é territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in
fine CPC).
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

22. Pactos de competência


A competência interna é determinada através de um pacto de competência
(pactum de foro prorrogando). Em regra, o pacto de competência refere-se a
uma questão que não apresenta qualquer conexão com outras ordens
jurídicas, mas isto não significa que não haja pactos de competência referidos
a relações jurídicas plurilocalizadas.
O pacto de competência só pode incidir sobre a competência em razão do
valor e do território (art. 100º/1 CPC).
O pacto de competência só é válido se acompanhar a forma de contrato
substantivo, se este for normal, ou se tiver a forma escrita, se aquele for
consensual (art. 100º/2 CPC). Mas considera-se reduzido a escrito o acordo
constante de documentos assinados pelas partes ou o resultante de troca de
cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova
escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles
conste uma cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja
contido (arts. 110º/2, 1ª parte, e 99º/4 CPC). Além disso, o pacto de
competência deve designar as questões submetidas à apreciação do Tribunal e
o critério de determinação do Tribunal ao qual é atribuída a competência (art.
100º/2, 2ª parte CPC).
O pacto de competência contém implicitamente uma renúncia antecipada –
isto é, anterior à propositura da acção – à arguição da excepção de
incompetência relativa (art. 108º CPC), pois que é atribuída competência
territorial a um Tribunal que, sem esse contrato processual, não seria
competente. Essa renúncia exige, como requisito ad substantiam, a forma
escrita (art. 100º/2, 1ª parte CPC), pois que condiciona as possibilidades de
defesa do réu na acção proposta naquele Tribunal e, concretamente, exclui a
invocação da excepção de incompetência relativa.
A competência convencional interna é vinculada para as partes (art. 100º/3
CPC), pelo que a sua infracção determina a incompetência relativa do Tribunal
onde a acção foi indevidamente proposta (art. 108º CPC).

23. Pactos de jurisdição


A competência convencional internacional pode ser determinada através de
um pacto de jurisdição (art. 99º/1 CPC). Esse pacto pode ser, quando
considerado pela perspectiva da ordem jurídica portuguesa, atributivo ou
privativo.
O pacto é atributivo, quando concede competência a um Tribunal ou a
vários Tribunais portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou
exclusiva.
O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais
portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art.
99º/2 CPC).
Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em
relação à ordem jurídica portuguesa, a validade de um desses pactos não é
vinculativa para os Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras.
O pacto de jurisdição só pode incidir sobre situações subjectivas
disponíveis (art. 99º/3-a CPC). Esta condição é suficiente para possibilitar a
celebração de um pacto de jurisdição sobre a generalidade das situações
patrimoniais.
O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de
ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva
inconveniente grave para a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se
essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.
O pacto de jurisdição não pode ofender a competência exclusiva dos
Tribunais portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta competência, art. 65º-A
CPC, isto é, o pacto não pode privar os Tribunais portugueses da sua
competência exclusiva.
Se as partes, através de uma convenção de arbitragem (art. 1º Lei da
Arbitragem Voluntária – lei 31/86, de 29/8), atribuírem competência para o
julgamento de certo litígio ou questão emergente de uma relação jurídica
plurilocalizada a um Tribunal Arbitral (funcionando em território português ou no
estrangeiro), é igualmente aplicável a esse negócio o requisito respeitante à
observância da competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-d
CPC).
O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art.
99º/3-e in fine CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à
ordem jurídica de uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser
feita directamente: nesta eventualidade, as partes indicam um Tribunal
específico. Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente
através de uma remissão para o Tribunal que for competente segundo as
regras de competência vigentes na jurisdição designada: nessa hipótese, as
partes designam globalmente os Tribunais de uma jurisdição.
O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou
confirmado por escrito (art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se
reduzido a escrito o acordo que consta de documentos assinados pelas partes
ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de
comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham
directamente o acordo, quer deles conste uma cláusula que remeta para algum
documento que o contenha (art. 99º/4 CPC).
Como a incompetência absoluta decorrente da infracção das regras da
competência internacional é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia
oficiosamente (arts. 102º/1, 494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração
tácita de um pacto atributivo de jurisdição pela preclusão da invocação daquela
excepção num processo pendente.

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar
determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos
da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para
essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência
jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição
de Tribunal Arbitral.
25. Incompetência absoluta
Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência
em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência
internacional, salvo quando haja mera violação dum pacto privativo de
jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal) CPC, a
incompetência absoluta provém da infracção das regras da competência
internacional legal (arts. 65º e 65º-A CPC) e da competência interna material
(arts. 66º, 67º CPC; art. 46º LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e
hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A incompetência absoluta referida no art.
101º CPC, é, naturalmente, apenas aquela que se verifica no âmbito do
processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a
relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do
art. 65º. A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num
Tribunal de 1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou
vice-versa. Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no
Tribunal comum de uma acção da competência dos Tribunais especiais ou da
instauração de uma acção num Tribunal de competência especializada
incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material
decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial
quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial até ao despacho
saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2
CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta
num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser
arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito
em julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência
absoluta deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1,
234º-A/1 CPC). O conhecimento oficioso da incompetência absoluta é
realizado, em regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de
citação determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-
A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz
à absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).

26. Incompetência relativa


O art. 108º (A infracção das regras de competência fundadas no valor da
causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou
decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º,
determina a incompetência relativa do tribunal) CPC, enuncia as situações que
originam a incompetência relativa: esta incompetência resulta da infracção das
regras da competência fundadas no valor da causa (art. 68º CPC; arts. 47º e 49
LOTJ), na forma do processo aplicável (art. 68º CPC; art. 48 LOTJ), na divisão
judicial do território (arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de
competência ou de jurisdição (arts. 99º e 100º CPC).
Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-
se não só na competência interna, quando são infringidas as regras que
definem, de entre os vários Tribunais, qual o territorialmente competente, mas
também na competência internacional.
Perante os Tribunais portugueses apenas pode relevar, quanto à
competência internacional directa, a infracção de um pacto privativo de
jurisdição. Esta violação verifica-se quando, apesar de as partes terem
estipulado a competência exclusiva de um Tribunal estrangeiro para apreciar
certa questão, a acção vem a ser proposta num Tribunal português.
Confirmando a disponibilidade das partes sobre a competência relativa (art.
100º CPC), a correspondente incompetência não é, em princípio, de
conhecimento oficioso (art. 495º CPC). Neste caso, a incompetência pode ser
arguida pelo réu no prazo de contestação (art. 109º/1; arts. 486º/1, 783º, 794º/1
CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, não havendo
lugar a este, em articulado próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à
notificação da entrega do articulado do réu (art. 109º/2 CPC). Conjuntamente
com a alegação da incompetência relativa, as partes devem apresentar as
respectivas provas (art. 109º/3 CPC). Produzidas estas, o Tribunal decide qual
é o Tribunal competente para a acção (art. 111º/1 CPC).
São várias as situações em que a incompetência relativa é de
conhecimento oficioso. É o que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas
acções relativas a direitos reais sobre imóveis, a responsabilidade civil extra-
contratual e naquelas em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certas partes,
nos processos de recuperação da empresa e de falência, nos procedimentos
cautelares e diligências antecipadas, na determinação do Tribunal ad quem,
bem como na acção executiva fundada em sentença proferida por Tribunais
portugueses e nas acções executivas para a entrega de coisa certa ou por
dívida com garantia real.
A incompetência relativa também é de conhecimento oficioso quando
decorra da infracção das regras da competência respeitantes à forma do
processo ou do valor da causa (art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts.
48º e 49º LOTJ. Como a competência em razão do valor da causa (art. 49º
LOTJ) se reflecte na competência do Tribunal de círculo (art. 81º LOTJ) e do
Tribunal singular (art. 83º LOTJ), o art. 110º/2 (a incompetência em razão do
valor da causa ou da forma de processo aplicável é sempre do conhecimento
oficioso do tribunal, seja qual for a acção em que se suscite) CPC, engloba
igualmente a violação da competência destes Tribunais.
Finalmente, a incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos
processos em que não se verifique a citação do demandado ou requerido (art.
110º/1-b CPC), ou seja, nos processos que não constam da lista do art. 234º/4
CPC, e nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro
processo (art. 110º/1-c CPC), como sucede, por exemplo, com o incidente de
habilitação (art. 372º/2 CPC).
A decisão de procedência sobre a incompetência relativa determina, em
regra, a remessa do processo para o Tribunal competente (art. 111º/3 CPC).
Exceptua-se a hipótese de a incompetência resultar da violação de um pacto
privativo de jurisdição, dado que o Tribunal português não pode enviar o
processo para o Tribunal estrangeiro competente: neste caso, a consequência
desta excepção dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição
do réu da instância (art. 111º/3 in fine CPC).

27. Preterição de Tribunal Arbitral


A preterição de Tribunal Arbitral resulta da infracção da competência de um
Tribunal Arbitral que tem competência exclusiva para apreciar um determinado
objecto. A preterição pode verificar-se quando um Tribunal Arbitral necessário,
quando for proposta num Tribunal comum uma acção que pertence à
competência de um Tribunal Arbitral imposto por lei (art. 1525º - se o
julgamento Arbitral for prescrito por lei especial, atender-se-á ao que nesta
estiver determinado. Na falta de determinação, observar-se-á o disposto nos
artigos seguintes – CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntário, quando
for instaurada num Tribunal comum uma acção que devia ter sido proposta
num Tribunal Arbitral convencionado pelas partes (art. 1º LAV).
QUESTÕES RELATIVAS ÀS PARTES

PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA
INCAPACIDADE JUDICIÁRIA E VÍCIOS DA REPRESENTAÇÃO
JUDICIÁRIA
LITISCONSÓRCIO INICIAL: MODALIDADES
LITISCONSÓRCIO INICIAL: CONSEQUÊNCIAS

PERSONALIDADE JUDICIÁRIA

28. Noção
A personalidade judiciária é a susceptibilidade de ser parte processual (art.
5º/1 CPC). Só pode ser parte processual quem tiver personalidade jurídica.

29. Critérios atributivos


A personalidade judiciária é atribuída em função do critério da coincidência,
da diferenciação patrimonial, da afectação do acto e da protecção de terceiros.
a) Critério da coincidência:
A personalidade judiciária é concedida a todas as pessoas jurídicas,
singulares ou colectivas (art. 5º/2 CPC). Assim, todo o ente juridicamente
personalizado tem igualmente personalidade judiciária, activa ou passiva.
Relativamente a estrangeiros, há que considerar o art. 26º/1 CC, segundo
o qual o início e o termo da personalidade judiciária são fixados pela lei pessoal
de cada indivíduo, que é a lei da sua nacionalidade (art. 31º/1 CC) ou, se o
indivíduo for apátrida, a lei do lugar onde ele tiver a sua residência habitual ou,
se for menor ou interdito, o seu domicílio legal (art. 32º/1 CC). Quanto às
pessoas colectivas (excepto sociedade comerciais), a sua lei pessoal é a do
Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua
administração (art. 33º/1 CC) ou, se for uma pessoa colectiva internacional, a
designada na convenção que a criou ou nos respectivos estatutos ou, na sua
falta, a do país onde estiver a sede principal (art. 34º CC). As sociedades
comerciais têm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre situada a
sede principal e efectiva da sua administração (art. 3º/1, 1ª parte. CSC).
b) Critério da diferenciação patrimonial:
A personalidade judiciária é atribuída a determinados patrimónios
autónomos (art. 6º CPC):
a) A herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular
não estiver determinado;
b) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
c) As sociedades civis;
d) As sociedades comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo
qual se constituem, nos termos do artigo 5º do Código das Sociedades
Comerciais;
e) O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às
acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
f) Os navios, nos casos previstos em legislação especial.
Em certos casos, além do património autónomo, podem ser demandadas
outras partes. A enumeração constante no art. 6º CPC, não deve ser
considerada taxativa. Não se deve excluir que outros patrimónios autónomos
também possam ter personalidade judiciária: é o caso, por exemplo, do
Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, regulado pelo DL
248/86, de 25/8.
c) Critério da afectação do acto:
Têm personalidade judiciária as sucursais, agências, filiais, delegações ou
representações de uma pessoa colectiva relativamente a actos que por elas
tenham sido praticados (art. 7º/1 CPC). Quer dizer: quem praticou o acto pode
igualmente estar em juízo quanto à acção que o tenha por objecto ou
fundamento.

30. Falta de personalidade judiciária


Quando a acção foi indevidamente instaurada pela ou contra a sucursal,
agencia, filial, delegação ou representação, a falta da sua personalidade
judiciária é sanável mediante a ratificação ou repetição pela administração
principal dos actos praticados por aquelas entidades (art. 8º - a falta de
personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou
representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração
principal e a ratificação ou repetição do processado – CPC).
Quando a acção foi proposta pelo representante de uma parte falecida ou
contra uma parte falecida, esta falta de personalidade judiciária cessa com a
habilitação dos sucessores (art. 371º CPC) ou da herança jacente (art. 6º-a
CPC).
A falta não sanada de personalidade judiciária é uma excepção dilatória
nominada (art. 494º-c CPC) que é de conhecimento oficioso (art. 495º CPC).
Os seus efeitos são os seguintes:
- Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC) e se essa excepção for
sanável (art. 8º CPC), ela justifica o indeferimento liminar da petição inicial
(art. 234º-A/1 CPC);
- Se a falta de personalidade judiciária for conhecida no despacho
saneador, ela conduz à absolvição do réu da instância (arts. 494º-c, 493º/2,
288º/1-c CPC), mas, quando ela for sanável (art. 8º CPC), o Tribunal deve
procurar, antes de proferir qualquer absolvição da instância, que a
administração principal realize essa sanação (art. 265º/2 CPC).
CAPACIDADE JUDICIÁRIA

31. Noção
A capacidade judiciária é a susceptibilidade de a parte estar pessoal e
livremente em juízo ou de se fazer representar por representante voluntário
(art. 9º/1 – a capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si,
em juízo – CPC). Assim, não possuem capacidade judiciária quer os que
podem intervir pessoal mas não livremente (os inabilitados), quer os que não
podem actuar nem pessoal, nem livremente (os menores e os inabilitados).

32. Aferição
A capacidade judiciária é aferida pela capacidade de exercício para a
produção dos efeitos decorrentes da acção pendente (art. 9º/2 – a capacidade
judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos –
CPC). O que revela para essa aferição é a capacidade de exercício quanto a
esses efeitos e não quanto à prática do acto que constitui ou integra o objecto
do processo.
Exceptuam-se do âmbito da incapacidade judiciária os actos que o incapaz
pode excepcionalmente praticar pessoal e livremente (art. 10º/1 in fine – os
incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou
autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer
pessoal e livremente – CPC).
A capacidade judiciária dos estrangeiros e apátridas (que depende, da sua
capacidade de exercício, art. 9º/2 CPC) determina-se pela sua lei pessoal (art.
25º CC). Essa lei é a da sua nacionalidade (art. 31º/1 CC) ou, no caso dos
apátridas, a do lugar onde tiverem a residência habitual ou, na hipótese da sua
menoridade ou interdição, a do domicílio legal (art. 32º/1 CC).

33. Meios de suprimento


A incapacidade judiciária é suprida mediante assistência e representação
(art. 10º/1 – os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus
representantes, ou autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que
possam exercer pessoal e livremente – CPC). A assistência por curador supre
a incapacidade dos inabilitados (art. 153º/1 CC): a autorização do curador é
necessária para os actos praticados pelo inabilitado quando seja parte activa
ou passiva, embora, como o inabilitado pode estar pessoalmente em juízo, ele
possa intervir em qualquer acção e deva ser citado quando seja réu (art. 13º/1
– os inabilitados podem intervir em todas as acções em que sejam partes e
devem ser citados quando tiverem a posição de réus, sob pena de se verificar
a nulidade correspondente à falta de citação, ainda que tenha sido citado o
curador – CPC).
A representação legal do menor cabe aos progenitores (arts. 124º e 1877º
CC), ao tutor (arts. 124º e 1921º/1 CC) ou ao administrador de bens (art. 1922º
CC). A representação legal do interdito incumbe ao tutor (art. 139º CC). Se
houver representação legal do inabilitado quanto à administração de um
património, a sua representação incumbe ao curador (art. 154º/1 CC).
A representação legal do menor, interdito ou inabilitado pode caber a um
curador ad litem (ou provisório), que é um representante cujos os poderes
estão limitados a uma determinada acção. Utiliza-se a representação pelo
curador ad litem em dois casos: quando o incapaz não tem representante legal
(art. 11º/1 CPC); e quando, apesar de o ter, ele está impossibilitado de exercer
a representação (art. 11º/3 CPC).
A nomeação do curador ad litem pode ser requerida quando o incapaz não
tiver representante legal, situação que pode ser verificada antes do início da
causa ou na sua pendência.
O curador provisório também pode ser nomeado quando o representante
(ou os representantes) do incapaz estiver impossibilitado de exercer os seus
poderes de representação. Isso pode suceder em várias eventualidades:
- Quando, na pendência da causa, os progenitores não acordam na
orientação da defesa dos interesses do menor representado (art. 12º/2/3
CPC);
- Quando os interesses do incapaz se opõem aos interesses do seu
representante ou aos interesses de outro representado pelo mesmo
representante (art. 1329º/1 CPC; arts. 1846º/3, 1881º/2, 1956º-c CC);
- Quando o representante for parte conjuntamente com o representado
(art. 1846º/1 e 3 CC)
Em ambos os casos, a nomeação do curador provisório pode ser requerida
pelo Ministério Público ou por qualquer parente sucessível, se incapaz for
autor, ou por esta parte, se incapaz for réu (art. 11º/4 CPC). O Ministério
Público deve ser ouvido, sempre que não seja o requerente (art. 11º/5 CPC) e a
nomeação do curador ad litem compete ao juiz da causa (art. 11º/1 e 3 CPC).
Se o incapaz não deduzir oposição, a defesa incumbe ao Ministério Público
ou, se ele representar o autor, a um defensor oficioso (art. 15º/1/2 CPC): é a
chamada sub-representação. Assim, antes de o réu incapaz se considerar na
situação de revelia por falta de contestação do seu representante legal, deve
ser facultada ao Ministério Público a possibilidade de deduzir oposição.
Como a sub-representação pelo Ministério Público ou pelo defensor
oficioso cessa logo que seja constituído mandatário judicial ao incapaz (art.
15º/3 CPC), pode concluir-se que o seu regime nunca é instituído se o incapaz
tiver mandatário judicial.

34. Regime de suprimento


a) Menores:
Nos menores, a incapacidade judiciária é suprida pelo poder paternal, pela
tutela e pela administração de bens (art. 124º e 1992º CC). O poder paternal é
exercido por ambos os progenitores (art. 1901º/1 CC), pelo que ambos devem
estar de acordo quanto à propositura da acção (art. 10º/2 CPC) e ambos
devem ser citados quando o menor seja réu (art. 10º/3 CPC). Se houver
desacordo dos progenitores acerca da conveniência de propor a acção, pode
qualquer deles requerer ao Tribunal competente a resolução do conflito (art.
12º/1 CPC). Esse Tribunal é o de Família (art. 61º/1-d LOTJ; art. 146º-d OTM) e
o processo é previsto no art. 184º OTM.
Se algum dos progenitores tiver sido preterido na representação do menor
– isto é, se este for representado por um único deles – o progenitor preterido
deve ser notificado para que venha ao processo ratificar, no prazo fixado, os
actos realizados pelo outro progenitor (art. 23º/3, 1ª parte CPC). Se, nessa
ocasião, se verificar um desacordo entre os progenitores, aplica-se à resolução
desse conflito o regime constante do art. 12º CPC (art. 23º/3, 2ª parte CPC).
Para determinados actos, os progenitores necessitam, conforme se dispõe
no art. 1889º CC, de autorização do Tribunal (de Família, art. 61º/1-g LOTJ; art.
146º-g OTM), são eles nomeadamente:
- A representação de bens do menor (art. 1889º/1-a CC);
- A representação do menor na transacção ou na convenção de
arbitragem referida aos mesmos actos (art. 1889º/1-o CC) e ainda, por
maioria de razão, na desistência e confissão do pedido;
- A representação do menor para convencionar ou requerer em juízo a
divisão de coisa comum ou a liquidação e partilha de patrimónios sociais
(art. 1889º/1-n CC).
O menor fica sujeito a tutela se os progenitores não puderem exercer o
poder paternal (art. 1921º CC). O tutor necessita de autorização judicial em
todas as situações em que ela é exigida aos progenitores (arts. 1935º/1 e
1938º/1-a CC) e ainda para propor qualquer acção, salvo se ela for destinada à
cobrança de prestações periódicas ou se a demora na sua propositura for
susceptível de causar prejuízos ao menor (art. 1938º/1-e CC).
O administrador de bens (instituído nos casos previstos no art. 1922º CC)
tem, os mesmos direitos e obrigações do tutor (art. 1971º/1 CC), pelo que
necessita de autorização judicial nas mesmas situações em que dela carece o
tutor (art. 1938º/1-a-e CC).
b) Interditos:
A incapacidade judiciária dos interditos é suprida pela tutela e pela
administração de bens (art. 139º CC), cujos regimes são idênticos aos do
suprimento da incapacidade do menor.
c) Inabilitados:
A incapacidade judiciária dos inabilitados é suprida através da curatela
(arts. 153º/1, 154º/1 CC). A curatela incumbe ao curador, que pode intervir ao
regime de assistência ou de representação. O curador assiste o inabilitado
quanto aos actos que forem especificados na sentença de inabilitação (art.
153º/1 CC); o curador representa o inabilitado nos actos de administração do
seu património (art. 154º/1 CC). Para instaurar quaisquer acções em
representação do inabilitado, o curador está sujeito ao regime do tutor do
interdito (art. 156º, 1938º/1-a-e CC).
Mesmo quando o inabilitado seja representado pelo curador, aquele
incapaz pode intervir na acção proposta em seu nome e deve ser citado
quando seja réu (art. 13º/1 CPC). Em caso de divergência entre o curador e o
inabilitado, prevalece a orientação daquele representante (art. 13º/2 CC).
REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA

35. Noção
A representação judiciária é a representação de entes que estão
submetidos a uma representação orgânica ou que podem ser representados
pelo Ministério Público.

36. Regime
a) Estado:
O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos
em que seja permitida a representação por mandatário judicial próprio (art.
20º/1 CPC) ou em que as entidades autónomas possam constituir advogado
que intervenha no processo conjuntamente com o Ministério Público (art. 20º/2
CPC). Segundo o disposto no art. 4º/1 LOMP, o Ministério Público é
representado no Supremo Tribunal de Justiça pelo Procurador-geral da
República, nas Relações por Procuradores-Gerais-Adjuntos e nos Tribunais de
1ª instância por Procuradores da República e Delegados do Procurador da
República.
b) Pessoas colectivas e sociedades:
Sobre a representação das pessoas colectivas e das sociedades, há que
distinguir entre as acções dessas entidades com terceiros e as causas entre
elas e o seu representante. Nas acções com terceiros, as pessoas colectivas e
as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social
designarem (art. 21º/1 CPC). As sociedades em nome colectivo e as
sociedades por quotas são representadas pelos gerentes, as sociedades
anónimas pelo conselho de administração e as sociedades em comandita pelos
sócios comanditados gerentes.
Nas acções entre pessoa colectiva ou a sociedade e o seu representante,
aquelas entidades são representadas por um curador ad litem (art. 21º/2 CPC).
Este regime justifica-se pela impossibilidade de o representante assumir, nesse
caso, as suas funções de representação.
c) Incapazes e ausentes:
Os incapazes e ausentes são representados pelo Ministério Público em
todas as acções que se mostrem necessárias à tutela dos seus direitos e
interesses (art. 17º/1 CPC; art. 5º/1-c LOMP). A representação pelo Ministério
Público cessa se for constituído mandatário judicial do incapaz ou ausente ou
se, tendo o respectivo representante legal deduzido oposição a essa
representação, o juiz, ponderado interesse do representado, a considerar
procedente (art. 17º/2 CPC; art. 5º/3 LOMP).
d) Incertos:
Quando a acção seja proposta contra incertos, por o autor não ter a
possibilidade de identificar os interessados directos em contradizer, eles são
representados pelo Ministério Público (art. 16º/1 CPC; art. 5º/1-c LOMP),
excepto se este representar o autor, caso em que é nomeado um defensor
oficioso para servir como agente especial do Ministério Público naquela
representação (art. 16º/2 CPC). Esta representação cessa quando os citados
como incertos se apresentam para intervir como réus e a sua legitimidade se
encontrar reconhecida (art. 16º/3 CPC).
e) Pessoas judiciárias:
As pessoas judiciárias – isto é, as entidades que só possuem
personalidade judiciária – são representadas da seguinte forma:
- A herança jacente, por um curador (art. 22º CPC; art. 2048º/1 CC);
- As associações sem personalidade judiciária, pelo órgão da
administração (art. 22º CPC; art. 195º/1 CC);
- As comissões especiais pelos administradores (art. 22º CPC; art. 996º/1
CC);
- As sociedades comerciais não registadas, pelas pessoas a que as
cláusulas do contrato atribuam a representação (art. 22º CPC);
- O condomínio, pelo administrador (art. 22º CPC; art. 1437º/2 CC);
- As sucursais ou equivalentes, pelos directores, gerentes ou
administradores (art. 22 CPC).
INCAPACIDADE JUDICIÁRIA E VÍCIOS DA REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA

37. Incapacidade judiciária lato sensu


O não suprimento da incapacidade judiciária pelo representante legal ou
pelo curador determina a incapacidade strictu sensu da parte. O suprimento
daquela incapacidade pode ainda ser afectado por uma irregularidade de
representação, se o incapaz estiver representado ou assistido por sujeito
diverso do verdadeiro representante ou curador, ou por uma falta de
autorização, se o representante ou o curador do incapaz não tiver obtido a
necessária autorização judicial. A incapacidade judiciária strictu sensu
encontra-se prevista, como tal, nos arts. 23º/1, e 494º-c CPC; a irregularidade
de representação nos arts. 23º/1, e 288º/1-c CPC, a falta de autorização ou
deliberação nos arts. 25º/1, 288º/1-c, e 494º-d CPC.

38. Incapacidade judiciária strictu sensu


A incapacidade judiciária strictu sensu pode verificar-se relativamente à
parte activa ou à parte passiva: quanto ao autor, essa incapacidade existe
quando o incapaz propõe uma acção sem a intervenção do seu representante
legal ou a assistência do seu curador; quanto ao réu, essa incapacidade surge
quando é proposta uma acção legal contra um incapaz sem a indicação pelo
autor do representante legal ou do curador daquele demandado.
Logo que o juiz se aperceba da incapacidade judiciária strictu sensu,
incumbe-lhe, oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização
da instância (art. 24º/1, 265º/2 CPC). Essa incapacidade sana-se mediante a
intervenção ou a citação do representante ou do curador do incapaz.
Quanto à actividade exigida ao Tribunal para procurar obter a sanação
desse vício, há que considerar duas situações (art. 24º/2 CPC):
- Se o vício afectar a parte passiva, o Tribunal deve ordenar a citação do
réu e quem o deva representar, para que este ratifique ou renove o
processado anteriormente;
- Se o vício respeitar à parte activa, o Tribunal deve ordenar, para esse
mesmo efeito, a notificação de quem a deva representar.
A incapacidade fica sanada se o representante do incapaz ratificar os actos
anteriormente praticados no processo ou se os renovar no respectivo prazo
(art. 23º/2 CPC).
Se o representante não ratificar nem renovar os actos praticados, a
incapacidade não se pode considerar sanada, importando verificar quais as
consequências daí decorrentes. Elas são distintas consoante o vício afecte a
parte activa ou passiva.
Se o representante do autor não sanar a incapacidade, o processo não
pode continuar quando esse vício afectar a própria petição inicial: neste caso,
releva a falta de um pressuposto processual e réu deve ser absolvido da
instância (arts. 494º-c, 493º/2, 288º/1-c CPC). Mas se o representante do réu
não sanar a incapacidade, então falta apenas um pressuposto de um acto
processual e a contestação e os demais actos praticados pelo incapaz ficam
sem efeito, pelo que se aplica ao incapaz, se ele não tiver mandatário judicial
constituído, o regime da sub-representação (art. 15º/1 CPC).
Se o incapaz for autor e se o processo tiver sido anulado desde o início, o
prazo de prescrição ou de caducidade, mesmo que já tenha terminado ou nos
dois meses subsequentes à anulação, não se considera completado antes de
findarem esses dois meses (art. 24º/3 CPC). É o regime que também resulta
dos arts. 327º/3, 332º/1 CC.

39. Irregularidades de representação


A irregularidade de representação verifica-se quando a parte, embora
esteja representada ou assistida, não está pelo verdadeiro representante ou
curador.
O regime de sanação da irregularidade de representação é semelhante ao
da incapacidade judiciária strictu sensu, tal como o são os efeitos da sua não
sanação (arts. 23º e 24º CPC).

40. Falta de autorização ou deliberação


Verifica-se a falta de autorização ou deliberação quando o representante
legal ou o curador do incapaz não as tiver obtido antes de propor a acção ou de
praticar o acto. É o que sucede quando, o representante de uma sociedade
requerer, sem a necessária deliberação social, uma providência cautelar.
Se a parte estiver devidamente representada, mas o seu representante não
tiver obtido alguma autorização ou deliberação legalmente exigida, o Tribunal
deve fixar oficiosamente o prazo dentro do qual o representante a deve obter,
suspende-se entretanto a instância (arts. 25º/1, 265º/2 CPC, quanto ao tutor,
art. 1940º/3 CC). As consequências da não sanação do vício são distintas
consoante ele afecte o autor ou o réu.
Se o vício não for sanado e respeitar à parte activa, falta um pressuposto
processual, pelo que o réu é absolvido da instância (arts. 25º/1, 1ª parte, 494º-
d, 493º/2, 288º/1-c CPC). Se a falta de autorização ou deliberação afectar o
representante da parte passiva e não for sanada, a contestação fica sem efeito
(art. 25º/2, 2ª parte CPC) e o incapaz beneficia da sub-representação do
Ministério Público se não tiver mandatário judicial constituído (art. 15º/1 CPC).
LITISCONSÓRCIO INICIAL: MODALIDADES

41. Sistematização geral


A pluralidade de partes que caracteriza o litisconsórcio coincide, em
princípio, com uma pluralidade de titulares do objecto do processo. Pode assim
dizer-se que, relativamente à legitimidade singular dos titulares daquele
objecto, o litisconsórcio representa uma legitimidade de segundo grau, isto é,
uma legitimidade que se demarca, através de critérios específicos, entre esses
titulares, de molde a determinar as condições em que todos eles podem ou
devem ser partes numa mesma acção. A legitimidade plural não é, por isso, um
conjunto ou somatório de legitimidades singulares, mas uma realidade com
características próprias.

42. Classificações
O litisconsórcio é susceptível de várias classificações: pode-se classificá-lo
quanto à origem, ao reflexo na acção e ao conteúdo da decisão, ou seja, pode-
se atender, nessa classificação, ao momento da propositura da acção, às
consequências da sua verificação na acção, ao momento do proferimento da
decisão e ainda à posição dos litisconsortes. Dado que se referem a realidades
distintas, essas classificações podem classificar-se entre si.
a) Origem do litisconsórcio:
Quanto à sua origem, o litisconsórcio pode ser: voluntário, todos os
interessados podem demandar ou ser demandados, mas não se verifica
qualquer ilegitimidade se não estiverem todos presentes em juízo ou;
necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados,
originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade. Assim,
enquanto o litisconsórcio voluntário decorre exclusivamente da vontade dos
interessados, o litisconsórcio necessário é imposto ao autor ou autores da
acção.
b) Reflexo na acção:
Atendendo aos reflexos na acção, o litisconsórcio pode ser: simples, é
aquele em que a pluralidade de partes não implica um aumento do número de
oposições entre as partes; ou recíproco, é aquele em que a pluralidade de
partes determina um aumento do número de oposições entre elas.
c) Conteúdo da decisão:
Atendendo ao conteúdo da decisão, o litisconsórcio pode ser: unitário, é
aquele em que a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes; ou
simples, pelo contrário, a decisão pode ser distinta para cada um dos
litisconsortes.
d) Posição das partes:
Atendendo à posição das partes, o litisconsórcio pode ser: conjunto,
verifica-se quando todos os litisconsortes activos formulam conjuntamente o
pedido contra o demandado ou quando o autor formula o pedido conjuntamente
contra todos os litisconsortes demandados; ou subsidiário, pressupõe que o
objecto da causa só é apreciado em relação a um litisconsorte activo ou
passivo se um outro autor ou réu não for considerado titular, activo ou passivo,
desse mesmo objecto.
43. Litisconsórcio voluntário
Sempre que existe uma pluralidade de interessados, activos ou passivos,
opera, quanto à constituição do litisconsórcio, uma regra de coincidência, pois
que a acção pode ser proposta por todos esses titulares ou contra eles (art.
27º/1, 1ª parte CPC). O litisconsórcio voluntário verifica-se por iniciativa da
parte ou partes em causa: são os vários interessados que decidem instaurar a
acção conjuntamente, é o autor da acção que resolve propor a acção contra
vários réus e é esse autor ou o réu que opta por promover a intervenção de
outras partes durante a pendência da acção.
Apesar de o litisconsórcio voluntário se encontrar na disponibilidade das
partes, que o podem constituir ou não, isso não significa que a sua constituição
seja irrelevante, isto é, que a parte que o pode conformar possa conseguir os
mesmos benefícios e vantagens com ou sem a sua conformação.
a) Litisconsórcio comum:
A parte que o conforma pretende apenas integrar determinados sujeitos no
âmbito subjectivo do caso julgado, numa situação em que, sem a sua
participação na acção, eles não ficariam abrangidos por ele.
b) Litisconsórcio conveniente:
A parte que o constitui visa alcançar uma vantagem que não poderia obter
sem essa pluralidade de partes, activas ou passivas. Quer dizer: a constituição
do litisconsórcio é uma condição indispensável para alcançar um certo
resultado ou efeito.
São vários os motivos que podem determinar o litisconsórcio conveniente.
Este litisconsórcio verifica-se em relação a obrigações conjuntas, pois que, sem
a participação de todos os credores ou devedores, a acção só pode ser
procedente na quota-parte respeitante ao sujeito presente em juízo (art. 27º/1,
2ª parte CPC).

44. Litisconsórcio necessário


No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou
ser demandados. Os critérios que orientam a previsão do litisconsórcio
necessário são essencialmente dois: o critério da indisponibilidade individual
(ou da disponibilidade plural) do objecto do processo e o critério da
compatibilidade dos efeitos produzidos. Aquele primeiro critério tem expressão
no litisconsórcio legal e convencional; este último, no litisconsórcio natural.
a) Litisconsórcio legal:
O litisconsórcio necessário legal é aquele que é imposto pela lei (arts.
28º/1, 28º-A CPC).
Quanto ao litisconsórcio necessário entre os cônjuges, há que analisar o
disposto no art. 28º-A/1/2 CPC (acções que devem ser propostas por ambos os
cônjuges) e 28º-A/3 CPC (acções que devem ser instauradas contra ambos os
cônjuges). Relativamente à propositura da acção, o litisconsórcio entre os
cônjuges é necessário quanto a direitos que apenas possam ser exercidos por
ambos ou a bens que só possam ser administrados ou alienados por eles,
incluindo a casa de morada de família (art. 28º-A/1 CPC). Para se saber quais
são esses direitos e bens, há que distinguir entre as acções relativas a actos de
administração e a actos de disposição.
Nas acções relativas a actos de administração, o litisconsórcio activo é
necessário quanto aos actos de administração de bens comuns do casal (art.
1678º/3 in fine CC). Nas acções referidas a actos de disposição, o litisconsórcio
activo é necessário quando o objecto do processo for nomeadamente, um acto
de disposição de bens comuns administrados por ambos os cônjuges (art.
16628º/1 CC).
Note-se que o litisconsórcio activo entre os cônjuges podem ser substituído
pela propositura da acção por um deles com o consentimento do outro (art.
28º-A/1 CPC), o que constitui uma situação de substituição processual
voluntária. Se o cônjuge não der o seu consentimento para a propositura da
acção, o outro pode supri-lo judicialmente (art. 28-A/2 CPC), utilizando para
tanto o processo regulado no art. 1425º CPC.
Relativamente à demanda dos cônjuges, o litisconsórcio é necessário
quando o objecto do processo for um facto praticado por ambos os cônjuges,
uma divida comunicável, um direito que apenas pode ser exercido por ambos
os cônjuges ou um bem que só por eles pode ser administrado ou alienado,
incluindo a casa de morada de família (art. 28º-A/3 CPC).
O litisconsórcio necessário definido pelo art. 28º-A/3 CPC, também pode
operar depois da dissolução, declaração de nulidade ou anulação do
casamento.
b) Litisconsórcio convencional:
O litisconsórcio necessário convencional, é aquele que é imposto pela
estipulação das partes de um negócio jurídico (art. 28º/1 CPC). Para a
determinação do âmbito deste litisconsórcio convencional há que analisar o
regime das obrigações divisíveis e indivisíveis.
Se a obrigação for divisível, o litisconsórcio é, em princípio voluntário,
porque, se não estiverem presentes todos os interessados activos e passivos,
o Tribunal conhece apenas da quota-parte do interesse ou da responsabilidade
dos sujeitos presentes em juízo (art. 27º/1, 2ª parte). Assim, quanto a uma
obrigação divisível, o litisconsórcio só é necessário se as partes estipulam que
o seu cumprimento apenas é exigível por todos os credores ou a todos os
devedores.
Quanto à obrigação indivisível (por natureza, estipulação legal ou
convenção das partes), há que distinguir entre a pluralidade de devedores e a
de credores. Se forem vários os devedores, o art. 535º/1 CC, estipula que o
cumprimento só pode ser exigido de todos eles, pelo que, quanto a esta
hipótese, vale um litisconsórcio necessário legal e, por isso, o caso não se
pode enquadrar no litisconsórcio convencional. Pelo contrário, se houver uma
pluralidade de credores, o art. 538º/1 CC, dispõe que qualquer deles pode
exigir a prestação por inteiro, resultando daí que, na falta de estipulação das
partes, o litisconsórcio de vários credores de uma obrigação indivisível é
meramente voluntário. Por isso, relativamente a uma obrigação indivisível, o
litisconsórcio necessário convencional só se verifica se for estipulado que essa
obrigação apenas pode ser exigida por todos os credores.
c) Litisconsórcio natural:
O litisconsórcio necessário natural, é aquele que é imposto pela
realização do efeito útil normal da decisão do Tribunal (art. 28º/2 CPC). A
concretização deste referido efeito útil normal suscita muitas dificuldades.
Pode entender-se que o litisconsórcio natural só existe quando a repartição
dos vários interessados por acções distintas impeça uma composição definitiva
entre as partes da causa.
Mas também pode defender-se que o litisconsórcio é natural não só
quando a repartição dos interessados por acções diferentes impeça a
composição definitiva entre as partes, mas também quando a repartição dos
interessados por acções distintas possa obstar a uma solução uniforme entre
todos os interessados.
Segundo a definição legal do art. 28º/2, 2ª parte CPC, o efeito útil normal é
atingido quando sobrevem uma regulação definitiva da situação concreta das
partes (e só delas) quanto ao objecto do processo. De acordo com a mesma
definição, o efeito útil normal pode ser conseguido ainda que não estejam
presentes todos os interessados ou, dito de outra forma a ausência de um
deles nem sempre constitui um obstáculo a que esse efeito possa ser atingido:
é o que resulta do facto de nessa definição se admitir expressamente a não
vinculação de todos os interessados.
Assim, deve concluir-se que decorre do art. 28º/2, 2ª parte CPC, que, na
determinação do litisconsórcio, releva apenas a eventualidade de a sentença
não compor definitivamente a situação jurídica das partes, por esta poder ser
afectada pela solução dada numa outra acção entre outras partes.

45. Litisconsórcio unitário


O litisconsórcio unitário é aquele em que a decisão do Tribunal tem de ser
uniforme para todos os litisconsortes. Este litisconsórcio corresponde a
situações em que o objecto do processo é um interesse indivisível, pelo que
sobre ele não podem ser proferidas decisões divergentes.
A uniformidade do objecto, quer de uma relação de prejudicialidade entre
vários objectos.
São pensáveis situações de litisconsórcio unitário voluntário. Se, por
exemplo, vários comproprietários propuserem uma acção de reivindicação
contra um detentor, o litisconsórcio é voluntário, porque a acção podia ter sido
proposta por um único dos comproprietários (art. 1405º/2 CC), mas é
igualmente unitário, porque a causa não pode ser julgada procedente quanto a
um dos comproprietários e improcedente quanto a um qualquer outro.
O litisconsórcio unitário também pode ser necessário. Suponha-se que
o presumido pai instaura, contra o filho e a mãe, uma acção de impugnação da
paternidade; esse litisconsórcio é necessário (art. 1846º/1 CC) e unitário,
porque essa acção de impugnação só pode ser procedente ou improcedente
simultaneamente contra ambos os demandados.
Convém acentuar, no entanto, que nem todo o litisconsórcio necessário é
unitário. Por exemplo: se as partes estipulam que a dívida só pode ser exigida
de ambos os devedores e se, portanto, construíram uma situação de
litisconsórcio necessário convencional (art. 28º/1 CPC), isso não impede que,
se um dos devedores demandados puder invocar contra o credor a extinção da
sua quota-parte da dívida, um dos réus seja condenado e o outro seja
absolvido do pedido.
O litisconsórcio unitário releva no momento do proferimento da decisão,
pois que ele implica o proferimento de uma mesma decisão para todos os
litisconsortes. Note-se que o litisconsórcio unitário não impõe, em si mesmo, a
presença de nenhum interessado em juízo, pelo que só há que garantir a
uniformidade da decisão relativamente aos litisconsortes que se encontrem na
acção no momento do seu proferimento. Esses litisconsortes podem não ser as
partes iniciais da acção, quer porque algumas delas se afastaram da acção,
quer porque alguns terceiros intervieram nela durante a sua pendência.

46. Litisconsórcio subsidiário e alternativo


Segundo o disposto no art. 31º-B CPC, é admitida a formulação subsidiária
do mesmo pedido por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é
demandado a título principal, desde que exista uma dúvida fundamentada
sobre o sujeito do objecto do processo. Isto significa que é admissível tanto um
litisconsórcio em que um dos autores só será reconhecido como titular activo
de uma situação jurídica se um outro demandante não o for, como um
litisconsórcio em que se pede que um dos réus seja condenado se a acção não
for procedente quanto a um outro demandado.
A admissibilidade do litisconsórcio subsidiário coloca o problema de saber
se é sempre exigível que um dos autores se apresente numa posição
subsidiária perante uma outra ou se é necessário que o autor defina como
subsidiário um dos demandados. Isto é, importa averiguar se o autor, em vez
de se colocar numa posição subsidiária perante um outro demandante, se pode
apresentar numa relação de alternatividade com ele ou se o autor, em vez de
demandar um réu numa posição subsidiária, pode demandar em alternativa
vários réus.
Não parece que a atribuição por um dos autores de uma posição de
subsidiariedade perante um outro demandante ou que a concessão pelo autor
de uma idêntica posição a um dos demandados corresponda a um ónus dessa
parte. Na mesma situação de dúvida sobre o titular do objecto do processo (art.
31º-B in fine CPC), parece admissível que nenhum dos autores se coloque na
posição de subsidiariedade perante o outro e que nenhum dos réus seja
qualificado como subsidiário, podendo antes os vários autores ou réus
apresentar-se ou ser apresentados numa relação de alternatividade.

LITISCONSÓRCIO INICIAL: CONSEQUÊNCIAS

47. Constituição do litisconsórcio


O litisconsórcio voluntário encontra-se na disponibilidade da parte, que o
pode constituir ou não. Diferentemente, o litisconsórcio necessário não permite
qualquer opção da parte, pois que a acção tem de ser proposta por todos ou
contra todos os interessados. Importa assim determinar como pode uma parte
ultrapassar uma recusa dos demais interessados em proporem, conjuntamente
com ela, a acção: tem-se entendido que essa parte pode instaurar sozinha a
acção e, simultaneamente, requerer a intervenção principal, como autores dos
demais interessados.
A pluralidade de partes relativamente às quais o litisconsórcio é imposto
pode ser activa ou passiva. Normalmente, o litisconsórcio é imposto a uma
pluralidade de autores ou a um autor relativamente a uma pluralidade de réus.
Mas o litisconsórcio também pode ser imposto a uma pluralidade de réus ou a
um réu quanto a uma pluralidade de autores.
Quanto aos efeitos da sua não constituição, no caso do litisconsórcio
voluntário verifica-se apenas o desaproveitamento de certos benefícios ou
vantagens, mas na sua hipótese do litisconsórcio necessário conforma-se a
ilegitimidade da parte (activa ou passiva) que está em juízo desacompanhada
dos demais interessados (art. 28º/1 CPC).
A ilegitimidade proveniente da preterição de litisconsórcio necessário é
sanável, embora haja que distinguir o litisconsórcio relativo aos cônjuges das
demais hipótese.
No litisconsórcio entre os cônjuges, a ilegitimidade activa é sanável
mediante a obtenção do consentimento do outro cônjuge ou o seu suprimento
(art. 28º-A/2 CPC); a ilegitimidade passiva é sanável através da intervenção
principal do cônjuge não presente, provocada quer pelo autor da acção (art.
269º/1 CPC), mesmo nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da
decisão de absolvição da instância (art. 269º/2 CPC), quer pelo cônjuge
demandado (art. 325º/1 CPC).
Nas demais situações de litisconsórcio necessário, a ilegitimidade (activa
ou passiva) é sanável mediante a intervenção principal provocada da parte cuja
falta gera ilegitimidade (art.. 269º/1 CPC). Essa intervenção é admissível
mesmo depois do trânsito em julgado do despacho saneador que apreciou a
ilegitimidade, situações em que a instância se renova (art. 269º/2 CPC).

48. Posição dos litisconsortes


O art. 29º estabelece a seguinte diferença entre o litisconsórcio voluntário e
o necessário: enquanto no litisconsórcio necessário as partes se apresentam
externamente como a única parte (art. 29º, 1ª parte CPC), no litisconsórcio
voluntário as partes mantêm uma posição de autonomia (art. 29º, 2ª parte
CPC). Assim, segundo este critério, as partes de um litisconsórcio necessário
comungam de um destino comum e as de um litisconsórcio voluntário mantêm
uma posição de autonomia.
A distinção estabelecida no art. 29º CPC, justifica os diferentes regimes
que se encontram na lei em matéria de falta de citação (art. 197º CPC), de
separação do pedido reconvencional que envolve a intervenção de terceiros
(art. 274º/5 CPC), de confissão, desistência ou transacção (art. 298º CPC), de
aproveito do recurso interposto por um dos litisconsortes (art. 683º/1 CPC) e de
exclusão pelo recorrente de algum dos litisconsortes vencedores (art. 684º/1
CPC). Uma outra consequência da autonomia entre os litisconsortes
voluntários encontra-se no decurso dos prazos processuais, que correm
separadamente para cada uma das partes.
A comunidade constituída pelas partes de um litisconsórcio necessário
verifica-se também quanto aos pressupostos processuais, no sentido de que
esse litisconsórcio exige que eles estejam preenchidos em relação a todos os
litisconsortes. Na verdade, se faltar um dos pressupostos que afecta um dos
litisconsortes e se isso determina a sua absolvição da instância, e os demais
litisconsortes deverão ser absolvidos por ilegitimidade, dado que aquela
absolvição os tornou partes ilegítimas; se o litisconsórcio se verificar na parte
activa, é o réu que deverá ser absolvido da instância, com base na
ilegitimidade dos autores.
Nem sempre releva, quanto à posição recíproca das partes, a distinção
entre o litisconsórcio voluntário e necessário.
A origem do litisconsórcio também é irrelevante quanto ao aproveitamento
da contestação de um dos litisconsortes, pois que esta aproveita sempre aos
demais réus, não relevando se o litisconsórcio é necessário ou voluntário (art.
485º-a CPC). Idêntica extensão vale, por maioria de razão, para o caso de
algum dos litisconsortes não cumprir o ónus de impugnação (art. 490º/1 CPC):
também nesta hipótese o litisconsorte que não impugnou certo facto beneficia
da sua impugnação por um outro réu.

49. Decisão da acção


O art. 29º CPC, estabelece que, no litisconsórcio necessário, as partes se
apresentam externamente como uma única parte e que, no litisconsórcio
voluntário, elas mantêm uma posição de autonomia. Esta distinção parece
concretizar-se em algumas disposições de autonomia. Esta distinção parece
concretizar-se em algumas disposições avulsas. Assim, no litisconsórcio
voluntário, cada parte pode desistir ou confessar a quota-parte do pedido ou
transigir sobre essa quota-parte (art. 298º/1 CPC), o recurso interposto por
alguma das partes vencidas não aproveita, em regra, aos não recorrentes (art.
683º/1 CPC) e o recorrente pode exclui do recurso alguma das partes
vencedoras (art. 684º/1 CPC); em contrapartida, no litisconsórcio necessário, a
confissão, desistência ou transacção só podem ser realizadas com a
intervenção de todos os litisconsortes (art. 298º/2 CPC), o recurso interposto
por qualquer dos litisconsortes aproveita sempre aos demais (art. 683º/1 CPC)
e o recorrente nunca pode excluir nenhum dos litisconsortes vencedores (art.
684º/1 CPC).
Aparentemente, este regime demonstra que, no litisconsórcio voluntário, a
decisão pode ser diversa para cada um dos litisconsortes e que, no
litisconsórcio necessário, tal nunca se pode verificar.

AS FORMAS DE COMPOSIÇÃO DA ACÇÃO

COMPOSIÇÃO PROVISÓRIA: PROVIDÊNCIAS CAUTELARES

50. Aspectos gerais


Nem sempre a regulação dos interesses conflituantes pode aguardar o
proferimento da decisão do Tribunal que resolve, de modo definitivo, aquele
conflito. Por vezes, torna-se necessário obter uma composição provisória da
situação controvertida antes do proferimento da decisão definitiva. Essa
composição justifica-se sempre que ela seja necessária para assegurar a
utilidade e a efectividade da tutela jurisdicional (art. 2º/2, in fine CPC) e, na
medida em que contribui decisivamente para o êxito dessa tutela, encontra o
seu fundamento constitucional na garantia do acesso ao direito e aos Tribunais
(art. 20º/1 CRP).
A composição provisória realizada através das providências cautelares
pode prosseguir uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela
necessidade de garantir um direito, toma-se providências que garantem a
utilidade da composição definitiva; de definir uma regulação provisória, as
providências definem uma situação provisória ou transitória; ou de antecipar a
tutela pretendida ou requerida, as providências atribuem o mesmo que se pode
obter na composição definitiva.
As providências cautelares fornecem uma composição provisória. A
provisoriedade destas providências resulta quer da circunstância de elas
corresponderem a uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que é
obtida na acção principal de que são dependentes (art. 383º/1 CPC), quer a
sua necessária substituição pela tutela que vier a ser definida nessa acção.
A tutela processual é instrumental perante as situações jurídicas
decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é o meio de
tutela dessas situações. A composição provisória realizada através das
providências cautelares não deixa de se incluir nessa instrumentalidade,
porque ela também serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela
tutela jurisdicional. Não, contudo, de uma forma imediata, porque aquela
composição provisória destina-se a garantir a eficácia e a utilidade da própria
tutela processual, pelo que é instrumental perante esta tutela e só mediante as
próprias situações jurídicas.
O objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou
tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação
provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no respectivo
procedimento.
Para atingir a finalidade de evitar a lesão ou a sua continuação, a
composição provisória tem de ser concedida com celeridade: as vantagens
dessa composição serão tanto maiores quanto mais cedo ela puder garantir o
direito, regular provisoriamente a situação ou antecipar a composição definitiva.
Por isso, as providências cautelares implicam necessariamente uma
apreciação sumária (summaria cognitio) da situação através de um
procedimento simplificado e rápido.
A summaria cognitio justifica que certas providências cautelares possam
ser decretadas sem a prévia audição da contraparte, isto é, sem ser concedida
a esta parte o uso do contraditório. Esta possibilidade – que é coberta pelo
desvio ao princípio do contraditório admitido pelo art. 3º/2 CPC – encontra-se
prevista em dois níveis: num deles, proíbe-se a audição do requerido (arts.
394º e 408º/1 CPC; 1279º CC); no outro, permite-se (mas não se impõe) que a
providência seja decretada sem a audição do requerido (art. 385º/1 CPC).
Aos procedimentos cautelares são subsidiariamente aplicáveis as
disposições gerais sobre os incidentes da instância (art. 384º/3 CPC). Existem,
todavia, algumas especialidades, mesmo nos procedimentos onde são
apreciadas as providências comuns. Os procedimentos cautelares constituem
uma das situações em, que a citação do réu depende de prévio despacho
judicial (art. 234º/4-b CPC). Por conseguinte, o juiz, em vez de ordenar a
citação, pode indeferir liminarmente o requerimento, quando o pedido seja
manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções
dilatórias insanáveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (art. 234º-A/1
CPC).

51. Pressupostos
A necessidade da composição provisória decorre do prejuízo que a demora
na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja
situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada. A finalidade específica das
providências cautelares é, por isso, a de evitar a lesão grave e dificilmente
reparável (art. 381º/1 CPC) proveniente da demora na tutela da situação
jurídica, isto é, obviar ao chamado periculum in mora. Esse dano é aquele que
seria provocado quer por uma lesão iminente quer pela continuação de uma
lesão em curso, ou seja, de uma lesão não totalmente consumada.
Se faltar o periculum in mora, ou seja, se o requerente da providência não
se encontrar, pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta
a necessidade da composição provisória e a providência não pode ser
decretada. Quer dizer: esse periculum é um elemento constitutivo da
providência requerida, pelo que a sua inexistência obsta ao decretamento
daquela.
Nas providências cautelares existem apenas a prova sumária do direito
ameaçado, ou seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do
direito alegado (arts. 403º/2, 407º/1 e 423º/ CPC), bem como do receio da
lesão (arts. 381º/1, 384º/1, 387º/1, 406º/1, 407º/1, 421º/1 e 423º/1 CPC). As
providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação,
embora a repartição do ónus da prova entre o requerido e o requerente
observe as regras gerais (art. 342º/1/2 CC).
Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a
prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é
suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta um fumus boni iuris.
O fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem
qualquer tradução numa discricionaridade do Tribunal quanto aos fundamentos
da providência; se isso não suceder, o Tribunal não a pode decretar, ainda que
isso se pudesse justificar por outros factores.
As providências cautelares exigem todos os pressupostos processuais
gerais. Especificamente quanto ao interesse processual, importa referir que ele
falta sempre que o requerente possa atingir a garantia do direito, a regulação
provisória ou a antecipação da tutela através de um meio mais adequado que o
procedimento cautelar, ou seja, quando, em função das circunstâncias, aquele
procedimento não for meio mais célere e económico para obter a tutela dos
interesses do requerente.
52. Providências especificadas
A regulamentação legal das providências cautelares assenta na seguinte
dicotomia: a lei define várias providências nominadas e admite, sempre que
nenhuma delas seja aplicável, uma providência comum de âmbito residual (art.
381º/3 CPC). As providências nominadas são a restituição provisória da posse
(arts. 393º a 395º CPC), a suspensão de deliberações sociais (arts. 396º a 398º
CPC), os alimentos provisórios (arts. 399º a 402º CPC), o arbitramento de
reparação provisória (arts. 403º a 405º CPC), o arresto (arts. 406º a 411º CPC),
o embargo de obra nova (arts. 412º a 420º CPC) e o arrolamento (arts. 421º a
427º CPC).
No grupo das providências nominadas, algumas visam garantir a realização
de um direito, outras destinam-se a regular provisoriamente uma situação e
outras ainda procuram antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter
através da acção principal.
a) Providências de garantia
· Arresto
O arresto e o arrolamento são providências cautelares cuja finalidade
específica é garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua
execução. O arresto pode ser requerido pelo credor que demonstre a
probabilidade da existência do seu crédito e tenha justo receio de perda da sua
garantia patrimonial (arts. 406º/1 CPC; 601º e 619º/1 CC). O arresto consiste
na apreensão judicial de bens do devedor (arts. 406º/2 CPC; 619º/1 CC) ou de
bens transmitidos pelo devedor a um terceiro (arts. 407º/2 CPC; 619º/2 CC)
· Arrolamento
Enquanto o arresto visa assegurar a garantia patrimonial do credor, o
arrolamento destina-se a evitar o extravio ou a dissipação de bens, móveis ou
imóveis, ou de documentos (art. 421º/1 CPC), que, para esse efeito, são
descritos, avaliados e depositados (art. 424º/1 CPC). Essa providência visa a
conservação de bens ou documentos determinados (art. 422º/1 CPC), sendo
por isso que os credores só a podem requerer quando haja necessidade de
proceder à arrecadação de herança ou dos próprios bens (arts. 422º/2 e 427º/2
CPC; 90º e 2048º/2 CC).
b) Providências de regulação
· Restituição provisória da posse
O possuidor que for esbulhado com violência, isto é, que for violentamente
privado do exercício, da retenção ou da fruição do objecto possuído, tem o
direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, desde que alegue e prove
os factos que constituem posse, o esbulho e a violência (arts. 393º CPC; 1279º
CC). A reconstituição provisória da posse é justificada não só pela violência ou
ameaças contra as pessoas, mas também por aquela que é dirigida contra
coisas, como muros e vedações.
· Embargo de obra nova
O embargo de obra nova pode ser judicial ou extrajudicial. O embargo
judicial pode ser requerido por quem se sentir ofendido no seu direito de
propriedade (ou de compropriedade), num outro direito real ou pessoal de gozo
ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço que lhe cause
ou ameace causar prejuízo (art. 412º/1 CPC).
· Suspensão de deliberações sociais
Se alguma associação ou sociedade tomar, em assembleia-geral,
deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode
requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja
suspensa, desde que, além de provar a sua qualidade de sócio, mostre que
essa execução pode causar dano apreciável (art. 396º/1 CPC).
O dano causado deve ser apreciável, mas não tem de ser irreparável ou de
difícil reparação. Assim, por não poder causar qualquer dano considerável, não
pode ser requerida a suspensão da deliberação respeitante ao recebimento de
dividendos.
c) Providências de antecipação
· Alimentos provisórios
A providência de alimentos provisórios pode ser requerida como
dependência da acção em que, principal ou acessoriamente, seja pedida uma
prestação de alimentos (arts. 399º/1 CPC; 2007º/1 CC). Essa causa pode ser,
por exemplo, uma acção de reconhecimento da maternidade ou paternidade
(arts. 1821º, 1873º e 1884º/1 CC). Os alimentos provisórios são fixados numa
quantia mensal (art. 399º/1 CPC), tomando em consideração o que for
estritamente necessário para o sustento, a habitação e o vestuário do
requerente e ainda para as despesas da acção, se o autor não puder beneficiar
de apoio judiciário (art. 399º/2 CPC).
· Arbitramento de reparação
Como dependência da acção de indemnização fundada em morte ou lesão
corporal, pode o lesado, bem como aqueles que lhe podiam exigir alimentos ou
aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação
natural, requerer o arbitramento de uma quantia certa, sob a forma de renda
mensal, como reparação provisória do dano (art. 403º/1 CPC). O mesmo pode
ser requerido nos casos em que a pretensão indemnizatória se funda em dano
susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado
(art. 403º/4 CPC).
A providência requerida é decretada se se verificar uma situação de
necessidade em consequência das lesões sofridas e se estiver indiciada a
existência da obrigação de indemnizar a cargo do requerido (art. 403º/2 CPC).
O montante da reparação provisória é fixado equitativamente e é subtraído ao
quantitativo indemnizatório que vier a ser apurado na acção principal (art.
403º/3 CPC).

53. Providências comuns


Não cabendo nenhuma das providências nominadas, a garantia da
execução da decisão final, a regulação provisória e a antecipação da tutela
podem ser obtidas através de uma providência cautelar não especificada (art.
381º/3 CPC). As providências não especificadas só podem ser requeridas
quando nenhuma providência nominada possa ser utilizada no caso concreto:
nisto consiste a subsidiariedade dessas providências.
Esta subsidiariedade pressupõe que nenhuma providência nominada seja
abstractamente aplicável e não que a providência aplicável em abstracto deixe
de o ser por motivos respeitantes ao caso concreto.
Para que uma providência cautelar não especificada possa ser decretada
são necessários, além do preenchimento das condições relativas à referida
subsidiariedade (art. 381º/3 CPC), vários pressupostos específicos:
- O fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na
pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do
requerente (arts. 381º/1 e 387º/1 CPC);
- A adequação da providência concretamente requerida à efectividade
do direito ameaçado (art. 381º/1 CPC);
- O excesso considerável do dano que se pretende evitar com a
providência sobre o prejuízo resultante do seu decretamento (art. 387º/2
CPC).
As providências cautelares comuns destinar-se-ão primordialmente a
regular provisoriamente uma situação e a antecipar a tutela definitiva. O art.
381º/1 CPC, refere explicitamente providências com eficácia conservatória e
antecipatória do efeito da decisão principal, mas isso não parece revestir-se de
qualquer significado limitativo.
As providências cautelares não especificadas também podem ser utilizadas
para obter a antecipação da tutela de uma situação jurídica.

54. Características
a) Dependência
As providências cautelares têm por função obter uma composição
provisória. Essas providências são decretadas em processos especiais
próprios (os procedimentos cautelares, arts. 381º a 427º CPC) e, porque visam
compor provisoriamente a situação das partes, são dependência de uma acção
cujo objecto é a própria situação acautelada ou tutelada (arts. 383º/1, 399º/1,
403º/1 e 421º/2 CPC). Essa acção pode ser declarativa ou executiva (art.
383º/1 in fine CPC), embora, nesta última, não sejam frequentes as hipóteses
em que está assegurado o interesse processual no decretamento da
providência. A acção principal pode decorrer perante um Tribunal estadual ou
Arbitral.
Dada esse dependência, as providências caducam se a acção principal vier
a ser julgada improcedente (art. 389º/1-c CPC) ou se o réu for nela absolvido
da instância e o autor não propuser, dentro do prazo legal, uma nova acção
(art. 389º/1-d; sobre esse prazo art. 289º/2 CPC). Se a acção principal for
julgada procedente, verifica-se, em regra a substituição da composição
provisória pela definitiva resultante dessa decisão.
As providências cautelares podem ser requeridas antes da propositura da
acção principal ou durante a pendência desta última (art. 383º/1, 2ª parte CPC),
mas nunca após o trânsito em julgado da decisão dessa acção. Como
dependência da mesma causa não pode ser requerida mais do que uma
providência relativa ao mesmo objecto, ainda que uma delas seja julgada
injustificada ou tenha caducado (art. 381º/4 CPC).
As providências cautelares podem ser solicitadas mesmo quando não
esteja pendente nenhuma acção (art. 383º/1, 2ª parte CPC). Isso possibilita a
situação em que a providência é requerida, mas a acção principal nunca chega
a ser proposta pelo requerente.
b) Celeridade
As providências cautelares são apreciadas e decretadas nos
procedimentos cautelares. Dada a celeridade indispensável a essas
providências, estes procedimentos revestem sempre carácter urgente e os
respectivos actos precedem qualquer outro serviço judicial não urgente (art.
382º/1 CPC); como consequência desta urgência, os prazos processuais neles
previstos não se suspendem sequer durante as férias judiciais (art. 144º/1
CPC).

c) Modificação
O Tribunal não está adstrito à providência requerida (art. 392º/3, 1ª parte
CPC), isto é, pode decretar uma providência distinta daquela que foi solicitada
(art. 661º/3 CPC). Esta faculdade concedida ao Tribunal decorre da não
vinculação deste órgão à indagação, interpretação e aplicação das regras de
direito (art. 664º, 1ª parte CPC) e pressupõe, naturalmente, que os factos
alegados pelo requerente possibilitem essa conversão. Desse regime também
decorre que uma idêntica modificação da providência pelo próprio requerente
não é condicionada pelo disposto no art. 273º/1/2 CPC.
d) Cumulação
O requerente pode solicitar o decretamento de várias providências
cautelares num mesmo procedimento cautelar, desde que a tramitação para
cada uma delas não seja absolutamente incompatível e essa cumulação
corresponda a um interesse relevante ou seja indispensável para a justa
composição do litígio (art. 392º/3, 2ª parte CPC). Isso significa que se podem
cumular tanto diferentes providências especificadas, como providências
nominadas e providências comuns.
Podem cumular-se duas ou mais providências cautelares se, na acção de
que são dependentes (art. 383º/1 CPC), for admissível a cumulação dos
respectivos pedidos.
e) Proporcionalidade
A provisoriedade cautelares e a sua finalidade de garantia, de regulação ou
de antecipação justificam que as medidas tomadas ou impostas devam ser as
adequadas às situações que se pretende acautelar ou tutelar. As relações entre
aquelas medidas e estas situações devem orientar-se por uma regra de
proporcionalidade: as medidas provisórias não podem impor ao requerido um
sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente
deseja acautelar ou tutelar provisoriamente (arts. 387º/2; 397º/2, 408º/2/3 e
419º CPC).
f) Eficácia relativa
Uma das consequências da summaria cognitio e da suficiência da mera
justificação no julgamento da providência é a insusceptibilidade de a decisão
proferida na procedimento cautelar produzir qualquer efeito de caso julgado na
respectiva acção principal: o julgamento da matéria de facto e a decisão final
proferida no procedimento cautelar não têm qualquer influência no julgamento
da acção principal (art. 383º/4 CPC). Como a providência decretada caduca se
a acção vier a ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado
(art. 389º/1-c CPC), também isso demonstra que o seu decretamento, não é
vinculativo na acção principal (que, apesar desse decretamento, vem a ser
julgada improcedente).
Pela mesma razão, a desistência da providência e a confissão do pedido
(art. 293º/1 CPC) realizadas no procedimento cautelar não podem condicionar
a apreciação da acção principal.
g) Substituição por caução
As providências cautelares destinam-se a obter uma composição provisória
que tutela ou acautela o interesse na efectividade da tutela jurisdicional. Isso
não impede, contudo, que esse interesse possa ser acautelado de outra forma.
Uma delas consiste na prestação de uma caução pelo requerido em
substituição do decretamento da providência: é o que é admissível nas
providências cautelares não especificadas (art. 387º/3 CPC) e no embargo de
obra nova (art. 419º/1 CPC).
A substituição da providência cautelar pela prestação de caução pelo
requerido pressupõe, no entanto, que através desta se pode obter o mesmo
efeito a que se destina aquela providência. Normalmente, a providência
cautelar pode ser substituída por caução, sempre que ela vise evitar um
prejuízo patrimonial.
h) Garantia e execução
De molde a assegurar a efectividade da providência cautelar decretada, é
admissível a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, se a providência
impuser uma prestação de facto infungível e esta não exigir especiais
qualidades científicas ou artísticas do requerido (arts. 384º/2 CPC; 829º-A/1
CC).

55. Caducidade
As providências cautelares fornecem, uma composição provisória, pelo que
elas caducam se a decisão que vier a ser proferida na acção principal não for
compatível com a medida provisória decretada. É o que acontece quando essa
acção for julgada improcedente por uma sentença transitada em julgado (art.
389º/1-c CPC).
A caducidade da providência cautelar decorrente da extinção do direito
acautelado (art. 389º/1-e CPC) é apenas uma das situações possíveis de
inutilidade superveniente dessa providência (art. 287º-e CPC), pelo que essa
inutilidade pode decorrer de outros fundamentos.
Normalmente a caducidade da providência abrange-a na totalidade, mas
também são pensáveis situações de caducidade parcial da providência. Se, por
exemplo, a acção for julgada parcialmente improcedente no despacho
saneador (art. 510º/1-b CPC), a providência decretada só caduca na parte
respectiva (art. 389º/1-c CPC); o mesmo sucede se o direito acautelado se
extinguir apenas em parte (art. 289º/1-e CPC).
A caducidade da providência não opera automaticamente e nem sequer é
de conhecimento oficioso. O levantamento da providência com fundamento na
sua caducidade depende de solicitação do requerido, que é apreciada após a
audição do requerente (art. 389º/4 CPC).

56. Responsabilidade do requerente


Pode suceder que a providência requerida venha a mostrar-se injustificada
pela falta quer do próprio direito acautelado ou tutelado, quer do fundamento do
seu decretamento; também pode acontecer que a providência decretada,
inicialmente justificada, venha a caducar por facto imputável ao requerente (art.
389º/1 CPC). Em todos estes casos, o requerente, se não tiver agido com a
prudência normal, é responsável pelos danos causados ao requerido (art.
390º/1; quanto ao arresto, art. 621º CC). Essa responsabilidade está instituída
na lei como uma contrapartida da provisoriedade das providências cautelares e
é garantida pela caução que o Tribunal, mesmo sem solicitação do requerido,
pode exigir ao requerente (art. 390º/2 CPC).
A responsabilidade do requerente pressupõe que a providência é
injustificada no momento em que é requerida ou não vem a ser confirmada pela
decisão proferida na acção principal.

COMPOSIÇÃO POR REVELIA

57. Noção
A composição da acção pode ser decisivamente influenciada pela omissão
de um acto processual: trata-se da revelia do réu, que consiste na abstenção
definitiva da contestação.
A contestação – na qual o réu pode impugnar as afirmações do autor ou
deduzir uma excepção (art. 487º/1 CPC) – constitui um ónus da parte, não
existindo, assim, qualquer dever de contestar. Daí decorre que a revelia não
determina a aplicação ao réu de qualquer sanção (pecuniária, nomeadamente),
mas antes certas desvantagens quanto à decisão da acção.

58. Modalidades
a) Revelia absoluta e relativa
A revelia é absoluta quando o réu não pratica qualquer acto na acção
pendente; é relativa se o réu não contesta, mas pratica em juízo qualquer
outro acto processual, designadamente a constituição de mandatário judicial.
b) Revelia operante e inoperante
A revelia – quer a relativa, quer a absoluta – pode ser operante ou
inoperante. É operante quando produz efeitos quanto à composição da acção;
é inoperante quando esses efeitos não se realizam, isto é, quando a falta de
contestação nada implica quanto à decisão da causa (arts. 233º/1; 484º/1;
485º-b, 2ª parte; 233º/6 e 248º; 485º-a; 485º-c CPC; art. 354º-b CC; art. 485º-d
CPC; art. 364º CC). As situações que conduzem à inoperância da revelia são
comuns ao processo ordinário, sumário e sumaríssimo, pois, na falta de uma
regulamentação específica, vale para estes últimos o que se encontra
estipulado para o processo ordinário (arts. 463º/1 e 464º CPC).

59. Efeitos
A revelia operante implica uma importante consequência quanto à decisão
da acção. Essa consequência, que se produz ex lege e não ex voluntate,
consiste no seguinte: a revelia operante implica a confissão dos factos
articulados pelo autor (art. 484º/1 CPC; quanto à aplicação dessa regra ao
processo sumário e sumaríssimo, arts. 463º/1 e 464º CPC).
O efeito cominatório realizado pela revelia não prevalece sobre a matéria
de conhecimento oficioso, nomeadamente as excepções dilatórias de que o
Tribunal deva conhecer ex officio (art. 495º CPC) e que obstem à apreciação
do mérito da causa (art. 288º/3 CPC).
O efeito cominatório da revelia operante também não pode prevalecer
sobre os efeitos ilegais pretendidos pelo autor. Se a confissão ficta ou
presumida que resulta da revelia respeitar a factos impossíveis ou
notoriamente inexistentes ou se o autor tiver formulado um pedido ilegal ou
juridicamente impossível, essa confissão não é admissível (art. 354º-c CC) e o
Tribunal não os deve considerar admitidos por um acordo e deve abster-se de
apreciar esse pedido.
COMPOSIÇÃO PELO TRIBUNAL

60. Decisão judicial


A decisão é o acto do Tribunal no qual este órgão julga qualquer matéria
que lhe compete apreciar por iniciativa própria, quer mediante solicitação das
partes. A decisão é, assim, o acto processual que exprime, por excelência, o
exercício da função jurisdicional pelo Tribunal.
Toda a decisão comporta dois elementos essenciais: os fundamentos e a
conclusão ou decisão em sentido estrito. Os fundamentos incluem a matéria de
facto relevante e o regime jurídico que lhe é aplicável; a decisão em sentido
estrito contém a conclusão que se extrai da aplicação do direito aos factos.
Para a individualizar, a decisão inicia-se com um relatório, em que se
identificam o processo a que respeita e as questões a resolver (art. 659º/1
CPC), e, para assegurar a sua genuinidade, ela deve ser assinada e datada
(arts. 157º/1 e 2; 668º/1-a CPC).
O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo
constitucional, embora restringido aos casos e termos previstos na lei ordinária
(art. 205º/1 CRP).

61. Modalidades
A principal diferenciação nas decisões judiciais distingue-as em sentenças
e despachos (art. 156º/1 CPC). As sentenças são, em regra, as decisões sobre
o mérito da causa ou sobre um incidente com a estrutura de uma causa (art.
156º/2 CPC), mas também podem conhecer de aspectos processuais (art.
660º/1 CPC); das sentenças que conhecem do mérito da causa pode interpor-
se recurso de apelação (art. 691º/1 CPC). Os despachos são, em princípio,
decisões sobre aspectos processuais e, por isso, são, em regra, decisões
interlocutórias, embora também possam incidir sobre o mérito (art. 510º/1-b
CPC) e, mesmo fora destes casos, possam ser decisões finais (art. 510º/1-a
CPC); dos despachos que não conhecem do mérito da causa cabe recurso de
agravo (art. 733º CPC) e daqueles que apreciam esse mérito pode apelar-se
(art. 691º CPC).
Às decisões dos Tribunais colectivos atribui-se a designação especial de
acórdãos (art. 156º/3 CPC). Quando o acórdão da Relação conhece do mérito
da causa, dele cabe revista (art. 721º/2 CPC); quando isso não sucede, cabe
agravo (art. 754º/1 CPC).
Alguns despachos incidem somente sobre aspectos burocráticos do
processo e da sua tramitação e, por isso, não possuem um conteúdo
característico do exercício da função jurisdicional, nem afectam a posição
processual das partes ou de terceiros. São os chamados despachos de mero
expediente, que são aqueles que se destinam a prover ao andamento regular
do processo e nada decidem quanto ao conflito de interesses entre as partes
(art. 156º/4, 1ª parte CPC)
Os despachos discricionários são aqueles cujo conteúdo é determinado
pelo prudente arbítrio do julgador (art. 156º/4, 2ª parte CPC), ou seja, por
critérios de conveniência e oportunidade. Assim, são despachos discricionários
todos aqueles que estabelecem prazos judiciais (art. 144º/1 CPC), com ou sem
limites legais (arts. 24º/2; 25º/1; 33º 40º/2; 486º/4 e 5; 508º/2 e 3 CPC).
Os despachos de mero expediente e os despachos discricionários não
admitem recurso (art. 679º CPC), nem reclamação (art. 700º/3 CPC)

DINÂMICA DA INSTÂNCIA

VICISSITUDES

FASES DO PROCESSO

VICISSITUDES

62. Início
A instância inicia-se com a propositura da acção, entendendo-se que esta
se considera proposta, intentada ou pendente quando for recebida na
secretaria (art. 150º/3 CPC) a respectiva petição inicial ou, se esta tiver sido
enviada pelo correio, na data do seu registo postal (arts. 267º/1; 150º/1 CPC).
No entanto, em relação ao réu, os efeitos decorrentes da pendência da causa
só se produzem, em regra, após a sua citação (art. 267º/2 CPC; sobre uma
excepção a esta regra, art. 385º/6 CPC).

63. Suspensão
São várias as circunstâncias que determinam a suspensão da instância:
· Quando falecer ou se extinguir alguma das partes (arts. 276º/1-a; 277º/1
CPC), salvo se já tiver começado a audiência final ou se o processo já tiver
inscrito em tabela para julgamento, hipótese em que a instância só se
suspende depois de ser proferida a sentença ou o acórdão (art. 277º/1
CPC);
· Nos processos em que for obrigatória a constituição de advogado (arts.
32º/1 e 3; 276º/1-b; 278º; 284º/1-b CPC);
· Sempre que o Tribunal a ordene (arts. 276º/1-c; 279º/1; 97º/1; 284º/1-c
CPC);
· Sempre que a lei o determine (arts. 276º/1-d – 12º/2 e 5; 24º/2; 25º/1;
39º/3; 356º; 549º/3; 550º/3; e 551º-A/4; no art. 1940º/3 CC; no art. 14º/3 DL
329-A/95, de 12/12; no art. 24º/1-b, DL 387-B/87, de 29/12, e ainda no art.
3º/2, CRegP.);
· A vontade das partes também constitui uma causa de suspensão da
instância: as partes podem acordar nessa suspensão por um prazo não
superior a seis meses (art. 279º/4 CPC).
Durante a suspensão da instância só se podem praticar os actos urgentes
destinados a evitar o dano irreparável (art. 283º/1, 1ª parte CPC) e os prazos
judiciais não correm enquanto ela se mantiver (art. 283º/2, 1ª parte CPC). Mas
a suspensão não impede a desistência, confissão ou transacção, desde que
estas não se tornem impossíveis ou não sejam afectadas pelo fundamento da
suspensão (art. 283º/3 CPC).

64. Interrupção
A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais
de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de
algum incidente do qual dependa o seu andamento (art. 285º CPC). A
interrupção da instância é, assim, consequência do incumprimento do ónus de
impulso subsequente das partes (art. 265º/1 CPC). A interrupção cessa se o
autor requerer algum acto do processo ou do incidente de que dependa o
andamento dele (art. 286º CPC).
A interrupção da instância provoca um importante efeito substantivo – é ele,
aliás, que justifica a ressalva feita no art. 286º in fine CPC. Quando a
caducidade se refere ao exercício jurisdicional de um direito potestativo, a
interrupção da instância implica que não se conta, para efeitos dessa
caducidade, o prazo decorrido entre a propositura da acção e aquela
interrupção (art. 332º/2 CC). Isto é, o prazo de caducidade começa a correr de
novo com a interrupção da instância, pelo que pode suceder que ele se esgote
antes de cessar essa interrupção.

65. Extinção
O meio normal de extinção da instância na acção declarativa é o
julgamento (art. 287º-a CPC), que, aliás, pode decorrer de uma sentença de
mérito ou de absolvição da instância (arts. 288º e 289º CPC). Mas existem
outras causas de extinção da instância. São elas:
- A celebração de um compromisso Arbitral (arts. 287º-b; 290º CPC; art.
1º/1 e 2 LAV), ou seja, a atribuição da competência para o julgamento da
acção pendente a um Tribunal Arbitral;
- A deserção da instância (art. 287º-c CPC), isto é, a interrupção da
instância durante dois anos (art. 291º/1 CPC);
- A desistência, confissão ou transacção (art. 287º-d; 293º a 295º CPC);
- A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art. 287º-e CPC).
Com a extinção da instância terminam todos os efeitos processuais e
substantivos da pendência da acção (art. 481º CPC; arts. 323º/1 e 2; 805º/1; e
1292º CC). A desistência, absolvição e deserção da instância, bem como a
caducidade do compromisso Arbitral (art. 4º LAV), implicam que o prazo
prescricional – cujo decurso fora interrompido pela citação do réu (art. 323º/1
CC) ou passados 5 dias depois de esta ter sido requerida (art. 323º/2 CC) –
começa a correr de novo (e desde o início) a partir desse acto interruptivo (arts.
327º/2 e 326º/1 CC).
FASES DO PROCESSO

66. Noção
A tramitação da acção comporta uma sequência de actos que pode ser
decomposta em várias fases. A fase processual pode ser construída através de
um critério cronológico ou lógico: naquela primeira acepção, a fase engloba os
actos temporalmente contíguos na marcha do processo, mesmo que realizem
finalidades distintas; em sentido lógico, a fase abrange todos os actos,
qualquer que seja o momento em que sejam praticados, que prossigam uma
mesma finalidade.
Assim, a fase do processo integra todos os actos que realizam uma mesma
função, ainda que eles sejam praticados antes do início ou depois do termo da
respectiva fase em sentido cronológico.

PROCESSO ORDINÁRIO

FASES DOS ARTICULADOS

FASE DA CONDENSAÇÃO

FASE DA INSTRUÇÃO

FASE DA AUDIÊNCIA FINAL

FASE DA SENTENÇA

FASES DOS ARTICULADOS

67. Função da fase


A fase dos articulados é aquela em que as partes da acção – o autor e o
réu – apresentam as razões de facto e de direito que fundamentam as posições
que defendem em juízo e solicitam a correspondente tutela judicial. É através
dos articulados que as partes iniciam o seu diálogo na acção.

68. Articulados
São as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da
defesa e formulam os pedidos correspondentes (art. 151º/1 CPC). Essas peças
recebem o nome de articulados, porque, em princípio, nas acções, nos
incidentes e nos procedimentos cautelares é obrigatória a dedução por artigos
dos factos que interessam à fundamentação do pedido ou da defesa (art.
151º/2 CPC), isto é, cada facto deve ser alegado separadamente num artigo
numerado. O processo ordinário comporta, na tramitação normal, quatro
articulados: a petição inicial (art. 467º CPC), a contestação (art. 486º CPC), a
réplica (art. 502º CPC) e a tréplica (art. 503º CPC); em determinadas situações,
podem ainda ser apresentados articulados supervenientes (art. 506º CPC).

69. Apoio judiciário


O apoio judiciário é, em conjunto com a consulta jurídica, uma das
modalidades da protecção jurídica (art. 6º DL 387-B/87, de 29/12; art. 20º/2
CRP). Têm direito à protecção jurídica as pessoas singulares e colectivas que
demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os
honorários dos profissionais da causa (art. 7º/1 e 4, DL 387-B/87), ou seja, as
pessoas para as quais esses encargos possam constituir motivo inibitório do
recurso ao Tribunal (art. 7º DL 391/88, de 26/10). Gozam da presunção de
insuficiência económica aqueles que requeiram alimentos ou que os estejam a
receber por necessidade económica, que reúnam as condições exigidas para a
atribuição de quaisquer subsídios em razão da sua carência de rendimentos,
que tenham rendimentos mensais provenientes do trabalho iguais ou inferiores
a uma vez e meia o salário mínimo nacional, bem como o filho menor para
efeitos de investigar ou impugnar a sua maternidade ou paternidade (art. 20º/1,
DL 387-B/87).
A protecção jurídica – e, portanto, o apoio judiciário – é concedido para as
causas em que o requerente tenha um interesse próprio e que versem sobre
direitos lesados ou ameaçados de lesão (art. 8º DL 387-B/87). O apoio
judiciário aplica-se em todos os Tribunais, qualquer que seja a forma
processual do requerente e da sua concessão à parte contrária (art. 17º/1, DL
387-B/87), e, se for atribuído, compreende a dispensa, total ou parcial, de taxas
de justiça e do pagamento das custas, ou o seu diferimento, assim como a
dispensa do pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (art. 15º/1, DL
387-B/87). Essa dispensa abrange as despesas com os exames requeridos a
organismos oficiais e as multas que condicionam o exercício de uma faculdade
processual.

70. Petição inicial


A petição inicial é o primeiro articulado do processo, no qual o autor alega
os fundamentos de facto e de direito da situação jurídica invocada e formula o
correspondente pedido contra o réu.
A entrega da petição inicial é o resultado de uma actividade prévia do
advogado do autor e, frequentemente, de várias opções quanto à estratégia a
adoptar. Aquela actividade inclui a indagação dos factos relevantes para a
fundamentação da posição do seu mandante e a averiguação dos meios de
prova susceptíveis de ser utilizados por esta parte (art. 456º/2-a), b) CPC).
A petição inicial contém, em termos formais, quatro partes: o intróito ou
cabeçalho, a narração, a conclusão e os elementos complementares. A petição
inicial começa por um intróito ou cabeçalho, no qual é designado o Tribunal
onde a acção é proposta (art. 467º/1-a CPC), se identificam as partes através
dos seus nomes, residências, profissões e locais de trabalho (art. 467º/1-a
CPC) e se indica a forma do processo (art. 467º/1-b CPC). Se a petição inicial
não contiver estes elementos, a secretaria deve recusar o seu recebimento (art.
474º-a), b), c) CPC).
Na narração, o autor deve expor os factos e as razões de direito que
servem de fundamento à acção (art. 467º/1-c CPC). Esta parte da petição
inicial contém a exposição dos factos necessários à procedência da acção, isto
é, a alegação dos factos principais, bem como dos factos instrumentais para os
quais seja oferecida prova documental que deva ser junta à petição inicial (art.
523º/1 CPC). Os factos devem ser deduzidos por artigos (art. 151º/2 CPC) e,
se faltar qualquer facto essencial, a petição é inepta por falta de causa de pedir
(art. 193º/2-a CPC).
À narração dos factos e das razões de direito segue-se a conclusão. É
nesta parte da petição inicial que o autor deve formular o pedido (art. 467º/1-d
CPC), isto é, definir a forma de tutela jurídica que pretende a situação jurídica
alegada. A falta de indicação do pedido ou a contradição deste com a causa de
pedir apresentada na narração importam a ineptidão da petição inicial (art.
193º/2-a, b CPC).
A petição inicial termina com algumas indicações complementares (arts.
467º/1-e/2; 474º-d, e; 523º/1; 255º/1; 32º/1-a, b; 40º CPC).
A petição inicial deve ser entregue ou enviada à secretaria judicial do
Tribunal competente (art. 150º/1 e 3 CPC). A acção considera-se proposta,
intentada ou pendente logo que aquele articulado seja recebido na secretaria
(art. 267º/1 CPC).
O art. 234º/4 CPC, enumera as hipótese em que a citação do réu é
precedida de despacho judicial e o art. 234º-A/1 CPC, estabelece os casos em
que o juiz é chamado a proferir aquele despacho pode indeferir liminarmente a
petição. O indeferimento limiar pode basear-se na improcedência manifesta da
acção ou na existência de uma excepção dilatória insanável e de conhecimento
oficioso (art. 234º-A/1 CPC). Esse indeferimento pode ser parcial, tanto quanto
a um dos objectos cumulados, como quanto a um dos vários autores ou réus.
O indeferimento liminar extingue a instância (art. 287º-a CPC), e produz
caso julgado quanto ao seu fundamento. Por aplicação analógica do art. 476º
CPC, o autor pode entregar, no prazo de 10 dias após a notificação do
indeferimento liminar, uma nova petição inicial.
O art. 234º-A/1 CPC, coloca o problema de saber se o único despacho
admissível nesse momento é o de indeferimento liminar. Pode perguntar-se se,
perante uma petição irregular ou deficiente, o juiz está impedido de solicitar a
sanação da irregularidade ou de convidar o autor a aperfeiçoar esse articulado.

71. Citação do réu (art. 480º - art. 233º CPC)


A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta
contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (art.
228º/1, 1ª parte – 480º CPC). Em regra, a citação é posterior à distribuição,
mas, quando aquela não deva realizar-se editalmente (art. 233º/6 CPC), o
autor pode requerer, invocando os respectivos motivos, que a citação preceda
a distribuição (art. 487º/1 CPC).
A citação do réu está submetida aos princípios da oficiosidade e da
celeridade (arts. 234º/1 e 479º CPC).
A citação pode ser pessoal ou edital (art. 233º/1 CPC). A citação pessoal é
aquela que é feita através de contacto directo com o demandado ou que é
efectuada em pessoa diversa do citando, mas encarregada de lhe transmitir o
conteúdo do acto (art. 233º/4; sobre estas situações: arts. 233º/5, 236º/2 e
240º/2, 2ª parte CPC). A citação pessoal pode ser realizada através da entrega
ao cintando de carta registada com aviso de recepção, nos casos de citação
postal (art. 233º/2-a CPC), mas também pode ser efectuada através de
contacto pessoal do funcionário judicial (art. 233º/2-b CPC) ou do mandatário
judicial do autor com o citando (art. 233º/3 CPC). Em regra, a citação é pessoal
(art. 233º/6 CPC) e, em regra também, é realizada pela via postal (arts. 239º/1
e 245º/2 CPC).
Modalidades de citações:
* Citação postal (art. 236º/1 CPC);
* Citação por funcionário judicial (arts. 235º; 239º/1; 240º/2, 4 – art. 348º CP
– art. 241º CPC);
* Citação por mandatário judicial (art. 245º/2 CPC)
* Citação edital (art. 233º/6 CPC)
* Citação no estrangeiro (art. 247º/1 CPC).
A citação pode ser impossível por três circunstâncias: a incapacidade de
facto do citando (art. 242º CPC), a ausência do citando em parte certa e por
tempo limitado (art. 243º CPC) e a ausência dele em parte incerta (art. 244º
CPC). No primeiro caso, se o juiz reconhecer a incapacidade do réu, é-lhe
nomeado um curador provisório (art. 242º/3 CPC); no segundo, faculta-se ao
Tribunal a opção entre proceder à citação postal ou aguardar o regresso do
citando (art. 243º CPC); por fim, no terceiro, procura-se obter, junto de
quaisquer entidades, serviços ou autoridades policiais, informações sobre
paradeiro ou a ultima residência conhecida do citando (art. 244º/1 CPC),
utilizando, em seguida, se essa ausência for confirmada, a citação edital (arts.
233º/6, e 248º CPC).
A citação pode faltar (art. 195º CPC) e ser nula (art. 198º CPC). Segundo o
disposto no art. 195º CPC, verifica-se a falta de citação quando o acto tenha
sido completamente omitido, quando tenha havido erro de identidade do citado,
quando se tenha empregado indevidamente a citação edital (arts. 233º/6 e 251º
CPC), quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou
da extinção deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação
deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não
chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável, ou
seja, quando ele tenha ilidido a presunção estabelecida no art. 238º CPC, ou
quando a citação tenha sido realizada apesar da sua incapacidade de facto
(art. 242º CPC). A falta de citação considera-se sanada se o réu ou o Ministério
Público intervierem no processo e não arguirem o vício (art. 196º CPC).
A citação é nula quando, na sua realização, não hajam sido observadas as
formalidades prescritas na lei (art. 198º/1 CPC) – arts. 235º e 246º/1 CPC),
desde que essa inobservância possa prejudicar a defesa do citado (art. 198º/4
CPC)

72. Contestação
A contestação é a resposta do réu à petição inicial do autor, ou seja, é a
manifestação da posição do réu perante aquele articulado do autor. Pode ser
entendida num sentido material ou formal. A contestação em sentido material é
qualquer acto praticado pelo réu, no qual essa parte mostre a sua oposição ao
autor e ao pedido formulado por esta parte (arts. 486º/2 e 487º/1 CPC).
A contestação em sentido formal é o articulado de resposta do réu à
petição inicial do autor: à contestação em sentido formal referem-se por
exemplo os arts. 488º e 489º/1 CPC.
O réu pode tomar uma de duas atitudes fundamentais perante a petição
inicial: opor-se ao pedido do autor ou não se opor a ele. A opção por uma
destas condutas depende dos factos indagados pelo mandatário do réu e das
provas de que esta parte possa dispor, havendo, naturalmente, que observar o
dever de verdade que recai sobre essa parte (art. 456º/2-a, b CPC) e o dever
de não advogar contra a lei expressa e de não usar meios ou expedientes
ilegais que obriga o mandatário (art. 78º-b EOA).
A contestação do réu marca a sua oposição relativamente ao pedido do
autor. A contestação pode consistir na impugnação dos factos articulados pelo
autor ou na invocação de uma ou várias excepções dilatórias ou peremptórias
(art. 487º CPC). A escolha da modalidade da defesa (por impugnação ou por
excepção) é condicionada pela posição que o réu pretende assumir na acção
(arts. 487º/2 e 493º/2 e 3 CPC).
Em conjunto com a contestação ou independente dela, o réu pode formular
um pedido reconvencional contra o autor (art. 501º CPC). Sempre que o pedido
reconvencional não esteja sujeito a qualquer preclusão se não for formulado na
acção pendente, a opção pela sua formulação nessa acção só deve ser
tomada quando for possível coligir, no prazo de contestação, todos os
elementos necessários para a sua procedência.
A reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, na qual
devem ser expostos os seus fundamentos, formulado o correspondente pedido
e indicado o seu valor (art. 501º/1 e 2 CPC).
O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da sua citação (art. 486º
CPC). A esse prazo acresce uma dilação de 5 dias quando a citação não tenha
sido realizada na própria pessoa do réu (arts. 236º/2 e 240º/2 e 3 CPC) e
quando o réu tenha sido citado fora da comarca sede do Tribunal onde pende a
acção (art. 252º-A/1 CPC).
O articulado de contestação apresenta o mesmo conteúdo formal da
petição inicial (art. 488º CPC).
A contestação (em sentido material) está submetida a uma regra de
concentração ou de preclusão: toda a defesa deve ser deduzida na
contestação (art. 489º/1 CPC), ou melhor, no prazo da sua apresentação (art.
486º/1 CPC), pelo que fica precludida quer a invocação dos factos que,
devendo ter sido alegados nesse momento, não o foram, quer a impugnação,
num momento posterior, dos factos invocados pelo autor. Se aqueles factos
forem invocados fora do prazo determinado para a contestação, o Tribunal não
pode considerá-los na decisão da causa; se o fizer, incorre em excesso de
pronúncia, o que determina a nulidade daquela decisão (art. 668º/1-d, 2ª parte
CPC).
Para determinar a incidência desta regra de concentração ou de preclusão,
importa ter presente que, na contestação, o réu tanto pode alegar factos novos
que fundamentam uma excepção dilatória ou peremptória, como limitar-se a
impugnar os factos invocados pelo autor na petição inicial (art. 487º/2 CPC).

73. Conteúdo material


A contestação pode revestir as modalidades de defesa por impugnação e
por excepção (art. 487º/1 CPC). A defesa por impugnação pode ser directa ou
de facto ou indirecta ou de direito:
– A impugnação directa ou de facto consiste na contradição pelo réu dos
factos articulados na petição inicial (art. 487º/2, 1ª parte CPC);
– A impugnação é indirecta ou de direito quando o réu afirma que os
factos alegados pelo autor não podem produzir o efeito jurídico
pretendido por essa parte (art. 487º/2, 1ª parte in fine CPC).
A impugnação directa é um meio de defesa do réu; como o Tribunal
conhece oficiosamente a matéria de direito (art. 664º, 1ª parte CPC), este
órgão, mesmo sem essa impugnação, deve controlar se os efeitos jurídicos
pretendidos pelo autor podem decorrer dos factos alegados por esta parte. A
delimitação entre a impugnação indirecta e a excepção peremptória faz-se, por
isso, através do seguinte critério:
- Se o réu se limita a negar o efeito jurídico pretendido pelo autor, isto é,
a atribuir uma diferente versão jurídica dos factos invocados pelo autor,
há impugnação indirecta;
- Se, pelo contrário, o réu opõe a esse efeito a alegação de um facto
impeditivo, modificativo ou extintivo, verifica-se a dedução de uma
excepção peremptória.
a) Defesa por excepção:
Consiste na invocação de factos que obstam à apreciação do mérito da
acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito
invocado pelo autor, importam a improcedência total ou parcial do pedido (art.
487º/2, 2ª parte CPC). No primeiro caso, o réu alega a falta de um pressuposto
processual e invoca uma excepção dilatória (art. 493º/2 CPC); no segundo, o
réu opõe uma excepção peremptória (art. 493º/3 CPC).
b) Defesa por impugnação:
A impugnação directa deve abranger os factos principais articulados pelo
autor na petição inicial (art. 490º/1 CPC); se assim não suceder, consideram-se
admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (art. 490º/2, 1ª parte
CPC).
A contestação produz efeitos processuais, inclui-se a possibilidade,
admitida em certos casos, de réplica do autor (art. 502º/1 e 2 CPC). E
substantivos, importa referir que a contestação torna litigioso o direito
afirmado ou a coisa discutida em juízo, o que revela, por exemplo, para a
proibição da cessação daquele direito (art. 579º CC) e da venda desse direito
ou coisa (art. 876º CC).

74. Réplica
É a resposta do autor à contestação do réu. A réplica pode ser entendida
num sentido formal ou material: naquela primeira acepção, a réplica é o
articulado que o autor apresenta em resposta à contestação do réu; em sentido
material, a réplica consiste na contestação de uma excepção oposta pelo réu
ou na dedução de uma excepção contra o pedido reconvencional formulado
pelo réu (art. 502º/1 e 2 CPC). Se aquele articulado contiver aquela
impugnação ou a dedução daquela excepção, a réplica em sentido formal é-o
também em sentido material.
A réplica é admissível sempre que o réu deduza alguma excepção ou
formule um pedido reconvencional (art. 502º/1 CPC): naquele primeiro caso, a
réplica destina-se a possibilitar a impugnação pelo autor da excepção invocada
pelo réu ou a alegação de uma contra-excepção; no segundo, a réplica permite
a apresentação pelo autor de qualquer contestação, por impugnação ou por
excepção (art. 487º/1 CPC), do pedido reconvencional. A réplica encontra a sua
justificação nos princípios da igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e do
contraditório (art. 3º/1 e 3 CPC).
A falta da réplica ou a não impugnação dos factos novos alegados pelo réu
implica, em regra, a admissão por acordo dos factos não impugnados (art. 505º
CPC). Esta admissão não se verifica nas situações previstas do art. 490º/2
CPC, e, além disso, há que conjugar o conteúdo da réplica com o da petição
inicial, pelo que devem considerar-se impugnados os factos alegados pelo réu
que forem incompatíveis com aqueles que constarem de qualquer desses
articulados do autor.
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional, a falta de réplica
implica a revelia do reconvindo quanto a esse pedido (art. 484º/1 CPC). Essa
revelia é inoperante nas condições referidas no art. 485º CPC, mas, se for
operante, determina a confissão dos factos articulados pelo réu como
fundamento do seu pedido reconvencional (art. 484º/1 CPC).
Acessoriamente a estas funções, a réplica pode ser utilizada para o autor
alterar unilateralmente o pedido ou a causa de pedir (art. 273º/1 e 2 CPC)

75. Tréplica
É a resposta do réu à réplica do autor. Também a tréplica pode ser referida
numa acepção formal ou material: em sentido formal, a tréplica é o articulado
de resposta do réu à réplica do autor; a tréplica em sentido material é a
contestação pelo réu das excepções opostas à reconvenção na réplica, a
impugnação da admissibilidade da modificação do pedido ou da causa de pedir
realizada pelo autor na réplica (art. 273º/1 e 2 CPC) ou a contestação da nova
causa de pedir ou do novo pedido apresentado pelo autor na réplica (art.
503º/1 CPC).
A tréplica só é admissível em duas situações (art. 503º/1 CPC):
- Quando o autor tiver modificado na réplica o pedido ou a causa de pedir
(art. 273º/1 e 2 CPC) e o réu pretender contestar quer a admissibilidade
dessa modificação, quer o novo pedido formulado ou a nova causa de pedir
invocada;
- Quando o réu tiver deduzido um pedido reconvencional, o autor tiver
alegado contra esse pedido uma excepção e o réu desejar contestá-la por
impugnação ou pela invocação de uma contra-excepção. A tréplica destina-
se, por isso, a assegurar o contraditório do réu a essas matérias.
O ónus de impugnação também vale na tréplica. Assim, a falta da tréplica,
a não impugnação da nova causa de pedir e a não contestação da excepção
alegada pelo autor na réplica determinam, em regra, a admissibilidade por
acordo desses factos e dessa excepção (art. 505º CPC).
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional (art. 501º/1 CPC), o
autor pode contestar na réplica esse pedido através da dedução de uma
excepção, à qual o réu pode responder na tréplica com a alegação de uma
contra-excepção.

76. Articulados supervenientes


Os articulados supervenientes são utilizados para a alegação de factos
que, dada a sua superveniência, não puderam ser invocados nos articulados
normais (art. 506º/1 CPC). Essa superveniência pode ser objectiva ou
subjectiva:
- É objectiva quando os factos ocorrem posteriormente ao momento da
apresentação do articulado da parte (art. 506º/2, 1ª parte CPC);
- É subjectiva quando a parte só tiver conhecimento de factos ocorridos
depois de findar o prazo de apresentação do articulado (art. 506º/2, 2ª parte
CPC).
A superveniência objectiva é facilmente determinável: se o facto ocorreu
depois da apresentação do articulado da parte, ele é necessariamente
superveniente. Mais complexa é a aferição da superveniência subjectiva,
porque importa verificar em que condições se pode dar relevância
desconhecimento do facto pela parte. O art. 506º/4 CPC, estabelece que o
articulado superveniente deve ser rejeitado quando, por culpa da parte, ele for
apresentado fora de tempo, isto é, quando a parte não tenha tido conhecimento
atempado do facto por culpa própria (art. 506º/3 CPC). Portanto, a
superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo do facto.
FASE DA CONDENSAÇÃO

77. Função da fase


Realiza duas funções primordiais: uma respeitante aos aspectos jurídico-
processuais da acção e uma outra relativa ao seu objectivo. Naquela primeira
função, cabe a verificação da regularidade do processo e, sempre que
possível, a sanação das excepções dilatórias e das nulidades processuais: é a
função de saneamento. Na segunda, inclui-se o convite à correcção e ao
aperfeiçoamento dos articulados e a determinação das questões de facto a
resolver: é a função de concretização.
A função de saneamento visa resolver os impedimentos à apreciação do
mérito da acção e sanar as nulidades processuais e a função de concretização
permite delimitar as questões de facto relevantes para a decisão da causa.

78. Despacho pré-saneador


É proferido pelo juiz sempre que importe obter a sanação das excepções
dilatórias (art. 508º/1-a CPC) ou a convidar as partes ao aperfeiçoamento ou à
correcção dos articulados das partes (art. 508º/1-b CPC).
Ao Tribunal incumbe providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento
da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, quer
determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância,
quer convidando as partes a praticá-los (art. 265º/2 CPC). Se o Tribunal ainda
não tiver promovido essa sanação (tal como permite o art. 265º/2 CPC), o
momento adequado para o fazer é o despacho pré-saneador (art. 508º/1-a
CPC).
O Tribunal pode utilizar o despacho pré-saneador para convidar as partes,
dentro de prazos por ele fixados (art. 508º/2 e 3 CPC), a corrigirem ou a
aperfeiçoarem os seus articulados (art. 508º/1-b CPC). Este despacho nunca é
recorrível (art. 508º/6 CPC).
São de dois tipos os vícios de que podem padecer os articulados das
partes: a irregularidade e a deficiência. O articulado é irregular quando não
observe os requisitos legais ou quando não seja acompanhado de documento
essencial ou de qual a lei faça depender o prosseguimento da causa (art.
508º/2 CPC).
O articulado é deficiente quando contenha insuficiências ou impressões
na exposição ou concretização da matéria de facto (art. 508º/3 CPC), isto é,
quando nele se encontrem todos os factos principais ou a sua alegação seja
ambígua ou obscura. A deficiência respeita, por isso, ao conteúdo do articulado
e à apresentação da matéria de facto; esse vício pode traduzir-se, por exemplo,
na insuficiência dos factos alegados ou em lacunas ou saltos na sua exposição.
Os factos alegados pela parte para o suprimento dessa deficiência não
podem implicar uma alteração da causa de pedir ou da defesa anteriormente
apresentadas (art. 508º/5 CPC) e, por isso, o réu não pode deduzir no novo
articulado uma reconvenção que anteriormente não formulara.

79. Audiência preliminar


É marcada pelo Tribunal para os 30 dias subsequentes ao termo da fase
dos articulados, ao suprimento das excepções dilatórias ou à correcção ou
aperfeiçoamento dos articulados (art. 508º-A/1 proémio CPC). O despacho que
a convoca deve indicar o seu objecto e finalidade (que é qualquer das previstas
no art. 508º-A/1 CPC), mas não exclui a possibilidade de o Tribunal conhecer
do mérito da causa no despacho saneador (arts. 508º/3; 510º/1-b CPC).
Se a audiência preliminar for convocada, a falta das partes ou dos seus
mandatários não constitui motivo do seu adiamento (art. 508º-A/4 CPC). A falta
do mandatário pode reflectir-se, de modo significativo, na defesa dos interesses
do seu constituinte, pelo que é susceptível de o fazer incorrer em
responsabilidade perante a parte (art. 83º/1-d EOA).
A audiência preliminar é dispensável quando, destinando-se à fixação da
base instrutória, a simplicidade da causa não justifique a sua convocação (art.
508º-B/1-a CPC)
A audiência preliminar também é dispensável quando a sua realização
tivesse por finalidade facultar a discussão de excepções dilatórias (art. 508º-
A/1-b CPC) e estas já tenham sido debatidas nos articulados, a sua apreciação
se revista de manifesta simplicidade (art. 508º-B/1-b CPC) ou, segundo um
outro critério legal, a sua discussão prévia seja manifestamente desnecessária
(art. 3º/3 CPC).

80. Finalidades essenciais


A audiência preliminar realiza-se com as seguintes finalidades essenciais,
muitas das quais encontram a sua justificação no princípio da cooperação
recíproca entre o Tribunal e as partes (art. 266º/1 CPC):
- Tentativa de conciliação das partes (art. 508º-A/1-a CPC);
- Discussão e produção de alegações pelas partes, se o juiz tiver de
apreciar excepções dilatórias que as partes não hajam suscitado e discutido
nos articulados ou tencionar conhecer, no todo ou em parte, do mérito da
causa no despacho saneador (art. 508º-A/1-b CPC);
- Discussão das posições das partes, com vista à delimitação do litígio, e
suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de
facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate
(art. 508º-A/1-c CPC);
- Proferimento do despacho saneador (art. 508º-A/1-d CPC);
- Finalmente, se a acção tiver sido contestada, selecção, após debate, da
matéria de facto relevante para a apreciação da causa e decisão sobre as
reclamações deduzidas pelas partes contra ela (art. 508º-A/1-e CPC).
A audiência preliminar prossegue, assim, múltiplas funções: as principais
são as da conciliação das partes, de audição prévia das partes, de saneamento
do processo, de concretização do objecto do litígio e de selecção da matéria de
facto (art. 508º-A/1-a, b, c, d, e CPC).

81. Concretização do litígio


Visa-se atingir com essa função uma dupla finalidade: por um lado,
procura-se circunscrever as divergências entre as partes, distinguindo-se aquilo
que é essencial do que é acessório nas suas posições; por outro, pretende-se
evitar que as insuficiências e imprecisões dos articulados na exposição da
matéria de facto possam criar uma realidade processual distinta da verdade
das coisas.
Para a delimitação do objecto do litígio relevam elementos de direito e de
facto. Quanto àqueles primeiros, é sempre admissível uma modificação da
qualificação jurídica que seja compatível com os factos alegados pelas partes.
Relativamente aos elementos de facto, o problema que se coloca é o de
saber se a discussão realizada para a delimitação do objecto do litígio pode ser
acompanhada da modificação da causa de pedir. A resposta é positiva, mas
não há qualquer motivo para entender que tal modificação deva ser admitida
fora das condições legalmente previstas, isto é, para além dos casos
enquadráveis na previsão do art. 272º CPC (quanto à modificação consensual)
e 273º CPC (quanto à alteração unilateral).

82. Selecção da matéria de facto


Escolher os factos que se devem considerar assentes e aqueles que
devem ser julgados controvertidos: também esta importante tarefa se cumpre
na audiência preliminar (art. 508º-A/1-e CPC). Quanto a esta selecção, a
audiência visa não só prepará-la, mas também realizá-la efectivamente. A
conjugação do disposto no art. 508º-A/1-e CPC, com o estabelecido no art.
511º/1 CPC, poderia levar a entender que a selecção da matéria de facto seria
realizada pelo juiz depois da audiência preliminar, isto é, poderia conduzir ao
entendimento de que essa audiência visaria somente a preparação da selecção
a realizar posteriormente pelo juiz.
A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de
direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei
ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica.

83. Finalidades acessórias


Sempre que a audiência preliminar se deva realizar, ela prossegue
complementarmente as seguintes funções:
- A indicação pelas partes dos meios de prova e a decisão sobre a
admissão e preparação das diligências probatórias, salvo se alguma das
partes requerer a sua apresentação posterior (art. 508º-A/2-a CPC);
- Se o processo estiver em condições de prosseguir para julgamento (se o
processo não dever terminar no despacho saneador, art. 510º/1 CPC), a
designação da data de realização da audiência final (art. 508º-A/2-b CPC) e,
em certas acções não contestadas, a solicitação da intervenção do Tribunal
colectivo (art. 646º/2-a CPC);
- Finalmente, a apresentação do requerimento da gravação da audiência
final (art. 508º-A/2-c; arts. 522º-B e 522º-C CPC).
Conjuntamente com a indicação dos meios de prova (art. 508º-A/2-a CPC),
as partes, quando não pretenderem provar os próprio facto principal
seleccionado na base instrutória, têm o ónus de indicar os factos instrumentais
que desejam utilizar para a prova desse facto. Isto é, como todas as provas
constituendas exigem a preferência do facto com que se pretende provar com
elas (arts. 552º/2; 577º/1; 612º e 633º CPC), a parte, se não quiser demonstrar
com essas provas o próprio facto principal seleccionado, tem o ónus de alegar
os factos instrumentais que pretende demonstrar com a prova requerida.
Uma outra finalidade acessória da audiência preliminar é o exercício do
contraditório. Se, em virtude da limitação legal do número de articulados,
alguma das partes não puder responder a uma excepção deduzida no último
articulado admissível, ela pode responder à matéria desta na audiência
preliminar (art. 3º/4 CPC).
84. Despacho saneador
O despacho saneador pode apreciar tanto os aspectos jurídico-processuais
da acção, como o mérito desta (art. 510º/1 CPC). Nestas funções atribuídas ao
despacho saneador, a apreciação daqueles aspectos constitui a sua finalidade
primária e o seu conteúdo essencial, enquanto o conhecimento do mérito é
uma finalidade eventual. O julgamento do mérito realiza-se normalmente na
sentença final (art. 658º CPC), pelo que quando o estado da causa o permitir
(art. 510º/1-b CPC), ele pode ser antecipado para o despacho saneador.
O despacho saneador destina-se, antes de mais, a verificar a
admissibilidade da apreciação do mérito e a regularidade do processo (art.
510º/1-a CPC); havendo toda a vantagem em que o controlo dessa
admissibilidade não seja relegada para uma fase adiantada da tramitação da
acção, é ela que justifica a atribuição daquela função de saneamento àquele
despacho.
O momento do proferimento do despacho saneador depende da tramitação
da causa em concreto. Se não houver que proceder à convocação da
audiência preliminar (art. 508º-B/1 CPC), o despacho saneador é proferido no
prazo de 20 dias a contar do termo da fase dos articulados (art. 510º/1 proémio
CPC).
No despacho saneador, o Tribunal deve conhecer das excepções dilatórias
e das nulidades processuais que haja sido suscitadas pelas partes ou que, face
aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente (art. 510º/1-a
CPC). Quanto àquelas nulidades, o Tribunal pode apreciar oficiosamente a
ineptidão da petição inicial, a falta de citação, o erro na forma do processo e a
falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória (art. 202º
CPC). mas estas nulidades só são apreciadas no despacho saneador se o
Tribunal ainda não tiver conhecido delas (art. 206º/1 e 2, 1ª parte CPC).
Também as nulidades que não são de conhecimento oficioso deverão ser
julgadas logo que sejam reclamadas (art. 206º/3 CPC), pelo que a sua
apreciação não se realizará, em regra, no despacho saneador.
Quando o despacho saneador conheça de uma excepção dilatória ou de
uma nulidade processual, ele só adquire força de caso julgado formal quanto
às questões concretamente apreciadas (art. 510º/3 1ª parte CPC). Assim,
apenas o julgamento concreto sobre a inexistência de uma excepção ou
nulidade impede que essa matéria possa voltar a ser apreciada no processo
pendente (art. 660º/1 CPC).
Pelo contrário, a referência genérica no despacho saneador à inexistência
de qualquer excepção dilatória ou nulidade processual não adquire força de
caso julgado (art. 510º/3, 1ª parte CPC) e, por isso, não impede que o Tribunal
venha a apreciar, na sentença final, uma dessas excepções ou nulidades (art.
660º/1 CPC).
A apreciação do mérito e o proferimento da decisão sobre a sua pendência
ou improcedência é realizada, em regra, na sentença final (art. 658º CPC).
Mas, em certas condições, essa apreciação pode ser antecipada para o
despacho saneador: Tribunal pode conhecer do mérito da acção nesse
despacho sempre que o estado do processo permita, sem necessidade de
mais provas, a apreciação do pedido, de algum dos pedidos cumulados, do
pedido reconvencional ou ainda da procedência ou improcedência de alguma
excepção peremptória (art. 510º/1-b CPC). Neste caso, o despacho saneador
fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença (art. 510º/3, 2ª parte CPC)
e dele cabe recurso de apelação (art. 691º/1 CPC).
Nas condições referidas no art. 288º/3 CPC, o Tribunal pode conhecer do
mérito ainda que verifique que falta um pressuposto processual. Esta situação
será certamente mais frequente no despacho saneador do que na sentença
final, dado que são raras as situações em que a falta do pressuposto se
detecta apenas na fase da sentença ou em que a sua apreciação é relegada
para esse momento (art. 510º/4 CPC).
FASE DA INSTRUÇÃO

85. Função da fase


Os factos incluídos na base instrutória, porque são controvertidos ou
porque nele foram inseridos por iniciativa do Tribunal (art. 264º/2 CPC),
necessitam de ser provados (art. 513º CPC). A fase da instrução realiza uma
função distinta consoante sejam utilizadas para a demonstração desses factos
provas constituendas ou provas pré-constituídas. A produção de uma prova
constituenda é realizada, em regra, na audiência final (art. 652º/3-a, b, c, d,
CPC), mas essa actividade tem de ser previamente preparada: esta é uma das
funções da fase da instrução, na qual são praticados os actos preparatórios da
produção das provas constituendas.

86. Princípios estruturantes


A fase da instrução rege-se pelo princípio da cooperação (art. 266º/1 CPC),
tanto nas relações das partes e de terceiros com o Tribunal (art. 266º/1 e 519/1
CPC), como nas do Tribunal com as partes (art. 266º/4 CPC). Naquele primeiro
aspecto, o princípio da cooperação impõe a todas as pessoas, mesmo que não
sejam partes na causa, o dever de prestar a sua colaboração para a
descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-
se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os
actos que forem determinados (art. 519º/1 CPC). A recusa de colaboração
implica a condenação em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem
admissíveis (art. 519º/2, 1ª parte CPC; sobre essa multa, art. 102º-b CCJ).
Este dever de colaboração é independente da repartição do ónus da prova
(arts. 342º a 345º CC), pelo que abrange mesmo a parte que não está onerada
com a prova do facto.
A recusa de colaboração é legítima se esta implicar a violação da
integridade física ou moral das pessoas (art. 519º/3-a CPC).
A actividade de instrução também assenta na colaboração do Tribunal com
as partes da acção (arts. 266º/4; 519º-A/1 CPC).
Apesar de o objecto do processo se encontrar, em geral, submetido à
disponibilidade das partes (arts. 264º/1; e 664º in fine CPC), a instrução
comporta importantes poderes instrutórios do Tribunal. Esses poderes podem
recair sobre factos essenciais, complementares e instrumentais e justificam-se
pela necessidade de evitar que, pela falta de prova, a decisão da causa seja
imposta pelo non liquet (art. 516º CPC; art. 346º CC) e não pela realidade das
coisas averiguada em juízo. Nenhum facto relevante para a decisão da causa
deve ficar por esclarecer.
A actividade de instrução comporta importantes poderes inquisitórios do
Tribunal sobre os factos instrumentais. Segundo o estipulado no art. 264º/2
CPC, o Tribunal pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos
instrumentais e utilizá-los na sentença quando resultem da instrução e
julgamento da causa. Uma das consequências destes poderes inquisitórios
sobre os factos instrumentais é a possibilidade de o Tribunal investigar factos
que permitam provar os factos principais que constam da base instrutória (arts.
508º-A/1-e e 508º-B/2 CPC) e que constituem o objecto da instrução (art. 513º
CPC).
O princípio do contraditório (art. 3º/1 a 3 CPC) também releva na instrução
da acção. Assim, as provas não são admitidas (nem produzidas) sem a
audiência contraditória da parte a quem sejam opostas (art. 517º/1 CPC). Essa
contrariedade concretiza-se de modo diferente nas provas pré-constituídas.
Relativamente às provas pré-constituídas, qualquer das partes tem a
faculdade de impugnar tanto a respectiva admissão, como a sua força
probatória (art. 517º/2, 2ª parte CPC).
Quanto às provas constituendas, a parte deve ser notificada, sempre que
não seja relevante, para todos os actos de preparação e produção da prova e é
admitida a intervir nesses mesmos actos (art. 517º/2, 1ª parte CPC).

87. Meios de prova


Os meios de prova podem ser indicados ou requeridos na petição inicial
(art. 467º/2 CPC) e, por analogia, em qualquer outro articulado. Se isso não
tiver acontecido, esses meios devem ser apresentados ou requeridos na
audiência preliminar, salvo se alguma das partes requerer, com motivos
justificados, a sua apresentação ulterior (art. 508º-A/2-a CPC); se essa
audiência não se realizar, os meios de prova devem ser apresentados ou
requeridos nos 15 dias subsequentes à notificação do despacho saneador (art.
512º/1 CPC). Neste mesmo prazo, as partes podem alterar os requerimentos
probatórios que hajam feito nos articulados (art. 512º/1, 2ª parte CPC).
Depois deste prazo, o rol de testemunhas ainda pode ser alterado ou
aditado até 20 dias antes da data da realização da audiência final (art. 512º-A/1
CPC), sendo a parte contrária notificada para usar, se quiser, de igual
faculdade no prazo de 5 dias (art. 512º-A/1 in fine CPC). A apresentação das
novas testemunhas incumbe às partes (art. 512º-A/2 CPC), isto é, o Tribunal
não procede à sua notificação. Meios de prova:
a) Prova por confissão (arts. 552º segs. CPC);
b) Prova documental (arts. 523º segs. CPC)
c) Prova pericial (arts. 568º segs. CPC);
d) Prova testemunhal (arts. 616º segs. CPC);
e) Inspecção judicial (arts. 612º segs. CPC);
f) Apresentação de coisas.
FASE DA AUDIÊNCIA FINAL

88. Função da fase


A fase da audiência final compreende as actividades de produção da prova
(constituenda), de julgamento da matéria de facto e de discussão sobre a
matéria de direito. Como resulta deste enunciado, esta fase realiza duas
funções primordiais – que são a produção da prova e o consequente
julgamento da matéria de facto – e uma função preparatória da sentença final –
que é prosseguida pelas alegações de direito.

89. Princípios estruturantes


Segundo o princípio da imediação, os meios de prova devem ser
apresentados directamente perante o Tribunal, ou seja, o Tribunal deve ter um
contacto directo com esses meios. É este princípio que orienta o disposto no
art. 652º/3 CPC, quanto à realização da prova perante o Tribunal da audiência
final. Sempre que a prova seja transmitida por pessoas, a imediação na
produção da prova implica a oralidade nessa realização.
a) Publicidade
As audiências dos Tribunais são públicas, salvo quando o próprio Tribunal
decidir, em despacho fundamentado, excluir essa publicidade para
salvaguardar a dignidade das pessoas e a moral pública ou para garantir o seu
normal funcionamento (art. 206º CRP; sobre essa publicidade, também art. 10º
Declaração Universal dos Direitos do Homem; art. 14º/1 Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos; art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos
do Homem). A audiência final deve ser, com essas mesmas excepções,
públicas (art. 656º/1 CPC).
Mesmo quando a audiência seja pública, a publicidade pode ser excluída
quando se proceda à exibição de reproduções cinematográficas ou de registos
fonográficos (art. 652º/3-b, 2ª parte CPC). Dado que a lei não define os critérios
para a exclusão da publicidade neste caso, deve entender-se que valem
aqueles que se encontram enunciados no art. 206º CRP (bem como no art.
656º/1 CPC).
b) Continuidade
A audiência final é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de
força maior, por absoluta necessidade ou nos casos regulados na lei (art.
656º/2, 1ª parte CPC), como sucede naqueles que estão previstos nos arts.
650/4; 651º/3; 654º/2 CPC. Se não for possível conclui-la num dia, o presidente
marcará a sua continuação para o dia útil imediato, ainda que compreendido
em férias, e assim, sucessivamente (art. 656º/2, 2ª parte CPC).
c) Plenitude
Segundo o princípio da plenitude da assistência dos juízes, só podem
intervir na decisão da matéria de facto aqueles que tenham assistido a todos os
actos de instrução e discussão praticados na audiência final (art. 654º/1 CPC).
A violação desta regra origina uma nulidade processual (art. 201º/1 CPC).
Se durante a audiência, algum dos juízes falecer ou se impossibilitar
permanentemente, os actos já realizados são repetidos perante um Tribunal
com uma nova composição (art. 654º/2, 1ª parte CPC). Se a impossibilidade for
temporária, interrompe-se a audiência ou, se parecer mais aconselhável,
repetem-se perante um novo Tribunal os actos já praticados (art. 654º/2, 2ª
parte CPC). Se o juiz for transferido, promovido ou aposentado, conclui-se, em
princípio, o julgamento antes da efectivação dessa deslocação ou
aposentação, excepto se esta se fundamentar na incapacidade física, moral ou
profissional para o exercício do cargo (art. 654º/3, 1ª parte CPC).
d) Documentação
A audiência final e os depoimentos, informações e esclarecimentos nela
prestados são gravados, sempre que alguma das partes o requeira (arts. 508º-
A/2-c, e 512º/1 CPC) ou o Tribunal o determine (art. 522º-B CPC). A gravação é
efectuada por sistema sonoro, excepto quando possa ser realizada por meios
audiovisuais ou semelhantes (art. 522º-C CPC), e abrange a discussão da
causa (art. 652º/1 CPC), a tentativa de conciliação entre as partes (art. 652º/2
CPC), a produção da prova (art. 652/3-a, b, c, d, CPC), os debates sobre a
matéria de facto (art. 652º/3-e; n.º 5 CPC), a leitura do acórdão de julgamento
da matéria de facto e as eventuais reclamações deduzidas pelas partes (art.
653º/4 CPC) e ainda a discussão oral do aspecto jurídico da causa (arts. 653º/5
e 657º CPC). Se algum depoimento houver de ser prestado fora do Tribunal
(art. 652º/4 CPC), também ele deverá ser gravado.
e) Efectivação
A produção da prova orienta-se por um princípio de efectividade, através do
qual se procura evitar que essa actividade se torne impossível por não ter sido
realizada no momento oportuno. Com vista a assegurar a efectividade da
produção da prova, permite-se que, se houver justo receio de vir a tronar-se
impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de
certos factos por meio de arbitramento ou inspecção, a produção destas provas
possa ser antecipada ou mesmo realizada antes da propositura da acção (art.
520º CPC). É o que se chama produção antecipada da prova (ou prova ad
perpetuam rei memoriam), que como pressuposto especifico o receio da
impossibilidade ou da dificuldade da realização da prova no momento normal.

90. Tribunal da audiência


A discussão e o julgamento da causa são realizados, em regra, com a
intervenção do Tribunal colectivo (art. 646º/1 CPC). Esse Tribunal é um
Tribunal de círculo (art. 81º/1-b LOTJ) ou uma vara cível (art. 72º LOTJ); onde
não os houver, é competente um Tribunal colectivo strictu sensu (art. 79º-b
LOTJ).
Mas, em certas situações, a audiência final decorre perante um Tribunal
singular. Quanto às situações de revelia inoperante, há que distinguir três
hipóteses:
- Se a revelia for inoperante por qualquer das circunstâncias previstas no
art. 485º-b, c, d, CPC, a audiência final decorre perante o Tribunal singular
excepto se as partes requererem a intervenção do Tribunal colectivo na
audiência preliminar ou nos 15 dias subsequentes à notificação do
despacho saneador (art. 646º/2-a; art. 512º-1 CPC);
- Se a inoperância da revelia resultar da contestação de algum dos
litisconsortes (art. 485º-a CPC), a audiência final realiza-se perante o
Tribunal colectivo (art. 646º/2-a CPC);
- Se a revelia for inoperante porque a citação do réu não foi pessoal (art.
484º/1 CPC), a audiência final decorre perante o Tribunal colectivo (art.
646º/1 CPC).
Se o julgamento for realizado por um Tribunal singular quando deveria ter
intervindo um Tribunal colectivo, é aplicável – diz o art. 646º/3 CPC – o
disposto no art. 110º/4 CPC, do qual resulta que aquela incompetência do
Tribunal singular pode ser suscitada pela partes ou ser conhecida
oficiosamente até ao termo da audiência final. Note-se que, apesar desta
remissão, a incompetência prevista no art. 646º/3 CPC, é, como categoria
processual, totalmente distinta daquela que é regulada pelo art. 110º/4 CPC:
aquela é uma incompetência funcional, porque se refere à distribuição de
poderes dentro do Tribunal competente para a apreciação da acção; esta
última é uma incompetência jurisdicional. Assim, aquela incompetência do
Tribunal singular não conduz à consequência da incompetência relativa (art.
111º/3 CPC), mas à nulidade do acto processual realizado pelo Tribunal
singular, isto é, do julgamento da matéria de facto (art. 201º/1 CPC).

91. Realização da audiência


A audiência inicia-se com a discussão da causa (art. 652º/1 CPC), isto é,
com a apresentação por cada um dos advogados das partes os fundamentos
das suas posições quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de
direito. Se o objecto da acção for uma situação disponível, o presidente
procurará conciliar as partes (art. 652º/2 CPC).
Sempre que alguma das partes, em consequência da limitação legal do
número de articulados, não possa responder a uma excepção deduzida pela
outra no último articulado admissível, aquela parte pode exercer o contraditório
no início da audiência final, se não se realizou a audiência preliminar (art. 3º/4
CPC). Produção de prova:
a) Depoimento de parte, a produção de prova começa pela prestação de
depoimento de parte (art. 652º/3-a CPC), quando ele tiver sido ordenado
pelo Tribunal ou requerido pela outra parte, por uma comparte (arts. 552º/1,
e 553º/3 CPC) ou pelo assistente (arts. 339º e 332º/1 CPC).
b) Prova documental, embora deva ser apresentada, em regra, antes da
audiência final (art. 523º/1 CPC), essa audiência é o momento adequado
para a exibição de reproduções cinematográficas ou de registos
fonográficos (art. 652º/3-b, 1ª parte; 527º CPC; arts. 206º CRP, 656º/1
CPC).
c) Prova pericial, o resultado da perícia consta de um relatório (art. 596º/1
CPC), pelo que, em regra, os peritos não são chamados a depor na
audiência final. Mas a presença dos peritos nesta audiência pode ser
ordenada oficiosamente pelo Tribunal ou requerida por qualquer das partes,
para que eles possam prestar os esclarecimentos verbais que lhes forem
solicitados (art. 652º/3-c CPC).
d) Prova testemunhal, as testemunhas são inquiridas na audiência final
(arts. 621º proémio e 652º/3-d CPC), excepto se for requerida a sua
inquirição antecipada (arts. 621º-a e 520º CPC) ou por carta (art. 621º-b
CPC). A parte pode requerer a inquirição da testemunha por carta quando
ela resida fora da área do círculo judicial ou da ilha (art. 623º/1 CPC) ou da
área metropolitana da sede do Tribunal (art. 623º/4 CPC). Contra a prova
testemunhal pode reagir-se por impugnação, contradita ou acareação:
- A impugnação questiona a admissibilidade do depoimento (arts. 636º;
637º CPC), ou seja, tem por fundamento a incapacidade natural ou a
inabilidade legal da testemunha (arts. 616º e 617º CPC);
- A contradita baseia-se na alegação de qualquer circunstância capaz
de abalar a credibilidade do depoimento, quer por efectuar a razão da
ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa
merecer (arts. 640º; 641º CPC);
- A acareação consiste no confronto das testemunhas, ou das
testemunhas e das partes, cujos depoimentos mostrem uma oposição
directa acerca de determinado facto (arts. 642º; 643º CPC).
e) Debates, após a produção da prova, realizam-se os debates sobre a
matéria de facto (art. 652º/3-e CPC). Estes debates definem um importante
momento na tramitação da acção. Eles marcam o termo ou encerramento
da discussão, o qual determina o limite temporal da alteração do pedido (art.
273º/2 CPC), da apresentação dos articulados supervenientes (art. 506º/2
CPC), da junção de documentos (art. 523º/2 CPC), da ampliação da base
instrutória pelo presidente do Tribunal colectivo (art. 650º/2-f CPC) e da
consideração pelo Tribunal dos factos constitutivos, modificativos e
extintivos (art. 663º/1 CPC).

92. Princípios do julgamento


a) Aquisição processual
Segundo o princípio da aquisição processual, o Tribunal deve tomar em
consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham
sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova
(art. 515º, 1ª parte CPC).
Uma das consequências deste princípio é a impossibilidade de retirar do
processo uma prova apresentada (art. 542º/3 e 4 CPC). O mesmo processo
justifica a inadmissibilidade da desistência da prova pericial pela parte
requerente sem a anuência da parte contrária (art. 576º CPC).
Exceptuam-se a submissão a este princípio da aquisição processual as
situações em que a lei declare irrelevante a alegação e a prova de um facto
quando não sejam feitas por uma certa parte (art. 515º, 2ª parte CPC). É o que
sucede com a confissão, que só pode ser feita pela parte para a qual o facto
reconhecido é desfavorável (art. 352º CC), e, mais casuisticamente, com a
prova da maternidade na respectiva acção de investigação, a qual só pode ser
realizada pelo filho investigante (art. 1816º/1 CC).
b) Livre apreciação da prova
Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto
controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final
(art. 652º/3-b, c, d, CPC) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (art. 65º/1
CPC): é o caso da prova pericial (art. 389º CC; art. 591º CPC), da inspecção
judicial (art. 391º CC) e da prova testemunhal (art. 396º CC).
A prova livre está excluída sempre que a lei conceda um valor legal a um
determinado meio de prova (arts. 358º/1 e 2, 371º/1, 376º e 377º CC), assim
como quando a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer
formalidade especial (art. 655º/2 CPC).
c) Fundamentação
Na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os
fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova
(ou falta de prova) dos factos (art. 653º/2 CPC). Como, em geral, as provas
produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (arts. 655º/1 e
652º/3-b, c, d, CPC), o Tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para
que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa
controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como
provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a
obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a
permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através
dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.
A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada
separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova
pressupõe conhecer o seu conteúdo, determinar a sua relevância e proceder à
sua valoração.

93. Procedimento do julgamento


Encerrada a discussão (art. 652º/3-e CPC), o Tribunal recolhe à sala das
conferências para ponderar e decidir (art. 653º/1, 1ª parte CPC). Se não se
julgar suficientemente esclarecido, pode voltar à sala da audiência, ouvir as
pessoas que entender e ordenar quaisquer diligências necessárias (art. 653º/1,
2ª parte CPC).
A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o
julgamento incumbir a Tribunal singular (art. 653º/2, 1ª parte CPC). A decisão
do Tribunal colectivo é tomada por maioria e o acórdão é lavrado pelo
presidente, podendo qualquer dos juízes assinar vencido quanto a qualquer
ponto da decisão ou formular declaração divergente quanto à sua
fundamentação (art. 653º/4 CPC). Aquela decisão deve declarar quais os
factos que o Tribunal julga provados e quais os que considera não provados e
especificar, quanto a todos eles, os fundamentos que foram decisivos para a
convicção do julgador (art. 653º/2 CPC). As partes podem reclamar contra a
falta dessa motivação (art. 653º/4, 2ª parte CPC) e ela pode ser exigida pela
Relação (art. 712º/5 CPC).
Ao Tribunal compete, no julgamento da matéria de facto, analisar
criticamente as provas (art. 653º/2 CPC). Esta análise refere-se às presunções
legais e judiciais das quais pode ser inferida a prova do facto controvertido
(arts. 349º a 351º CC).
O Tribunal de audiência não pode pronunciar-se sobre matéria de direito,
isto é, não pode ocupar-se da aplicação do direito aos factos provados.
Considera-se inexistente qualquer resposta desse Tribunal sobre essa matéria
(art. 646º/4, 1ª parte CPC).

94. Discussão da matéria de direito


A fase da audiência final termina com a discussão da matéria de direito,
que se destina a discutir a interpretação e aplicação da lei aos factos julgados
provados (arts. 653º/5 in fine, e 657º in fine CPC) e que se pode realizar
oralmente ou por escrito. Em regra, a discussão do aspecto jurídico da causa
realiza-se oralmente perante o juiz a quem caiba lavrar a sentença final (arts.
653º/5, 1ª parte e 657º CPC), isto é, no caso do Tribunal colectivo, perante o
seu presidente (art. 80º-c LOTJ). Mas se as partes não prescindirem da
discussão escrita do aspecto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído
o julgamento da matéria de facto, faculta o processo para exame do advogado
ao autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10 dias a cada um, a fim de
alegarem por escrito sobre a interpretação e aplicação da lei aos factos que
tiverem sido considerados provados e àqueles que deverem ser tidos por
assentes (art. 657º CPC).
FASE DA SENTENÇA

95. Função da fase


A fase da sentença é aquela em que é proferida a decisão final do
procedimento em 1ª instância. O proferimento da sentença final depende da
forma da discussão do aspecto jurídico da causa:
- Se essa discussão se realizou por escrito (art. 657º CPC), o processo
é concluso ao juiz, para o proferimento da decisão no prazo de 30 dias
(art. 658º CPC);
- Se essa discussão tiver sido oral (art. 653º/5 CPC), a sentença pode
ser logo lavrada por escrito ou ditada para a acta (art. 659º/4 CPC).
A sentença é proferida pelo juiz da causa ou pelo presidente do Tribunal
colectivo (art. 80º-c LOTJ) ou do Tribunal de círculo (art. 81º/1-b LOTJ).

96. Conteúdo da sentença


A sentença comporta os seguintes elementos: relatório, fundamentos,
decisão e aspectos complementares. No relatório, o Tribunal identifica as
partes e o objecto do litígio e fixa as questões que lhe cumpre solucionar (art.
659º/1 CPC). Ao relatório seguem-se os fundamentos, nos quais o Tribunal
deve discriminar os factos que considera provados e admitidos por acordo e
indicar, interpretar e aplicar as correspondentes normas jurídicas (art. 659º/2, 3
CPC). A sentença termina com a parte decisória ou dispositiva (art. 659º/2 in
fine CPC), na qual se contém a decisão de condenação ou de absolvição, e
deve ser assinada e datada (arts. 157º/1, e 668º/1-a CPC).
A sentença deve ser motivada (art. 208º/1 CRP; art. 158º/1 CPC) através
da exposição dos fundamentos de facto – respeitam aos factos relevantes para
a decisão que foram adquiridos durante o processo – e de direito – à
interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis a esses factos – (art.
659º/2 CPC).
Como fundamentos de facto devem ser utilizados todos os factos que
foram adquiridos durante a tramitação da causa. Nos termos do art. 659º/3
CPC, integram esses fundamentos:
- Os factos admitidos por acordo, ou seja, os factos alegados por uma
parte e não impugnados pela contraparte (arts. 490º/2, e 505º CPC),
mesmo que não tenham sido considerados assentes;
- Os factos provados por documentos juntos ao processo por iniciativa
das partes (arts. 523º e 524º CPC) ou do Tribunal (arts. 514º/2, e 535º
CPC);
- Os factos provados por confissão reduzida a escrito, seja ela uma
confissão judicial ou extrajudicial (arts. 356º e 358º CC; art. 563º/1 CPC);
- Os factos julgados provados pelo Tribunal singular ou colectivo na
fase da audiência final (art. 653º/2 e 3 CPC);
- Os factos que resultam do exame crítico das provas, isto é, aqueles
que podem ser inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos
provados (arts. 349º a 351º CC).
A estes factos acrescem ainda os factos notórios (art. 514º/1 CPC) e os de
conhecimento oficioso (art. 660º/2 in fine CPC).
O sentido da decisão depende dos factos fornecidos pelo processo (com
consideração do princípio da aquisição processual, art. 515º CPC) e da análise
do cumprimento do ónus da prova (art. 516º CPC; art. 346º, 2ª parte CC).

97. Conteúdo do julgamento


A sentença começa por conhecer das excepções dilatórias que conduzem
à absolvição da instância, segundo a ordem da sua precedência lógica (art.
660º/1 CPC). Estas excepções podem ser tanto aquelas que o Tribunal deixou
de apreciar no despacho saneador, por entender que, nesse momento, o
processo ainda não fornecia os elementos necessários (art. 510º/4 CPC), como
aquelas que não foram apreciadas concretamente nesse despacho e sobre as
quais não há, por isso, qualquer caso julgado (art. 510º/3, 1ª arte CPC). Dado
que o despacho saneador genérico não produz caso julgado quanto à
existência ou inexistência de qualquer excepção dilatória (art. 510º/3, 1ª parte
CPC), o Tribunal não está impedido de a apreciar na sentença final.
Entre o despacho saneador e o termo da discussão (art. 652º/3-e CPC)
pode verificar-se a sanação ou a cessação de uma excepção dilatória. Aquelas
eventualidades não podem deixar de ser consideradas na sentença final,
podendo invocar-se a analogia com o disposto no art. 663º/1 CPC, quanto à
consideração nessa sentença dos factos constitutivos, modificativos ou
extintivos ocorridos até ao encerramento da discussão. Assim, na acção
pendente na 1ª instância, é relevante qualquer sanação ou cessação de uma
excepção dilatória, desde que ocorra até ao encerramento da discussão.
O art. 660º/1 in fine CPC, impõe o conhecimento das excepções dilatórias
segundo a ordem da sua precedência lógica. São dois os preceitos que contêm
enumerações de excepções dilatórias – os arts. 288º/1 e 494º CPC –, mas elas
não se subordinam a nenhuma ordenação lógica, porque, por exemplo, as
excepções de litispendência e de caso julgado (art. 449º-i CPC, e que cabem
na enumeração residual do art. 288º/1-e CPC) são referidas depois de outras
excepções dilatórias, sendo certo que, se algumas destas excepções merecem
uma apreciação prévia perante as demais, as excepções de litispendência e de
caso julgado estão claramente entre elas.
A apreciação de qualquer excepção dilatória na sentença final cede perante
a possibilidade de um julgamento de mérito favorável à parte que seria
beneficiada com a verificação do pressuposto processual que não está
preenchido (art. 288º/3 CPC).
Como consequência da disponibilidade das partes sobre o objecto da
causa (arts. 264º/1 e 3, e 664º in fine CPC), o âmbito do julgamento comporta
dois limites. Um limite mínimo decorre do dever de conhecimento na sentença
de todas as questões submetidas pelas partes à apreciação do Tribunal,
exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a
outras (art. 60º/2, 1ª parte CPC). A falta de apreciação de qualquer dessas
questões conduz à nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art.
668º/1-d, 1ª parte CPC).

98. Formalidades complementares


A sentença é registada num livro especial (art. 157º/4 CPC; art. 17º/1
LOSJ). Se a parte vencida pretender interpor recurso da decisão, deve fazê-lo
por meio de requerimento dirigido ao Tribunal que a proferiu (art. 687º/1 CPC).
Passados três meses após o trânsito em julgado da sentença (art. 677º CPC),
o processo é arquivado (art. 24º/1-b LOTJ).
PROCESSO SUMÁRIO E SUMARÍSSIMO

PROCESSO SUMÁRIO

99. Regime aplicável


Ao processo são aplicáveis as disposições que lhe são próprias (constam
dos arts. 783º a 792º CPC) e as disposições gerais e comuns (estabelecido nos
arts. 137º a 459º; 463º/1, 1ª parte CPC); em tudo quanto não estiver regulado
numas e noutras, deve observar-se o que se encontra estabelecido para o
processo ordinário (ou seja, o disposto nos arts. 467º a 782º; 463º/1, 2ª parte
CPC). Dada esta aplicação subsidiária do regime do processo ordinário, só
interessa analisar as especialidades do processo sumário.
Depois da apresentação da petição inicial, o réu é citado para contestar no
prazo de 20 dias (arts. 183º, 785º, 784º - 158º/2; 786º; 484º/1 CPC).

PROCESSO SUMARÍSSIMO

100. Regime aplicável


Ao processo sumaríssimo são aplicáveis as disposições próprias (arts.
793º a 796º CPC) e as gerais e comuns (arts. 137º a 459º; 464º, 1ª parte CPC).
O art. 464º, 2ª parte CPC, determina que, quando umas e outras sejam
omissas ou insuficientes, observar-se-á primeiramente o que estiver
estabelecido para o processo sumário (arts. 783º a 792º CPC) e depois o que
estiver estabelecido para o processo ordinário (arts. 467º a 782º CPC).
Considerando esta subsidiariedade das regulamentações dos processos
sumário e ordinário.
A petição inicial dispensa a forma articulada, mas conjuntamente com ela
devem ser oferecidas as provas dos factos alegado (art. 793º; 151º/2 CPC).
Isto significa que, ao contrário do que sucede no processo ordinário e sumário,
o autor tem o ónus de alegar na petição inicial os factos instrumentais que
pretenda demonstrar através dessas provas.
O réu é citado para contestar no prazo de 15 dias, exigindo-se-lhe também
a apresentação ou o requerimento dos meios de prova (art. 794º/1 CPC).

A IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

ASPECTOS COMUNS

CONSIDERAÇÕES GERAIS

101. Formas de impugnação


As decisões judiciais podem ser impugnadas mediante reclamação ou
recurso. A reclamação consiste num pedido de reapreciação de uma decisão
dirigido ao Tribunal que a proferiu, com ou sem a invocação de elementos
novos pelo reclamante. Os embargos constituem uma modalidade de
reclamação e são um meio de reacção contra medidas de carácter executivo.
Os recursos podem ser ordinários ou extraordinários (art. 676º/2, 1ª parte
CPC). O recurso ordinário é um pedido de reapreciação de uma decisão
ainda não tramitada, dirigido a um Tribunal de hierarquia superior,
fundamentado na ilegalidade da decisão e visando revogá-la ou substitui-la por
uma outra mais favorável ao recorrente. No direito português, os recursos
ordinários são a apelação, a revista e o agravo (art. 676º/2 CPC). O recurso
extraordinário pode incidir sobre uma decisão transitada em julgado e
desdobra-se num pedido de anulação dessa decisão (juízo rescindente) e
numa solicitação de repetição dos actos invalidados (juízo rescisório). No
direito português, os recursos extraordinários são a revisão e a oposição de
terceiro (art. 676º/2 in fine CPC).
Assim, enquanto os recursos ordinários visam o controlo da aplicação do
direito ao caso concreto e recaem, por isso, sobre uma sententia iniusta ou
iniqua, os recursos extraordinários destinam-se a anular uma decisão com
fundamento em vícios próprios ou do respectivo procedimento, isto é, têm por
objecto uma sententia nulla. Desta forma, os recursos ordinários incidem sobre
o juízo ou julgamento realizado pelo Tribunal na decisão; os recursos
extraordinários recaem sobre a própria decisão enquanto acto processual.
A reclamação e os recursos ordinários, como meios de impugnação de
decisões não transitadas, produzem um efeito suspensivo do caso julgado da
decisão impugnada, porque este só se verificará quando a reclamação ou o
recurso forem definitivamente julgados. Mas, enquanto a reclamação não
produz qualquer efeito devolutivo, isto é, não devolve a reapreciação da
questão a um Tribunal de hierarquia superior, ao recurso ordinário é conatural,
no direito português, esse efeito devolutivo (arts. 28º/3-a; 41º/1-a LOTJ; arts.
71º/2 e 72º/2 CPC). É por isso que, apesar de o art. 688º CPC, a qualificar
como a reclamação, a impugnação do indeferimento ou da retenção do recurso
pelo Tribunal a quo é realmente um recurso, porque ela é dirigida ao presidente
do Tribunal superior que seria competente para conhecer do recurso não
admitido ou retido (art. 688º/1 CPC).
Diferentemente dos recursos ordinários, os recursos extraordinários não
produzem qualquer efeito devolutivo, pois que a revisão e a oposição de
terceiro são dirigidas ao próprio Tribunal que proferiu a decisão impugnada
(arts. 772º/1, 778º/2 e 782º/1 CPC). Assim, no direito português, as decisões
judiciais estão sujeitas a um controlo vertical, no caso dos recursos ordinários,
e a um controlo horizontal, quanto às reclamações e aos recursos
extraordinários.
O recurso ordinário é a forma normal de impugnação das decisões
judiciais, como se pode inferir do disposto no art. 670º/1 CPC. A reclamação só
pode ser utilizada quando a lei o preveja especialmente (arts. 123º/2, 511º/2,
650º/5, 653º/4, 668º/3, 700º/3 e 725º/5 CPC), havendo que considerar que, em
algumas situações, essa reclamação aparece sob a designação de oposição
(art. 388º/1-b CPC). Portanto, a reclamação é um meio de impugnação
especial relativamente ao meio geral ou comum, que é o recurso ordinário.
A caracterização da reclamação como meio de impugnação especial
perante o recurso ordinário implica duas consequências importantes:
- Quando a reclamação for admissível, não pode ser o recurso
ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser
concorrentes;
- Se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão
através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa
mesma decisão.
Possível é, no entanto, a impugnação da decisão através de reclamação e,
perante a sua rejeição pelo Tribunal, a continuação da impugnação através de
recurso ordinário.

102. Finalidades da impugnação


a) Recursos ordinários e reclamações
Os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de
apreciação e de julgamento da acção por um Tribunal superior ou como um
meio de controlo da decisão recorrida. Naquele primeiro caso, o objecto dos
recursos coincide com o objecto da instância recorrida, pois que o Tribunal
superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence
então à categoria dos recursos de reexame. No segundo caso, o objecto dos
recursos é a decisão recorrida, dado que o Tribunal ad quem só pode controlar
se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi
correctamente proferida, ou seja, é conforme com esses elementos: nesta
hipótese, o recurso integra-se no modelo dos recursos de reponderação.
b) Recursos extraordinários
Os recursos extraordinários, porque podem incidir sobre decisões
transitadas em julgado, prosseguem finalidades distintas dos demais meios de
impugnação: do que se trata é de apurar se algum fundamento justifica a
anulação da decisão e, em caso afirmativo, de refazer a decisão impugnada.
Assim, enquanto visam determinar se se verifica algum dos fundamentos
taxativos que justificam a anulação da decisão, isto é, quanto ao chamado juízo
rescindente (arts. 771º e 779º/1 CPC), os recursos extraordinários são
equiparáveis a qualquer acção constitutiva (art. 4º/2-c CPC) e os poderes do
Tribunal nessa apreciação coincidem com aqueles que lhe são reconhecidos
do caso julgado e da respectiva decisão, abre-se o chamado juízo rescisório,
no qual esse Tribunal reconstitui a decisão anulada (arts. 776º e 778º/1 CPC).

DIREITO À IMPUGNAÇÃO

103. Direito ao recurso


A impugnação das decisões judiciais satisfaz um interesse da parte
prejudicada, que assim pode obter a correcção de uma decisão que lhe é
desfavorável. Aquela impugnação também corresponde aos interesses gerais
da comunidade, porque a eliminação de decisões erradas ou viciadas não só
combate os sentimentos de insegurança e injustiça, como favorece o prestígio
dos Tribunais e a uniformização jurisprudencial. Esta faculdade de impugnação
é uma consequência da possibilidade de reacção dos particulares contra os
actos públicos que ofendem os seus interesses e o conhecimento dessa
impugnação pelos próprios Tribunais é uma imposição da sua independência
(arts. 206º CRP; 4º/1, 1ª parte EMJ).
A impugnação da decisão perante um Tribunal de hierarquia superior
assenta no pressuposto de que aquele Tribunal se encontra em melhores
condições de apreciar o caso sub iudice do que o Tribunal recorrido.
104. Exclusão legal
Como a admissibilidade da reclamação depende de uma previsão legal
específica, não se pode esperar que a lei consagre explicitamente a exclusão
da reclamação, pois que esta não seja admissível, basta que não esteja
prevista. Por isso, há que considerar como uma previsão meramente enfática a
sua exclusão expressa nos arts. 606º/6 e 653º/4 in fine CPC, que parece
justificar-se pela necessidade de marcar a diferença perante lugares paralelos
em que tal impugnação é admissível (arts. 511º/2 e 653º/4, 2ª parte CPC).
Assim, a análise subsequente recai apenas sobre a exclusão do recurso.
O art. 679º CPC, exclui o recurso dos despachos de mero expediente e
daqueles que forem proferidos no uso de um poder discricionário. Encontram-
se alguns exemplos destes últimos no exercício dos poderes instrutórios
concedidos ao Tribunal (arts. 519º-A/1, 552º/1, 569º/1-a, 589º/2, 612º/1, 622º,
645º/1, 652º/3-c e 653º/1, 2ª parte CPC).
Todavia, a circunstância de os despachos discricionários não serem
recorríveis só impede o controlo pelo Tribunal superior do conteúdo do
despacho.
A ilegalidade imputada pelo recorrente ao despacho pode resultar de
diversos factores:
- Da não verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o uso
do poder discricionário (por ex. art. 519º-A/1 CPC);
- Da inobservância pelo Tribunal das opções de decisão que lhe são
abertas pela lei (por ex. art. 552º/1 CPC);
- De desvio de poder, isto é, do uso do poder pelo Tribunal para fins
distintos dos legalmente definidos ou pressupostos.

105. Renúncia à impugnação


A renúncia à impugnação é o acto ou acordo pelo qual uma ou ambas as
partes aceitam não reclamar ou não recorrer de uma decisão proferida ou das
decisões que vierem a ser preferidas num determinado processo. A lei trata
apenas de uma das modalidades possíveis desta renúncia – que é a renúncia
ao recurso (art. 681º CPC) –, mas o seu regime é facilmente extensível às
demais formas de impugnação.
A renúncia à impugnação distingue-se quer da omissão de impugnação,
quer da desistência desta. Aquela renúncia não se confunde com a omissão da
impugnação, porque ela pressupõe uma manifestação de vontade de não
impugnar uma decisão. Essa renúncia é igualmente distinta da desistência da
impugnação, porque aquela é sempre anterior à impugnação e esta verifica-se
sempre na pendência da impugnação.
A renúncia à impugnação pressupõe a disponibilidade da parte tanto sobre
a própria impugnação, como sobre os seus fundamentos. Quanto àquela
disponibilidade, há que distinguir entre a reclamação e os recursos ordinários,
por um lado, e os recursos extraordinários, por outro:
- Quanto à reclamação e aos recursos ordinários, a regra é a
admissibilidade da sua renúncia (art. 681º/1 CPC);
- Quanto aos recursos extraordinários, pelo contrário, a renúncia é
inadmissível, não só porque a revisão é indisponível (art. 771º CPC), mas
também porque nenhum acordo entre as partes pode impedir a terceiros
prejudicado de interpor um recurso de oposição de terceiro (art. 778º
CPC).
A renúncia à impugnação só é admissível quanto a fundamentos
disponíveis, ou seja, essa renúncia nunca pode afastar a faculdade de
impugnar uma decisão com base num fundamento indisponível.
As partes podem renunciar aos recursos ordinários e às reclamações. É
questão relativa à interpretação da vontade das partes determinar o âmbito
dessa renúncia, isto é, verificar-se se elas renunciaram apenas aos recursos ou
também às próprias reclamações.
A renúncia à impugnação torna-a inadmissível. No caso da renúncia ao
recurso, isso constitui fundamento para que o Tribunal a quo o rejeite (art.
687º/3 CPC) e para que o Tribunal ad quem se recuse a conhecer do seu
objecto (art. 701º/1 – arts. 726º, 749º, 762º/1 CPC). Esta inadmissibilidade é,
assim, de conhecimento oficioso, o que também parece dever valer para a
renúncia à reclamação.
A renúncia à impugnação pode ser, atendendo ao momento em que é
realizada, anterior ou posterior ao proferimento da decisão. A renúncia
antecipada só é eficaz se provier de ambas as partes (art. 681º/1 CPC), isto é,
se for bilateral. Esta renúncia não exige, contudo, um encontro simultâneo de
vontades das partes; ela também pode resultar de declarações unilaterais
sucessivas.
A renúncia posterior pode ser unilateral ou bilateral e, em qualquer destas
modalidades, tácita ou expressa. Em regra, não pode recorrer a parte que tiver
aceitado a decisão de ela ter sido proferida (art. 681º/2 CPC), podendo essa
aceitação resultar de uma declaração tácita ou expressa (art. 681º/3, 1ª parte
CPC). A aceitação tácita é a que deriva de qualquer facto inequivocamente
incompatível com a vontade de recorrer (art. 681º/3, 2ª parte CPC; art. 217º, ª
parte CC) ocorrido depois do proferimento da decisão.
A renúncia à impugnação pode ser total ou parcial. É total se abrange toda
a decisão, todos os possíveis fundamentos de impugnação e todos os
eventuais recorrentes e recorridos; é parcial se vale apenas numa certa medida
objectiva ou subjectiva, isto é, se atinge apenas uma parcela da decisão ou dos
fundamentos da impugnação ou somente algumas das partes da acção. A mais
importante renúncia parcial subjectiva é a que só atinge uma das partes da
acção (o autor ou o réu), mas, também é possível uma renúncia que respeita
somente a alguns dos litisconsortes.

106. Caducidade da impugnação


De modo a evitar uma permanente insegurança sobre a eficácia da decisão
proferida, todos os meios de impugnação estão submetidos a prazos
peremptórios. As regras são as seguintes:
- As reclamações devem ser deduzidas no prazo de 10 dias a contar da
notificação ou do conhecimento da decisão (art. 153º/1 CPC);
- Em geral, os recursos ordinários devem ser interpostos igualmente no
prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão (art. 685º/1, 1ª parte
CPC);
- O recurso de revisão deve ser interposto dentro de 5 anos seguintes
ao trânsito em julgado da decisão e, dentro destes, nos prazos referidos
no art. 772º/2;
- Os recursos de oposição de terceiro devem ser interposto dentro dos
3 meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão final da acção de
simulação (art. 780º/1 CPC).
Como todos estes prazos são peremptórios, o seu decurso implica a
caducidade da impugnação (art. 145º/3 CPC). A caducidade do recurso
ordinário é de conhecimento oficioso (art. 687º/3 CPC); o mesmo vale para a
caducidade dos recursos extraordinários, à qual se aplica, dada a
indisponibilidade das partes sobre esses recursos e a natureza substantiva
daquele prazo, o regime estabelecido no art. 333º/1 CC.
RECURSOS ORDINÁRIOS

GENERALIDADES

107. Enunciado dos recursos


a) Sistematização da lei
A regulamentação dos recursos consta dos arts. 676º a 782º CPC.
A ordem da regulamentação dos recursos ordinários não acompanha
completamente os graus hierárquicos dos Tribunais recorridos, antes obedece
a um critério respeitante ao objecto da decisão impugnada. A ordem é a
seguinte:
- Primeiro, são reguladas a apelação (arts. 691º a 720º CPC) e a revista
(arts. 721º a 732º-B CPC), que são os recursos que cabem das decisões
relativas ao mérito;
- Surgem depois os regimes do agravo em 1ª instância (arts. 733º a
753º CPC) e do agravo em 2ª instância (arts. 754º a 762º CPC), que são
os recursos admissíveis das demais decisões.
b) Recursos na 1ª instância
Os recursos ordinários interpostos de decisões proferidas pela 1ª instância
são a apelação e o agravo. A apelação cabe da sentença final e do despacho
saneador que decidam do mérito da causa (art. 691º/1 CPC); também nos
processos especiais se consideram de apelação os recursos interpostos da
sentença ou de quaisquer despachos que decidam desse mérito (art. 463º/4º
CPC). O âmbito do agravo em 1ª instância delimita-se perante o da apelação:
ele cabe das decisões, susceptíveis de recurso, de que não possa apelar-se
(art. 733º CPC)
c) Recursos na 2ª instância
Os recursos ordinários que cabem das decisões proferidas pela Relação
são a revista e o agravo em 2ª instância. O âmbito da revista é definido pelo
seu objecto e pelo seu fundamento específico: cabe recurso de revista do
acórdão da Relação que decide do mérito da causa e do qual se recorre com
fundamento na violação da lei substantiva (art. 721º/1 e 2 CPC). O agravo em
2ª instância possui um âmbito residual perante a revista: ele cabe dos acórdãos
da Relação dos quais não se possa recorrer de revista (art. 754º/1 CPC), seja
porque o acórdão não conheceu do mérito da causa, seja porque dele se
recorrer com um fundamento processual (art. 755º/1 CPC).
d) Recurso para o Tribunal Constitucional
O recurso para o Tribunal Constitucional é igualmente um recurso ordinário,
porque deve ser interposto antes do trânsito em julgado da decisão (arts. 70º/2,
75º/1 LTC). Esse recurso pode ter por fundamento a inconstitucionalidade de
uma norma (art. 280º/1 CRP; art. 70º/1-a, b, g, h, LTC). Para esse efeito,
entende-se como norma, segundo um conceito funcional e formal, qualquer
acto de um poder normativo do Estado (lato sensu), ainda que de conteúdo
individual e concreto.
e) Erro na espécie de recurso
O erro na espécie do recurso verifica-se sempre que o recurso interposto
não seja o apropriado à decisão recorrida ou ao fundamento invocado. Este
erro constitui uma nulidade sanável: o próprio Tribunal no qual é interposto o
recurso manda seguir, no despacho que o admite, os termos do recurso
adequado (art. 687º/3, 2ª parte CPC). O controlo da propriedade do recurso
também compete ao Tribunal ad quem: se o relator do recurso de apelação
entender que o recurso apropriado é o agravo, ouvirá, antes de decidir, as
partes e julgará depois qual o recurso adequado (arts. 701º/1-b, 702º/1 CPC).
Este regime é aplicável, com as necessárias adaptações, ao agravo em 1ª
instância (art. 749º CPC), à revista (art. 726º CPC) e ao agravo em 2ª instância
(art. 762º/1 CPC).

108. Finalidades dos recursos


As decisões proferidas pelos Tribunais de recurso – e, em especial, pelos
Tribunais supremos – podem realizar uma de duas finalidades: eles podem
visar exclusivamente a decisão do caso concreto ou destinar-se a obter, além
da resolução deste, a uniformização jurisprudencial sobre a interpretação e a
aplicação da lei. Na primeira destas situações, a decisão do Tribunal superior
só se torna vinculativa no caso apreciado, pelo que o recurso onde é proferida
pode ser designado como um recurso casuístico; na segunda, a decisão do
Tribunal torna-se um critério de decisão de casos semelhantes, isto é, é
aplicável sempre que os Tribunais se devam pronunciar sobre uma questão
idêntica à apreciada: o recurso que conduz ao proferimento dessa decisão
pode chamar-se recurso normativo.
No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da
decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava
o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em
regra, o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre
matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre
pedidos que nela foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de
decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Excluída
está, por isso, a possibilidade de alegação de factos novos na instância de
recurso, embora isso não resulte de qualquer proibição legal, mas antes da
ausência de qualquer permissão expressa.
O julgamento de uma causa pressupõe a aplicação de uma lei a certos
factos, isto é, esse julgamento conjuga matéria de direito e de facto. A
competência decisória de recurso pode abranger ambas essas matérias ou
restringir-se à matéria de facto.
A possibilidade de o Tribunal de recurso conhecer de matéria de facto
pressupõe que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas
condições que estão asseguradas ao Tribunal recorrido.
Ao Tribunal superior pode ser concedido apenas o poder de revogar a
decisão recorrida ou o poder de a revogar e de a substituir por uma outra: no
primeiro caso, o recurso pertence ao modelo de cassação e comporta somente
um juízo rescindente; no segundo, o recurso integra-se no modelo de
substituição e contém um juízo rescindente e um juízo rescisório. Estes
modelos não são verdadeiramente incompatíveis, porque todo o recurso
comporta um juízo rescindente e é, portanto, cassatório. O que pode suceder é
que, além do juízo rescindente, o recurso também contenha um juízo
rescisório, ou seja, permita que o Tribunal ad quem substitua a decisão
revogada: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de substituição.
O recurso de cassação favorece a harmonização jurisprudencial sobre a
interpretação da lei, porque o Tribunal ad quem se limita a controlar o respeito
da lei pelas instâncias, mas, ao pressupor uma separação entre a interpretação
e a aplicação da lei, é dificilmente coadunável com as modernas tendências da
metodologia jurídica. Em contrapartida, o modelo do recurso de substituição
favorece a adequação da decisão ao caso concreto, embora dificulte a
harmonização jurisprudencial sobre a interpretação da lei.

109. Instância de recurso


O recurso é interposto no Tribunal que proferiu a decisão recorrida (art.
687º/1 CPC), pelo que, por analogia com o disposto no art. 267º/1 CPC, ele
deve considerar-se interposto logo que seja recebida na secretaria desse
Tribunal o respectivo requerimento do recorrente. A esse Tribunal compete
controlar a admissibilidade do recurso (art. 687º/3 CPC); se o recurso for
considerado admissível, ele sobe posteriormente ao Tribunal ad quem (arts.
699º, 724º/1, 744º/2, 760º e 761º/1 CPC). Portanto, o procedimento do recurso
reparte-se entre o Tribunal a quo e o Tribunal ad quem.
O dever de litigância de boa fé (art. 266º-A CPC) também vale na instância
de recurso. Assim, qualquer das partes pode ser condenada como litigante de
má fé por ter actuado quer com má fé substancial (art. 456º/2-a, b, c, CPC),
quer com má fé instrumental (art. 456º/2-d CPC). Além disso, em sede de
recursos, há que contar com o regime especial que se encontra previsto no art.
720º CPC (aliás aplicável a todos os demais recursos ex vi dos arts. 726º, 749º,
762º/1 CPC).

110. Efeitos de interposição


A interposição do recurso realiza efeitos no próprio processo pendente e
pode ainda produzi-los fora desse processo: na primeira hipótese, pode falar-se
de efeitos intraprocessuais; na segunda, de efeitos extraprocessuais.
a) Efeitos intraprocessuais
Comportam um efeito suspensivo, efeitos translativos e um efeito
suspensivo. O efeito suspensivo, refere-se à circunstância de a decisão
recorrida não transitar em julgado e de, por isso, não receber o valor de caso
julgado antes da sua confirmação pelo Tribunal de recurso ou de nem sequer
vir a obter esse valor se for revogada por esse Tribunal.
Os efeitos translativos, respeitam à transferência dos efeitos decorrentes
da instância recorrida para a instância de recurso e são consequência da
continuação da pendência do processo.
A interposição do recurso também produz em efeito devolutivo. Esse efeito
caracteriza-se pela atribuição do Tribunal superior do poder de confirmar ou
revogar a decisão recorrida, sendo ele que justifica a chamada expedição ou
subida do recurso (arts. 699º, 724º/1, 74º0/2, 760º e 761º/1 CPC).
b) Efeitos extraprocessuais
Traduzem-se segundo as expressões tradicionais, num efeito devolutivo ou
suspensivo, mas estes possuem um recorte completamente diferente dos
homónimos efeitos intraprocessuais. Existe, além de tudo o mais, uma
distinção fundamental entre ambos: o efeito devolutivo e o efeito suspensivo,
enquanto efeitos intraprocessuais, são essenciais aos recursos ordinários
regulados no direito português e, por isso, coexistem em qualquer recurso; pelo
contrário, o efeito devolutivo e o efeito suspensivo, enquanto efeitos
extraprocessuais, são características secundárias desses recursos, que são
escolhidas pelo legislador para cada recurso e que são necessariamente
alternativas.
O efeito (extra-processual) devolutivo significa que a interposição do
recurso não obsta à produção de efeitos da decisão recorrida fora do processo
em que foi proferida.
O efeito (extra-processual) suspensivo impede a produção de efeitos da
decisão recorrida fora do processo em que foi proferida e, nomeadamente, a
sua exequibilidade, mesmo provisória (art. 47º/1 CPC).
A instância de recursos pode suspender-se nas circunstâncias referidas no
art. 276º/1 CPC, e interrompe-se quando o processo estiver parado durante
mais de um ano por negligência de qualquer das partes (art. 285º CPC). Mas
se essa parte for o recorrente ou o autor de um incidente suscitado em recurso,
verifica-se a deserção do recurso (art. 291º/2, 3 CPC) e a consequente
extinção da instância por simples despacho do juiz ou do relator (arts. 287º-c e
291º/4 CPC).

ESTUDO ANALÍTICO

111. Fundamentos dos recursos


a) Tipologia do erro judiciário
A lei processual estabelece, a propósito do recurso de revista, que a
violação de lei (substantiva ou processual) pode consistir no erro de
interpretação ou de aplicação da norma ou no erro de determinação da norma
aplicável (art. 721º/2, 1ª parte CPC). A distinção entre estes erros não é fácil,
porque muito frequentemente o erro na determinação da norma aplicável
resulta de um erro na sua interpretação.
a) Erro na previsão
O erro na determinação da norma aplicável consiste num equívoco quanto
à norma que deve ser aplicada ao caso concreto. Este erro pode ocorrer em
duas modalidades distintas: o erro na qualificação e o erro na subsunção.
Aquele erro na qualificação verifica-se quando o Tribunal selecciona mal a
norma aplicável ao caso concreto, isto é, quando esse órgão, ao procurar a lei
reguladora desse caso, escolhe a norma errada.
O erro na subsunção verifica-se quando os factos apurados são
subsumidos a uma norma errada, ou seja, quando o Tribunal integra na
previsão de uma norma factos ou situações que ela não comporta.
b) Erro na estatuição
Diferente de qualquer dos erros sobre a previsão é o erro na aplicação da
norma, que decorre de um entendimento erróneo das consequências
determinadas pela norma aplicada.
b) Tipologia da violação da lei
A violação da lei que resulta de um erro sobre a previsão ou de um erro
sobre a estatuição respeita à própria norma que define o conteúdo da decisão
proferida, situação em que o controlo exercido pelo Tribunal ad quem se traduz
em aplicar correctamente a norma de decisão adequada. A esta violação da
própria norma de decisão pode chamar-se violação primária.
Mas também pode suceder que a violação da lei não incida sobre a norma
que define, ou devia definir, o conteúdo de decisão, mas sobre uma norma que
tem por objecto a norma de decisão ou o acto jurídico que determina aquele
conteúdo. Estas normas sobre normas de decisão ou sobre actos jurídicos que
definem o conteúdo da decisão podem designar-se por normas secundárias e à
respectiva violação pode chamar-se, por isso, violação secundária.
A distinção entre violação primária e secundária da lei traça-se, em suma,
do seguinte modo:
- Há violação primária do critério de decisão se o Tribunal recorrido
aplicou um critério distinto daquele que era o adequado ao caso concreto
ou errou na aplicação desse critério, ou seja, se o caso foi resolvido por
um critério errado ou pela aplicação errada do critério adequado;
- Há violação secundária, se o recorrente alega, não o erro sobre o
critério aplicável ou sobre a aplicação do critério adequado, mas a
violação pelo Tribunal recorrido de uma norma secundária sobre o critério
decisão, nomeadamente a violação de uma norma que determina a
inexistência, a invalidade ou a ineficácia daquele critério.
112. Apelação
Cabe apelação da sentença final e do despacho saneador que decidam do
mérito da causa (art. 691º/1 CPC). Assim, a apelação é o recurso admissível
das decisões sobre o mérito proferidas pela 1ª instância, pelo que são
apeláveis todas as decisões que nela absolvam ou condenem o réu no pedido.
A decisão que conhece do mérito e que, por isso, é apelável pode não ser uma
decisão final do processo (art. 695º/1 CPC).
O recurso de apelação delimita-se exclusivamente pelo seu objecto, que é
a decisão proferida em 1ª instância sobre o mérito da causa (art. 691º/1 CPC),
sendo irrelevante o fundamento invocado pelo apelante. Isso significa que,
ainda que o recorrente pretenda alegar um fundamento processual contra a
decisão recorrida, o recurso admissível é a apelação.

113. Agravo em 1ª instância


O âmbito do agravo em 1ª instância delimita-se negativamente perante o
do recurso de apelação: cabe agravo das decisões susceptíveis de recurso de
que não possa apelar-se (art. 733º CPC), isto é, das decisões dos Tribunais de
1ª instância que não conhecem do mérito da causa.
Dada a delimitação negativa do agravo perante a apelação (art. 73º CPC),
pode dizer-se que aquele recurso é aplicável sempre que uma decisão for
recorrível, mas dela não couber apelação por não ser uma decisão sobre o
mérito. Cabe igualmente agravo, das decisões secundárias sobre as custas da
acção (art. 46º/1 CPC; art. 62º CCJ), sobre a condenação em multa e
indemnização como consequência da litigância de má fé (art. 456º/1 CPC) e
ainda sobre a concessão ou denegação do apoio judiciário (art. 39º/1 DL 387-
B/87, de 29/12).

114. Revista
O campo de aplicação do recurso de revista delimita-se duplamente pelo
objecto e pelo fundamento:
- O objecto da revista é o acórdão da Relação que decide do mérito da
causa (art. 721º/1 CPC), isto é, que prenuncia uma condenação ou
absolvição do pedido;
- O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei
substantiva (art. 721º/2, 1ª parte CPC), embora, acessoriamente, o
recorrente também possa alegar a violação da lei processual (arts. 721º/2
in fine, 722º/1 CPC). Note-se que, como a revista cabe do acórdão da
Relação sobre o mérito da causa (art. 721º/1 CPC), ela é igualmente
admissível da decisão que conhece desse mérito no agravo em 1ª
instância (art. 753º/1 CPC) e que é impugnada com fundamento na
violação da lei substantiva (art. 721º/2 CPC).
A revista é o recurso ordinário pelo qual se impugna uma decisão de mérito
da 2ª instância com fundamento na violação de lei substantiva. A revista deve
ser admissível, por isso, sempre que um Tribunal de 2ª instância se pronuncie
sobre o mérito da causa e a decisão seja recorrível. Como, em certos casos,
essa decisão da Relação se pode verificar depois do julgamento de um outro
recurso pelo Supremo, existem algumas situações de revista diferida e outras
de segunda revista.
Encontram-se também situações em que é admissível a interposição de
uma segunda revista. Tal sucede nos casos em que, como resultado da
procedência de uma revista pendente, o supremo manda baixar o processo à
Relação e esta profere uma decisão sobre o mérito da causa: desta última
decisão pode interpor-se uma nova revista.

115. Agravo em 2ª instância


O agravo em 2ª instância possui um âmbito de aplicação residual perante
os recursos de revista e de apelação (art. 754º/1 CPC). Dado que a revista
cabe do acórdão da Relação que conheça do mérito da causa (art. 721º/1
CPC) e do qual seja interposto recurso com fundamento na violação da lei
substantiva (art. 721º/2 CPC), o recurso de agravo em 2ª instância é admissível
nas seguintes situações:
- Quando o acórdão da Relação não aprecie o mérito da causa (ex. art.
493º/2 CPC);
- Quando o acórdão da Relação conheça do mérito da causa, mas o
recorrente pretenda impugnar dessa decisão exclusivamente com um
fundamento processual (ex. arts. 493º/2, 494º-a CPC).
Em certos casos, a Relação funciona como Tribunal de 1ª instância: no
âmbito civil, tal sucede quanto às acções de indemnização propostas contra
juízes de direito, procuradores da República e delegados do Procurador da
República e baseadas em actos praticados durante o desempenho das suas
funções (art. 41º/1-b LOTJ; art. 1083º/1 CPC). Do acórdão da Relação que
conheça do objecto dessas acções cabe recurso de apelação para o Supremo
(art. 1090º/1 CPC), pelo que, dada a delimitação negativa do agravo em 2ª
instância perante a apelação (art. 754º/1 CPC), aquele agravo cabe apenas
das decisões que, naquelas acções, não se pronunciem sobre o mérito da
causa.
Como o agravo em 2ª instância incide sobre decisões que não conhecem
do mérito (art. 754º/1 CPC), nem sempre é exigível assegura-lhes um controlo
pelo Supremo: é essa a justificação para a exclusão, imposta pelo art. 754º/2,
1ª parte e 3º CPC, da admissibilidade de recurso para o Supremo do acórdão
da Relação que confirme, ainda que por diverso fundamento mas sem voto de
vencido, a decisão interlocutória proferida na 1ª instância. O regime não vale,
contudo, quando, nos termos do art. 678º/2/3 CPC, o recurso seja admissível
independentemente dos valores da causa e da sucumbência da parte.
OBJECTO DOS RECURSOS ORDINÁRIOS

116. Constituição
O objecto do recurso é constituído por um pedido e um fundamento. O
pedido consiste na solicitação de revogação da decisão impugnada e o
fundamento na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo)
ou no julgamento (error in iudicando).
O pedido de revogação fundamenta-se num error in procedendo ou in
iudicando, mas importa salientar um aspecto especialmente importante. Para
que o recurso seja procedente não basta que o Tribunal ad quem verifique
qualquer desses erros; é ainda indispensável que a decisão impugnada, apesar
de padecer do vício invocado pelo recorrente, não possa ser confirmada por
um fundamento diferente do utilizado pelo Tribunal recorrido.
O pedido do recorrente deve ser formulado no requerimento de
interposição do recurso, no qual, em certos casos, também devem ser
apresentados os respectivos fundamentos (art. 687º/1 CPC). Esse pedido pode
ser restringido nas conclusões das alegações do recurso (art. 684º/3 CPC)
através, por exemplo, da exclusão de um dos recorridos ou da aceitação da
decisão quanto a um dos pedidos cumulados, mas não pode ser ampliado em
relação àquele que consta do requerimento de interposição, porque qualquer
restrição realizada neste último vale como aceitação da decisão não
impugnada e, portanto, como renúncia ao recurso (art. 681º/2 e 3 CPC).

117. Âmbito
O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Antes do mais, esse âmbito é
determinado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados
na instância recorrida. Dado que o direito português consagra o modelo do
recurso de reponderação, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente
limitado pelas questões colocadas ao Tribunal recorrido, pelo que, em regra,
não é possível solicitar ao Tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma
questão que não se integra no objecto da causa tal como for apresentada na 1ª
instância.
Dentro do objecto do processo e com observância dos casos julgados
formados na acção, o âmbito do recurso delimita-se objectivamente pela parte
dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art. 684º/2, 2ª parte
CPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art. 684º-
A/1 e 2 CPC). Quer dizer: o objecto do recurso não é sequer a totalidade da
decisão, mas apenas o que nela for desfavorável ao recorrente ou recorrido, o
que, aliás, implica que o Tribunal de recurso não pode apreciar a parte da
decisão que não foi impugnada.
Finalmente, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente.
Sempre que a parte dispositiva da sentença contenha decisões distintas sobre
vários objectos, o recorrente pode distinguir o recurso a qualquer delas (art.
684º/2, 1ª parte CPC).

118. Limites
A função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida e não
um novo julgamento da causa. Dessa circunstância decorre a proibição da
reformatio in melius e in peius. A proibição da reformatio in melius tem o
seguinte enunciado: como o objecto do recurso é delimitado pela impugnação
do recorrente, esta parte não pode alcançar através do recurso mais do que a
revogação e eventual substituição da decisão recorrida. A proibição da
reformatio in peius (que se encontra consagrada no art. 684º/4 CPC) traduz-se
no seguinte: a decisão do Tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável
ao recorrente que a decisão impugnada.
A violação das proibições da reformatio in melius e in peius pressupõe que
o Tribunal de recurso conhece de matéria que não podia apreciar, porque
excede o âmbito da sua competência decisória. Assim, é nulo, por excesso de
pronúncia, o acórdão do Tribunal de recurso que não observa aquelas
proibições (arts. 668º/1-d, 2ª parte CPC, 716º/1, 732º, 752º/3, 762º/1 CPC).
A proibição da reformatio in melius é uma consequência da vinculação do
Tribunal superior à impugnação do recorrente: por isso, esse Tribunal não pode
conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto.
Esta proibição da reformatio in melius mantém-se mesmo quando o
Tribunal de recurso tem de apreciar matéria de conhecimento oficioso.
Não viola a proibição da reformatio in melius a circunstância de o Tribunal
de recurso confirmar a procedência da acção no quantitativo total do pedido do
autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas.
A decisão do Tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao
recorrente do que a decisão recorrida: é nisto que consiste a proibição da
reformatio in peius (art. 684º/4 CPC).
A possibilidade de o Tribunal de recurso conhecer oficiosamente de certa
matéria não o isenta da sujeição à proibição da reformatio in peius.

119. Decisão
O âmbito da competência decisória do Tribunal depende do tipo de recurso.
Se esse recurso pertence ao modelo de cassação, o Tribunal ad quem só pode
revogar a decisão impugnada; se o recurso se integra no modelo de
substituição, o Tribunal ad quem pode não só revogar a decisão impugnada,
mas também substitui-la por outra. Esta substituição nem sempre é limitada
pelo objecto do recurso: se a Relação considera procedente o agravo
interposto, esse Tribunal pode substituir a decisão de forma impugnada por
uma decisão sobre o mérito (art. 753º/1 CPC).
Se o Tribunal superior, só podendo julgar segundo o modelo de cassação
e, portanto, podendo apenas revogar a decisão recorrida, substitui essa
decisão por uma outra, verifica-se um excesso de pronúncia, porque esse
Tribunal conhece de uma matéria que não pode apreciar. Tal excesso
determina a nulidade da sua decisão (arts. 668º/1-d, 2ª parte, 716º/1, 732º,
752º/3, 762º/1 CPC).
A improcedência do recurso e a consequente confirmação da decisão
recorrida podem resultar da modificação pelo Tribunal ad quem do fundamento
dessa mesma decisão. Isto é, o Tribunal superior pode aceitar a procedência
do recurso, mas encontrar um outro fundamento, distinto daquele que foi
utilizado pelo Tribunal recorrido, para confirmar a decisão recorrida.
Tal hipótese sempre que a decisão possa comportar vários fundamentos.
Esta pluralidade pode resultar, quanto a uma decisão de mérito, de um
concurso de pretensões ou de excepções peremptórias e, quanto a uma
decisão de forma, de um concurso de excepções dilatórias. No entanto, esta
possibilidade depende de duas condições:
- Uma delas é que o Tribunal de recurso possa conhecer do
fundamento que justifica a confirmação da decisão recorrida;
- Uma outra é que a procedência do recurso não impeça a confirmação
da decisão com base noutro fundamento.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

120. Enunciado
Na instância de recurso relevam três tipos de pressupostos processuais: os
gerais, os especiais e os específicos. Os pressupostos gerais são comuns à
acção no seu todo: é o caso, por exemplo, da competência do Tribunal a quo e
da legitimidade das partes; os pressupostos especiais são adaptações à
instância de recurso dos pressupostos gerais: são eles a competência do
Tribunal ad quem e o patrocínio judiciário obrigatório do recorrente; finalmente,
os pressupostos específicos são restritos à instância de recurso: esses
pressupostos são a recorribilidade da decisão e a legitimidade para recorrer.

121. Apreciação
Os pressupostos processuais específicos condicionam a admissibilidade do
conhecimento do objecto do recurso, o que significa que, se eles não se
encontrarem preenchidos, o Tribunal ad quem não se pronuncia sobre a
procedência ou improcedência do recurso.
Os pressupostos específicos podem tornar-se, eles próprios, objecto de um
recurso. Esta solução é ditada pelo princípio da auto-suficiência do processo,
segundo o qual a aparência vale como realidade até se averiguar se
efectivamente ela corresponde a qualquer realidade.
Os pressupostos específicos da instância de recurso beneficiam, embora
não exclusivamente, a parte recorrida, dado que definem as condições em que
o recurso é admissível e em que pode ser impugnada uma decisão favorável a
essa parte. Isso significa que lhes é aplicável a dispensa, estabelecida no art.
288º/3, 2ª parte CPC, da necessidade da sua apreciação prévia relativamente
ao conhecimento do mérito do recurso.
Os pressupostos específicos devem ser controlados oficiosamente pelo
próprio Tribunal a quo (art. 687º/3, 1ª parte CPC). Mas a decisão desse
Tribunal não vincula o Tribunal ad quem (art. 687º/4 CPC), pois que lhe
incumbe controlar aqueles pressupostos (arts. 701º/1, 704º/1 CPC, aplicáveis à
revista – art. 726º CPC – e aos agravos – arts. 749 e 762º/1 CPC). Esta
duplicidade de momentos de apreciação dos pressupostos específicos implica
que há que considerar eventuais alterações entre o momento da apreciação no
Tribunal a quo e o julgamento no Tribunal ad quem.
Além dos pressupostos processuais específicos, na instância de recuso
também devem estar preenchidos os pressupostos gerais. Quanto ao seu
controlo pelo Tribunal de recurso, há que considerar duas situações. Esses
pressupostos podem constituir o próprio objecto do recurso, isto é, a
impugnação pode incidir sobre uma decisão relativa a esses pressupostos.
Mas, ainda que esses pressupostos não constituam o objecto de recurso, o
Tribunal ad quem pode sempre apreciar aqueles que forem de conhecimento
oficioso (art. 495º CPC) e absolver o réu da instância com base na falta de
qualquer deles (art. 493º/2 CPC). Pode assim dizer-se que os pressupostos de
conhecimento oficioso constituem um objecto implícito do recurso, porque o
Tribunal ad quem pode apreciá-los em qualquer recurso.
Em qualquer destes casos, ou seja, tanto na hipótese em que o objecto do
recurso é um pressuposto processual geral, como na eventualidade em que o
Tribunal superior pode controlar um pressuposto de conhecimento oficioso,
este Tribunal não deve ocupar-se desse pressuposto se a decisão sobre o
mérito puder ser favorável à parte que beneficiaria com o seu preenchimento: é
a solução imposta pelo art. 288º/3, 2ª parte CPC. É por isso que, se estiverem
simultaneamente pendentes uma apelação relativa à decisão de mérito
desfavorável ao autor e um agravo relativo à decisão sobre os pressupostos
processuais interposto pelo réu, o art. 710º/1 CPC (aplicável à revista ex vi do
art. 726º CPC), determina que este agravo só deva ser apreciado se a decisão
sobre o mérito não for confirmada.
Os pressupostos especiais dos recursos são a competência do Tribunal ad
quem (arts. 71º e 72º CPC; arts. 27º-a, 28º/1-a, 41º/1-a LOTJ) e o patrocínio
judiciário obrigatório do recorrente (art. 32º/1-c CPC). Quanto à possibilidade
de o Tribunal superior conhecer do mérito do recurso numa situação em que
esses pressupostos não se encontram preenchidos, há que verificar, segundo o
critério subjacente à desnecessidade da apreciação prévia dos pressupostos
processuais estabelecida o art. 288º/3, 2ª parte CPC, se aqueles pressupostos
são disponíveis e, em caso afirmativo, se a sua falta não prejudica a parte que
seria beneficiada com a sua verificação.

122. Recorribilidade da decisão


A recorribilidade da decisão pressupõe o esgotamento de outras eventuais
formas de impugnação, como é o caso da reclamação (arts. 123º/2, 511º/2,
650º/5, 653º/4, 668º/3, 700º/3, 725º/5 CPC). É nisto que consiste a
subsidiariedade do recurso perante a reclamação (art. 700º/3 e 5 CPC). Se a
parte recorrer em vez de reclamar, há falta de interesse processual, porque a
parte não utilizou o meio mais célere e menos dispendioso para a impugnação
da decisão. Mas o art. 688º/5 CPC, permite a conversão do recuso
indevidamente interposto na reclamação dirigida ao presidente do Tribunal
superior e, mediante aplicação analógica do disposto no art. 687º/3, 2ª parte
CPC, quanto ao erro na espécie de recurso, pode entender-se que o Tribunal
perante o qual foi interposto o recurso indevido deve mandar seguir os termos
da reclamação apropriada: obtém-se desta forma a sanação dessa falta de
interesse processual.
A decisão recorrida pode ser tanto uma decisão final, como uma decisão
interlocutória. A recorribilidade das decisões interlocutórias apresenta
vantagens e inconvenientes: ela revela-se útil, se o Tribunal de recurso vier a
revogar a decisão recorrida, porque, nesse caso, a impugnação permite evitar
as repercussões da decisão impugnada na acção pendente; mas se o Tribunal
de recurso confirmar a decisão recorrida, o recurso pode contribuir para atrasar
o andamento e decisão do processo.

123. Legitimidade para recorrer


A legitimidade para recorrer pode ser aferida segundo um critério formal ou
material. Segundo o critério formal, tem legitimidade para recorrer a parte que
não obteve o que pediu ou requereu; portanto, não pode recorrer a parte que
consegui na acção aquilo que solicitou ou que está de acordo com a sua
conduta na acção. Diferentemente, segundo o critério material, tem
legitimidade para recorrer a parte para a qual a decisão for desfavorável,
qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e
independentemente dos pedidos por ela formulados no Tribunal a quo.
A legitimidade ad recursum é, apesar da sua designação, uma modalidade
do interesse processual e não uma concretização, no âmbito dos recursos, da
legitimidade processual.
Também na legitimidade para recorrer se observa a correlatividade que
caracteriza o interesse processual. Se a uma das partes for reconhecido um
interesse a recorrer, isto é, um interesse em obter a tutela decorrente da
procedência do recurso, à contraparte é automaticamente atribuído um
interesse em contradizer, ou seja, um interesse em evitar o prejuízo relevante
daquela procedência.
O art. 68º/3 CPC (aplicável às decisões proferidas na 2ª instância ex vi dos
arts. 716º/1, 752º/3 CPC) estabelece que, quando for admissível interpor
recurso ordinário da decisão, a nulidade desta pode constituir um dos
fundamentos desse recurso; o recurso interposto pode mesmo ter como único
fundamento aquela nulidade (arts. 722º/3, 1ª parte, 755º/1-a CPC).

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