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A ESTRUTURA DA MALDADE
Christopher Bollas
1992

Índice
A estrutura da maldade................................................................................................pg.3
O assassino em série......................................................................................................pg.6
O morto vivo..................................................................................................................pg.7
A morte do self...............................................................................................................pg.8
Espaço potencial maligno..............................................................................................pg.9
O sacrifício.....................................................................................................................pg.10
O receptáculo que guarda um conteúdo em putrefação............................................pg.11
Cenas primárias do morto............................................................................................pg.12
A cabeça oca...................................................................................................................pg.14
infantilização catastrófica............................................................................................pg.14
A criança que sofre abusos............................................................................................pg.15
Ser violado mentalmente..............................................................................................pg.17
A mulher agredida.........................................................................................................pg.20
A aliança sadomasoquista.............................................................................................pg.22
Perversões da transferência e sensações de maldade na contratransnsferência.....pg.25
A maldade comum.........................................................................................................pg.30

(“Dois breve comentários sobre o texto”, J. Outeiral)...............................................pg.35

( material, não revisado; mantida -sem correções- a escrita original, exceto quando
alguma retificação se tornava necessária para a compreensão do texto. O autor tem uma
estrutura literária de texto, como é natural dada sua formação original, a literatura, de
tradução “delicada”; material não publicado; exclusivamente para circulação interna
nos Seminários Winnicott; tradução, a partir de um texto distribuído durante seminário
com o autor na Associacion Psicoanalitica del Uruguay, Montevidéo ,1992 )
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Fui procurado para consulta por uma jovem de vinte e seis anos. Ela chegara da
Austrália e foi encaminhada por seu terapeuta,com quem havia estado em
psicoterapia por vários anos.Não tenho hora e ela sabe; quando me conta coisas de sua
vida, já sabe que vou enviá-la para outra pessoa. Não tinha sido possível encontrar o
tipo de “felicidade” que esperava encontrar após graduar-se em Administração de
Empresas e depois de haver começado a trabalhar em uma pujante empresa
australiana. Foi por este motivo que abandonou tudo para vir para a Inglaterra. Seu
relato desta brusca partida se projeta na sessão, porém é silenciado por uma espécie
de “conversalhada”; suas razões, quaisquer que tenham sido, ficam nebulosas, dentro
de uma atitude típica de uma menininha.

Estava na Inglaterra porque sua mãe era inglesa e esta nunca havia se entusiasmado
com a Austrália. Enquanto me falava sua boca se torcia, de forma quase
imperceptível, para baixo, quando se referia à mãe. As pessoas na Austrália eram
muito rudes. A cultura inglesa era mais refinada, e sua mãe estava segura de que a
Inglaterra era o lugar adequado para ela. De fato, a paciente havia estado aqui cinco
anos antes, logo depois de sua graduação, e havia considerado a idéia de ficar. Um
inglês, de pouco mais de trinta anos, havia visitado sua família e lhe havia proposto
um trabalho em um “pub”, na zona rural. Durante este verão viveu em um pequeno
povoado inglês e manteve um forte romance com o homem. Sentiu-se, porém, muito
deprimida quando, ao chegar a primavera do ano seguinte, ele a deixou, e ela foi,
novamente, para a Austrália.

Preocupei-me, neste momento, uma estranha mescla de atitudes puramente infantis,


uma forte ambição, uma marcada tendência à depressão e um “oco” em sua mente.
Terminada a hora a encaminhei a um colega; porém, um mês depois, meu colega me
comentou que a paciente não havia procurado. Decidi chamá-la; disse-me que estava
planejando uma viagem de vários meses pela Europa continental e que faria contato
comigo quando voltasse.Cerca de seis meses depois tornei a vê-la em meu consultório.

Sorrindo e rindo, em alguns momentos a ponto de chorar, conta-me que agora estava
fortemente envolvida em uma relação. Havia tido um acidente de carro, havia sofrido
ferimentos, e, enquanto estava internada, conhecera um enfermeiro de um país do
Oriente Próximo ,de quem havia se enamorado de imediato. Ele era muito amável e
atento, e quando a convidava a sair, em seus primeiros encontros, era o protótipo da
boa educação e dos bons modos. O teatro, a Ópera, os cinemas, a Tate, Victoria and
Albert Hall , eram seus diferentes “lares” na cidade, e a levava nestes locais com uma
sensação de familiaridade e cotidianidade, que a fazia sentir-se “nas nuvens”.Ao fazer
amor era incomparável; acariciava seu corpo com uma delicadeza cuidadosa e
deliberada, o que nunca havia experimentado antes, e seu orgasmo era como estar
no paraíso. .

O resultado era que se tornava difícil seu trabalho no escritório, ainda que fosse um
trabalho novo que lhe era particularmente interessante. Todo o tempo pensava nele. O
sentia a seu lado, o via, sentia seu sabor, se sentia transportada por ele, ainda que não
estivesse a seu lado. Voltava a seu apartamento, onde ele havia se instalado,
desesperada por vê-lo. Enquanto me contava esta história percebi que me sentia
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bastante inquieto. A paciente disse-me, então, que as “coisas” com o amante haviam
mudado. Estava convencida de que este homem era uma pessoa estupenda, porém
agora já não podia passar muito tempo junto á ela, se bem que pretendia que ela
estivesse no apartamento o esperando, caso ele pudesse ir vê-la. Ainda que não mais
houvesse Ópera em sua vida, escutavam música juntos, discos que o homem colocava
na pick-up da paciente; e ela, então, se sentia transportada a outro mundo. Já não era
tão sensível no plano sexual; a paciente me disse, não sem certa vergonha, que tinha
atitudes cruéis, que eram muito estranhas: a atava e, às vezes, a agredia, porém,
enquanto o fazia, a olhava com uma ternura que derretia nela qualquer resistência. O
resto da sessão ficou marcado com uma imagem cada vez mais perturbadora da forma
em que esta mulher estava cativa deste homem.

Pouco foi o que eu lhe disse. Porém o pouco que disse me tomou totalmente de
surpresa, já que nunca o havia dito antes. Ao final da sessão disse-lhe – “Creio que
este homem é um malvado” – com o que ela imediatamente manifestou seu acordou. A
encaminhei, outra vez, a outro terapeuta, insisti para que telefonasse a ele e começasse
uma terapia, porém creio que eu mesmo já sabia que ela não iria fazer isto. A paciente
não se comunicou com o terapeuta e eu não voltei a ter notícias dela; a experiência
submergiu em meu inconsciente, embora, de quando em vez, pensava na paciente e
perguntava-me o que haveria sido dela. Também perguntei-me , muitas vezes, por quê
havia lhe dito que seu amante era um “malvado” e refleti sobre a idéia que tive acerca
da jovem. Fiquei irritado com sua aceitação passiva da crueldade e me perguntava se
a paciente era uma “cabeça oca”, termo que me desagrada profundamente, porém
que, estranhamente, considerei muito oportuno. Por quê eu havia pensado, neste
encontro, entre o malvado e a “cabeça oca”?

A estrutura da maldade
É importante, em primeira instância, estabelecer uma diferença entre os processos
malvados, com uma clara estrutura própria, e as ações infames ou as pessoas
maliciosas. A história da cultura ocidental mostra um esforço claro e permanente por
refletir sobre os processos que se qualificam como malvados, porem este esforço de
pensamento se vê continuamente obscurecido por uma utilização mais ampla do
significante, empregado para designar qualquer acontecimento horrível ou qualquer
pessoa maliciosa. A maldade como processo é, também, um impulso incontrolável e
parte de uma psicologia interna que se evade essencialmente do reconhecimento
consciente. Assim, cada uma das milhares de representações da maldade que se
encontram na literatura do mundo ocidental, somente expressa uma parte do
processo, deixando-nos, em qualquer momento, somente parcialmente conscientes do
que tentamos pensar.

O Gênesis nos oferece uma das experiências mais claras da estrutura da maldade;
todos conhecemos a história da sedução de Eva pela serpente, que resulta na queda do
homem e uma maldição para a humanidade. Certamente, se a serpente foi a primeira
presença malvada, então Eva deve ter sido a primeira “cabeça oca”: uma cabeça vazia
que não retém os conteúdos mentais que afiançariam sua segurança e sua
sobrevivência. Sua ambição, de fato, nos diz algo acerca do porque a maldade faz dela
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uma presa fácil; Eva é guiada por seus próprios desejos de comer da única árvore que
lhe havia sido proibida, e o poder de suas ânsias elimina o poder das outras partes de
sua mente que poderiam havê-la mantido a salvo.

O êxito de Iago ao seduzir Otelo, ilustra de que forma outra poderosa emoção, neste
caso o ciúmes, pode destruir a mente, criar uma “cabeça oca” assassina que asfixia o
objeto de seu amor. A obra de Shakespeare, porém, examinava a estrutura da
maldade com uma maior profundidade que no passado. Iago ganha a confiança de
Otelo semeando no Mouro dúvidas sobre sua esposa, criando uma nova espécie de
dependência. Cativo na estrutura de um destino psíquico que se desenvolve em
espiral, Otelo fica preso no misterioso desaparecimento que Iago faz do lenço,
presente de sua mãe antes de sua morte e objeto que ele havia dado a Desdêmona. Ele
tem uma pequena fruta bordada em um canto, sinal de alimento. O ataque de Iago a
função e ao lugar deste objeto, leva o Mouro a uma loucura assassina. Iago mata seu
amor e ele sofre uma espécie de morte psíquica antes de assassinar a pobre
Desdêmona.

O heróico príncipe das trevas de Milton é outra tentativa de refletir sobre a estrutura
da maldade, pondo ênfase sobre a dor inconsciente que satura o satanás, que não
somente sofreu a perda de seu lugar no paraíso, senão que também um catastrófico
aniquilamento de sua posição. O Fausto de Marlowe, como Eva, parece sofrer por
causa de sua própria ambição, porém como no caso do Fausto de Goethe, seu egoísmo
e sua necessidade infantil, levam consigo um sinal maligno, dado que o self está dentro
de uma estrutura que explora a vulnerabilidade da criança.

Somente vou referir-me aos esforços parciais da cultura ocidental por pensar a
estrutura da maldade, pois não é minha intenção fazer um bosquejo acadêmico da
história, desejando, apenas, indicar de que forma uma civilização como a nossa pode
tentar pensar sobre algo durante muito tempo. Em minha opinião, a psicanálise pode
nos permitir dar um passo adiante neste caminho, e com tal fato na mente, me
dedicarei agora a criar o primeiro esqueleto deste processo, para, após, agregar-lhe,
no papel, os ossos e a carne. Tratarei de indicar o alcance total da estrutura, ainda que
ela não tenha sido totalmente representada na literatura ocidental. Minha ênfase se
centrará na maldade como processo que implica a duas pessoas na atuação
intersubjetiva de uma ontologia maligna.

O processo da maldade implica, por parte do sedutor, cativar a vítima, cuja


vulnerabilidade é explorada de forma tal que (sob a modalidade de uma simples
necessidade ou ambição) se converte em sua própria perdição. Há, ao menos, oito
passos no desdobramento da estrutura da maldade:

1. A bondade como sedução. O processo começa a partir do que chamaremos


malvado e que busca uma vítima.para capturar sua vítima deve aparentar ser
bom, e, por certo, esta aparência de bom é o traço mais atrativo. Quaisquer
que sejam os elementos pré-determinantes do inconsciente do outro, a bondade
do sedutor é atrativa.
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2. Criação de um espaço potencial falso. A chegada de quem aparenta ser bom


cria um espaço potencial para o receptor de sua bondade. Seja pela sugestão de
que o outro pode possuir realmente algo que sempre pensaram que lhes estava
proibido, seja devido ao estado de verdadeira carência da vítima, carência que
agora parece estar a ponto de resolver-se, o sedutor, através da representação
da bondade, evoca a esperança (ou a ambição ou o poder) na vítima, que agora
o considera como uma possível solução de sua situação.
3. O oferecimento. Muitas vezes considerado como uma tentação, o oferecimento
sugere ao outro que o espaço potencial pode chegar a ser, infinitamente ou ao
menos poderosamente, eficaz.
4. Dependência maligna. A vítima que aceita o oferecimento é agora, sem dúvida,
totalmente dependente do sedutor para chegar com êxito em seu destino.
Poderíamos dizer que a vítima fica totalmente dependente da bondade em que
acreditou, porém dependente com base em uma cegueira criada pela
intensidade de sua própria necessidade.
5. Escandalosa traição. O sedutor faz algo com o que indica que não é como o
que parecia ser. Existe ali uma expectativa, quanto ao seu efeito, porém para a
futura vítima é um profundo shock. Em termos lacanianos, é como se o
imaginário fosse invadido pelo real, como se o real tivesse uma
intencionalidade organizada própria que obtura os espaços onipotentes
construídos pelo imaginário. A vítima, como Desdêmona, não pode crer no que
está ocorrendo com ela, não simplesmente na realidade senão que através da
realidade.
6. Desilusão catastrófica e infantilização radical. O sedutor submete a vítima a
uma desilusão catastrófica, a um colapso totalmente de suas crenças anteriores,
que resultam na destruição das estruturas da personalidade adulta a medida
que a vítima é praticamente desvirtuada pelo tempo e levada a uma posição
infantil que, em alguns casos, deixa sua própria vida em mãos dos caprichos
onipotentes de quem instituiu a estrutura da maldade.
7. Morte psíquica. A vítimas tem a vivência de um assassinato de seu próprio ser.
O self que tinha necessidades, que sentia a chegada de um espaço potencial, o
self que se havia tornado dependente e que acreditava em um destino bom é
subitamente assassinado.
8. Uma dor interminável. A vítima nunca se recuperará do desenlace psíquico
deste processo, na medida em que os atos do sedutor destruíram as estruturas
geradoras de representação e o receptor sempre terá a lembrança deste
aniquilamento.Se a vítima é assassinada, os membros de sua família levarão
dentro de si uma dor interminável que não poderá ser resolvida. É insuportável
saber que um ser amado, que vivenciou o outro como bom, que esta mesma
bondade humana se converteu em causa de sua morte.

Sugiro que os oito passos que acabo de bosquejar constituem a estrutura da maldade.

Certamente que existem variações, porém esta é sua arquitetura. Para compreender o
aspecto habitual da maldade, creio que deveremos analisar a patologia e, como fez
Freud no final do século XIX, isto significa observar os transtornos extremos para
compreender os aspectos mais comuns da mente humana. É possível que a observação
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do evidente colapso da histérica como um ícone do final do século XIX, corresponde a


imagem da estrutura violenta do assassino em série como o fantasma das mentes no
final do século XX. Nos cem anos decorridos neste tempo, o mundo sofreu duas
guerras que anularam as presunções que se tinha sobre a humanidade, deixando ao
homem do final do século uma espécie de self seriado que anda à deriva em uma vida
que se torna cada vez mais anônima e que é, portanto, inevitavelmente um”branco”
de seus pensamentos, seu desespero ou, em caso extremo, seus assassinatos.

O assassino em série
Albert De Salvo ( o estrangulador de Boston,1964 ). Herber Mullin, Edmund Kemper,
Dean Corll e Elmer Wayne Henly, o assassino do Zodíaco, Kennet Bianchi ( O
estrangulador da Colina ), John Gracy, Ted Bundy, Gerald Stano, Carlton gary,
Wayne William, Henry Lee Lucas, Denis Nilson, Dahmer, e os nomes de muitos mais
virão, que viverão em nossos aparelhos de televisão, encherão as páginas de nossos
jornais e nos horrorizarão.Porém não desaparecerão.

Quem são? Não sei. Pelo que sei, a psicanálise teve alguns deles em seus divãs. Porem
creio que temos pacientes que com um potencial para este ato e contamos como ocaso
de Dennis Nilson ( e outros ), com discussões notavelmente francas, acerca de suas
motivações, que podem nos permitir começar a pensar sobre os atos inconscientes
destas pessoas.

Quero dizer, realmente, “estas pessoas”? A investigação da bibliografia a respeito


revela uma ampla variedade de histórias pessoais, selves infantis, representações
adolescentes, etc. Considero, entretanto, que a história do assassino em série é
ilustrativa do ponto de vista da maldade. O genocídio se converteu na quinta essência
do crime no século XX. O assassino em série é um ser genocida ( ver “Dois breves
comentários”, pg. 35 ) que captura sua vítima com o objetivo de converter o humano
em não humano, e logo desfazer-se do que, para o assassino, é um ser que não tem
entidade desde o anonimato em que começou a relação até o esquecimento que
marcará o seu fim. Muito pode se aprender sobre a especial relação de objeto
inconsciente que atua este ser genocida, e, ainda que a psicanálise não tenha
experiência clínica com o assassino em série, utilizarei suas ações e suas relações de
objeto como matriz para estudar a estrutura da maldade, pois em minha opinião, o
assassino em série atua, de forma total, um processo que tem tido um interesse
permanente na cultura ocidental. Pode ser ele, então, a primeira manifestação
completa da maldade, e através do estudo do que ele faz poderemos chegar a
compreender algo que, sem dúvida, tem sido sempre parte de nossa cultura, de nossa
sociedade e dos diversos destinos de alguns de nossos selves.

Confio que fica claro que meu ensaio sobre o assassino em série não surge de um
estudo científico destas pessoas em particular; construo uma figura mítica com traços
identificáveis que nos permitirá pensar não simplesmente sobre ela, como, de forma
mais pertinente, sobre o que esta pessoa que deixa, à vista, uma estrutura lógica que
tem absorvido nosso interesse durante milhares de anos, porém que recém agora está
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emergindo à superfície. O assassino em serie a que me refiro neste ensaio inclui, pois,
os perfis de muitas destas pessoas.

Bundy engessava o braço, de quando em vez, apresentando-se como se fora uma


pessoa com carências, revertendo-se, assim, o processo habitual de sedução, em que se
oferece algum tipo de ajuda à vítima. Lucas parava seu carro para levar os jovens que
pediam carona nas estradas. Nilsen ofereceu um lugar para um jovem passar a noite.
O objeto da sedução é, porém, matar: “ É honroso matar o inimigo”/ É glorioso lutar
até o sangrento final/ Mas a extirpação violenta/ Com base na confiança sagrada/ De
tirar a vida de um amigo? ”

O que é a “confiança sagrada” que escreve Nielsen? Nos vem a mente a confiança com
que se investe a quem oferece refúgio, assistência ou alimento, uma confiança que
sabemos existir na base do ser humano.Qual é a origem da “confiança básica”, como
chamou Erik Erikson ? Não sabemos, por acaso, que é a confiança que o infante e a
criança tem em sua mãe e seu pai, que o cuidarão, que certamente reprimirão toda
resposta violenta ou assassina, e que suportarão a ambição, a onipotência, a “cabeça
oca” e os ciúmes da criança?

O assassino em série desdobra, então, sua relação objetal oferecendo-se a si mesmo


como uma espécie de criança com carências ou, com maior freqüência, como um pai
atento que oferece a mão da amizade. Este ato corresponde a estrutura inconsciente
de todos os conatos entre pais e filhos, e, como veremos, é parte da intenção do
assassino de matar os pais diante da vítima; eliminar a pretensão da criatividade
paterna desmascarando este pai para revelar seu outro self abominável.

O morto vivo
Antes de começar a matar, Nilsen costumava deitar-se nu frente a um espelho e olhar
seu corpo durante horas,de forma interminável, “A medida que se desenvolvia minha
fantasia no espelho, meu rosto se punha branco, meus lábios azuis e meus olhos
miravam fixamente o espelho. Atuava estas coisas sozinho, utilizando meu próprio
cadáver ( eu ) como objeto de minha atenção”.Depois que matava suas vítimas, Nilsen
as banhava, as punha na cama, falava com elas, as vestia, as enterrava sob as taboas
do piso, as ressuscitava, as banhava novamente, após as esquartejava, as fervia, as
enterrava e, assim, sucessivamente. Ocasionalmente sodomizava o cadáver, fascinado
por suas características físicas, porém também, “fascinado pelo mistério da morte... eu
lhe sussurrava porque acreditava que realmente estava ali”, escreveu sobre uma de
suas vítimas.

Em sua excelente biografia de Dennis Nilsen, Brian Masters associou a horripilante


fascinação de Nilsen para com os cadáveres com a morte de seu avô, Andrew Whyte.
Segundo suas lembranças, uma manhã a mãe lhe perguntou se desejava ver o avô e o
levou a um quarto onde seu amado avô jazia em um ataúde. Disseram-lhe que o avô
estava simplesmente dormindo. Foi somente depois de muito tempo que se deu conta
que não voltaria a ver seu avô com vida.
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Nilsen escreveu:”... foi para baixo da terra meu verdadeiro eu, e, agora, estou lá com
ele, jazendo sob o sal e o vento do Cemitério de Inverallochy. A natureza não prevê a
morte emocional .” Desde este dia Nielsen se considerou um morto, opinião que, de
acordo com seus diários, ele podia trazer à consciência, ainda que, a partir deste
momento, obviamente, viveu grande parte de sua vida como se não fosse assim.

Os leitores de biografias sobre assassinos em série observarão que muito dos homens
que se converteram em assassinos de pessoas anônimas sofreram a morte emocional
que Nielsen havia descrito. O que acontece quando uma criança sofre a morte de seu
self? Qual o tipo de morte de que se trata?

A morte do self
Sabemos, obviamente, que é o resultado de algum tipo de trauma. Um dos meus
pacientes, aparentemente maníaco-depressivo, havia sentido, no início de sua análise
que a morte de sua mãe,quando ele tinha 9 meses de vida, não havia tido significação
para ele. Entretanto, sua sensação de desproteção, sua falta de fé na vida, seus
incessantes e ineficazes imperativos, assinalavam uma devastação em sua infância
inicial. Não possuía a relação de objeto interna e geradora que permite ao indivíduo
acalmar seu self, e, ao contrário, manejava sua dor inconscientemente utilizando sua
mente como objeto que o impelia a realizar atividades através de uma interminável
provisão de duros imperativos e comandos (“Vamos, deixa de sentir pena de ti mesmo
e te põe a trabalhar”). Embora seu pai nunca tenha discutido este acontecimento e
ainda quando o acusava por diversas falhas em sua vida, seu pai o amava, o cuidava, e
ele pode continuar, ainda que a duras penas. Não há dúvida de que com a morte da
mãe, algo morreu dentro dele, ainda que parcialmente ressuscitado pelo amor e
cuidado de seu pai.

Henry Lee Lucas, entretanto, foi brutalmente agredido por sua mãe, de forma
repetida, durante sua infância. Seu pai havia sofrido uma dupla amputação e vivia –
se este é um termo adequado – sobre uma madeira com rodas, na qual se movia pelo
povoado. A mãe era uma prostituta que mantinha relações com muitos homens diante
de seus filhos. Quando criança Henry matava animais, esquartejava seus corpos e
brincava com o sangue. Antes de começar sua orgia de assassinatos em todos os
estados, matou sua mãe. Ainda que eu não tenha conhecido este homem, creio que é
certo pensar que vivenciou a morte – ou talvez, mais exatamente, a morte de seu self
em inúmeras ocasiões durante sua infância.

O assassino em série pode, então, identificar-se com a morte, porém com uma morte
que é o assassinato do self. Este self está agora morto e somente pode seguir “vivendo”
se mata a outros selves que inda não se converteram em cadáveres. Os cadáveres se
convertem em um a espécie de companhia, como conclui Masters em sua biografia de
Nilsen.Converter um ser em cadáver é como criar uma espécie de família.

No lugar que alguma vez ocupou o self vivo emerge um novo self, que se identifica
com o assassinato do bom, onde o “bom” significa, simplesmente, um self que acredita
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na confiança, no amor e na reparação. Eigen, Grotstein, Goldman e outros escreveram


importantes trabalhos sobre a forma em que a maldade surge em um indivíduo. Eigen
sugere que uma desorganização precoce do ego perturba o sentido de self e resulta em
uma “corrupção” que encaminha a direção do self para atos malvados. É essencial
lembrar que as mais horríveis crueldades dos pais para um filho não implicam que se
gere uma mente assassina, quando o filho atinge a idade adulta. É importante
ressaltar a resposta psíquica da criança, que toma partido pelo ato contra o self,
matando as partes amáveis do self e deixando com vida o poder organizador das
partes que odeiam e do ódio.

Pode ser inútil diferenciar entre os diferentes tipos de ódio, porém a bibliografia sobre
os assassinos em série e o fenômeno clínico que identificarei como estrutura da
maldade marcam a falta de paixão do ato do assassinato, mais que o ato apaixonado
de assassinato ou agressão guiado pelo ódio. Creio que a pessoa malvada horroriza
sua vítima e aqueles que estudam estas situações, precisamente devido a falta de afeto
que demonstra o assassino, a este terrível ato que é profundamente frio. Tais pessoas
parecem ter-se identificado com o que Stuart Hampshire chama o “vazio moral”, que
ele considera que existia nos assassinos nazistas. A pessoa genocida, então, não se
identifica com o ato passional de um assassinato, senão com o vazio moral; para ele o
assassinato não tem significado, salvo como ato sem significação e, por certo, como um
horrível desperdício. É esta sensação de um horrível desperdício o que estes
indivíduos levam consigo. Achar uma vítima que experimentará uma morte
totalmente carente de sentido é, então, uma forma de converter psiquicamente o vazio
moral em um ato ou, talvez possamos dizer, no ato.

Espaço potencial maligno


Creio que o assassino em série, inconscientemente, reconstrói o espaço potencial
oferecido ao self no começo de sua vida. Este oferecimento evoca dependência,
esperança e confiança. Quando o receptor desta sedução morde o anzol, o assassino e
série, subitamente, “cria” uma desilusão catastrófica. Isto, de fato, precede a morte,
tanto psíquica como física. É um momento em que há falta total e absoluta de crença.
Charlene Gallago recorda o estado de total falta de fé de uma de suas vítimas:

“Gerald tinha um rolo de fita isolante cinza em sua mão esquerda, que passou a
Charlene, com uma ordem curta: “Primeiro põe a fita para fechar suas bocas. Depois,
ata os punhos e os tornozelos. E faz bem, compreendes?”. Quando Charlene estava
por colocar a fita sobre a boca de uma de suas vítimas, a moça a olhou fixamente nos
olhos por um momento e lhe disse:“Isto é realmente verdade, não é?”.

Ainda que os assassinos em série possam torturar suas vítimas, pouco se escreveu
sobre sua relação com as permanentes mostras de que a vítima se encontra em um
estado de shock ou de impossibilidade de crer que a loucura agora ocupa o real. Creio
que a análise desta dimensão do ato de assassinato revelaria a identificação do
assassino com o trauma acumulativo da vítima, no qual o “mundo parental”,
repetidamente, viola a confiança sagrada.
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É importante assinalar, uma vez mais, que o trauma do assassino não tem porque
haver sido causado por uma mãe ou um pai patológicos. O trauma pode “matar” uma
criança, seja através dos efeitos perturbadores de atos repetidos, pela morte de um ser
mamado ou pelo divórcio de seus pais. Neste caso somente me refiro ao processo no
qual a criança sente que seu mundo, que lhe gerava confiança, o traiu e causou a
morte de seu self, deixando um vazio moral que é o espaço interno a partir do qual
emerge um novo self, identificado com o assassinato e com a maldade.

Cada assassino pode transportar sua vítima através de condições da própria infância
do assassino, porém agora existe, obviamente, uma diferença. O assassino sobrevive ao
assassinato; segue vivendo. A repetição deste ato, a sobrevivência do assassino, pode
dizer-nos algo sobre o que busca o assassino. Trata-se de uma espécie de
transcendência maligna”? É a vítima um objeto de sacrifício posta no lugar do
assassino?

O sacrifício
Georges Bataille argumenta que o sacrifício de um animal ou um ser humano dá
àqueles que presenciam o ato uma sensação de transcendência sobre a morte. As
testemunhas observam enquanto um ser vivo, de corpo inteiro, é assassinado. A vítima
cai sem vida, porem as testemunhas seguem vivendo. Dado que todos os seres
humanos são, de fato, “seres descontínuos”, o sacrifício parcialmente fica a serviço da
necessidade inconsciente de sobreviver à própria morte.

O sujeito que “morreu” em sua infância não está disposto a identificar-se com sua
própria descontinuidade; isto é, com sua própria morte prematura. Porém, ao achar
uma vítima, que haverá de passar pela estrutura da maldade, se converte em um
“transcendente maligno”, que mata com o objetivo de superar sua própria
descontinuidade, suas próprias mortes. Em tal sentido, podemos imaginar que a
vítima do sacrifício é uma oferenda aos deuses malignos que separaram o self do
assassino dentro de seu próprio corpo quando era criança.

Entretanto, há, simultaneamente, uma estranha irmandade entre o verdugo e a vítima


do sacrifício.Em algumas culturas as testemunhas bebem o sangue das vítimas ou
banham seus corpos no sangue dos cadáveres. O que tão somente uns momentos antes
estava vivo, está, entretanto, tíbio ( morno ), como se as testemunhas pudessem ser
protagonistas deste momento de transição vital entre a vida e a morte, na qual uma, a
vida, não está totalmente separada da outra, a morte. O outro que antes estava vivo
parece, de certa forma, continuar vivo; seu sangue cobre o corpo do assassino com sua
presença tíbia e substancial.

O assassino em série que desfruta do sangue e do corpo de sua vítima, estará


buscando uma afinidade com um espaço inconsciente intermediário, entre a vida e a
morte, como um espaço vital, como um lugar onde antes viveu e que, entretanto, se
converteu em um fantasma de seus selves anteriores? Muitos assassinos em série
parecem mostrar-se confundidos pelo fácil que é matar; em um momento o outro está
vivo e a seguir está morto. Qual foi o ultimo momento da vida? Quando veio a morte?
1

Nilsen disse: “Ficava fascinado com o mistério da morte. Eu sussurava porque


acreditava que ele realmente estava ali”. A vítima estava ali, como ele também estava
depois de sua própria morte psíquica, não é verdade?

O assassino em série tem uma fascinação com a morte que merece mais estudo do que
poderemos obter neste trabalho, porém é pertinente agregar que muitos deles
parecem identificar-se com o real em sua destruição do imaginário; aqui o real é
alguma força malévola externa al alcance imaginário da percepção do outro, tal como
aquele que os matou, quando crianças, estava fora de sua percepção, mas era algo
organizado. Matar o outro é identificar-se com uma força que está mais além da
percepção, mas que – por certo – está ali, tal como a morte é algo que vai mais além
de nosso conhecimento, porém que chegará algum dia. Estes assassinos vão mais além
da imaginação. Este é o ponto, O assassino vem do mundo que está mais além da
imaginação, do espaço que está mais além da percepção e do conhecimento humano. É
desde ali que vem o que estava adormecido em seu ambiente ou em seus pais, que a
criança nem podia imaginar, mas que se organizou e violentamente penetrou a paz
mental da criança e a continuidade de seu ser.

O receptáculo que guarda um conteúdo em estado de putrefação


Em alguns dos assassinos em série existe, de fato, uma noção consciente da atuação de
uma espécie de assassinato como sacrifício, que em um caso, ao menos, nos permite
pensar sobre os efeitos psíquicos posteriores. Adolfo Constanzo praticava a magia
negra e utilizava o que se conhece como “nganga” para os restos moídos dos cérebros
de suas vítimas. A “nganga” é uma espécie de vasilha que provém da cultura
congolesa e que foi levada para as Índias Ocidentais. Edward Lumes, jornalista
ganhador do prêmio Pulitzer, estudou Constanzo e escreveu:
“ O verdadeiro poder da magia do Congo... reside em um universo mágico em
miniatura de putrefação, deterioração e morte, criado dentro de um caldeirão negro,
um temido e secreto receptáculo conhecido como “nganga”. Dentro deste caldeirão se
pode aprisionar e escravizar o espírito de um homem morte... o único ingrediente, e o
mais importante, é um crânio e um cérebro humanos, preferencialmente de alguém
morto recentemente, fonte do espírito morto que será aprisionado”.

Imaginar o interior deste objeto – que é um correlato psíquico – é identificar uma área
do self que armazena e aplasta os restos de sua vítima, agora em estado de
decomposição. Alguns assassinos em série, por exemplo, parecem bizarramente
identificados com o morto, com os pedaços esquartejados ou com os corpos
enterrados e em decomposição das vítimas, e mantém, dentro do self, um receptáculo
que obtém sua magia negra dos restos do objeto morto. Por certo, fazem a vítima
passar por uma vivência condensada de sua própria passagem pela infância; a vítima
em decomposição corresponde a uma característica importante presente na própria
vivência de seu self, como entidade anteriormente viva e que agora existe somente
como ser decomposto que trata de obter um poder mágico a partir de tal
desintegração.
1

Este self depois da morte, em estado de putrefação e decomposição, vive dentro do


mundo encarcerado do falso self, destinado a seguir sobrevivendo no mundo que o
rodeia. É pouco provável que esta pessoa alguma vez possa saber conscientemente que
isto é certo, Nilsen é uma das poucas exceções, pois tal indivíduo está, obviamente,
profundamente separado de todo contato consigo mesmo e faz atuar partes de si no
horripilante split ( cisão, divisão ) que constitui o ato de assassinato. Podemos nos
perguntar, certamente, se a estrutura da maldade, como receptáculo latente, é uma
espécie de “nganga” interno, construído com os restos dos selves mortos, que espera
receber sangue fresco de uma vítima que será moída e misturada com este objeto
interno. Mais tarde, ao analisar um exemplo clínico, veremos, creio, de que forma
algumas pessoas contém um objeto interno que contém ( to hold ) os restos do self, um
conteúdo que se sente malévolo e poderoso, que comprometerá os outros e converterá
uma relação de vida em um assassinato, em que o outro ficará transformado em um
objeto interno morto e em decomposição, um sacrifício à necessidade que tem esta
pessoa de uma nova vítima que alimente o objeto interno.

Caso o assassino em série se identifique com um self malvado que emerge de um vazio
moral, constituído a partir do assassinato do self, também se identificará com o
verdadeiro self anterior que, sem dúvida, se identifica projetivamente com a vítima,
que agora apodrece ou deteriora em algum caldeirão, sob as taboas de um assoalho.

Cenas primárias do morto


Em todos os sacrifício há um necrófilo, na medida em que as testemunhas observam a
relação entre a morte e a vida. Algo desta dimensão é parte do erotismo do assassino
em série, já que a maioria deles não somente cometem um ato de sexualidade
póstuma, senão que o ato do assassino é, em si, orgasmático para alguns deles. Esta
forma de sexualidade, o sexo com a morte, encontra seu ponto máximo em uma
relação na qual um membro do casal é assassinado. Este sexo com a morte recria a
idéia consciente que esta pessoa tem da procriação. Uma procriação na qual duas
pessoas se comprometem em uma relação com o objetivo de que um deles seja
assassinado. Este desejo de morte se relaciona com a história de uma infância na qual
as relações com o meio ambiente resultaram nas repetidas mortes do self. A dimensão
violenta de cena primária é hipercatexizada como uma má relação carnal que é boa
para a morte.

Certamente que é horrendo ver estes lados “positivos” do ato de assassinato, na


medida, por exemplo, em que o assassino inconsciente tenta ingressar no corpo vivo
da outra pessoa cortando-a, um ato de análise que pode ser considerado como uma
forma de empatia bizarramente concreta, em que o outro é conhecido somente se é
cortado em pedaços para que o assassino possa olhar seu interior. Ainda que comer
uma parte da carne da vítima seja uma ofensa para o sentido de decência de qualquer
um de nós, o tabu do canibalismo pode ter muita relação com o atrativo inconsciente
que tem aqueles que morreram fisicamente, pois permite uma alternativa violenta ao
sujeito ( assassino ) que não teve uma relação geradora com seus objetos.
1

O que podemos chamar de sexo com a morte é, também, um esforço por misturar-se
com o vivo, matar com o fim de ficar momentaneamente liberado em uma
identificação com a vida que abandona o self. Este fato faz lembrar o mito teológico da
saída da alma do corpo, que pode ser uma objetivação inconsciente dos momentos em
que morre a via de um self e este abandona o corpo, quando alguém pode sentir o self
como um receptáculo vazio que contém somente a lembrança da vida e que leva agora
apenas restos em decomposição. O sexo da morte, o orgasmo em ato do assassinato, é
uma curiosa transformação do momento de horror, quando o self da criança
abandona o corpo e parte para sempre, um Eros que leva para sempre o impriting
(marca) da excitação da extinção. O assassino, guiado por seus impulsos sexuais e que
se sente levado a encontrar uma nova vítima, pode estar na borda de um terrível
pânico, no qual o assassino se sente próximo do assassinato de seu próprio self e,
assim, ao buscar uma vítima, não somente busca um objeto em que possa projetar a
vivência ( por reversão ), senão alguém que servirá como um objeto da transformação
do impulso de ansiedade em excitação e, finalmente, através do assassinato, ao
desnudamento da excitação.

O sexo da morte é parte da estrutura da maldade. A medida que o sedutor arrasta sua
vítima para um falso espaço potencial, cria, de maneira distinta, um vazio na cabeça
da vítima. O momento de desilusão catastrófica é um ponto intermediário entre o
vazio e a negação, na medida em que a vítima é, agora, partícipe de uma relação que é
a própria morte. Ao suportar esta relação, o assassino em série se identifica com a
pulsão de morte (ver “Dois breves comentários”, pg. 35), ainda que aparente ser uma
pulsão de vida, para conseguir fazer emergir o desejo do outro e após “aplastá-lo”.
Com uma reversão catastrófica da sorte. Mara a própria vida e a seu princípio e a
submete aos termos da pulsão que Freud identificou como vinculada ao retorno dos
seres vivos ao estado inorgânico de falta de excitação. Seu atrativo é matar a
sexualidade. Seu ato conjugal é uma filiação com a morte, na medida em que encontra
a vida e a mata; sexo com a morte que deixa sua seqüela de esqueletos, corações
partidos e terríveis ansiedades em toda a comunidade.

O Dr.Jorge Palermo, que entrevistou Jeffrey Dahmer, declarou na corte:”... creio que
Jeffrey Dahmer matou estas pessoas porque queria matar a fonte de sua atração
homossexual... ao fazê-lo matava o que o incomodava” ( Washington Post, Fevereiro,
no. 87, 1992 ). Talvez isto se deva a terrível dor causada pela vida pulsional, que cria
objetos de desejo e coloca a pessoa em uma relação com um mundo em que a desilusão
não é somente uma possibilidade, como, também, que as pulsões – que patrocinam as
urgências e os gestos – provocam danos diretos através de outras maneiras. Em tal
caso, a pulsão pode sentir-se como uma força perigosa dentro da pessoa. O erotismo
do assassino é uma estranha condensação da pulsão e da morte da pulsão, na medida
em que a urgência por ter relações carnais é negada ao matar a relação, o que resulta
em um ato carnal que é, também, a morte. Alguns assassinos em série informar a
chegada da urgência ( de matar ) como a chegada de uma horrível força que toma
posse deles; porém, podemos perguntarmo-nos se isto não é o testemunho de seus
esforços vãos por separar-se da vida pulsional, que se mistura, agora, com sua própria
anticatexis, formando uma matriz de pulsões e morte ou uma combinação patológicas
1

de pulsões de vida e de morte. Ao confundir o objeto com a fonte da pulsão, o


assassino destrói o objeto com o fim de voltar a um estado de falta de excitação.

A cabeça oca
A inocência da vítima é, por certo, parte da economia da cena primária. É um absurdo
sugerir que a vítima de um assassino em série é, de alguma forma, partícipe da
intencionalidade do ato. Porém, o assassino em série geralmente usa como isca a
necessidade do outro, que pode ser tão considerável que cause uma “cabeça oca” na
vítima. Quando Henry Lucas escolhia suas vítimas, nas principais estradas
americanas, cada pessoa que aceitava o risco o fazia deixando de lado o que conhecia;
o fazia assumindo um certo nível de risco. Ele era, entretanto, encantador, e os
“desarmava” uma vez que entravam em seu carro. Sem dúvida, muitos eram pobres e
não podiam pagar uma passagem. Em outros casos seus carros haviam estragado na
estrada, estavam cansados e assumiam os riscos. Não há dúvida de que atuar de
forma encantadora e converter um ser humano, que é teoricamente inteligente, em um
cabeça oca é, por certo, parte da subjetividade do assassino em série.

Gostaria de sugerir que o cabeça oca é uma parte importante da estrutura da


maldade, pois é eroticamente excitante para o assassino, que se sente atraído pela
inocência, a estupidez e a falta de visão do outro. No que concerne ao assassino, as
vítimas parecem merecer o que lhes acontece. E, como já foi colocado, quando o
assassino anuncia sua intenção de matar a vítima, seu discurso esvazia a cabeça do
outro , criando um vazio a partir da incompreensão muda. Esta cabeça oca é, porém,
uma manifestação imprimida na criança (como o é o self outrora vivo do assassino)
agora vítima, e, assim, acontece uma espécie de transferência de inconsciente, na qual
a vítima experimenta, através do self infantil do assassino com sua força de matar, seu
self tornar-se mudo e vazio.

Considerando-se que estes assassinatos são, com freqüência, atos de identificação, nos
quais a vítima é colocada no lugar que antes vivia o assassino, seu componente erótico
se converte em uma sexualidade onanista, na qual o assassino goza com seu próprio
aniquilamento. A morte psíquica se torna algo excitante. Depois de descrever com
grande detalhe de que forma obtinha ver-se a si mesmo como um cadáver frente ao
espelho, Nilsen conclui: “Devo estar enamorado de meu próprio corpo”. O narcisismo
patológico se vê, agora, mais claramente: o assassino nunca está com o outro, pois
todos os demais são meramente cadáveres inocentes de seu próprio self a deriva,
muito antes da queda.

Infantilização catastrófica
É interessante e pertinente que nos refiramos ao seqüestro de uma pessoa adulta por
parte de outra como“kidnapping”(kid=criança +napping=desprevenido,adormecido).
Quando um adulto é seqüestrado, talvez para ser morto, existe nesta palavra o
reconhecimento implícito do efeito do ato: submeter o outro a uma infantilização
radical e catastrófica. Com freqüência a vítima é atada e imobilizada. Literalmente
não pode caminhar e volta a adotar uma posição infantil. É comum que as vítimas
1

tenham os olhos vendados e não tenham sequer a capacidade visual de uma criança;
se lhes ordena que não falem, são deixados a se sujar com suas fezes e urinas e
também comem com as mãos. Uma jovem mulher, recém libertada depois de seu
seqüestro, na Inglaterra declarou que “estava aprendendo de novo a caminhar”, e
sabemos, que os reféns e as vítimas de seqüestros, pelo nível de infantilização ao que
foram submetidos, necessitam de tempo para recuperar certas identificações adultas.

Talvez possamos ver, então, a raiva inconsciente dirigida em tais pessoas contra a
vivência infantil. A vítima sofre agora uma infância terrorífica que parece não
terminar nunca. Aqui, contida na vivência da vítima, no que os psicanalistas chamam
de contratransferência, existe algo do inferno nfantil que o sujeito leva consigo, que
agora se transfere à vivência do outro self. É uma infância que recria de forma
interminável a sensação de uma época maligna em que a criança, na qual a dor mental
e o sofrimento desconstroem o sentido de tempo como sensação e o transforma em um
tempo sem saída, o tempo que caracteriza a vida no inferno. Em tais momentos, o
sujeito pode estar transladando para a vítima algo de sua mentalidade; que nunca
teve uma infância suficientemente boa e que tampouco nunca pode desenvolver uma
capacidade adulta para manejar as diversas partes do self. O sofrimento do seqüestro,
esta infância interminável, é um lugar bem conhecido para o estudo mental primitivo
que ocupa a vida do vilão.

A criança que sofre abusos


Junto ao temor coletivo que inspira a imagem do assassino em série, existe outra
ansiedade, que há cada tanto chega a constituir uma espécie de pânico em massa, que
decorre da indagação que as pessoas fazem sobre quantas crianças são vítimas de
abusos sexuais ou agressivos por parte de seus pais. O fato de que tais abusos não
sejam pouco freqüentes alimenta o grau de alarma; porém, dada a impossibilidade de
determinar exatamente o quanto eles ocorrem, se abrem as portas a um novo tipo de
horror. Este tema será analisado em maior profundidade no próximo capítulo, mas
por ora é importante definir o abuso da criança como centro de nosso estudo.

A estrutura da maldade, tal como a defini, se baseia na violação de uma fé que a


criança tem na bondade de seus pais. Por mais que os processos projetivos da criança
invistam a seus pais com qualidades infames, cada criança saberá, em última
instância, a diferença entre suas fantasias sobre seus pais como monstros ( em seus
sonhos, devaneios, ataques reivindicatórios deliberados, etc.) e o momento em que o
pai faz algo que é verdadeiramente monstruoso, que imediatamente se diferencia da
alternativa especular projetiva.

Como este tema é muito vasto, devido às suas múltiplas variáveis - segundo a idade da
criança, o sexo do abusador e a natureza do abuso - somente posso analisá-lo de
forma abstrata neste trabalho. Fundamentalmente a criança vivencia a estrutura da
maldade tal como a apresenta o pai. O objeto bom no qual a criança confia muda
subitamente sua natureza e trai a confiança. A criança fica estupefata e sua própria
vulnerabilidade comum se volta contra ela.
1

A criança é, agora, malignamente dependente do pai violador, pois com freqüência


não existe ninguém a quem a criança possa recorrer. Como tal, a dependência da
criança para com o pai violador pode aprofundar-se, ainda que ninguém perceba no
comportamento da criança que está, cada vez mais manifestamente distante do pai. A
psicanálise soluciona os aspectos psíquicos, não os do comportamento, e a criança
abusada se sentirá malignamente atada ao pai violador, o que gerará uma relação
“mais próxima” com o próprio objeto que a traiu.

A criança vivenciou algum tipo de morte em sua psique.No caso extremo, se as


observações dos que tratam dos casos de personalidade múltipla são válidos, a criança
não tem outra opção senão criar selves alternativos a cada momento, criar selves
infantis que não estiveram presentes, por assim dizer, durante o momento da violação.

Entretanto, em sua vida adulta, esta pessoa sentirá uma permanente presença de uma
forma especial de dor, que será, em alguns aspectos, interminável. Não se trata,
simplesmente, de uma sensação de perda causada pela perda do pai bom, que se foi
para sempre dado que se tornou malvado; tampouco, é a perda do self que morreu ao
continuarem os atos de violação; tampouco; tampouco é a morte das possibilidades de
futuro que poderiam ter sido vividas com o bom pai, se houvesse sido possível.

A inocência geradora é essencial para a vida de cada pessoa que se desenvolve. É


importante ter dentro de si fé em uma “época boa”, uma época em que tudo estava
bem, e esta idealização do passado, com freqüência, faz com que os indivíduos
outorguem, retrospectivamente,`infância (e aos pais) uma simplicidade e uma
bondade que realmente, em um exame mais detalhado, não é totalmente honesta.
Porém, é um fator claro em nossas vidas que a “dita” inocência deve ser conjurada,
como base para obter algum tipo de ilusão que seja essencial em nossa vida, ainda
que saibamos que tal inocência seja um artifício psíquico artístico.

A inocência geradora cria uma “tela-em-branco” que se renova de forma permanente,


na qual o sujeito pode projetar seu desejo. A criança, por exemplo, necessita cindir as
partes más de sua própria personalidade, com o fim de disseminar o desejo, sem um
encerramento prematuro devido às ansiedades persecutórias ou à culpa.

Ainda que a mãe ou o pai tenham sido “monstruosos em um momento”, a reparação


da criança ou a reparação dos pais deve reconstruir um novo pai ou uma nova mãe. a
quem agora se perdoa os acontecimentos do passado e o inocente pode caminhar
livremente.

A criança que sofreu abusos não pode criar a inocência geradora que permite ao self
crer nas “telas-em-branco”, nas quais o desejo pode projetar-se e reprojetar-se de
forma permanente. A criança, tampouco, pode usar a mesma “tela-em-branco” para
visualizar as identificações projetivas das partes monstruosas de sua própria
personalidade, que, com freqüência, se alojam convenientemente nos pais. O paia que
abusa da criança suja a “tela-em-branco”, que nunca mais poderá estar branca. Não
pode haver uma relação íntima com um outro real, ou com os objetos internos da vida
1

projetiva cotidiana, que não sofra a tintura do real, que invadiu o imaginário e deixou
uma cicatriz em seu lugar.

A criança violada é uma pessoa que perdeu, para sempre, a inocência geradora. Esta é
uma profunda tragédia, e é um fato alarmantemente comum. É, talvez, por este
motivo que aqueles que se convertem em protagonistas de um festival contemporâneo
de vítimologia, subestimam os efeitos trágicos do abuso. Pode parecer que aqueles que
insistem em provas absolutas e irrecuperáveis da inocência do self e não nas origens
da inocência geradora, assim como aqueles que não suportam ter responsabilidade
sobre sua própria destrutividade sem que possam somente projetá-la na mãe ou no
pai, estão inconscientemente e histericamente falando de uma verdade. Os inocentes
malignos, que insistem na inocência absoluta do self durante a vida e tem objetos
( mães, pais, “homens”, homossexuais, etc.) de perpétua maldade, que ocupam suas
mentes dia e noite, falam da necessidade e simpatia que todos temos pela crença na
importância da inocência.

Ser violado mentalmente


Em um capítulo anterior ( ver história ), escrevi sobre o esforço de Harold por
recuperar-se de seu passado recente, quando sua mulher desapareceu de sua vida, e
sobre como seu discursos sobre os lindos detalhes de sua vida no passado recente
constituía um esforço por transformar o passado em uma história. É agora possível
continuar estudando sua situação à luz de um esforço muito particular de sua parte
por recuperar-se do que havia sofrido.

Quando Juliet abandonou Harold, ele permaneceu durante meses sem indício algum
de para onde ela havia ido. Porém, um dia, em uma convenção de construtores em
Birmingham, viu uma mulher que o olhava com uma concentração pouco usual.
Pensou que, talvez, já a conhecesse , porém não estava seguro. A sorte quis que, pela
tarde, se encontrassem na cafeteria e à noite saíram para beber algo. Depois de haver
conversado, durante mais de uma hora, sobre as empresas de construção e de seu
interesse pela arquitetura, Isabel pareceu sugerir que conhecia a Juliet. Harold,
inicialmente, penso que a havia escutado referir-se a Isabel, porém logo descartou a
idéia.Havia imaginado Juliet tantas vezes, a havia visto em tantas mulheres que
passavam a seu lado, havia escutado tanto sua voz a chamar-lhe, que estava certo de
haver se enganado, apesar disto se gerou nele o estado mental alterado que lhe
sobrevinha a cada vez que recordava de Juliet.

É fácil, assim, imaginar o profundo shock de Harold quando, um instante depois, esta
mesma noite, tornou-se evidente que Isabel não somente conhecia Juliet senão, e ainda
mais, que recentemente haviam trabalhado juntas em uma construção, na parte
ocidental do país, em Cornwall. Harold ficou mudo durante um longo tempo. Foi
ficando tarde, o casal foi a outro lugar, e já eram as primeiras horas da madrugada.
Harold tinha a sensação de que o tempo não passava, porém sabia que estava em
outra dimensão de tempo e lugar.
1

Cuidadosamente fez uma pergunta. Isabel sabia onde estava Juliet? Não perguntou
diretamente porque sentia que não era possível fazê-lo nestas circunstâncias. Decidiu ,
então, dizer-lhe que supunha que Juliet havia ido ao noroeste de Gales, para visitar
uma tia. Isabel disse-lhe que não sabia onde estava Juliet neste momento. Disse a
Harold que não sabia se Juliet havia estado, em alguma ocasião, em Gales. De fato, a
partir do que ela falou , e ele não sabia exatamente como soube, Harold sentiu que
Isabel confirmava que em um certo momento Juliet havia estado em Gales; mas não
estava ali agora.

Exausto, mas de todas as formas “enganchado” com Isabel, Harold saiu com ela todas
as tardes durante duas semanas e, às vezes, suas conversações duravam seis ou oito
horas seguidas. Em cada saída ele tentava falar sobre Juliet, ficava, porém, com uma
sensação de rechaço, embora logo Isabel dizia-lhe algo mais; que Juliet havia estado
em Edimburg há cerca de três meses para fazer uma exposição de seus trabalhos, que
um amigo dela –Jeffrey – havia lhe enviado um catálogo de uma exposição de
arquitetura na Noruega e que ficou surpresa ao ver o trabalho de Juliet estava em
exposição. Harold perguntava-se como era possível que Isabel não soubesse do
paradeiro de Juliet. Ela, somente agora, havia decidido fazê-lo saber de Edimburgo.
Entretanto, a cada momento que chegava perto de revelar o paradeiro de Isabel, ela
calava ou o fazia sentir que ele estava querendo o impossível. “ Se tu a conheces, se tu
soubesses como ela é”, dizia, “ tu saberias por quê é inimaginável que eu te responda
uma pergunta direta sobre Juliet”.

O tempo passou. A necessidade de Harold de ver Isabel se transformou em uma


adição. Minha interpretação, de que era como se Isabel fosse portadora de mensagens
de Juliet e de que ao falar com Isabel estava falando com Juliet, ele aceitava como
lógica, cada vez que eu falava, porém necessitava de uma recordação fenomenológica
quase constante, já que queria contato com este “fato” cada vez que ele ocorria.
Entretanto sempre parecia lógico, e por certo que quase o resgatava de uma profunda
confusão que o dominava.

Uma ou outra vez Harold descreveu de que forma Isabel se sentia intrigada com ele,
como ela se comovia com ele, e como lhe havia oferecido um lugar para ficar em seu
apartamento na escócia. Depois de várias semanas de se sentir a prova, ele pode tomar
consciência do aspecto ameaçador do oferecimento de Isabel e pode trazer o tema
para a análise. Pois Isabel era, para orgulho dela, uma mulher que mantinha relações
sexuais com qualquer homem que lhe caía nas mãos. Harold era atraente e a primeira
vez que ela o encontrou, depois de descrever várias de suas últimas conquistas sexuais,
lhe mostrou a diversos arquitetos, presentes na convenção, com quem havia tido
relações sexuais nas últimas semanas. Disse que queria manter relações sexuais com
ele. Harold respondeu negativamente, da forma mais sem libido possível, de tal
maneira que Isabel, aparentemente, passou a ocupar um papel bastante curioso: ele
necessitava ser cuidado e, portanto, isto seria o que lhe ofereceria. Entretanto, ela
havia dito que se Harold e ela tivessem relações sexuais seria o fim da relação. “Nunca
desejei o mesmo homem mais de uma vez. Me agrada foder por foder. Assim, quando
termina, termina. Não gosto de sentimentos nem de lembranças, e somente penso na
1

próxima vez em que me deitarei com alguém. Assim que nos deitássemos, eu diria
embora e passaríamos a ser história”.

Isto não tinha interesse para Harold. Acabaram tendo intimidades e parece que isto
produziu pouca diferença; enquanto Isabel permaneceu na periferia de sua vida suas
histórias sobre seus relacionamentos com homens que conquistava pareciam ser
apenas bravatas; porém não era assim com seu conhecimento sobre Juliet. Qualquer
detalhe que pudesse explicar para Harold o que havia acontecido era habilmente
manipulado por Isabel. As informações sobre Juliet, como observou Isabel, deixavam
Harold “pálido”.

Na análise, adotei a atitude que ele estava levando seu trauma por um caminho auto-
destrutivo. Em uma posição vulnerável, de fato em um estado de encantamento, ele
estava se convertendo em um adito de Isabel, que se dizia boa mas utilizava sua
necessidade e seu encantamento contra ele. Depois de um certo tempo ele estava
consciente de que ela estava “fodendo sua mente” (dele), porém não entendia porque
permanecia com ela. O que o fazia voltar sempre para ela?

Um fato do passado, um fato tão traumático como a devastadora desaparição de


Juliet, ela o deixou sem nenhuma notícia, nem sequer uma pista, em torno da qual ela
pudesse imaginar ou falar dela. O que ela havia feito estava além de seu conhecimento
ou de suas crenças, e, como tenho sustentado, além do real; aquilo que está além do
conhecimento , porém que está ali e se relaciona com a vida e com os vivos. Isabel
parecia incorporar o real; ela sabia o que ele não podia saber. Entretanto ela não
podia ser interrogada. Suas ocasionais informações sobre onde havia estado Juliet não
eram informativas mas profundamente traumáticas. Dizia o que dizia para
surpreendê-lo e para manter seu poder sobre ele. Somente graças a um intenso
trabalho analítico pode Harold compreender que quando falava com Isabel ele
estava falando do trauma, ao real que somente quebrava seu self; que Harold estava
falando com a própria morte. Morte no sentido de término. Procurar falar com Isabel
era pedir um significado a alguém cujo objetivo era destruir o significado; que
oferecia conhecimento para violar sua mente e traumatizá-la.

Isabel não era uma assassina em série, isto era evidente, porém tinha um
conhecimento inconsciente do campo da morte. E, de fato, incorporava o assassinato.
Ela o alcançava ao foder com os homens e deixá-los. Uma “femme fatale”. Ao acordar,
junto a ela, talvez mais de um homem tenha se perguntado, não apenas com quem
estava mas com quem havia passado a noite. A lembrança do momento sexual seria a
lembrança de haver dormido com a morte, com a destruição da intimidade.
Entretanto,seu controle da relação com Harold sugere, desde meu ponto de vista, que
ela conhecia a estrutura da maldade. Ela se oferecia como algo bom; explorava a
necessidade do outro. Horrorizava o outro com um fato real, que com o tempo ela
passava a incorporar. Ela se transformava em alguém incrível, embora não fosse
impressionante como pessoa ( Harold comentava que ela não era mito interessante e
não conseguia defender as atitudes que adotava em suas longas discussões sobre
política e temas sociais e eróticos ) ela expressava presença de algo, algo poderoso.
Afortunadamente para Harold, pude ver que ela era malvada, que era uma espécie de
2

parca (NT:morte, ser imaginário que tira a vida) que violava sua mente e que, neste
sentido, era parte da linhagem inaugurada pelas ações de Juliet desde o real.

Harold também pode perceber que sua relação com Isabel não somente sustentava sua
relação com Juliet, mas que também continuava sua busca por objetivar através da
ação um trauma muito antigo com sua mãe. Estar com Isabel era falar-lhe da vivência
de morte e de ser assassinado. Neste sentido, ao menos quando pode finalmente
entender, sua repetição adquiriu significado para ele e pode abandonar o objeto que o
havia traumatizado.

Analisei o caso de Harold porque sua situação combina várias das vivências mais
comuns da estrutura da maldade. Existem certas pessoas que são amantes em série,
que fodem o objeto com o fim de criar a antítese do significado.. Tais atos são uma
espécie de assassinato. Assim são também as pessoas que levam dentro de si o
conhecimento inconsciente de sua própria traumatização desde o real e transferem
esta situação para as relações, explorando a vulnerabilidade de uma pessoa em
particular, que sentem que tem necessidade de um certo tipo de oferecimento, um
oferecimento que destrói a mente. Neste sentido, a compreensão por parte de Isabel da
necessidade inconsciente de Harold sela um contrato sadomasoquista; porém é mais
destrutiva que o ato perverso, pois Harold estava em uma posição em que poderia
enlouquecer e o desejo inconsciente de Isabel era matar a saúde mental do outro e
destruir sua mente.

A mulher agredida
A gente se pergunta porque uma mulher agredida por seu companheiro
continuamente volta para ser vitimada uma vez mais. Indubitavelmente existem
muitos fatores pelos quais a pessoa retorna para a cena: algumas por culpa
inconsciente, outras para participar de uma cena de prazer masoquista, algumas
porque se convertem em parasitas dependentes de seu companheiro, outras porque
tem filhos e laços familiares. Fortes com o homem violento e, simplesmente, não
podem fazer a separação que é necessária para sua sobrevivência a longo prazo. E,
obviamente, muitas mulheres estão simplesmente tão aterrorizadas com o que pode
acontecer se chegam a ruptura definitiva, imaginado que serão perseguidas até chegar
a um resultado ainda mais violento. O refúgio é privilégio da classe média alta e das
classes superiores. Poucas mulheres da classe média ou da classe trabalhadora podem
economicamente dar-se o luxo de desaparecer com êxito da vida de um homem
violento sem a proteção institucional de um centro para mulheres.

Marjorie começou sua análise com um leque de sintomas, muitos dos quais, em última
instância, revelavam seu temor seu temor a uma perda de autocontrole que poderia
pô-la em uma situação de perigo frente a seu ambiente familiar. Não andava de metrô
porque tinha medo de desmaiar e portanto andava de ônibus. Não entrava em
açougues porque temia ver sangue, poderia desmaiar e quebrar a cabeça; ninguém
poderia agir suficientemente rápido para segurá-la e evitar a queda.
2

Ao começar a análise vivia com um homem bem dotado e pitoresco que havia tido
uma infância extremamente carente. Seu havia se suicidado, sua mão era maníaca-
depressiva e o estimulava sexualmente, a ele e a suas irmãs, desde pequeno. Tinha,
ocasionalmente, horríveis ataques de violência quando agredia Marjorie. Ela vinha, às
vezes, para a sessão com o rosto machucado e uma vez com uma fratura.

A análise deixou seu companheiro muito enciumado e Marjorie, por seus próprios
motivos, o havia atiçado, convidando-o a imaginar-me como um “homem ideal” e, por
certo, chamando atenção sobre sua inadequação. Não o deixava, entretanto por
nenhum motivo. Sua “atração” por ele se converteu em um objeto da análise;
inicialmente suas proezas fálicas, que eram parcialmente verdadeiras, e sua
capacidade para ser “atroz” e os comportamentos que ela gostaria de ter mas que se
não se animava e, finalmente, condutas mais insidiosas. Houve ocasiões em que ela
realmente tentou separar-se dele, com freqüência nos dias seguintes em que ele a havia
agredido. Depois, ele pedia perdão, não de uma forma abjeta, mas com dor, jurando
que a amava, dizendo que nunca mais a iria agredir. Lembrava o passado em que
viveram juntos e dizia-lhe o quanto era promissor o futuro que poderiam compartir;
assim forjava um espaço potencial a partir das desditas dos últimos dias. Com o
tempo ela começava a derreter-se. Ela o amava e ficariam juntos. Marjorie vivia
dentro de uma nova confiança que procurava encontrar; e, então, um dia, como
acontecia depois de haver bebido muito, ele perdeu a paciência e, numa mudança
brusca de comportamento, deu-lhe uma surra. Golpeada, debilitada, desorientada,
Marjorie vinha a análise tendo passado por um processo que cada vez era mais
conhecido.

A esta altura da análise havíamos trabalhado de forma exitosa suas expressões


sintomática: seu temor em desmaiar expressava o desejo de seu sustentada (to hold) e
amparada pelas pessoas. Sua vivência era que isto não ocorria. Esta vivência se
baseava, em parte, no estridente determinismo do self de sua mãe e na rivalidade da
paciente com ela, a quem Marjorie superava sendo ainda mais confidente em seu self
do que a mãe conseguira ser. Sua vivência de mim na transferência, entretanto,
liberou um conjunto diferente de sentimentos e de representações do self e dos objetos,
e, finalmente, pudemos chegar aos desejos subjacentes.

Afortunadamente Marjorie pode ver que sua participação, nas surras que levava de
seu companheiro, era a atuação do desejo de estar sob o maravilhoso cuidado do
outro, porém logo seu desejo infantil era violentamente desenganado. Sua
vulnerabilidade para a sedução do outro expressava tanto o seu desejo de reconectar-
se com os prazeres infantís, depois de uma ruptura terrorífica, como sua lembrança
da permanente disposição de sua mãe para com ela em certas formas e maneiras.
Conseguia objetivar em forma crescente o processo em que se encontrava, e, após,
comunicava a seu companheiro que, parcialmente furioso pelo insight, aceitava que
agora havia um sentido e aceitou psicoterapia após uma longa luta. Finalmente
puderam viver em uma relação turbulenta, mas sem violência.

Que isto tem a ver com a estrutura da maldade? Cabe lembrar que eu estou pondo
ênfase no processo da maldade, que implica sedução, a promessa de um falso espaço
2

potencial, desenvolvimento de uma dependência estúpida que esvazia a mente,


surpreende, trai, etc.. A vítima das agressões pode participar de uma relação de objeto
inconsciente que constitui uma lembrança de suas mais primitivas relações objetais,
nas quais trata de aceitar os aspectos curativos da sedução do outro para com ela a
fim de viver durante um tempo um universo que a possa nutrir. Sugiro que a
seqüência dos acontecimentos não nos diz nada sobre um contrato sadomasoquista,
mas, sim, sobre a necessidade que é destruída pelo objeto de uma confiança sagrada.

E sobre o agressor? Como o assassino em série, se bem que – obviamente -em menor
medida, esta pessoa vive através de sua própria vivência de uma surra ao self infantil,
a experiência de que o encanto do falso self da mãe ou do pai é utilizado por eles para
recuperar a criança de um abuso ritualizado. Em tal sentido, então, a sedução
malvado que agride pode, às vezes, ser um ato inconsciente de negação. O
companheiro de Marjorie construía um falso self, um self encantador e tortuoso, para
manejar o potencial destrutivo de sua mãe e de outros familiares com quem vivera.
Assim, encantava Marjorie para voltar a uma organização construída mediante falsas
reparações (da mãe) com que se identificava (convertendo-se em um falso encantador,
que busca a todo custo evitar sua fúria), ele punha em jogo um mundo de alianças sem
sentido que esvaziavam o self de toda a paixão. O ato de “desmascarar” a si mesmo,
quando andava como um trovão pela casa, jogando objetos e agredindo Marjorie,
revelava o esforço por atravessar um falso self, um falso self que, certamente, liberava
verdadeiros estados de self de forma primitiva e sem experiência.

Marjorie e o companheiro se beneficiaram com o tratamento analítico e as agressões


cessaram. Porém, em minha opinião, algumas mulheres voltam ao objeto que as
traumatiza porque ao fazê-lo re-visitam as experiências de suas próprias origens
individuais. Algo que não provém de nenhum lado, algo que chega sem avisar, que
emerge como um ruptura violenta da presença confortável da mãe ou do pai. A
criança pequena é golpeada com violência. Porém quando a tormenta familiar
termina, a criança e o pai voltam a uma situação familiar que não deixa lembrança
alguma do fato de acaba de ocorrer; de fato, e como se não houvesse acontecido. As
mulheres que voltam aos homens que as agridem devem, ocasionalmente, fazê-lo
devido à sua misteriosa re-criação daquela ruptura violenta que emerge de uma
relação aparentemente segura, que é boa.

A situação de Marjorie é mais complexa. O trabalho psicanalítico com casais revela


que os casais, habitualmente, projetam partes de suas próprias personalidade e as de
seus pais no outro. As ações violentas de Gerry eram sua representação da mão não
vista da violência paterna.

A aliança sadomasoquista

O reconhecimento psicanalítico de que as relações sadomasoquistas perversas são um


meio de transformar os efeitos potencialmente traumáticos da vida pulsional, as
vivências emotivas e as intimidades interpessoais em um fato controlado, em que não
2

ocorrem catástrofes, é, sei, bem reconhecido na bibliografia, já bastante vasta, a esta


altura, sobre o tema. Não revisarei esta bibliografia, porém seria confuso excluir este
fenômeno clínico do tema que estamos tratando.

É claramente óbvio que um casal perverso atua a estrutura da maldade. Em muitos


dos rituais há um momento inocente orquestrado. Jacob, um analisando de pouco mais
de vinte anos, me disse que ele convidava um a mulher para ir a seu apartamento com
a sensação, bastante misteriosa, de que ela poderia andar no que ele andava. Mas
nunca estava totalmente seguro. Suas aventuras noturnas sempre começavam com um
Jacob que era um anfitrião muito amável e respeitoso. Gostava de cozinhar e,
geralmente, preparava uma saborosa comida. Era um comediante por natureza,
divertido e fazia piadas que produziam, em suas comensais femininas, risos femininos
ou de menininhas.

Não acredito que suas amigas de fato se embriagavam, porém fingiam uma espécie de
intoxicação e estabeleciam um ambiente de vulnerabilidade dentro delas que excitava
a Jacob. Em algum momento da noite, geralmente depois da ceia, sentados no sofá ou
olhando um livro juntos, ele, abruptamente e sem preparação alguma, dizia:
“Gostaria de te atar. Te importas que eu o faça?”. Este enfoque extremamente direto
nunca deixava de surpreender. A mulher o olhava surpresa e com movimentos de
cabeça demonstrava concordar. Poucas vezes me comentava dos casos que falhavam.
Estou seguro de que isto acontecia e ele devia ser rechaçado por algumas mulheres,
terminando, assim, a noite por motivos muito claros. Ele nunca tocava a mulher antes
de seu anúncio, nem tentava forçá-la fisicamente
Como escreveu Smirnoff sobre a atividade sadomasoquista, Jacob só anunciava as
possibilidades contratuais. Fiquei surpreso ao constatar quantas mulheres aceitavam.
Certamente depois do shock inicial, havia pouca ou nenhuma dúvida sobre a
passagem imediata ao ato. Jacob levava a mulher para o quarto e dava as instruções.
Como é comum em tais casos, ele mudava sua personalidade de anfitrião da cena,
divertido e animado, para uma presença ameaçadora; a ameaça, entretanto, estava
contida no seu conhecimento das instruções. “Direi o que vais fazer. Te inclinarás
sobre a cama, me dando ás costas. Bem... agora dá volta. Bem... agora senta e tira a
roupa. Os sapatos primeiro. Bem ...agora a roupa de baixo” e, assim, seguia o ritual de
tirar a roupa conforme suas ordens, enquanto ele também de despia e ia até sua
cômoda e pegava as correias que utilizava para atar sua hóspede na cama, deitada de
costas.

Quando a mulher estava nesta posição, ele dizia “... agora estás totalmente sob meu
poder” e agregava “... não te preocupas?”, a partir do que a hóspede geralmente dizia
“... não, tenho confiança em ti” ou “... bom, dependes do que vais fazer”. Para Jacob,
uma vez que a mulher indicava que confiava nele e que ele poderia fazer o que
desejava com ela, o ato terminava. Ás vezes, chorava; outras, somente se sentava ao
lado da mulher, depois de tê-la desatado, e falava sem parar durante horas. Poucas
vezes chegava a fazer amor neste primeiro encontro, mas, ocasionalmente, o fazia, e
nunca sentiu que existisse conexão entre os dois atos, salvo, obviamente, que atar a
mulher o excitava muitíssimo e que tinha a ver com estabelecer um campo de
confiança, o que fazia com que a relação sexual fosse muito mais satisfatória para ele.
2

Ele ficava confuso com sua necessidade de tudo isto, embora conseguisse visualizar
que tinha fantasias inconscientes sobre o potencial daninho de uma relação carnal.
Era uma relação na qual um podia estar à mercê do outro e suas ansiedades sobre a
cena primária se converteram em um elemento importante de seu tratamento.

Havia idealizado seu pai e visto a mãe como uma mulher castradora e temível. Ele
dizia ter vivido sua infância permanentemente aterrorizado por ela.. Jurava que
quando ela entrava em seu quarto sentia que seu pênis se encolhia, e dizia que esta
sensação era uma das lembranças mais precoces do efeito de sua mãe sobre ele. Nunca
sabia a voz adequada para falar com ela; sua voz subia uma oitava. Mais ainda, era
evidente para ele que ela considerava que a resposta dele à presença dela era irritante
e a mãe lhe dizia “ ... por Deus, que se passa contigo?”, enquanto ele transpirava e
tremia por sua presença. Ele nunca pode responder a esta pergunta que ela lhe fazia.
Não sabia a resposta. Sua ma~e era muito atrativa, pitoresca e inteligente, que gostava
de quase todos, incluindo a seus irmãos, e ele só podia chegar à conclusão de que algo
realmente se passava com ele.

Considerações de ordem ética fazem que seja impossível descrever a natureza exata do
que se passava, mas posso dizer que, lamentavelmente para esta dupla mãe e filho,
houve uma série de acontecimentos chocantes entre eles, quando o filho tinha menos
de um ano.. A mãe foi vitima de um grave trauma durante o primeiro ano da criança
e, de fato, em várias ocasiões o matou e o ressuscitou através da culpa e de uma
grande valentia pessoal, a medida que tratava de superar seu próprio trauma e poder
cuidá-lo. Ela sabia, entretanto, como lhe diria muitos anos mais tarde, que seu estado
mental havia sido atingido durante este primeiro ano de vida e que por mais que
buscassem – e, de fato, encontraram uma solução de compromisso entre eles que era
bastante comovedora – manterem-se calmos um frente ao outro, isto era simplesmente
impossível.

Um dos aspectos mais interessantes desta análise foi a declaração do paciente de que a
mãe freqüentemente o olhava com um olhar malvado, um mau olhado, que fazia lhe
correr um calafrio pela espinha. Ainda que o leitor deva confiar em que os traumas de
sua relação precoce com a mãe constituíram a violação da construção, imaginária e
ilusória, de uma realidade compartida pela chegada do real, do que quebra a paz
mental da criança, porque está mais além de seu olhar e de sua imaginação, esta era a
base, em minha opinião, de sua reconstrução de tal tipo de eventos nos atos
sadomasoquistas que exercia com suas hóspedes femininas.

Os termos da fenomenologia da maldade estavam presentes. O oferecimento de um


self bom. A criação de uma espécie de dependência e vulnerabilidade. O súbito shock
das vítimas pela surpresa. Uma espécie de infantilização. Porém, logo uma
recuperação. As pessoas que atuam em um ato sadomasoquista ritualizam o “toque”
do outro como uma vivência próxima à morte. Atuam os aspectos do assassinato do
self, porém sobrevivem. Por mais que aparentem atuar bruscamente ou castigar o
corpo do outro, cada partícipe neste intercâmbio triunfa sobre um acontecimento
muito mais horrível, o assassinato do self.
2

Acontece, obviamente, com os sadomasoquistas, que estão envolvidos na necessidade


de controlar continuamente o trauma precoce e ainda que tenham convertido sua
ansiedade de aniquilamento na excitação de sua representação, o peso da compulsão.
Jacob ficava praticamente exausto com seus atos. Ainda que não pudesse evitar
convidar uma mulher para seu apartamento, sentia que estava na compulsão, e
também sempre cheio de uma espécie de temor sobre o que isto requeria dele. Isto é o
que vem de um outro lugar. Isto é o que o impele a ritualizar sua vida com as
mulheres. Isto é o que é tão real mas inexplicável; mas o ato expia o self do segredo
que ele leva. Jacob sentia que seus desejos eram horríveis – e poderíamos agregar,
malvados – mas, quando uma mulher compartia a vivência sentia-se livre de uma
forma malévola do desejo.

Perversões da transferência e sensações de maldade na


contratransferência
Uma das situações mais incomodas de um psicanalista acontece quando, tanto o
processo como seu trabalho de interpretação, não logram êxito clínico com um tipo
muito particular de paciente. Nós podemos aprender, e de fato aprendemos a conviver
com longos meses e anos de aparente impossibilidade de tratamento com os
analisandos esquizofrênicos. Sabemos muito bem como nos sentimos ao trabalhar no
desmantelamento dos atos de um caráter obsessivo. Estamos familiarizados com as
diferentes razões pelas quais um paciente cria uma reação terapêutica negativa e a
análise e nossa própria eficácia parecem ficar detidas.

Sei, entretanto, a partir de conversas com colegas que muitos clínicos percebem que se
encontram, às vezes, manejando uma espécie de transferência muito específica por
parte do analisando que os faz sentir que tanto o processo analítico como o analista
são malvados. Naturalmente isto se relaciona com o nosso estudo.

Tipicamente, um analista está com um paciente que, depois de meses e inclusive de


anos, se re-traumatiza continuamente por qualquer forma de interpretação analítica,
de tal forma que, eventualmente, seu temor à análise também contamina sua vivência
no próprio consultório. Inicialmente o analista sente que de alguma maneira está
morrendo. O paciente comparece pontualmente às sessões, se deita como se estivesse
atado ao divã, descreve de forma interminável sua vida (incluindo os sonhos), se
detém quando o analista faz algum comentário ou interpretação, porém, logo parece
ficar totalmente imóvel frente ao trabalho do analista. As interpretações de tal
resistência, passividade ou ataques à função curativa do analista se encontram com
uma aparente incompreensão, e o analista sente que sua própria vitalidade pessoal
abandona, gradualmente o cenário. O paciente sente-se como um peso morto. “Bem,
aqui estou, contei meus sonhos, o informei sobre minha vida. O resto cabe a ti”. Isto é
algo familiar com outros pacientes. Porém, com este tipo de transferência, o analista
não sente a agressão subjacente à passividade nem o prazer de atuar desta maneira:
o analista sente que o paciente é mentalmente incapaz de qualquer tipo de trabalho.
2

Lembro haver trabalhado com uma paciente que ilustrou, durante bastante tempo,
esta situação de transferência. Sessão após sessão, eram todas similares. Era típico que
a paciente me dissesse que não estava segura se devia me dizer o que estava em sua
mente, , pois eu lhe diria o mesmo que já lhe havia dito antes. Ela antecipava uma
resposta crítica e, de fato, quando eu revia o material, percebia de que forma e de que
maneiras, ela estava apresentando uma parte dela sem querer saber nada dela. Ela
sempre entendia o que eu queria dizer e geralmente estava de acordo, porém, na
sessão seguinte, tudo continuava igual. Cheguei a uma crise, dentro de mim, sem,
dúvida, já que sentia que estava frente a esta paciente que havia vindo ao processo
analítico em busca de ajuda e para manejar sua angústia, que ao chegar a cada sessão
tinha alguma esperança e que, além disto, me considerava um bom analista e que
poderia ajudá-la. Porém, logo, eu destruía suas esperanças e suas possibilidades
através de um conjunto de interpretações (com freqüência na transferência) e traia
um self em colapso, que vivia em estado de shock e estupor, já que não podia pensar.
Quando ela saia do consultório, ainda que trocássemos um cálido sorriso, com
freqüência eu ia à cozinha e tomava um café e me perguntava o que estava fazendo
mal. A psicanálise a estava matando, me dizia.

Isto levou a um novo período de análise em que eu tomei este ponto. Já comentei que
ela trazia a si mesma para a sessão, contava sua vida com grande franqueza e
coragem e, após, sofria a angústia das interpretações que pareciam somente comovê-la
e a deixavam esgotada, mas nunca nutrida, pois, como ela repetia, não podia lembrar
o que eu havia dito e minha palavras ficavam perdidas nela. “isto faz com que me
pergunte”, disse-lhe, “ o que é que tudo isto significa. Tu estás aqui, vem para ser
ajudada, mas se sente destruída pela análise, e, de fato, eu posso ver o que a análise te
está fazendo após cada sessão”. Deixamos as coisas por aí.

Anos em análise. Uma sessão típica. Disse-me que ela já sabia o que vou dizer. Respira
com um suspiro típico, uma espécie de exalação melódica, enquanto pressiona o dedo
contra o queixo, obtendo uma espécie de gemido silencioso. Conta coisas de sua vida e
tenho a imagem de alguém que está conforma em passar o resto de sua vida em uma
espécie de processo esofágico-gástico, com a mente ao lado, sem função alguma.
Escuto sua respiração. Parece um estertor de morte e lembro a forma com que as
pessoas respiram antes de morrer, quando sofrem enfermidades terminais. Nas
últimas semanas não me diz quase nada nas sessões, suspendi as interpretações de
transferência, perguntando-me o que acontecerá que permito que a paciente faça sua
própria devolução. Apenas pareceu notar minha ausência. Outra imagem me vem a
mente.; me vejo aprisionado em uma situação de tortura. Enquanto ela me conta,
uma após o outro, os detalhes de sua vida eu penso para mim “plop”, “plop”, “plop”, e
me imagino a análise como uma espécie de tortura chinesa.
Ao pensar nisto pensei nas centenas ou milhares de vezes que havia tentado colocar
sua dor, seus significados,em palavras – na transferência, na reconstrução – e que de
forma amorosa o havia feito, poderia dizer. Sempre estive profundamente preocupado
de que ela não se sentisse ferida por insights que pudessem atingi-la como metralha.
Recordei, com ternura, o período em que obtivemos uma nova compreensão da
estrutura de transferência, porém, tanto a paciente como eu, sabíamos que, agora, ela
estava trazendo algo diferente, certamente algo que não havia sido alcançado pelos
2

insights anteriores. Me perguntei se ela era uma pessoa que nunca abandonaria o
peito do analista, que não utilizaria o bom da análise, que a destriparia e a converteria
em um inverso perverso de si, na estrutura da maldade. O problema era como dizê-lo
em palavras. Disse: “Enquanto te escuto contar-me tua vida tenho a imagem de uma
espécie de gotejo, “plop”, “plop”, a imagem de uma tortura que, dada a evolução da
análise, me faz sentir algo vazio em meu interior, como se não houvesse nada que eu te
de para nutrir-te. Sinto que tu estás me triturando em teu trabalho de morte , moendo
e defecando em mim. Ela disse: “hummm”.

“Hummm”, lhe disse. Uma pausa. “Me pergunto se estás de acordo com o que eu te
disse ouse mudarias minhas palavras”. Ela respondeu: “Tu tens razão. Me sinto
morta. Também sei que estou te matando. Com freqüência me pergunto como te
sentes frente a isto. Suponho que tomo forças quando sinto que tu estás irritado ou
frustrado (sempre me sinto irritado quando ela me caracteriza desta forma!) porém,
de fato, me sinto aliviada quando algo se move dentro de mim, e o único que me move
é o ódio; é o único que me faz sentir viva”. A lembrei do fato de que havíamos
compreendido que seu ódio para com a mãe como meio de sentir uma sensação de self,
quando, de outra forma, sua intensa necessidade da mãe e a intensa necessidade de
que a mãe tinha dela transbordava, deixando-a sem nenhuma sensação de self.
Acrescentei: “ Porém podíamos voltar ao assunto das interpretações que fizemos no
passado e ambos sabemos que elas pareceram não significar nada para tí. O que é
evidente é que tu rechaças o bom que tens à disposição na análise, tu não agarra o
peito na boca e chupa, e por isto não tem nada; somente a sensação de um self que
morre, e uma análise que morre, e uma analista que somente está vivo quando tu
pensas que o odeia”.

A interpretação não constituiu um ponto de destaque no tratamento, porém era prova


de um gênero ovo e essencial, um insight gerador, que se havia desenvolvido em nosso
trabalho juntos, um insight que permitia que ambos olhássemos ela e a seus objetos
sob uma nova luz. Esta vez ela me ensinou que minha interpretação funcionava para
ela não porque era,em si mesma, uma nova perspectiva, senão porque ela podia ver
como eu sofria sua dor mental, no sentido de que estava levando em meu ser a
estrutura de sua psique, e este conhecimento inspirou sua cooperação com meus
esforços, levando a nós um novo conjunto de compreensões.

A analisando levava dentro de seu caráter uma lembrança da estrutura da maldade e,


em minha opinião, a atuava na análise.Inicialmente a paciente me havia levado a
pensar que estava autenticamente interessada em fazer uma psicanálise e parecia
prometer. Não senti sua mudança de ser como catastrófica, mas como um acúmulo
eficaz; porém senti que ela me havia seduzido com sua promessa e, agora, sentia que o
que havia sido um bom espaço potencial era – na verdade – um espaço destrutivo, em
que a mudança psíquica potencial consistia em encontrar-se com sua própria
destruição. Senti-me encarcerado na análise, enrolado dentro da sessão de cinqüenta
minutos, bastante conformado, em alguma medida, de que ao menos tinha uma
psicanálise para manter a situação em marcha, pois eu me sentia desprotegido.
2

Ela não podia reter as interpretações, e eu sentia que a falta de tal retenção não era
tanto um ato de singular provocação, para destruir a função da ilusão da compreensão
que maximiza o jogo das mentes e as sensibilidades, mas, especialmente, uma
disseminação da morte na atmosfera clínica. A falta de insight se sentia como uma
repetido assassinato de mim mesmo. Perguntei a mim mesmo se alguma vez ela havia
sido tocada pela análise, e sofri um período de dor, em que meu eu imaginado e a
paciente imaginada – a partir de uma análise suficientemente boa – estavam perdidos
para sempre e eu, de alguma forma, ficava em um receptáculo, se não decomposto,
pelo menos mal descartado.

Reconheci que a analisanda havia sofrido uma morte psíquica em uma etapa inicial de
sua vida e não era difícil especular que tal morte havia entrado na transferência,
porém sob a forma de um assassinato do self e do outro, que imaginei como uma
identificação inconsciente com as forças que lhe tiraram a vida. Quando convivi com
estes postulados durante algum tempo, verificando-os em minha própria mente contra
os dados clínicos, entrei em um novo jogo de interpretações da transferência.

Este não é o lugar adequado para relatar em detalhe o complexo trabalho que isto
requereu, mas é relevante mencionar um elemento de nossa confrontação com a
transferência de morte. O principal trabalho de interpretação se deu durante um
período de duas semanas e foi durante uma sessão em que lhe disse que sua vingança
para com a vida era respaldada pela crença de que ela viveria para sempre e que
poderia, de forma interminável, conseguir sua vingança com os objetos, como em
mim. Especulei que a análise poderia continuar, sem dúvida, por vinte anos e que
simplesmente confirmaria sua onipotência de poder destruir o que a análise lhe
oferecera neste tempo. Disse, entretanto, que isto me parecia uma vergonha, que ao
ser tomada por tal convicção ela estava desperdiçando sua vida e que, ao final, existe
algo que é a morte verdadeira, que de qualquer maneira poria fim a sua vergonha.
Disse que pensava que era importante para nós considerarmos a análise como uma
análise que havia fracassado, e que, não somente não havia vergonha nisto, mas que
era mais importante que vivêssemos o luto pelo que não se obteve e, aparentemente,
não se obteria. Assinalei que, como os dois sabíamos, ela havia mudado de uma
maneira que não era através da aquisição de um insight que mudara seu caráter;
estava mais calma, mais criativa em sua vida no trabalho, menos crítica com os
demais; o único que ficava, por assim dizer, era a sensação de que no núcleo de seu ser,
ela havia sido aplastada pela vida e que ia sentir vergonha ao exigir que todos se
amoldassem à ela. Tratava-se de um sentimento interno, vivido em suas relações com
os objetos internos e percebido na transferência; porém, reconhecíamos que sua
sensação de decência e honra guiavam sua vida, impedindo-a de expressar, muito
abertamente, seu mundo interno. Logo que expressei minha opinião de que teríamos
que relacionar o lado interpretativo com um fracasso e quando sugeri uma data para
encerramento, para dois anos depois desta discussão, ela, gradualmente, porém de
forma notável, voltou à vida. A onipotência nuclear de sua vingança se dissipou, e
ainda que quisesse dedicar mais tempo a discutir este ponto, somente agregarei como
conclusão, que acredito que foi o reconhecimento da morte e de seus efeitos
verdadeiros, contrariamente às atuações na transferência, o que pos fim nela a
identificação onipotente.
2

Este lado de sua personalidade nos mostra, desde meu ponto de vista, que existe uma
relação objetal particular que atua uma estrutura psíquica, uma estrutura que na
cultura ocidental temos conceitualizado como maldade. O acontecimento medular é a
falsa representação do bom com o fim de ganhar a confiança do outro e uma
dependência que logo se defronta com uma desilusão violenta (ou, acumulativamente,
desconstrutiva). Isto deixa no receptor uma sensação de profundo desamparo, que o
coloca a mercê do malévolo que, agora, é impossível de reconhecer, um denso
acontecimento que resulta em um aumento da infantilização da vítima. A morte
parece ser iminente. As trocas com o outro malévolo são côo relações com a morte, e a
vida em tal lugar é sentida como o assassinato do self. A lembrança para registrar as
pegadas do sujeito decomposto, à medida que somente registra a ruptura da vida.
Uma dor grotesca sufoca o espírito do lugar onde se faz o luto pelo término do próprio
ser, é como assistir ao próprio funeral antes da morte.

A falta de compreensão de minhas interpretações por parte desta paciente, constituía


sua identificação e sua representação de um self vazio, abandonando no começo da
vida. Sua persistente representação de um self de cabeça oca era um ato de violência,
como o era o morto que caminhava em busca de um objeto vivo para se alimentar.
Mais ainda, seu conhecimento inconsciente de que havia eliminado muitas de minhas
interpretações era para ela um ato destrutivo que aumentava sua sensação de
maldade, na medida em que rechaçava a introjeção com o objetivo se sustentar o vazio
moral no centro de seu ser, um campo de morte que ela, de todas as formas, sentia
como o núcleo de alguma verdade essencial. Desistir do núcleo genocida era, em
alguma curiosa versão de sua teologia privada, uma violação da fé em sua própria
essência. Para ser verdadeiramente ela, teria que estar vazia.

Em seu caso, como espero que ocorra nos casos de outros que contém sua relação de
objeto interno, creio que poderemos ver de que forma a pessoa negocia um severo
trauma no self. Ainda que muitos assassinos em série tenham sido submetidos a uma
crueldade quase incrível, por parte de seus pais, outros não o foram, e de qualquer
forma, isto apenas estimula a curiosidade, pois sabemos muito bem que nem todo
aquele de quem se abusa severamente se converte em assassino em série. De fato, creio
que o que podemos ver é uma situação de objeto interno que tem muitas
representações possíveis e divergentes, desde o assassinato psíquico do outro até o
verdadeiro assassinato do outro. Não subestimo, de forma alguma, a verdadeira
significação das diferenças em expressão, creio que é importante ter em mente que a
estrutura da maldade é uma estrutura psíquica, da internalização, por parte do self,
de uma situação da primeira infância que o adulto leva consigo e pode atuar.
Obviamente, quanto menos consciente seja a pessoa da seqüência interna de seus
sentimentos e identificações, mais provável será que atue em vez de simbolizar. A
paciente que citei antes estava perturbada por sua capacidade para a destruição
psíquica e, por isto, buscou a análise e, neste lugar, necessitava adoecer dentro da
transferência, com o objetivo de trazer a minha mente o processo interno que trazia
dentro de si. Os assassinos em série, obviamente, não lutam de forma semelhante com
o self, se bem que seria errado concluir que não existe nenhuma luta contra a
estrutura da maldade, pois creio que o caso de Nielsen houve momentos em que ele
3

buscou deter-se e o fez, e não é pouco freqüente o caso dos assassinos em série que os
descubram para que sejam detidos.

A tentação de rechaçar a Dahmer ou a Nilsen ou a Bundy por serem simplesmente


malvados, sem tentar descobrir os nexos entre suas ações e outras pessoas totalmente
normais, simplesmente está conveniente com a estupefação que é parte do processo da
maldade. Nos convertemos em cabeças ocas, que simplesmente fazem muchochos, dão
de ombros, e dizem lugares comuns como psicopatas, sociopatas, ou seja lá o que for, e
nem por isto temos mais conhecimento da situação. Refletimos o vazio moral com seu
inverso perverso: um vazio de virtude, um espaço vazio criado a partir da violência da
virtude.

Maldade comum
A paciente que descrevi como alguém que pervertia a transferência não é malvada
por uma expressão da imaginação. De fato, é uma mulher muito decente e respeitável,
que dedicou uma parte substancial de sua vida a ajudar os outros e a contribuir para
a comunidade. Parece ter, entretanto, algum conhecimento do processo da maldade,
que por suas próprias razões pessoais, deve atuar na transferência. Não creio que tais
atuações sejam tão raras. De fato, acredito que muitos pacientes parecem, em algum
momento, necessitar fazer a psicanálise girar sobre si mesma; para reformulá-la, não
a vivendo como algo que – aparentemente – é destrutivo e grotesco, mas como um
oferecimento de bondade. Alguns analisandos parecem tentados pelo oferecimento
latente: a psicanálise deve ser transformada de algo bom em algo mau. Por quê isto é
tão tentador?

Pergunto-me se os psicanalistas não se vêm confrontados com um fator comum que


transcende as etiologias patológicas e que surge, na análise como uma representação
simbólica da morte do outro. Supondo-se que o oferecimento da psicanálise é
representar o bom, criar uma interdependência mútua de paciente e analista, por
alguns momentos ou por longos períodos, pode ser uma representação inconsciente de
matar o tempo, no qual o analista detectará, na contratransferência, não somente uma
sensação de que o bom se foi, senão que em seu lugar surge uma sensação de término
da existência. Como este é um acontecimento simbólico e não uma catástrofe real –
como a que atua o assassino em série – não irrompe violentamente e comparte o lugar
das representações com muitos outros fenômenos psíquicos, com freqüência
obscurecendo sua tranqüila militância transferencial. O analista saberá de sua
presença através de várias observações:

1. Uma sensação de que o analista é malvado, que arruína (de surpresa) o


paciente que confia nele e o ama, através de interpretações que produzem
traumas e que demonstram o ódio pelo paciente.
2. Uma sensação de que o paciente tem uma cabeça oca, que o analista tem uma
mente monstruosa, e que a relação implica uma desigualdade malévola entre
uma inocência absoluta e um demônio que elabora e pensa táticas malvadas.
3. Uma sensação de que o próprio self criativo – que trabalha nos campos do
pensamento analítico – é repetidamente morto por uma espécie de negação do
3

paciente que impede a liberdade interna analítica, paralisa a criatividade e


produz um shock no corpo e na psique.
4. Uma sensação de que o curso dos acontecimentos cultiva um objeto interno
morto, uma análise necrófila, criada a partir da relação entre dois selves
mortos.

Estes conjuntos de sensações podem emergir na análise dos pacientes que, por
diversos motivos, necessitam trazer à análise os rastros perturbadores de seus selves
anteriores mortos ou quase mortos, e estas representações com freqüência
determinam profundas interrogações na mente do paciente sobre a natureza da
maldade. A maldade parece estar por todos os lados, parece ser algo, também,
intrínseco. Parece que nós temos certo conhecimento disto. Como poderia ser algo tão
universal? Devo enfatizar, uma vez mais, que estou descrevendo o conhecimento
inconsciente de um processo particular, não no conhecimento de idéias destrutivas –
tais como a ambição, a inveja, o mal causado imaginariamente ao outro – mas o
procedimento abordado em todo o ensaio.

Em Sendo um Personagem (NT:publicado pela Editora Revinter, 1998; no original


Being a Character. Psychoanalysis & Self Experience, 1992) escrevi que cada criança,
eventualmente, dscobre que sua própria mente é suficientemente complexa para
conjurar muitos mundos de diferentes selves e objetos. Este reconhecimento de sua
própria complexidade elimina as ilusões prévias de uma organização coerente,
especialmente as constituídas a partir da relação mãe-filho, ou do triangulo edípico
mãe-pai-filho. Argumentei, neste livro, que não é a identificação com o pai que
dissolve o complexo de Édipo, mas o reconhecimento da própria complexidade interna
que dissolve as constelações pré-edípicas e edípicas. É uma descoberta perturbadora
para criança, e se pode argumentar que grande parte da vida adulta está dedicada a
entender o mais que se possa uma complexidade da vida mental que é difícil para o
self suportar.

A vivência da maldade como processo comum sugere outro aspecto perturbador para
a vida da do infans e da criança. É o fato de que cada criança, a cada tanto, será
surpreendida pelas falhas do amor parental que se dirige a seu self. O que estou
descrevendo é uma situação totalmente ordinária e comum, entre, mesmo, os pais
mais exemplares. As mães e os pais se irritam com seus filhos, com freqüência
expressam sua irritação com eles, e, às vezes, dizem para eles “vão-se daqui”.

Cabe destacar que até este momento a criança, por assim dizer, foi uma alma
vulnerável e confiante, que é também dependente de seus pais e espera com confiança
que tenham um bom comportamento. A irritação paterna é um profundo shock. As
crianças ficam com a cabeça oca – ou cheia de ar – em certos momentos, na medida
que lhes é difícil pensar sobre esta aparente traição. Sabemos, é certo, como já
mencionei neste ensaio, que se o pai abusa da criança, agressiva ou sexualmente, isto
constitui, de fato, um terrível assassinato do self da criança que existe neste momento
e resultará na criação de outros selves alternativos, para manejar a circunstância
malévola. Porém minha ênfase neste caso se refere ao trauma originário e a seus
efeitos.
3

No capítulo sobre incorporação e desincorporação, sugeri que quando uma criança se


sente humilhada, sua consciência abandona seu corpo por um instante e observa a si
mesma como um objeto de humilhação, que parece horrivelmente preso a cena do
crime. É como se alma abandonasse o corpo e andasse a deriva pelo limbo esperando
o fim de uma situação insuportável.

Isto marca o abandono da alma mais penetrante e inevitável da vida sensível e


corporal de cada criança. Quando um pai está irritado com seu filho, o shock da
criança resulta numa temporária migração da alma para fora do corpo.Não se trata
de uma ação deliberada. É para a criança como um destino secundário, como se o pai
houvesse soprado a alma da criança para fora de seu corpo.

Sabemos, obviamente, que as combinações da reparação paterna e da criança, o


retorno do amor, curam a criança, de tal forma que sua alma pode retornar ao corpo e
ela pode sentir-se relativamente a salvo em seu corpo novamente.As repetições
impossíveis de evitar e periódicas deste trauma, nos informam, a cada um de nós,
sobre um processo em que nos encontramos, levados pelo shock, a uma espécie de
morte, na qual sentimos que nosso self abandona nosso corpo, deixando-nos presos a
uma forma vazia de desgraça carnal enquanto nosso verdadeiro self vai, em uma
viagem rápida, a um lugar melhor. Portanto, cada um de nós recebeu um aprendizado
da arte de morrer. Sabemos como é que a alma abandona o corpo, ainda que, todavia,
não tenhamos conhecimento da morte real. Poderíamos dizer que isto é o que os
analistas chamam de vivência de aniquilamento; porém, até agora, esta experiência e
as ansiedades subseqüentes tem sido, em minha opinião, uma vivência
demasiadamente ligada ao catastrófico. É certo que as crianças pequenas que sofrem
uma grave trauma tenderão para a ansiedade de aniquilamento ou, em alguns casos,
uma pessoa cujo ódio ao mundo é muito intenso terá uma ansiedade de Talião que
explodirá seu veneno no próprio interior e a pessoa ficará aniquilada neste processo.
Cada um de nós, entretanto, tem uma dose mais ou menos grave da vivência de
extinção, uma vivência que também está ligada ao conceito de retorno. Voltamos a
nossos corpos. A paz reina no céu e na terra.estamos de volta.

Assim, cada adulto que tiveram pais suficientemente bons terá uma sensação psíquica
de uma espécie de migração da lama, às vezes tirada do corpo por um shock, mas que
sempre volta ao corpo. Este ciclo de shock, saída, vazio e retorno, é muito importante
para nossa sensação de confiança, ainda que possamos nos sentir profundamente
perturbados por alguns acontecimentos de nossa vida que são traumáticos – a morte
de um amigo ou de um familiar de alguma forma “ao final tudo estará bem”. Podemos
manter esta crença até a iminência da morte. Por certo, ao saber que estão ao ponto de
morrer, podem, não obstante, acreditar que tudo terminará bem.

Naturalmente o conceito de céu dá ao cristão exatamente este tipo de desenlace


aceitável para o final e algumas outra religiões também oferecem lugares futuros para
a alma depois da morte. Certamente os ritos da morte são bastante importantes para
assegurar uma conclusão afortunada.estes ritos são tão antigos como o homem, pois
mesmo nas culturas mais primitivas e antigas se enterravam os mortos de maneiras
3

especiais. Não apenas como dispensário, mas com freqüência pondo comidas e
oferendas junto ao cadáver no lugar do enterro, como alimento para a viagem ao
outro mundo. Na religião católica, quando uma pessoa está próxima da morte, se
chama um sacerdote para ministrar os últimos sacramentos. Isto é para assegurar
que a pessoa receba uma “bendição” antes de que sua alma abandone o corpo, de tal
forma que se sinta segura e que mantenha sua integridade contra o possível assalto de
demônios, que esperam junto de seu leito de morte e que poderão levar o espírito de
sua alma a um mundo subterrâneo de infinito sofrimento. O sacerdote recebe a
confissão e perdoa o cristão de seus pecados.Na Idade Média e no Renascimento este
era um ato crucial que oferecia á pessoa moribunda a paz mental que permitia
enfrentar a morte.

Podemos argumentar que esta é a paz mental que Otela nega à Desdemôna.

Otelo: Rezastes esta noite, Desdemôna?


Desdemôna: Sim, meu senhor.
Otelo: Se pensas que há em ti qualquer crime não perdoado ainda pelo céu, para que
estejas em estado de graça, pede perdão de imediato.

Quando Desdemôna toma consciência de que Otelo tem a intenção de assassiná-la,


grita: “Que o céu me proteja!”. Porém, como todos sabemos, ela não compreende por
quê vão matá-la. Assim, mesmo que tenha rezado á noite e pedido clemência ao céu,
como não sabe o que fez, não tem a integridade psíquica que é essencial para o ato de
confissão que precede a morte; assim, pede mais tempo.

Otelo: Fora, por quê choras diante de mim?


Desdemôna: Deixe-me, meu senhor, mas não me mates.
Otelo: Fora!
Desdemôna: Mata-me amanhã, deixa-me viver esta noite.
Otelo: Não, e se tentas...
Desdemôna: uma meia hora...
Otelo: Uma vez que se começa não há pausa.
Desdemôna: Enquanto digo uma oração.
Otelo: Já é muito tarde.

Desdemôna implora mais tempo, não com a expectativa de que seu esposo se acalme
na manhã seguinte, ainda que não possamos excluir esta possibilidade de qualquer
interpretação da situação. De fato, roga-lhe que tenha tempo suficiente para refletir
antes que a mate, de tal forma que possa ter a integridade psíquica que curará o
estado de desintegração atual de sua mente. Quando Otelo diz “uma vez que se
começa, não há pausa”, reconhece que, de uma maneira muito real, já a matou; sua
alma foi destruída e Otelo nega-lhe a integridade psíquica. Seu “sufoco” é, somente,
parte do ato de execução que já havia começado.
3

Conheço poucos momentos da literatura dramática que sejam tão terríveis como esta
morte. Em minha opinião, Shakespeare tocou em um trauma conhecido por todos que
assistam ou leiam esta obra: a experiência de sentirem-se profundamente
escandalizados e confusos pela irritação ou pela raiva do outro, quando por um
momento a alma abandona o corpo, quando é perdido o contato com si mesmo, e
quando alguém se pergunta se irá recuperar a integridade psícossomática.
Afortunadamente para a maioria de nós, temos um retorno ao corpo depois de tal
shock . Conhecemos esta vivência, e é a este conhecimento inconsciente que
Skakespeare dirige seu insight evocador. Com isto em mente, sugiro, então, que a
estrutura da maldade representa este momento em que o self experimenta uma
desintegração psíquica permanecendo vivo. O assassino em série, suponho, tem um
conhecimento inconsciente de uma terrível extinção de seu próprio verdadeiro self e,
por isto, leva,dentro de si, uma alma assassina, e no ato de traição e posterior
assassinato de sua previamente escolhida vítima, transfere à cena a natureza de seu
próprio trauma inicial. Quem abusa das crianças, com freqüência alguém que foi
abusado antes, transfere sua morte psíquica ao seu próprio filho, que continuará
vivendo, por certo, de alguma forma convincente, mas continuará vivendo o abandono
de sua lama e, além disto, uma profunda cicatriz ficará em seu lugar. O
sadomasoquista, a mulher agredida e muitas pessoas podem ser parte de um retorno
ritualizado à cena de aniquilamento psíquico.

Muitos pacientes em análise, de formas muito sutis, voltam-se contra o analista. Em


minha opinião, com freqüência, identificarão projetivamente o conhecimento deste
processo no analista, que também tem uma parte de sua própria psique que conhece
este primeiro aniquilamento, e atribuem a ele (ao analista) que o que oferece de bom é
falso, que trai, que traíou a confiança do paciente, e que o paciente agora vive em um
estado de shock com seu self aniquilado, e o paciente requer a todo custo sua
reintegração psíquica. Lamentavelmente, para ambas as parte, alguns analisandos
inconscientemente buscam uma análise com o objetivo de reviver esta “verdade” e
portanto buscam de forma letal serem psiquicamente aniquilados no processo
analítico. Para alguns, em situações afortunadamente escassas, este será o objetivo da
análise, e, uma vez isto obtido, abandonarão o clínico, quem ficará como uma espécie
de cemitério desta morte.

O suicida busca, em alguns cass, conseguir esta vingança inconsciente atuando contra
a própria existência. Uma nota inocente, aparentemente um ato de grande perdão, o
suicida deixa o bilhete para os que viverão depois de sua morte. Tamanha inocência e
sofrimento transferem a maldade do homicida para as vítimas, neste caso os
sobreviventes, que deverão, inconscientemente, perguntar-se o que fizeram de mal.
Como é possível que não o saibam, ficam, então, com uma ferida permanente no self
que impede suas integrações psíquicas, porque como no caso de Desdemôna, ainda
que em circunstâncias totalmente diferentes, não saibam, o que fizeram de mal.

A estrutura da maldade é, então, a lembrança que cada pessoa tem de uma traição
importante sofrida desde o meio ambiente, que era confiável, da relação mãe-filho ou
pai-filho. Todos vivenciamos este trauma e todos, em conseqüência, conhecemos sua
estrutura. Cada um de nós se identificará com alguns aspectos dela e talvez pensará
3

em sua atuação na fantasia, como quando atuamos de forma cruel uns com os outros,
ou nas chamadas “brincadeiras pesadas”, quando atuamos para obter um efeito
malévolo, porém não desastroso no outro. Um dos mais populares programas de
televisão, em diferentes culturas é a “Câmara escondida”, que converte a estrutura da
maldade em uma situação cômica. Algumas pessoas sofreram profundamente nno
processo que estou expondo e, em caso extremo, existem pessoas que, agora como seres
genocidas, parecem ocupar nossas mentes como o fez a “parca” ( NT: ser imaginário
que tira a vida, morte ) na Idade Média.

Os pais e parentes das crianças, que durante anos estavam desaparecidos, se sentem
em uma estranha congregação. Um grupo de indivíduos, de diferentes partes do país,
que tem-se perguntado, durante anos, se seu filho cruzará a porta. Porém, na sala do
juízo, agora sabem por quê seus filhos estão ausentes e a quem se deve culpar por isto.
O assassino em série se converte, então, na última explicação dos desaparecimentos,
um fenômeno que merece uma investigação independente no próximo capítulo,
quando analisarmos esta profunda preocupação social dos Estados Unidos, cuja
cultura lidera o mundo ao final do século XX e do novo milênio.

Dois breves comentários sobre o texto


J. Outeiral

Este texto é, sem dúvida, instigante. Os trabalhos de Ch. Bollas são, em geral,
criativos e desafiam nossa curiosidade. São um convite para pensar determinadas
situações clínicas ou sociais, desde novos pontos de vista. É o que ele faz ao escrever
sobre a estrutura da maldade. A partir dos conceitos de área de ilusão e espaço
potencial, que busca emprestado de D. Winnicott, ele descontrói, à moda de Jack “O
Estripador” (como estamos falando de assassinos em série...) ou de um outro Jacques,
o Derrida, o tema da “estrutura da maldade”. Acredito, o que não tira o valor do
trabalho, que em alguns momentos determinadas idéias estão repetidas, mais do que
necessário, e que novas denominações foram dadas a conceitos já conhecidos.
Considero, também, que acreditar que a cultura americana “lidera” o mundo é uma
afirmativa, no mínimo, discutível e que parece descontextualizada; pensei que a partir
daí ele escreveria sobre algo sobre a estrutura da maldade ou do genocídio, mas tal
não aconteceu. Mas são questões secundárias ou para outros momentos.

Junto com Theobaldo Thomaz publiquei “Dois Breves Ensaios Sobre a Maldade”
( Editora Unisinos, 2005 ), onde abordamos diversos enfoques da questão da maldade.
A maldade, entendida, inicialmente, como um elemento de um desdobramento
teológico, dentro do pensamento anímico e mágico, depois o mal natural, aceito, como
propõe alguns autores, desde os eventos relacionados com o terremoto de Lisboa, no
século XVIII, até o mal que está no próprio homem, configurado pelas experiência
genocidas do século XX e pela descoberta genial da psicanálise por S. Freud.
Consideramos, também, que a maldade, paradoxalmente, tem um aspecto
3

estruturante . A maldade, vinda do céu, da terra ou de dentro de nós é, sempre, parte


da experiência humana, do humano, do demasiado humano....

Quero considerar e sugerir dois pontos para a discussão, além daqueles, inúmeros,
que os leitores deste texto deverão ter em mente. A questão da Pulsão de Morte e do
genocídio.

Aqueles que se interessam pela obra de D. Winnicott conhecem bem a posição deste
autor sobre o Instinto de Morte (ele nunca escreveu “pulsão”, termo mais próximo dos
franceses). D. Winnicott, em várias ocasiões, deixou clara sua indisposição com o
Instinto de Morte, e lastimou, em “O Uso do Objeto” (1968-69), não poder liberar S.
Freud de carregar em seus ombros de Atlas, tamanho peso... Ele deixa bem claro,
entretanto, seu conceito sobre (e as raízes da ) a agressividade e o ódio. Não se trata,
agora, de discutir este tema. Mas quero registrar que tenho dificuldade de
compreender determinadas situações clínicas sem considerar o Instinto de Morte. Não
se trata de querer perguntar a mim mesmo “Tu és contra ou a favor do Instinto de
Morte?”, pois não estamos frente a um dogma religioso e nenhum anátema ou
maldição será lançada contra a quem tem dúvida. O pensamento paradoxal, tão caro
a D. Winnicott e o respeito dele pela idiossincrasia pessoal, suportam o
questionamento. Aliás, cabe lembrar, também, o aforisma de F. Nieztche, quando ele
escreve que “...o que enlouquece é a certeza, não a dúvida”. Mas não estou só com
minha dúvida, tenho boas companhias (acredito) em Ch. Bollas e A. Green. Ambos,
como sabemos, a partir da origem freudiana, se valem de algumas das contribuições
de autores como D. Winnicott, W.Bion e J. Lacan, especialmente o primeiro deles.

Ch. Bollas toca, de leve, neste texto, sobre a Pulsão de Morte. Acho difícil prescindir
deste “conceito”, quando se trata de buscar vértices para a compreensão do
assassinato em série (e seus correlatos); trata-se de uma hipótese – o Instinto de Morte
– para pensar o tema. Na verdade, em outros textos, Ch. Bollas também toma este
vértice metapsicológico para pensar algumas situações extremas. É o que faz no
capítulo “Viajando”, de seu livro “Forças do Destino. Psicanálise e Idioma Humano”,
quando lança mão do conceito de Instinto de Morte para entender os determinantes
do uso grave de substâncias psicoativas.

A. Green , que reconhece que uma de suas postulações mais importantes, o conceito de
“negativo”, deriva da contribuição de D. Winnicott sobre “objetos e fenômenos
trasnicionais, como ele expôs em sua última conferência da série que realizou na
Fundação Squiggle (2000), questiona a posição de D. Winnicott em relação ao Instinto
de Morte. Na videoconferência realizada pela SBPSP (2003) ele assim se manifestou,
ao ser perguntado o que gostaria de perguntar a D. Winnicott, se este ainda vivesse:

“Li seus escritos e meditei sobre eles .Há muito neles que me parece admirável. Mas noto
que o senhor se pronunciou, sem ambigüidades, contra os instintos de morte. O senhor
preteriu a noção de instintos de morte, de destruição, em favor de uma outra noção, a de
amor sem piedade, ruthless love. Segundo o senhor, é esta que precederia a capacidade
for concern.Ou seja, foi aí que o senhor não conseguiu mais continuar seu namoro com
Melanie Klein... e eu continuaria dizendo...E a bomba que os americanos lançaram
3

sobre a cidade de Hiroshima, era um amor sem piedade? Será que os quadros de psicose,
e não apenas ela, mas a anorexia, a toxicomania, os comportamentos suicidas... será que
tudo isto pode simplesmente depender de uma desintegração, que seria um modo
defensivo contra a desorganização? Será que o amor por si só, mesmo em suas formas
mais primitivas não daria conta da expressão? Ah, tenho muitas dúvidas a respeito disto.
Muitas dúvidas...e Deus sabe o quanto o senhor me inspirou”.

Bem, ao leitor cabe agora as associações: “It´s up to you”, talvez dissesse D. Winnicott.

O segundo ponto para discussão. É muito interessante que o extermínio de populações


não tenha tido uma palavra para designação até 1944, quando a palavra genocídio, é
utilizada, pela primeira vez, pelo jurista polonês, Raphael Lemkin, no livro “Axis Rule
in Occupied Europe” (Controle do Eixo na Europa Ocupada). Sabemos que o trauma
impede a inserção de seu registro na cadeia simbólica rompendo a continuidade do
self (going-on-being). Ch. Bollas no “Sendo Um Personagem” escreve um capítulo
seminal sobre o tema, “Estado de Mente fascista”. A encruzilhada que nos
encontramos, entre civilização e barbárie, entre o Brasil arcaico e o Brasil moderno, o
mal-estar que vive nossa sociedade, pode ensejar uma discussão, desde a psicanálise,
sobre o tema maldade e violência. Julio de Mello quando escreve sobre “Vivendo num
pais de falsos selves” contribui para tanto.

A propósito: caso o leitor tenha encontrado a palavra “genera” no texto, poderá ler o
livro “Sendo um Personagem”, capítulo “Gênese Psíquica”, onde Ch.Bollas escreve
sobre a palavra, em um pé-de-página (pg.50), explicitando o sentido em que usa esta
expressão.

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