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O Brasil acordou para a questão agrária, em grande medida, por ter sido
sacudido por intensas mobilizações de trabalhadores rurais. Lutando por
direitos e por terra, eles passaram a se organizar por todo o país, a princípio
em ligas camponesas e em associações de lavradores e, depois, em
sindicatos. Nesse processo, tiveram o apoio de partidos e grupos diversos,
entre os quais a esquerda católica reunida na organização que Betinho
não somente ajudou a criar, mas dirigiu, a Ação Popular (AP). O
envolvimento de Betinho com a luta pela terra se deu, igualmente, pela
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sua inserção nos quadros da Superintendência de Política Agrária (Supra),
criada pelo governo João Goulart, em fins de 1962, para gerir a questão
agrária e a sindicalização rural.
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evidência, opondo-se à derrubada de seringais para a exploração de madeira
ou para a transformação das áreas em pastagens. Enormes contingentes
de agricultores, deslocados pelas inundações decorrentes da construção
de barragens, organizavam protestos exigindo terras e indenizações.
Ocupações de terras passavam a se intensificar, sobretudo a partir do sul,
em uma forma de ação que iria caracterizar, já a partir de 1984, Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
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fundador e presidente da Abra. Diversas diretorias do Incra e do Mirad foram
ocupadas por militantes da CNRA. A Campanha penetrava, portanto, no
Estado brasileiro, e suas propostas poderiam, então, tornar-se política pública,
contribuindo para a elaboração de um Plano Nacional de Reforma Agrária
(PNRA). Mesmo com essa entrada, o Ibase continuou sendo um espaço
autônomo de reunião, de proposição e de avaliação de idéias.
Ainda que não tivesse alcançado seu objetivo maior, a CNRA desempenhou
um importante papel junto aos trabalhadores rurais, estimulando-os,
fornecendo-lhes suporte e informação, contribuindo para a formação de
uma base de legitimidade para que eles próprios empreendessem, de
maneira mais firme, a luta pela reforma agrária. Esse papel, assim como a
coordenação da Campanha pelo Ibase, foram reconhecidos pelos
trabalhadores, que escreviam ao Instituto solicitando informações e material
para a luta pela reforma agrária.
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presidencial direta em 29 anos. Embora se mantivesse o objetivo geral de
mobilizar as forças sociais no campo e nas cidades para a realização da
reforma, era para os habitantes destas que se voltavam os esforços
específicos da CNRA. Tratava-se de plantar a reforma “nos corações e
mentes de cada habitante das grandes cidades”, conscientizando-os da
sua urgência e necessidade, mobilizando a sua solidariedade para com os
trabalhadores rurais em suas lutas, levando-os a influir sobre os políticos e
o Congresso de modo a que fossem produzidas as condições políticas para
as mudanças na estrutura agrária do país. Mais, passou-se a acoplar, de
forma mais clara, a luta pela reforma agrária aos movimentos ecológicos.2
O fim da CNRA enquanto tal não representou o fim da luta pela reforma
agrária, nem para Betinho, nem, muito menos, para os trabalhadores rurais.
Para estes, a democratização do acesso à terra continuou, e continua,
fazendo sentido – até hoje mobiliza-os e leva-os a participar de ocupações
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em que homens e mulheres, velhos e crianças, sujeitam-se a viver em
precárias condições em acampamentos, por longos períodos, na esperança
de obter um lote para produzir, o que nem sempre se realiza. Quanto a
Betinho, persistiu no esforço de sensibilizar a população urbana para a
reforma, apresentando-a como uma importante e incontornável dimensão
da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida e, poderíamos
acrescentar, pela Democracia. A reforma agrária, para ele, era condição
sine qua non para que os brasileiros pudessem se apropriar do Brasil. Assim,
escrevendo sobre a Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e
Justiça, organizada pelo MST, que tomou a Praça dos Três Poderes, em
Brasília, no dia 17 de abril de 1997, depois de percorrer o país por cerca
de dois meses, afirmou:
Notas
1
CONTAG, CPT, CIMI, CNBB, ABRA, IBASE. Campanha Nacional pela Reforma
Agrária. Rio de Janeiro, Editora Codecri, 1983. p. 3.
2
Ibase. “Projeto financiamento: Campanha Nacional pela Reforma Agrária”,
1989. (Arquivo Herbert de Souza).
3
Souza, Herbert de. “A longa marcha”. Texto digitado, 1997. (Arquivo Herbert
de Souza).
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A Campanha Nacional pela Reforma Agrária
produziu diferentes tipos de material de
divulgação – cartazes, panfletos, boletins –
distribuídos por todo o país, sobretudo nos
sindicatos de trabalhadores rurais.
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A correspondência existente no
arquivo de Betinho atesta a
mobilização dos trabalhadores
rurais e o entusiasmo com a
campanha. Um exemplo são as
três cartas de José Alves Costa
pedindo material de divulgação,
informando sobre a
mobilização em Codó,
Maranhão, e denunciando
atrocidades cometidas por
fazendeiros na região.
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A carta de Vitorino Luiz do Nascimento, de
Mirandiba, Pernambuco, deixa claro que, em fins
de 1983, o Ibase tinha se tornado uma
referência para os trabalhadores rurais.
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Resposta a
Vitorino Luiz do
Nascimento
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Como coordenador da CNRA, Betinho
estimulou os diferentes setores da sociedade a
pressionarem o governo no sentido de apressar
a reforma agrária e reprimir a violência no
campo.
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Em 18/05/1990, Betinho publica no JB, artigo
sobre Osmarino Amâncio. Líder seringueiro
considerado sucessor de Chico Mendes, foi
presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Brasiléia, no Acre.
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Betinho atuou fortemente na denúncia pública
da violência no campo e na cobrança de
medidas que punissem os culpados.
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Sobre Chico
Mendes
O líder seringueiro Chico Mendes, presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no
Acre, foi morto no dia 22 de dezembro de 1988, no
quintal de sua casa, com um tiro de espingarda. Seis
meses após a sua morte, dois dos assassinos, Darci
Alves da Silva e seu pai, Darli, foram presos.
Condenados a 19 anos de prisão, fugiram da
penitenciária de segurança máxima, em Rio Branco,
em fevereiro de 1993, e ficaram três anos e quatro
meses em liberdade. Capturados, passaram a cumprir
pena no presídio da Papuda, em Brasília.
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10 anos de campanha, 500 anos de luta.
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Nada mais moderno hoje do que a democratização da terra
em todas as suas dimensões: fundiária, agrícola, ecológica,
social, política, científica e cultural. Nada mais decisivo
para mudar o rumo desse grande Titanic em direção ao
desastre do que a democratização ampla e profunda da terra,
esse espaço planetário apropriado por cercas, preconceitos,
dilapidadores da natureza, senhores de um mundo que já não
pode mais ser contido nas escrituras enlouquecidas onde
uma empresa ou pessoa se diz proprietária de um território
equivalente a um país!
Num mundo onde o ar, os rios e mares são públicos, onde
o uso social e econômico da terra se afirma em meio a
avanços e contradições, onde a dimensão planetária passa a
ser uma referência obrigatória, não é mais possível deixar
de rever em profundidade tudo que já fizemos sobre a
terra: o que é ser proprietário de terra, as funções
produtivas, privadas e públicas da terra, os limites mínimos
e máximos da terra, os usos, a proteção global ao meio
ambiente (terra), as grandes cidades e tantas outras
dimensões.
A democratização da terra não pode mais ser vista como
uma luta em torno de escrituras, que garantam o caráter
privado da propriedade, mas como uma luta em torno dos
usos sociais, públicos, da terra como um patrimônio comum
da humanidade.
Pensando a terra dessa forma parece absolutamente
anacrônico sobrevoar o Brasil de hoje e verificar todo um
mundo isolado pelas cercas, vazio de gente nos campos,
enquanto a miséria se expande e se concentra nas grandes
cidades.
A luta contra a pobreza e a miséria no Brasil passa pela
democratização da terra e por sua transformação num grande
instrumento de desenvolvimento e surgimento de uma nova
sociedade, fundada em novas relações entre os seres humanos
e a natureza.
É preciso reafirmar que a terra é de todos e que todos
devem participar dessa obra comum e dar-lhe um sentido
fecundo e democrático.
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