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CDD
170
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unoesc.
Reitoria:
Rua Getúlio Vargas, 2125
Bairro Flor da Serra
CEP 89600-000
Fone: 49 3551-2098
www.unoesc.edu.br
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 3
PLANO DA DISCIPLINA .................................................................................................... 5
UNIDADE 1 A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE ...................................... 7
SEÇÃO 1 A importância do outro ........................................................................................... 8
SEÇÃO 2 A ética e a vida social ........................................................................................... 12
SEÇÃO 3 Ética e sociedade na universidade ......................................................................... 14
UNIDADE 2 ÉTICA, MORAL E CULTURA.................................................................... 17
SEÇÃO 1 Ética e moral ......................................................................................................... 18
SEÇÃO 2 A cultura, a moral e a violência ............................................................................. 21
SEÇÃO 3 Preconceito e discriminação: violência contra o outro diferente............................. 26
SEÇÃO 4 Os valores morais e a liberdade de consciência ..................................................... 28
UNIDADE 3 O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA .......................................... 31
SEÇÃO 1 A filosofia e a ética ................................................................................................ 32
SEÇÃO 2 O surgimento da ética na filosofia.......................................................................... 34
SEÇÃO 3 O pensamento de Aristóteles e Marx ..................................................................... 38
SEÇÃO 4 Reflexão sobre a construção da moral ................................................................... 39
UNIDADE 4 A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA ................................................................ 45
SEÇÃO 1 “Querer é poder”: as conseqüências éticas desse modelo de sociedade ............... 46
SEÇÃO 2 O fenômeno da globalização ................................................................................. 47
SEÇÃO 3 O fundamentalismo da globalização econômica .................................................... 49
SEÇÃO 4 O avanço tecnológico e a ética .............................................................................. 51
UNIDADE 5 OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL............................. 57
SEÇÃO 1 Grandes questões éticas da contemporaneidade ................................................... 58
SEÇÃO 2 A construção de valores morais na sociedade brasileira......................................... 63
SEÇÃO 3 Características da sociedade brasileira capitalista................................................... 64
SEÇÃO 4 A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil ........................ 65
SEÇÃO 5 Esperança ética ..................................................................................................... 68
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 71
APRESENTAÇÃO
Quando falamos em educação a distância, não quer dizer que você estará
sozinho nos seus estudos; lembre-se de que você poderá contar, sempre
que precisar, com a ajuda do professor tutor.
Bons estudos!
Ementário
Objetivo geral
Objetivos específicos
Carga horária
Cronograma de estudo
Utilize o cronograma a seguir para organizar seus estudos de acordo com as datas de
realização das atividades. É obrigatório obedecer ao cronograma previsto para a
entrega das atividades avaliativas.
___/___
Leitura das unidades:
___/___
Avaliação 2 Ética, moral e cultura
a
on-line. 3 O pensamento filosófico e a ética
___/___
Realização das atividades de auto-avaliação.
Leitura da unidade:
Produção ___/___
4 A globalização e a ética
de um a
paper ___/___
Realização das atividades de auto-avaliação.
Segunda temática: desafios éticos
Fórum de Leitura da unidade: ___/___
discussão 5 Os conflitos éticos na sociedade atual a
___/___
O professor tutor agendará momentos de encontro virtual
para orientar os estudos e debater questões relacionadas aos
Bate-papo
conteúdos.
Porém, sua participação no bate-papo é facultativa.
Encontro
Avaliação G2 ___/___
presencial
Avaliação G2 fora de prazo ___/___
Avaliação G3 ___/___
Ética e Sociedade _________________________________________________ 7
Unidade 1
A importância da ética na
sociedade
Objetivos de aprendizagem
Plano de estudo
Uma das capacidades mais requeridas pela sociedade atual é a de conviver com as
diferenças, sejam elas de idéias, comportamento, atitudes, raça, cultura.
A vida em sociedade exige que reconheçamos a importância do outro, sejamos
compreensivos, tolerantes e sensíveis aos desafios que nos rodeiam!
Como nossa cultura ainda é muito individualista, precisamos de um longo caminho
para nos tornar mais éticos. É esse caminho que o convidamos a trilhar na disciplina
de Ética e Sociedade .
Então, vamos iniciar nossos estudos de Ética e Sociedade? Para isso, precisamos
entender por que se estuda a ética e em que momento surge a preocupação ética na
sociedade. Inicialmente, vamos falar daquilo que é o eixo central da ética: o
reconhecimento do outro.
SEÇÃO 1
A importância do outro
Com a correria do dia-a-dia, somos levados a nos preocupar bastante com nós
mesmos. Nesta seção, vamos pensar sobre o papel que o outro ocupa na nossa
vida?
Quais os motivos de sua alegria ou tristeza? Procure fazer uma retrospectiva em sua
memória emocional e destaque seus principais motivos de alegria e tristeza, no dia-
a-dia.
Reflita sobre sua família, amigos, universidade. O que, em sua família, afeta os seus
sentimentos? Se as condições financeiras são as melhores possíveis, você já se sente
plenamente feliz? Vivemos grande parte da vida em função de nossas necessidades e
desejos, mas por que será que existe o ditado popular de que “dinheiro não traz
felicidade”?
Vamos auxiliar essas reflexões com uma dinâmica? Escolha, para cada item, o que
for solicitado.
Um bem material muito importante para você:
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Um sonho que almeja:
________________________________________________________
Um local para onde gostaria de viajar:
________________________________________________________
Uma pessoa ou grupo de pessoas muito importantes na sua vida:
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____________________________________________________________________ Unidade 1
10 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
A necessidade que temos de nos comunicar também evidencia a importância do
outro. Observe, atualmente, os sites de relacionamento na internet e os programas
de comunicação instantânea. Por que as pessoas buscam, de forma obsessiva,
outros colegas, outras comunidades? Será que isso não revela uma constante busca
pelo outro, às vezes ofuscada pela ideologia do individualismo competitivo da nossa
sociedade?
Por que precisamos tanto falar da importância do outro para falarmos de ética?
A todo momento, estamos em relação com o outro, e isso nos caracteriza como seres
morais – moralmente bons ou ruins; não há como negar essa condição humana,
temos nossa dimensão moral.
O que é essa dimensão moral?
É nossa dimensão relacional, o nosso ser social. Somos seres morais à medida que
vivemos em sociedade, que buscamos adaptar nossas ações ao meio em que
vivemos, aos outros que nos circundam.
Cada cultura, cada código moral vai determinando um tipo de relação com o
outro. Na antiga Palestina, os leprosos eram considerados impuros, por isso as
pessoas deveriam ignorá-los e romper relações com eles. Isso fazia parte de uma
regra moral aceita por todos.
Na caça às bruxas, durante a Idade Média, as mulheres eram consideradas
demoníacas, portanto podiam ser destruídas, mortas.
As tribos maias, incas e astecas, na América, também foram praticamente
extinguidas, pelos espanhóis, porque eram consideradas pagãs e inferiores.
No início da colonização brasileira, negros e índios podiam ser escravizados, eram
considerados inferiores aos brancos. A relação do branco (proprietário) com o
negro e o índio era de dominação e de submissão.
Observe como a cultura e a moral de cada tempo determinam a forma como nos
relacionamos com os outros.
Boff (2003a) nos alerta: “O outro é determinante. Sem passar pelo outro (que posso
ser eu mesmo), toda ética é anti-ética.”
As considerações de Boff (2003a) nos levam a perceber que não podemos falar de
ética sem, antes, resgatar o reconhecimento do outro em nossa vida pessoal.
Hoje isso se torna muito necessário; nossa sociedade está marcada por um modelo
de relações predatórias, em que o outro é importante até o momento em que tem
utilidade. Boff (2003a) afirma que nossa sociedade “magnifica o indivíduo que
constrói sozinho sua vida”. O que isso quer dizer? Que costuma-se admirar,
magnificar as pessoas que têm sucesso individualmente, através da fama e da
riqueza, mesmo que, para isso, acreditem que não precisam ser éticas, que há
sempre um jeito para tudo, que podem usar a sua influência para conseguir o que
querem, que devem ser egoístas!
O filme narra a história de uma mulher que durante praticamente toda sua vida
cuidou da casa e dos filhos, passa o dia só e tem uma relação muito diferente e
peculiar com as paredes de sua casa.
____________________________________________________________________ Unidade 1
12 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
SEÇÃO 2
A ética e a vida social
Consigo compreender que minha vida pessoal está vinculada à
sociedade em que vivo? Tenho consciência de que minhas ações
individuais têm conseqüências sobre o meio que habito? Por que
nossa disciplina chama-se Ética e Sociedade, e não, apenas,
Ética?
Por esses e outros motivos, não podemos discutir ética sem, antes,
entender a lógica de funcionamento da sociedade em que vivemos.
Estudamos ética e sociedade, justamente, porque a sociedade determina valores,
princípios, normas e regras de sobrevivência e convivência.
Uma reflexão ética precisa entender as concepções de homem e de sociedade; em
cada período histórico há uma ideologia vigente, que norteia o comportamento dos
indivíduos, por isso, a ética prescinde de uma análise filosófica e sociológica.
Na sociedade medieval, o comportamento das pessoas estava pautado em bases
religiosas. O medo e a concepção de pecado eram fundamentados na idéia de que
Deus estava sempre vigiando as atitudes humanas. As pessoas temiam ir além dos
limites impostos pelas regras sociais. O bem e o mal, Deus e o demônio estavam
sempre presentes no imaginário das pessoas.
Outra importante característica da sociedade medieval era a ligação entre poder
terreno e divino. As pessoas acreditavam que o Rei ou Imperador possuía ligação
direta com Deus, por isso o respeito e a obediência aos governantes eram algo
incontestável.
Você percebeu que o limite e a obediência foram fatores que marcaram a sociedade
medieval? Isso acabava determinando comportamentos e atitudes das pessoas.
____________________________________________________________________ Unidade 1
14 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
acreditavam que o Paraíso, a plenitude da felicidade, viria após a morte e que
nesta vida deveriam suportar as privações e o sacrifício. O advento da modernidade
faz com que a razão humana passe a ocupar o lugar da fé e da crença em Deus.
Outra grande transformação da sociedade moderna é a perda do limite e a busca
pelo infinito, tanto do conhecimento, quanto do lucro. A Igreja, que no período
medieval atuava como inibidora de atitudes, vai perdendo espaço na sociedade
moderna.
Enfim, como percebemos, a sociedade está em constante transformação, alterando
seus valores, crenças, concepções de certo e errado e, conseqüentemente, a moral e
a ética.
A universidade busca formar pessoas e está inserida em uma sociedade, por isso,
surge o desafio: que modelos de ser humano e de profissional estão presentes em
nossa sociedade? Quais os valores morais e éticos de nossa sociedade? Quais
atitudes são fundamentais em um profissional que atua na sociedade do século XXI?
Essa é a razão (e, como você percebeu, são muitas) de estudarmos ética e sociedade
na universidade.
SEÇÃO 3
Ética e sociedade na universidade
Na seção anterior, procuramos esclarecer que não é possível estudar a ética
desvinculada da sociedade.
Muitos cientistas do século XIX acreditavam que a ciência deveria aprimorar seus
inventos e descobertas, apenas debruçar-se sobre seu campo específico do saber
para evoluir a partir de suas próprias pesquisas.
Sabe qual foi o resultado disso?
O lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, a morte de milhares de
judeus em campos de concentração, a dizimação de tribos africanas e indígenas, a
degradação ambiental quase irreversível, a desigualdade de renda, a exclusão
social...
O conhecimento científico que não traz a ética para dentro de sua área específica
corre o risco de desenvolver sérios prejuízos à sociedade e a todo o planeta Terra.
Os acontecimentos citados tiveram como causa principal a crença de que a ciência
possui poderes absolutos e é sempre fonte de verdade e de certeza.
____________________________________________________________________ Unidade 1
16 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
Assim, a ética nos convida a reconhecer a importância do diálogo e da
consciência do inacabamento, porque nunca estamos prontos, sempre precisamos
aprender com o outro diferente.
Auto-avaliação 1
1 Qual a importância da ética no meio em que você vive? Como a ética pode
contribuir para a melhoria desse lugar, desse ambiente?
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2 Explique, com suas palavras: por que o outro é o centro da ética?
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RESUMINDO
Nesta unidade, refletimos sobre a dimensão social de nossa vida. Em uma sociedade
marcada pelo individualismo, antes de definir o que é ética e moral, precisamos
reconhecer a importância e a presença do outro na nossa vida, precisamos
reconhecer nossa interdependência. Nessa interdependência vamos construindo e
definindo nosso ser moral, nossa forma de nos relacionar com o outro. De acordo
com nossas preferências, vamos incluindo e excluindo pessoas de nosso convívio.
Vamos definindo nosso círculo de amigos e pessoas indesejáveis a partir de nossos
critérios do que seja uma pessoa boa e ruim, assim vamos determinando nossos
valores morais. Cada sociedade define e determina alguns valores e crenças e isso
influencia muito a forma como as pessoas vivem em sociedade.
Na universidade, precisamos incluir a ética na produção e construção do
conhecimento. Um conhecimento sem ética pode tornar-se prejudicial à sociedade,
assim como um profissional sem ética pode não ser considerado bom, por mais
conhecimento técnico que possua.
A próxima unidade nos ajudará a compreender melhor a relação entre a ética e a
sociedade e como ocorre a construção dos valores morais.
Unidade 2
Ética, moral e cultura
Objetivos de aprendizagem
Plano de estudo
SEÇÃO 1
Ética e moral
Quando nos deparamos com as palavras ética e moral, o que nos vem à mente são
questões relativas ao comportamento humano: é certo ou errado fazer isso?
Dizemos que uma pessoa é ética porque ela agiu com respeito ao outro ou a algo
além de si mesma. Se uma pessoa faz uma boa refeição e sente-se satisfeita, você
não dirá que foi ou não ética. Mas, se comeu de forma abusiva, deixando quem
estava ao seu lado com fome, então, sim, poderíamos dizer que ela não foi ética. Por
isso iniciamos nossa apostila sobre ética falando da presença do outro em nossa
vida, assim vamos compreendendo o que estuda a ética e qual sua importância para
a nossa vida e a nossa comunidade.
Os seres humanos não nascem geneticamente pré-programados; diferentes de outros
animais, os seres humanos são inacabados, e não determinados pela natureza,
tampouco delimitados pelo destino ou por Deus(es). Se fosse assim, agiriam por
instinto e não refletiriam sobre suas ações. Por isso é que cada um, ou cada grupo
social, cria respostas e soluções diferentes para perguntas e problemas semelhantes.
O ser humano deve, portanto, construir ou conquistar o seu ser; ele não nasce
pronto, ele se faz ser humano, torna-se pessoa.
nessa possibilidade para saciar a sua fome, pois, em sua grande maioria, são
vegetarianos.
Esse exemplo nos ajuda a entender que as nossas escolhas e decisões são
determinadas pela cultura em que vivemos, que estabelece normas, regras e valores
morais.
A ética é o estudo e a reflexão sobre os valores morais, que se modificam em cada
cultura e em cada época. As noções de certo e errado, o que devemos ou não fazer,
são construídas na cultura em que nascemos. Você pode perceber que as questões
culturais influenciam o modo como as pessoas organizam sua vida, e a cultura é o
ponto de partida para o estudo da ética.
Segundo Boff (2003b), a moral refere-se aos costumes, à educação que recebemos
da família, aos valores da religião, da tradição. Esses valores vão formando o
caráter, vão moldando a dimensão ética do indivíduo, que passa a acreditar que são
valores universais (éticos) os valores que ele aprendeu em casa, que está
acostumado a praticar (morais).
Se um filho é tratado em casa como o centro da família, nunca recebe um “não”,
nunca é repreendido, os pais fazem tudo o que ele quer, compram o que pede, ele
vai formando seu caráter e seus valores de acordo com essa relação. Como a família
é o primeiro espaço de socialização, o filho vai aprender a se relacionar com os
outros da escola, da cidade como se comportava em casa. Ele vai acreditar que tudo
__________________________________________________________________ Unidade 2
20 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
o que quer tem direito a receber, que onde estiver deve ser tratado como o mais
importante; provavelmente terá dificuldade de aceitar uma idéia contrária à sua.
Para Boff (2003b), as pessoas serão éticas se tiverem adquirido uma boa moral, ou
seja, terão um caráter ético se no seu ambiente cultural, familiar mais próximo
tiverem aprendido valores universais, de respeito ao outro, de diálogo. De acordo
com o exemplo, o filho aprendeu que pode impor sua vontade aos outros, pode
pedir, fazer o que quiser e isso não será errado. Assim, ele terá um caráter ético
próprio que não estará de acordo com uma ética universal.
Na sociedade atual, as pessoas estão acostumadas com a desigualdade, com a
pobreza e com a miséria, mas, isso é ético? A palavra ethos, de onde originou-se a
palavra ética, precisa ser entendida como o lugar onde vivemos, que é o planeta
Terra, e não apenas nossa casa, nossos amigos, nosso trabalho, nossos ideais.
Pensar eticamente nos coloca além de nossa realidade particular, que tem sua moral,
seus costumes, por isso a ética exige uma atitude reflexiva, profunda, investigativa e
interligada.
Segundo Boff (2003b), a ética e a moral vigente hoje é a capitalista, cuja ética diz:
bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em menos tempo
possível; e cuja moral concreta reza: empregar menos gente possível, pagar menos
salários e impostos e explorar melhor a natureza. Eis a razão da grave crise atual.
Salientamos essa diferença com a citação de Souza (1994, p. 13): "A ética é muito
mais ampla, geral e universal do que a moral. A ética tem a ver com princípios mais
abrangentes, enquanto a moral se refere mais a determinados campos da conduta
humana". Entre moral e ética há uma tensão permanente: a ação moral busca
justificar seus valores em fundamentos ligados à natureza humana, à ciência e à
religião, enquanto a ética exerce vigilância crítica sobre os fundamentos da moral,
para transformar a vida cotidiana.
SEÇÃO 2
A cultura, a moral e a violência
__________________________________________________________________ Unidade 2
22 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
A ética surge na história com a preocupação de conter a violência entre as
pessoas; cabe a nós, ao falarmos em ética, aprofundar o conceito de violência e
percebê-la no cotidiano dos nossos costumes e da nossa cultura.
Há situações em que não existe violência física, mas outro tipo de violência, de
natureza psicológica. Quando, mesmo sem usar o chicote ou a palmatória, o pai ou
o professor exigem o comportamento desejado, doutrinando as crianças, impondo
valores e dobrando-as para a obediência cega e aceitação passiva da autoridade,
embora não haja violência física, existe violência simbólica, já que a força que
exercem é de natureza psicológica e atua sobre a consciência, exigindo a adesão
irrefletida que só aparentemente é voluntária (ARANHA, 1992, p. 171-172).
Como seres sociais, vivenciamos e buscamos a felicidade em grupo. Para atingir
determinados objetivos, agrupamo-nos em instituições, imersos em uma sociedade.
Para sobreviver e buscar proteção, vivemos em um grupo, a família. Preparando-nos
para a vida adulta, entramos na escola, participamos de um grupo religioso, uma
Igreja. Como vivemos em uma sociedade organizada com um Estado de direito,
pagamos impostos para usufruir de serviços públicos, de saúde, por exemplo. Quem
de nós nunca precisou ou precisará de um hospital? Quando nos profissionalizamos,
entramos no mundo do trabalho, que também ocorre, na maior parte das vezes, de
forma institucionalizada. A empresa, uma organização, as leis trabalhistas, a relação
patrão-empregado-economia constituem o cotidiano do trabalho.
A ética faz parte do nosso cotidiano, nossa vida familiar, educacional, profissional,
etc. Vamos refletir sobre a presença da violência na nossa sociedade, em alguns
espaços do nosso cotidiano: a família, a educação, o trabalho, a saúde pública.
FAMÍLIA
Se você já precisou sair de casa, está estudando fora ou morando distante da
família, deve sentir muita saudade e falta de um aconchego; a família é vista como
um lugar e espaço do bem. Mas, você sabe que não precisamos ir muito longe para
nos defrontar com problemas de violência familiar: pais que espancam filhos e,
ainda mais grave, cometem abusos sexuais contra eles, problemas de alcoolismo,
drogas, desemprego, todos esses fatores desencadeiam processos de violência. A
reflexão sobre a violência traz consigo a necessidade de discutirmos as relações de
poder. Há abuso de poder quando uma pessoa reduz a outra à condição de objeto –
assim se concretiza a violência.
Você lembra que iniciamos nossos estudos falando sobre a reflexão ética? Pois bem,
ela surge para questionarmos a moral, os costumes, mas estes estão no nosso dia-a-
dia, e o que é considerado normal pela tradição e pela cultura pode ser fonte de
violência contra as pessoas, ações anti-éticas presentes na moral familiar. A família,
no mundo ocidental, é essencialmente patriarcal e, por conseguinte, essa estrutura
tem grande possibilidade de se tornar machista. Os papéis sociais, definidos desde Na cultura
cedo, contribuem para que algumas pessoas se tornem submissas às outras, na ocidental
estrutura familiar, como acontece com a menina que faz os serviços domésticos, em patriarcal é
onde o pai é o
relação ao menino que tem mais liberdade para buscar uma profissão; assim as
chefe de
relações de poder têm continuidade.
família.
Vamos, agora, a outro cotidiano em que passamos grande parte de nossa
vida: a escola, a universidade.
EDUCAÇÃO
__________________________________________________________________ Unidade 2
24 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
O aluno não podia fazer perguntas, era um meio de passagem entre a lousa e a
folha da prova, era um objeto.
Precisamos, portanto, entender as formas de violência na transmissão do
conhecimento. Quantas vezes o conhecimento científico e a figura do professor são
colocados pela escola como algo superior ao aluno?
Outra forma de violência existente na escola é a reprodução da exclusão. Filhos de
famílias ricas têm maiores chances de prosperar na vida acadêmica do que os de
classe menos favorecida. Muitas crianças, para ajudar a sustentar a casa, acabam
deixando a escola, enquanto muitas outras, além de freqüentar a escola regular, têm
condições de fazer cursos paralelos.
Essa forma de violência, sofrida no âmbito educacional, muitas vezes é obscurecida
pelo simples argumento de que alguns aproveitaram as oportunidades e outros, não;
uma lógica de pensamento que busca naturalizar o processo de exclusão social.
TRABALHO
É impossível responsabilizar uma única pessoa por essa realidade, nosso objetivo é
evidenciar as formas de violência, muitas vezes tidas como algo normal do cotidiano.
SAÚDE PÚBLICA
Quem já esteve doente sabe que é um momento em que nos sentimos fragilizados e
carentes de atenção e cuidado. Por outro lado, é uma situação em que, com muita
freqüência, somos tratados como objetos. A falência do sistema público, aliada às
relações de poder, provoca um descaso contra o ser humano. As pessoas se
acostumam a essa realidade e não percebem mais como são violentadas nessas
instituições.
Há algum tempo, uma reportagem comprovou o fato de que as pessoas não
percebem mais determinadas ações como uma forma de violência: após
permanecer das 4h às 9h da manhã em uma fila para ser atendido em um hospital,
um indivíduo, não tendo conseguido a sua vaga, declarou que estava acostumado
com isso e que voltaria no dia seguinte. Esses fatos vão se cristalizando como uma
cultura do descaso público, tornam-se costume e não são mais questionados. Aqui
reside o papel da ética: identificar e perceber a violência velada nos costumes e na
moral das instituições, nesse caso, a “saúde pública”.
Todas as instituições exercem, de uma forma ou de outra, violência contra o
indivíduo; cabe a você considerar e perceber a importância dessas reflexões, em
qualquer projeto profissional.
__________________________________________________________________ Unidade 2
26 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
Você percebeu que estamos trabalhando com vários conceitos?
Se você não conseguiu compreender a relação entre ética,
moral e cultura, retome seus estudos nas seções anteriores ou
procure seu professor tutor.
SEÇÃO 3
Preconceito e discriminação: violência contra o outro
diferente
Nossa formação cultural acontece a partir de modelos, de princípios certos e errados,
comportamentos morais e imorais. Vamos nos deter, especificamente, ao fato de
considerarmos o outro errado, imoral, por ser diferente, por fugir aos nossos
padrões culturais. Isso está relacionado à ética, por dois motivos: primeiro, por não
considerarmos o outro diferente em sua especificidade e, segundo, como
conseqüência, por não refletirmos sobre o que pensamos a respeito do outro.
Dogmática: que se
apresenta com
Para Aranha (1992, p. 181), preconceito (pré-conceito) significa conceito (ou
caráter de certeza opinião) formado antecipadamente, sem adequado conhecimento dos fatos. O
absoluta. perigo do preconceito está na recusa em reexaminarmos as convicções, quando se
tornam dogmáticas. Nesse ponto, o preconceito é fonte de intolerância e, portanto,
de violência. O preconceito leva à discriminação, quando o diferente é considerado
inferior, excluído dos privilégios de que os melhores desfrutam.
Os antropólogos nos alertam que, ao analisarmos os costumes de outros povos,
convém não os avaliar a partir de nossos valores culturais, o que significaria uma
atitude etnocêntrica. Quando isso acontece, corremos o risco de procurar neles o
que lhes falta e esquecer de ver, com clareza, o que são de fato.
Etnocêntrica: que
tem a tendência de Da mesma forma, dentro de cada cultura, há preconceitos, que levam à
considerar a cultura discriminação dos pobres, negros, homossexuais, mulheres, idosos e tantos outros.
de seu próprio povo
a medida para todas
as demais.
Um exemplo de preconceito cultural é o dos colonizadores
europeus, que consideravam os povos tribais inferiores; não
como uma cultura diferente, mas, sim, de menor importância.
Aqui, surge a legitimidade de muitos atos violentos contra povos
indefesos. Sabemos que a população indígena brasileira foi
praticamente exterminada pelos brancos.
__________________________________________________________________ Unidade 2
28 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
Ainda é vigente no Brasil a mentalidade de que existem estados
e culturas mais importantes do que outras. Esse pensamento é
mais uma forma de exercer violência sobre o outro; confunde o
diferente com o errado ou inferior.
Na próxima seção, vamos compreender como a cultura e a moral
em que vivemos nos impedem de ser éticos.
SEÇÃO 4
Os valores morais e a liberdade de consciência
Estamos falando de cultura; sabemos que os valores morais são construídos e
legitimados nela, na relação que temos com a nossa família e com a comunidade,
desde que nascemos.
Por que falarmos em liberdade? Porque a liberdade de consciência é elemento
fundamental para o agir ético; somente quando tomamos consciência de nossas
ações é que podemos refletir sobre elas.
Portanto, não podemos afirmar que nossos valores sejam válidos para todos.
Quando você não consegue perceber a particularidade dos seus valores, não
conseguirá pensar além da sua cultura e da sua moral. Assim, seus valores morais
limitam a sua liberdade de pensamento e reflexão. Muitas vezes, ouvimos a
expressão: “a minha opinião é esta e não abro mão porque é a verdade!”; uma
afirmação como essa demonstra que o sujeito não consegue refletir além de seus
princípios morais, tirando-lhe a liberdade de reflexão. É o chamado
fundamentalismo ou fanatismo: o indivíduo fica preso aos seus referenciais
culturais de mundo.
Em nossa vida, quando seguimos o que é dito como correto pela cultura da
sociedade em que vivemos, achamos que estamos no caminho certo. Sócrates nos
perguntaria:
Como vimos, a moral e os costumes exercem algum tipo de violência quando surge
o racismo e o preconceito, mas, também, quando impedem e dificultam o indivíduo
de refletir racionalmente, ou seja, ser de fato livre nos seus pensamentos.
De acordo com Aranha (1992, p. 113), desde que nascemos enfrentamos o
problema do determinismo cultural: ao nascer, o homem já se encontra em um
mundo constituído, recebe como herança a moral, a religião, a organização social e
política, a língua, enfim, os costumes, que não escolheu e que, de certa forma,
determinam sua maneira de sentir e pensar.
Quando não conseguimos perceber que muitos de nossos valores só são válidos
para nossa cultura e para nossa profissão, não estamos fazendo uso adequado de
nossa liberdade.
__________________________________________________________________ Unidade 2
30 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
Auto-avaliação 2
RESUMINDO
Unidade 3
O pensamento filosófico e a ética
Objetivos de aprendizagem
Plano de estudo
SEÇÃO 1
A filosofia e a ética
O que vem à sua mente quando você ouve a palavra filosofia? Por que falarmos de
filosofia? Muitas vezes, o professor de filosofia é aquela pessoa que sempre faz
reflexões profundas sobre um tema aparentemente simples. Por essa razão, numa
sociedade marcada pelo utilitarismo e pela praticidade, a primeira acusação sobre a
filosofia é de que ela é inútil. Entretanto, veremos adiante que para
compreendermos a ética é fundamental refletirmos sobre a filosofia.
Mas, por quê?
A filosofia nasce na história trazendo a dúvida para o centro das discussões sobre a
vida. A ética nada mais é do que a sistematização de grandes questionamentos sobre
o agir humano e a relação entre os indivíduos.
É correto fazer isso? Por que devo agir assim? Que lugar o outro
ocupa nas minhas escolhas e decisões? Existe uma consciência
ética que nasce conosco? Sabemos agir de forma ética
naturalmente ou precisamos aprender?
As questões éticas são, acima de tudo, questões filosóficas. Daí que, para
construirmos uma reflexão ética, precisamos, antes de tudo, resgatar o papel e o
conceito de filosofia.
Chauí (2003, p. 23) discute a idéia de filosofia como a “fundamentação teórica e
crítica dos conhecimentos e das práticas”.
Com isso percebemos que a filosofia busca problematizar as práticas e os
conhecimentos já estabelecidos. Em nossa educação o conhecimento é transmitido
através dos costumes e, por isso, não buscamos levantar dúvidas sobre ele, até
porque todo mundo pensa igual, então acabamos nos acostumando com certas
idéias e práticas. Para progredirmos eticamente, contudo, precisamos colocar em
dúvida e em questão os nossos próprios costumes.
___________________________________________________________________ Unidade 3
34 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
Em outras palavras, não costumamos fazer ética porque não fazemos crítica, nem
buscamos compreender e problematizar a nossa realidade moral. Com isso,
podemos compreender a íntima relação entre o descaso pela filosofia e, como
conseqüência, o abandono da ética. Não é possível ser ético sem, antes de
tudo, ser reflexivo e crítico.
Ou seja, quando percebemos que as coisas podem mudar estamos vivendo uma
experiência ética.
Essa capacidade de questionar é a característica principal do pensamento filosófico.
A filosofia, historicamente, fez forte oposição ao pensamento mítico e ao senso
comum.
Mas, em que se baseia o pensamento mítico? Nas crenças, na aceitação da realidade
como algo definitivo e acabado. O senso comum também se caracteriza por essa
adaptação do pensamento à realidade e a uma idéia comum. Podemos perceber
que a vida em grupos e em comunidade influencia as ações, as atitudes, e o
pensamento das pessoas; a maioria dos indivíduos pensa e age de forma semelhante
e até mecânica. Nesse agir e pensar é que se manifesta o senso comum, dificultando
o pensamento crítico e investigativo. Em nossa cultura, de forte descendência
européia, o racismo é muito comum, presente no cotidiano das pessoas, nas piadas,
brincadeiras, de forma tão mecânica e consensuada (em que todos concordam) que
dificilmente abre espaço para um “por quê?”.
Percebemos, então, que para fazer uma reflexão ética precisamos exercitar o
pensamento filosófico, que nada mais é do que o pensamento crítico diante das
idéias e costumes aceitos em nossa cultura. Na próxima seção, vamos compreender
como se dá a relação entre ética e filosofia.
SEÇÃO 2
O surgimento da ética na filosofia
Vários foram os filósofos que se preocuparam em entender e analisar as questões
éticas.
Sócrates foi um deles, conforme já mencionamos; foi um dos primeiros a fazer uma
reflexão ética sobre os valores e as crenças das pessoas. Propôs a busca dos valores
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O pensamento filosófico e a ética _______________________________________ 35
universais pela razão e a idéia de que já nascemos com o conhecimento dentro de
nós. Quando sugeria: “conhece-te a ti mesmo”, Sócrates convidava os seus
concidadãos à voltarem-se para dentro de si, ignorar os mitos e as determinações
das verdades impostas pelas autoridades; ao afirmar “só sei que nada sei”,
convocava os seus companheiros à reflexão constante sobre os acontecimentos do
mundo à sua volta – é preciso educar-se para não se deixar manipular pelos outros,
para isso a educação deve cuidar da alma, ou seja, cultivar a razão.
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36 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
discutir os procedimentos do homem sob o ponto de vista do certo e do errado,
do justo e do injusto. A especificidade da reflexão filosófica sobre a ética está no fato
de que os princípios éticos não podem partir de princípios exatos, como em outras
áreas do conhecimento. As ações do homem podem ser consideradas boas em um
momento e ruins em outro; em cada período histórico elabora-se uma determinada
reflexão sobre a ética.
Essas reflexões vão construindo o campo específico da ética e nos ajudando a
entender que a ética não pode se preocupar em definir de forma exata e definitiva
os modelos de ações e comportamentos humanos; precisa se fundamentar numa
análise sociológica e antropológica, identificando as características de cada período
histórico e de cada modelo de sociedade.
Na Idade Média, por exemplo, a sociedade organizava-se em torno da Igreja, a
Conspurcada:
grande detentora do poder político, social e religioso. Os princípios éticos da época,
manchada, alicerçados na ótica cristã, enfatizavam a revelação dos Livros Sagrados; o Pai, o
corrompida, Filho e o Espírito Santo determinavam as normas de conduta. Jesus torna-se o
pervertida, grande mensageiro de uma nova ética, a ética do amor ao próximo. Porém, essa
maculada.
ética foi conspurcada pelos juízos de valores de seus representantes, que
distorceram a pureza do cristianismo primitivo: o amor ao próximo presente nos
discursos de Cristo foi sufocado pela ganância, pelo poder que a manipulação da fé
proporcionava aos ocupantes dos altos cargos religiosos. O século XVI sofre a
pressão do protestantismo, em que alguns católicos reagem às determinações da
Igreja de Roma. Foram chamados de “protestantes” por questionarem alguns
procedimentos, decisões e determinações da Igreja romana. Para os protestantes, a
ética é baseada nos valores éticos; a base para o agir ético está nas relações com o
mundo e com as pessoas que nele estão, e não na relação com o divino ou o
sagrado.
O que você acha disso? As pessoas têm condições de saber o que é certo e errado?
Ou precisam da sociedade?
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Nenhum homem é uma ilha. O que essa frase quer dizer para você?
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Essa famosa frase, do filósofo inglês Thomas Morus, ajuda-nos a compreender que a
vida humana é convívio. Para o ser humano, viver é conviver. É justamente na
convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se realiza
enquanto um ser moral e ético.
E é na relação com o outro que surgem os problemas e as indagações morais:
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38 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
Quando você se pergunta “o que devo fazer?”, ou, “esta decisão irá prejudicar
alguém?”, quando você pensa como deve agir diante de uma situação concreta,
empírica, real, que obriga uma tomada de decisão, você sempre pensa nos
resultados dessa decisão, não é?
Às vezes, diante dessas questões, parece que, qualquer que seja a decisão,
favorecerá alguém e prejudicará alguém. É assim que nos tornamos éticos, porque
nós não apenas vivemos com os outros, nós “convivemos”, e nesse “conviver” é que
nos descobrimos éticos e morais, ou seja, só é possível respeitar os princípios
máximos da ética (vida, liberdade, privacidade, etc.), as leis e as normas de conduta,
se estivermos com outras pessoas, o que exige um comportamento ético e moral.
Nesta seção, você estudou sobre a construção do campo de conhecimento da ética
ao longo da história da filosofia. Agora, vamos estudar alguns filósofos que muito
contribuíram para a reflexão ética.
SEÇÃO 3
O pensamento de Aristóteles e Marx
Nesta seção, apresentaremos as concepções de Aristóteles e Marx sobre a ética; esses
teóricos ajudaram a construir os fundamentos da moral ocidental.
Aristóteles concebeu uma ordem socioeconômica como sendo a natural, em que a
relação entre os seres e as coisas é determinada por uma hierarquia:
Deus – Espírito – Alma – Razão – Homem – Emoção – Mulher – Animais – Vegetais
– Minerais – Matéria – Caos – Diabo
Na concepção aristotélica, Deus é a fonte de toda a autoridade e o legitimador dessa
estrutura de superioridade-inferioridade. Cada ser deve cumprir sua finalidade de
acordo com sua posição nessa hierarquia e sua natureza, que é fixa. Qual a
implicação ética dessa hierarquia? A inferioridade da mulher em relação ao homem
é concebida como algo natural; o escravo é escravo por natureza e deve desenvolver
sua escravitude, sendo aquilo que a sua condição determina. Cada ser ocupa um
lugar nas relações sociais ou naturais e o ser humano, para ser “bom”, deve não
apenas cumprir sua tarefa, sua parte do desenvolvimento dessas relações, mas
cumpri-la bem.
Para Aristóteles, o homem é um ser racional e cumpre sua finalidade de acordo com
essa natureza. A ética conduz a ação humana, a ser realizada de acordo com a
natureza racional. O fim último, ou seja, a finalidade do ser humano é a felicidade,
e, sendo um ser dotado de razão, esta deve trabalhar para que alcance a felicidade.
Em resumo, perceba que Aristóteles apresenta um modelo de relações sociais, que
se transforma, posteriormente, em códigos morais: o escravo, por exemplo, na
sociedade antiga, não tinha direitos iguais aos do homem livre. Veja como um
filósofo tinha o poder de influenciar toda uma forma de pensamento e de ações!
SEÇÃO 4
Reflexão sobre a construção da moral
A ética é uma reflexão sobre a moral, por isso precisamos entender a construção da
moral na história. Todos os filósofos que adentraram no campo da ética começaram
suas discussões e reflexões indagando sobre o ser humano, sobre a origem do agir
humano e, ainda mais, sobre a relação desse agir com a sociedade. Os teóricos da
ética fundamentaram suas reflexões sobre a natureza social do homem.
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40 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
A moral acontece quando o homem supera sua natureza
puramente natural, instintiva, e passa a possuir uma natureza
social, que surge quando o homem passa a ser membro de uma
coletividade.
Para entender essa relação social entre os homens, também precisamos entender a
relação do homem com a natureza, ou seja, com a realidade material.
Na sociedade primitiva, a luta pela sobrevivência exigia a construção de uma
coletividade. Assim, surge uma série de normas que beneficiam a comunidade. A
moral nasce com a finalidade de assegurar a concordância do comportamento de
cada um com os interesses coletivos. O que é bom ou ruim é definido em função da
comunidade, ou seja, tudo o que venha a reforçar os interesses da coletividade
passa a ser bom, enquanto tudo o que ameace a coletividade passa a ser ruim;
surgem alguns deveres de todos os membros de uma tribo (todos são obrigados a
lutar contra os inimigos da tribo, por exemplo).
Essa moral coletivista, característica das sociedades primitivas que não conhecem a
propriedade privada nem a divisão de classes, é uma moral única e válida para
todos os membros da comunidade.
No interior da velha sociedade feudal deu-se a gestação de uma nova classe social, a
burguesia, que possuía o poder da produção e comprava a mão-de-obra dos
assalariados.
Nesse novo sistema econômico, que alcança sua expressão maior em meados do
século XIX, na Inglaterra, vigora, como fundamental, a lei do lucro. O operário é
considerado, exclusivamente, um homem econômico – é um meio e instrumento de
produção. O trabalho, para ele, é algo totalmente sem significado, a não ser como
fonte de renda. A economia é regida pela lei do máximo lucro e esta possui uma
moral própria.
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42 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
Cada um confia nas suas próprias forças, desconfia dos demais, busca seu próprio
bem-estar, ainda que tenha de passar por cima dos outros. A sociedade se converte
em um campo de batalha, numa guerra de todos contra todos, tal é a moral
individualista e egoísta que corresponde às relações sociais burguesas.
Atualmente, a exploração do homem pelo homem não se faz mais através de
métodos brutais, mas o trabalho mecânico, repetitivo, submete milhões de pessoas
em função da sobrevivência. O trabalho na sociedade capitalista é privado de
criatividade e de consciência; prolifera a idéia de pertencimento do operário à
empresa, sem incentivo à cooperação e à colaboração. O operário é um
colaborador, e não um trabalhador; a exploração, longe de aparecer, não faz senão
adotar formas mais astuciosas para manter-se como fonte de lucro. A moral
construída no sistema capitalista de produção ajuda a justificar e a reforçar os
interesses do sistema regido pela lei da produção. A moral burguesa busca, então,
regular as relações entre os indivíduos numa sociedade baseada na exploração do
homem pelo homem. As relações interpessoais são pautadas por valores
econômicos; o ser humano passa a ser visto unicamente na sua dimensão
econômica, e não humana.
Porque, em nossa sociedade, vigora uma moral individualista, que culpa o indivíduo
pela situação em que vive. Porque o sistema de mercado assenta-se sobre a
máxima: “querer é poder”. Então, ao analisar a situação de um miserável, na moral
do mercado globalizado, diríamos: “se ele quiser sair da situação, ele pode”. A moral
vigente (ideologia) não nos permite olhar além e perceber que milhões de pessoas
passam fome no mundo, e isso não é um problema apenas pessoal, não se resolve
somente com empenho individual.
O estudo da contextualização da moral nos ajuda a perceber que a nossa forma de
ver o outro e nos relacionar com ele é pautada e fundamentada em valores morais,
construídos na sociedade onde vivemos, através das instituições (família, escola,
universidade, mídia).
Se você absorver todos os valores morais da sociedade capitalista de mercado,
poderá ficar tranqüilo, acreditando que cada um é responsável pelo sucesso ou
insucesso, buscando sua riqueza pessoal e erguendo muros ao redor de sua
residência; poderá legitimar sua ação com a idéia de que, simplesmente, a vida se
resume em obter sucesso individual, e que sucesso é sinônimo de ficar rico. Quando
estamos absortos por essa ideologia, ficamos cegos à complexidade social, política e
econômica do mundo.
A atitude e o agir humano são objetos da ética, considerada a arte da reta condução
da vida, que ocupa-se com a garantia de temas universais, ou seja, com o que todos
desejam possuir: vida, liberdade, autonomia, consciência, etc. Cabe a cada um
encaminhar-se para esse viver ético, independente das ações dos outros – posso
observar as ações do outro, mas são as minhas ações que devo modificar; não posso
reprovar uma ação alheia, mas posso observar e não agir da mesma forma. Lembre-
se de que somos autônomos, porém não sozinhos, estamos no mundo com outros
seres e uma ação pode modificar o contexto, mas não cabe a nós esperar o agir
ético dos demais, fazemos parte da construção do mundo. Como você está
participando dessa construção? Você costuma refletir, pensar sobre suas atitudes?
Pondera suas decisões?
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44 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
Auto-avaliação 3
RESUMINDO
Unidade 4
A globalização e a ética
Objetivos de aprendizagem
Plano de estudo
Fazendo uma reflexão filosófica sobre a ética e os valores morais, vamos percebendo
que eles mudam com o decorrer do tempo.
Um conceito que marca a nossa realidade é a globalização. Esse fenômeno está
modificando a configuração cultural e a relação do homem com o outro e com o
meio em que vive. Esse será o tema de discussão desta unidade.
SEÇÃO 1
“Querer é poder”: as conseqüências éticas desse
modelo de sociedade
A sociedade em que vivemos, chamada globalizada, é resultante da hegemonia
capitalista no mundo. Como já vimos, essa sociedade construiu e legitimou uma
moral, uma forma de relação entre as pessoas pautada na máxima: “querer é
poder”. O progresso científico e econômico dos séculos XIX e XX esteve ancorado
nos paradigmas da conquista e da dominação.
Na história do progresso econômico da humanidade, o homem buscou gerar
riquezas através da conquista e domínio da natureza e de outros homens.
Segundo Boff (2003c), conquistar povos e “dilatar a fé e o império” foi o sonho
dos colonizadores. Conquistar os espaços extraterrestres e chegar às estrelas é a
utopia dos modernos; conquistar o segredo da vida e manipular os genes;
conquistar mercados e altas taxas de crescimento, conquistar mais e mais clientes e
consumidores; conquistar o poder de Estado e outros poderes, religioso, profético,
político; conquistar e controlar os anjos e demônios que nos habitam. Enfim, a
máxima “querer é poder” torna-se ao longo da história um paradigma (estrutura
de pensamento, modo de ver o mundo). Até mesmo o sonho e a felicidade são
vistos como conquistas; insaciável é a vontade de conquista do ser humano.
Mas, enfim, quais as conseqüências éticas desse paradigma?
Boff (2003c) afirma que, depois de milênios, o paradigma-conquista entrou, em
nossos dias, em grave crise. Já conquistamos 83% da Terra e nesse afã a
devastamos de tal forma que ela ultrapassou em 20% sua capacidade de suporte e
regeneração.
Sofremos, hoje, as conseqüências desse paradigma da conquista. A conquista de
novos espaços, de novos mercados, de sonhos de consumo, de grandes taxas de
lucro, do avanço tecnológico que alcançamos é responsável pelos grandes desafios
éticos que enfrentamos. Na sociedade atual, globalizada, sofremos as duras
conseqüências de um poder sem limites de conquista, de um consumismo
exagerado que gerou grandes problemas ambientais.
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A globalização e a ética ______________________________________________ 47
A busca desenfreada pelo lucro e pela expansão dos mercados gerou, também,
um alto índice de exclusão social. Pochmann e Amorin (2003) apontam que a
exclusão social no Brasil cresceu 11% entre 1980 e 2000, revertendo tendência
verificada entre os anos 60 e 80, quando houve queda de 13,6%. No início dos anos
60, o país tinha 49,3% de excluídos. A taxa caiu para 42,6% em 1980, mas retornou
para 47,3% em 2000.
Muitos acreditam que a razão da miséria é o aumento populacional, mas o problema
está no consumo excessivo, na busca desenfreada por maior poder de conquista.
Segundo os pesquisadores, entre 1960 e 1980, os excluídos no Brasil eram, em sua
maioria, imigrantes da zona rural, com grandes famílias, pessoas de baixa
escolaridade, baixa renda, mulheres e negros. Entre 1980 e 2000, os excluídos são
aqueles nascidos nos grandes centros urbanos, excluídos do mundo do trabalho e da
cidadania. Após os anos 80, a exclusão passa a atingir também setores da antiga
classe média brasileira.
Esses dados nos fazem compreender que a sociedade em que vivemos foi
estruturada a partir de uma dimensão individualista de conquistas e de posses.
Alguns autores apontam como causa fundamental da crise ética o individualismo,
argumentando que a preocupação desenvolvida pelas pessoas em cuidar de seus
interesses permite o descuido com o outro e com as regras determinadas pela
sociedade que garantem um relacionamento saudável, um comportamento ético.
O individualismo associado ao corporativismo tem se constituído em uma barreira
limitadora do desenvolvimento ético dentro da sociedade. As pessoas buscam
conquistar melhor qualidade de vida para si ou quando muito para seu grupo; surge,
com grande evidência, o problema da corrupção. A cada momento, deparamo-nos
com escândalos envolvendo pessoas cuja tarefa deveria ser a de garantir a ordem
ética, em função da posição que ocupam.
As principais conseqüências éticas do “querer é poder” recaem sobre a exclusão
social e a degradação ambiental. A busca pela conquista se dá numa perspectiva
infinita que não conhece limites, quando se trata de ganhar dinheiro ou consumir. E,
quando se torna um processo global, com isso se agrava? É o que vamos estudar na
próxima seção: o fenômeno da globalização.
SEÇÃO 2
O fenômeno da globalização
Quando falamos em globalização, logo nos vem à mente apenas a questão
econômica; porém, a globalização é um processo em que surgem questões políticas,
sociais e culturais. Nesse processo de interação global encontramos a mudança de
valores éticos e morais da sociedade.
Vamos, inicialmente, entender como e onde se percebe essa realidade da
globalização. De acordo com Ramos (2004), precisamos compreender que existem
_____________________________________________________________________ Unidade 4
48 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
quatro importantes fatores que têm contribuído de forma diversa para configurar
o processo de globalização nos últimos vinte anos: a globalização nas comunicações,
a econômica, a política e a dos valores presentes no convívio em todos os níveis:
pessoal, social, nacional e mundial.
Mas há alguma relação entre esses fatores?
A ligação entre esses quatro fatores demonstra que a revolução nas comunicações
favorece e permite a integração econômica; o fator econômico, por sua vez, tem
implicações no cenário e no relacionamento político; e o elemento político, em
última instância, está presidido por valores e princípios. A presença ou ausência de
valores éticos e princípios morais nas pessoas que comandam a política, a cultura, a
economia e as comunicações é fundamental para compreender a evolução da
humanidade e o processo de globalização em curso.
É importante perceber que o processo de globalização aparece como uma
continuidade das grandes conquistas realizadas pelas principais potências mundiais.
A aliança entre poder político, econômico e meios de comunicação possibilitou, com
maior facilidade, a formação de monopólios. Isso tudo facilita o surgimento de um
único modelo de sociedade, de grupos financeiros e de mídia.
A globalização, segundo Branco (2003), contribuiu para determinar um modelo de
sociedade que atende aos interesses do individualismo e do consumismo, portanto
não se trata apenas de globalização econômica, mas, sim, um processo social.
Branco (2003) afirma que a globalização vem sendo empregada em diversas
ocasiões, mas nem sempre com o mesmo significado. Poderíamos conceituar esse
termo, de forma básica, como o conjunto de transformações na ordem política e
econômica mundial que vêm acontecendo nas últimas décadas, em que o ponto
central da mudança é a integração dos mercados numa "aldeia-global", explorada
pelas grandes corporações internacionais.
Economicamente, estamos vendo crescer uma política que visa à saída parcial do
Estado da economia, deixando o mercado livre, por isso é que vemos a grande onda
de privatizações existente hoje.
SEÇÃO 3
O fundamentalismo da globalização econômica
A globalização econômica é uma faca de dois gumes; de um lado, descortina novos
horizontes para a economia mundial, de outro, entretanto, pode abrir o fosso que
separa pessoas e países, aumentando o abismo entre os beneficiados com o
processo e os desfavorecidos da fortuna. De acordo com o relatório do
Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelas Nações Unidas, 20% dos países
mais ricos detêm 86% do PIB mundial, enquanto os 20% mais pobres participam
apenas com 1% da produção mundial.
Há um claro divisor de águas entre aqueles que defendem os aspectos positivos da
integração econômica e aqueles que somente vêem as mazelas do processo, que são
conseqüências, mesmo que por vezes involuntárias, da integração econômica
mundial.
SEÇÃO 4
O avanço tecnológico e a ética
Podemos dizer que o mundo tecnológico contempla dois horizontes contrapostos.
De um lado, a internet e todas as maravilhas trazidas pelo mundo computadorizado,
que deram ao homem uma capacidade criativa nunca vista; no campo da
informação, os recursos tecnológicos asseguraram ao homem uma mobilização
sintonizada com tudo o que ocorre em nosso planeta. De outro lado, percebemos
que a mesma ação que coloca todas as pessoas em sintonia escraviza e cria
fundamentos ideológicos também de natureza global; com isso, homogeneíza, limita
a capacidade criativa e desenvolve uma lógica cega que tem como norte conduzir as
pessoas a uma forma de consumo irracional.
Na análise ética da sociedade atual, vemos entrar em cena o conhecimento científico
e tecnológico, que assume vital importância na vida de cada pessoa e passa a ser um
diferencial de grande relevância no embate competitivo provocado pelo mercado. A
capacidade científica do homem, associada ao desenvolvimento tecnológico, Ócio criativo:
significa libertar-se
garantiu à humanidade o desenvolvimento de grandes projetos sociais. Foi com base
da idéia tradicional
no conhecimento científico que as distintas sociedades em nosso planeta passaram a do trabalho como
estruturar o trabalho de forma a facilitar o desenvolvimento. obrigação e ser
capaz de apostar
As mudanças protagonizadas pelo mundo tecnológico passam a:
numa atividade em
que o trabalho se
confundirá com o
[...] exercer profundas influências no modo de ser e de pensar de
tempo livre e o
cada um de nós, assim como na forma de organização econômica,
estudo, isto é,
política e cultural das sociedades contemporâneas. As máquinas,
os robôs, a redução do tempo de execução do trabalho, o quando
aumento do tempo de lazer, já não são mais temas de ficção trabalhamos,
científica, mas fatos que hoje permitem à humanidade sonhar em aprendemos e nos
libertar-se definitivamente do trabalho monótono e em construir divertimos ao
uma civilização baseada no ócio criativo (CORDI, 2000, p. 228, mesmo tempo.
grifo nosso).
A revolução nas comunicações tem demonstrado que a tecnologia busca a cada dia
encurtar distâncias e apressar a transmissão de informações, que determina a
importância dos meios de comunicação para o processo de integração social,
política e cultural.
O avanço das comunicações, na década de 90, foi surpreendente, como mostram os
indicadores de comunicação global divulgados pela International
Telecommunication Unit (ITU). De 1990 a 2000, a receita do mercado de
telecomunicações mais do que duplicou.
_____________________________________________________________________ Unidade 4
52 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
Esse crescimento vertiginoso das comunicações, entretanto, não está ocorrendo
de modo simétrico no mundo. O mercado da indústria de tecnologia está
concentrado nos países industrializados. De acordo com o European Information
Technology Observatory (1998), a Europa (30%), os Estados Unidos (35%) e o
Japão (14%) concentram 79% do mercado mundial das tecnologias de
comunicação e informação, restando aos outros países apenas 21% do mercado.
O relatório do Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgou dados em que os países que se
encontram no topo da pirâmide da riqueza mundial – os 20% mais ricos –
concentram 93,3% dos usuários da internet. De acordo com o mesmo relatório:
Auto-avaliação 4
Estudo de caso
Leia com atenção o texto Promessa é dívida, de Denys Monteiro, e responda às
questões.
Aspirações individuais e as organizações: realidades incompatíveis?
Em épocas difíceis, nas empresas, é comum, infelizmente, que os gerentes, para não
perder seus funcionários, façam promessas de dias melhores: “não se preocupe,
assim que aumentarmos as vendas, iremos promover você”. Ou, então: “se
conseguirmos atingir as metas, distribuiremos um percentual maior de lucro este
ano”. E, lá se vai o gestor desferindo golpes certeiros no bolso e no ego de sua
equipe.
Nesse momento, a reação na empresa é vigorosa. Todos se dão as mãos e vibram
como se fossem a seleção brasileira entrando no Maracanã após a palestra do
treinador, todos confiantes de que o título já está “no papo”. Soa o apito e o jogo
começa, com tudo dando certo: as áreas se falam mais e resolvem suas diferenças
em benefício do cliente, e não mais baseadas nas rixas entre elas; um novo serviço
é implementado, com redução de custos para a empresa; os memorandos param de
circular vagarosamente pela empresa e as decisões são tomadas on-line; as equipes
de venda convertem mais vendas. Algumas faltas cometidas, pequenos erros e
retrabalhos... mas, tudo bem, faz parte da tensão e ansiedade pelo resultado
positivo.
Ao apito final, não há mais nada a fazer. O ano acabou, as entregas foram feitas.
Vendas, só no próximo ano. Todos com o sentimento de dever cumprido: ganharam
market share, reduziram gastos em publicidade, contratos de longo prazo foram
estabelecidos com clientes estratégicos. Só o que se vê pela empresa são pessoas
cansadas, mas felizes por terem corrido sem parar durante os 90 minutos do jogo.
Eis que as reuniões de avaliação de desempenho começam. Todos na expectativa
de ganhar a recompensa pelo bom desempenho. Uma grande reunião é convocada
e os números da “partida” são apresentados. O discurso começa com um
agradecimento pelo desempenho de todos e comprometimento de cada um nos
últimos meses. Em seguida, iniciam-se as surpresas: “como vocês podem ver neste
gráfico, apesar de as vendas na região Sul estarem maiores, em compensação, as da
região Norte ficaram abaixo da expectativa e, com isso, houve uma pequena queda
no resultado global da companhia em relação ao esperado”. Surgem os primeiros
olhares, incrédulos, e o “zumzumzum” percorre a sala. E, o discurso continua:
“graças às reduções de despesas que conseguimos, as margens por produto
aumentaram num primeiro momento, mas, como grande parte dos componentes
são importados, a oscilação do dólar fez com que a margem operacional diminuísse
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em aproximadamente 30%”. Alguns já começam a entender o recado de que o
juiz não viu a mesma partida de futebol que os atletas jogaram.
Mais meia hora de gráficos, tabelas, justificativas, recomendações e surge um novo
desafio para o próximo semestre. Se atingido, pode recuperar os resultados deste
período e aí tudo volta à normalidade, com o crescimento da empresa e da
economia. Mas, como essa foi apenas a “coletiva para a imprensa”, os funcionários
aguardam ansiosos as suas avaliações individuais. Afinal, todos tinham metas bem
definidas e a confiança reina nos craques.
Os feedbacks começam. Aqueles que tiveram desempenho ruim recebem pouco
mais do que uma cobrança mais rígida e uma avaliação não muito animadora para
o próximo ano. Chega a hora dos confiantes e... e... lá vem o discurso de novo:
“Pedro, você foi um líder durante todo o processo, sem você não teríamos
conseguido nem este resultado, as pessoas confiam em você e no seu potencial. Na
sua região, você superou os objetivos, inclusive. Agora, com relação à promoção
que eu havia lhe prometido... não vou poder fazer ainda. Veja bem, não fique
preocupado, é só até as coisas melhorarem. Eu não tenho como justificar para a
matriz uma promoção e aumento com este resultado ruim”.
Ainda há uma tentativa de argumentação, um início de discussão, que não leva a
nada, além de outras promessas ainda mais audaciosas: “veja bem, estou te
preparando para o meu lugar, é preciso maturidade nesta hora”. E dá-lhe
blábláblá...
_____________________________________________________________________ Unidade 4
56 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
RESUMINDO
Você percebeu que uma sociedade que foi construída e ancorada no modelo
“querer é poder” produz sérias conseqüências éticas? Ter sucesso, hoje, é ter
dinheiro e, talvez, conhecimento. Os caminhos para obter esse sucesso, até agora,
foram muito centralizados no indivíduo; uma sociedade que busca sempre acumular
dinheiro e conhecimento, de forma ilimitada e individualizada, conduz as pessoas a
olharem sempre para si mesmas, deixando de reconhecer a importância e a
dignidade do outro. Isso representa uma grave conseqüência ética.
Nesta unidade, refletimos sobre as conseqüências éticas de um modelo econômico;
capitalismo, globalização e progresso tecnológico são faces da mesma moeda, que
compõem a estrutura de nossa sociedade. Percebemos que a busca pela conquista
de novas terras, de novos espaços de mercado, de maiores taxas de lucro foi um
eixo norteador da organização da nossa sociedade, que perpassou os vários séculos
de nossa história. A reflexão ética sobre a globalização nos ajuda a compreender
melhor e de forma interligada as ações no campo da política, da economia e da
ciência, faz-nos entender que as ações estão inseridas em um processo global que
possui uma lógica de funcionamento.
Na próxima unidade, você observará quais são os grandes desafios éticos da
modernidade.
Unidade 5
Os conflitos éticos da sociedade
atual
Objetivos de aprendizagem
Plano de estudo
Unidade 5
Seção 1: Grandes questões éticas da contemporaneidade
Seção 2: A construção de valores morais na sociedade brasileira
Seção 3: Características da sociedade brasileira capitalista
Seção 4: A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil
Seção 5: Esperança ética
58 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
PARA INÍCIO DE ESTUDOS
SEÇÃO 1
Grandes questões éticas da contemporaneidade
Você já observou como vivemos em um tempo de mudanças?
Que o progresso tecnológico avança quase sem podermos acompanhá-lo?
O que é certo ou errado fazer?
Cada um deve fazer o que é melhor para si? E como fica a sociedade?
Deus irá punir aqueles que agirem errado? Mas, e a certeza sobre a existência de
Deus?
Se não vou ser castigado depois da morte, por que devo respeitar o outro?
A eutanásia, o aborto, a engenharia genética podem ser aprovados legalmente?
Unir-se com uma pessoa do mesmo sexo é certo ou errado? Por que é certo ou
errado? Onde vamos buscar fundamento para condenar ou aprovar o casamento
entre homossexuais? Nos Livros Sagrados? Mas é verdade o que está escrito neles?
E como fica o respeito à liberdade de escolha de cada um?
Você percebe como surgem grandes questionamentos éticos na atualidade? Há
algum tempo esses questionamentos não eram tão intensos, em razão da autoridade
que era conferida a grandes instituições como a Igreja, a família, a escola. À medida
que o pensamento científico substituiu as crenças nas instituições e as pessoas
passaram a perceber a autoridade como algo não sagrado, têm evidência a
racionalidade individual, o questionamento e a crítica. Assim, sem a crença em uma
autoridade que define o que é certo ou errado, as pessoas começam a se perguntar:
mas é certo ou errado? Depende de cada um? Enfim, surgem dilemas éticos que
antes não existiam porque as pessoas seguiam fielmente os códigos morais que
estavam nos Livros Sagrados, na tradição da família, da cultura...
Iniciaremos a reflexão sobre os grandes desafios éticos da contemporaneidade
refletindo sobre como podemos compreender o período em que vivemos. Uma das
características principais da nossa era é a falta de perspectivas.
A FALTA DE PERSPECTIVA
A INTOLERÂNCIA
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contingente populacional, por questões de fundo religioso ou desentendimentos
políticos, etc. Ainda, há outra forma de violência, institucionalizada: a repressão. A
América Latina viveu por um longo tempo essa realidade; com a instalação dos
regimes militarizados, o povo foi vítima de um franco processo de violência, cujas
conseqüências até hoje se fazem sentir.
Dentre os perigos da intolerância, podemos ressaltar o seu poder de obstruir o
desenvolvimento democrático de uma sociedade, tornando inviável a convivência,
resultando, assim, em uma constante quebra da alteridade. Evidências da
intolerância se percebem no fundamentalismo religioso e também no
fundamentalismo étnico e cultural. Os Estados Unidos, por exemplo, considerando-
se os defensores da liberdade e da democracia, criam políticas intolerantes contra os
árabes, iraquianos, mexicanos. A intolerância contra o diferente torna-se um
agravante também no que se refere à sexualidade humana; é o caso da
homossexualidade.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo tem sido muito discutido no mundo
contemporâneo. Essa questão surgiu na Europa, nos países de tradição democrática,
intimamente ligada ao respeito à individualidade humana. No entanto, é de uma
realidade polêmica, pois vai de encontro aos pressupostos de ordem moral que
imperam na cultura ocidental. De forma objetiva, vai contra a moral religiosa, que
compõe um dos substratos da visão de mundo do homem ocidental.
Há, também, a questão da igualdade jurídica, comparada às relações heterossexuais.
É uma questão importante, para a qual muitos países deram encaminhamento
distinto, ou seja, a instância jurídica foi superior aos ordenamentos de ordem moral,
assegurando que as pessoas pudessem constituir uma união estável, sendo ambas
do mesmo sexo. Muitos argumentos contrários fundamentam-se ou na questão da
natureza humana ou nos Livros Sagrados. Mas, por que surge um dilema ético? Por
que um Livro Sagrado deve ser superior à liberdade humana? Ou, também, será
que a natureza humana é estática, ela não evolui, não muda? Por que o casamento
deve ser entre homem e mulher?
Esse torna-se um grande dilema ético, que os códigos morais, as leis não dão conta
de responder, e a pessoa que se apega a um único código moral pode acabar sendo
fundamentalista, apegando-se a uma única fonte de verdade.
A PENA DE MORTE
Por muitos anos, alguns países ou estados vêm adotando a pena de morte como
alternativa para a solução dos problemas sociais. Da forca até a cadeira elétrica,
vários instrumentos foram criados para eliminar as pessoas. No Brasil, muito se
discute sobre a adoção da pena de morte. As pessoas que refletem o senso comum
levantam essa bandeira, defendida por alguns parlamentares, como uma medida
redentora da situação caótica que vivemos em função da violência urbana.
A ENGENHARIA GENÉTICA
Nossas reflexões sobre a engenharia genética podem ser vistas no plano da bioética,
que “estuda a moralidade da conduta humana na área das ciências da vida”
(NALINI, 1999, p. 120). Como ramo do saber, associado à filosofia e à biologia, a
bioética procura argumentar em torno dos elementos que configuram a biomedicina,
que, no mundo pós-moderno, avançou de forma espetacular, protagonizando coisas
somente cogitadas na ficção.
As nações, através de seus representantes científicos, vivem um grande dilema, no
sentido de precisar qual deve ser o limite nas buscas humanas para desvendar o
universo da genética, deixando em alerta os pensadores das ciências humanas e,
também, alguns intelectuais das ciências jurídicas.
Não há como negarmos que a engenharia genética tem apresentado grandes
resultados, que apontam para a solução de sérios problemas no campo da saúde
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humana. Há uma grande euforia por parte dos cientistas que defendem, de forma
irrestrita, a manipulação da genética; cumpre a nós o papel de inquiridores.
Quem serão os grandes beneficiados com essas pesquisas? Elas representarão, de
forma efetiva, um momento de inclusão das pessoas carentes na área da saúde? Em
que proporção e de que modo a clonagem representa ou não a violação da moral e
da ética? Devemos impor limites a quem tem se dedicado a essas pesquisas? Ao
condenar as ações dos cientistas que atuam na área, não estaríamos reprimindo o
processo de evolução da ciência?
Observe que a reflexão ética parte de uma visão mais ampla sobre a questão; não
podemos apenas analisar o tema na ótica da ciência ou da moral religiosa,
precisamos analisar se as decisões podem beneficiar ou prejudicar as pessoas.
O PROBLEMA AMBIENTAL
Os geógrafos que refletem sobre as questões ambientais afirmam que dois terços dos
Holística: em ecossistemas estudados até agora sofrem de forma implacável as ações exercidas
sentido amplo –
pelo homem nestes últimos anos; que algumas regiões estão irremediavelmente
ecológico,
econômico, comprometidas pela ação irrefletida do homem. Essa situação nos faz pensar sobre
social, político. um novo conceito de cidadania, a cidadania ambiental, que “vai mais longe ao
estabelecer uma visão holística sobre o problema da preservação” (HUMBERG,
2002, p.65).
Uma visão holística sobre o meio ambiente nos ajuda a fazer uma reflexão mais
ampla sobre o problema ambiental, entender que a preservação do meio ambiente
depende, além de uma consciência individual, também de uma nova concepção de
sociedade, de um novo modelo econômico que não tenha o lucro como eixo central
do desenvolvimento. Uma visão holística de cidadania ambiental nos ajuda a
compreender que fazemos parte do meio ambiente.
O consumo dos recursos ambientais chegou a tal ponto que discutimos a capacidade
dos ecossistemas em garantir recursos para as próximas gerações. Sem dúvida, o
aumento da atividade humana sobre a natureza afetou de forma nunca vista o
contexto biológico de animais e plantas, que foram extintos sem que tivéssemos a
possibilidade de detectar sua verdadeira propriedade ou sua real função no contexto
da biodiversidade.
Os benefícios sociais provenientes da agricultura e da exploração direta de minérios
ajudaram o homem a protagonizar um estado de riqueza e bem-estar que até então
não havíamos visto, entretanto, o custo desse processo deve nos levar a refletir sobre
as ações que desenvolvemos.
Sem dúvida, a forma predatória com que o homem tem explorado os recursos
naturais fere os princípios da ética e nos leva a pensar em um plano global de ação
conjunta voltado a garantir o futuro da humanidade.
Procuramos apresentar algumas questões que causam grande
inquietude às pessoas, que afetam todos os segmentos da
sociedade. Mas, o que fazer para superar esses desafios?
SEÇÃO 2
A construção de valores morais na sociedade
brasileira
Temos grandes desafios éticos, que possuem particularidades e somente são
compreendidos por meio de uma contextualização histórica da formação étnica e
cultural do país. A forma como o Brasil foi colonizado é responsável pela construção
de valores e concepções de mundo que perpassam a história e chegam até nossos
dias.
Revisando nossa história, observamos que, quando chegaram ao Brasil, os
portugueses encontraram “a terra de muitos bons ares” e tentaram catequizar os
índios para o serviço à Coroa portuguesa. A catequese dos jesuítas servia para a
cristianização, mas também para o trabalho servil, o qual não fazia parte da cultura
indígena, que, por isso, foi vista como preguiçosa e indolente.
O início da colonização ocorreu por meio de três etnias: branca (portugueses),
amarela (índios) e negra (africanos). O domínio e a superioridade eram reservados
ao branco, fidalgo, colonizador, sinônimo de cultura. A subjugação do índio e do
negro marcou todo o período colonial (1500 a 1822), o período imperial (1822 a
1889) e boa parte do período republicano (1889 em diante).
Os portugueses alimentaram uma visão “capitalista” sobre negros e índios que
perpassa o século XXI. Os índios viviam na selva, em grupos seminômades, não
tinham trabalho regular, não valorizavam os metais preciosos, não tinham
preocupações com o futuro e eram facilmente enganados no escambo (troca de
mercadorias), e, ainda, analfabetos. Os negros, “acostumados” ao trabalho, eram
tratados como peças, não como pessoas.
A inserção do capitalismo no Brasil assenta-se sobre uma violenta dominação do
branco sobre o índio e o negro. Uma dominação não apenas física, mas também
ideológica, com conseqüências éticas: o índio e o negro vistos como inferiores ao
branco, vistos como objetos.
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O índio foi subjugado e tratado como “animal selvagem”, tanto é que, em
linguagem corrente da época, os jesuítas “amansavam” os índios, o mesmo
tratamento dado aos animais não acostumados ao trabalho servil. Os negros, por
sua vez, eram tratados pela política dos três “pês” (pau, pano e pão), ou, numa
linguagem mais branda, o escravo era “as mãos e os pés de seu amo”.
O negro “amansou” as terras, produziu o açúcar (o ouro branco da época), cavou as
minas. Quando, não por circunstâncias humanitárias, mas mercantilistas, a crescente
economia inglesa passou a ver no escravo um potencial consumidor dos seus
produtos, a Europa deixou de admitir a escravidão negra e exigiu o fim do tráfico
negreiro.
Veja que até mesmo a Abolição da Escravatura, que nos parece um avanço no
campo da ética, foi uma ação necessária ao sistema econômico. A liberdade não
veio em respeito aos negros, mas para gerar consumidores. Novamente, nesse
estágio da sociedade brasileira, os seres humanos são meios e instrumentos de um
sistema de mercado que beneficia a poucos.
Com a necessidade de operários, o Brasil, novamente, torna-se um espaço de
exploração e de escravidão; é o que acontece com a imigração européia ao Brasil.
Os imigrantes, que se encontravam em condições de pobreza na Europa, obrigaram-
se a partir em busca de sobrevivência.
Perceba como a sociedade brasileira, historicamente, contribuiu para a violência
contra o ser humano. Toda vez que o ser humano é inferiorizado na sua condição
de humano a ética considera isso uma forma de violência. O Brasil foi uma colônia
de exploração onde os habitantes se dividiam entre exploradores e explorados. O
Brasil não foi constituído como uma nação que se preocupou com suas pessoas, que
se preocupou em formar um povo, em tratá-lo com dignidade; foi um país que
caracterizou-se como um terreno de exploração. E, hoje, como e onde se percebe
isso?
SEÇÃO 3
Características da sociedade brasileira capitalista
Para fazer uma análise sobre a sociedade brasileira, não podemos esquecer que se
trata de uma sociedade estruturada sobre a lógica capitalista.
O capitalismo adotado pela sociedade brasileira, conforme Nickelle (2005), tem no
pobre a mais obscena prática de obter desse segmento social ganhos, lucros,
vantagens, expropriação jamais imaginada por qualquer teórico desse sistema
social. Procure lembrar, da seção anterior, a questão do ser humano como meio
de geração de riquezas. No Brasil, o processo capitalista concentra de forma
exponencial o capital nas mãos de poucos. A concentração de renda é, hoje, um
dos maiores causadores dos problemas sociais do país. Altos salários para uma
minoria favorecem um consumo sofisticado, que aumenta a importação e o
turismo para fora do país, inibindo a produção de bens e serviços internos pelo
gradativo empobrecimento dos demais trabalhadores.
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A globalização e a ética ______________________________________________ 65
Uma das conseqüências da sociedade brasileira, capitalista, é o crescimento da
miséria e a busca de soluções imediatas pelos que fazem parte da classe mais
pobre da população. De acordo com Nickelle (2005), os que recorrem aos baús
da “felicidade”, à loteria ou mesmo à fé religiosa, como forma de aceitar tal
esperança, são iludidos por verdadeiras quadrilhas de espertalhões que, em nome
da sorte e de Deus, enriquecem à custa da ignorância e ingenuidade. As
esperanças, de fato, estão comprando redes de televisão, mansões e enviando
milhões de reais, não mais para o céu, mas, sim, para o paraíso fiscal.
É uma característica dos países mais pobres a busca por uma vida melhor por
meio da religião ou de soluções imediatas, como loterias e premiações milionárias.
Percebemos bem forte a ideologia do capitalismo, do “cada um por si e Deus por
todos”; isso vai dificultando a formação da cidadania, da democracia, da
consciência da coletividade.
Os próprios meios de comunicação contribuem para induzir as pessoas a resolver
sua situação de forma individualizada; basta ver a quantidade de programas de
auditório que premiam pessoas com carros, casas, inclusive cujos apresentadores
são considerados pessoas que colaboram para uma sociedade melhor. A mídia
também legitima o individualismo quando busca criminalizar os movimentos
sociais; toda a forma de organização da sociedade enquanto povo e enquanto
classe é vista de forma negativa. Comece a perceber a cobertura dos veículos de
imprensa sobre as manifestações e protestos sociais; geralmente, ressaltam os
aspectos negativos, como o congestionamento do trânsito, as depredações, brigas,
levam-nos a concluir que cada um deve trabalhar individualmente, fazer sacrifícios
sozinho para obter o sustento. Ou seja, ao assistir à TV, você chega à conclusão de
que se você é pobre a culpa é sua, se quer comprar uma casa ou um carro você
deve trabalhar em dois empregos, e não lutar pelo aumento do seu salário.
SEÇÃO 4
A legitimação da concentração de renda e da
corrupção no Brasil
“O sucesso não é para todos”, “se fulano é rico, foi por seu próprio mérito”; essas
expressões nos indicam que a desigualdade de renda e a concentração de riqueza
são vistas como algo natural no Brasil.
Segundo Pochmann (2004 apud FUTEMA, 2004), o Brasil é um dos países mais
desiguais do mundo, o número de ricos no país dobrou de 1980 a 2000. Em 2000,
existia 1.162 milhão de famílias ricas no país, o correspondente a 2,4% da
população brasileira. Vinte anos antes, havia 507 mil famílias ricas, 1,8% da
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população na época. Esse 1.162 milhão de famílias ricas é dono de 75% do PIB
do país. Desse total, 5.000 famílias detém 45% do PIB. Além disso, a participação
dos ricos sobre a renda nacional subiu de 20% para 33% nesse período.
Mesmo com esses dados alarmantes, ainda vigora entre os brasileiros a idéia de que
a riqueza ou a pobreza é um problema pessoal. Essa idéia não é apenas brasileira,
mas essa concepção não contribui para uma reflexão ética mais aprofundada sobre
a geração de riqueza na sociedade brasileira. Essa superficialidade e falta de
profundidade reflexiva também colabora para uma certa tolerância à corrupção e ao
famoso “jeitinho brasileiro” – que, na grande maioria das vezes, corresponde a uma
habilidade para trapacear e tirar vantagens. Essa realidade toma conta da esfera
pública e privada, passando por caixa 2, desvio de dinheiro, propina e compra de
votos.
Toda essa realidade de desigualdade social, corrupção e analfabetismo político
acaba esquecida e tolerada sob o argumento de que vivemos num país maravilhoso
e de que “Deus é brasileiro”. A beleza das mulheres, a riqueza natural, o carnaval e
o futebol parecem desempenhar um papel de viseira ética diante de uma realidade
violenta e injusta.
Rega (2004) afirma que “O jeito, ou o jeitinho brasileiro, é a imposição do
conveniente sobre o certo”. É a “filosofia” do: “se dá certo, é certo”; desde, é
claro, que “dar certo” signifique “resolver meu problema”, ainda que não
definitivamente. Assim é o brasileiro: dá jeito em tudo. Sua versatilidade abrange
um sem-número de situações: é o pára-lama do carro amarrado, em vez de soldar;
são os juros embutidos no valor da prestação “fixa”; é matar a avó pela quinta vez
para justificar a ausência a uma prova na escola. Mas o jeitinho é, também, pedir
a um médico amigo para atender uma pessoa carente ou para fazer uma cirurgia
pela Previdência; é o revezamento dos vizinhos para socorrer uma pessoa doente;
é conseguir um emprego para um pai desempregado.
Você viu que o brasileiro foi criando uma cultura própria para lidar com
os seus problemas?
Aí surgem alguns dilemas diante do jeitinho, apresentados por Rega (2004): que
dizer, então, do jeitinho? Podemos fazer uso dele para resolver as questões do dia-
a-dia? Será que todo jeito é desmoralizante, ilegal, burlador, inconveniente? Ou
será que ele também pode ser criativo, solidário, benevolente?
Segundo o autor, a mídia tornou o “jeitinho” algo negativo, mas ele revela o
desejo do ser humano de não se prender às normas, e sim de superá-las, subjugá-
las. Suspende-se temporariamente a lei, cria-se a exceção e depois tudo volta ao
normal; primeiro se dá um jeitinho na situação, resolvendo o problema, e depois
se vê como fica...
Se o jeitinho busca suspender a lei, a regra oficial, o brasileiro seria, então, um
anarquista, um fora-da-lei? Para Rega (2004), “O brasileiro não nega a existência
da lei, o que ele nega é a sua aplicação naquele momento”. Justifica-se: se
podemos pagar menos imposto de renda a um governo que não retribui
adequadamente em benefícios sociais para seus contribuintes, por que fazê-lo?
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A globalização e a ética ______________________________________________ 67
Por que pagar uma multa de trânsito – altíssima – se podemos dar um jeito de
cancelá-la?
Você percebe que a cultura do jeitinho vai se fundamentando na idéia de que o
país não cuida de seu povo? E podemos perceber que, historicamente, de fato, foi
isso que aconteceu. As pessoas eram um meio de gerar riquezas, tanto para
Portugal, quanto às elites nacionais, e sabemos que isso se repete até hoje. Então
o jeitinho busca uma ação que faça protesto a isso.
O jeitinho busca encontrar uma solução possível para uma situação que a
princípio seria impossível. Rega (2004) cita o caso do operário que “cobre” o
outro em seu turno enquanto aquele participa de um curso no supletivo, para
ganhar o tempo perdido. Diante disso, voltamos à especificidade da ética que –
como parte da filosofia – busca sempre fazer uma análise mais global do assunto.
Devemos condenar o jeitinho brasileiro como uma ação antiética? O desemprego
não é uma situação individual, então algumas ações encontradas para superar
essa problemática social precisam ser analisadas de forma global e profunda.
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68 __________________________________________________________________ Ética e Sociedade
governamental em áreas como a segurança pública, a fiscalização e o
planejamento da política tributária e financeira conduz o cidadão a uma situação
tal que sua única saída no momento é o “jeito”, a “escapada”, sob pena de perder
o emprego ou inviabilizar sua empresa.
Em suma, o descaso generalizado das autoridades públicas quanto às reais
necessidades do povo gera o “salve-se quem puder”, que, por sua vez, alimenta o
jeito e incentiva a transgressão das normas. Disso à corrupção é apenas um passo;
tão logo se estabeleça, a corrupção generalizada acolhe a impunidade, e assim
fecha-se o círculo.
Em uma ocasião, um adolescente me entregou sua agenda para que lesse alguns
poemas que ele havia feito. Li-os, cuidadosamente; tratavam da realidade de nosso
país. Ao final de um deles, havia uma frase, cuja autoria o adolescente ignorava:
“Em Roma, ela se chama bustarela; em Moscou, vzyatha; em Berlim, tink gel; e, em
Brasília, pode ser ‘jeitinho’, mas em qualquer lugar do mundo e a qualquer época
será sempre corrupção, uma prática tão antiga quanto a existência do homem. Sua
arma predileta é a dissimulação, e seu instrumento mais eficaz, o suborno, desde o
mais célebre da História, o de Judas Escariotes, ao do empreiteiro que paga
comissão ao homem público”. Copiei a frase e tenho buscado identificar seu autor.
Ela produziu bons efeitos; foi capaz de sensibilizar aquele adolescente, mostrando
que em todos os espaços da vida social impera a preocupação com procedimentos
que fluam isentos de mazelas humanas como a corrupção.
De acordo com Rega (2004), percebemos que o jeitinho brasileiro possui contexto
dentro de um círculo vicioso que envolve o cidadão brasileiro. Torna-se negativo
quando usa de justificativas para o ato corrupto, para a negligência.
SEÇÃO 5
Esperança ética
A reflexão ética na universidade não tem outra função senão a de provocar em nós
a necessidade de construção de um novo projeto de vida. O século XXI exige que
mudemos as concepções de felicidade e realização pessoal, até então assentadas
num plano individual, para um plano social e comunitário. Em nossa sociedade, não
cabe mais o desejo de escolher uma profissão para ficarmos ricos e desfrutarmos
individualmente de todos os prazeres oferecidos pelo progresso econômico e
tecnológico.
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Auto-avaliação 5
RESUMINDO
Nesta unidade, refletimos sobre grandes questões éticas da nossa atualidade, que
perpassam todas as profissões e áreas do conhecimento. Na sociedade brasileira,
algumas questões éticas assumem maior evidência; são exemplos disso a corrupção
e a concentração de renda.
Como a ética é uma reflexão sobre o costume e a cultura, percebemos que esses
grandes desafios éticos de nosso país prescindem de uma mudança cultural, que
necessita de atitudes e posturas profissionais comprometidas com o bem comum.
Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução à Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1992.
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 2.ed. rev. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999.
POCHMANN, Márcio. Atlas da Riqueza no Brasil. São Paulo: Cortez, 2004. v.2