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LIVRO II

POEMAS PROSCRITOS

1 O destino destas ruas cresce imperioso em minha alma/


Como um prédio demolido ao lado de uma praça vazia/
Posso abrir a porta de minha casa e encontrar a morte que me olha de
esguelha/
Açoitado pelo peso dos anos, devo me recolher e aguardar o fim.

O fim tão seco como este resto de vinho ingerido neste dia/
Em minha garganta atingida por um golpe de uma espada milenar/
O sangue que escorre nesta minha sina de estar a um passo do abismo/
As mãos e os pés atados e o olhar repleto de nada.

2 Há mais mentira nas palavras que deslizam/


Nas noites geladas e nos gestos imperceptíveis no que digo/
Quando o tempo se esquece de si mesmo em tempo algum/
Para longe onde não mais encontro paredes intransponíveis.

Palavras feitas de nada e escorregadias como o limo nas pedras/


Sem lugar no lugar de onde parecem não vir jamais/
No silêncio que devassa a explosão de frases soltas/
Para longe onde não mais encontro o meu rosto no escuro.

3-Eu nasci estragado como um bolo de festa,


Matéria inacabada, trecho de um livro esquecido na cabeceira de um morto.

Nasci no mês do cachorro louco


Demônio impertinente a torturar o sono dos homens de bem.

Nasci azia logo após o almoço


Hérnia de hiato, impossibilidade de se deitar de barriga para cima.

Nasci frio nas costas


Frio nos pés quase sempre inexplicável.

Eu nasci fruta apodrecida há dias na cesta de vime


Nasci verbo destruidor em chutar, cortar,morder,decepar.
Eu nasci adjetivo em lúgubre ,escuro,macabro e lancinante:

Nasci e nasci em bolo de festa estragado, vela de defunto no cemitério da


esquina/
Sinal de trânsito inoperante, valas entupidas pela chuva
Papéis amassados no chão.

Nasci rato morto no canto da cozinha imunda de um restaurante em obras


Tão minúsculo quanto toda e qualquer ponta de lápis,
Pedaço de borracha devorado por um cão faminto
Nuvem cinzenta e premonitória em tempestade e tão somente, nasci,
Sol causticante e impiedoso na sede do deserto do além.

4-Eu não tenho vontade de fazer coisa alguma


Meus atos estão todos entranhados no sumo de minha ausência.

Esta inércia de meus dias que me lacera em pouco a pouco:


Posso fechar os olhos e ouvir o silêncio das noites sem procura.

5Troco o nome das coisas


O seu jeito de ser por desejo de falar o que não devo.

Como no chão que é o lugar onde se come


Sento-me no peitoril da janela que é o lugar onde se toma banho de água fria
ou quente.

Gosto de fazer tudo ao contrário


De andar de costas e cuspir para dentro de mim aquela saliva sem gosto de
coisa alguma.

O meu peito tem o mesmo valor do que a sola de meus pés:


Esmagados os dois por um trem descarrilado no inferno.

6-Vento no rosto e nada mais neste dia qualquer


Ando por aí à procura de palavras distantes
Nada corre em mim como o desejo de um rio
Atravesso ruas inteiras sem procura em ninguém.
O dia é este de livros estirados pelo chão e nada mais/
Escrevo a ausência das coisas que em mim pulsa ensandecida/
O retrato na parede em sua solidão inviolável
Duas árvores que se entreolham no abandono de uma noite vazia.

7Eu vejo coisas escuras


O oculto manifesto em todo e qualquer gesto de silêncio
Minha alma que caminha na direção do que não é
Esgarçado nestas sombras o além que me arrebata.

O além que se agiganta quando me perco nas horas distantes


Entregue à própria sorte como uma nau ao sabor dos ventos
Já perdi a conta de quantas vezes me deixei como uma noite
Num tanto de palavras mortas que não abranda esta minha angústia vazia.

8O tempo não sorri e a terra treme em algum lugar.


Um trovão, um relampejar,um raio que parte uma árvore ao meio.

Da janela observo este início de catástrofe.


Um cachorro morto que me olha como se já houvéssemos sido
enterrados.

Gosto das tempestades e dos ventos imprevistos,


Do correr da chuva e dos olhos fechados em profundo silêncio:

O tempo não corre e a terra treme em algum lugar:

Nada mais resta em meu espírito que escurece.

9Gosto de coisas simples


Das coisas coisas como isto ou aquilo de que mal se tem idéia.

Gosto de imaginar o que não é


Gosto de sentar e sumir como se não fosse
De estar próximo à minha sombra num dia qualquer às tantas horas.
Gosto das trevas mais profundas e das luzes de uma amanhecer imprevisto:

Das coisas coisas em seu silêncio instigante:

Das coisas coisas em cadeira, mesa e copo vazio.

10Eu vivia sangrando por entre as ruas do além


E o absurdo me tragava como este mal em minhas entranhas
Minha garganta ardia quando tudo era como se não fosse
E eu falava como um cão morto nas esquinas desta minha angústia febril.

O infinito se abria à minha frente


E eu seguia pela noite como uma sombra sem lugar
Uma rajada de metralhadora dilacerava o meu âmago inquieto
Enquanto as paredes da memória desabavam sobre mim.

12Eu caminho como quem se esquece


Estou vento nas folhas das árvores seculares
As horas passam por mim quando estou só
Vejo pouco e ouço ainda menos sempre assim
Estes postes e becos em minha mente
Este tempo qualquer que me arrebata.

13-Acordo e durmo como um espírito morto


Nada resta em mim em tão somente ninguém
Já perdi completamente a noção do que digo
Palavras escuras tomaram-me a mente em surdina
Fui perdendo o tom ou o lugar onde nunca estive
À deriva com um barco vazio na solidão dos oceanos.

14Este é um poema qualquer


Um poema que corre com as pernas quebradas
Eu digo que há sangue neste poema que corre
Por aí como uma alma ensandecida
O poema qualquer que já saiu da gaveta
Percorridos os corredores do abandono e da vertigem em pouco a pouco
O poema qualquer longo e de pernas quebradas
Correndo por aí como se tivesse corpo
Uma cabeça e tronco e membros que se move silenciosa como a noite
Pelas ruas e avenidas que se espraiam em meu ninguém.

Eu digo que não sou nem mais nem menos do que este coisa alguma
Este pronome qualquer que invade as minhas horas de insônia
Estou para os dias escuros e as cavernas mais distantes nas quais peleja um
animal qualquer
O corpo estirado no chão frio e o sangue a escorrer de um ferimento profundo/
Palavras lúgubres que descrevem esta cena triste em desterro
E que gritam por aí estranguladas como estes versos derramados sem alarde/
Lá fora um dia inteiro se vai como as árvores seculares que se rendem à
podridão de sua história/
Um tanto de raízes mortas e no mais restos de um tronco marrom e o verde
das plantas agora parte de um chão agourento.

Este poema é o poema da perfídia


O poema que não sabe de nada e por isso range como as correntes do espírito/
À direita do todo o poderoso,
Este poema sem desejo algum a ignorar o que dizem as sagradas escrituras
Em nome de ninguém ele ocupa o lugar vazio ao lado de quem quer seja
Circulando por aí como uma palavra tonta no final do mundo.

Este é o poema qualquer


O poema mais ordinário do que este tanto de manteiga rançosa no prato
Um poema com gosto de pão doce com creme amarelado de nada
Um gosto qualquer de anilina e clorofórmio e pus sorvido como um desejo de
vinho/
À mesa todos sentam para deglutir as entranhas de um nédio porco
ensangüentado
Quando um parente distante morre no exato momento no qual todos estão a
erguer um brinde ao mesmo.

Esse é o poema que se arrasta


Por entre os pântanos onde a vida insiste em não mudar
Não há ruído algum que justifique a existência do que quer que seja
Nenhuma fala distante que possa angustiar ainda mais este meu olhar.
.

Este é poema qualquer


Que se arrasta como tudo aquilo que se arrasta
Que fere e corta e que adentra as vísceras dos mortos
O poema qualquer em qualquer um e nada mais
O poema que se estende até o final das coisas
O final do final do final e nada mais
O poema que se arrasta pelos corredores escuros das horas que se vão/

Este é o poema sem rosto que o justifique


Para longe de todas as coisas que se fazem ao desaparecer
E que quebram vidraças para dizer ao outros que nada são
E que abrem portas e janelas e que correm pelas ruas
Como o vento que sacode a morna existência destes dias sem cor.

14Para mim tudo é quando deixa de ser.

Nasci com esta inquietude na alma.


Sempre fechei os olhos para as palavras que sangravam em agonia.

Procuro o abandono originário dos antigos.


Aprecio o não saber o que faço quando assim o faço.

Meu lugar é qualquer um em qualquer um e nada mais:

Nada desejo onde e quando nada estou.

15Costumo rezar as orações de trás para frente/


Procuro os pontos vitais de meu corpo senil/
Acordo e durmo invertebrado como se não fosse/
Desafio a tal inércia das leis, não uso jamais o bom senso/
Vivo aprisionado por um felino desejo de sangue/
Rogo pragas contra todos os amuletos da sorte/
Posso agora ver o caos nos lábios da escuridão.

16Minha solidão dói, perfura e espeta e arranha e tanto mais.


Minha solidão estilete, faca, tesoura e punhal e tanto mais.
Espada na boca do estômago, morte, final,finalização,término:

Vísceras cuspidas num prato de um louco assassino

17Não há mais virtude em meu espírito/


Usurpo agora o nirvana dos sábios/
Quero agora o inusitado no chão/
Meus pensamentos têm gosto de areia molhada/
Há profundidades sem céus de horizontes invioláveis/
Escureço em pitch-black o quadro desta existência senil/
Porcos que chafurdam no interior suicida das palavras.

18Morro sem desejo de sombra


Sem espírito ou alma em onde ou qualquer/
Meu silêncio rasteja insano/
Fervo agora meus órgãos numa vasilha de plástico/
Penso em matar alguém centígrado/
Caminho por aí sem lado algum/
Engulo o suor e a urina em minha taça de vinho/
Caminho por aí sem lado algum
Eu tenho o jeito de um barco afundado.

19 Ao lado de um lugar qualquer


a vida não aconteceu:

Não houve celebração de qualquer tipo


Nenhum veículo chocou-se contra o poste
Um transeunte cansado de si mesmo não se atirou de um arranha-céu
Os raios não destruíram os telhados das casas
Ninguém falou ou escreveu o que quer que seja.

Ao lado de um lugar qualquer


a vida não aconteceu:

Um silêncio agonizante tomou conta das palavras.

20 O corpo silencia quando o fim sussurra sua maligna presença/


Faço as honras a um demônio que ri de meus desígnios de mortal/
Padeço como um qualquer em vias de encontrar a própria sombra/
Neste feixe de nuvens sangrentas que se esgarçam em perpétuo abandono.

21Minha voz que se procura


Que se agiganta num vale deserto em abandono
Minha voz que sangra e que morre na rouquidão dos cemitérios
Minha voz murmúrio, bar-bar, sussurro/
Minha voz que se procura, cretense,celta,fenícia/
Minha voz que agora ecoa num vale deserto qualquer.

22As palavras que agora surgem morrem aprisionadas no sentido.


Não há salvação alguma no que digo, este é o desejo de quem por vezes se
oculta em mim.

Indecifrável ressurjo em qualquer:


À deriva num dia chuvoso e rigorosamente triste.

23Furo este tanto de palavras com minhas mãos sanguinárias/


Desalojo falas ocultas e sentidos inertes quando me angustio/
Encontro-me insano em minhas ausências vez por outra/
Abro fendas agonizantes neste nada que se insinua/
Há túneis que se abrem no coração de almas mortas.

24 As horas caminham e o tempo me cansa


As rugas que tenho são rugas de sangue/
Eu derramo minha angústia em copos de vidro quebrados no escuro
Eu derramo minha angústia como um nada atirado nas sarjetas.

25Minha voz está sozinha no escuro


Eu canto como quem sofre em agonia
Já vivi tantas mortes que nem mais sei
A cor oculta deste sol qualquer na janela.

Minha voz está sozinha no escuro


Eu canto como quem se esquece no além
Já vivi tantas mortes que não mais posso
Ir de peito aberto até o fim do mundo.
26 Hoje meu corpo é um corpo gasto
Frio e sem sentido como meio cigarro aceso
Olho para o tempo que me venceu mais um pouco
Cabelos brancos e barba por fazer frente ao espelho/
Dizem que os sábios são assim como são:
Desapegados sem vontade de fogo na alma/
Eu digo que os sábios são assim como são:
Invioláveis no extremo de sangrar.

27Determinado inseto a tudo manuseia artesanal destreza:


Acerca a utilidade do calçado: pise-o.

Saiu-se à rua expectativa catástrofe hidrófoba vítima:


-Então perde a cena considerável conteúdo dramático.

Dizia-se talvez pudesse resistir até a manhã seguinte:

-A cadela evidentemente.

28Ousei tocar no ferimento dos Deuses por descuido:


Já precocemente havia me tornado impuro.

Algo em mim zunia como uma faca atirada contra uma árvore secular.

Pesadelos indescritíveis torturavam-me a mente tarde da noite.

Ousei tocar no ferimento dos Deuses por descuido:

Eu via o não visto na incerteza do além.

29Nasci com este algo na alma


Desde muito cedo passei a esvaziar palavras/
O silêncio inebriante manifestou-se em minhas veias indômitas/
Jamais pude encontrar o que procurava
Jamais estive a procurar o que encontrei.

30Meu corpo envelhecido dá as costas para mim/


Meu cérebro aguarda ordens que por certo jamais virão/
Meus dias agora se perdem numa náusea infinita/
Meu silêncio dilacera estes órgãos em pouco a pouco/
Minha insanidade fala agora a língua dos mortos/
Minha alma cede à dor que se encarrega de fazer as malas

31 Esta angústia qualquer me extingue


Torna-me menor do que já não mais sou/
Abro as portas da morte para não estar ninguém/
Caminho absorto por aí sem alma no escuro.

Esta angústia qualquer me dilacera


Lançando-me de um lado a outro em meu lugar que se desconhece
Preciso de um pouco mais de nada para me perder definitivamente
Neste olhar vazio e torpe que se refugia no além.

32
Há muito tempo atrás desapareci entregue à própria sorte.
Tornei-me ninguém na sombra de meu abandono.
Perdi as palavras que me devoraram numa batalha sanguinolenta.
O silêncio dos proscritos tomou minha alma sem lugar.

Estrangeiro não mais estive onde quer que fosse


Neste tempo qualquer que se vai como o vento das tempestades imprevistas
Enterrei este meu nome na imensidão de um deserto longínquo
Na face rigorosamente senil de toda matéria vã

33 Respiro fundo
Respiro fundo quando acordo bem cedo pela manhã.

Confúcio torna-se ainda mais óbvio


Krishna se cala e fecha os olhos
Maomé não vai à montanha
A montanha não mais vai a Maomé.

Respiro fundo,
Respiro fundo quando acordo bem cedo pela manhã.

Respiro fundo como se pudesse encontrar assim o fundo das coisas


Respiro a extrema falta de ar que faz com que meus brônquios agora se
desviem de mim/

Respiro fundo
Respiro
Respiro.

Respiro fundo quando acordo bem cedo pela manhã.

34 Como o nada com gosto de sede


Como a comida inerte nos shakras de meu corpo derrotado /
Beijo a boca de uma bacante qualquer com gosto de mostarda e nada mais/
Grito o escuro numa vulva que me envolve como um jardim de carne/
Cuspo vermelho o sangue de minha gana de morte vazia
De gozo e insano desejo como aquele que possa reter nas mãos o fim.

35 O frio em meus ossos em meus desejos de ninguém/


Dores e mais dores em meu corpo que fraqueja como um nada/
O frio em meus ossos em meus desejos de ninguém/
Sinto a presença da morte que me espreita em pouco a pouco/
O frio em meus ossos em meus desejos de ninguém/
Dores e mais dores em meu corpo que fraqueja como um nada/
O frio em meus ossos em meus desejos de ninguém/
O frio em meus ossos e no mais silêncio e sombra.

36
Não guardo mais em mim o dizer daquilo que se manifesta
Senão de algo que desconheço e que pulsa no além de muros intransponíveis.

Minhas palavras aqui estão na dança que as deteriora/


No brilho de uma efêmera miragem como se as águas estivessem a sentir sua
própria sede.

37 Não me lembro de quando morri pela última vez


Não mais sei quem em mim se foi como o vento da noite.

O ar que respiro me sufoca e é este que não vejo


Tudo agora se distancia de mim como uma nau sem rumo.
Estou enredado na teia das horas:
Como algo que por aqui passa e nada diz
38Meu vagar uma faca insone em abismo
No sangue que corre nas veias geladas do mais papável absurdo/
No nada de onde emergi insano por entre os corredores do desterro/
Estrangeiro sem rosto, um hostil que se manifesta no tilintar de copos vazios.

39 O restaurante de costume exibe o cardápio qualquer/


Sento e como e bebo/
Dirijo-me ao banheiro/
Sinto o cheiro de urina evadindo-se de minha alma/
Cuspo a ficção de meus dias inúteis/
Sento e como e bebo o sangue de minha estirpe homicida/
Dirijo-me ao garçom como de costume/
Perco-me em trivialidades de ocasião/
Minha boca se enche de patê importado/
O crack das torradas sublima o tédio de minha alma senil/
Por entre os buracos de um queijo holandês finco a bandeira de meu exílio.

40Eu tenho o calor que assola o meu corpo.


Eu tenho febre de interiores,tosse, mal-estar e cansaço e tanto mais.

-Nasci para a morte diária como uma guerra a cada instante:

Explodir,Implodir
Implodir,Explodir:

Ter uma granada em cada mão quando do fim.

41 Nasço e morro como um qualquer que se vai


Filho da indigência e do abandono dos antigos
A mente vazia no abismo inviolável do tempo
Estou ninguém onde não mais escuto o som do meu silêncio.

42Eu tenho um jeito de morrer que é só meu.


Nada em mim é semelhante ao que quer que seja.

O jeito de tomar chá com torradas


O jeito qualquer de usar os talheres
O jeito de tocar no indizível das palavras
Este jeito de coisa alguma que é só meu e de mais ninguém.

O jeito de se deitar e de fechar os olhos


De falar com os mortos como um fantasma aflito
O jeito de abrir as janelas e portas do além
De respirar intensamente o abandono destas horas em vertigem

43-A solidão me lacera no escuro deste quarto


Eu sangro a incerteza de um dia frio e cinzento
A morte invade minha alma em pouco a pouco
E eu me perco no abandono de ruas e becos no além.

As horas me perseguem mutilando meu espírito inclemente


Um deserto agora se abre no silêncio de templos distantes
Posso ouvir o inaudível quando o nada adentra minhas veias senis
Para longe de meu longe no lugar algum em ninguém.

44- Vejo mortos que se escondem


Na memória do insondável
Estou sempre a andar de costas
Procuro-me incessantemente onde não me vejo
Esbarro na indiferença do infinito
Minhas mãos sujas de sangue
Estou cheio de buracos e fendas impenetráveis
Palavras que se dispersam no deserto da sevícia
Estes mortos que agora se escondem
Para longe como um sopro do amanhã.

45Encontro vez por outra o fim


Trago a vida que não vejo como quem morre
Falo e sou ouvido em meu abandono
Atiro pedras no rio quando escorro como o sangue dos proscritos

Eu corro de um lado a outro como um louco suicida


Minha mente insana agora vacila no escuro
Amanhã deverei encontrar o silêncio das coisas mortas
Sem alarde como quem guarda um segredo antigo.

46 Escorro como as águas que não vejo


Palavras distantes maceram minha mente atormentada
Piso no chão como se tivesse asas
Imagens de coisas mortas inundam minha alma de sangue

47Procuro o que não diz o tempo


Acordo e durmo nos calabouços de minha angústia
Hoje desejo ter as mãos cortadas por um louco
Hoje desejo ser vendido como um naco de carne qualquer.

Estou próximo ao sumo que se desprende das palavras


Sentidos ocultos espocam no interior de meu ninguém.
Minha alma circula por aí como se nada fosse
Minha alma que se procura no vazio da hora insana.

48Não sei mais dizer o que digo


O lugar de meu desejo está perdido num corredor escuro
Encontrei a indiferença das palavras no além
Que me arrebata como se eu agora pouco fosse.

Minha alma se arrasta pelos corredores do acaso


E assim me desconheço como se não mais tivesse rosto
E assim minha mente escorre como as águas de um turvo rio
Longe de meu longe no torpor de um dia sem mácula.

49 0 O tempo da poesia é nenhum:

Palavras vêm e vão e jamais permanecem


Vislumbram assim o infinito escondendo num recanto qualquer
Cortam impiedosamente a alma em instigante precisão
Gritam e se ressentem e dizem aos outros que morreram.

O tempo da poesia é nenhum:


Nada mais do que horas de ócio numa lua distante/
Dia após dia no frio de uma fria noite
Frases esquecidas na gaveta
Conjugações de verbos impossíveis
Sujeitos inexistentes, pronomes quase sempre indefinidos,

Universos eu se dissipam frente ao espelho indiferente.

O tempo da poesia é nenhum.

50 Escrevo este poema que abre minhas veias


Que me sufoca e me dilacera neste dia triste
Sem mais delongas morro de frio na mais distante geleira
Abandonado à própria sorte como um paria indesejável.

Meu nome agora é ninguém em tudo aquilo que se perde


Nos fracassos mais irrelevantes como não ser capaz de abrir uma janela
A insignificância das coisas cresce em mim como as árvores do além
Gosto de fruta apodrecida na boca que executa movimentos vãos.

51 O vento se oculta em minhas palavras:


Por isso este estigma vazio no que digo.

O sangue escorre verso a verso como uma faca enterrada em meu peito:
É preciso ser simples para navegar nas escuras águas do desterro.

Procuro incessantemente os lugares em meu esquecimento.


A mudez das coisas devassa a quietude de meu silêncio.

Envelheço um pouco mais ao ver as águas que se vão indiferentes.

Longe de mim ninguém acena à distância.

52 À noite quando todos dormem


Procuro um lugar sem lugar
Para fechar as cortinas
Para fugir e não mais ser
Nem mesmo qualquer coisa alguma.

Eu conto as estrelas sozinhas


E deixo que as horas assim passem
Calado e tão triste procuro o além
Nas águas do tempo em meu abandono.

À noite quando todos dormem


Procuro um lugar sem lugar
À noite quando todos se esquecem
Posso ouvir e calar e não ser.

53 Eu ando de costas e de olhos fechados


As coisas perdem o sentido sem fome de ser
Tão livre agora transito por lugares distantes
Nas palavras que não mais se movem em minha solidão de areia.

Ondas gigantescas agora quebram na praia distante


Trazendo presságios na espuma que chicoteia meus pés
Eu ando de costas e de olhos fechados
Como as coisas nas coisas sem muito a dizer.

54 Quero escolher um ponto


Terminar de vez com este período
Meu pensamento que escorre descarrilado
Esbarrando nas reticências de ocasião
Impossível assim prever
O final das coisas em mim
Para sempre em tudo que se desfaz
Do que digo em sã inconsciência
Para sempre suspenso no ar
Como os olhos de um morto estrangulado.

55 Canção maldita

As horas que encerram


Este dia vazio
Num canto da vida
Onde não há mais ninguém
Tão sozinho escrevo
Esta canção maldita
Minha alma de pedra
Que se perde como a noite.

Em meu peito sangro


A hora da morte no silêncio
E no canto dentre os cantos
As sombras me possuem devagar
Estou feito de nada tal qual este vento
Devassado o instante na febre dos loucos.

As horas que encerram


Este dia qualquer
No canto onde não vejo
Nem mais o que resta de mim
Esta canção maldita
Que abre os olhos dos mortos
Enterrados em seu abandono
Para longe como um amanhã.

56 Estico minhas bambas pernas até o Estreito de Gibraltar/


Ergo um brinde ao falecido como uma viúva que perdeu o chão/
Estou devidamente esclerosado ao dançar a chuva num dia de sol/
Vou de carro até o fim do mundo nos subterrâneos de minha alma
Cuspo o extremo de minha sandice ao ouvir as águas do escuro rio.

57 Preciso deixar de ser por alguns dias


Para ver através transfigurado num olhar distante
O pensamento há de singrar as águas deste meu desterro
Onde lá estarei inviolável como uma sombra.

Preciso deixar de ser por alguns dias


Recusar indiferente tudo que esteja à minha volta
Para ver através transfigurado para além das vertigens
Onde lá estarei inviolável como uma sombra.

58 A pausa mesma não é o instante/


Imerso que está na suspensão irremediável do fora/
Onde e quando as estranhezas encontram o vazio da noite/
E a escuridão se revela no susto que aproxima os mortos.

59 .A casa tosca em madeira de lei


Os dias iguais um após outro/
O não encontrar em si mesmo quilômetros de terra cultivável/
O corpo flácido por sobre a cama/
Um cão doméstico para as horas de extremo ócio/
Uma garrafa de whisky para as horas de extrema angústia/
Uma semi-automática caso a morte assim chegasse/
Uma tonelada de ferro bruto e cem mil quilos de cimento branco.

60 Não tenho em mim sina alguma


Nem mais nem menos do que não sou em lugar algum.

Os nomes das coisas assim partiram


Minha mente à deriva como alguém de passagem no infinito.

Um buraco qualquer tomou conta de minha alma:


Passei a não mais fazer o que todos fazem.

As sombras se agigantam quando os dias parecem não ser o que são:

Assim como uma árvore que nunca foi uma raiz.

61 Morro sufocado com as veias abertas


Ao lado de um louco lentamente como se nada mais fosse
Posso sentir o peso das palavras evadindo-se de meu corpo
Eu agora me esqueço em nada mais existe para mim.

Eu agora esqueço de meu corpo


De veias e pulsos e artérias como as águas de um rio que se vão
Morro sufocado com a alma despida no abandono do tempo
Eu agora procuro onde meus olhos começaram.

62 Não suporto mais interrogar/


Ter talvez em minha angústia este desejo indomável de procura/
Não suporto mais o vazio deste ou daquele sinal gráfico/
Deste ponto parágrafo sem rumos cabalísticos/
Destas linhas sem a premonição de um velho cigano.

Não suporto mais o interrogar e interrogar/


Destituir talvez o sentido de si mesmo até que o nada sopre a ausência de sua
forma/
Não suporto mais estas tantas imagens ordinárias/
Estas frases que me dizem que o que é está ali.

63 Procuro palavras que nada dizem


Procuro cores inertes no invisível de perfis milenares/
Procuro o insondável nas masmorras do além
Procuro o silêncio originário que arrebata as incertezas/
Procuro este termo sujo para extirpar os demais em abandono/
Todas as falas mortas em doses intangíveis de angústia.

64 No princípio havia entre o céu e a terra um entremeio de brumas.


Duas entidades embriagadas destruíram este entremeio transformando-o em
sólidas rochas à imagem de si mesmas.

Uma avalanche imprevista trouxe a flora, a fauna e tudo mais.

No princípio não havia ainda a viscosidade asfixiante do self:

As metades proscritas fluíam absortas na inconsciência da perda, no princípio.

65 Abraço árvores, penetro-lhes a mudez vez por outra/


Ando descalço pelas ruas desta cidade,
Encarno a aspereza do chão em meu espírito atormentado/
Urino nos postes, defeco em latas vazias próximas ao fim do mundo/
Distorço fatos, especulações as mais diversas,
Ressurjo metamorfoseado sem lugar em qualquer/
Richard, Jonathan, o rei deposto que teve o corpo decapitado em praça pública
numa manhã cinzenta,
Abraço árvores, penetro-lhes a mudez vez por outra,
Abraço árvores,

O tempo, a história, o nada.


66 Aproximo-me de coisas que nada dizem/
Insinuo-me por entre o entre os sentidos desfeitos.

Nada vejo quando estou escuro:


Impossibilitado em todas as nuances do acaso.

Nada vejo quando estou escuro:

Escuro, vazio,qualquer,ninguém.

67
O sol é hoje o poema que me faz sofrer mais um pouco.
O amarelo que ofusca os olhos, brilhantes, jóias raras e coisas afins.

O sol é hoje o poema que vasculha minhas entranhas sanguinárias


O sol hoje este mal-estar perene e sufocante
O sol hoje um tanto mais implacável nas rachaduras de minha pele
envelhecida/
O sol hoje sol e chama e angústia e dor.

68 Um pássaro de anis ultrapassa o infinito em vertigem


O interior do entre-pensamentos onde a razão malogra em desatino/
Cem mil palavras agora chacoalham o além na incerteza do nenhum/
Em todas as chamas furtivas que devassam as escuridões em febre.

69 Sempre tenho pouco a dizer quando o faço.


O silêncio das sombras está em mim desde minha morte.

Aprendo diariamente a não ver.


Padeço deste mal que corre em minhas veias.

Estou sempre próximo ao lugar algum.

Meu desterro em minha alma que se ausenta por motivo ignorado.

As estrelas que estão logo ali,


Como a terra bem debaixo de meus pés.

Sempre tenho pouco a dizer quando o faço:


Cada vez mais distante como uma palavra vazia.

70 Minha alma está morta


Nada em mim agora sangra
Estou feito de pedra e areia
O sol agora me dilacera em carne viva
Não tenho desejo algum em nada sou
Nem mais nem menos do que estas palavras que escorrem
O vento as atira no interior desta minha ausência sufocante
Feito de pedra e areia e coisa alguma definho
Como ninguém em ninguém em qualquer sem lugar.

71 As palavras aqui estão a falar como os mortos/


Como os pesadelos que se arrastam num corredor escuro/
Perco o chão ao devassar escuridões repletas de nada/
Meu nome esquecido em qualquer lugar como se não fosse/
Posso abrir portas e janelas no assombro de horas vazias/
E perguntar ao vento o que não deverá ser respondido/
Os séculos ocultam o que jamais vi/
E assim agora caminho na vertigem de minha sombra esquecida.

72 Eu me afogo como qualquer um que se vai


Cansado da vida como um copo vazio numa mesa empenada.
Nada sou além do que estes pratos sujos e gordurosos espalhados na cozinha:
Nem mais nem menos do que este rato vil que derruba as embalagens de leite
azedo na lixeira.

Estou restos de comida no estômago de quem quer que seja,


No hálito suspeito de um cidadão envenenado por um rival qualquer.

Tenho as veias cortadas e agora me esqueço num encontro canino com a


morte:

Eu agora devoro a premência de meu desterro.

73 Estou agora mais comestível em quatro queijos mofados/


Degluto em minha insanidade as entranhas de animais mortos/
Refogue bem, junte tudo numa panela de aço inoxidável,
Passe a manteiga por sobre o nada em silêncio
Mexa bem até que a dor se alastre
Bata tudo logo após, esprema o que restou para que o pus então ressurja/
Mexa bem, bata tudo logo após,
Deixe que o sangue escorra por entre suas veias até o inferno.

74 Desconheço tudo aquilo que pulsa em minhas veias


Palavras distantes laceram-me a alma nesta tarde vazia
Frente à clareira que se abre quando o tempo me arrebata
Esquecido na distância entre os nomes e as coisas.

Não devo mais ludibriar os meus olhos


E dizer simplesmente que isto é o que é
Já não vejo mais como antes e agora tudo em mim arde
Como as chamas do insondável em minha alma desnuda

75.Longe de meu longe passo a não ser ninguém


Aprisionado pelo tempo que escapa de minhas mãos vazias
Estou vento nas imagens que se dissipam como uma noite qualquer
Cão dentre os cães à porta do inferno como um susto
Próximo ao final dos tempos, longe de meu longe em ninguém.

.Os olhos fechados em compasso de espera


Para ver no escuro é preciso estar só
O silêncio nos convida como se ninguém o fizesse
Uma terra distante é sempre aquela que transcende o amanhã
A premência das coisas desvanece quando quem não mais se pergunta/
Acerca do nada que devassa o abandono do além.

Ode Frugal

Para morrer consiga uma receita de bolo


De fácil execução no forno a tantos graus
Uma vida qualquer não vale mais do que um roast beef com batatas
coradas,
Uma vida qualquer que não se preze tanto quanto dois quilos de
chouriço fresco.

Para morrer faça o bolo e coma-o com sorvete de creme após o último jantar/
Na sua própria casa ou na de quem quer que seja/

Tranque-se no quarto e corte os pulsos de forma serena e suave:


Deixe que o sangue flua lentamente para regozijo de seu imperador.

Sua boca é mais do que aparenta ser


Através da mesma a vida mastigada toma o corpo de uma besta
Tua sina de espécie é sempre aquela que deveria ser
Tua boca que engole estes seus restos únicos de mortal.

O alimento que ingeres é este sem alma que te assola


Diariamente como se o mesmo estivesse a te falar ao pé do ouvido
O gosto de molho inglês em sua verve suicida
Doce ou salgada em muito além de um estado a outro.

Morte de coisa morta como uma frigideira repleta de óleo de cozinha


Impróprio para o consumo com gosto de três dias atrás
Com o gosto dos dias nos quais tudo perde a razão de ser
Como um prato de comida de hospital que foi então servido
A sensação de fome que se vai, pois o nojo é sempre quase maior
Quando se está assim com o espírito preso no calabouço de uma hora fatídica

Sena bona est ou a janta é boa em latim


Tanto quanto assim seja este tanto de coisa alguma em seu estômago
Mastigue lentamente aquilo que se apresenta como tal
Coma e coma ainda mais como um ninguém no restaurante do inferno
O inferno que está aqui dia após dia nas chamas que te devoram
Como um incêndio que domina os cômodos de tua casa em poucos minutos
Vamos grelhar o peixe e comer os olhos do mesmo para que não possamos
mais ver
O que resta de nós mesmos quando estamos de barriga cheia logo após a missa
de domingo.
O mundo não vale mais do que dois quilos de presunto alemão
O cheiro de mortadela equivale ao cheiro de suas axilas após a faina diária
Tornemo-nos agora assépticos na insana alvura de um banheiro apolíneo
De preciso acabamento como se nada nesta vida pudesse simplesmente
desabar.

Do banheiro passemos para a também asséptica cozinha


Os alimentos enjaulados nas tais vasilhas de plástico reforçadas
Comer significa agora engolir
Um cubo de gelo como se fosse o único aperitivo presente no mercado.

O mercado onde as frutas devem ser compradas


E lavadas pelas mãos homicidas de um louco
Os demônios hão de sorrir nas embalagens coloridas de biscoito
Deveremos perecer com cheiro de detergente e de verduras frescas.

As garrafas de refrigerantes lá estarão alinhadas como um exército


Prestes a cair no chão devido à falência múltipla de órgãos distantes
Os produtos de limpeza vão destruir o que resta das almas nesta hora
Para morrer aqui como um tanto de leite condensado na garganta de um
monstro.

Os frigoríficos hão de preservar por alguns dias


O tanto de queijo e de lingüiça e de salsicha nas entranhas dos homens de
bem/
Estaremos assim no interior de animais nédios abatidos
Banhados de sangue como quem bebe um copo de vinho tinto
O vinho que escorre nas veias sedentárias de quem não mais vai
De um lugar a outro sem saber se realmente foi.

Do supermercado passemos para um cômodo qualquer


O carpete que atormenta todos os alérgicos de ocasião
Tome banho e utilize a toalha repleta de ácaro
O mundo das coceiras enquanto alguém reclama em seu ouvido.

Tome então uma faca nas mãos


E aponte esta mesma faca para quem quer que seja o que aparenta ser
Para cortar a melancia é mister que as coisas estejam de mal a pior
Que a carne esteja disposta desta ou daquela maneira
Que a mesma custe a descongelar
E que todos à sua volta dependam da sua boa vontade quanto a isto.

O mundo não vale mais do que uma palavra recheada


Com bacon de segunda e com um tanto de queijo branco
Esta palavra que agoniza no estômago de seus iguais
Como os testículos de um boi servido à moda antiga.

O boi que se encaminha lentamente para o fim


A expressão triste daqueles que sabem que chegou a hora
Adquira um novo relógio de pulso e observe atentamente a morte
Do tal boi gordo bem à sua frente onde quer que esteja.

Dirija um carro em alta velocidade


Atropele um boi no meio da estrada
Observe os curiosos que avançam sobre o mesmo
Levando o que sobrou daquele tanto de coisa alguma.

Quando mastigar qualquer coisa lembre-se de tal fato


Encontre sua verve carnívora em todos aqueles que se foram
Pise no coração da catástrofe como quem pisa no chão
Nas entranhas infinitas do acaso que bate à sua porta.

Para morrer consiga uma receita qualquer


De bolo, de torta salgada na esquina do final do mundo
A vida não vale mais do que dois quilos de coisa alguma
O peso das coisas a de correr como o sangue
Por entre as veias de espíritos aprisionados como a noite

Para morrer bata e esprema tudo no liquidificador


Ou processe o que resta de teus restos na bancada da pia
Limpe e suje novamente a tábua de carne
Refogue,soque e amasse tudo que assim esteja como estiver.
77 Há quietude em minha busca de sentidos outros
Palavras guardam o peso dos séculos.
Minha mente sucumbe vez por outra quando desfaleço
Minha alma se desconhece na paragem de falas vivas
Estou com as vísceras expostas no calor sufocante dos trópicos
Tudo em mim agora arde e queima e lacera.

78Os homens estão para os porcos


Que comem insetos mortos nas ruas cinzentas que não levitam
Que são ruas com braços que se alongam como noites afugentadas
Que se erguem como postes onde cristos sacrificados se misturam aos fios
elétricos
Que meditam no deserto de sua destruição constituída
Que se desprendem de si mesmos como nuvens carregadas de sangue pisado
Que estão sempre para os insetos mortos nas cidades vitimadas pela catástrofe
Que estão para os porcos e insetos e nuvens e noites e sangue.

HABLANDO COM LOS MUERTOS.

I As palavras nada dizem sempre mortas.

As mortes infinitamente vitais para que tudo não seja o que é.

Devo usar o improvável para dizer o inútil das coisas.

Este buraco onde a alma se deixa enterrar como um ninguém.

II Estive oco de sangrias escorrendo por aí.


Passei sem mim muitas vezes.

Ouvia as sombras que me diziam coisas estranhas:

O meu tempo dizimado nas palavras do além.

III Havia muita coisa que surgia fora de seus olhos.Tudo escapa agora mesmo
de suas mãos.
Este vício de procurar incertezas vem desde de muito cedo.Foi como se a
sensação de nascimento e morte já estivesse a correr em seu sangue desde as
mais remotas eras.
Tantas coisas se passam entre um calafrio e outro nas tórridas ou gélidas
noites de pensamentos que correm para todos os lados.
A solidão, a mais instigante manifestação dos antigos na angústia que
roça o inominável das coisas.
Esta estranheza de se estar assim, neste precário equilíbrio daqueles que
margeiam o inferno expelido em gotas de suor nas sarjetas do insondável.

Houve uma vez na qual entrei sem corpo no nenhum.Nada pude ver além do
que não via:

Estava a escorrer como tudo aquilo que se vai.

IV Passei a viver mais quando esqueci de olhar ao redor:

Quando pude abrir o espírito à natureza errante do cosmos.

V Há um nada que me arrasta para fora.

Meus olhos combalidos e repletos de sangue.

Bebo vinho com fantasmas que sorriem quando a morte vem:

Falo o interior do entre pensamentos que devoram minhas vísceras insones.


VI Minto para estar aqui como uma rajada de vento:
O sol que atinge meu rosto em dia qualquer às tantas horas.

79 Há muito tempo deixar de saber o que fazia/


Tudo assim desabava como alguém que esquece a chave de casa/
Palavras ocultas me empurravam como um barco à deriva/
Não mais tinha em mim os grilhões sufocantes do tempo qualquer/
Meu nome deixou de existir como quem queima papéis antigos/
Como os números de um velho chassi na garagem secular/
Devo arrumar as malas e partir sempre com a alma torta/
Ao lado de um fantasma amigo para mudar de rosto e não mais ser/
O mesmo tanto de coisa alguma numa vida ordinária neste antro/
Neste mesmo quarto exíguo onde penso morrer um dia.

80 O silêncio não mais me devora


Agora o oceano pode ouvir o que não mais digo.
O calor que emana das rochas agora encontra as chamas de minha dor.

Sofro mais quando as ondas quebram resolutas..

Nenhuma palavra pode descrever aquilo que não mais é.

O vento e a brisa deste dia no qual estou coisa alguma:

Um grão de areia na vastidão dos oceanos.

81Não ser é mais e menos do que qualquer coisa


Uma porta fechada quando queremos entrar de qualquer maneira.
Do outro lado nada mais nos espera ou tão somente,

Isto que é ele mesmo ou isto que é o que é.

Inexpugnável o muro que segrega as palavras dos homens.

Não ser é mais e menos do que qualquer coisa:

Como o som de uma cigarra morta num verão tardio.


82 Passava das onze e o relógio dormia
Os ponteiros inertes já não se moviam quando mortos
Os cômodos tristes daquela casa abandonada
Um fantasma inquieto por entre os roedores no porão.

Um vento gelado circulava por ali


Contando aos outros sobre aquele passado inextinguível
Tantos anos de sevícia nos copos e pratos quebrados na cozinha
O cheiro fétido da urina e das fezes a encher as narinas de dor.

Os vãos sentidos estirados no centro da sala sem mobília


Trazendo ao mundo este indecifrável que corre nas veias
Destas almas vãs perdidas no longe de si mesmas
Entregues à própria sorte como um oceano vazio.

83Passo pelas coisas como se não fosse/


Passo por aí como quem compra cigarros na esquina/
Eu conjugo verbos estranhos quando estou assim
Deste jeito em jeito algum sem reflexo no espelho
Sem muita coisa no bolso em chave e isqueiro e carteira/
Passando por aí como quem caminha ao longo da praia/
À beira do abismo nas ondas que me arremessam contra o nada.

Passo pelas coisas como se não fosse


Nem mais nem menos do que tudo aquilo que é e que não é
Passo por aí como um rio que corre em minha alma atormentada
Como um carro desgovernado numa avenida fantasma/
Por entre luzes que iluminam o além dos becos escuros
Como um roedor a fuçar as latas de lixo nas sarjetas.

Passo pelas coisas inanimado como as coisas


Passo por aí em cadeira e mesa e estante
Estendo os braços e as pernas transfigurados em madeira
Tão resistentes quanto estas vãs palavras que martelam esta ausência
Passo pelas coisas inflexível como as rochas
Meus membros deformados pela total falta de movimentos banais
Passo pelas coisas inanimado como se não fosse
Em mim tudo se agiganta como as sombras desta tarde

84Preciso ir ou morrer ou partir como quem morre


Partir ou ir como quem vai a lugar algum.
Preciso estar como estou em ir ou morrer ou partir.
Preciso morrer como quem morre e assim permanece
Deste jeito em jeito qualquer de coisa morta
Nestas palavras que dizem o além que se oferece
Como uma refeição matinal em minha alma faminta.

Preciso ir ou morrer ou partir ainda mais distante


Partir ou ir ou morrer como quem morre em qualquer lugar
Ir ou partir como quem vai a lugar algum
Ausente de si mesmo no lugar sem lugar onde então me desconheço
Suspenso ao ignorar tudo que esteja à minha volta
Ir ou partir e morrer e tanto mais preciso
Preciso ir ou morrer ou partir em tudo que se furta de si mesmo
Partir ou ir ou morrer e ir ou morrer e partir e tanto mais.

86 Já mais me submeti à vontade de um Deus qualquer.


Estive sempre próximo à rudeza de palavras que me banhavam de sangue no
escuro.
Nunca fui abençoado por quem quer que seja.
Pesadelos intermitentes me lançavam para a margem das coisas.

Há muito tempo atrás ousei olhar para o sol demoradamente.

Foi assim que aprendi a não mais ver.

87 Pequena ode ao final das coisas.

Eu não sei dizer o que digo


Para fora neste meu olhar convertido em errante consciência
Estou próximo a tudo aquilo que está fora
Todos os mornos sentidos mergulhados numa vasilha
Para mim nada mais agora existe
A não ser este buraco que me assola como se eu não mais fosse.

Digam que o mundo é o que é


Que as coisas tendem a um fim
Que elas se perdem no indeterminado,talvez,.talvez,

Mas eu digo que o mundo não vale um só minuto de pensamento


E que o pensamento está morto em meu desejo de não ser ninguém.

Eu agora corto meus pulsos com uma faca de cozinha


E sei que não mais estarei aqui a contar a passagem das horas
Gosto do fluxo deste sangue que escorre
Pelo chão qualquer até chegar ao ralo próximo à porta
Gosto do cheiro insuportável deste ralo
De onde as baratas deverão sair à noite em busca de comida.

Meu ser que agora não existe se alimenta de nada


Deste nada que me atormenta como um dia cinzento e chuvoso
Faz muito tempo que não ando por aí à procura de meu rosto
Como um corte na garganta de um animal acuado no inferno.

Eu não sei dizer o que digo


Só sei que digo ao dizer coisas que me sobrevém como um susto
O susto de se estar assim entre o entre das coisas que não são
Nem mesmo ou sequer coisa alguma.

O caos é a fonte da qual retiro o que em mim sangra


As formas e imagens que me esbofeteiam como se eu ninguém fosse
Os ventos do além que chacoalham a quietude deste tempo
Prestes a morrer de asfixia como um tanto de palavras vazias.

88Ouço o bater da chuva na vidraça


As plantas suportam a ira do Deus dos Ventos
Nada se criou a partir do alto
Os princípios eram mesmo inexpugnáveis.

As cores se rebelavam num estado de coisas movediço:

A ordem trouxe a desgraça ao macerar as palavras com um si mesmo.


Nada poderia ser mais como antes.

Ouço agora a chuva na vidraça:

Todos os sentidos esgarçados pelo tempo.

88 Escorro a inconsciência no tempo dos algozes/


Calafrios malignos roçam meu âmago em espirais de fogo/
Procuro insinuações que me desterrem em qualquer/
Lagos, rios e oceanos que escorram como o sangue dos proscritos.

89 Nasci para dizer inverdades


Filho bastardo da desordem e do caos à minha volta
Nasci para desracionalizar os números em mergulhos suicidas
Descoordenar períodos, rugir o interior das palavras escuras
Aspirar num dia frio o pé de pé e o pão de pão
Sibilar como todas as cobras venenosas num deserto distante
Nasci para dificultar a saída de ar em Trovejar
Claudicante
Trafegar.

Nasci para conjugar o verbo morrer


Para ignorar as interjeições em minha dor ordinária
Nasci como tudo aquilo que nasce e que cresce e que se vai
Nasci indicativo para me esquecer imperfeito como um pretérito.

Nasci para sofrer adjetivo


Cansado nesta qualidade de nada que me arrasta para o fundo
Triste agora me esqueço no interior de uma caixa vazia
Sem vida no silêncio da noite que me desnuda em ninguém.

Nasci para dizer inverdades


Como um cego que a tudo vê
Para ouvir infinitivo o que não ouço
E falar como um louco que mal sabe
A que horas sua mente vai ruir

90 A vida agora se esquece numa rua morta


Estou só nesta tarde em minha fome de palavras vazias
Nada mais espero nestas horas nas quais me desencontro
A mente fria como o gelo em meus insanos desejos.

A vida agora se esquece numa rua infinita


Casas e prédios vazios se curvam à presença do vento
Posso abrir portas e janelas e esbarrar em fantasmas distantes
Ninguém em mim há de encontrar o que procura.

91Eu tenho em mim o desejo de palavras arredias.


Gosto de tudo que se furta como que atingido por um soco
Caio no chão toda vez que nada digo:
Uma calçada numa rua centenária há de me revelar o inusitado.

O que dizem os postes na sua mudez eletrizante


Nos fios que os devassam usurpando a quietude num dia chuvoso
Dos fios deve-se retirar a faísca vital
Aquela que incitará a quebra de mais uma liga metálica.

As luzes de mercúrio agora disparam contra a placidez desta noite


E desvelam o além das sombras que nada dizem em sim mesmas
Já não sei andar pelas ruas de qualquer grande cidade
Sem rasgar a verve mentirosa deste tempo vazio.

Eu tenho em mim o gosto de palavras arredias


O gosto de coisa morta como se fosse um não fosse por aí
Caio num buraco toda vez que nada digo:
Próximo aos roedores nos becos onde encontro este meu ninguém.

92 Para passar por aqui vez por outra


Não é preciso fazer quase nada
Pode-se optar por um descanso na rede
No chão fresco de uma casa à beira de uma praia
No aconchegante quarto de uma serra qualquer
No quarto
Na sala
Ou até mesmo no banheiro.

Para encontrar o tom


Que vai te fazer sofrer ainda mais
Não é preciso ser músico
Muito menos saber inventar melodias
Nem muito menos dormir
Nem muito menos estar acordado
Nem muito menos em estado de vigília permanente.

Para além da insônia e do sono profundo


A dor se perde agora em sua infinidade
Dura como a rocha e tão volátil quanto a mais abstrata angústia
Intransponível como uma parede de hospício
Tão infinitamente lúgubre quanto uma palavra morta..

93 Eu canto o que não existe


Palavras mudas arrancam insones o que resta de mim.
Devoro o tanto de comida fria
No prato que pertenceu a um morto
Tudo passa por aqui como uma sombra
Que me leva para longe em seu longe
Por vezes transformado em fumaça
Nas ruas e cidades do além.

94 Eu acordo como uma palavra suja


Suja de sujo como um pano de prato
Na gordura qualquer na palavra entranhada
Em todas as nédias mãos que seguram o tanto de comida na pia.

Eu procuro o interior do que não vejo


Na palavra invisível encontro o refúgio que me permite não ser
Nem mais nem menos do que este ar que respiro
Esbranquiçado como um copo descartável na lixeira.

Eu procuro uma palavra suja que ecoe


Dentro de mim antes que algo então aconteça
Uma voz qualquer que diga o não dito
Longe de todas as portas que se abrem no além.

95 Eu não tenho mais ninguém em mim


No frio desta fria noite que me lacera por inteiro
O ar sufocante arranca o que resta de meus dias
E pouco vejo neste sopro inerte de palavras tontas.

Nomeio aquilo que me desnorteia


Como alguém que vasculha a escuridão infinita
Para longe como um traste que definha solitário
No silêncio desta caixa vazia que se abre como um nada

96 Deixo que tudo se vá


Como uma receita de bolo que não deu certo
Já me tornei sombra com jeito de escuridão
Nas calçadas da vida descobri os esgotos
Já fui poste ou emaranhado de fios elétricos
Nada mais vejo nos sinais de trânsito inoperantes
Em mim vidros estilhaçados, balas,feridos e mortos.

Deixo que tudo se perca


Nos becos ou nas esquinas onde me fechei como a porta de uma loja de
ferramentas
O acidente que culminou com a explosão do posto
O tanque cheio minutos antes de tudo ir pelos ares
Abra o sanduíche a coloque a tal mostarda de boa qualidade
Para comer nossas chamas interiores vez por outra no além

Já fui asfalto mal conservado


Faixa para pedestres repleta de fezes de cachorro
Um buraco na rua que destruiu
A suspensão do carro daquele senhor que enfartou
Ao saber que sua mulher o estava a trair friamente
Com seu filho na casa de um parente qualquer.

Já fui este verbo ser tantas outras vezes


E nunca me perdi sufocado na esfera de tudo que é
Já fui este tanto de água parada nas poças imundas
Este cartaz do tipo: Não aceitamos cheques
Já me tornei nome de restaurante
Já me tornei nome de escola
Já passei por ali cem mil vezes
Vazio e distante como quem morre.

97 Palavras escurecem
Neste tanto de coisa alguma
Posso rasgar roupas num ataque de fúria
E beliscar este cão por excesso de fidelidade
Hoje invejo aqueles que se ocultam
Como sombras a fugir de si mesmas sempre assim
Gosto de cuspir o que resta de minha alma na sarjeta
E andar zonzo por entre os esgotos de minha verve sanguinária

98
Preciso de muito pouco
Para não ser quase nada
Uma lata de lixo em qualquer beco
Próximo às sombras da noite
Não mais tenho lugar
Onde quer que esteja em ninguém
Corto os meus pulsos quando levito
Sozinho no além de meu desterro.

Minha matéria é o que não vejo


Por aí como se não fosse
Preciso de muito pouco para ouvir
O que dizem os loucos na distância
Neste muro que desaba no além de minha alma
Neste frio que trucida o rigor de meus ossos vis.

99
Vou beber mais este drink
E zanzar pelas ruas deste inferno em chamas
Minha garganta efervescente há de roubar um corpo
De um homem acima dos setenta anos
Que se mova sem dificuldade
Para ser atropelado por um carro e morrer.

Vou beber mais este drink


E falar com os mortos de ocasião
Derrubar um ou dois copos e cortar o pescoço
Com este caco de vidro que me resta
Eu e minha fala enviesada
Ao lado de minha garganta com jeito de gente
Por aí como um traste que padece
Com um rato modorrento na boca.

100
Esta vida é porca
Ordinária como estas roupas que visto
Quando não sinto mais nada
Nestes dias sem muito
Neste dias de pouco
Estirado como uma planície estéril
Repleta de animais famintos que sucumbem
Putrefatos no interior de uma palavra qualquer
Que dorme ao lado dos defuntos.

101 Troco de quarto


com a palavra mandíbula
para então morder
a inconstância deste agora
que já deixou de ter boca
assassinado a sangue frio
por um louco esfomeado
no ventre da palavra vingança.

Troco de quarto
Com a palavra angústia
Para então devorar
A carcaça do tempo
Que descasca exposta ao sol
Nas palavras pele e clara
Que só sabem sangrar
Quando estão embriagadas.

102
Estou menor
Do que uma caixa esquecida
No bolso de qualquer um
Que goste de amassar papéis
Como quem vai apenas dar uma volta
Para verter o longe da tristeza
E transformar o que resta da morte
Na água que escorre do telhado
E que molha a fronte sombria
De uma alma que não deixa recados.

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