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O defensor do Rio
“O Rio vive mais por sua alma, que resiste, do
que por seu corpo, castigado por sucessivos
desgovernos que nunca suportaram seu espírito
de oposição e seu amor à vida e à liberdade.”
Pouco depois de assumir seu novo cargo, que não previa nenhum tipo de
remuneração, Betinho se viu diante de uma realidade que ganhou contornos
dramáticos: no dia 15 de setembro, Saturnino anunciou a falência da
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Prefeitura, causada, entre outros fatores, pela cerrada oposição dos
vereadores e a não efetivação da ajuda financeira prometida pelo governo
federal no início do ano, quando fortes chuvas atingiram a cidade. Ao
mesmo tempo, o funcionalismo público municipal entrou em greve. A
despeito da paralisação da máquina administrativa – que, ao fechar creches,
escolas e hospitais, afetava sobretudo os setores mais pobres da população
–, o defensor e sua equipe continuaram em atividade. Em seu diagnóstico
sobre a situação, Betinho distinguia duas etapas no tratamento dos
problemas: a curto prazo, evitar a falência dos serviços sociais, e a médio
prazo, elaborar uma proposta de cidade que não fosse tecnocrática, mas
que envolvesse o conjunto da sociedade. Tendo como ponto de partida
despertar a emoção das pessoas em torno da cidade, surgiu o movimento
“Se liga Rio”.
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questão de cidadania, em 12 de novembro de 1990 publicou um artigo
no Jornal do Brasil, no qual discutia como viabilizar o futuro da cidade.
Na sua proposta de construção de um novo Rio, conferia prioridade
absoluta ao combate à pobreza, pois “o atendimento das necessidades
básicas e vitais não pode esperar”. E para que isso se concretizasse, todo
e qualquer projeto de desenvolvimento econômico teria de estar atrelado,
obrigatoriamente, a finalidades e objetivos sociais, tendo como
preocupações centrais a geração de emprego e a distribuição de renda.
Um outro elemento importantíssimo era a definição de uma política de
segurança que colocasse um ponto final na “violência praticada por quem
tem a obrigação de combatê-la”. O combate à criminalidade também
deveria ser encarado como uma tarefa de toda a sociedade.
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O projeto ganhou uma dimensão mais concreta em maio de 1992, quando
foram implantados os dois primeiros Núcleos de Abordagem de Rua, um no
Leblon e outro em Copacabana, concebidos como espaços de atendimento
diário onde, através de atividades lúdicas, esportivas e principalmente artísticas,
educadores sociais estabeleciam uma relação de confiança e acolhimento com
as crianças e adolescentes, de forma a intermediar suas demandas mais
imediatas e suscitar a construção de alternativas à vida nas ruas.
Foi novamente a violência, essa velha conhecida dos cariocas, que levou
Betinho a se envolver numa campanha de mobilização da população do
Rio. Em meados de 1993, duas chacinas abalaram a opinião pública nacional
e internacional. Na madrugada de 24 de julho, seis homens assassinaram
a tiros sete menores e feriram seu líder, em frente à igreja da Candelária,
no Centro do Rio. Cerca de 50 meninos de rua dormiam sob as marquises
de prédios próximos à igreja quando foram abordados pelos criminosos.
Os sobreviventes apontaram policiais militares como os autores dos disparos.
Dias depois, em 9 de agosto, o assassinato de quatro PMs por traficantes
de tóxicos, em Vigário Geral, deu origem a mais um episódio de violência.
Na madrugada do dia seguinte, cerca de 50 homens encapuzados e
armados invadiram a favela e, à queima-roupa, mataram 21 pessoas, quase
todas sem ficha criminal e sem ligação com o tráfico.
Em junho de 1996, Betinho lançou aquela que seria a sua última campanha
a ter o Rio como campo de ação. Naquela ocasião, a cidade já era uma das
candidatas a sede dos Jogos Olímpicos de 2004. Betinho aproveitou a
mobilização decorrente da candidatura para lançar uma campanha que,
uma vez mais, envolvesse diversos segmentos da população carioca em torno
de cinco metas, a serem alcançadas até 2004, de cunho eminentemente
social: educação de qualidade para todas as crianças e jovens; todas as
crianças bem alimentadas; favelas urbanizadas e integradas à cidade;
ninguém morando na rua; e esporte e cidadania jogando no mesmo time.
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pública. Na visão de Betinho, a Agenda Social fez da candidatura do Rio
uma grande novidade em muitos anos de Olimpíadas, ao tornar o evento
muito mais do que uma competição esportiva. Outra observação importante
era a de que a Agenda Social deveria ser cumprida, mesmo que o Rio não
fosse escolhido para hospedar os Jogos. Betinho pretendeu ainda criar um
fundo para a arrecadação de recursos junto às empresas patrocinadoras
das Olimpíadas. Queria que uma pequena parte do lucro obtido nos Jogos
fosse destinada às causas sociais. A primeira fase da campanha publicitária
se materializou em cartazes, adesivos para carros, camisetas, sempre
com o lema da campanha. Por coincidência, a palavra “quero” tem cinco
letras, o mesmo número das argolas que formam o símbolo olímpico.
Assim, cada letra ganhou uma cor no logotipo dos Jogos.
Mesmo depois que o Rio perdeu a disputa para ser a sede das Olimpíadas
em março de 1997, que acabou sendo ganha por Atenas, o Ibase manteve
as articulações em torno da Agenda Social. Poucos meses depois, Betinho
morreu.
Notas
1
Jornal do Brasil, 23/10/1988.
2
Projeto “Se essa rua fosse minha”. s/d. (Arquivo Herbert de Souza).
3
O Globo, 20/11/1996.
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Em setembro de 1988, após o anúncio da
falência da Prefeitura, pelo prefeito Saturnino
Braga, Betinho buscou apoio internacional para
salvar a cidade.
Atenciosamente,
Herbert de Souza
Defensor do Povo da
Cidade do Rio de Janeiro
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Letra da música “A Luz do Mundo”, composta
por Chico Buarque, Djavan, Arnaldo Antunes e
Caetano Veloso, para o projeto “Se essa rua
fosse minha”. O disco, um compacto simples
produzido de forma independente, foi lançado
em 1991.
A LUZ DO MUNDO
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Logo após o lançamento do projeto “Se essa
rua fosse minha”, Betinho escreveu o artigo Se
esse menino fosse meu.
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165
Ato pela paz, na
Candelária,
realizado no dia
17 de dezembro
de 1993, em
protesto contra
as chacinas da
Candelária e de
Vigário Geral.
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Depois de participar da passeata pela paz,
moradora de Copacabana manifestou seu
carinho e sua disposição para colaborar com
Betinho.
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169
No final de 1995, freqüentes confrontos entre
torcidas levaram Betinho a organizar uma
campanha contra a violência nos estádios de
futebol, que contou com o apoio de Chico
Buarque.
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O tema da violência continuou a mobilizar a diversas entidades da sociedade civil, lideradas
população do Rio de Janeiro e, no dia 28 de pelo Viva Rio, para uma caminhada pela paz na
novembro de 1995, cerca de 300 mil pessoas, Avenida Rio Branco. O movimento ficou
vestidas de branco, atenderam ao chamado de conhecido como Reage Rio.
171
Pastor Caio
Fábio, Betinho e
Rubem César
Fernandes em
charge de Chico
Caruso
publicada em O
Globo, em 28/
11/1995, dia da
caminhada do
Reage Rio.
172
Betinho e
demais
organizadores
do movimento
Reage Rio,
caminham na
Avenida Rio
Branco dois dias
antes da
manifestação
pela paz.
Carlos Magno /AJB
173
Com artistas,
Rubem César
Fernandes e o
pastor Caio
Fábio, na
queima de fogos
ao final da
caminhada pela
paz, em
28/11/1995.
174
Com Rubem
César
Fernandes, no
dia da
caminhada pela
paz.
175
Em março de 1997, após a derrota da
candidatura do Rio para ser sede das Olimpíadas
de 2004, Betinho insistiu na manutenção das
metas da Agenda Social, transformada em
projeto apresentado à Unicef.
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Cartazes
produzidos em
torno da
Agenda Social
Rio.
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