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Partir pedra
Desde então, a pedra bruta é o homem, que se deve ir aperfeiçoando no contacto com os
«irmãos» através de uma aprendizagem simbólica. Na comemoração de 200 anos de
existência, o Grande Oriente Lusitano entreabre as suas portas ao mundo profano,
procurando retificar algumas idéias feitas sobre a matéria.
Reforma de Lutero
O que o Grande Oriente Lusitano comemora este fim-de-semana é a carta patente que
lhes foi concedida pela Grande Loja de Inglaterra em 12 de Maio de 1802, permitindo
criar a primeira Obediência portuguesa. O seu primeiro grão-mestre foi um neto do
marquês de Pombal: Sebastião José de Sampaio e Melo Castro Lusignan, conde de São
Paio.
Assim como o trabalho sobre a pedra bruta destinada a transformar-se em cúbica, quer
dizer, apta às exigências construtivas, seria o homem, que se iria polindo no contacto
com os seus irmãos através de um ensinamento em grande parte simbólico.
Cada instrumento dos pedreiros passou a ter um sentido simbólico: o esquadro para
regular as ações; o compasso para dar o sentido dos limites; o avental, símbolo do
trabalho, a indicar a simplicidade dos costumes e a igualdade; as luvas brancas, para
recordar ao maçom que nunca deve manchar as mãos com a iniqüidade; e a Bíblia, para
regular ou governar a fé.
Como existem muitas Maçonarias, há especialistas que estabelecem uma divisão entre a
Maçonaria anglo-saxônica e a latina.
A primeira é qualificada também como regular, porque se fundamenta na fidelidade aos
princípios e às regras ditadas pelos fundadores.
As que se encontram sob a influência da Grande Loja de Inglaterra são teístas: apenas
aceitam no seu seio os que (cristãos, muçulmanos, judeus, hindus) reconhecem um Deus
como princípio criador - o Grande Arquiteto do Universo e uma fé na verdade revelada,
tal como se encontra na Bíblia ou noutros livros sagrados como o Corão, os Vedas, etc.
Maçonaria em Portugal
«Acima de tudo, somos antidogmáticos», afirma João Soares Louro, destacado membro
do GOL, acrescentando que «a única certeza que temos é que nos assiste a dúvida
permanente. Esta atitude confere uma abertura muito grande».
Admite que «nos tempos da I República cometeram-se excessos, o que levou a que
muitos pensassem que a Maçonaria era anticlerical. Não somos. Colocamos todos os
credos em pé de igualdade».
A maioria dos maçons nega pertencer a uma sociedade secreta. António Arnaut -
membro assumido do GOL - chama-lhe «organização discreta», na medida em que «não
está aberta ao público e reserva apenas aos seus membros o conhecimento de certas
práticas e saberes. Nisso consiste o segredo maçônico».
A Maçonaria, como organização iniciativa que é, não pode viver sem um ritual, isto é,
sem uma ação simbólica constituída por objetos, gestos e palavras sistematicamente
repetidos, os quais, no seu conjunto, representam uma ordem cósmica, um universo
ordenado.
Parte da iniciação maçônica consiste na vivência, pelo candidato, da sua passagem pelos
quatro elementos: terra, ar, água e fogo. A primeira fase tem lugar na Câmara de
Reflexões, símbolo da Terra, onde o candidato redige o seu testamento filosófico, ou
seja, a manifestação das suas últimas vontades antes de deixar o mundo profano.
Numa das paredes desta câmara estão patentes as letras V.I.T.R.I.O.L., significando
Visita Interior Terrae Rectificando que Invenies Occultum Lapidem (Visita o Interior da
Terra e Retificando Encontrarás a Pedra Oculta). De natureza alquímica, esta mensagem
chama a atenção para o trabalho interior que o profano deve fazer sobre si mesmo,
mediante a meditação.
O espaço do templo é muito específico, o que exige que o caminhar (marchar) seja
executado segundo regras particulares. A marcha no templo varia conforme o grau em
que os maçons trabalham, mas obedece à regra da geometria, que salienta a posição
vertical do maçom, exemplo da conduta que ele deve levar na vida profana.
A cadeia de união é outro ato praticado por todos os maçons em loja, no qual eles dão as
mãos, colocando o braço direito sobre o esquerdo, de forma a criarem entre si uma
verdadeira cadeia. Se, por um lado, o cerimonial maçônico exige silêncio, por outro,
requer a presença de música, de modo a que os sentidos sejam estimulados para o ritual
que se pratica.
A tradicional música maçônica de Mozart ainda hoje é tocada nos trabalhos de loja, em
particular nas sessões de iniciação e noutras de caráter solene. Não é por acaso que no
III Encontro da Maçonaria Latina se inclui uma ópera de Mozart, neste caso «A Flauta
Mágica».
Identificando-se o aprendiz com a pedra bruta, os instrumentos simbólicos que lhe são
atribuídos para o seu aperfeiçoamento são o martelo e o escopo, próprios ao desbaste. Já
o companheiro requer instrumentos de maior precisão, nomeadamente o esquadro, o
nível, a perpendicular, a alavanca e a régua. Os companheiros são elevados a mestre na
Câmara do Meio. A partir deste grau, que pode demorar anos a obter, o maçon está em
condições de ajudar novos obreiros no seu percurso iniciático.
Atualmente, para se ser maçom é preciso ter mais de 18 anos, ter recursos para pagar as
captações - a quota mensal no GOL ronda os 17,5 euros (3500$00) - ser livre e de «bons
costumes».
O Papa Clemente XII, logo em 1738, promulgou a primeira bula de excomunhão contra
os pedreiros-livres, iniciando uma longa série de documentos papais a condenar a
Ordem Maçônica. Ordenou ainda à Inquisição a perseguição dos seus adeptos.
A entrada de Salazar para o governo e a sua rápida ascensão tutelar reavivaria os velhos
ódios das forças obscurantistas. Em 19 de Janeiro de 1935 é apresentado na Assembléia
Nacional um projeto de lei a proibir as associações secretas e a confiscar-lhes todos os
bens.
Outro dos altos comemorativos dos 200 anos do GOL será, precisamente, a divulgação
completa da toponímia lisboeta associada à Maçonaria.
Nos tempos que correm, sobretudo após João XXIII, o Concílio Vaticano II e a própria
Companhia de Jesus, a Igreja encara com outros olhos o fenômeno maçônico. Não é,
pois, de estranhar que o atol Código de Direito Canônico (1983) tenha omitido qualquer
referência à Maçonaria, e revogado o cânone 2335 do anterior (1917), que
excomungava «ipso facto» os inscritos na «seita maçônica» e em organizações «que
maquinam contra a Igreja ou contra as legítimas autoridades civis».
À intolerância sucedeu a compreensão e uma certa simpatia. A esta mudança de
mentalidade não foi, seguramente alheia a circunstância de muitos católicos e altos
dignitários da Igreja serem maçons.
Explica: «Os maçons têm obrigação de intervir na vida pública e política, de lutar pela
liberdade, pela igualdade e pela fraternidade (os nossos três grandes princípios), mas
apenas a título individual.»
A Maçonaria tem dois santos patronos e protetores: São João Baptista e São João
Evangelista. Porquê São João? Porque foi a 24 de Junho - dia de São João - que, em
1717, as quatro lojas de Londres se reuniram e deliberaram criar a Grande Loja de
Londres, dirigida por um grão-mestre.
São João Evangelista abre o solstício de Verão; São João Baptista é comemorado com o
solstício de Inverno. A Ordem maçônica respeita e venera o ciclo solar - os trabalhos
dos pedreiros fundadores realizavam-se entre o meio-dia (zênite solar) e a meia-noite
em ponto (zênite polar) - e as estações do ano.
O equinócio de Setembro marca o início dos trabalhos, que são encerrados por altura do
solstício de Junho. Este calendário maçônico seria depois importado pelo sistema
judicial e acadêmico. Ainda hoje, tanto os tribunais como as universidades continuam
fiéis a esta programação ditada pela Natureza.
O balandrau, bata preta comprida, com gola ampla para tapar a cabeça, é a indumentária
«oficial» da Maçonaria, por cima da qual se coloca a paramentação (avental). Ora, as
becas dos advogados e juízes e as togas, usadas em cerimônias solenes nas
universidades, não são mais do que «adaptações» do ritual maçônico. As becas e as
togas antigas chegaram a ter também gola e aquela espécie de capuz que caracteriza o
balandrau.
Existem cerca de dez milhões de maçons em todo o mundo. Mas é na Inglaterra e nos
Estados Unidos da América que a sua influência mais se faz notar.
Convém não esquecer que a Inglaterra foi o berço da Maçonaria: em 1717, quatro lojas
de pedreiros de Londres organizaram-se numa espécie de federação a que deram o nome
de Grande Loja, elegendo um primeiro grão-mestre com autoridade sobre todos os
maçons.
Seis anos mais tarde, o pastor escocês James Anderson era incumbido de elaborar umas
Constituições que todos aceitassem.
Fernando Sacramento, membro do GOL, não tem dúvidas em afirmar que os ingleses
edificaram o seu extenso império colonial com a ajuda da Maçonaria:
Há também quem diga que o Acordo de Paz de Camp David, firmado em 1978 entre
Israel e o Egito, parecia um encontro de irmãos, pela simbologia utilizada nas saudações
finais.
A crer nesta interpretação, os três protagonistas do acordo - Menahem Begin, primeiro-
ministro de Israel, Anouar el-Sadate, primeiro-ministro egípcio, e Jimmy Carter,
presidente dos EUA - quiseram dar provas da sua gratidão para com a Maçonaria, que
tinha manobrado intensamente nos bastidores para que tudo desse certo.
Em Inglaterra - à semelhança de outros países nórdicos - existe ainda uma ligação
estreita entre a Monarquia e a Maçonaria e o grão-mestre é o rei por inerência de cargo.
Atualmente, e porque está uma mulher no trono (Isabel II), é o duque de Kent que
detém a autoridade máxima da maçonaria inglesa.
O Livro Sagrado foi usado por George Washington, o primeiro presidente dos EUA e
maçom assumido. Antes, Benjamin Franklin, cientista e «pai» da independência dos
«States», também pertencera à organização. E o mesmo se pode dizer de outros
presidentes dos EUA: Abraham Lincoln (republicano) e Franklin Roosevelt
(democrata), à frente da nação americana entre 1933 e 45.
o GOL não é a única organização maçônica em Portugal. Um grupo descontente com a
tendência laica do Grande Oriente decide promover o ressurgimento da Maçonaria
Regular no nosso país, criando em 1991 a Grande Loja Regular de Portugal (GLRP).
Em 1996, já com Luís Nandim de Carvalho como grão-mestre, a sede - a célebre Casa
do Sino - é tomada por cisionistas (entre os quais figurava José Braga Gonçalves, que
viria a ser preso em 2001 na seqüência do «caso Universidade Moderna»), que
assumem o nome de Grande Loja Regular de Portugal, pelo que os fundadores da
Maçonaria Regular, mantendo a designação, têm de adotar para efeitos legais profanos o
nome de Grande Loja Legal de Portugal (GLRP/GLLP).
O seu atuai grão-mestre, José Manuel de Morais Anes, sublinha que a Maçonaria anglo-
saxónica «reconhece exclusivamente em Portugal a GLRP/GLLP», que também
comemorará o aniversário da criação da primeira Obediência maçônica regular
portuguesa.
José Anes insiste que não se poderão comemorar os 200 anos de Maçonaria Regular
«porque a Grande Loja Unida de Inglaterra decidiu retirar o reconhecimento ao GOL
pouco mais de 100 anos depois».
A sessão solene de Junho, que marca o 11º aniversário da Grande Loja Regular de
Portugal, contará com a presença do marquês de Northampton, pró-grão-mestre da
Maçonaria inglesa.
O programa das comemorações inclui ainda uma homenagem ao rei Eduardo VII.
Júlia Maranha é a grã-mestra da Grande Loja Feminina de Portugal, que integra nomes
conhecidos, como Helena Sanches Osório (ex-diretora de «A Capital», ex-subdiretora
de «O Independente»), Leonor Coutinho (ex-secretária de Estado da Habitação) e Maria
Belo (antiga euro deputada do PS).
A Grande Loja Regular de Portugal (cisionista), que foi fundada por diversas
personalidades ligadas ao «caso Universidade Moderna», é atualmente dirigida por
Marques Miguel.
E a Grande Loja Nacional de Portugal, que foi criada após uma cisão com a anterior,
tem como dirigente máximo Álvaro Carva. Finalmente, a Casa Real dos Pedreiros
Livres da Lusitânia, que é fruto de uma segunda cisão operada entre os dissidentes que
haviam ocupado a Casa do Sino, está praticamente extinta.
Literatura sobre a matéria
Sobre a matéria recomenda-se a leitura da «Introdução à Maçonaria», de António
Arnaut (Coimbra Editora), «A Maçonaria em Portugal» e «A Maçonaria Portuguesa e o
Estado Novo», de Oliveira Marques (Edição Gradiva e Publicações Dom Quixote,
respectivamente), «História da Franco-Maçonaria em Portugal», de M. Borges Grainha
(Edições Vega), «Com a Maçonaria não se Brinca!», de Joaquim M. Zeferino e Manuel
P. Santos (Hugin Editores) e «O que é a Maçonaria», de Alberto Victor Castellet
(Madras Editora).
Afonso Costa - Alexandre Heculano - Alfred Keil - Almeiga Garrett - António Augusto
de Aguiar - António José de Almeida - Bissaia Bareto - Bocage - Camilo Castelo Branco
- Carlos Mardel - Castilho - Duque de Loulé - Duque de Saldanha - Eça de Queiroz -
Egas Moniz - Elias Garcia - Fernando II - Gago Coutinho - Gomes Freire de Andrade -
Henrique Lopes de Mendonça - Miguel Bombarda - Norton de Matos - A. H. de
Oliveira Marques - Pedro IV - Rafael Bordalo Pinheiro - Raul Rego - Ribeiro Sabches -
Teófilo Carvalho dos Santos - Viana da Mota
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