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Uma análise do discurso dos jornais

“O Rio Branco” e “Varadouro”


durante a Ditadura Militar (1977 – 1981)
Copyrigth © 2007 - @ BONIFÁCIO, Maria Iracilda G. C.
Editoração Eletrônica/Capa – LIMA, Reginâmio B.

Grupo de Pesquisa: O Discurso nas Redes do Poder.


Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio (Coordenadora);
Lelcia Maria Monteiro de Almeida; Claudenice Nunes dos Santos,
Paula Regina Moura Leão da Silva.

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

i31 IDEOLOGIA E PODER: Uma análise do discurso dos jornais


“O Rio Branco” e “Varadouro” durante a Ditadura Militar
(1977 – 1981). Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio.
Rio Branco: Cida, 2007.
124 p il.:

1. Jornalismo – Acre 2. Editoriais - Imprensa

CDU. 07(813.3) (091)

Revisão:
Paula Regina Moura Leão da Silva
Reginâmio Bonifácio de Lima

Diagramação:
Anderson F. Silva

Impressão:
GRAF-SET

Rio Branco – Acre


2007
AGRADECIMENTOS
A Deus, refúgio e fortaleza em todos os momentos;
A meu esposo, Prof. Dr. Reginâmio Bonifácio de Lima, co-
orientador desse trabalho, pelo amor dedicado e por me fazer
acreditar que é possível construir um mundo melhor para as
gerações futuras;
A minha família pelo apoio e incentivo em todos os
momentos. Meus pais: Selmo e Sebastiana pelo carinho e apoio nos
momentos difíceis, me ensinando a trabalhar com honestidade e a
lutar pelas coisas nas quais acredito;
A minhas princesas, vovós Julieta (in memorian) e Luzia,
que me fizeram apaixonar pelas histórias de outrora;
A meu irmão Erivan, minhas irmãs Edilene, Edileuza,
Etilene, Irenilza, minha irmã e bolsista Selyana, aos meus
sobrinhos Thaylinne, João Marcos, Karoline, Ester, Emanuelle,
Gabriel, Allys Beatriz, Stive e Kelven, que proporcionaram o
suporte moral, emocional e contribuíram diretamente para esta
realização;
A Prof.ª Dr.ª Simone de Souza Lima, pelo incentivo e
preciosa atenção durante a pesquisa, ajudando a pensar o discurso
como marca identitária dos sujeitos dessa pesquisa;
A Prof.ª Dr.ª Margarete Edul Prado de Souza Lopes, pelas
ricas contribuições que nos levaram a pensar no importante papel
da mulher no contexto da História Acreana;
Ao Prof. Dr. Elder Andrade de Paula pelas sugestões que
muito ajudaram na elaboração do texto final do trabalho;
Aos servidores do Museu da Borracha, Biblioteca Central
do Estado, CDIH e Biblioteca da UFAC, pela disponibilização do
material analisado e referências bibliográficas, bem como pela
presteza no atendimento;
À senhora Odília Andrade da Silva, servidora do Museu da
Borracha, pelo reconhecimento do valor do patrimônio histórico
com o qual trabalha e por tão prestativamente ter nos auxiliado
durante anos de pesquisa, sempre sendo solícita e atenciosa;
Ao amigo Johny, da Karine Cópias, pela impressão das
várias cópias de esboços desta obra e apoio com os materiais
xerocopiados;
Aos jornalistas que atuaram nos jornais acreanos durante a
Ditadura Militar, sobretudo nos jornais que enfocamos neste
trabalho, “Varadouro” e “O Rio Branco”, por transporem para as
páginas dos jornais os embates e lutas políticas vivenciados pela
sociedade acreana neste tão difícil momento da História do país;
A todos que colaboraram direta e indiretamente para a
elaboração deste trabalho, sem os quais não teria conseguido obter
êxito.
SUMÁRIO
PREFÁCIO.............................................................................. 07
APRESENTAÇÃO.................................................................. 11

Capítulo I

OS DISCURSOS E OS EDITORIAIS ................................. 17


1.1A trajetória da imprensa riobranquense (1900-1985) .......... 23
1.1.1 A imprensa familiar e jornalismo opinativo
(1900-1929).............................................................................. 24
1.1.2 A era dos manuais de redação (1930-1962)..................... 27
1.1.3 O jornalismo informativo: a ditadura do lead
(1963-1985).............................................................................. 30

Capítulo II

COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E PODER NO


CONTEXTO DA DITADURA MILITAR ........................... 35
2.1 A Ditadura Militar no Brasil e sua influência no sistema
de comunicação da Amazônia Ocidental................................. 37
2.2 A Ditadura Militar no Acre e sua influência na imprensa
escrita........................................................................................ 44

Capítulo III

VARADOURO E O RIO BRANCO:


a representação dos sujeitos através do discurso... 61
3.1 A luta pela terra no Acre e os embates entre
os sujeitos.................................................................. 63
3.2 Os movimentos sociais urbanos em Varadouro
e O Rio Branco........................................................... 72
3.3 A Amazônia e a questão indígena: duelos no
discurso da imprensa escrita acreana.......................... 85
3.4 A representação da luta pela sobrevivência
nas “periferias” de Rio Branco................................... 99
3.5 O discurso nas redes do poder ........................... 108

REFERÊNCIAS.......................................................111
Ideologia e Poder

PREFÁCIO
Ideologia e Poder: uma análise do discurso dos jornais
“O Rio Branco” e “Varadouro” durante a Ditadura Militar (1977
– 1981) é uma das mais belas e mais bem escritas obras sobre a
imprensa acreana. Uma mistura de literatura e jornalismo,
incidindo na linha tênue entre ambos, onde o saber das idéias e
formulações é temperado pelos estudos culturais, buscando
analisar “os discursos e suas condições de produção”.
Tive o privilégio de ser convidado pela autora para
escrever estas modestas linhas, contudo, fica-nos a dúvida sobre
quem é maior, a obra para a literatura, os estudos da linguagem e
para o jornalismo de forma geral, por abordar temas tão complexos
quanto apaixonantes com a riqueza de informações consistentes e a
profundidade necessárias para uma obra expressiva, valorosa e
sem pedantismo, ou a autora, pelos trabalhos que tem
desenvolvido na sociedade riobranquense e a contribuição atuante
nas relações entre pesquisa, ensino e sociedade.
Maria Iracilda já escreveu obras como O Imaginário
Social: estudos dos editoriais nos jornais de Rio Branco – século
XX; Habitantes e Habitat; Sonhos em BVA – Volume I e II; e este,
Ideologia e Poder. Sua atuação é interessante porque enquanto
prefacio este trabalho, que é fruto de sua Pós-Graduação em
Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia/UFAC, no
qual obteve nota máxima com distinção e louvor, tenho a grata
surpresa de saber que a continuação dele, intitulada O Discurso nas
Redes do Poder, já se encontra em fase final de escritura, objeto de
sua dissertação de Mestrado em Letras – linguagem e
identidade/UFAC, com possível publicação em 2008.
Lendo o título deste trabalho somos tentados a teorizar
sobre o que é ideologia e o que é poder, permeados por
pensamentos logitudinais, impelidos a lembrar de Homi Bhabha,
Mircea Elíade, Stuart Hall, Bernardo Kucinski, quem sabe Eclea
Bosi ou Paul Thompson, contudo, acredito que Iracilda escolheu

07
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

bem para este trabalho os conceitos desenvolvidos por Michel


Foucault, onde afirma que “o discurso não é simplesmente aquilo
que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo
qual e com o qual se luta, é o próprio poder do qual queremos nos
apoderar” (Foucault – A Ordem do Discurso).
As ideologias e os poderes envoltos nas linhas, nas
fissuras e nas interjeições propostas neste livro dão conta de uma
realidade móvel envolta na tempolabilidade da memória escrita
dos jornais que foram produzidos durante o período da Ditadura
Militar.
A divisão em três partes enseja uma pretensa iniciativa de
projeção tempo-espaço ao leitor. Num primeiro momento, contudo,
percebemos a parte inicial como uma exposição de motivos
seguida de um breve histórico da imprensa riobranquense, que se
liga diretamente com a segunda parte em que contextualiza as
relações de poder, comunicação e ideologia, no contexto das
representações sociais que ensejam coadjuvantes no cenário de
transição dos anos de 1970 para 1980, tendo seu ápice com as
representações dos sujeitos nos discursos dos jornais “O Rio
Branco” e “Varadouro”. Sendo o breve último capítulo o desfecho
de uma fase de estudo que já aponta para o que está por vir.
Tentando responder e pensar as várias questões que vão
surgindo no percurso do livro, Maria Iracilda aborda, na primeira
parte, intitulada A Trajetória da Imprensa Riobranquense
(1900-1985), uma breve reconstituição do itinerário da imprensa
acreana desde seu surgimento até o período da Ditadura Militar. Na
segunda parte, intitulada Comunicação, Ideologia e Poder, no
contexto da Ditadura Militar são trabalhadas as influências da
Ditadura Militar na constituição dos discursos da imprensa na
Amazônia Ocidental e no Acre. Na terceira parte denominada
VARADOURO e O RIO BRANCO: a representação dos sujeitos
através do discurso é feita uma discussão sobre a representação dos
sujeitos discursivos, a partir do contraste entre editoriais dos dois
jornais pesquisados. Nessa parte, a análise é feita a partir de quatro
temáticas que se repetiram constantemente nos jornais Varadouro e O

08
Ideologia e Poder

Rio Branco: a luta pela terra no Acre e os embates entre os sujeitos,


os movimentos sociais urbanos, a Amazônia e a questão indígena:
duelos no discurso da mídia escrita acreana e a representação da
luta pela sobrevivência nas “periferias” de Rio Branco.
Sem dúvida alguma, vale a pena ler este livro que não
esgota as possibilidades de leitura, mas, de forma dinâmica, enfoca
as informações que circulavam nos referidos jornais, num período
onde os cerceamentos de direitos e o controle à liberdade de
expressão intentavam insistentemente reprimir as diversas
manifestações contra o regime militar.
O discurso jornalístico produzido em meio ao
emaranhado de atividades que compõem as redes do poder, torna-
se latente nesta obra, apresentando “o dito” e os “silenciamentos”
circunstanciados pelos grupos políticos e ideológicos atuantes nos
jornais riobranquenses durante a Ditadura Militar.
Neste trabalho, percebemos um considerável avanço na
consistência das informações produzidas pela autora se comparado
ao de mesmo gênero, produzido anteriormente. Ao passo que,
esperamos já sem surpresa que a continuação desta obra seja ainda
mais bem trabalhada e de elaboração progressivamente melhorada.
Com as abordagens aqui contidas, Iracilda contribui para
o aprofundamento dos estudos referentes às interfaces do regime
ditatorial instaurado no Acre, investigando suas especificidades no
contexto da história nacional e como se deu a inserção da imprensa
no contexto das relações de poder vigentes no Estado durante o
período de 1977 a 1981.

Prof. Dr. Reginâmio Bonifácio de Lima

¹Licenciado em História e Especialista em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, ambos pela
UFAC. Mestre e Doutor em Teologia, pela Fatebom/SP. É Coordenador do Grupo de Pesquisa Sobre Terras e
Gentes: Amazônia em Foco/UFAC.

09
Ideologia e Poder

APRESENTAÇÃO
A imprensa é valioso material de pesquisa. Ela participa,
produz e veicula representações da realidade, registra, comenta e
acompanha o percurso dos homens através da história, sendo alvo
dos interesses dos grupos de poder, que a adulam, vigiam e/ou
controlam. Por seu poder de irradiação, a imprensa, durante a
Ditadura Militar, sofreu várias investidas dos líderes militares do
regime, tanto para endossar seu projeto de homogeneização de
idéias, quanto para silenciar as vozes dissonantes que resistiam ao
processo de cerceamento de liberdades imposto pelo regime.
Mais de 40 anos se passaram desde que surgiu no cenário
nacional o regime ditatorial, entretanto, a análise das relações entre
imprensa e poder neste período ainda constitui uma lacuna nos
estudos sobre a sociedade acreana. Buscamos, com este estudo,
trazer à discussão os acontecimentos que marcaram o contexto da
Ditadura em âmbito nacional e acreano, contribuindo para o
aprofundamento dos estudos referentes às interfaces do regime
militar instaurado no Acre. Muitos estudos já foram realizados
enfocando o contexto sócio-político das décadas de 1970 e 1980 no
Estado, entretanto, o viés da imprensa e de sua participação nessas
transformações sociais foi tema de raros e esparsos trabalhos.
A partir de uma pesquisa realizada nas bibliotecas
públicas existentes na capital acreana, encontramos apenas uma
obra específica referente ao período da Ditadura Militar e sua
relação com a imprensa acreana, a qual se intitula Comunicação
Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental, escrita
pelo Prof. Dr. Pedro Vicente Costa Sobrinho. Neste livro, Costa
Sobrinho (2001) resgata e analisa a contribuição e o apoio que o
jornal Varadouro e o boletim diocesano Nós, Irmãos deram aos
movimentos sociais no Acre durante o período de 1971 a 1981.
Diante da carência de produção escrita sobre a imprensa
acreana, publicamos em conjunto com a Prof.ª Dr.ª Olinda Batista

11
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Assmar e o Prof. Gleyson Moura de Lima o livro O Imaginário


Social: Estudo dos Editoriais nos Jornais de Rio Branco - Séc. XX².
Este trabalho foi fruto da Pesquisa de Iniciação Científica,
desenvolvida durante três anos, acerca das mudanças identificadas
nas tendências discursivas dos jornais de Rio Branco no período do
Acre Território (1900-1962) e Acre Estado (1963-1999).
Em Ideologia e Poder temos como foco o período da
Ditadura Militar e sua relação com a imprensa. Neste livro, os
jornais escolhidos para análise são O Rio Branco, que circula na
capital acreana desde 1969, e Varadouro, que circulou no período
de 1977 a 1981. A escolha desses dois periódicos se fez em virtude
do desejo de contrapor dois posicionamentos antagônicos, de um
lado, um jornal considerado “de linha oficial” que apoiava a
ideologia dos grupos dominantes e, de outro, um jornal alternativo,
que se posicionava ideologicamente a favor dos movimentos
sociais e contra os atos do poder oficial. O qüinqüênio 1977 a 1981,
época em que coincide a circulação dos jornais O Rio Branco e
Varadouro, foi marcado por grandes transformações na estrutura
social e na organização econômica e política do Acre.
A partir da análise dos editoriais, buscamos investigar
como se articulavam as relações de ideologia e poder através do
discurso dos jornais pesquisados e qual a influência desses textos
na sociedade de hoje, tendo em vista que as instituições alcançaram
sua forma atual através de alterações de suas partes constitutivas,
ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular
de cada época.
A escolha do editorial como texto base para estudar os
escritos da imprensa riobranquense neste período se deu por seu
alto caráter argumentativo, sendo um texto estruturado no sentido
de expressar a linha de conduta do jornal e por sua vocação de
focalizar assuntos do cotidiano. Nas palavras de Luiz Beltrão
(1980), o editorial caracteriza-se por expressar “a opinião do editor
o qual representa o grupo mantenedor da empresa jornal, logo
apresenta o julgamento do grupo de elite do jornal sobre o
problema em questão”.

²ASSMAR; BONIFÁCIO; LIMA, 2007.

12
Ideologia e Poder

O fato de representar interesses antagônicos torna o


editorial um discurso jornalístico de dupla competência, que
mascara e desmascara, defendendo os interesses do jornal, ao
mesmo tempo em que se arvora como porta-voz dos anseios dos
grupos sociais. A opinião do editor atua como representação do
grupo mantenedor da empresa jornal, trazendo o julgamento do
grupo de elite do jornal sobre os problemas que o editorial aborda.
Lugar de discussão dos assuntos de relevância política,
econômica e social, o editorial tem como função básica situar a
posição corporificada dos grupos de interesse que regem o jornal
em relação ao acontecimento que aborda, oferecendo a perspectiva
de interpretação tida como a mais convincente pelos representantes
do veículo de comunicação. Dessa forma, os limites de influência
do editorial perpassam obrigatoriamente por sua repercussão na
esfera política e econômica.
O editorial pode auxiliar na compreensão das visões de
mundo que circularam na sociedade riobranquense durante o
período investigado, atuando como forma de reescrita da história,
dado seu alto grau de persuasão através de imagens e símbolos, que
podem ser percebidos pelas suas próprias estratégias, utilizadas
pelos donos do poder para dominar o imaginário social.
Segundo os Manuais de Redação Jornalística, que
passaram a ser adotados na década de 1950 por jornais como o
Diário Carioca e Tribuna da Imprensa e serviram de modelo para o
fazer jornalístico do restante do Brasil, os editoriais não devem ser
assinados, sendo sempre redigidos em terceira pessoa para reforçar
a imparcialidade do veículo de comunicação. A disposição do texto
nas páginas iniciais do jornal serve para consagrar o editorial
enquanto espaço destinado a assegurar a ilusão de isenção
jornalística, numa tentativa de apagamento da autoria.
A concepção de que o editorial não pode ser assinado,
ditada pelos padrões da grande imprensa, trouxe alguns problemas
quanto à identificação desses textos nos jornais do período da
Ditadura Militar. Nessa época, quase não havia textos intitulados
“editoriais” nos jornais riobranquenses, principalmente nos

13
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

períodos em que se intensificava o estado de vigilância por parte


dos militares, os jornais se reservavam a publicar textos
essencialmente informativos. Em vista desta reflexão do contexto
histórico sobre a produção jornalística local, os editoriais
apareciam de forma camuflada. É bom lembrar que, embora a
escrita dos jornais do período ditatorial em questão se
caracterizasse pela linguagem informativa, a direção do jornal
veiculava sua opinião em todos os números, o que percebemos pelo
tratamento dado às notícias e pelo modo como eram construídas as
imagens dos opositores do regime.
Assim, a identificação dos textos foi realizada por meio
da observação de características essenciais na produção dos
editoriais: a estruturação com vistas à persuasão, buscando
direcionar a opinião do público, a apresentação gráfica destacada,
o fato de vir nas páginas iniciais, o destaque entre as demais notas e
a escrita em terceira pessoa tentando demonstrar imparcialidade.
Além disso, buscamos perceber uma outra particularidade nesses
textos: a abordagem de acontecimentos da realidade cotidiana. O
responsável pelo editorial, em linhas gerais, privilegia fatos da
realidade local, ocorridos no contexto do tempo presente.
É conveniente destacar que não se está afirmando que os
jornais não se referiam a fatos acontecidos no passado, mas que
essas referências ocorriam com menor freqüência, girando em
torno, geralmente da exaltação dos combatentes da “Revolução
Acreana” ou de personagens consagrados da história nacional. Os
editoriais dos jornais riobranquenses do período da Ditadura
Militar, quando retomavam essas temáticas de mitificação dos
“heróis” e dos valores nacionalistas, buscavam a legitimação do
poder oficial através da presentificação de ações pretéritas, por
meio da comparação dos “feitos ilustres” desses personagens de
outrora ao “empreendedorismo” dos líderes militares.
Através das tramas do emaranhado de redes do poder
midiático é possível entrever os movimentos de resgate da
memória e o estabelecimento de alguns traços das várias
identidades sociais que circulam na sociedade acreana. E, tendo

14
Ideologia e Poder

como ponto de partida a análise das relações de ideologia e poder


expressas no discurso dos editoriais de jornais riobranquenses que
circularam durante o regime de exceção, é preciso atentar para o
fato de que essas múltiplas relações de poder que atravessam,
caracterizam e constituem o corpo social, não podem se dissociar,
se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação,
uma circulação e um funcionamento do discurso.
O contraste entre os editoriais dos dois periódicos leva-
nos a perceber que o discurso é artefato de manipulação e
resistência. Por mais que no jornal O Rio Branco imperasse a linha
editorial vinculada à ideologia dominante, alguns jornalistas não
compactuavam com os cerceamentos impostos pelo regime militar.
Ao se observar as páginas amarelecidas pelo tempo é possível
entrever as rupturas, os movimentos de resistência e o modo
singular com que vários jornalistas driblaram a censura, como, por
exemplo, no caso da divulgação de notas sobre torturas nas
delegacias acreanas e da violência que imperava nos conflitos de
terras ocorridos com a implantação da pecuária na década de 1970.
Nossa intenção, neste livro foi aliar os estudos da
linguagem aos estudos da história, por isso dialogamos com as
idéias de Michel Foucault sobre o discurso enquanto espaço
atravessado pelas relações de poder. Para Foucault, o discurso não
se resume àquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação,
mas é aquilo pelo qual o sujeito luta, o poder do qual queremos nos
apoderar.
A contribuição do pensamento de Foucault se faz,
principalmente, pela relação que estabelece entre saber e poder, ao
afirmar que a concepção de discurso transcende o sentido “literal”
dos enunciados, buscando numa relação com a exterioridade
perceber o não dito, as condições de produção, o funcionamento e o
porquê de o que foi dito ter sido expresso de uma e não de outra
forma.
Escolher partir do editorial jornalístico é lidar com o que
há de mais refinado no discurso dos jornais. Não que as demais
categorias jornalísticas sejam menos importantes, mas o editorial é

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Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

maquinalmente arquitetado, por estar a cargo de expressar a


posição oficial dos grupos de interesses que comandam o jornal.
Um editorial mal estruturado discursivamente poderia
comprometer gravemente a própria permanência do jornal nas
bancas. A partir da pretensão de representar fielmente a vida social,
essa modalidade textual permite uma apreciação específica dos
acontecimentos, auxiliando na produção da realidade dentro do
jornal através da criação de sentidos e interpretações para os
acontecimentos da vida social.
A análise do editorial enquanto elemento do gênero
opinativo oferece subsídios para uma reflexão acerca das
problemáticas históricas, políticas, sociais e econômicas da
sociedade riobranquense do período investigado. O contexto em
que esses editoriais foram escritos auxilia na compreensão de
como estes influenciavam a vida da sociedade de sua época.

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Capítulo I

OS DISCURSOS E OS EDITORIAIS
Ideologia e Poder

A mídia apresenta-se como uma das principais agências


simbólicas, fazendo circular imagens da sociedade e de
legitimação das posições políticas, produzindo sentidos por meio
de um constante retorno de representações que compõem o
imaginário social. A legitimação desse discurso, portanto, vai
buscar sua origem no passado coletivo, que se organiza em uma
tradição.
Durante o período em que vigorou o regime militar no
Brasil, os meios de comunicação estiveram sob permanente
vigilância dos órgãos de censura, através dos quais os militares
impunham o silenciamento pela proibição de vozes discordantes.
Um discurso monolítico, que os auto-intitulava salvadores da
pátria, era um dos meios mais eficazes para silenciar as vozes
discordantes, expressando o medo da voz do Outro.
A noção de Outro é aqui entendida como o "estrangeiro",
o “que vem de fora”, a representação de tudo que há de diferente,
portanto, aquilo que deve ser temido, por não ser compreendido.
No caso da Ditadura Militar, o Outro é o “sujeito subversivo”,
todos aqueles que se opõem ao regime. Assim, diante da ameaça
das vozes dissonantes, a violência, imposta de forma simbólica ou
através das armas, a tortura e a censura foram ações arquitetadas
pelos líderes do regime militar para silenciar os que discordavam
da palavra única ou das ações cometidas em seu nome.
Cada sociedade tem seus próprios “procedimentos gerais
da verdade”. Os vários discursos que circulam na sociedade, sejam
eles de ordem política, religiosa, econômica, médica, não podem
ser dissociados dessa prática que determina para os sujeitos que
falam tanto propriedades singulares quanto papéis
preestabelecidos. Os discursos midiáticos, assim, ganham
legitimidade quando proferidos por pessoas que detêm o
saber/poder em uma sociedade, ficando, na maioria das vezes,
silenciadas as vozes dos oprimidos.
Embora silenciada, não significa que a voz dessas
pessoas excluídas da ordem do discurso não exista. Não se deve

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Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

ignorar que a existência do poder não aniquila a possibilidade de


resistência. O próprio apagamento desse discurso marginal
denuncia os procedimentos de controle dos detentores do poder.
Mesmo sendo maioria, os pobres são banidos do espaço
de discussão dos jornais. As raras vezes em que os jornais faziam
menção destes era para tachá-los de bárbaros, subversivos,
baderneiros, geralmente em notícias de “motins”, como nas greves
de professores, de “invasões”, conflitos de terras na zona rural e
nos bairros que então se formavam, ou ainda nas matérias
sensacionalistas de crimes bizarros, publicadas em primeira página
dos jornais de maior circulação na capital acreana.
Diante deste conturbado contexto, convém perguntar:
Por que essas tensões sociais não estão explícitas nos jornais?
Quais os reais objetivos dos grupos que comandavam a mídia
escrita local ao promover essa homogeneização de discursos?
Evidentemente para se manter no poder. Era de interesse dos donos
do poder manter a “ordem” na estrutura social, continuar
manipulando as camadas mais baixas da população através da
produção de “idéias” que legitimassem sua dominação. Assim,
através da preservação de certos valores culturais, as elites
dominantes procuravam manter coesos grupos de interesses
diversos.
Ao levantar esses questionamentos, entretanto, não
estamos apelando a uma visão fatalista e reducionista, o que
estamos afirmando é que as idéias dos grupos detentores do poder
são as que têm se demonstrado em maior evidência através da
história, justamente porque são essas elites que detêm a concessão
dos meios de comunicação de abrangência extensiva a um maior
número de pessoas em termos de doutrinação.
É certo que existem idéias múltiplas e diversas a esta
dominação, mas, muitas vezes, acabam sendo sufocadas pela
crueldade do discurso midiático homogeneizador. Mas, ao
contrário do que se pensa, a resistência existe, embora não circule
pelos espaços protagonizados pela grande elite. Se o discurso dos
grupos dominantes predominou na imprensa escrita acreana, os

20
Ideologia e Poder

próprios silenciamentos existentes nesses jornais apontam para os


procedimentos de exclusão dos pobres da “ordem do discurso”.
Por mais que o discurso dos jornais atrelados ao poder
oficial apresentasse as populações excluídas socialmente como
“invasoras” das “propriedades alheias”, “baderneiros” e
“responsáveis” pela marginalidade que aumentava na capital
acreana, as vozes desses sujeitos “resistiram” ao processo de
apagamento que vigorou durante a Ditadura Militar e chegaram até
nós, encontrando uma outra forma de vir à tona que não as
estruturas de poder que tentaram silenciá-las, sendo possível
percebê-las nas entrelinhas do que foi dito e escrito a respeito
desses sujeitos sociais.
Para Foucault, existem três noções imprescindíveis para
se compreender o discurso e suas manifestações no corpo social: a
verdade, o saber e o poder. Esses três conceitos estão
indissociavelmente interligados, através de práticas
contextualmente específicas. Foucault³ trabalha de forma
inovadora as definições de poder e saber, ao afirmar que o poder
não é algo que se possui ou detém, mas sim, algo que se exerce.
Nesse sentido, o poder não precisa, necessariamente, se apresentar
como repressivo, pois se assim o fosse estaria constantemente
ameaçado. É preciso que esse poder se efetive de maneira
simbólica, através da produção de imagens e sua disseminação
como verdade nas várias esferas sociais.
Segundo Foucault, nenhum poder é absoluto, tampouco
existe um poder indestrutível, que determina a dominação de um
grupo sobre outras pessoas; o poder deve ser concebido como uma
estratégia, cujos efeitos de dominação não devem ser atribuídos a
uma apropriação, mas a um elaborado jogo de manobras, táticas,
técnicas e funcionamentos. Logo, onde há poder há também
resistência. É preciso considerar que todas as estruturas de poder
são marcadas também por fissuras. Nesse sentido, o poder se
estende por todas as camadas sociais, embrenhando-se pelos
interstícios mais profundos das relações em sociedade.
Nesse sentido, o saber está intimamente relacionado com
o poder, pois saber gera poder e o poder gera mecanismos de saber
³FOUCAULT, 1996.

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Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

para constituí-lo, legitimá-lo e garantir sua manutenção. Nessa


perspectiva, tudo está envolto em relações de saber/poder que se
sobrepõem num jogo dialógico. Assim, as posições sociais mais
privilegiadas nas relações de poder correspondem àquelas que
exigem saberes mais especializados, estando, banidos dos lugares
privilegiados os sujeitos desprovidos de saber reconhecido
institucionalmente. Logo, textos e instituições constituem práticas
sociais permanentemente amarradas às relações de poder, que as
respaldam e as transformam.
Nesse sentido, “o discurso não é uma estreita superfície
de contato entre uma realidade e uma língua”, pelo contrário, ele
extrapola a mera referência a "coisas", existindo além do mero
agrupamento de letras, palavras e frases. A proposta foucaultiana,
então, é que as relações de poder sejam vistas a partir do próprio
discurso, pois, segundo ele, as regras de formação dos conceitos
não se prendem à consciência dos indivíduos. Essas regras residem,
antes, no próprio discurso, organizando os saberes e impondo-se a
todos aqueles que falam ou tentam falar dentro de um determinado
campo discursivo.
Ao recusar interpretações pautadas na causalidade,
Foucault considera que a realidade caracteriza-se, antes de tudo,
por estar atravessada por lutas regidas pela imposição de sentidos.
Assim, as práticas discursivas estão limitadas por uma “ordem do
discurso”, que pré-determina o que pode ou não ser dito. Para o
autor, “não se pode falar em qualquer época de qualquer coisa”,
assim, antes, de se indagar as implicações quanto ao sentido, ao
modo e às ações suscitadas pelo que foi dito, é conveniente refletir
sobre o que possibilitou a existência desse discurso.
A “ordem do discurso” está centrada na linguagem, na
lógica constitutiva de seu conteúdo e na relação com os poderes
que se ocultam sob a capa desses discursos. O discurso não é
apenas “ordenação de objetos”, ou grupo de signos, mas está
centrado nas relações de poder. Assim, não existe discurso
“neutro”, pois ele traduz as lutas ou sistemas de dominação.
É nesse ponto que as proposições de Foucault contribuem
para o presente trabalho, na proporção em que as condições de
22
Ideologia e Poder

produção do discurso interferem diretamente na configuração dos


dizeres, sendo possível, através da suspensão das continuidades
tratar cada momento do discurso, analisando as relações de poder
em que estão imersos, a fim de perceber em um dado conjunto de
enunciados por que foi possível tal singularidade acontecer ali, e
não em outro lugar.
O debate com as teorias sobre o discurso aliadas às
leituras sobre jornalismo e o contexto histórico suscitaram alguns
questionamentos que nos conduziram durante o “passeio” que
fazemos pela imprensa acreana durante a Ditadura Militar. Ao
trazer à tona esses questionamentos sobre um passado que “insiste
em não passar”, percebemos a atualidade do tema e o quanto
precisamos voltar os olhos para trás e repensar os prejuízos que os
silenciamentos trouxeram, o efeito das marcas que mancharam
nossa história. Relembrando as palavras de Caetano Veloso, terá
realmente passado de nós esse “cálice” ou ainda permanece o
“cale-se”?
Que influência tem esses editoriais na construção da
memória riobranquense? Que forças impulsionaram a produção
discursiva desses jornais? Quem são os sujeitos constituintes dos
discursos e como suas imagens eram construídas a partir dos
editoriais? Como se deu a resistência dos jornais “alternativos” à
tentativa política de silenciamento e dominação e como os jornais
ligados ao poder oficial manipulavam a linguagem a fim de
legitimar as ações dos donos do poder?
A idéia inicial de que o discurso dos jornais O Rio Branco
e Varadouro representavam, respectivamente, o posicionamento
de apoio e de oposição ao poder oficial, no percurso das discussões
levantadas no livro convidam a perceber as rupturas. O que está
posto deve ser questionado. Não há um jogo de “mocinhos” e
“bandidos”, pelo contrário, os interesses que influenciaram a
produção discursiva dos dois jornais se entrecruzam, mostrando
que esta idéia inicial de que estamos diante de um “jornal que apóia
o poder” e outro que o “critica mordazmente” era apenas uma face
do fragmentário espelho do discurso.
4
Ainda que o período enfocado neste trabalho estenda-se até o ano 1981, escolhemos trabalhar a reconstituição
da trajetória da imprensa acreana até o ano de 1985. Para tanto, tomamos como base a divisão que
apresentamos no livro “O imaginário social” (ASSMAR; BONIFÁCIO; LIMA, 2007).

23
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A TRAJETÓRIA DA IMPRENSA
4
RIOBRANQUENSE (1900-1985)
A compreensão do papel da imprensa nos embates
político-sociais ocorridos durante a Ditadura Militar requer que
pensemos nos fatos que influenciaram o fazer jornalístico nesse
período. Antes disso, porém, faremos uma “viagem no tempo”,
retornando à época de surgimento dos primeiros jornais da cidade
de Rio Branco. Com o objetivo de entender melhor a trajetória da
imprensa escrita na capital acreana, fizemos a seguinte divisão,
tendo como marco as mudanças mais importantes tanto no
contexto histórico quanto no projeto gráfico e na linguagem dos
jornais. É bom lembrar que esta divisão deve ser entendida em
termos muito gerais, já que o jornalismo de cada época se apresenta
com muitas faces.

A imprensa familiar e o jornalismo opinativo


(1900-1929)
O interdiscurso entre os acontecimentos históricos e as
estruturas dos textos publicados nos jornais revela que o estilo
jornalístico como existe hoje não surgiu por acaso, é resultado de
uma série de transformações que estão intimamente ligadas com a
evolução do próprio jornalismo. A compreensão do discurso
jornalístico requer que analisemos tanto as técnicas redacionais e
os procedimentos gráficos utilizados para persuadir o leitor, quanto
seu aspecto simbólico expresso nas ideologias que o regem.
Os padrões jornalísticos riobranquenses do início do
século XX receberam influência do estilo adotado pela imprensa
nacional e mundial, sendo marcados por uma linguagem permeada
de adjetivismos. Nessa época, as fronteiras entre o discurso
jornalístico e o literário eram muito tênues. O fato de alguns
jornalistas se dedicarem também à produção de textos ficcionais
fez com que o jornalismo esboçasse durante muito tempo nuances
próprias de textos literários. Além disso, o jornal figurava como
meio de veiculação dos textos literários, através da publicação de
poesias, contos, crônicas.
24
Ideologia e Poder

O estilo jornalístico adotado durante as primeiras


décadas do século XX é balizado no modelo francês, cuja técnica
de escrita remete de imediato ao estilo literário. Os “excessos” de
comentários, com textos marcadamente longos, matizados por um
discurso mais livre e opinativo são aspectos que estão presentes
nos jornais riobranquenses desta época. O aspecto gráfico
privilegiava o texto longo, fazendo pouco uso de imagens. Neste
primeiro momento da imprensa local quase não se utilizam ícones
e fotografias; a palavra era o principal recurso apelativo dos
redatores. Com o passar do tempo, a imprensa evoluiu com a
aquisição de novas máquinas que conferiram uma nova estética aos
textos jornalísticos.
Produzidos semi-artesanalmente, os jornais
riobranquenses, desde seu surgimento, eram essencialmente
opinativos, com pequena tiragem, circulavam entre grupos
restritos, devido à falta de recursos financeiros para sua
manutenção. Afora isto, a própria característica da sociedade
riobranquense, fundamentalmente voltada para o extrativismo da
borracha, revela que a mídia na região, desde os primórdios, atuava
como produtora por excelência de imagens e símbolos destinados à
manutenção de pequenos grupos no poder.

Prédio da Imprensa Oficial do Acre, inaugurada em 1925. Fonte: Álbum Fotográfico do Território Federal do Acre.

25
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

De acordo com Bezerra (1993), a Imprensa Oficial


Acreana, criada em 1925, recebeu em 1948, um conjunto de
máquinas movidas a eletricidade que aumentaram o rendimento
dos impressos no Território do Acre, sendo responsável pelas
publicações das repartições públicas. Por ser a única oficina
tipográfica existente na capital naquela época era também
responsável pelas publicações particulares. A cargo da Imprensa
Oficial foi editado e publicado o primeiro Diário Oficial do Acre, o
jornal O Acre, criado em 1929.
O atrelamento da imprensa de Rio Branco, desde seu
surgimento, ao poder oficial traz em seu bojo um estruturado jogo
de interesses entre mídia e política. Os periódicos das primeiras
décadas do século XX eram verdadeiros porta-vozes do Estado ou
de grupos políticos que financiavam sua produção. A linguagem de
alguns jornais era agressiva, marcada pelas paixões políticas
comuns aos debates da época. O humor era utilizado, neste jogo
pela detenção do poder, como parte constituinte do jornalismo
desse período, que, sendo altamente moralizador e doutrinário,
colocava-se constantemente a serviço das elites veiculando suas
lutas políticas e ideológicas.
Alguns jornais do início do século XX destacavam-se
pela excelente qualidade na editoração, apresentando bom
acabamento e qualidade gráfica, sendo impressos em máquinas
Marioni, bastante modernas para a época (ASSMAR;
BONIFÁCIO; LIMA, 2007, p. 51). Contudo, o que imperava na
maioria dos jornais era a precariedade dos recursos tipográficos,
ressaltando-se que a imprensa riobranquense surgiu vencendo
desafios que iam desde a dificuldade imposta pela confecção
artesanal dos jornais até as sanções políticas que, muitas vezes,
determinavam o caráter efêmero da produção jornalística.
A marca da linguagem do jornalismo desta época era o
caráter altamente moralizador e doutrinário. Os textos publicados
nesses periódicos caracterizavam-se pela defesa dos interesses
políticos e ideológicos, não apenas do Estado, mas também de
outros grupos, como o comércio e grandes seringalistas. A
produção jornalística riobranquense das primeiras décadas do

26
Ideologia e Poder

século XX e as lutas de forças políticas e ideológicas que a


determinaram podem ser melhor compreendidas se considerarmos
que o corpo de escritores dos jornais era composto, em sua maioria,
por pessoas que exerciam funções junto ao aparelho estatal, além de
representantes de partidos políticos, seringalistas e altos comerciantes
da região.
Um outro aspecto a ser analisado neste período inicial da
imprensa riobranquense é a grandiloqüente estrutura de marketing,
destinada a promover o distanciamento do sujeito de sua origem e
condição histórica, uma vez que os imigrantes, em sua maioria,
nordestinos e sírio-libaneses, eram personagens que aqui chegavam
trazendo consigo uma experiência própria de seu lugar de origem. Os
grupos dominantes, utilizando-se deste recurso, tinham como
objetivo unificar o imaginário social, fazendo com que grupos
heterogêneos compartilhassem os mesmos ideais. Assim, a produção
jornalística do início do século XX, buscava, através da mitificação
dos heróis e da região, fixar a força de trabalho no território,
defendendo os interesses do capital monopolista internacional, da
exportação e apropriação de matérias-primas.
Durante as primeiras décadas do século XX, a produção
jornalística local optou por uma linguagem rica em opiniões e juízos
de valor, apresentando forte caráter doutrinário através da exaltação
dos fatos e personagens da história regional e local. Tal fato justifica-
se pelos interesses determinados por meio das condições de formação
da sociedade local.
As manchetes dos jornais dessa época versavam
prioritariamente sobre a mitificação da região e de seus heróis,
propaganda dos coronéis da borracha, partidos políticos ou
associações às quais os jornais estavam subordinados, além da defesa
da autonomia do Território. As principais notícias arranjadas na capa
do jornal, eram, geralmente, de cunho político; informativos diversos;
anúncios de utilidade pública; notas de aniversário, num esboço do
que viria a se tornar a coluna social; eventos culturais, textos
literários; etc. Algumas matérias eram extensas, necessitando de
continuação nas páginas internas do jornal, pois o que importava não
era apenas noticiar o fato, mas também as reflexões desenvolvidas
pelo redator. O acontecimento era contado com riqueza de detalhes,
principiando com introduções complexas, para se chegar ao
entendimento da importância dos fatos.
27
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A era dos manuais de redação (1930-1962)


A segunda fase da imprensa riobranquense inicia-se em 1930,
com ascensão de Getúlio Vargas à Presidência da República, indo até
1962, ano em que o Território do Acre foi elevado à categoria de Estado
da Federação Brasileira. Neste período, os jornais começavam a perder a
expressão de veiculadores das discussões acaloradas em defesa de causas
e bandeiras políticas e passavam a apresentar um caráter mais
informativo.
O regime ditatorial instaurado por Getúlio Vargas ajudou, de
certa forma, a consolidar o crescimento das empresas de comunicação,
uma vez que o poder oficial passou a financiar os jornais e emissoras de
rádio. Com isso, esses meios de comunicação se tornaram órgãos de
divulgação do governo, sendo proibidos pelo serviço de censura de
publicar notícias contrárias aos atos do Presidente e, conseqüentemente,
contra seus interventores.
Os jornais deste período passaram, então, a seguir regras
impostas não apenas pela renovação dos padrões jornalísticos, mas
também pelo modelo de relações determinadas com o crescente
fechamento do regime político, começando com o movimento
constitucionalista de 1932, passando pela Intentona Comunista, em 1935,
se consolidando com o Estado Novo, em 1937, quando Getúlio Vargas
implantou o Departamento de Imprensa e Propaganda - D.I.P. A
implantação deste órgão de controle da imprensa, em 1941, acentuou a
vigilância e o controle sobre as mídias, concentrando nas mãos de
Getúlio Vargas o poder total de censura, através da montagem de uma
vasta rede de comunicação.
Os acontecimentos do contexto político nacional vão se
refletir diretamente na produção jornalística local. Evidentemente, não
era interessante para os donos do poder a continuação de um modelo
jornalístico marcado pela opinião e determinada liberdade de expressão,
era necessário silenciar toda e qualquer posição contrária ao regime
varguista. Em 1930, os partidos políticos acreanos foram extintos com a
implantação do Estado Novo. A repercussão da Ditadura Militar de
Getúlio Vargas intensificou o estado de isolamento do Acre em relação ao
resto do país. A chefia do Território Federal do Acre foi entregue a
interventores da confiança do Presidente, que aqui chegavam,
desconhecendo a realidade local e impondo a lei do silêncio a um povo
que já desconhecia o direito de se fazer ouvir, devido à indiferença com
que era tratado pelo Governo Federal desde a anexação do Território
ao Brasil.

28
Ideologia e Poder

Na década de 1950 o jornalismo brasileiro ganhava novas


feições, resultantes de reestruturações surgidas nas redações inglesas e
norte-americanas desde o final da Primeira Guerra Mundial. Foi
introduzido um novo estilo que se orientava em um modo
particularmente objetivo de narração ou relato de acontecimentos,
baseando-se na economia de palavras.
Com a chegada ao Brasil dos primeiros Manuais de Redação e
sua automática adoção pelos grandes jornais cariocas como Jornal do
Brasil, Tribuna da Imprensa e Diário Carioca, foi implementado um
novo estilo de escrita na imprensa nacional. Iniciava-se um processo de
transformações que alteraria profundamente o fazer jornalístico. A
efervescência cultural dos anos 1950 serviu como pano de fundo para
esta mutação jornalística, uma vez que a sociedade brasileira rompia com
uma série de padrões culturais, políticos e comportamentais.
Os Manuais de Redação adotados inicialmente nos grandes
jornais cariocas consagravam a linguagem impessoal, ocultando o
sujeito da enunciação, tendo como grande novidade a introdução da
técnica do lead, na qual o jornalista elenca no primeiro parágrafo os cinco
elementos da notícia: o que, quem, quando, onde, como e por que
(LUSTOSA, 1996, p.77). A adoção desta técnica norte-americana,
inspirada no discurso telegráfico figura como uma tentativa de excluir de
vez a subjetividade do espaço da imprensa. O modelo possuía outras
exigências que ainda perduram como requisito para a redação de um bom
texto jornalístico: a ordem direta do discurso e o máximo de clareza
possível. De acordo com Nilson Lage (1987), a origem do lead é uma
referência à dessacralização da linguagem, estando ligada à oralidade, é a
manifestação do relato de alguém que assistiu o fato e possui, portanto
autoridade no assunto para falar:

Um jornalismo que fosse a um só tempo


objetivo, imparcial e verdadeiro excluiria toda
outra forma de conhecimento, criando o objeto
mitológico da sabedoria absoluta. Não é por
acaso que o jornalista do século XX mantém, às
vezes, a ilusão de dominar o fluxo dos
acontecimentos apenas porque os contempla,
sob a forma de notícias, na batida mecânica e
constante dos teletipos (...) (Lage, 1987).

29
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A lógica que passava a reger os textos jornalísticos, era a da


velocidade e da falta de tempo da sociedade industrial do século XX.
O discurso da imprensa abandonava o caráter opinativo, deixando de
ser espaço de experimentação literária e embates políticos para adotar
um estilo pautado no caráter informativo. O mito da “objetividade”
jornalística ganhava corpo a partir de então, pela pretensão de deixar
clara a distinção entre “opinião” e “informação”. O editorial, neste
contexto, surge como forma de marcar esta distinção, o jornal
informaria nas demais notas, cabendo à direção do jornal opinar no
espaço dos editoriais. Evidentemente, isto nunca ocorreu, nem ocorre,
já que o os editores do jornal opinam desde a escolha da matéria
central até nas notas “puramente informativas”. Logo, o discurso
jornalístico não é, nem poderá ser neutro.
Ainda na década de 1950 os jornais riobranquenses já
começavam a introduzir estas novas técnicas de redação,
principalmente o lead. Durante algum tempo o novo e o velho
dividiram o mesmo espaço nos jornais da capital acreana, o estilo
opinativo, com textos longos e combativos, ia aos poucos dando lugar
ao informativo, marcado pelas notas objetivas e curtas.

O jornalismo informativo: a ditadura do lead


(1963-1985)

Embora ainda na década de 1950 os jornais riobranquenses


já apresentassem um princípio de transformação do caráter opinativo
para o informativo, esse processo só se consolidaria no período da
Ditadura Militar, quando a vigilância da censura tornou necessária a
criação de novas estratégias de noticiar e veicular os fatos.
O ideal dos manuais normativos da década de 1950 ganhava
força com a padronização dos textos, caracterizando o discurso
jornalístico pelo latente apagamento da autoria na redação das
notícias; o silêncio e a neutralidade passavam a ser sinônimos de bom
jornalismo. Essas transformações marcariam de forma incisiva os
padrões da imprensa dessa época, influenciando ainda hoje o fazer
jornalístico.

30
Ideologia e Poder

Um dos fatos que influenciaram esta nova fase da imprensa


da capital acreana, a qual estendeu-se até 1985, foi o golpe militar de
1964, quando a imprensa passou a estar sob vigilância permanente
dos órgãos de censura. O surgimento do primeiro jornal-empresa da
capital acreana, o jornal O Rio Branco, em 1969, marcou na prática a
transformação do jornalismo riobranquense segundo os padrões da
nova imprensa. Órgão dos Diários Associados, de Assis
Chateaubriand, com primeira edição em circulação no dia 20 de abril
de 1969, este jornal apresentava uma nova proposta jornalística
pautada na especialização da imprensa nacional iniciada com a
implantação de vários cursos de Comunicação Social no país.
Elcias Lustosa (1996) afirma que, a partir de 1969, a
influência direta da cultura visual, principalmente da televisão,
passava a moldar o padrão estético dos jornais impressos no Brasil.
Nessa época, a televisão se consolidava como o mais importante meio
de comunicação, surgindo o que o autor chama de notícia plástica ou
iconográfica, marcada pela apresentação de gráficos, ilustrações e
desenhos, que representam nos jornais o modelo imposto pela
revolução da informática. O autor aponta esse ano como início de uma
nova fase da imprensa brasileira por coincidir com a decretação do
Ato Institucional n. 5, quando começa o período mais duro da
Ditadura Militar e a intensificação dos ditames da censura sobre os
meios de comunicação.
A influência não apenas da televisão, mas também do
cinema e do rádio, obrigou os jornais impressos a investir em uma
diferenciada apresentação da informação, buscando oferecer maiores
detalhes aos leitores. A interferência da televisão no jornalismo
impresso ocorreu de modo gradual até consolidar seu império
absoluto por volta da década de 1980.
Com o avanço da eletrônica foi possível também divulgar
informações mais amplas e rápidas (ERBOLATO, 1991, p. 16).
Mesmo com a relativa facilidade na disseminação de informações, o
isolamento do Acre em relação ao eixo Rio-São Paulo retardou a
implementação das mudanças gráficas nos jornais. A irregularidade e
a efemeridade continuaram como características da produção
jornalística local durante a Ditadura Militar.
Nessa época eram raros os textos opinativos nos jornais de

31
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

linha oficial, a opinião era artigo abjeto nesses jornais, o que


imperava era a ditadura da “informação”. Nas palavras do
“Repórter Édison”, em sua coluna no jornal O Rio Branco, o lema
da imprensa era “o mínimo de adjetivo, com um pouco de objetivo”.
Desde a implantação do jornal O Rio Branco principia o
processo de profissionalização da imprensa local, com a
regularização da atividade junto à Delegacia Regional do Trabalho.
Nas redações dos jornais, aumentava o quadro de funcionários,
figuras como o revisor de textos, o foto-jornalista e o diretor
comercial passavam a participar de maneira mais latente no
processo de dinamização da apresentação gráfica e retórica dos
jornais, atuando na importante articulação entre o jornal, os
interesses mercantis de seus mantenedores e o público leitor.
A divisão do trabalho nas redações jornalísticas
acompanhou a divisão estrutural dos jornais com a criação das
várias editorias temáticas, agrupando os assuntos mais comuns da
publicação. Assim, as colunas foram se especializando e as áreas de
interesse do público leitor foram sendo setorizadas. A tendência,
então, passou a ser agrupar as colunas social, de esportes, policial,
política, que foram sendo marcadas em um lugar específico do
jornal, como forma de otimizar a leitura. A distribuição dos
assuntos entre essas páginas de variedades também revela a
influência do contexto do regime militar sobre os jornais, quando
se observa, por exemplo, que os acontecimentos sobre os
movimentos de "subversão", muitas vezes, compunham a página
policial e não a política.
Os jornais riobranquenses que circulavam durante a
Ditadura Militar eram caracteristicamente irregulares, com
publicações ora mensais, ora semanais, ora quinzenais, variando
conforme a disponibilidade de recursos para manutenção dos
mesmos. Com isso, tem-se o quadro de extrema dependência de
incentivos financeiros do governo, constituindo uma imprensa
oscilante e vulnerável. A aproximação com esta diversidade de
interesses reforçou a adoção do princípio de imparcialidade no
discurso jornalístico. Assim, a imprensa passa a incorporar
seletivamente os discursos de outras instâncias de poderes,
tornando-se legitimadora e organizadora destes discursos.
Apesar da aspiração à neutralidade, não se pode perder de
32
Ideologia e Poder

vista que a imprensa não está imune às pressões destes mesmos


setores cujos discursos ela disciplina, organiza e legitima. E isso
implica não apenas mudanças no campo estético do jornal, mas
também da concepção de público e das linguagens que utiliza. O
controle ideológico criado com as imagens que circulam nos
jornais passou, nas últimas décadas do século XX, a incluir novas
representações através da propaganda e da informação jornalística,
criando condições para a existência de formas veladas de controle,
muitas vezes, alicerçadas em linguagens subliminares tendentes a
exercer controle massivo através da persuasão.
Nesse contexto de transformações da imprensa brasileira,
vale registrar, no Acre, o surgimento do jornal alternativo
Varadouro, em 1977. “O Jornal das Selvas” surgiu da necessidade,
percebida por líderes de setores progressistas ligados à Igreja
Católica, da existência de um espaço para veiculação das causas
defendidas pelos movimentos sociais acreanos. De acordo com
Costa Sobrinho (2001, p. 153), era necessária a criação de um outro
periódico, além do Boletim Diocesano Nós Irmãos, que deveria ser
impresso em um formato diferenciado, impresso em gráfica e que
veiculasse as questões exigidas pelo momento histórico
vivenciado pelo povo acreano no final da década de 1970.
A linha editorial de Varadouro retratava o turbulento
período de chegada dos pecuaristas do Centro-Sul às terras
acreanas, a transformação dos seringais em pastagens para o gado,
a expulsão de milhares de famílias de seringueiros, posseiros e
índios da floresta acreana. A proposta desse jornal alternativo era,
pois, registrar as conseqüências da expansão agropecuária no Acre,
dando voz a índios, posseiros, seringueiros e tantos outros
excluídos socialmente.
A disparidade de posicionamentos existente entre os
jornais O Rio Branco e Varadouro, como se percebe, não se
manifesta apenas no projeto gráfico e retórico, mas principalmente
no jogo de forças político-ideológicas que estão por trás dessas
duas produções jornalísticas. Se, por um lado, a padronização e a
informatividade marcavam a escrita no jornal O Rio Branco, em

33
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Varadouro a preocupação era produzir um jornalismo o mais


próximo possível das camadas mais baixas da sociedade,
apresentando os textos com uma linguagem clara e simples.
Comparando-se a produção jornalística antes e depois dos Manuais
de Redação da década de 1950, percebemos que, mesmo se
perdendo em termos de limitação do discurso filosófico e reflexivo,
o jornalismo deste período ganhou, em certas proporções, com a
abertura para abordagem dos problemas vivenciados por grupos
menos favorecidos economicamente. As mudanças nos padrões
jornalísticos ocorridas no final da década de 1970 e início da
década de 1980, de certa forma, ajudaram a pôr em circulação
opiniões divergentes do poder oficial. Os grupos responsáveis pela
veiculação dos jornais alternativos começaram a perceber, então,
que a divulgação de suas idéias seria um caminho para organização
dos movimentos sociais de base.

34
Capítulo II

COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E
PODER NO CONTEXTO DA
DITADURA MILITAR
Ideologia e Poder

A Ditadura Militar no Brasil e sua influência


no sistema de comunicação da
Amazônia Ocidental

O golpe militar de 1964 representou uma grande


mudança nas relações entre mídia e poder político. O discurso da
imprensa e a propaganda foram instrumentos utilizados pelos
líderes militares para promover suas idéias de “defesa dos
interesses da nação”. Após a deposição de João Goulart, os novos
donos do poder passaram a articular suas ações no sentido de
estruturar um elaborado programa ideológico que assegurasse a
legitimação de seu domínio.
Diante da necessidade de afirmação de seu poderio, os
militares precisavam contar com algo além da força, eles elegeram
como sua arma mais poderosa o discurso. De acordo com Freda
Indursky, é justamente por apoiar-se em uma pretensa
“naturalidade” e “familiaridade” que uma ditadura se sustenta. É
essa normalidade que representa a maior violência dos regimes
ditatoriais, a violência “simbólica, representada em seu efeito de
senso comum, de discurso social estável, e fato de opinião pública,
de não alteração da vida comum”.
Os líderes militares necessitavam dialogar com as elites e
as camadas médias da sociedade para reforçar estratégias de
convencimento que validassem suas ações. Assim, foi necessário
“conhecer” os valores tidos por válidos para esses grupos sociais
para, então, criar estratégias de persuasão. Por estar
essencialmente voltado às elites e à classe média, o discurso dos
jornais acabou incorporando valores indiscutivelmente aceitos por
esses grupos sociais. Os jornais atuaram de forma decisiva no
processo de desagregação do governo de João Goulart, partilhando
praticamente os mesmos ideais dos ditadores militares.
Segundo Balandier (1982), o poder fundado
exclusivamente sobre a força ou sobre a violência descontrolada
teria uma existência constantemente ameaçada, por outro lado, se
exposto debaixo unicamente da razão teria pouca credibilidade. É
37
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

preciso que esse poder se efetive de maneira simbólica, pela


produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua
organização em um quadro ritual.
Como estratégia para se manter no poder, os militares
buscaram na imprensa a legitimação de seus atos. Justificados pela
burguesia, que, contraditoriamente, via o regime como salvaguarda
dos “direitos democráticos”, os militares deixaram a marca da
arbitrariedade em suas ações. Os decretos-leis constituíram-se no
mecanismo mais viável para driblar o Legislativo, sendo possível por
meio destes, expurgar políticos e servidores públicos que
representassem ameaça para o regime. No Acre, pode-se ver,
examinando o Diário Oficial no período que sucede a ascensão dos
governantes militares, o grande número de demissões de funcionários
públicos, possivelmente “suspeitos” de serem aliados ao governador
José Augusto de Araújo, deposto em 1964.
A manutenção de relativa liberdade de imprensa logo que o
golpe militar foi deflagrado era estratégia para firmar alianças a fim de
garantir a legitimação do poder oficial. A aliança entre mídia e política
era duplamente vantajosa, de um lado, o controle do simbólico era
alvo dos governos militares para aumentar seu poderio, de outro, os
grupos que controlavam a grande imprensa se mostravam exultantes
com a possibilidade de desfrutar os privilégios do regime.
Embora a censura prévia fosse decretada em 1970, antes
desse período os jornais já recebiam represálias por parte do governo.
Prova de que o governo militar estava temeroso em relação ao
posicionamento daqueles que controlavam os meios de comunicação
e decidido, portanto, a tomar ele próprio o controle destes, foi a
decretação do AI-2, que lhe permitia intervir diretamente na imprensa.
O AI-2 excluiu da competência do júri os julgamentos de crimes de
imprensa e modificou a redação da última alínea do § 5º do art. 141 da
Constituição Federal, que passava a vigorar com o seguinte texto:
“Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da
5
ordem ou preconceitos de raça ou classe” . Esse Ato Institucional
disciplinou também a situação jurídica dos cassados, vedando-lhes
qualquer manifestação sobre assuntos de natureza política. A
intolerância agora, se estendia à imprensa e a qualquer propaganda
4
Ato Institucional n. 2, 15 de março de 1967.

38
Ideologia e Poder

de subversão e não apenas aos “processos violentos de subversão”.


Com a promulgação do AI-5, entretanto, é que as coisas se
tornariam ainda piores, pois a censura, agora definitivamente
instalada, mudaria ainda mais a rotina nas redações da grande
imprensa, fosse pela vigilância dos censores ou pelo jogo de
interesses que ditava a auto-censura das matérias. Esse Ato
Institucional afetava diretamente a legislação de imprensa,
conferindo, em seu artigo nove, ao presidente da República, poderes
para a imposição de censura prévia sobre os meios de comunicação,
bastando-lhe para tanto que julgasse tal ato “necessário à defesa da
Revolução”. Durante os anos seguintes, a vigilância e o controle
foram largamente utilizados e todos os veículos de comunicação
foram duramente censurados.
Havia também a censura ideológica no que concerne à
manutenção de direitos ou status quo por parte dos donos de jornais
ligados ao viés político dominante. De acordo com Kushnir (2004),
parte da imprensa não recebia censura pelo militares. A censura das
notícias, muitas vezes, era feita pelo próprio dono do jornal, que
censurava algumas notícias conforme seus interesses. Outra prática
comum era a de publicar informes vindos do governo como se fossem
produzidos pelos próprios jornalistas.
O efeito devastador do AI-5 trouxe sobre o país as sombras
dos anos mais duros do regime militar. À revelia dos novos donos do
poder o Congresso era aberto e fechado, a esquerda, que até ainda
conseguia se manifestar, foi condenada à ilegalidade, seus membros
perseguidos e torturados, a imprensa sofreu violentas investidas dos
órgãos de censura, as represálias políticas foram mordazmente
intensificadas, com o aumento de torturas, assassinatos e
desaparecimentos de presos políticos.
Institucionalizava-se, assim, a violência e a repressão
contra quem se arriscasse a questionar o regime. Apesar desse clima
de suspeição e silenciamentos, a contradição se revelava no fictício
“milagre econômico”. Buscando associar a meta de crescimento
econômico ao controle autoritário da política, os militares pretendiam
alcançar a legitimação do regime esperando encontrar as condições
adequadas para consagrar suas imagens como responsáveis pelo
“repentino sucesso” que vivenciava o país.
Elder Andrade de Paula considera que o Estado
“desenvolvimentista”, fortalecido pelas medidas ditatoriais, tinha

39
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

como objetivo alcançar um novo ciclo de acumulação, apoiando-se


num forte apelo ideológico à doutrina da segurança nacional. Como
advogado dessa doutrina, o poder ditatorial investiu violentamente
contra a liberdade de imprensa através da censura, pressionando as
redações dos jornais a não veicularem matérias contrárias ao regime.
Em nome da defesa das fronteiras nacionais, o Estado passou a
articular uma série de medidas destinadas a instaurar um modelo de
desenvolvimento subjugado ao capital internacional.
As políticas públicas definidas pelos militares para a
Amazônia estavam pautadas na incorporação dessa imensa faixa de
terras ao conjunto da economia nacional, habilitando-a à exploração
do capital forâneo. Entretanto, as estratégias para a “integração da
Amazônia” foram fadadas ao insucesso, tendo em vista que apenas a
ligação espacial não é suficiente para inserir a região na macro-
economia da acumulação capitalista.
A tentativa de integração da Amazônia desenvolvida pelos
governantes militares dispôs de um grande aparato estatal, que
envolvia desde a construção de grandes rodovias – como a
Transamazônica e Perimetral Norte –, até a criação de programas
como o PIN (Plano de Integração Nacional –1970) e I e II PND (Plano
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e os grandes
projetos industriais e hidrelétricos – como o Programa Ferro Carajás,
ALBRÁS, ALUMAR, as usinas de Tucuruí e Balbina, Mineração Rio
do Norte, entre outros. Toda essa infra-estrutura foi montada com o
objetivo de viabilizar a cooptação das riquezas naturais amazônicas
pela iniciativa privada, em especial a propriedade da terra.
Sob o pretexto de “ocupar para desenvolver” a região
amazônica, os estabelecimentos bancários públicos reservaram
crédito rápido e fácil para atrair os investidores. Diversos incentivos
fiscais foram disponibilizados para promover o deslocamento de
migrantes, capitalistas nacionais e estrangeiros, dispostos a contribuir
com o projeto de ocupação idealizado para a Amazônia. A imposição
de mecanismos estatais para a integração da Amazônia, entretanto,
encontrou nos movimentos populares de índios, seringueiros,
posseiros, ribeirinhos, entre outros, resistência contra a expropriação
6
que o capital forâneo instaurou na região. Os “empates” foram uma
das formas de resistência encontradas pelas populações da floresta
para assegurar seu direito a permanecer na terra e lutar pela
sobrevivência ao combater a destruição de seu habitat.
6
Movimento de resistência através do qual posseiros e seringueiros “empatavam”, ou seja, impediam que os
jagunços dos grandes fazendeiros agropecuaristas os expulsassem das terras em que já viviam há anos ou
desmatassem a floresta.

40
Ideologia e Poder

Trabalhadores rurais reunidos para um empate contra os fazendeiros pecuaristas do Centro-Sul.


Fonte: Acervo Digital do Memorial dos Autonomistas.

Segundo Elder Andrade de Paula, a luta pela terra era


uma constante e os governos procuravam usar de todos os meios
para expulsar as populações que nela habitavam.

Dado que a permanência na terra passa a


constituir-se como elemento fundamental de
resistência, os desmatamentos para fins de
implantação de projetos agropecuários expressam
uma séria ameaça aos posseiros em geral e aos
seringueiros em particular. Em outras palavras, a
derrubada da mata representava a eliminação das
possibilidades materiais de sua sobrevivência, via
destruição de suas fontes de renda baseadas no
extrativismo (principalmente as árvores de seringa e
as castanheiras), bem como a progressiva extinção da
fauna e flora que compõem a base de sua alimentação.
(Paula, 2006, p. 112).

Os empates representaram uma das mais brilhantes formas


de resistência do chamado contra-poder em defesa das populações da
floresta. É no contexto das lutas que muitas forças de reação se
avolumam contrapondo-se à sujeição. Movimentos de resistência
como os empates surgem das fortes pressões, aliando a população em
torno de bandeiras comuns pela defesa de sua permanência na terra.

41
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

É justamente no conflito que se trava nas lutas sociais que


ganham força os princípios da universalidade de cidadania. Assim,
quando os diversos movimentos sociais como de índios, posseiros,
seringueiros, lavadeiras, agricultores, colonos sem terra e sem teto,
desempregados, levantam-se em defesa de seus direitos, passam a
atuar como desencadeadores do debate, inscrevendo-se na cena
pública como forças de resistência. Essa tentativa de resistência,
entretanto, não significa que liberdades e direitos estão totalmente
salvaguardados, basta voltar os olhos para o estado de cerceamento
de liberdades que há não muito tempo submeteram, e ainda
submetem países inteiros.
A Amazônia, no contexto da “mercantilização de tudo”, foi
alvo, durante a Ditadura Militar, de um intenso processo de
legitimação do discurso capitalista. O poder ditatorial não apenas
objetivava integrar o Brasil espacialmente, mas também
ideologicamente. Para tanto, o ideal militar de unificar o país
perpassava obviamente por iniciativas no campo das
telecomunicações. Assim, a criação, em 1965, da Empresa
Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL – sob o lema: “a
comunicação é a integração” revela os esforços dos donos do poder
para perpetuar sua dominação através dos meios de comunicação
de massa.
Como bem coloca Altvater, “os poderes inconstitucionais
na economia e o mundo da mídia precisam apresentar um mercado
atrativo para os clientes, acenar com o lucro para os acionistas e
alcançar uma taxa de audiência alta”. Assim, esses poderes ditos
inconstitucionais não estão vinculados às decisões políticas, pois
vêem os cidadãos que constituem essa comunidade política como
meros consumidores.
O jogo de interesses políticos durante a Ditadura Militar
evidencia-se, sobretudo, pela celebração da aliança entre os
jornais e o poder político. O poder oficial, que já manipulava a
produção jornalística local, passou a financiar de forma mais
latente os gastos com os jornais. Prova disto é o fato de que,
durante esse período quase não se observa, em nenhum veículo de
comunicação, resistência ou crítica aos atos presidenciais, o que
comprova, ainda, a “eficiência” do aparato de controle ideológico
montado pela classe dirigente a fim de tornar “homogêneas” as
42
Ideologia e Poder

opiniões dos diversos jornais existentes no país.


A maioria dos jornais riobranquenses do período da
Ditadura Militar apresentava linha editorial legitimadora do poder
oficial, não manifestando quase nenhuma reação às medidas
repressivas adotadas pelos líderes do regime. Nesse sentido, os
editoriais dos jornais ligados ao poder oficial foram editados com
o objetivo de construir uma imagem simpática, popular e
empreendedora dos presidentes e seus governos estaduais.
Exemplo desse culto aos líderes do regime era a
preparação para a chegada dos Presidentes Militares, realizado de
forma intensa e disciplinada. Os alunos se confundiam com
militares, enfileirados, posicionados de modo a representar a
“pretensa” unidade do povo brasileiro. Essas estratégias de
disciplinamento dos corpos são discutidas por Michel Foucault,
que considera que o quadriculamento, a fila, a elaboração temporal
do ato e a correlação do corpo e dos gestos são mecanismos que
põem em funcionamento um conjunto de técnicas que atuam de
modo a legitimar a dominação dos grupos que exercem o poder.
Ao construir uma imagem simpática diante do povo
brasileiro, os governantes militares buscavam efetivar uma
estratégia para se manter no poder. A mídia contribuiu de maneira
decisiva para a divulgação das idéias de um “Brasil Novo”,
“unido”, governado por “verdadeiros redentores da Nação”. Os
meios de comunicação de massa fomentaram, então, o imaginário
de uma nação integrada que compartilhava os mesmos valores e
ideais. Os integrantes dessa sociedade tinham de ser, ainda que por
meio da arbitrariedade, “padronizados” em torno de valores
cívicos e patrióticos comuns.
Diante do peso repressivo que o regime militar
representava, era preciso criar mecanismos que mascarassem a
violência imposta pelo sistema ditatorial. Para isso, foram criadas
técnicas sutis de disciplinamento, disseminadas a partir da idéia de
“defesa da pátria”. Com isso, buscava-se que os sujeitos se auto-
regulassem e se auto-governassem, para que não fosse preciso
violência e repressão.

43
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A Ditadura Militar no Acre e sua influência na


imprensa escrita
Perseguições, torturas, assassinatos, exílios, seqüestros,
censura à imprensa e à produção intelectual. Voltando os olhos para
a turbidez que marca a Ditadura Militar nos deparamos com a
necessidade de dialogar com os sujeitos que fazem parte desse
processo discursivo. Nesse encontro, a inquietação leva-nos a
interrogar: Quais são as suas histórias? Quais os efeitos de seus atos?
Como se entrelaçam com as relações de poder?
Ao partirmos desta reflexão, podemos dizer que os anos
que antecederam o golpe militar no Acre são marcados por um
misto de incerteza e esperança. A expectativa de gerir-se de forma
autônoma era a promessa aguardada durante quase seis décadas
pelo povo acreano, através da transformação do Território Federal
em Estado. Entretanto, o descaso do governo brasileiro e a
necessidade de auto-gestão financeira eram argumentos que a
oposição ao Movimento Autonomista utilizava para destacar as
dificuldades que surgiriam com a elevação do Acre a Estado.
O projeto autonomista foi apoiado por uma grande
campanha de divulgação nos principais meios de comunicação
locais, apresentando a emancipação política como “desejo de todos
os acreanos”. Esse projeto, entretanto, esteve longe de representar
os anseios de uma coletividade, era mais uma medida motivada
pelos interesses das elites locais que viam o domínio federal como
empecilho para sua dominação econômica.
Apesar da divisão de opiniões sobre a questão da
autonomia acreana, em 15 de junho de 1962 foi assinada a Lei
4.070, que conferia ao Acre status de Estado. No dia 07 de outubro
do mesmo ano, os acreanos foram às urnas e elegeram pela
primeira vez o chefe do Executivo, além dos líderes dos cargos
legislativos. A autonomia política do Acre, entretanto, não duraria
muito, era perceptível na imprensa local o clima de suspeição
levantado por líderes pessedistas sobre a administração de José
Augusto.

44
Ideologia e Poder

Na imprensa local, a disputa entre os maiores partidos


acreanos da época, o PTB e o PSD, ganhava destaque através do
jornal de apoio aos petebistas, O Liberal, dirigido por Foch Jardim,
e do jornal O Estado, dirigido por José Guiomard dos Santos,
senador pessedista.
O jornal O Liberal, na campanha eleitoral de 1962 apoiou
a União Social Trabalhista (coligação do PTB, UDN e PSP),
ajudando a eleger José Augusto. Com a deflagração do golpe
militar em 31 de março de 1964, O Liberal foi um dos poucos
instrumentos de que dispunham os correligionários do governador
José Augusto para tentar apaziguar os ânimos e minorar o estado de
expectativa que se instaurava na política acreana. Embora o clima
Acreditamos que o povo esteja renovando
seu voto de confiança, na certeza de que o jovem
governante não há-de postergar seu passado de
lutas e princípios democráticos. Torna-se
necessário compreendermos que o Acre não é
propriedade de grupos políticos e econômicos.
Todos têm a obrigação patriótica de lutar pela
consolidação do regime político que nos foi legado
pela Lei n.º 4.070, de 15-6-62, numa afirmação
inconteste de que somos capazes de realizar
também. (Nossa Opinião. O Liberal. Rio Branco-
AC, 21 abr. 1964, Ano VIII, n. 199).
Às vésperas da deposição de José Augusto pelos militares,
o discurso presente no editorial tentava reafirmar a legitimidade do
Governador acreano, tendo em vista que seu mandato havia sido
outorgado pelo sufrágio do voto popular. A referência a um sujeito
coletivo, ao se afirmar que “todos têm a obrigação patriótica de
lutar pela consolidação do regime político que nos foi legado pela
Lei n.º 4.070, de 15-6-62”, reforça a necessidade de se defender a
“democracia”, representada pelo governo de José Augusto, e
contra os “grupos políticos e econômicos” que ameaçam o regime
democrático.
A neurose anti-comunista era a tônica do discurso do
grupo de opositores do governador José Augusto, que acusavam-
no constantemente de ser comunista ou amigo dos comunistas e de
45
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

permitir que se instaurasse no Acre um clima de animosidade,


perpetrado por comunistas infiltrados no governo e que usavam
seus cargos para “provocar inquietações junto à população e às
classes conservadoras”.
Todas as forças políticas e sociais que apoiavam o regime
militar empenharam-se em agir para forçar a renúncia do
governador acreano. Os jornais de oposição pressionavam e
ameaçavam José Augusto, como se pode entrever no seguinte
Apesar das ameaças reveladas, da
campanagem policial, das apregoadas prisões de
deputados e outras propaladas notícias de
prestígio e apoio do prof. José Augusto, com o fito
exclusivo de amedrontar-nos; aqui vai mais esta
edição de “O Estado” com a nossa mesma
orientação, pois nada há que temer pois não
somos comunistas nem dilapidamos os dinheiros
públicos. (Não tememos. O Estado. Rio Branco-
AC, 26 abr. 1964, Ano VI, n. 116, p. 1).

Se observarmos o que o trecho acima noticia,


perceberemos o clima de suspeição e turbulência que dominou o
Acre nos dias que antecederam a assinatura da renúncia do
Governador José Augusto. A “campanagem policial” e as “prisões
de deputados” são referências que apontam para a desmoralização
do então governador e de todos aqueles ligados a ele, o que
notamos pela declaração de que “não somos comunistas nem
dilapidamos os dinheiros públicos”. Assim, percebemos que o
objetivo da imprensa neste momento era construir a idéia de
legalidade do golpe militar através da exigência da assinatura da
renúncia por parte do governador.
Ironicamente, a busca de legitimação pautada no discurso
da “democracia” não foi apenas o argumento escolhido pelos
correligionários do Governador José Augusto. As facções golpistas
buscaram a aceitação por meio do discurso democrático. A
“democracia” constitui-se na formação discursiva predominante
no imaginário político circulante nos jornais riobranquenses do
período da Ditadura Militar. Ao tentar construir uma imagem
democrática, os líderes do regime militar que se instalavam em
Brasília e nos Estados brasileiros buscaram legitimidade no
46
Ideologia e Poder

discurso jornalístico, pois para serem legítimos, precisavam ser


“democráticos” e defensores da “vontade da Nação”.

Governador José Augusto de Araújo passando à tropa da Polícia Militar em revista – 1963.
Fonte: Acervo Digital do Memorial dos Autonomistas.

Com a deposição de José Augusto de Araújo, em 08 de


maio de 1964, acirrou-se ainda mais as disputas entre PSD e PTB.
Após a assinatura da renúncia, os jornais de linha oposicionista
fizeram questão de apontar José Augusto e todas as pessoas ligadas à
sua administração como subversivos e comunistas. Em quase todas as
edições de O Estado encontram-se acusações ao governo petebista de
estimular a corrupção, e numa tentativa de ridicularizar o ex-
governador, algumas notas do jornal referem-se ao governador
deposto como o “Zé”. Por outro lado, o jornal não economizava
elogios ao governador imposto pelos militares, Edgard Pedreira de
Cerqueira Filho. São as estratégias do poder mudando conforme as
conveniências políticas de uma restrita minoria.
Após a renúncia de Edgard Cerqueira, em agosto de 1966,
assume o governador Jorge Kalume, cujo mandato coincide com o
mais duro período da Ditadura Militar. Durante seu governo foi
editado em Brasília o quinto Ato Institucional (AI-5), responsável
pelo fechamento do Congresso Nacional e pela eliminação das
47
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

garantias institucionais democráticas ainda vigentes. Intensificavam-


se a repressão e a censura a qualquer forma de oposição ao regime
militar, bem como toda e qualquer manifestação da sociedade civil.
No Acre, muitas prisões foram realizadas, sem, contudo, a mídia
noticiar tais fatos.
Era a época das construções de rodovias que interligariam a
capital aos demais municípios acreanos e a outras regiões do país, da
criação de conjuntos habitacionais para a classe média nascente,
como o Castelo Branco, o Bela Vista e o Guiomard Santos, e da
construção da Ponte Juscelino Kubitschek, que faria a ligação entre o
Primeiro e o Segundo Distrito de Rio Branco.
O entrelaçamento desses fatos que marcaram o início da
Ditadura Militar no Acre com o contexto da imprensa escrita vigente
nessa época de “silêncios cortados” leva-nos a enveredar pelos
escorregadios domínios da linguagem, e, consequentemente, do
discurso. Ao contrapormos o discurso presente nos editoriais dos
jornais O Rio Branco e Varadouro às condições de produção em que
foram escritos, podemos entrever os movimentos de resgate da
memória e o estabelecimento de alguns traços das várias identidades
sociais que circulam na sociedade acreana.
O discurso da imprensa escrita local incorporou o ideário de
ocupação da Amazônia, última fronteira a ser e integrada ao resto do
país. Numa bem arquitetada estrutura de marketing, a imagem da
floresta amazônica aparece como um desafio a ser vencido e
subjugado pelo homem “civilizado”. O sentido de "civilizar" a
Amazônia, adotado pelos governos militares para justificar sua
dominação na região, compreendia “redimi-la” ao tomá-la
bravamente dos índios, animais ferozes, doenças e do isolamento em
relação às demais regiões do Brasil.
O seguinte anúncio traz o comentário sobre os benefícios
da “modernidade” que chegava para tirar a Amazônia do
“primitivismo”, demonstrando a ideologia adotada pelos diversos
jornais locais a fim de “ocupar” a região para “desenvolvê-la”:
A Amazônia tem dono, você é um deles.
A Amazônia é sua. E de todos os brasileiros.
Mas você é um dos homens que estão ajudando a
mudar a paisagem da outra metade do Brasil.

48
Ideologia e Poder

A SUDAM e o BASA estão trazendo o remédio que


ela sempre precisou.
Dinheiro e tecnologia. Já fizemos muito nesses
cinco anos. Esperamos fazer muito mais.
Temos que trazer outros milhares de investidores
para a Amazônia.
Para isso precisamos convencê-los de que a
Amazônia já é uma realidade.
(A Amazônia tem dono, você é um deles. O Rio
Branco. Rio Branco-AC, 12 fev. 1972, Ano III, n.
483, p. 3).

A idéia de redimir os “atrasados amazônidas” pela


tecnologia e pelo progresso foi tema não apenas de vasta
propaganda veiculada na imprensa escrita acreana, mas também de
diversos editoriais. Dizer que “a Amazônia já é uma realidade” é
desconsiderar anos de história. A propaganda veiculada nas
décadas de 1970 e 1980 pouco difere da veiculada em pleno início
do século XXI, pois desconsidera as pessoas que aqui viveram e
vivem, única e simplesmente por possuírem uma dinâmica
diferente dos chamados “centros do progresso nacional”.
Os efeitos do programa de colonização da Amazônia
empreendido pelos militares chegaram ao Acre com intensidade
durante o governo de Wanderley Dantas (1971-1974), cuja política
de incentivo à pecuária “escancarou as porteiras” do Acre aos
grandes empresários do Centro-Sul do país. Estes adquiriram, a
preços muito baixos, imensas extensões de terras pertencentes aos
antigos seringais, devastando a floresta para a implantação de
pastagem, expulsando posseiros, seringueiros e índios. O resultado
desse processo só poderia ser o deslocamento dessa população
expropriada em direção aos centros urbanos, principalmente para
Rio Branco, que por ser a sede do governo e o principal centro
urbano acreano parecia oferecer maiores oportunidades de
emprego e educação para os filhos.
Na imprensa riobranquense imperava o discurso do
“Acre Novo”, segundo o qual a “modernidade” chegava ao Estado.
Esse discurso foi construído no sentido de atrair investimentos do
capital internacional e do Centro-Sul do Brasil para a região
acreana.
49
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Os caminhões boiadeiros estão chegando.


São mais de quinze mil novos animais de raça
Nelore que vão embelezar a paisagem bucólica
das tardes acreanas, substituindo o predomínio
do penacho da fumaça branca dos
defumadores tradicionais, a que estávamos
habituados. (...) O Novo Acre está acontecendo.
O Acre cresce. (O Jornal. Editorial. Rio Branco
- AC, 14 set. 1974, Ano I, n. 2, p. 2).

A produção discursiva dos jornais riobranquenses da


década de 1970 demonstrava a intenção dos grupos dominantes de
promover a legitimação do modelo de desenvolvimento elaborado
pelos militares para a Amazônia. Sem dúvida, a relação entre o
governador Wanderley Dantas e a imprensa evidenciou a atitude de
servilidade dos meios de comunicação locais ao projeto de
desenvolvimento acreano, pautado na substituição dos defumadores
de borracha pelas grandes pastagens.
Diante do isolamento do Acre em relação a outros Estados
brasileiros a alternativa encontrada por Wanderley Dantas foi aliar-se
à imprensa para divulgar as “vantagens” de se comprar terras acreanas.
A aliança entre o governo Dantas e a imprensa é perceptível não
apenas pelo propagandismo que lançou o Acre no cenário nacional
como terra paradisíaca, mas principalmente pelo que foi silenciado
nesse discurso. É inconcebível que em pleno processo de expulsão de
seringueiros, índios e posseiros de suas terras não se publicasse nada
nos jornais de Rio Branco a respeito da violência nos empates,
tampouco acerca das prisões arbitrárias nas delegacias ou sobre as
duras condições de vida nos bairros “periféricos” que estavam em
formação.
As conseqüências desta abertura ao capital forâneo,
entretanto, não tardariam. Durante o governo de Geraldo Mesquita
(1975-1979), intensificaram-se os conflitos pela posse da terra
envolvendo grandes pecuaristas e posseiros. Isso gerou a necessidade
de “demarcação” das fronteiras, pois tanto os seringueiros quanto os
seringalistas tinham uma relação de posseiros com a terra. A luta pela
regulamentação da posse da terra se fez sob a lógica das relações de
poder, venceram aqueles que detinham as posições sociais mais

50
Ideologia e Poder

privilegiadas, restando aos posseiros emigrar para os centros urbanos,


uma vez que não dispunham de condições econômicas para comprar a
terra nem influência junto aos órgãos governamentais para adquirirem
o título das mesmas.
O plano de governo de Geraldo Mesquita, diante de tais
problemas sociais, incluiu o incentivo à produção agrícola e a fixação
das populações interioranas em seus locais de origem. Diante do
elevado número de pessoas que se avolumavam na zona “periférica”
de Rio Branco e dos grandes problemas sociais trazidos com a
irresponsável instalação da pecuária no Estado, o plano de governo de
Geraldo Mesquita contribuiu para minimizar os problemas causados
pela falta de infra-estrutura da cidade para receber tantos imigrantes.
A coincidência com o período da administração do
Presidente Ernesto Geisel permitiu ao governo de Geraldo Mesquita
participar do processo de abertura política “lento, seguro e gradual”.
O lema de seu governo era “empreender medidas, a médio e longo
prazo, por meio do processo democrático do diálogo, da renúncia
mútua e do consenso”.
Com o fim do AI-5, os jornais riobranquenses passaram a
gozar certa liberdade de expressão, conquistada no início do governo
do Presidente João Baptista Figueiredo. Uma das principais metas do
Presidente Figueiredo, já no primeiro ano de seu mandato, foi a
questão da anistia, cuja Lei foi aprovada ainda em agosto de 1979 pelo
Congresso Nacional.
No Acre, a chegada da década de 1980 foi marcada por
grandes problemas sociais herdados dos governos militares anteriores.
Ao assumir o governo acreano em 15 de março de 1979, Joaquim
Falcão Macedo (1979-1983) teve à frente vários problemas gerados
com a falta de planejamento ao se implantar a agropecuária no Acre,
pois a entrada desta atividade econômica no Estado não contemplou o
fator social.
Diante do quadro de extrema carência nos bairros de Rio
Branco, a esperança de um governo que contemplasse essas
questões sociais foi elemento que direcionou a propaganda de
divulgação de Joaquim Macedo. Aproveitando o contexto de
privações vivenciadas por essas populações expropriadas de suas

51
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

terras e que lutavam pela sobrevivência na “periferia” da capital


acreana, o Governador Macedo promoveu uma larga divulgação na
imprensa sobre as obras realizadas nesses locais mais carentes:
E, nesse diapasão é que os projetos visando
beneficiar colonos, seringueiros, agricultores
sem terras, vem sendo direcionados pelo
governador Joaquim Macedo e sua equipe. Hoje,
essa parcela considerável da população acreana
pode estar certa que encontrará no governador
Joaquim Macedo um homem voltado para a
solução de seus problemas se fizermos uma
análise geral, chegaremos a conclusão que o
governo já fez sua opção; escolhe trabalhar pelos
humildes. (Opinião. O Rio Branco. Rio Branco-
AC, 15 jul. 1980, Ano X, n. 946, p.2).

Para alguns, um governo que “optou pelos humildes”,


para outros, um “continuador” da política de exceção desenvolvida
pelos demais governadores tutelados pelo poder da quartelada de
Brasília, como se pode notar na crítica mordaz expressa no trecho
do seguinte editorial do jornal Gazeta do Acre:

Despertou nossa atenção, mas não nos


surpreendeu que o governador Joaquim Macedo
tenha ido se queixar ao Presidente da República
“dos que fazem imprensa nesta terra”. (...)
Conhecemos muito bem a Lei de Imprensa,
embora não concordemos com ela em sua
totalidade, porque ainda traz em seu bojo diversos
abusos estes, sim, intoleráveis! Do regime de
exceção do qual os atuais governadores são ainda
servos. (Repórter Gazeta. Gazeta do Acre. Rio
Branco-AC, 12 abr. 1981, Ano IV, n. 805, p. 3).

As opiniões circulantes na imprensa sobre os


governadores acreanos sempre se apresentaram marcadas por
divergências. Como percebemos a partir desses dois trechos de
editoriais, o jogo de interesses determina o apoio ou a contrariedade.

52
Ideologia e Poder

Enquanto no editorial do jornal O Rio Branco a posição eleva os feitos


do governo de Joaquim Macedo, neste segundo exemplo, retirado do
jornal Gazeta do Acre, predomina a crítica à “servilidade” do
governador em relação ao Presidente da República e aos ideais de
regime militar.
A partir da correlação entre a imprensa riobranquense e os
interesses dos líderes da Ditadura Militar, percebemos que o processo
de abertura política revelou mais uma faceta do aliancismo entre o
poder político e o poder midiático. Longe de se configurar em luta
“genuína” da participação popular, o clamor por liberdade de
imprensa se deu dentro dos limites de uma sociedade capitalista, em
que prevalecia a opinião e os interesses dos grandes empresários da
mídia. Assim como aconteceu e acontece em toda a trajetória acreana,
a imprensa desempenha um papel de mantenedor do status quo, tanto
dos grupos que a dirigem quanto dos grupos que ela apóia.
Se, por um lado, o poder ditatorial fazia uso de estratégias
diversificadas de controle social, fosse por meio da violência,
repressão, do controle econômico, da mitificação da pátria ou da
aliança com a imprensa de grande circulação, por outro, a resistência
se manifestou através da chamada “imprensa alternativa”. Segundo
Bernardo Kucinski, esta designação foi dada aos veículos de
comunicação que se contrapunham à ideologia dominante veiculada
pelos jornais da grande imprensa, que adotavam uma postura de apoio
ao regime militar ou não o contestavam claramente.
Inicialmente, os jornais alternativos receberam a
designação de “nanicos”, devido ao tamanho do tablóide adotado pela
maioria e também em virtude da imaturidade e pequenez que
apresentavam quanto ao âmbito empresarial. Em todo o país surgiram
vários jornais alternativos, dentre os quais se destacaram os seguintes,
que circularam nos grandes centros: Pif-Paf, O Pasquim, Movimento,
EX, Folha da Semana, dirigida por Arthur Poener, o Bondinho,
editado por Sérgio de Souza, O Sol, entre tantos outros.
Acompanhando esse fenômeno, surge, no Acre,
Varadouro, O Jornal das Selvas como se auto-intitulava, adotando
uma linguagem combativa e projeto gráfico peculiar. A proposta
deste “nanico” era registrar as conseqüências da expansão
agropecuária no Acre, dando voz a índios, posseiros, seringueiros e
tantos outros excluídos socialmente.

53
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A eclosão dos inúmeros conflitos pela posse de terra se


tornou tão latente que era impossível a imprensa fazer de conta que
nada estava acontecendo. Entretanto, a abordagem dos fatos
apareceu de forma muito tímida nos jornais de linha editorial
vinculada ao poder oficial. Diante dessa carência de informações a
respeito do tema, os jornais “alternativos”, dentre os quais se
destacam Varadouro, Nós Irmãos e Berração, foram os porta-
vozes do momento de ebulição político-social que viveu o Acre no
final da década de 1970 e início da década de 1980.
Bernardo Kucinski assim define o jornal Varadouro:

Apesar de suas reportagens abordarem


aspectos da vida na Amazônia, sempre de forma
crítica e colada às camadas populares, sem meias
palavras, o jornal contava com anúncios do comércio
local. Não possui nenhum ranço da linguagem
doutrinária dos alternativos nacionais
(Kucinski,1991).

Varadouro circulou na capital acreana no período de


1977 a 1981. Era um jornal alternativo cuja criatividade diferia dos
demais pertencentes a esta categoria produzidos no restante do
Brasil, por manifestar em suas página um “jeito acreano”, tanto do
ponto de vista da linguagem quanto do próprio projeto gráfico.
Nascido em uma conjuntura política difícil, Varadouro enfrentou
as sanções da censura, demonstrando que é possível produzir um
jornalismo alternativo, mesmo em plena vigência dos Atos
Institucionais.
Enquanto na imprensa atrelada ao poder oficial as
palavras são chamada à neutralidade, na imprensa alternativa são
marcadas pelo comprometimento. Adotando um discurso que
focalizava como protagonistas os vários sujeitos sociais
geralmente excluídos da “ordem do discurso”, Varadouro foi alvo
de constantes ataques por parte dos líderes políticos da época, por
não admitirem contestações ao regime militar.

54
Ideologia e Poder

Uma publicação da Empresa Macauã Ltda., Varadouro teve


sua primeira equipe de redação composta pelo diretor responsável
Elson Martins da Silveira, pelo fotógrafo Adalberto Dantas, pelo
diretor financeiro Abrahin Farhat Neto e pelos redatores Célia Pedrina
Rodrigues Alves, Elson Martins da Silveira, Luiz C. Carneiro, Rosa
Maria Carcelen, Silvio Martinello e Terri Vale Aquino. É importante
destacar a inovação apresentada com a presença das mulheres na
composição da equipe de redação do jornal, rompendo com uma
tradição mantida em quase toda a existência da imprensa acreana, que
vedava às mulheres o poder de manifestar livremente seu discurso
através da escrita.
Para a realização da primeira edição de Varadouro, em maio
de 1977, foi necessário importar 300 quilos de chumbo em barra para
a composição das letras usadas para impressão do jornal. A
necessidade de se importar tamanha quantidade de chumbo aconteceu
porque nessa época, a impressão dos jornais acreanos era feita nas
velhas máquinas linotipo, alimentadas por chumbo em barra. Pedro
Vicente Costa Sobrinho afirma que essas máquinas tipográficas
possuíam área de impressão de duas páginas de jornal no formato
standard. Os responsáveis pelo jornal enfrentaram grandes
dificuldades para mantê-lo em circulação, por isso o “nanico” acreano
perambulou por várias cidades para poder ser composto e impresso,
entre elas São Paulo, Porto Velho, Manaus e Belém. As raríssimas
edições impressas no Acre tiveram que contar com as oficinas do
jornal O Rio Branco.
VARADOURO é, pois, um dever de
consciência de quem acredita no papel do
jornalista. É propositadamente feito aqui, na
“terra”. Sai, portanto, de uma forma rude,
cabocla, sem técnica, cheio de limitações e
gerado pela necessidade de colocar em discussão
os problemas de nossa região, do nosso tempo e
principalmente de nossa gente.
É um desafio, até certo ponto, incômodo.
Sabemos que seremos amados e mal-amados. Mas
ainda achamos que vale a pena assumi-lo, porque
acreditamos que o homem acreano e o da
Amazônia em geral merecem muito mais do que
simplesmente o “berro do boi”. (Aos Leitores.
Varadouro. Rio Branco-AC, mai./1977, Ano I, n. 1,
p.1).

55
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A escolha do nome Varadouro, termo que designa pequena


estrada aberta pelo seringueiro para ligar o barracão ao seu local de
trabalho, revela a intenção dos responsáveis pelo jornal de dialogar
sobre os principais conflitos existentes no Acre. A proposta principal
desta produção jornalística era registrar as conseqüências da "segunda
patada", ou seja, a entrada no Acre de grandes empresas agropecuárias,
uma vez que a "primeira patada" aconteceu com o ciclo da borracha.
Ao lado de Varadouro, o jornal O Rio Branco, também
constitui-se em elemento de estudo deste livro. O Rio Branco
caracteriza-se por manifestar em suas páginas a oscilação dos jogos de
poder da política acreana. Fundado em 20 de abril de 1969, esse
jornal representa um verdadeiro divisor de águas na imprensa acreana.
Primeiro jornal-empresa com circulação diária do Acre, O Rio Branco
se destaca por ser o periódico que tem perdurado por maior espaço de
tempo em circulação na capital acreana. A redação e as oficinas
situavam-se na sede da Imprensa Oficial do Estado, Av. Ceará,
esquina com a Cel. João Donato.
Construída no governo de José Guiomard dos Santos, a
nova sede da Imprensa Oficial do Acre foi um dos primeiros prédios
do Departamento do Acre a ser construído em alvenaria. A dificuldade
de transporte do material para o Território fez com que durante quatro
décadas de regime de Território, o Acre possuísse apenas raríssimas
construções em alvenaria. A Imprensa Oficial foi, durante muitos anos,
o órgão que atendeu a maior parte dos trabalhos de impressão
tipográfica no Acre.

Segunda sede da Imprensa Oficial do Acre, inaugurada em 29 de outubro de 1948.


Fonte: Álbum Fotográfico do Território Federal do Acre.

56
Ideologia e Poder

O jornal O Rio Branco, Órgão dos Diários Associados de


Assis Chateaubriand, surgiu no cenário da imprensa acreana
apresentando uma nova proposta jornalística, pautada na
especialização a imprensa nacional, iniciada a partir da implantação
de vários cursos de Comunicação Social. O jornal destaca-se por ser
pioneiro na imprensa local, trazendo grande inovação em seu projeto
gráfico com as matérias mais curtas e diretas, colunas mais ilustradas
e a divisão dos assuntos em várias seções especiais.
Faziam parte da primeira equipe jornalística de O Rio
Branco, o Diretor Superintendente Epaminondas Correia Barahuna, o
Redator-Chefe Ubirajara Omena e o Diretor Petrônio Gonçalves de
Almeida. O corpo de redatores era composto por José Chalub Leite,
José de Souza Lopes, Elzo Rodrigues, Francisco Cunha Filho e Edno
Thadeu Cavalcante Monteiro.
O público leitor do jornal era basicamente composto pelas
elites acreanas e órgãos do poder. Entre os assinantes de O Rio Branco,
podem ser citados o Governo do Estado do Acre, Assembléia
Legislativa Estadual, FADACRE – Faculdade de Direito do Acre,
Departamento de Geografia e Estatística, Banco Real, SUNAB,
Prelazia do Acre e Purus, Lourival Marques, Alberto Zaire, Áulio
Gélio, Ferraz e Azevedo, Maria Strano, José Eugênio Bezerra de
Araújo, Raimundo Escócio Faria, Tetsuo Kawada, Jorge Araken,
Adonai Santos, Labib Murad e Boaventura Moreira. Os exemplares
podiam ser adquiridos em vários postos de vendas na cidade, sendo
comuns anúncios de assinaturas mensal, anual e semestral.
É importante lembrar que o público do discurso não é
meramente aquele que lê o jornal, mas aqueles que são seus
destinatários e que podem ser envolvidos por ele. O público leitor,
sendo alvo do sentido veiculado no discurso dos jornais, é obrigado a
responder às interpelações presentes na relação enunciativa. No
discurso da mídia, essa relação enunciativa apresenta-se de forma
unilateral, pois quem escreve os textos jornalísticos dirige a palavra a
um público ausente, este público, por sua vez, não pode responder
efetivamente a essas interpelações.
Diante dessa impossibilidade de resposta efetiva do
público leitor, uma das estratégias utilizadas pela mídia para
apagar a idéia de unilateralidade é “dar a palavra” a esse público, o

57
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

que se faz, geralmente, mediante cartas ao diretor do jornal ou colunas


destinadas exclusivamente a veicular as opiniões dos leitores. Essa
estratégia foi amplamente utilizada no jornal O Rio Branco através da
coluna “O Leitor Opina”, sendo um dos raríssimos espaços do
periódico em que podiam ser veiculados os textos opinativos, já que a
imparcialidade e o caráter informativo, naquela época, eram
sinônimos de bom jornalismo.
Esse suposto procedimento de tomada da palavra por parte
do leitor, entretanto, não significa propriamente que lhe está sendo
facultado o poder de voz no veículo de comunicação, mas trata-se de
uma estratégia de simulação de interlocução, uma vez que é a redação
do jornal quem seleciona que cartas serão ou não publicadas.
Na nota que segue, podemos perceber essa tentativa de
diálogo direto com o leitor e a busca por renovação e dinamismo no
jornal O Rio Branco:
Venha ser jornalista - O Rio Branco está
chamando gente disposta a ser gente no jornalismo.
Capaz de fuçar a notícia onde quer que ele esteja.
Temos vagas para repórteres, redatores e revisores.
Queremos formar uma equipe coesa, capaz, jovem,
desinibida, provando o valor acreano. Se você tem
português, sabe ler, tem curiosidade por tudo, não se
contenta em ver a banda passar sem saber o que ela
toca, completou 18 anos, venha aqui amanhã.
Faremos um teste. Depois, tudo depende só de você.
Estamos reformando os quadros do jornal, em busca
de maior dinamismo. (O Rio Branco, 15 set. 1974, Ano
VI, n. 1219, p. 1).

A busca de técnicas que levassem o leitor a confiar que o que


estava publicado era a verdade tal qual aconteceu e não mais uma
visão do fato motivou grande parte das reformas na imprensa acreana.
Essas transformações refletem o processo pelo qual passava a
sociedade brasileira no período da Ditadura Militar e a crescente
urbanização e acelerada industrialização, que reordenavam a
estrutura social que se modificava a cada dia. A adoção de um modelo
jornalístico mais dinâmico e em que fosse mantido um incessante
diálogo com o leitor traduzia a necessidade de transformar o

58
Ideologia e Poder

jornalismo num ator socialmente reconhecido, conquistando assim


o direito de exercer uma "fala autorizada".
A ênfase das notícias publicadas em O Rio Branco, até a
primeira metade da década de 1970, era dada a fatos do contexto
nacional. O vínculo com a ideologia do regime militar fez com que
o jornal silenciasse sobre os conflitos sociais pelos quais passava o
Acre, gerados pela implantação da pecuária no Estado e o
conseqüente “inchamento populacional” ocorrido na cidade de Rio
Branco.
Os jornais riobranquenses que circulavam durante a
Ditadura Militar eram caracteristicamente irregulares, com
publicações ora mensais, ora semanais, ora quinzenais, variando
conforme a disponibilidade de recursos para manutenção dos
mesmos. Com isso, tem-se o quadro de extrema dependência de
incentivos financeiros do governo, constituindo uma imprensa
oscilante e vulnerável.
A aproximação com esta diversidade de interesses
reforçou a adoção do princípio de imparcialidade no discurso
jornalístico pelos jornais que adotavam linha editorial
primordialmente ligada ao poder oficial, como o caso do jornal O
Rio Branco. Devido o jogo de interesses e a necessidade de se
firmar como categoria profissional, muitas vezes, a imprensa
passou a incorporar seletivamente os discursos de outras instâncias
de poderes, tornando-se legitimadora e disseminadora destes
discursos.
Em meio a esse sistema de cerceamentos de direitos e
controle à liberdade de expressão, a imprensa alternativa surgiu
desafiando o poder estabelecido e denunciando as situações de
opressão. Defendendo interesses de diversos grupos e movimentos
sociais, a imprensa alternativa do Acre atuou como um espaço para
debate de idéias, fazendo circular informações que eram
comumente silenciadas pela imprensa de linha oficial.
Convém ressaltar que não se está partindo de uma visão
fatalista e reducionista, fundamentada em uma oposição simplista
entre “a imprensa oficial” e a “imprensa alternativa”.
Evidentemente, quando nos referimos ao jornal O Rio Branco
como fazendo parte da imprensa cujo discurso estava ligado ao
59
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

poder oficial, não se está ignorando as rupturas e resistências


dentro do próprio discurso desse jornal, mas estamos partindo da
idéia de que o viés editorial de sua produção discursiva estava
predominantemente atrelado ao poder oficial.
Da mesma forma, a inclusão de Varadouro entre os
jornais alternativos não implica afirmar que ele estava totalmente
desvinculado do jogo de interesses que ditava as regras na
produção da imprensa local ou configurá-lo como despretensioso
porta-voz do discurso dos movimentos sociais. Diante das
intenções nunca despretensiosas da imprensa, convém indagar até
que ponto a insatisfação com o modelo de desenvolvimento
projetado para o Acre nas décadas de 1960 e 1970 interferiu para
que grupos ligados à Igreja Católica e à antiga economia extrativa
da borracha apoiassem esse jornal alternativo.
Diante do complexo jogo de interesses que está por trás
das produções discursivas dos jornais O Rio Branco e Varadouro
convém refletir sobre as condições históricas que as determinaram.
As idéias dos grupos detentores do poder são as que têm se
demonstrado em maior evidência através da história, justamente
porque são essas elites que detêm os meios de comunicação de
abrangência extensiva a um maior número de pessoas em termos de
doutrinação.
É certo que existem idéias múltiplas e diversas a esta
dominação, mas acabam geralmente, sendo sufocadas pela
crueldade do discurso midiático homogeneizador. Mas, embora
isso aconteça, a resistência existe, embora apareça muitas vezes
camuflada, utilizando-se de certas artimanhas para driblar as
estratégias de dominação e não circule pelos espaços da grande
elite.

60
Capítulo III

VARADOURO e O RIO BRANCO:


a representação dos sujeitos através do discurso
Ideologia e Poder

A luta pela terra no Acre


e os embates entre os sujeitos
A década de 1970 trouxe grandes mudanças nas atividades
econômicas do Acre, que se refletiram de forma latente na organização
social do Estado. Com o apoio do então governador Wanderley Dantas,
os planos dos governos militares de transformar o Acre de um grande
seringal em uma vasta fazenda agropecuária começavam a se firmar.
Mesmo antes da chegada dos grupos econômicos do Centro-
Sul do país, as terras acreanas já se encontravam concentradas nas mãos
de poucos, devido à decadência dos seringais nativos. Com a venda, ou,
muitas vezes, grilagem dos antigos seringais, na década de 1970, quase
totalidade das famílias que viviam no campo não detinham legalmente a
posse da terra. Em menos de uma década, o Acre tornou-se alvo da
especulação de terras. Nos principais hotéis da capital acreana era
intenso o trânsito de verdadeiros profissionais da agiotagem,
especialistas em repassar terras adquiridas de terceiros.
Apesar do grandioso “boom” especulativo ocorrido na
primeira metade da década de 1970, através do qual as terras do Acre
passaram a atrair os investidores do Centro-Sul do país, as notícias dos
conflitos de terra nos jornais acreanos eram extremamente escassas.
Não era interessante para o governo Wanderley Dantas, em plena
campanha para atrair compradores para as terras acreanas, que notícias
dos jornais locais desvelassem a real situação conflituosa existente no
Estado.
Ainda em 1971, primeiro ano de mandato de Wanderley
Dantas, o que se observava nas páginas, principalmente do jornal O Rio
Branco, eram notícias de negociações do governador com o grande
capital internacional para “carrear para o Acre os benefícios do capital,
7
da indústria e da cultura européia” .
A imprensa de linha editorial vinculada ao poder oficial
incorporou o ideário de ocupação da Amazônia – “última fronteira a ser
e integrada ao resto do país”. Enquanto na imprensa acreana imperava o
silêncio a respeito dos violentos conflitos decorrentes da implantação
da pecuária, na imprensa escrita do Centro-Sul brasileiro se tornavam
cada vez mais constantes as notícias a respeito das vantagens de se
investir nas terras do Acre.
7
Opinião. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 19 de fev. de 1971, Ano II, n. 241, p.1.

63
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

O ACRE já está conhecido no país. O Governo


procura atrair investidores para aproveitamento do
potencial econômico que aqui temos latente. Infenso a
improvisações, trabalhando em consonância com os
desígnios políticos e sociais do Governo Federal,
cujas diretrizes sérias imprimem à vida administrativa
do Estado a atual gestão que hoje completa seu
primeiro aniversário vem sendo olhado com respeito e
acatamento público. (Etapa Vencida. O Rio Branco.
Rio Branco-AC, 15 mar. 1972, Ano III, n. 505, p.1).

O então governo estadual tinha na imprensa verdadeira


aliada para efetivar seu plano de atrair os interesses dos investidores
centro-sulistas, através do propagandeado “progresso” que chegava
às terras acreanas. Havia grande interesse em apresentar as ações do
governo estadual em consonância com “os desígnios do Governo
federal”, numa demonstração de que o respaldo para executar o
processo de transformação que vinha ocorrendo no Acre era
cumprimento dos objetivos nacionais para a região.
No ato da passagem do governo de Wanderley Dantas a
Geraldo Mesquita, o jornal O Rio Branco apresentou o novo chefe do
Estado como continuador da política de desenvolvimento existente no
período anterior, afirmando ser Mesquita “a esperança de que o Novo
Acre continua. Missão cumprida, para um, missão a cumprir, para
outro”. Tal previsão, entretanto, não poderia se cumprir, pois se as
terras acreanas continuassem a ser “entregues” a preços irrisórios para
o grande número de grupos sulistas, não seria possível conter os
conflitos de terras gerados pela política de implantação da pecuária,
que não contemplou os sujeitos que já viviam nas terras compradas
pelos novos proprietários.
A partir de 1975, não era mais possível manter o silêncio
acerca da existência de conflitos de terras no Acre, tendo em vista que
os mesmos haviam tomado proporções de violência e se multiplicado
tanto que fugiam ao controle dos governantes, passando a ganhar
páginas inteiras dos jornais locais. Apesar, da tentativa de Geraldo
Mesquita de promover um governo em que a “paz social” reinasse,
a situação conflituosa no ambiente tido como rural era tamanha que
seria quase impossível conseguir tal façanha.

64
Ideologia e Poder

A definição das políticas públicas de Geraldo Mesquita


para o Acre precisava contemplar os grandes problemas sociais
advindos com a concentração fundiária. A implantação da
Coordenadoria do Incra no
Acre foi bastante significativa
para isso, entretanto, ações
como a desapropriação de
terras públicas, mediadas pela
Legislação Federal, a
expedição de títulos definitivos
e os projetos de colonização,
em muitos casos, em vez de
cumprirem o propósito de
regulamentar a questão agrária
no Acre, serviram apenas para
aumentar os conflitos
ambientais e pela posse de terra.
A posição do governador foi
veiculada pelo jornal O Rio
Branco, através do editorial:
“Mesquita é a favor das
desapropriações e contra
especuladores de terras”.
Capa do jornal O Rio Branco, destacando a matéria Ao colocar-se em posição
“Mesquita é a favor das desapropriações e contra
especuladores de terras”.
contrária às especulações de
Fonte: C.D.I.H. da UFAC. terras e favorável às
desapropriações o governador
tentava apaziguar as tensões geradas pelos inúmeros conflitos de
terras no Acre:
O governador do Estado, sr. Geraldo Mesquita
manifestou-se favorável à desapropriação de terras no
Acre e contra os especuladores. (...) O governador
esclareceu que havia defendido essa tese perante a
Escola Superior de guerra, mostrando que a
desapropriação na medida que respeitasse as posses
efetivamente ocupadas para fins produtivos,
permitiria sua legitimação dentro dos limites legais do
Estatuto da Terra.

65
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

(...) Por isso mesmo, prosseguiu, “devo advertir


aos que pensam em e opor a esta decisão, que desistam
do seu intento, aconselhando-os a cooperar com a
política fundiária do governo, pois esta é uma diretriz
que tem íntimas e profundas implicações com a paz
social e a segurança nacional”. (Mesquita é a favor
das desapropriações e contra especuladores de terras.
O Rio Branco. Rio Branco-AC, 27 jan. 1977, Ano VIII,
n. 1902, p. 1).

De acordo com as declarações constantes no editorial acima,


a advertência parecia ser dirigida aos fazendeiros, seringalistas,
investidores e políticos que estariam preparando um documento ao
Presidente da República, ao Conselho de Segurança Nacional e a
outros órgãos federais reclamando contra a medida adotada para o
Acre de desapropriar algumas áreas de terras para promover a reforma
agrária. O jogo político em torno da questão já se evidenciava por
estar envolvido na assinatura de tal documento o ex-governador,
Francisco Wanderley Dantas, “provável candidato ao Senado nas
eleições de 1978”.
É interessante notar que a política de terras é apresentada no
discurso do governador Geraldo Mesquita como sendo referendada
por suas “profundas implicações com a paz social e a segurança
nacional”. No mesmo texto, Geraldo Mesquita advertiu também
“àqueles que querem encontrar soluções à margem da lei, com o uso
da força, da pressão espúria e do incitamento à ação extra-legal”, que o
governo não admitiria, sob qualquer pretexto, “desvio da sua política
de conseguir a harmonia entre os que trabalham e cultivam a terra e os
que a possuem”.
Ao declarar que pretendia alcançar a “harmonia” entre as
partes conflitantes, entretanto, o então governador acabou fazendo
uma distinção comum no discurso de grande parte da imprensa escrita
local ao se referir à distribuição de terras no Acre: a diferenciação
entre “os que trabalham e cultivam a terra” e os que de fato “a
possuem”.
Logicamente, a questão acerca de “quem realmente
possuía a terra” não era tão simples como parecia, tanto o
seringueiro quanto o seringalista tinham uma relação de posseiros
66
Ideologia e Poder

com a terra. Com a regulamentação das posses, feita muitas vezes


através de documentos forjados, o seringalista vendia suas terras
aos fazendeiros sulistas e o seringueiro, não dispondo de condições
econômicas nem de amparo legal que lhe garantisse a posse da terra,
se via obrigado a migrar, sob pena, em muitos casos, de perder a
própria vida se resistisse.
José Afonso Ribeiro (1993, p. 34) afirma que durante o
governo de Geraldo Mesquita “não houve registros de assassinatos
no campo”, pois o mesmo havia tomado “medidas drásticas,
punindo e demitindo aqueles que interferissem em questões
fundiárias”, asseverando que “a polícia jamais poderia interferir
nos conflitos”. Entretanto, não é essa a realidade exposta nas
páginas dos jornais acreanos da época. O que dizer das várias
matérias publicadas pelos jornais O Rio Branco e Varadouro
acerca de assassinatos nas regiões conflituosas, tanto de
seringueiros e índios, quanto dos próprios capatazes dos
fazendeiros?
Exemplo disso é o caso do Seringal Nova Empresa, que
culminou, em julho de 1977, com as mortes de Carlos Sérgio
Zaparoli Siena – paulista de 26 anos, procurador e capataz do grupo
sulista que comprou as terras do referido seringal –, e de Osvaldo
Gondim, o auxiliar que ajudava na demarcação das terras. O jornal
Varadouro, com sarcasmo e ironia, criticou veementemente as
medidas paliativas que o governo Estadual havia tomado até então,
em relação ao caso, que era de pleno conhecimento das autoridades
públicas acreanas desde 1975:
Só faltou ao Governador Geraldo Gurgel de
Mesquita assistir ao tiroteio entre os posseiros e o
capataz Carlos Sérgio e Osvaldo Gondim. Ele próprio
confirmou que, pelo menos, duas ou três vezes chamou
o capataz e o posseiro Antônio Caetano,
aconselhando-os a chegarem a um acordo, ao
Governador só restou declarar que “o fato é
lamentável, profundamente lamentável”. De qualquer
modo, há que se reconhecer o empenho do Governador
em evitá-lo, mesmo que fosse através de conselhos. (O
Governador lamenta. Varadouro. Rio Branco-AC,
ago./ 1977, Ano I, n. 3, p.11).

67
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

É interessante notar a peculiaridade das relações de poder


no Acre, em que as barreiras entre representantes do poder político
e o povo se apresentam como se fossem tão tênues que não se
estranha o fato de que o governador tenha parado por diversas
vezes para “aconselhar”, as partes envolvidas nesse conflito pela
posse da terra. De acordo com informações constantes no editorial
acima mencionado, mesmo sabendo da gravidade do impasse, o
Secretário de Segurança ainda insistia em dizer que “se todas as
áreas do Estado fossem tão tranqüilas como o Seringal Nova
Empresa, ele se daria por satisfeito”.
A notícia ganhou também destaque no jornal O Rio
Branco, demonstrando que não apenas as autoridades locais
estavam cientes da gravidade do conflito, mas também os próprios
fazendeiros que haviam comprado as terras do seringal Nova
Empresa:
O Seringal Nova Empresa compreende uma
área de 90 mil hectares que foi dividida em duas
partes: uma com 50 mil hectares, que pertence a dois
sócios, e outra de 40 mil adquirida por 14 empresários
do sul, entre eles, Mário Junqueira, presidente da
Associação dos Criadores de Nelore do Brasil,
Archimedes Barbiere (industrial paulista), Esmerino e
Sebastião Ribeiro do Valle, o deputado mineiro João
Marques e Dr. Renir Rabelo. No ano passado, seis
desses empresários estiveram em Rio Branco, para
solucionar um problema entre Carlos Sérgio e alguns
posseiros e invasores. (Posseiros matam nas terras do
Nova Empresa. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 09 jul.
de 1977, Ano IX, n. 67, p. 1).

A ênfase dada ao editorial acima, aparecendo em


destaque na primeira página do jornal, e os sentidos que aportam no
título “Posseiros matam nas terras do Nova Empresa, demonstram,
por si só, a construção das imagens dos posseiros como criminosos,
reforçando a distinção entre “posseiros” e “invasores”. A partir
desse recurso, verifica-se que as adjetivações conferidas aos
posseiros reforçam a caracterização de suas imagens como
ilegítimos, habitantes de uma terra que não lhes pertencia, mesmo
tendo eles vivido várias décadas nelas.

68
Ideologia e Poder

Um dos motivos
apontados nessa mesma matéria
de O Rio Branco para a morte dos
capatazes teria sido o fato de
Carlos Sérgio ter, juntamente
com dois policiais de Rio Branco,
“ateado fogo em vários barracos
supostamente pertencentes a
invasores” e, em represália, os
trabalhadores teriam queimado o
acampamento do topógrafo
Franco G. Mira, que fazia
demarcações nas terras do Nova
Empresa. Os proprietários
sulistas propuseram, então, a
doação de lotes de terra para
aqueles que fossem
Capa do jornal O Rio Branco, mostrando o editorial
“Posseiros matam nas terras do Nova Empresa”. comprovadamente posseiros:
Fonte: C.D.I.H. da UFAC.
O s
elementos considerados invasores, sem direito a
permanecer na terra ou ser indenizado, relutaram em
sair. E os admitidos como posseiros, recusam-se a
deixar suas áreas já cultivadas e mudar-se para o
loteamento oferecido pelo grupo porque, segundo
alegam, o novo terreno não tem água e está situado em
tabocal. Além disso, não havia um consenso quanto ao
número de trabalhadores residindo na área. Enquanto
os proprietários e a polícia falavam em 40 famílias, os
posseiros diziam ser no mínimo 200. (Posseiros
matam nas terras do Nova Empresa. O Rio Branco. Rio
Branco-AC, 09 jul. 1977, Ano IX, n. 67, p. 1).

A divisão feita pelos fazendeiros sulistas entre “posseiros”


e “invasores” já era uma medida que acentuava a crise no local,
representando uma tentativa de desarticulação dos trabalhadores,
através da estratégia de jogar uns contra os outros. As pressões para
que saíssem do local eram fortes, além de terem sido transferidos para
uma área sem as mínimas condições de sobrevivência, visto não
69
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

dispor de água e estar situada em um tabocal, os moradores que ainda


permaneciam no Nova Empresa foram impedidos de prosseguir com
o corte da seringa, como declara uma moradora do local, em entrevista
a O Rio Branco, comentada no mesmo texto, “Posseiros matam nas
terras do Nova Empresa”. A moradora afirmou que Carlos Sérgio
costumava dizer “Vocês vão ter que ficar nos lotes, mas nada de
seringa. Seringa vai acabar”.
Ao veicular o que denomina a “versão oficial dos fatos”, o
jornal O Rio Branco parecia desconsiderar todo o estado de suspeição
em que viviam os moradores do local, e destaca no título “Polícia
prende 4 posseiros: Matamos para não morrer, declara chefe da
tocaia” um discurso estruturado no sentido de configurar o crime
como tendo sido ardilosamente premeditado através de várias
“tocaias”:

A diligência composta de 24 homens (...)


retornou ontem a tarde trazendo cinco posseiros
diretamente responsáveis pela morte de Carlos Sérgio
Siena e Osvaldo Gondim, (...) O cabeça do grupo, que
deu a idéia da tocaia, por várias vezes reuniu até 20
trabalhadores em sua casa, para acabar com a vida de
Carlos Sérgio e Osvaldo (...) Eles chegaram a armar
quatro tocaias, a primeira com 20 homens com
espingarda. No terceiro já havia apenas 9 e no que
finalmente se consumou quinta-feira, somente cinco.
Segundo Caetano, os que desistiram atenderam aos
apelos de suas mulheres, que temiam pelo que viesse
acontecer depois. Os que restam presos no 1.º Distrito
Policial da Capital disseram ontem a O RIO BRANCO
que estão sendo bem tratados pela Polícia. (Polícia
prende 4 posseiros. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 10
jul. 1977, Ano IX, n. 68, p. 1).

Em uma época em que as torturas nas delegacias eram


uma realidade, embora fossem veiculadas de forma muito tímida
na imprensa local, a declaração de que os presos estavam sendo
“bem tratados” remete a uma necessidade de se afirmar a
“legalidade” e o bom senso por parte de uma polícia temida não
70
Ideologia e Poder

pelo respeito, mas pela força. A prisão, como afirma Michel Foucault
(2002), “é um lugar de trevas onde o olho do cidadão não pode contar
as vítimas” e em que a escuridão torna-se assunto de desconfiança
para a população. Assim, era preciso garantir à população que a lei
estava sendo cumprida para o bem de todos, excitando seu
reconhecimento e evitando os possíveis murmúrios.
Com a ascensão de Joaquim Macedo ao governo acreano,
em 1979, persistiram os conflitos pela posse da terra. A situação dos
seringueiros que ainda permaneciam nas terras dos antigos seringais,
agora fazendas pecuaristas, era marcada pela luta por melhores
condições de vida, pois, ao perderem seu meio tradicional de
sobrevivência, foram criando meios alternativos para assegurar seu
sustento.
O movimento dos empates representou, principalmente, a
resistência das gentes da floresta contra a expansão capitalista
agropecuária. Os seringueiros passaram a encarnar não somente a
imagem de uma classe pobre e oprimida, mas também os agentes de
resistência e transformação das relações sociais no campo. A busca
pela organização em sindicatos, como demonstra o seguinte editorial
de Varadouro fornece uma visão da luta pela autonomia do
seringueiro:

Com o início do verão começa a infindável


disputa de terras entre seringueiros e latifundiários.
Como nos anos anteriores dá para perceber que o
governo, comandado pela ditadura militar, demonstra
total desinteresse em procurar solucionar o problema.
É exatamente por essas razões que os seringueiros têm
procurado, cada vez mais organizados em sindicatos,
defender suas colocações através dos já conhecidos
“empates”. (Posseiros, diálogo ou a força?
Varadouro.Rio Branco-AC, mai./1981, Ano IV, n. 21, p.
7).

A crítica de Varadouro denuncia de forma latente o apoio


substancial do governo acreano aos latifundiários, “quer lhes
concedendo grandes ajudas econômicas, quer colocando seu
aparato policial-repressivo a disposição destes, em sua luta contra

71
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

os trabalhadores” (idem). As ações apontadas por Varadouro como


sendo reveladoras de apoio do poder oficial aos latifundiários dizem
respeito, principalmente a prisões de seringueiros participantes dos
empates, interrogatórios ostensivos e apreensão das armas desses
trabalhadores da floresta, uns dos poucos instrumentos que garantiam,
ainda que minimamente, sua sobrevivência.
Ao confrontarmos os discursos veiculados em O Rio
Branco e Varadouro acerca dos conflitos de terra existentes no Acre
no final da década de 1970 e início da década de 1980, percebemos
que os sentidos não circulam livremente na imprensa, mas estão
atrelados a certos modos de representar as relações de poder. Apesar
dos discursos de ambas as produções jornalísticas serem articulados
de modo a produzir a ilusão de representarem um registro fiel da
realidade, as lutas e tensões que narram trazem explícitas maneiras
peculiares de perceber os sujeitos constituintes das relações
discursivas.

Os movimentos sociais urbanos em


Varadouro e O Rio Branco
No Acre, os últimos anos da década de 1970 foram
marcados por uma forte movimentação dos setores populares, tanto
no campo quanto na cidade, para sua organização em torno da luta por
seus direitos. O apoio organizacional das Comunidades Eclesiais de
Base e dos nascentes sindicatos foi o principal elemento de
articulação dessas populações a fim de resistir e melhorar suas
condições de vida.
O foco de discussão neste item será a representação das
lutas dos movimentos sociais urbanos na imprensa escrita acreana,
uma vez que os movimentos sociais ligados ao campo já foram
discutidos anteriormente. Os movimentos sociais atuam como espaço
de socialização política, permitindo aos trabalhadores tanto o
aprendizado da vivência prática de se unir, organizar, participar,
negociar e lutar; quanto a elaboração da identidade cultural, a
consciência de defesa de seus interesses e a apreensão crítica de seu
mundo, de suas práticas e representações sociais.
A atuação dos diversos movimentos sociais tanto nas
lutas no campo quanto na cidade, durante as décadas de 1970 e

72
Ideologia e Poder

1980, apontava para a organização de vários setores sociais na defesa


de seus direitos e interesses e para a construção de uma identidade
coletiva, capaz de unir os diferentes em torno de uma luta comum. O
êxodo rural e as conseqüentes mudanças na estrutura populacional
ocorridas no Acre trouxeram para o espaço das cidades outros
protagonistas, que a cada dia foram impondo suas presenças em um
espaço novo, disputando lugares, se unindo, reivindicando seus
direitos, atravessando fronteiras e constituindo através de suas
vivências, novos lugares e territórios.
A presença dos movimentos sociais na imprensa escrita
riobranquense no final da década de 1970 e início da década de 1980 é
marcada tanto por estratégias de manipulação quanto de resistência.
De um lado, a imprensa de linha oficial apresentava os movimentos
sociais como “subversivos”, construindo a imagem dos trabalhadores
de forma negativa e preconceituosa, de outro, os jornais alternativos
investiam na construção positiva desses movimentos, servindo como
instrumentos de veiculação de suas reivindicações. As passeatas
realizadas pelos movimentos sociais acreanos se configuram em um
momento que a população utilizava para lutar por melhores condições
de vida e contra o regime militar, como percebemos pelos dizeres do
cartaz da foto a seguir: “Abaixo a LSN” – Lei de Segurança Nacional.

Manifestação no centro de Rio Branco, contra a repressão imposta pela censura e contra a LSN (Lei de Segurança Nacional).
Fonte: Acervo Digital do Memorial dos Autonomistas

73
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Debaixo de uma poderosa estrutura de poder coercitivo,


existem as rupturas, por isso, o discurso expresso nos jornais mostra
não apenas o saber/poder que se institui com vistas à dominação, mas
também permite perceber os conflitos sociais e a exclusão dos sujeitos
ditos “subversivos”. As resistências são essenciais para se pensar as
identidades em determinada sociedade. De acordo com Michel
Foucault, por trás da história desordenada dos governos, das guerras e
da fome, desenham-se histórias, quase imóveis ao olhar. São
justamente essas “histórias” que expressam as maneiras particulares
dos grupos excluídos das altas esferas do poder de realizar trajetórias
que caminham na contramão do discurso oficial. Essas trajetórias,
entretanto, quando transpostas para o discurso midiático, são re-
significadas de acordo com os interesses de quem as escreve.
E n t r e o s
movimentos sociais mais
perseguidos pelo regime
m i l i t a r, p r o f e s s o r e s e
estudantes foram os setores
que estiveram constantemente
sob a mira da repressão
política. Durante as
manifestações em todo o
Brasil houve centenas de
prisões e muitos militantes
destes movimentos foram
torturados e mortos.
No Acre, os
movimentos de resistência
liderados por professores e
alunos se apresentaram de
Capa do jornal Varadouro (jun./1978, Ano II, n. 10),
forma bem peculiar. A
destacando a homenagem da edição aos diversos grupos criação da Universidade
de “trabalhadores” acreanos.
Fonte: Museu da Borracha Federal do Acre em plena
vigência do regime militar, a
condição de isolamento em
relação ao resto do país e a dependência no tocante ao governo
federal ditavam um clima de silêncio e medo. Essa ambiência de
74
Ideologia e Poder

suspeição estendia-se também por todos os estabelecimentos de


ensino do Estado, uma vez que, segundo a lógica dos militares, a
escola e a universidade eram locais de fácil propagação de idéias
“subversivas”.
Nesse contexto, o discurso jornalístico da imprensa oficial
choca-se com o discurso da imprensa alternativa, tendo em vista que o
primeiro apresenta os professores e os estudantes como
“perturbadores da ordem”, e o segundo, como “vítimas” do processo
de repressão imposto pelo governo militar.
O discurso jornalístico apresentado pela imprensa oficial
articula-se no sentido de disseminar as práticas discursivas de
exercício do poder, impondo determinados procedimentos e
silenciando aqueles que divergem do poder político dominante. Na
proporção em que se institui através da positividade dos enunciados, o
discurso de defesa dos grupos dominantes apresenta-se como a única
via de interpretação possível da realidade, colocando seus adversários
como o “negativo”, o “oposto”, o “perigoso”, o “inimigo”, o “outro”,
“a encarnação do mal”.
No Acre, os movimentos grevistas liderados por professores
eram, muitas vezes, vistos pela mídia como atitudes irresponsáveis,
praticadas por “perturbadores da ordem”. O discurso da imprensa
atrelada ao poder oficial acerca das reivindicações dos educadores
apresentava-se marcado pela negatividade, articulando os sentidos
tanto a partir das designações pejorativas que eram dadas aos
professores quanto através dos próprios silenciamentos, como se pode
perceber no trecho a seguir, publicado no jornal O Rio Branco:
Mais uma greve por professores.
Vale dizer, escolas fechadas e estudantes
desorientados, perambulando pelas ruas. (...) É que,
todos, estudantes e pais foram surpreendidos pela
impensada e insensata decisão de “alguns
professores” de determinar a paralisação das
atividades escolares, pela segunda vez, em menos de
seis meses.
Sem que se analise o mérito das reivindicações
da Classe, será que “esses professores” não pensam e
avaliam os enormes prejuízos que causam a seus

75
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

alunos, ao se decidirem por gestos extremos, como o


recurso à greve?
(...) A opinião pública, antes de adotar
qualquer posição, procure se inteirar do que,
realmente está ocorrendo no meio da Classe dos
professores, hoje orientada segundo os critérios e
entendimentos ideológicos de “certos professores”
que não dignificam a nobre e benemérita Classe dos
autênticos professores a quem tanto devem o Estado e
todos os acreanos. (Opinião. O Rio Branco. Rio
Branco-AC, 11 set. 1980. Ano X, n. 1024, p. 1).

As reivindicações do movimento grevista dos professores


não apenas são desconsideradas pelo discurso do jornal O Rio Branco,
como também os próprios professores não são definidos. Ao se referir
aos professores, o jornal usa termos que sugerem desqualificação,
marcados entre aspas como: “alguns professores”, “esses
professores”, “certos professores”, além de expressões como
“profissionais do tumulto”.
A violência simbólica contra os professores se faz notar
através da linguagem expressa nas caracterizações dos opositores. A
imprensa reproduzia o discurso dos militares, qualificando os
opositores do regime de maneira negativa, com termos que
semanticamente os estigmatizavam. Ao difamar o inimigo, os
militares tentavam fazer com que seus pontos de vista não
merecessem sequer o exame, pois eles estariam sempre contaminados
por interesses subalternos. Nesse sentido, a partir desse procedimento,
pretendia-se incitar certas parcelas da população, para que reagissem
emotivamente contra certas idéias e certas atividades políticas.
A cobertura dada pela mídia configurava os movimentos
grevistas como subversivos e coisa de baderneiros. A partir desse
recurso, verificamos que as adjetivações eram arquitetadas no sentido
de fazer com que os trabalhadores parecessem ilegítimos. Dentro da
lógica da “deslegitimação” empregada amplamente pelo discurso de
O Rio Branco, a “agitação popular” e a “subversão” seriam contrárias
à “vontade única da nação brasileira”. Através dessas adjetivações
negativas, a produção de sentidos procurava criar um efeito de
discurso único, homogêneo, em que “todos” deveriam se unir para
combater um inimigo comum.

76
Ideologia e Poder

A análise feita no jornal Varadouro mostra um outro dado


sobre a situação dos professores no Acre durante o regime de exceção.
Segundo informações desse jornal, constantes no editorial publicado
na edição de número 15, os movimentos de docentes brotados dentro
da Universidade, além de tímidos, eram poucos, em decorrência não
apenas do fato de a instituição ser recente no Estado, mas também da
ausência de incentivo ao seu surgimento. Aliado a isso, acrescentam-
se o isolamento do Estado e o cerceamento em nível nacional durante
anos, fatores que, segundo Varadouro, contribuíram para a falta de
comprometimento de alguns professores que preferiram a busca pura
e simples do diploma como recurso para conseguir um emprego,
repetindo-se o ciclo de dependência dentro da máquina
governamental. O trecho a seguir apresenta uma crítica do jornal
Varadouro à repressão existente na Universidade Federal do Acre:

Tratou-se desde 1964, de afastar e punir


portadores de idéias consideradas marxistas ou
subversivas, duras qualificações notoriamente
elásticas e geralmente imprecisas, o que torna o
julgamento extremamente subjetivo na maioria das
vezes. Junta-se a estes julgamentos os ódios e
antipatias, as referências pessoais...
Por sua própria natureza, o processo de
expurgo constitui-se em instrumento político que
favorece a ascensão às posições de mando de um lado,
dos espíritos mais tacanhos e intolerantes e, de outro
dos oportunistas. Como em outros níveis da sociedade,
a existência de grupos com posições diversas acaba
sendo encarada como algo a ser proibido. É
necessário o nivelamento de idéias. (Universidade,
filha legítima de tempos de silêncio e medo. Varadouro.
Rio Branco-AC, jun./1979, Ano II, n. 15, p.15).
Como se percebe, o lugar institucional de onde falam os
defensores dos professores tidos como “subversivos” é legitimado
pela palavra de resistência. Sendo o discurso um espaço em que se
travam as lutas pela manutenção do poder, não pode ser concebido
como ambiente de neutralidade ou transparência, visto que se exerce
dentro dos limites de um sistema de dominação, mas é também lugar
de visibilidade, de exercício do poder.
77
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Bernardo Kucinski já havia dito que o plano discursivo


constitui-se na arena em que se travaram as lutas entre a imprensa
convencional e a imprensa alternativa, justamente pelos seus papéis
opostos como agregadores e desagregadores da sociedade civil. Se no
discurso de O Rio Branco a estratégia era desqualificar os opositores
do regime através de denominações pejorativas, o discurso de
Varadouro rebatia estas acusações, contra-argumentando que essas
“duras qualificações notoriamente elásticas e geralmente imprecisas”
dadas aos professores tornavam o julgamento “extremamente
subjetivo”.
O interesse em manter apagado o discurso dos professores
ditos “subversivos” remete às estratégias discutidas por Michel
Foucault acerca da luta travada sobre a disciplina, a qual deve também
dominar todas as forças que se formam a partir da própria constituição
de uma multiplicidade organizada. O poder disciplinar se articula no
sentido de neutralizar os efeitos de contra-poder que dele nascem e
que formam resistência ao poder que quer dominá-la, por isso, é
necessário dissolver as agitações, as revoltas, as organizações
espontâneas, enfim, todo e qualquer conluio que possa desarticular a
dominação.
Podemos entrever um outro exemplo de censura
envolvendo alunos e professores durante a Ditadura Militar no trecho
a seguir, publicado no jornal O Rio Branco, dando conta de atos de
cerceamentos impostos pela reitoria aos estudantes da Universidade
Federal do Acre, simplesmente por estes haverem publicado em um
jornal mural notícias de jornais alternativos:
O “Jornal Mural dos Estudantes”, que
apareceu pela primeira vez na semana passada,
constando de recortes de jornais, desenhos e textos
mimeografados, afixados num quadro do pátio da
Universidade Federal do Acre, sob a responsabilidade
do Diretório Central dos Estudantes, reaparece hoje
pela segunda vez, mas depois de ter passado pela
censura do reitor Áulio Gélio Alves de Souza. Após
tomar conhecimento do jornal, o reitor convocou seus
responsáveis para uma conversa em seu gabinete, e
determinou que todo o material selecionado pelos
estudantes passasse por suas mãos antes de ser
publicado.

78
Ideologia e Poder

O jornal publica hoje uma entrevista com o


próprio Reitor, onde este esclarece que não está
exercendo uma censura sobre a publicação do DCE,
mas apenas cumprindo um dispositivo legal da
Universidade, ao procurar tomar conhecimento de
tudo que se passa na instituição. (Reitor afirma que
não há censura. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 24 mai.
1978, Ano IX, n. 299, p. 3).

O discurso do trecho acima apresenta-se de maneira


paradoxal, ao mesmo tempo em que trata da existência de um ato de
censura, apresenta uma pretensa justificativa para tal cerceamento ao
dar voz privilegiada ao Reitor e não aos alunos envolvidos na
produção do “jornal mural”. Como se percebe, eram considerados
subversivos quaisquer estudantes, professores ou funcionários que
ameaçassem o regime, pelo fato de se reunirem para discutir sobre
livros, produzirem peças teatrais ou atuarem na produção de simples
jornais murais, atividades que deveriam ser consideradas corriqueiras
em qualquer universidade. Para os defensores do Regime Militar isso
era uma ameaça aos ideais da Ditadura.
As “conversas de gabinete” mencionadas no texto apontam
para um poder disciplinar que, nas palavras de Michel Foucault, em
vez de se apropriar e de retirar, tem a função maior de “adestrar” para
se apropriar ainda mais e melhor. A justificativa apresentada pelo
Reitor para “procurar tomar conhecimento de tudo que se passa na
instituição” nada mais representa que uma tentativa de, sob o pretexto
de assegurar a “legalidade”, manter o controle sobre o que podia ou
não ser veiculado na Universidade Federal do Acre.
Se por um lado, a imprensa dita convencional apresenta um
discurso que visa à disciplina e ao controle dos movimentos de
professores e estudantes, por outro, é preciso analisar também as
formas de resistência, perceber suas estratégias, as lutas que colocam
em questão a construção discursiva dos sujeitos. O seguinte trecho de
Varadouro demonstra que mesmo em plena vigência de grandes
cerceamentos, em que predomina o discurso marcado por
procedimentos de exclusão, é possível a construção de estratégias
específicas de luta que permitem questionar como o poder se
exerce e quais são as relações da produção de subjetividade com o
79
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio
poder:
Se o “dia da independência” merece ser
comemorado por todos os brasileiros, por que então os
diretores (que deveriam ser as pessoas mais indicadas)
não dialogam com os estudantes, argumentando o
quanto é “verdadeira” a nossa independência, e que o
seu sacrifício de desmaiar sob o sol do dia 7, não é
apenas para atender às suas vaidades pessoais de
mostrar os seus meninos marchando direitinho e
melhor que os outros. Mas isso não é o que acontece, a
suspensão é o argumento.
(...) No CESEME, portões fechados, no Colégio
Acreano, inspetores nas salas. Em todos eles a figura
do diretor, uma ameaça pairando sob a cabeça de
todos os que queiram questionar. (...) O movimento dos
estudantes do Colégio Acreano veio denunciar de
público o que acontece diariamente no interior desses
colégios, onde centenas de jovens vivem em regime de
quartel. (Linha dura nos colégios acreanos.
Varadouro. Rio Branco-AC, ago./set. 1981, Ano IV, n.
23, p.5).

O relato de como se davam os preparativos para a comemo-


ração do dia da independên-
cia traduz um verdadeiro
processo de adestramento
dos corpos. Segundo
descrito no texto acima,
eram comuns cenas de
diretores “arrebanharem”
alunos na praça para o
ensaio, sob ameaças de
“quatro dias de suspensão”.
Aqueles que perguntavam
“por que?”, segundo o
editorial, eram chamados de
“antinacionalistas”, e,
naturalmente, suspensos
caso insistissem em uma
Ilustração do editorial: Linha dura nos colégios acreanos.
resposta convincente.
Varadouro. Rio Branco-AC, ago. set./ 1981, Ano IV, n. 23, p.5.
Fonte: Museu da Borracha.

80
Ideologia e Poder

A ilustração mostra o medo e a repressão através do


semblante do aluno em relação ao “Diretor Militar”. O fato de o
diretor estar vestido de “policial” é usado para reforçar os
cerceamentos existentes nos colégios acreanos durante a Ditadura
Militar. Considerando os sentidos que permeiam tanto o editorial em
questão quanto o desenho que o ilustra, podemos perceber que diante
da tentativa do poder de elidir os sentidos de luta e apagar os sentidos
“subversivos” não é possível eliminar a possibilidade de resistência.
Varadouro apresenta-se como um espaço de defesa de direitos e
reivindicação dos professores e estudantes, por isso a veiculação de
textos que se contrapunham à ideologia do poder oficial ganha espaço
privilegiado nesse jornal. A crítica mordaz aos diretores das escolas e
aos “cães de guarda”, como eram chamados os inspetores escolares, é
endossada pela afirmação de que Varadouro abria espaço para o
movimento dos estudantes do Colégio Acreano ir “denunciar de
público o que acontece diariamente no interior desses
estabelecimentos”.
Se os embates de professores e estudantes ocuparam as
páginas dos jornais em questão, outros grupos de trabalhadores se
organizaram e tiveram suas lutas veiculadas nos jornais. Ao logo do
tempo, vários estudiosos têm se interessado pela emergência de
conflitos sociais em torno do discurso da imprensa, do campo
simbólico e do uso de estratégias que visam ao controle dos bens
culturais. Dentre os vários movimentos sociais existentes no Acre
durante a Ditadura Militar, as mulheres se destacaram, ganhando
significativo espaço na imprensa, principalmente nos jornais
alternativos, para veiculação de suas lutas.
De acordo com Rosália Dias (1991, p. 27), o feminismo
compõe o grupo dos novos movimentos sociais que emergiram
durante a década de 1960, juntamente com as revoltas estudantis, os
movimentos juvenis contraculturais e antibelicistas, as lutas pelos
direitos humanos, movimentos pacifistas, cujo ideário está
diretamente ligado com as transformações ocorridas no mundo
iniciadas em 1968.
Apesar de serem raros, textos enfocando a temática da
exploração da mulher aparecem no jornal O Rio Branco, mas

81
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

geralmente escritos no estilo informativo. Entre esses esparsos textos,


podemos citar “Trabalho desgasta mais as mulheres, diz pesquisa”. O
texto refere-se ao resultado de uma pesquisa realizada em Michigan,
Estados Unidos, a qual havia constatado que os homens sofriam
“menos desgaste do que as mulheres, que assumem quase a totalidade
das tarefas domésticas, mesmo quando trabalham fora de casa”
(Trabalho desgasta mais as mulheres, diz pesquisa. O Rio Branco. Rio
Branco-AC, 21 ago. 1977. Ano IX, n. 104, p. 7).
Segundo Alain Touraine, “é a partir do sofrimento do
indivíduo dilacerado e da relação entre sujeitos que o desejo de ser
sujeito pode se transformar em capacidade de ser um ator social”.
Nesse sentido, as mulheres acreanas começaram a se organizar a fim
de juntas reivindicarem seus direitos e defenderem suas lutas. Em
editorial acerca do nascente movimento de mulheres no Acre, o jornal
Varadouro lançou o questionamento acerca da ressonância da
organização de um movimento especificamente feminino na
realidade da mulher acreana:

Sofrendo toda sorte de discriminações, [a


mulher] continua vivendo à margem da história. Por
isso, seu inimigo principal mudou: não é mais o
homem, como se pensava na época do surgimento dos
movimentos feministas nos EUA e Europa. Hoje, seu
principal inimigo é, segundo tais movimentos, todo um
sistema social que oprime tanto mulheres quanto
homens. (E a mulher Acreana? Varadouro. Rio
Branco-AC, abr./1981, Ano IV, n. 20, p. 10).

Ao afirmar que a mulher durante muito tempo esteve


situada “à margem da história”, o editorial apresenta a exploração pela
qual passavam as mulheres acreanas, as quais eram concebidas,
muitas vezes, apenas como mão-de-obra barata. Maria Eunice
Guedes (1995) afirma que na década de 1970 havia uma preocupação
em conferir estatuto de saber às vivências e estudos sobre a mulher.
Essa visibilidade tornava-se necessária tendo em vista que até aquele
momento a mulher representava um segmento que ainda se
encontrava diluída no geral, era vista apenas como força de trabalho e
componente da classe trabalhadora.

82
Ideologia e Poder
Entre os resultados da união das mulheres acreanas está a
criação da Associação das Lavadeiras. Em editorial intitulado
“Movimento das Lavadeiras”, Varadouro veiculou as conquistas das
mulheres em suas lutas por melhores condições de trabalho. As
relações de exclusão social pelas quais passavam essas mulheres,
moradoras dos bairros pobres de Rio Branco, foram contestadas,
ganharam as páginas dos jornais e passaram a figurar como uma
“demonstração convincente de como as classes populares podem se
organizar e reivindicar seus direitos e fazer valer sua força” (O
“Movimento das Lavadeiras”. Varadouro. Rio Branco-AC,
mar./1979, Ano II, n. 14, p. 11).
Além das lavadeiras, a classe dos estivadores foi outro
segmento de trabalhadores que começava a se organizar. No final da
década de 1970, já contavam com uma associação, cuja sede
localizava-se no Mercado Municipal, “uma sede perdida entre

Estivadores trabalhando no porto de Rio Branco. Foto Jornal Varadouro, jul. 1977, Ano I, n. 2.
Fonte: C.D.I.H. da UFAC.

barracas de banana, laranja, batatas e ovos” (Estivadores: um suor que


não rende. Varadouro. Rio Branco-AC, jul. 1977, Ano I, n. 2, p. 13). A
reivindicação de um terreno para a construção da sede do Sindicato
dos Estivadores de Rio Branco foi veiculada no jornal O Rio

83
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Branco dois anos depois, tendo em vista o perigo de a mesma desabar


com a queda dos barrancos do rio Acre.
Por mais que a intenção ao criar a associação fosse a de representar a
categoria dos estivadores, Varadouro relata que a situação era bem
diferente, pois havia sérias denúncias de má administração das
contribuições dos estivadores associados por parte da diretoria. De
acordo com Varadouro, as dificuldades dos estivadores envolviam a
falta de assistência do poder público quando ficavam doentes, o
desgaste físico que acarretava uma série de doenças, somados a má
remuneração e a falta de assistência da própria associação que os
representava.
Além desses movimentos populares urbanos, outros
ocuparam espaço nos dois jornais pesquisados. No discurso do jornal
O Rio Branco, dada sua ligação com o poder oficial, observamos
predominantemente, a existência de poucos editoriais que
enfocassem os movimentos sociais, e quando os mencionavam,
apresentavam-nos apenas em textos de caráter informativo. A
estratégia, como já mencionamos, era apresentar os líderes dos
movimentos sociais como “subversivos”, apresentando-os como
reivindicadores de benefícios pautados na ilegalidade. A imagem
desses sujeitos sociais como “baderneiros” e subversivos visava a
criar a “ilusão de consenso” quanto ao regime e aos opositores,
reforçando, assim, o “poder simbólico” dos dominantes.
Ao se observar as estratégias discursivas que permeiam o
discurso tanto da imprensa oficial quanto da imprensa alternativa
acerca dos movimentos sociais durante a Ditadura Militar é preciso
levar em consideração as condições de produção imediatas dos textos
analisados. Focalizar o sujeito enunciador e as circunstâncias em que
enuncia traz para a análise as “cenas enunciativas” que apontam para
um discurso que, ora busca legitimar-se pelo princípio da legalidade e
da defesa das instituições nacionais, ora remete à idéia de que o
contra-poder age segundo procedimentos de resistência em defesa
dos movimentos sociais.
O discurso da imprensa desempenha um papel
importante no preenchimento do vazio da palavra, permitindo
rastrear os sentidos encobertos nas entrelinhas dos editoriais e
buscando deixar falar o silêncio que permeia esses textos. Em um

84
Ideologia e Poder

complexo movimento, o discurso jornalístico mostra e esconde o que


convém a seus enunciadores por meio de estratégias discursivas.
Nesse sentido, a construção das imagens dos trabalhadores e dos
movimentos sociais apresenta-se nos jornais O Rio Branco e
Varadouro obedecendo às intenções enunciativas dos grupos de poder
que ideologicamente controlavam suas produções discursivas.
Na concepção de Baczko (1985), o imaginário corresponde
a uma produção coletiva, pois atua como uma espécie de depositário
da memória que determinada sociedade recolheria de contatos entre
seus componentes e a vivência cotidiana destes. É através do
imaginário que se pode atingir as aspirações, os medos e as esperanças
de determinado povo. As múltiplas identidades das sociedades, seus
objetivos, a organização de seu passado, presente e futuro são
resultantes de processos intrínsecos ao imaginário. A forma de
expressão deste compreende rituais e mitos, ideologias e utopias.
As constantes transformações do mundo e sua
representação através do discurso são matérias constantes nas
discussões veiculadas pela mídia. A realização de uma análise
criteriosa de nossa própria realidade a partir do imaginário social
contido no discurso midiático é, pois, imprescindível, uma vez que
este permite visualizar a perpetuação histórica dos símbolos,
alegorias e mitos, que expressam as ideologias dominantes em
determinada sociedade.

A Amazônia e a questão indígena:


duelos no discurso da imprensa
escrita acreana
O imaginário acerca da Amazônia e dos grupos indígenas
que a habitam, construído ao longo de anos e reforçado durante a
Ditadura Militar, encontrou referência principalmente através dos
meios de comunicação. No Acre, os jornais O Rio Branco e
Varadouro desempenharam importante papel na construção dessas
imagens, atuando ora questionando ora reiterando o discurso
produzido em tempos passados sobre a região e a população
indígena. Dentre as imagens da Amazônia usadas pelos militares

85
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

para ocupar a região, destacam-se a idéia de uma terra cuja


natureza precisava ser domesticada, de um verdadeiro “El Dorado”
e do grande “pulmão do mundo”. As populações indígenas, por
serem consideradas elementos constituintes dessa natureza,
também tiveram suas imagens construídas baseando-se na
oposição barbárie/civilização.
O imaginário sobre a Amazônia e a questão indígena,
construído a partir do discurso da mídia acreana durante a Ditadura
Militar, é regido pela idéia de domesticação da natureza. A
construção do imaginário sobre a Amazônia através dos jornais O
Rio Branco e Varadouro se faz sobre aquela imagem arquitetada
desde as primeiras décadas do século XX, baseada na dicotomia
paraíso/inferno.
De acordo com Paes Loureiro (1995, p. 97), ao longo dos
primeiros séculos do processo de desenvolvimento brasileiro, bem
como até a década de 1970, a Amazônia permaneceu como a
imagem de um lugar remoto, desconhecido e impenetrável. Devido
suas condições geográficas e a dificuldade de acesso, a região foi se
constituindo um segredo e um lugar envolvido por mistérios e uma
atmosfera lúdica.
A velocidade das mudanças nas elaborações imaginárias
acerca da Amazônia acentuou-se no período militar,
principalmente através da propaganda de incentivo a sua ocupação.
A partir de uma série de imagens veiculadas na mídia, conceitos
como “vazio demográfico” e “terras sem homens para homens sem
terras” ocuparam o imaginário coletivo, estabelecendo estreitas
relações entre as metas de ocupação dos governos militares e os
desejos de alcançar melhores condições de vida por parte das
populações rurais.
A imprensa busca, de maneira quase inconsciente,
construir imagens capazes de estabelecer uma ordem, uma
organização nos elementos que compõem o real em determinada
sociedade. As representações produzidas pela mídia articulam-se
no sentido de manipular o real. O contraditório, nessa relação, é
que a mídia é também manipulada por esse real, na interpenetração

86
Ideologia e Poder

das relações entre o real e o imaginário social. Dominar o simbólico de


uma sociedade é um dos caminhos para se chegar ao poder da mesma,
sendo que, o simbólico é elemento de disputa entre os grupos rivais.
A produção discursiva dos jornais que circularam durante a
Ditadura Militar acerca da Amazônia demonstrava a intenção dos
grupos dominantes de promover a legitimação do modelo de
desenvolvimento elaborado pelos militares para a região. A idéia dos
militares de “ocupar para desenvolver” traz em seu bojo a construção
da imagem da Amazônia com um “vazio demográfico”, que precisava
ser “efetivamente” ocupado.
O ideário de incorporação dessa imensa faixa de terras ao
conjunto da economia nacional movimentou os interesses de
investidores do Brasil e exterior, sendo estimulados através da
disponibilização por parte do governo federal de crédito rápido e fácil
nos estabelecimentos bancários públicos, bem como uma série de
incentivos fiscais, objetivando promover o deslocamento de
migrantes, capitalistas nacionais e estrangeiros, dispostos a contribuir
com o projeto de ocupação fomentado na Amazônia.
O retorno à imagem da Amazônia como um “Eldorado” ou
como “paraíso” utilizado pela imprensa escrita serviu, diante do
isolamento em relação às demais regiões brasileiras, como a
alternativa encontrada pelos governantes do período da Ditadura, para
propagar a imagem de uma região paradisíaca e propiciadora de
vantagens econômicas.
As reais intenções dos governos militares para a Amazônia
não demoraram a serem desveladas. A proposta feita pelo governo de
desenvolver a região a partir do lema “terras sem homens, para
homens sem terra” não se cumpriria, pois os reais interesses em jogo
na campanha de ocupação da Amazônia era o “entreguismo” das
riquezas naturais da região aos capitalistas internacionais e aos
grandes empresários brasileiros. Como forma de protesto, em todo o
país vários movimentos em defesa da Amazônia surgiram,
promovendo debates acerca da situação:

“Entre nessa briga!”. Esse é o convite que sete


movimentos da Defesa da Amazônia fizeram ontem,
data em que se comemorou em todo o país o Dia
Nacional de Luta Pela Amazônia.

87
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Grupos do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas,


Goiás, Distrito Federal, Amazonas e Acre assinaram
um documento, distribuído durante as comemorações
de ontem, onde expunham posições contrárias à
exploração predatória da região e também exigiam
amplas liberdades democráticas para discutir os
problemas da Amazônia.
(...) A crise do modelo econômico do país,
segundo o documento, propicia a destruição do meio
ambiente, expulsa o trabalhador rural de suas terras,
facilita a invasão das reservas indígenas, aumenta o
custo de vida, contribui para que o arrocho salarial
seja uma realidade e estimula a violência da polícia
contra a população, reprimindo greves e dessa forma
ajudando a suprimir todas as liberdades. (Movimento
quer fim do entreguismo na Amazônia. O Rio Branco.
Rio Branco-AC, 20 set. 1979, Ano X, n. 682, p. 1).

No editorial
acima, publicado no jornal
O Rio Branco, as lutas dos
movimentos em defesa da
Amazônia são apresentadas
a partir de uma linguagem
que remete ao princípio de
isenção jornalística
predominante neste
periódico riobranquense.
Por estar vinculado à
ideologia dominante o
jornal não podia declarar-se
a favor das lutas dos
movimentos sociais, mas
podia expor suas
reivindicações através da
veiculação da palavra do
Outro. A adoção de um
Capa de Varadouro (Ano I, n. 08, mar./1978) destacando a linha
editorial de defesa da Amazônia. discurso em que as
Fonte: Museu da Borracha. opiniões encontravam-se,

88
Ideologia e Poder

muitas vezes, escamoteadas, justifica a reafirmação constante no


texto acima de que as opiniões expostas constavam no “documento”
assinado pelos movimentos de defesa da Amazônia.
Enquanto em O Rio Branco o discurso sobre a defesa da
Amazônia apresentava-se velado, em Varadouro ele aparecia
declarado. De acordo com Costa Sobrinho (2001, p. 188), para
Varadouro, a questão ambiental sempre esteve relacionada à luta pela
terra, pois ao assumir uma linha editorial pela defesa do índio e do
seringueiro, o jornal privilegiava também a defesa da floresta
amazônica.
O discurso ambientalista, a partir do qual a Amazônia é
definida como reserva ecológica mundial e grande “pulmão do
mundo” ganhou fôlego na década de 1970. Os meios de comunicação,
desde essa época investiram na veiculação de um discurso pautado de
defesa da natureza amazônica frente à destruição das riquezas da
fauna e flora e da necessidade de sua preservação:

O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento


Florestal (IBDF), órgão subordinado ao Ministério da
Agricultura, responsável pela preservação da flora e
da fauna brasileira, objetivam, segundo publicações
da imprensa nacional, a exploração do potencial
madeireiro da Amazônia com utilização da terra
durante o período em que vigorar o contrato.
(...) Levando a devastação da cobertura vegetal
da Amazônia, tais contratos colocam em perigo o
equilíbrio ecológico, o qual inicia o seu processo de
rompimento quando um de seus elementos é submetido
a alteração.
(...) Assim, constatamos que com tal exploração
os amazônidas seriam os menos favorecidos, ao passo
que os grandes ganhadores dos “riscos”, como
sempre seriam o grande capital e sobretudo as
multinacionais que não reinvestiriam seus lucros na
região. É de perguntar se os idealizadores de tal
empreendimento responderão no futuro pelas
conseqüências. (Depois da borracha, do boi... Agora,
a madeira (em risco). Varadouro. Rio Branco-AC,
mar./1979, Ano II, n. 14, p. 5).

89
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A significação imaginária da modernidade, de acordo com


Sant'Ana Júnior (2004, p. 69), tem como elementos fundamentais as
idéias de “autonomia” e “liberdade”. Esse ideário, entretanto, ao
espelhar os interesses e desejos concretos das elites que o formulam,
traz consigo a marca da exclusão de grande parte das populações
envolvidas em sua realização, uma vez que os benefícios dessa
modernidade não chegarão a todos.
O discurso da imprensa sobre a Amazônia ao longo do tempo
reeditou estereótipos historicamente fabricados através de novas
imagens da região, “de modo especial aquelas que retratam a
Amazônia como um lugar paradisíaco e, contraditoriamente, ao
mesmo tempo inóspito, no qual coexistiram a exuberância física da
natureza e a insignificância humana” (DUTRA, 2003, p. 98).
Se o imaginário projetado pelos jornais sobre a Amazônia
aponta para um intricado jogo de interesses, as imagens dos índios na
mídia também trazem as marcas do ideário de desenvolvimento do
país traçado pelos governos militares. A ênfase do discurso dos jornais
O Rio Branco e Varadouro quando tratam da Amazônia recai sobre o
perigo de destruição das florestas e a necessidade de sua preservação.
Ao tratar da questão indígena, entretanto, notamos ora a imagem do
índio como empecilho ao avanço do progresso ora como sujeito
atuante no processo de transformação pelo qual passava o Acre nas
décadas de 1970 e 1980.
Os jornais riobranquenses sempre apresentaram uma
lacuna quanto às populações indígenas, referindo-se a estas
geralmente em datas próximas à semana do índio. Com a chegada dos
“paulistas” nas décadas de 1970 e seguintes, tornava-se impossível
que os jornais não mencionassem os índios, uma vez que eles faziam
parte das populações que sofreram diretamente os efeitos da
expropriação imposta pelo novo modelo de desenvolvimento
implantado no Acre, através da transformação dos seringais em
fazendas pecuaristas.
Quando da implantação dos primeiros seringais no Acre,
ainda no final do século XIX, os índios já começavam a sofrer o
efeito conflituoso do contato com as populações “chegantes”. De

9
As “correrias” foram os ataques armados contras os índios, organizados pelos seringalistas, principalmente no
início do século XX. Como resultado do massacre, os seringalistas obrigavam, muitas vezes, os índios aprisionados
a ajudarem na caçada a outros índios de sua própria tribo. Dessa crueldade, nem mesmo mulheres e crianças foram
poupadas (SOUZA, 2002).

90
Ideologia e Poder
acordo com Calixto (1985), cerca de 60 mil índios, distribuídos em
aproximadamente 50 grupos étnicos, viviam na região acreana no
8
início do século XIX. As correrias organizadas pelos seringueiros
brasileiros contra os índios foram freqüentemente silenciadas pelos
historiadores brasileiros, que atribuem geralmente as mortes de
nativos aos caucheiros do Peru. Centenas de índios foram extintos
através dos massacres e das doenças trazidas pelo o contato com o
branco, outros, encontraram refúgio nas cabeceiras dos rios. A
maioria, porém, foi incorporada à economia da extração da seringa,
vivendo debaixo do jugo dos patrões brancos até o final da década de
1980.
O jornal Varadouro dedicou atenção especial à temática
indígena, enfatizando o processo de expulsão dos índios de suas terras
com a chegada dos fazendeiros sulistas. Este fato ocasionou uma
mudança muito grande na estrutura populacional do Estado. Os
seringueiros e índios, expulsos de suas terras foram obrigados a se
dirigirem à zona urbana, principalmente à cidade de Rio Branco,
ocasionando o surgimento de
várias “ocupações” na capital,
que, posteriormente, constitu-
iriam os bairros periféricos.
Alguns índios se mudaram
para outras áreas; outros,
porém, permaneceram nas
fazendas, tornando-se “peões”.
Com a transforma-
ção dos seringais acreanos em
grandes fazendas pecuaristas
surgiram diversos problemas,
que iam desde a grande
degradação ambiental decor-
rente do desmatamento, até o
choque dos índios e seringuei-
ros nativos com os latifundiá-
rios que os expulsavam pela
força.
Capa do jornal Varadouro (maio/1978, Ano I, n. 9)
A temática indígena enfatizando a temática indígena.
teve desataque constante nas Fonte: Museu da Borracha.
edições de Varadouro:

91
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A chegada dos “paulistas” e a “demarcação” das fronteiras


ocasionaram um processo de readequação das populações indígenas
em sua relação com a terra.
Os discursos dos jornais Varadouro e O Rio Branco estão
permeados de representações das imagens dos atores envolvidos no
processo de chegada dos investidores do Centro-Sul do país e a
instauração da era da pecuária no Acre, sendo os principais sujeitos
envolvidos nas tramas discursivas os “carius”, os “caboclos”, os
“seringueiros” e os “paulistas”. Os jornais esboçam várias categorias
identitárias e posicionamentos dos sujeitos discursivos acerca do
Outro.
De acordo com Valle (1977, p.112) as identidades “cariu” e
“cabocla” só podem ser definidas mutuamente, pois representam
termos complementares quanto à significação. O termo “cariu”
refere-se a todos os brasileiros que mantinham vínculo com a extração
da borracha e o termo “caboclo” é usado para designar,
indiscriminadamente todos os indígenas.
Representados na história oficial como seringueiros, os
índios do Acre se dissolvem na categoria genérica de “caboclo”. O
caboclo, identidade imposta pelo branco aos grupos indígenas que
trabalham na extração da borracha, se distingue do “brabo” - o índio
“selvagem” com traços animalescos. O “caboclo” acreano é
caracterizado por um conjunto de atributos negativos, tais como
ladrão, preguiçoso, vagabundo, irresponsável e traidor, que marcam
sua inferioridade em relação ao branco (VALLE, idem, p. 116).
O jornal Varadouro, em face do discurso oficial, que
construiu a imagem dos índios de forma negativa e que os
caracterizou ao longo do tempo como representantes de uma “cultura
bárbara”, elegeu a questão indígena como um dos temas de maior
presença de suas publicações, como se percebe no editorial a seguir:
Eles mudaram o nome segundo o grau e a
qualidade da exploração. Até o final do século
passado, eram simplesmente Caxinauás, uma das
mais numerosas e valentes tribos da família dos Panos
que habitava o Vale do Juruá. Depois, com a
“corrida” da borracha e do caucho, passaram a ser
chamados de “caboclos” ou “índios sujos,
preguiçosos e cachaceiros”. Nos últimos anos, com a
entrada da agropecuária, a dominação no seu último
estágio, sofisticaram-se de vez: já começaram a ser
denominados de “bóias-fria” ou num termo mais
regional “farofas-fria”. (...) Queixam-se também de

92
Ideologia e Poder

que as terras em que vivem já não lhes pertencem e sua


permanência nelas assume sempre um caráter
provisório e de insegurança. Dependem da vontade
dos proprietários ou, para eles, usurpadores.
(Caxinauás ou “farofas-frias”. Varadouro. Ano I, n. 4,
set. 1977, p. 15).

A respeito da construção identitária do índio em sua relação


com o branco é interessante notar no texto acima a ironia em relação à
“sofisticação” das designações atribuídas aos indígenas. A
desqualificação a que era comum estarem expostos os índios,
evidenciada pelos termos “índios sujos, preguiçosos e cachaceiros”
indica também a negação do status de humanidade ao caboclo. A
designação “caboclo”, portanto, reveste-se de uma identidade situada
no “não-lugar”, ele não estaria nem na natureza, nem na cultura, não é
apresentado nem como “índio” nem como “civilizado”, mas na
fronteira entre civilização e barbárie.
O editorial em questão informa, ainda, que segundo dados
de um relatório entregue à Funai pelo Antropólogo Terri Valle Aquino,
um dos repórteres de Varadouro, existiam à época, cerca de 860 índios
Caxinauás distribuídos e dispersos nos rios Tarauacá, Muru, Humaitá,
Breu e Tejo, todos localizados no Vale do Juruá. Desse grupo de 860,
90 caxinauás viviam na periferia da cidade de Tarauacá. A
sobrevivência desses índios, relata o antropólogo, vinha de “uma
minguada agricultura de subsistência voltada primordialmente para o
consumo familiar” e muito raramente da venda de algum excedente na
cidade. Como forma de complementar sua economia doméstica, os
caxinauás urbanos eram forçados a trabalhar como “peões” para
pequenos proprietários ou nos grandes desmatamentos dos
“paulistas”, que estavam implantando a pecuária extensiva na região.

Por aqui eu tenho serviço de banana, arroz,


serviço de legume. Mas isso não dá prá botar o sal, o
querosene, o fósforo, o peixe, a carne dentro de nossa
casa. Vivo trabaiando pros fazendeiro cariu da 'rua' e
trabaio pros 'paulista' porque quéri é tirar saldo pra
comprá panela, muda de roupa, prá mulher e pros
filhos, perfume, uma eletrola, um rádio...
Prá botá coisas de valor dentro da casa é
preciso trabaiá em serviço de empeleitada. Trabaio

93
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

mas é pros 'paulista' da Cinco Estrela. (Agropecuária


Cinco Estrelas S.A. da Viação Aérea Cruzeiro do Sul).
(Caxinauás ou “farofas-frias”. Varadouro. Ano I, n. 4,
set. 1977, p. 15).

A aculturação dessas populações indígenas revela-se, na


fala acima, pelo desejo de adquirir o que o entrevistado chama de
“coisas de valor”, roupa, perfume, rádio, eletrola, necessidades
geradas pelo contato com o homem branco. De acordo com o
conceito de “identidade contrastiva” de Cardoso de Oliveira
(1976), a afirmação da identidade de uma pessoa ou de um grupo se
faz sempre por meio da diferenciação em relação ao outro.

Hoje em dia, faz de conta que nóis não temos


nada. Eu queria que fosse lá ao menos um empregado
da Funai. Está cercando tudo onde nóis mora, fazendo
campo, botando roçado, onde nóis mora. Nóis estamo
ficando sem terra prá fazê nada. (Índios vivem
acoxados. Varadouro. Rio Branco-AC, set./1978, Ano
II, n. 12, p. 17).

O editorial apresenta o ano de 1976 como um marco que


veio definir mudanças nas relações entre índios e seus
empregadores, os chamados patrões. Essas transformações foram
motivadas pelas andanças de equipes da Funai que percorreram o
Acre e passaram a delimitar várias áreas para, posteriormente,
fazer a demarcação das reservas indígenas. O texto dá conta de que,
com a ameaça de demarcação das terras pela Funai, imediatamente,
seringalistas e fazendeiros perceberam que os índios poderiam
ameaçar parte de suas várias extensões de terra. Para impedir que
isso acontecesse, os novos “donos” das terras passaram a usar
várias estratégias para expulsar os índios.
Mesmo “civilizados” ou “amansados”, através da
imagem do “caboclo”, os índios continuam sendo considerados
como representantes de uma sub-humanidade. Nos seringais,
muitas populações indígenas sobreviventes partilharam um
destino funesto com os seringueiros nordestinos. Na condição de
mão de obra servil no sistema escravista e paternalista da borracha,

94
Ideologia e Poder

os índios acreanos mesclaram seus costumes com os do homem


branco. Durante décadas sua identidade étnica foi reprimida e
continuaram sofrendo os preconceitos da sociedade envolvente.
De uma maneira geral, considerando o lugar atribuído ao
índio pela historiografia acreana, podemos dizer que a “questão
indígena” foi um detalhe na conquista e na integração do Acre ao
Brasil. Exterminados, “civilizados” ou isolados em áreas remotas,
cujas riquezas ainda não haviam sido cobiçadas, durante a maior
parte do século XX, os povos indígenas acreanos desapareceram da
história oficial, que nunca os considerou como atores. Símbolo da
invisibilidade da questão indígena, a FUNAI começou a atuar
realmente na região apenas em 1975. Até essa data, as raras viagens
de funcionários do SPI, ligados à Primeira Inspetoria Regional de
Manaus, legitimaram os patrões seringalistas e alguns políticos
locais como representantes do órgão. Até a intensificação das
políticas desenvolvimentistas a partir da década de 1970, as
instituições governamentais e importantes segmentos da sociedade
acreana desconheciam a existência de populações indígenas no
Estado (AQUINO; IGLESIAS, 1999, p. 6).
Em editorial intitulado “O índio no debate atual”, o jornal
O Rio Branco apresenta o debate de diversas vozes acerca da
questão indígena. Entre esses discursos que o jornal põe em
confronto, está o do então Ministro do Interior, Rangel Reis, em
pronunciamento sobre relações de choques entre índios e posseiros
em Mato Grosso, que haviam vitimado um missionário e muitos
indígenas:

Dizer que há hostilidade entre indígenas e


brancos é uma bobagem. Não existe. Não se pode dar
um tratamento ao colono diferente do dado ao índio,
porque o índio não vai com isso deixar de preservar a
sua cultura. Se desenvolvermos um trabalho intenso,
daqui a dez anos os 220 mil índios estarão reduzidos a
20 mil, e daqui a 30 anos todo mundo integrado
direitinho. O índio quase entendido como garoto
peralta que precisa ser corrigido com severidade. (O
índio no debate atual. O Rio Branco. Rio Branco-AC,
20 abr. 1977, Ano VIII, p. 3).

95
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

São apresentadas, também, nesse editorial de O Rio Branco


as declarações do debate entre o Ministro Rangel Reis, religiosos,
antropólogos, sertanistas e vários estudiosos do assunto constantes
em um boletim do Centro Ecumênico de Informações, publicado no
Rio de Janeiro. Segundo o Ministro:

A posição da Igreja Católica é sonhadora,


feudal e atrasada com relação aos índios”. Além disso,
não acredito na boa fé de uma minoria religiosa que se
diz defensora dos humildes, encarando o governo
como perseguidor da população menos favorecida. Se
as missões quiserem continuar colaborando para o
processo de desenvolvimento do índio brasileiro,
acrescentou o ministro, terão que adotar a política do
Governo, que é a da emancipação progressiva das
comunidades. (idem).

As declarações do Ministro Rangel Reis apresentam os


índios como necessitando passar por um “processo de
desenvolvimento”. Isso remete à idéia dos índios como “recursos
naturais”, que deveriam ser utilizados em benefício da modernização
brasileira. Por esse viés do discurso oficial, os índios deveriam ser
“civilizados”, uma vez que o discurso de domesticação da natureza
incluía também os índios como parte dela.
A reação da Igreja Católica, entretanto, é mencionada no
mesmo editorial, através da voz do Bispo de S. Mateus, que afirma ser
“muito fácil acusar uma parte da Igreja de atrasada e ligada a
subversivos, porque assim se evita considerar o verdadeiro problema,
que é o de como são respeitados os direitos dos índios e posseiros”.
O discurso da Igreja Protestante é também enfatizado nesse
texto, através do depoimento do Pastor Hilmar Kanhemberg, da Igreja
Luterana, que disse esperar que o plano do Ministro do Interior de
afastar as missões religiosas do seu trabalho junto aos indígenas “não
seja executado, porque se for, os prejudicados serão os índios. E a
nossa Igreja vai debater e discutir e brigar se for preciso, por causa
dos índios”.
Os discursos de antropólogos, sertanistas e indigenistas
também são apresentados nesse editorial, a partir das declarações

96
Ideologia e Poder

de que “a situação dos índios é ainda mais complexa, devido às


grandes diferenças que as compõem”, sendo essencial perceber
que tanto brancos quanto índios têm o mesmo direito a “algo
melhor do que uma política de aculturação forçada e de extinção
cultural planejada”.
O desejo de “integrar o índio ao processo de
desenvolvimento brasileiro” defendido pelo Ministro do Interior
no editorial em questão demonstra-se, também, na afirmação de
que o ensino bilíngüe para os indígenas era perda de tempo e
dinheiro, devendo ser ensinado a eles apenas a língua portuguesa.
A intenção do governo federal de “aculturar” os índios brasileiros
pela imposição da língua revela-se uma eficaz forma de dominação
pelo saber produzido pelo branco. Com o aprendizado da escrita,
expande-se o nível de distanciamento tempo-espaço, criando-se
uma perspectiva de passado, presente e futuro na qual a
apropriação reflexiva do conhecimento pode ser desmembrada da
tradição designada (GIDDENS, 1991, p. 44). A aprendizagem da
escrita, nesse sentido, representa mais que a passagem de uma
tradição ágrafa para uma cultura dita “moderna”, representa, antes
de qualquer coisa, uma violência simbólica, em que se tenta vender
a “necessidade” de os índios participarem do processo de
“civilização” e domesticação imposto pelos brancos.
O editorial intitulado “O índio no debate atual” apresenta
uma diversidade de vozes, finalizando com votos de um trabalho
“auspicioso” à equipe administrativa da FUNAI, que acabara de se
instalar no Acre. Não tardaria, entretanto, para ficar patente que os
votos da imprensa local não teriam um fácil cumprimento, tendo
em vista que o jogo de interesse em torno das terras ocupadas pelos
índios no Acre suscitaria ainda muitas disputas e contradições.
Em editorial acerca de conflitos entre posseiros e índios
Apurinã, na área do Km-45 da BR-317, em Boca do Acre, o jornal
O Rio Branco transcreve o teor de uma nota redigida por
representantes do Comitê de Diálogo entre Índios e Colonos do
Acre – CDIC9, a qual havia sido motivada por “alarmantes
rumores” que circularam em Rio Branco sobre o deslocamento de
97
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

tropas do Exército para a reserva Apurinã. Diz a nota que:

Ao consumar-se o deslocamento de efetivos


militares para a área de Boca do Acre, manifestamos
publicamente nossa preocupação pela segurança da
população local, envolvidos em conflitos provocados
unicamente devido aos interesses econômicos de
políticos e empresários na região. Manifestamos,
também, nosso repúdio num momento em que tenta-se
promover a pacificação e o entendimento entre índios
e posseiros, explorados e atingidos igualmente pela
especulação desumana e inescrupulosa dos grandes
proprietários da terra. Responsabilizamos
diretamente a FUNAI e o INCRA pela situação em que
se encontram índios e colonos, como também como
por qualquer fato mais grave que venha a ocorrer na
área. (Agrava-se a questão indígena no KM-45. O Rio
Branco. Rio Branco-AC. 25 abr. 1980, Ano X, n. 884, p.
1).

Os textos fundadores do Acre não contemplam a


importância do índio para a história local. Com a chegada dos
seringueiros, os povos “sem história” se tornaram apenas objeto de
uma história que se constrói sem eles ou sobre eles, raramente com
eles. Mal inevitável, mas superável, o destino do índio é a
“civilização” ou o extermínio e uma dicotomia se estabelece
rapidamente entre o índio “civilizado” ou “manso” e o índio
“brabo”. Enquanto os “mansos” integram o cativeiro do seringal na
categoria genérica de “caboclo”, os “brabos”, após serem
massacrado e perder suas terras são integrados à cultura local como
folclore ou símbolo da gloriosa conquista do povo seringueiro.
Como a Amazônia de uma maneira geral, o Acre era o habitat de
uma grande diversidade de povos.
Diante das representações acerca do índio e da Amazônia
produzidas pelo discurso midiático, é interessante notar que os
9
O Comitê de Diálogo entre Índios e Colonos do Acre – CDIC – surgiu como resultado de um amplo debate durante
a Semana do Índio de 1980, sobre a questão das lutas entre índios e colonos e entre índios e seringueiros. Faziam
parte do Comitê: índios Apurinã, representantes do Sindicato Rural de Rio Branco, Comissão Pró-Índio do Acre,
Comissão Pastoral da Terra, Movimento de Defesa do Meio Ambiente e Conselho Indigenista Missionário
(Informações constantes no jornal O Rio Branco. Rio Branco-AC. 25 abr. 1980, Ano X, n. 884, p. 1).

98
Ideologia e Poder

meios de comunicação conectam vários sujeitos ao construir uma


cadeia de códigos compartilhados e reconhecidos que são
constitutivos das representações sociais. Por isso, o conteúdo
discursivo veiculado pela mídia constitui uma importante fonte de
pesquisa. Como observa Canclini, “a influência dos meios massivos é
percentualmente quase idêntica a das formas microssociais ou
interpessoais de comunicação” (CANCLINI, 1998, p.145).
Nesse sentido, a mídia circula imagens da sociedade e de
legitimação das posições políticas, produzindo sentidos, por meio de
um insistente retorno de figuras e de representações que compõem o
imaginário social. A legitimação desse discurso, portanto, vai buscar
sua origem no passado coletivo, organizado em uma tradição. Assim,
quando os jornais apelam para o retorno de imagens do passado, como
ocorre nos textos que se referem a fatos de um “passado glorioso”, dos
quais podemos citar os editoriais que retomam fatos e personagens da
chamada “Revolução Acreana”, podemos dizer que o poder apodera-
se do imaginário social, fabricando desejos com o objetivo de unificar
os diversos grupos sociais em torno dos interesses dos grupos
dominantes.

A representação da luta pela sobrevivência nas


“periferias” de Rio Branco

Os sujeitos que constroem a cidade possuem interesses e


valores diferentes. Sendo um espaço de ações e contradições,
construído por homens e mulheres, a cidade como a conhecemos
hoje resulta de uma disputa entre aqueles que tratam a terra como
fonte de lucro – os capitalistas – e os que a tratam como espaço de
vida – os moradores.
O convite aqui feito é para um recuo no tempo, mais
especificamente ao final da década de 1970 e início da década de
1980, para uma época em que os trabalhadores do campo, expulsos
em decorrência da concentração da terra e da implantação das
pastagens para a pecuária, começaram a derrubar árvores,
“coivarar”, limpar terrenos baldios e erguer seus precários barracos.
Em fins da década de 1960 e início da década de 1970 as

99
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

terras acreanas passaram a figurar não apenas como meio de produção,


mas também como mercadoria através da garantia da propriedade
privada. Os seringais acreanos falidos foram transformados em
grandes fazendas pecuaristas, causando problemas que iam desde a
grande degradação ambiental, decorrente do desmatamento, até o
choque dos índios e seringueiros nativos com os latifundiários que os
expulsavam pela força.
Esse fato ocasionou uma mudança muito grande na
estrutura populacional do Estado. De acordo com os dados do IBGE,
nos censos de 1960 e 1970, percebemos que a população
riobranquense quase dobrou. Na década de 1960 eram 47. 437
habitantes, sendo 30.333 na zona rural e 17.104 na urbana; na década
de 1970 a população riobranquense era formada por 48. 399
habitantes na zona rural e 35.578 habitantes na zona urbana,
totalizando 83.977 habitantes (LIMA; BONIFÁCIO, 2007, p. 21).
O novo modelo de ocupação, introduzido com a
implantação da pecuária extensiva, retirava os trabalhadores da
floresta e lhes negava as mínimas condições de sobrevivência. Os
seringueiros, expulsos de suas terras, foram obrigados a se dirigir à
zona urbana, principalmente à cidade de Rio Branco, ocasionando o
surgimento de várias “ocupações” na capital, que, posteriormente,
constituiriam os bairros “periféricos”. Grande parte da população
indígena que habitava esses seringais migrou para zona urbana; outros,
porém permaneceram nas fazendas, tornando-se “peões”.
Ao migrar para as cidades, essas populações rurais
expropriadas depararam-se com a falta de infra-estrutura, saneamento
básico, educação, saúde, emprego. Desses problemas derivaram
outros como a violência, a prostituição, a marginalidade e o
subemprego. Muitas famílias se viram obrigadas a recorrer ao
mercado de trabalho informal como forma de não mendigar, eram os
chamados “autônomos”, que a cada dia se avolumavam no centro e na
“periferia” da cidade.
As decisões da justiça na fase de reassentamento dessas
populações nas cidades estavam comprometidas com o modelo de
desenvolvimento dos governos militares para a Amazônia, a
própria imprensa e os meios de comunicação eram extensões do
poder oficial, omitindo-se acerca das questões agrárias e fazendo
100
Ideologia e Poder

absoluto silêncio sobre as contradições tanto no meio rural quanto no


urbano.
A presença desses sujeitos na cidade tornou-se um fato
corriqueiro. Em um processo violento e vertiginoso esses “cidadãos”
passaram a figurar apenas como números de uma estatística que a
cada dia crescia mais. À medida, porém, que os grupos políticos,
econômicos e sociais que detinham o poder passaram a perceber que
os moradores dos bairros periféricos começavam a habitar áreas
privilegiadas, começaram a empreender o processo de expulsão
dessas populações pobres para áreas impróprias para moradia. Assim,
restava a essas populações construir suas habitações em áreas
afastadas, como as margens dos rios ou as proximidades dos
10
aeroportos . Como não dispunham de dinheiro para comprar terreno
em terra firme, muitos acabaram construindo suas casas em terrenos
nos barrancos do rio Acre.
O perigo de desbarrancamento dessas casas com a chegada
do inverno era uma preocupação constante dos moradores de bairros
como Cidade Nova, Papouco e Triângulo, só para citar alguns. Além
de estarem expostos aos problemas advindos com as alagações, essas
populações precisavam lidar com a ameaça de expulsão pelos
proprietários dos terrenos, pelo Estado e pela Polícia.
Uma das estratégias da especulação imobiliária praticadas
por grandes proprietários de terrenos na “periferia” consistia em
deixar uma grande extensão de terrenos baldios e lotear um terreno
mais adiante. Quando as pessoas começavam a erguer suas moradias
no local mais afastado, com o tempo, o mínimo de infra-estrutura
começava a surgir no local. Conseqüentemente, ocorria a valorização
do terreno baldio, que podia ser, então, vendido em condições
extremamente favoráveis. À população trabalhadora que ia morar no
terreno mais afastado restava sofrer as dificuldades do trajeto maior
para o trabalho ou da falta de transporte, de iluminação pública, de
água encanada. O processo de ocupação dos novos bairros que
surgiam na “periferia” de Rio Branco pode ser melhor
compreendido através do editorial abaixo:
10
A referência aos “aeroportos”, se dá, primeiramente, com relação à ocupação da área próxima ao Aeroporto
Salgado Filho, o qual funcionou de 1939 a 1974, e, posteriormente, à área próxima ao Aeroporto Presidente Médici,
funcionando de 1974 até meados da década de 1990.

101
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

O processo de ocupação, pode-se dizer, é


original e até fascinante. A notícia de que está sendo
aberta uma nova área corre e esse espalha
rapidamente protegida entre a população. Quem
chega primeiro vai marcando seu pedaço de chão,
observando um acordo tácito entre eles: ninguém deve
reservar mais que o suficiente para a construção de um
barraco, porque “os outros também estão precisando”.
Um barraco é feito em poucas horas, geralmente pelo
sistema do mutirão – algumas folhas simples de
alumínio, cavacos ou mesmo palha para a cobertura,
restos de tábuas, caia para as paredes e alguns esteios
para equilibrar a construção. (Posseiros Urbanos.
Varadouro. Ano II, n. 14, mar/1979, p. 9).

A descrição dos materiais com que eram construídas as


novas moradias remete à idéia de uma vida improvisada, erguida às
pressas em regime de mutirão. O fato de os moradores
“protegerem” a notícia de que estava sendo “aberta uma nova área”
aponta para um procedimento comum à população que se
assentava nas “periferias” de Rio Branco, a solidariedade. Em um
local com tantas pessoas de origens e culturas diversas a
cooperação foi uma das formas de resistir às pressões advindas
tanto com as ações dos especuladores de terras quanto com as
próprias condições de miséria em que viviam.
A ajuda na hora de erguer o barraco em mutirão servia
como fator de coesão e como forma de amenizar a sensação de não
ter para onde ir, a condição marginalizada que os poderosos que se
auto-intitulavam donos das terras lhes impunham ao chamá-los de
“invasores”, tudo isso aliado ao medo da repressão dos órgãos do
governo. Essas experiências de solidariedade entre os ocupantes
consolidaram os laços de união e identidade entre estes, sendo
expressas desde a chegada até a ocupação, quando um ajudava a
construir o barraco do outro, dividindo o alimento e a água, enfim,
na convivência diária.
Apesar desse espírito de cooperação, é importante frisar
que havia também conflitos entre alguns ocupantes,
102
Ideologia e Poder

principalmente entre aqueles que tomavam posse dos terrenos para


praticar a grilagem das terras. Um exemplo de conflitos entre as
comissões que demarcavam os terrenos e os moradores é o caso do
assassinato do líder comunitário João Eduardo do Nascimento, que
foi alvejado com um tiro de espingarda em decorrência de
desentendimentos por causa da demarcação dos lotes (LIMA;
BONIFÁCIO, 2007, p. 63). Em homenagem ao líder assassinado
os moradores resolveram dar o nome de João Eduardo ao bairro.
Acostumados com a vida no campo, a maioria já com
média de idade próxima aos 40 anos, os novos habitantes da cidade
de Rio Branco tiveram que passar por toda uma reestruturação de
vida gerada com o deslocamento para a capital acreana. Essas
famílias compostas, em sua maioria, por casais com uma média de
04 filhos, buscavam melhores condições de vida, impulsionados
pela perspectiva de oferecer a possibilidade de estudar e de uma
moradia digna para os filhos e alcançar melhores condições de vida
(LIMA, 2006, p. 130).
Viver nesses bairros em que faltava praticamente tudo era
um desafio que essas famílias tiveram que enfrentar. A descrição de
como era o cotidiano dessas pessoas, suas lutas e experiências pode
ser observada no seguinte trecho de Varadouro, que pinta de forma
magistral o cenário do amanhecer em um bairro “à margem da
cidade”:
São 5h30min, o bairro da Bahia já não dorme
mais. A noite para seus moradores termina às 4 horas
da manhã. As mulheres ganham a rua com latas vazias
na cabeça à procura de poços que porventura tenham
amanhecido com água. Os homens esperam o café,
não uma café gordo, isso não!, mas um café puro com
um pedaço de pão e nada mais. O rádio está ligado
desde cedo, competindo com o do vizinho. (...)
Os ônibus não entram no Bahia. Antes eram as
desculpas de que a estrada que dá acesso ao bairro
não oferecia condições; consertada a estrada, os
ônibus continuam passando ao largo do bairro, cerca
de dois quilômetros, na Rua Rio Grande do Sul. (Bahia
à margem da cidade. Varadouro, Rio Branco-AC, Ano

103
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

II, n. 11, ago./1978, p. 5).

O processo discursivo do texto acima engendra e mobiliza


sentidos que apontam para o procedimento de exclusão a que estavam
submetidos os habitantes do bairro Bahia. A afirmação constante no
título do editorial de que os moradores do bairro ocupavam um lugar
“à margem” da sociedade, indica que o ambiente urbano se caracteriza
como um espaço de disputa, sempre permeado por contradições e
conflitos. O “urbano” é o lugar dos meios de vida com complexidade,
é nele que as pessoas esperam “vencer na vida”.
Ao migrar, as pessoas buscam novos lugares, transformam
o habitat e se transformam no deslocamento. Ao chegar à cidade,
reelaboram novas relações, novo cotidiano, novas expectativas. Essa
é a realidade daqueles que movem a vida, que transformam a cidade,
colocando-a em movimento a partir de suas múltiplas trajetórias. A
experiência da migração atua provocando mudanças de valores e
comportamentos, alterando a forma de relacionamento dos habitantes
entre si e com seu habitat.
Enquanto o discurso presente em O Rio Branco aponta para
a construção da imagem dos moradores desses novos bairros como
“invasores” e até mesmo “subversivos”, a imagem construída por
Varadouro remete à idéia de que essas pessoas eram apenas
“ocupantes”, homens de bem que, por ingerência dos poderes
públicos, precisaram ocupar as terras inabitadas da cidade para
sobreviverem.
Os editoriais do jornal Varadouro traziam sérias críticas à
construção da imagem dos ocupantes dessas áreas de terra como
“aproveitadores”, “especuladores” e “subversivos”, veiculada em
notas oficiais pelo governo e pelos “proprietários” desses terrenos. O
discurso veiculado por esse jornal alternativo coloca-se em posição
contrária ao discurso veiculado na imprensa de linha oficial, uma vez
que declara que entre os anos de 1970 a 1974, “os 'paulistas'
compraram 1/3 das terras do Acre (cerca de 5 milhões de hectares)
para implantar fazendas de gado ou simplesmente especular com a
terra. Para Varadouro, portanto, os vilões da história não eram os
“posseiros urbanos”, mas os pecuaristas do Centro-Sul do país.
Num discurso de defesa dos excluídos socialmente,
104
Ideologia e Poder

Varadouro faz o contraste entre os que vinham “de fora” e aqueles


que eram “da terra”:
“... não são marginais, especuladores ou
“subversivos”. São ex-seringueiros, pais e mães de
família, por sinal, muito ordeiros e esforçados por
condicionamento do meio rural e que normalmente se
mostram até dispostos a pagar pelo terreno que
ocuparam. Quanto à profissão, podem ser incluídos na
categoria de “diaristas”. O principal motivo que os
levaram a ocupar a área é perfeitamente
compreensível: o que ganham não mais permite pagar
o aluguel, e alógica é essa mesmo – a precariedade dos
salários reflete-se na precariedade ou falta de moradia.
(Posseiros Urbanos. Varadouro. Rio Branco-AC, ,
mar/1979, Ano II, n. 14, p. 9).

Em Varadouro é nítida a escolha do termo “ocupação” em


vez de “invasão”. A conotação da palavra “invasão”, bastante
propagada pela imprensa oficial, pressupõe posse ou
pertencimento, alguém tem o que é seu invadido por outro. O
invasor age em âmbitos que não lhe pertencem e reivindica para si a
posse de uma área alheia, sendo considerado um usurpador. Mas,
se por um lado o discurso oficial coloca os moradores que se
instalaram nas áreas situadas “à margem” da cidade como
“usurpadores”, por outro, se pensarmos nos termos capitalistas,
perceberemos que as próprias ações de desapropriação
empreendidas pelo governo revelam-se “invasivas”, pois usurpa o
que é de propriedade coletiva e vende o que não é seu a quem possa
pagar mais caro.
Em editorial publicado na edição n. 20, o jornal
Varadouro traz um exemplo da atitude capitalista empreendida
pelo poder oficial referente a uma ação de desapropriação de uma
área de terras no Distrito Industrial, onde hoje está localizado o
conjunto Tucumã. Segundo Varadouro, em fins de 1978, um
grande terreno no Distrito Industrial, em frente ao Campus da
Universidade Federal do Acre, foi loteado e vendido pelo governo,
através da Funbesa e da Cohab aos desabrigados das enchentes do
105
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

rio Acre.
A respeito dessa situação de exclusão social em que
viviam os moradores dos bairros de Rio Branco assim se
manifestou Varadouro:

Existem os desabrigados porque vivemos em


um regime que só favorece aos grupos econômicos,
aos “tubarões”, às custas dos pobres. Pouco ou quase
nada este regime faz pela pobreza. Como já vimos, no
caso de Rio Branco, os problemas já vêm desde os
seringais, quando a população é expulsa. A expulsão
acontece porque a política agrária de nosso país
promove a concentração da terra nas mãos de poucos
e grande proprietários. Esses grandes proprietários
visam apenas o lucro, que é o principal interesse no
regime capitalista. Não importa se esse lucro é
conseguido com sangue e lágrimas de muitos, isto é, só
resolve para quem não precisa. (Bairros lutam para
sair da miséria. Varadouro. Rio Branco-AC. abr./1981,
Ano IV, n. 20, p. 8).

Enquanto em Varadouro o tema da luta pela


sobrevivência nas “periferias” da cidade é amplamente discutido,
chegando a ganhar páginas inteiras de uma edição, O Rio Branco
apresenta poucos editoriais a esse respeito. A partir da perspectiva
de que o silêncio também é um discurso, que está determinado por
suas condições de produção, percebemos que a ausência de textos
que discutissem a ocupação dos bairros de Rio Branco é fato de
relevante importância a ser considerado na análise da configuração
do discurso jornalístico local.
Esse silenciamento aponta não para uma ausência de
linguagem, de significado e de sentido, o silêncio não está a penas
“entre” as palavras, mas ele as atravessa (ORLANDI, 2002). Tendo
em vista, portanto, serem raros os editoriais do jornal O Rio Branco
acerca do tema, discutiremos poucos textos acerca do assunto, nos
atendo principalmente ao silenciamento presente nesse discurso.
As poucas referências encontradas no jornal O Rio Branco
foram publicadas em momentos de tensão nas áreas que estavam

106
Ideologia e Poder

sendo ocupadas, ocasião em que os interesses dos proprietários que se


diziam “legítimos” donos das terras se sentiam ameaçados com a
possibilidade de ocupação destas por essas pessoas. As contradições
entre os chamados “donos” das terras, o poder político e os
denominados “invasores” podem ser observadas no seguinte editorial
do jornal O Rio Branco, intitulado “Invasores ocupam terras no
Aeroporto”:

Cerca de 200 pessoas estão marcando e


ocupando uma área de terra localizada entre os
bairros Bahia e Palheiral, próximo do ginásio “Álvaro
Dantas”. O processo de invasão começou no sábado.
Alguns moradores chegaram ao local, limparam de
enxadas lotes de aproximadamente 10x30 e
assentaram piquetes.
Funcionários da municipalidade que foram ao
local não conseguiram afastar os invasores, sendo
recebidos com ameaças. (Invasores ocupam terras no
Aeroporto Velho. O Rio Branco. Rio Branco-AC, 13
mar. 1980, Ano X, n. 852, p.1).

O viés ideológico presente no editorial acima expressa a


vinculação do discurso do jornal à elite local, bem como a defesa de
seus interesses, uma vez que a maioria dos textos acerca do assunto
trabalha a linguagem de modo a denegrir e desmobilizar os
movimentos sociais que lutavam por melhores condições de vida
dessas populações. A afirmação de que os funcionários da
municipalidade, aqui colocados como representação da lei e da ordem,
foram recebidos pelos moradores com ameaças, revela um
procedimento de construção de um imaginário pautado na legalidade
para legitimar as ações do poder oficial e econômico contra as
populações que se instalaram no local.
Além de se manifestar nos momentos de tensão das lutas
pela posse da terra no espaço da cidade, O Rio Branco se manifesta
sobre o tema apenas em notas esporádicas no interior do jornal, para
veicular algumas reivindicações dos moradores, geralmente a
respeito da falta de assistência do governo em relação a serviços
essenciais como transportes coletivos, água encanada, energia

107
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

elétrica, esgoto e policiamento:

Aeroporto Velho nega-se a pagar conta de


energia e também reclamam da prefeitura que deixou o
bairro em condições nunca vista, com ruas totalmente
esburacadas. E as ruas não têm iluminação pública e
outra reclamação é a falta de policiamento. (O Rio
Branco, 14 de fev. 1979, n. 0513).

A divergência entre os discursos contidos em Varadouro e O


Rio Branco aponta para os interesses antagônicos entre os grupos que
mantinham a produção jornalística local em circulação. Caberia aqui,
questionar que interesses estariam por trás desses discursos tão
divergentes. Estaria O Rio Branco apenas repetindo o discurso dos
grupos de poder ligados aos latifundiários, ao poder político ou aos
grandes especuladores de terras? De outro turno, estaria Varadouro se
colocando despretensiosamente ao lado dos pobres e oprimidos?
Onde entram, nesse contexto, os interesses dos antigos proprietários
dos seringais que haviam falido, agora sem perspectiva de prosseguir
com a exploração da borracha?
Nessa teia repleta de emaranhados de redes de poder, que se
cruzam e entrecruzam chamada discurso jornalístico, as intenções não
são ingênuas. As vozes que emergem das páginas amarelecidas pelo
tempo, embora muitas vezes apresentadas como ruídos silenciados,
gritam, trazendo um turbilhão de perguntas, indagações,
questionamentos.

O discurso nas redes do poder


Durante o regime militar, os meios de comunicação
foram instrumentos usados tanto como mecanismo de
silenciamento e censura quanto como instrumento de resistência e
veiculação das vozes dos sujeitos excluídos da “ordem do
discurso”. Enquanto no jornal O Rio Branco predominava a
estratégia discursiva de desqualificação dos opositores do regime
militar, com termos que semanticamente estigmatizavam seus
adversários; o jornal Varadouro investia na construção positiva dos

108
Ideologia e Poder

sujeitos excluídos socialmente, atuando como instrumentos de


veiculação de suas reivindicações.
A adoção de um discurso que focalizava como
protagonistas os vários sujeitos sociais geralmente excluídos da
“ordem do discurso” fez de Varadouro alvo de constantes ataques por
parte dos líderes políticos da época, por não admitirem contestações
ao regime militar. O discurso do jornal O Rio Branco, embora também
marcado, em algumas ocasiões, por estratégias de resistência,
manifestou como foco predominante de sua produção discursiva a
violência, imposta de forma simbólica, para silenciar os que
discordavam da palavra única dos líderes militares.
A grande disparidade de posicionamentos dos dois jornais
pesquisados aponta para o fato de que no discurso da imprensa
atrelada ao poder oficial as palavras são predominantemente
chamadas à neutralidade, e no discurso da imprensa alternativa são
chamadas ao comprometimento. Não podemos perder de vista,
entretanto, que no jogo discursivo dos jornais, os posicionamentos
não são fixos. Ao se observar as páginas amarelecidas pelo tempo é
possível entrever as rupturas, os movimentos de resistência e o modo
singular com que vários jornalistas driblaram a censura.
O jornal O Rio Branco caracteriza-se por manifestar em
suas páginas a oscilação dos jogos de poder da política acreana. O
periódico surgiu no cenário da imprensa acreana apresentando uma
nova proposta jornalística pautada no mito da objetividade
jornalística. Por mais que no jornal O Rio Branco imperasse a linha
editorial vinculada à ideologia dominante, alguns jornalistas não
compactuavam com os cerceamentos impostos pelo regime militar.
O discurso jornalístico de linha oficial, apresentado pelo
jornal O Rio Branco, se institui através da positividade dos enunciados,
articulando-se de modo a construir uma imagem simpática dos
“donos do poder”, apresentando-os como “defensores da nação” e
da ordem pública, ao mesmo tempo em que se articula no sentido de
disseminar as práticas discursivas de exercício do poder, impondo
determinados procedimentos e silenciando os divergentes do poder
político dominante.
Uma outra estratégia usada pelo jornal O Rio Branco
consistiu na qualificação “negativa” dos opositores do regime militar,
109
Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

como o oposto dos líderes defensores do regime militar: o negativo, o


incerto, o inimigo, o outro, o mal. A partir desse procedimento,
pretendia-se incitar certas parcelas da população, para que reagissem
emotivamente contra certas idéias e certas atividades políticas.
Em meio ao sistema de cerceamentos de direitos e controle à
liberdade de expressão a imprensa alternativa surge desafiando o
poder estabelecido e denunciando as situações de opressão. Adotando
em sua linha editorial a defesa dos interesses de diversos grupos e
movimentos sociais, a imprensa alternativa do Acre, teve no jornal
Varadouro o espaço para debate de idéias, fazendo circular
informações que eram comumente silenciadas pela imprensa de linha
oficial.
Varadouro, “O Jornal das Selvas” como se auto-intitulava,
adotava uma linguagem combativa e projeto gráfico peculiar. A
proposta deste “nanico” era registrar as conseqüências da expansão
agropecuária no Acre, dando voz a índios, posseiros, seringueiros e
tantos outros excluídos socialmente. Era um jornal alternativo cuja
criatividade diferia dos demais pertencentes a esta categoria
produzidos no restante do Brasil, por manifestar em suas página um
“jeito acreano”, tanto do ponto de vista da linguagem quanto do
próprio projeto gráfico.
O sujeito apreendido no discurso é constituído socialmente,
portanto, o sujeito que fala também é parte constitutiva da
significação, o lugar que ocupa na sociedade diz tanto quanto suas
palavras. Assim, buscamos analisar o discurso em si, pois este é finito,
disciplinador, é preciso desconstruir o discurso dando voz aos que
estão às margens, indagando as circunstâncias em que foi produzido e
detectando não só o dito, mas principalmente, o silenciado.
Lembrando previamente que esse trabalho não esgota os
gestos de leitura nem as possibilidades de interpretação, esperamos
que as questões aqui levantadas contribuam para a compreensão de
traços que compõem essa teia repleta de emaranhados de redes de
poder, que se cruzam e entrecruzam chamada discurso jornalístico.

110
Ideologia e Poder

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Biblioteca da UFAC
Biblioteca Pública Estadual
CDIH da UFAC
Memorial dos Autonomistas
Museu da Borracha
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Ideologia e Poder

Sobre a Autora:

Maria Iracilda Gomes


Cavalcante Bonifácio – natural de
Tarauacá – Acre, é Licenciada em
Letras/Vernáculo; especialista em
Cultura, Natureza e Movimentos
Sociais na Amazônia. Atualmente
cursa Mestrado em Letras/UFAC.
Atua na rede pública estadual de
ensino como professora de Português
e no Seminário Teológico Kerigma,
em Rio Branco – Acre como
professora de Educação Cristã e de
Português. É autora de O Imaginário Social: estudo dos editoriais
nos Jornais de Rio Branco - século xx; Habitantes e Habitat;
Sonhos em BVA v.1 e v.2; além de diversos artigos publicados em
anais e congressos.

115
GRAF-SET
Fone/Fax: (68) 3226-2173 -Celular: 9974-2903
Rua Dourado nº 38 - Tangará - Estação Experimental
Rio Branco - Acre - Brasil
E-mail: graf-set@contilnet.com.br / grafset.ac@hotmail.com.br

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