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Carta aos Leitores

Aqui começa a implantação da revista de divulgação científica de biologia da UFRJ. Num


primeiro momento ela está incorporada neste BIOLETIM, o qual servirá para lançar a proposta e atrair mais
colaboradores para o projeto.
No entanto, a idéia é que seja lançado em novembro o 1º número de uma revista exclusivamente voltada
para a divulgação científica a nível de graduação e mestrado em ciências biológicas, proporcionando um
mecanismo de aumento da cooperação entre os estudantes ligados às diversas áreas da pesquisa científica
em biologia. Deseja-se além disso, que esta cooperação integre os diversos estágios de iniciação na
prática científica, abrangendo desde o aluno recém-ingresso na graduação até aquele que está terminando
seu mestrado.
Como alunos de biologia temos notado a falta de um veículo de divulgação no qual pudéssemos expor
idéias e trabalhos desenvolvidos por cada um em seus laboratórios, desta forma estimulando o exercício da
produção científica e exigindo dos autores uma exposição e desenvolvimento claro de suas idéias. Neste
sentido pretendemos criar um sistema de “referee”, semelhante ao adotado pela maioria das publicações
científicas, visando não simplesmente aprovar ou rejeitar um texto, mas auxiliar a evolução do artigo.
Esperamos com isso que a qualidade dos textos, ao menos no que diz respeito a explicitar seu conteúdo,
seja melhorada. Este sistema constituirá mais uma forma de integração, pois pretende incorporar como
“referees” alunos de pós-graduação, coordenados por chefes de laboratório.
Notamos uma grande desinformação acerca das pesquisas nas diversas instituições. Espe-
ra-se que a revista proporcione um maior conhecimento destas linhas, permitindo possíveis intercâmbios. A
seção “O que estão fazendo” foi criada para este fim, apresentando um pequeno resumo das atividades de
cada laboratório, exposto por um de seus estudantes de iniciação científica e/ou mestrado.
Pretende-se também informar o leitor ajudando-o em sua formação, e complementando possíveis deficiên-
cias do curso. Para tal foram criadas as seções “O que é?”, “Como é?”, “Como faz?”, “Clássicos” e
“Incertae sedis”, assim como o espaço para entrevistas com personalidades direta e indiretamente ligadas
à ciência.
•“O que é?”, aborda temas gerais em bi- •“Como faz?”, explica técnicas utiliza-
ologia, abrangendo conceitos e teorias, das, citando suas possibilidades e diver-
explicando seus significados e fornecen- sas abrangências.
do análises críticas quando procedente.

•“Como é?, aborda temas gerais em •“Clássicos”, aborda textos marcantes em


biologia, abrangendo, no entanto, pro- biologia, apresenta seus objetivos e co-
cessos com um caráter fisiológico. menta as implicações surgidas a partir
destes.

•“Incertae sedis”, aborda uma ampla gama de assuntos informativos, que não se refletem nos padrões
determinados pelas outras seções, não estando estes necessariamente restritos biologia.

Para auxiliar o aluno recém-formado, foi criada a seção “Depois do diploma”, que divulga concursos e
oportunidades de trabalho dentro da área de biologia.
No final desta edição apresentamos uma pequena guia com as regras e padrões estabelecidos para que
um artigo possa ser submetido à revista.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 3


O QUE ESTÃO FAZENDO
GENÉTICA MOLECULAR HUMANA IMUNOBIOFÍSICA
Depto. de Genética, IB—UFRJ Depto. de Circulação e Biomecânica, IBCCF-UFRJ

O laboratório desenvolve basicamente duas linhas de O sistema imune tem por função proteger o organismo
pesquisa. As duas com genes humanos. Uma delas de moléculas e microorganismos estranhos, dispondo para
consiste no estabelecimento de uma metodologia de ex- tal basicamente de dois sistemas, um humoral e outro
tração de DNA de múmias, fósseis e ossos antigos, para celular. Dentro do sistema celular se destaca o grupo
tentar desvendar mecanismos de evolução e realizar a das células efetoras (linfócitos citotóxicos) as quais são
determinação sexual das amostras. responsáveis por encontrar e destruir células que de algu-
A outra linha consiste na tentativa de isolar novas sondas ma forma não estejam sadias, como células tumorais ou
de RFLP’s que possam ser usadas em estudos aléicos de infectadas por vírus.
ligação, legais e de parentesco. Em nosso laboratório estudamos as moléculas usadas
Diego Rodriguez pelos linfócitos citotóxicos (CTL) para matar outras célu-
las, verificando seus efeitos sobre diferentes tipos celula-
res e microorganismos e verificando a existência de simi-
NEUROGÊNESE lares destas moléculas ao longo da escala filogenética.
Depto. de Neurobiologia, IBCCF-UFRJ Dentre os projetos que desenvolvemos temos: efeito da
ação dos linfócitos citotóxicos sobre Trypanossoma cruzi;
O laboratório de Neurogênese do IBCCF-UFRJ é uma resistência dos CTLs às suas moléculas citotóxicas;
unidade de pesquisa básica que tem como objetivo ge- caracterização em pepino do mar de moléculas
ral examinar aspectos da regulação da degeneração citotóxicas; etc. Além disso no laboratório são desenvol-
celular no sistema nervoso embrionário. O trabalho visa vidos experimentos de eletrofisiologia, verificando os di-
contribuir para a elucidação de mecanismos celulares e ferentes efeitos do ATP sobre macrófagos.
moleculares de controle da degeneração neuronal, e dos Rodrigo da Cunha Bisaggio
papéis da morte celular e outros fenômenos regressivos
no desenvolvimento do sistema nervoso. ANATOMIA VEGETAL
Stevens Kastrup Rehen
Depto. de Botânica, IB-UFRJ

NEUROBIOLOGIA DA RETINA Atualmente, o laboratório de pesquisa em Anatomia


Depto. de Neurobiologia, IBCCF-UFRJ Vegetal trabalha num estudo das características
anatômicas das folhas de plantas da família Rubiaceae.
O laboratório de Neurobiologia da Retina tem como O primeiro passo, praticamente concluído foi realizado
principal linha de pesquisa a localização e caracteriza- com indivíduos coletados em mata atlântica.
ção morfológica de neurônios retinianos que contém Posteriormente serão feitas pesquisas semelhantes base-
determinados neurotransmissores. As células que expres- adas em indivíduos da mesma família, porém oriundos
sam acetilcolina, dopamina, GABA, glicina e glutamato de áreas de restinga, o que pode permitir comparações
são marcadas através de método imunocitoquímico. Na acerca da vegetação das duas regiões. Ambas serão,
retina, muito se pode inferir sobre o papel de uma célula além disso, enriquecidas pelo auxílio da microscopia
na visão conhecendo-se sua morfologia e posição do eletrônica. Outras linhas de pesquisa estão sendo inicia-
corpo celular e arborizações. das, como o estudo da anatomia de raízes e de uma
Marília Zaluar família, ainda não definida, de monocotiledônea.
André Mantovani

4 BIOLETIM 9
ICTIOLOGIA GERAL E APLICADA BIOLOGIA MOLECULAR DE LEPRA
Depto. de Biologia Marinha, IB-UFRJ Depto. de Biofísica e Biometria, IB-UERJ

Diante do pouco que se conhece sobre a ictiofauna bra- A hanseníase é uma doença de difícil diagnóstico (devido
sileira, o Laboratório de Ictiologia Geral e Aplicada está a reações cruzadas com outras doenças) e, embora tenha
envolvido no momento com um projeto maior, denomi- cura, seu tratamento é árduo e duradouro. Além disso, a
nado “Inventário Ictiofaunístico dos Ecossistemas Aquáti- pesquisa com Microbacterium leprae é prejudicada por-
cos Continentais Costeiros do Leste do Brasil”. Cada um que não se consegue o desenvolvimento do
dos seus quatro estagiários, assim como o doutor Wilson microorganismo em cultura. Com isso, a utilização da
J.E.M. Costa, chefe do laboratório, pesquisa um grupo tecnologia do DNA recombinante torna o trabalho com
taxonômico específico com ênfase em sistemática. M. leprae mais acessível porque, com a quebra do DNA
O meu projeto individual (também desenvolvido como da microbactéria e sua inserção em vetores de expressão
monografia) consiste em um estudo detalhado sobre em Escherichia coli (que é amplamente estudada), tenta-
habitats, hábitos, ocorrências e sistemática dos peixes se isolar genes que possam codificar um antígeno a ser
da família Gobiidae em um trecho do litoral brasileiro. reconhecido pelo anticorpo de pacientes com hanseníase.
A linha aplicada do laboratório está relacionada com Mílton Ozório Moraes
eventuais levantamentos ictiofaunísticos visando avalia-
ções de impactos ambientais.
Ricardo Zaluar Passos Guimarães
AVALIAÇÃO DE GENOTOXIDADE
Depto. de Biofísica e Biometria, IB-UFRJ
ZOOPLÂNCTON Análise do efeito protetor da tiouréia na inativação celular
Depto. de Biologia Marinha, IB-URFJ provocada por SnCI2 em E. coli.
Os sais de estanho são usados em setores de importân-
O Laboratório de Zooplâncton do Departamento de Bio- cia na nossa vida tais como embalagens metálicas. Além
logia Marinha tem como linha geral de trabalho o levan- disso atua como agente redutor, para obter o
tamento e estudos ecológicos de zooplâncton da costa radiofármaco Tc99. Neste estudo com cepas de E. coli
sudeste-sul do Brasil. Sob a coordenação da professora proficientes ou deficientes em vários mecanismos de reparo
Catarina Silva Ramiz Nogueira, o laboratório tem atual- de DNA, observou-se que o cloreto estanhoso (SnCI2),
mente quatro projetos de iniciação científica em anda- na solução (12,5 !g/ml), induziu uma morte celular sig-
mento, realizados por estagiários do departamento, que nificativa na cepa de E. coli AB 1157. Este mutante não
utilizam tais projetos para a montagem de suas é o mais sensível do seu tipo. Notou-se também que o
monografias. efeito letal induzido por SnCI2, foi significativamente
Minha monografia foi realizada em torno do emissário reduzido (cerca de 70%), pelo uso de um sequestrador
submarino de Iapanema. Através de coletas mensais du- do radical livre OH– a tiouréia (1M). Este resultado indi-
rante um ano, do levantamento dos organismos do zoo- ca que pelo menos em parte, o efeito letal do SnCl2 é
plâncton encontrados e da comparação destes resultados mediado por EAO (espécies ativas de oxigênio).
com os de outras regiões, será possível avaliar o efeito Flávio José Silva Dantas
dos lançamentos sobre o plâncton e a comunidade mari-
nha dele dependente. Desta forma, no final do projeto,
será possível chegar a um quadro da ação do emissário
sobre o ecossistema marinho da região.
Marcelo Semeraro de Medeiros

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 5


6 BIOLETIM 9
AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 7
“N
as minhas horas de lazer, que não são muitas, eu repassei o meu
caso. E pensei sobre o juízo que o mundo da ciência, do qual eu
mesmo não me considero mais parte, deverá fazer a respeito. Mesmo
um mercador de lã, afora comprar barato e vender caro, tem que
pensar em outras coisas também. Nas providências para que o
comércio de lã corra sem empecilhos. A prática da ciência me parece exigir
notável coragem deste ponto de vista. Ela negocia com o saber obtido através
da dúvida. Arranjando saber a respeito de tudo para todos ela procura
fazer que todos duvidem. Ora, a maior parte da população mantida pelos
seus princípios, donos da terra e padres, numa neblina cambiante de supers-
tições e palavras velhas que encobrem as maquinações desta gente. A miséria
dos muitos é velha como as montanhas, e segundo os públicos e as cátedras
ela é indestrutível, como as montanhas. O nosso recurso novo, a dúvida,
encantou o grande público. Ele arrancou o telescópio de nossas mãos para
apontá-lo para os seus carrascos. Esses homens egoístas e violentos, sentiram
logo que o olho da ciência pousou em uma miséria milenar mas artificial, que
obviamente poderia ser iluminada através da eliminação deles. Eles nos
cobriram de ameaças e ofertas de suborno irresistíveis para as almas fracas.
Mas nós continuaríamos a ser cientistas se nos afastássemos da multidão? O
movimento dos corpos celestes tornaram-se mais claros, mas os movimentos
dos poderosos continuam imprevisíveis para os seus povos. A luta pela
mensuração do céu foi ganha através da dúvida. E a credulidade da dona
de casa romana fará com que ela perca sempre de novo a sua luta pelo
leite.
A ciência está ligada às duas lutas. A humanidade enquanto tropeça nessa
neblina milenar e cambiante das superfícies e palavras velhas, ignorante
demais para desenvolver plenamente suas forças, será incapaz de desenvol-
ver as forças da natureza que vocês, cientistas, descobrem. Vocês traba-
lham para quê? Eu sustento que a única finalidade da ciência está em
aliviar a canseira da existência humana. E os cientistas, intimidados pela
prepotência dos poderosos, acham que basta acumular saber por amor ao
saber, então a ciência pode ser transformada em aleijão e vossas máquinas
serão aflições, nada mais. Com o tempo é possível que vocês descubram
tudo que há por descobrir e mesmo assim vosso avanço será para longe da
humanidade. O precipício entre vocês e a humanidade pode crescer tanto
que ao grito alegre de quem descobriu alguma coisa responda um grito
universal de horror.”
Galileu Galilei

8 BIOLETIM 9
Ciência e Arte: duas faces
de uma mesma moeda
Reinaldo Endlich Orth

A ciência sempre teve como proposta fundamental a gresso contínuo e incessante, reforçada pela Revolução
objetividade, mas até que ponto a ciência da Industrial e suas consequências sobre a sociedade
modernidade está desvinculada de fatores culturais, que contemporânea, ajuda a destacar o homem de seu meio,
influenciam o pensamento racional. Na Idade Média a reli- tornando-o um protótipo de ser perfeito, situado no ápice
gião era um obstáculo ao desenvolvimento da razão, da escala evolutiva, e relega os outros seres a meros
entretanto, após a transposição desta barreira, degraus de uma escada para a perfeição, per-
a racionalidade moderna foi aos poucos mitindo ao homem o abuso de poder sobre
tornando-se uma religião dissimulada os meios.
que substituiu a precendente. Se é na A ciência, a partir destes conceitos,
ciência da modernidade, e em sua formulados com base na crença da
influência sobre a cultura, que se superioridade do homem sobre o
fundamenta a crença do mundo mundo e com o objetivo de reafir-
ocidental, então a decadência má-la cientificamente, assume
desta abala todo conjunto de uma postura de uma religião na
valores da sociedade contem- qual todos são obrigados a crer,
porânea. É na angústia gerada pois esta se baseia em fatos con-
por este processo que a arte mo- cretos, explicados objetivamente.
derna se inspirou para criar suas No entanto, a razão não é sufici-
obras. entemente abranjente dentro dos es-
Para exemplificar esta interação ci- pectros de fatores que constituem o ser
ência-arte, tomemos a influência de humano, dentre elas a emoção e a espiri-
Darwin, com suas teorias sobre evolução, no tualidade para responder a todos os questio-
teatro de Beckett, no caso específico de sua peça “Fim namentos do homem. Questões como: “De onde viemos?”
de Jogo”. “Para onde vamos?” e outras explicam-se cientificamente
A teoria evolucionista de Darwin demonstra que a evo- segundo a esfera racional, que engloba apenas a matéria
lução ocorre de modo contínuo e ascendente, numa es- da qual somos constituídos. Sendo assim, a angústia do
cala em que a complexidade de um organismo é o de- homem moderno se fundamenta na ausência de respostas
terminante do patamar evolutivo que ele atingiu. Dentre ao lado espiritual e emocional destas questões,
as variáveis de complexidade adotadas para se classificar inexplicáveis racionalmente.
uma espécie como mais evoluída em relação a outra, Esta angústia coloca-se claramente no universo teatral
julga-se a mais importante o nível de complexidade do de Beckett. Seus personagens são seres que buscam
sistema nervoso. Se este fator for prioritário, logicamente respostas às perguntas mais simples e crucias para que
o homem seria a espécie mais evoluída, já que somos o suas existências não sejam em vão.
único ser cujo sistema nervoso proporciona a formação No texto “Fim de Jogo” a racionalidade expressa atra-
de um pensamento racional, enquanto os outros seres, vés da linguagem, é o único bem de que dispõem os
destituídos desta capacidade, são guiados apenas pe- personagens para viver. Suas emoções são negligencia-
los instintos. Com o advento da modernidade, extermi- das e mesmo bloqueadas, por eles mesmos. Os
nando o medo do oculto, pois tudo pode ser explicado sentimentos nunca são responsáveis por suas decisões,
em termos científicos. Além disso, a idéia de um pro- estas são sempre tomadas segundo a razão individual.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 9


Em cena, este fato pode ser constatado através da con-
dição física dos personagens. Todos eles são seres que
possuem algum defeito físico. Hamm é um homem que
não pode levantar-se de sua cadeira, ele depende de
Clov, seu criado, somente para sua sobrevivência. Clov,
por sua vez, não pode sentar-se devido a um problema Hamm: Eu penso. Imagine se um ser racional voltasse à
em suas pernas. Todo o contato entre eles é através da Terra. Ele não estaria suscetível a por idéias em sua ca-
linguagem. Há ainda Nagg e Nell, pais de Hamm, que beça se ele nos observasse por algum tempo? (voz de
são apenas duas cabeças guardadas em caixas separa- ser racional) Ah, bem, agora eu vejo o que isto, sim,
das. Analisando-se a condição dos personagens, vemos agora eu entendo em que ponto eles estão. (Clov come-
que esta minimiza qualquer relação emocional ça a se coçar, voz normal) E sem ir muito longe
entre eles. Estes personagens vivem sós em nós mesmos... (com emoção) nós mesmos...
um mundo onde uma catástrofe exter- em certos momentos... (veementemente)
minou todo o restante da raça hu- Pensar, talvez que nem tudo foi em
mana. Qual seria, então, a finali- vão.
dade de quatro seres absoluta- Clov: (atormentado, coçando-se)
mente racionais neste mundo? Há uma pulga em mim.
Qual seria o objetivo da vida Hamm: Uma pulga! Ainda há
que levaram? E por que ainda pulgas?
estariam juntos? Clov: Em mim há uma. (coçando)
Voltamos então a questão que A não ser que seja um carra-
a Teoria de Darwin nos propõem: pato.
o homem é realmente um ser su- Hamm: (muito perturbado) Mas a
perior aos demais? Esta é uma humanidade pode começar daí toda
questão fundamental para Beckett em outra vez! Pegue-a, pelo amor de Deus!
“Fim de Jogo”. Seus personagens estão Clov: Vou pegar o veneno.
à beira do precipício e com suas mortes toda Hamm: Uma pulga! Isso é péssimo! Que dia!
a raça humana desapareceria. Entretanto, se a idéia Clov: Estou de volta com o inseticida.
proposta pela modernidade, expressa em Darwin, é que Hamm: Faça-a ter o que merece.
os seres estão em constante evolução para atingir a per- Clov: Bastarda!
feição, que seria o homem, qualquer ser que restasse na Hamm: Você a pegou?
Terra poderia desencadear este processo. Segue-se um Clov: Parece que sim.
trecho de “Fim de Jogo”, onde o conceito de progresso
incessante está alinhado com as teorias evolucionistas A ciência e arte interagem entre si, como vimos, e não
de Darwin. poderia ser de outra forma, pois o ser humano não é
compartimentado em um fração racional e outra
Hamm: Clov! emocional. A angústia deste século, expressa em “Fim de
Clov: (impaciente) O que é? Jogo”, serve para que a ciência questione seu
Hamm: Nós estamos começando a... a... significar algu- posicionamento e seus objetivos frente à crise da
ma coisa? modernidade na qual estamos mergulhados. Mas que o
Clov: Significar alguma coisa! Você e eu, significar algu- momento de crise, tanto da ciência quanto da arte,
ma coisa? (riso) Ah, esta é ótima! patrimônios legítimos da humanidade, este é um momento
de repensar o que foi construído até aqui pelo homem em
termos de objetivos, não só racionais como emocionais,
espirituais e naturais, retomando as rédeas da nossa história
para garantir o nosso futuro.

10 BIOLETIM 9
A Bicicleta
Transcedental
Bernardo A.G. Monteiro

Com uma bicicleta podemos nos transportar a uma velocidade média de 25 Km/h, por
mais de uma hora gastando menos energia do que a necesária para subirmos uma
escada, com muita calma, durante o mesmo tempo. A primeira vista, 25 Km/h podem
não parecer muito entusiasmantes, principalmente sabendo que precisamos suar para
manter este ritmo por algum tempo. No entanto é o mesmo que os automóveis mais
potentes conseguem desenvolver nas ruas da cidade em horário de trânsito movimentado,
sendo que a bicicleta pode ser levada por qualquer rua, mão, contra-mão ou rua de
pedestres. E até mesmo para quem gosta da sensação de velocidade, uma boa bicicleta
pode atingir 50 Km/h num plano ou 70 Km/h numa descida com certa facilidade, ou
seja, emoção suficiente para desesperar qualquer mãe de ciclista. Mas a bicicleta está
longe de quebrar barreiras de velocidade. E o desespero causado pelos riscos a que o
ciclista pode se submeter não está entre suas maiores virtudes. Seus maiores valores são
a eficiência, a simplicidade e a elegância.
Apesar de algumas limitações que podem ser importantes, como não possuir ar
condicionado, para-choques e para-brisa, a bicicleta pertence a uma categoria superior
à dos carros e motos, os quais julgo inferiores por serem máquinas muito ineficientes na
utilização de energia, barulhentas, poluidoras, pesadas, grandes, de alto custo de aquisição
e de manutenção, e quase sempre substituíveis pelos meios públicos de transporte que
qualquer cidade deveria ter. E se admitirmos que apenas em algumas ocasiões o carro
deveria ser considerado realmente necessário, então usemos alugados. Mas se estou
tratando de carros é apenas para destacar ainda mais as qualidades das bicicletas. As
mais evidentes são a eficiência e a simplicidade, mas cada uma, isoladamente, dispensa
explicações. Porém algumas satisfações conseguidas pelo ciclista precisam ser entendidas
através de uma reflexão sobre estas qualidades.
Um ciclista pode conhecer profundamente cada um dos poucos componentes de uma
bicicleta e ter a sensação de que a domina completamente, sem que para isso tenha que
dedicar muito de sua vida a ela. O ponto ótimo de cada componente pode ser facilmente
previsto e atingido por pequenos ajustes caseiros. Os rolamentos, os freios e as marchas
podem ser manipulados pelo ciclista comum até a perfeição de funcionamento. Qualquer
folga ou ruído na bicicleta podem ser eliminados. Os desgastes das peças são lentos,
visíveis e facilmente verificáveis. Defeitos repentinos que não possam ser resolvidos em
poucos minutos usando-se apenas as ferramentas que cabem debaixo do selim são muito
raros. Por tudo isso, o trabalho cuidadoso de manutenção de uma bicicleta é feito com a
certeza de que o resultado será a perfeição.
Todo conhecimento humano, parcial, parece recusar-se a ser dominado. A bicicleta sobreviveu
como uma das poucas estruturas úteis totalmente compreensível até os níveis mais fundamentais.
Nela a nossa mente pode descançar e ter um pouco do prazer da dominação, mesmo que
seja apenas uma pequena ilusão. E se a ilusão não interessar, fiquemos então com a
elegância da bicicleta, a solução mais simples para quem tem pernas, quer se deslocar
mais rápido, gosta de ficar sentado e já sabe há muito tempo o valor da roda.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 11


12 BIOLETIM 9
O Lápis & A Estrela
André Muniz de Moura

Para o Fábio e para o Tiaguinho, para a Juliana. Para a Marcinha ,


para todas as Marcinhas e para o Dudu também. Para a Lili e para o
Batata, para o Márcio e para o bebé da Márcia. Para as duas Larissas,
ambas muito bonitas de se ver, e para a Beta, e para a Drica. Para a
Patty, para a Paty e todas as Patricinhas... Para as Gêmeas Dea e
Léa, para o Pingüim, para o Barney. Para as Carlas, Cláudias, Flávias
e Carolinas. Para as Marianas, as Julianas, as Lucianas, as Joanas,
todas as Anas, enfim, para as bananas cor-de-carmim. Para o
Chapeuzinho Vermelho, para o Lobo Mau. Para o Sapatinho de Cristal,
para o saco plástico cheio de cola, para o menino com dente cariado
no sinal. Para o Evandro quando ele for vovô, para o André quando
ele aprender a amar sem erro. Para as rosas-meninas de abril, para
os meninos-zangões dos dezembros. para o Leozinho, para o Frederico
Augusto quando ele era só Freddy, pro Carlos quando ele brincava
no recreio e para as garotas deles. Para as luzes, para as sombras,
para as frases difíceis de esquecer. Para as atitutes fáceis de lembrar.
Para o Thomas, e todas as pessoas que a gente gosta de lembrar.
Para o Nando, para ele nunca virar adulto, para a Té, para ela
nunca deixar de ser criança, para a Déia e a Tiane, minhas mais
caras amigas, para a Annie, sem maiores comentários. para o Gil,
para o Magoo e para o Mantovani. Para cada um dos três, e para
todos os três juntos... E já que a gente falou de felicidade (é, vocês
três, mesmo!), para a vontade de ser feliz... Para as Valérias e para
as amizades sinceras, para ler nas filas de espera (leia Argila - A
estória da bruxa Camila, é ótimo para as filas longas!). Para os
Alexandres, Xandis ou não. Para as vitórias e para as derrotas, e
para as médias aritméticas, também. Para os pais dos pais, para os
filhos das mães e para os árbitros do digníssimo esporte bretão... Por
que não? Para os manos, para os Caetanos, para os goianos e os
sul-coreanos. Para os Jotinhas, para as Marthas, com e sem h. Para a
Analize, com um carinho e uma admiração especial, para todas as
Anas, de A a Z. Para as Amélias e para as torneirinhas de asneiras
que nós carregamos no peito. Para a Débora, que teve a grandeza,
a finesse, a audácia e a sensibilidade de escolher o sacrossanto
ofício, que teve a coragem de escolher como instrumento de trabalho,
justamente aquele que fere, corta e mata sem que a gente possa
perceber. A tão falada palavra. E nada destas bobagens de bichinhos
e plantinhas, coisa mais sem graça. Para a Gabriela e para a Isabela
e para a Manuela e para a epsilon-ela. Para a Mari, como não
poderia deixar de ser e para as crianças de modo geral. Todos nós,
todos vocês, hoje e sempre. Mais crianças do que nunca. Do modo
mais geral possível. Da mesma maneira mais simples possível. Lúdico.
Ou melhor, simplesmente infantil.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 13


Lápis já tinha desenhado quase tudo e
pensou que não tinha mais nada para
desenhar. E começou a pensar e ficar
chateado. Muito chateado, muito
chateado mesmo. Até que resolveram
começar um traço, ou um pedaço de
linha. E daquele traço, trouxe um outro – Pois é... disse ele, percebendo que
Era uma vez... Era uma vez, eram traço e acabou fazendo uma estrela.
E gostou do que tinha feito. Pensou,
ela estava com aquela cara de quem
comeu arroz-e-feijão e não gostou. Mas
duas vezes, eram várias vezes... Todas também, bem melhor são as coisas
que estrela bonita, que estrela linda!
as vezes que uma criança quiser contar gostosas que nem sorvete e mousse
Parece até que vai falar, parece que
uma estória para outra criança, então de chocolate. Mas ele logo se animou
vai abrir os olhinhos...
a gente vai se lembrar da nossa. E do e fez a ela um convite.
– Hum... Que sono... – disse a
lápis e da estrela. – Ei, já que você está aqui, porque a
estrelinha ainda com os olhos um
O lápis, o nosso amiguinho, vivia gente não brinca de alguma coisa?
pouco fechados...
contente e feliz da vida, brincando de – Brincar de que? Só se for uma
– Ei, você fala, você tá viva e pode ser
amarelinha nas linhas do papel branco. brincadeira para duas pessoas.
minha amiga! - falou o lápis todo
E corria e brincava e cada hora fazia – Que tal amarelinha? Você é tão
animado.
um desenho novo, cada um mais amarelinha! – disse o lápis.
– Quê? Onde eu estou, cadê todo
bonito que o outro. E nem se preocu- E a estrela ficou vermelhinha de
mundo?
pava com nada que não fosse celulose vergonha, mas aceitou mesmo assim.
– Todo mundo? Que todo mundo, só
ou grafite. E começaram a brincar, e nem perce-
tem eu aqui nesse caderno. Ou pelo
Enquanto isso, lá no céu, tinha uma beram que o tempo foi escorrendo
menos, nessa página. Sabe que eu
estrela que brilhava e piscava feliz para o ralo.
nunca tinha pensado nisso? - disse o
durante a noite. mas ela não era muito
feliz não. Ela tinha um pouco de
vergonha do seu brilho. Vê se pode!
lápis, já mais pensativo...
– Ei, cara, me explica como eu vim Passou o dia, passou a noite, e o
parar aqui? Eu moro lá no céu e hoje dia depois da noite, e a noite depois
Ela ficava sem graça de brilhar tanto, do dia, e o dia depois da primeira
acordei aqui nesse papel, com estas
e sempre com os seus amiguinhos e noite, e a noite depois da primeira
linhas que parecem uma partitura...
amiguinhas, estrelas como ela: noite... E o tempo foi passando e eles
– Ih, não sei, eu só sei que eu estava
– Eu queria ter um interruptor aqui nas foram ficando cada vez mais amigos.
desenhando e já não tinha mais nada
minhas costas, pra que eu pudesse me Uma nova brincadeira sempre apare-
para desenhar. Então, fiquei triste,
desligar. cia e eles esqueceram de tudo e até
achando que eu tinha desaprendido
E a amiga falou: pensaram que nada de mal podia lhes
a desenhar. mas veio uma idéia e
– Por que? Não é ótimo brilhar e acontecer. Mas foi aí, e é sempre
desenhei uma estrela, desenhei você.
iluminar o caminho de todo mundo? assim (sempre que a gente pensa que
– E eu acordei e vi você -– disse a
– Ah, mas assim ninguém consegue o bicho papão foi embora, ele volta
estrela, ao mesmo tempo que pensava:
dormir, com essa luz na cara! Não pra chatear, afinal ele é um chato de
“Vi você todo feio e pontudo”. Ela não
quero ofuscar ninguém. galocha), que o mal aconteceu.
tinha simpatizado muito com ele, muito
E continuaram conversando horas a A estrelinha lembrou das suas dúvidas
sem graça para ela que tinha se
fio, dia após dia, ou melhor, noite após e pediu pro seu amiguinho que dese-
acostumado ao seu próprio brilho e
noite. E mesmo que ficasse pre- nhasse um interruptor nas suas costas.
ao de suas amigas.
ocupada com os dorminhocos da – Mas eu não sei desenhar um
cidade, ela vivia sua vida mais ou interruptor, estrela.
menos contente. Até que um dia... – Ah, sabe sim, lá (ela agora chamava
Naquele dia onde o dia era mais dia ele de lá, quem diria, hein? Antes ele
e a noite veio beijá-los, foi que os era o feio e pontudo e agora era o lá,
nossos amiguinhos se conheceram. O

14 BIOLETIM 9
uma forma carinhosa de lápis). Você e um monte de coisas vermelhas. Com
desenha tão bem... o preto ela desenhou um pedaço de
– Tá legal, então fica de costas. carvão, que servia para fazer mais
– Pronto, fiquei. Tá bom assim? desenhos... Com o azul, ela desenhou
– Eu não sei não, mas algo me diz o céu, e se lembrou de quando era
que eu não devo fazer isso... Gritando pelo nome de sua amiga e uma estrela.
– Deixa de bobagem, você não gos- morrendo de medo que os apontado- E se lembrou de quando acordou, ao
ta de mim? Então, eu sempre sonhei res, os guardas do rei borracha, lado do amigo lápis e sentiu uma
com um interruptor... Liga! Desliga! aproveitassem que ele estava sozinho saudade imensa. E ficou triste. Então
Liga! Desliga! para pegá-lo. Ele estava começando pegou o lápis branco.
E ficou encantada, se divertindo com a ficar com muito medo. medo de – Alguém aí sabe o que ela desenhou
a idéia de ter de ter um interruptor, tudo escuro, todo mundo diz que é com o lápis branco?
o que ela sempre sonhou. E nem bobagem, este papo de fantasma é – Ah, eu sei! Disse o Fred.
percebeu que seu amigo estava com tudo criação dos Estúdios de Walt – Diga lá, Frederico. O que a estrela
sua ponta muito fina, o que era muito Disney, tudo mentirinha. Mas eu sinto desenhou?
perigoso para uma estrela, eu é tão medo, pô! Era assim que ele pensava. – Ah, ela desenhou umas nuvens, é
brilhante, mas é muito frágil. E estava descobrindo isso agora, lógico. Disse ele com aquela cara,
Enquanto ele se preparava para porque nunca tinha ficado naquele aquela que vocês conhecem.
desenhar, a sua ponta a espetou e ela caderno. – Não, você errou. Mas não fica triste
gritou tão alto, tão alto que acordou A Marcinha me puxou pela mão e me não. Olha só o que ela fez...
até o Carlinhos, que é um tremendo perguntou: Ela rabiscou com o branco e começou
dorminhoco. Ele nunca acorda na hora – E a estrela? Ela morreu, tio? a encher tudo de branco. E o branco
de ir para a escola. – Não, ela apenas ficou um pouco foi preenchendo tudo, como se
– O que foi? Ah, o que eu fiz? diferente... E falando nisso... transbordasse. E de repente...
Gritou o lápis, completamente deses- De repente o lápis que estava no meio
perado ao ver sua amiga sofrer. A estrela abriu os olhos e percebeu daquele escuro danado, viu tudo ficar
– Não sei, você me espetou, mas a que estava um pouco estranha. Agora branco e suspirou aliviado. E então viu
dor é tão grande que parece que eu ela era uma estrela estranha. Em cada aquele lápis branco, que era um lápis
vou me desfazer! ponta da estrela, agora tinha um fêmea extremamente interessante.
– Vem cá, minha amiga, você não pontinho colorido. E ela viu que estes Eles ficaram amigos e acabaram
pode ir, a gente ainda tem tantas pontinhos eram de cinco cores trilhando juntos vários caminhos
brincadeiras para inventar... diferentes. Azul, vermelho, verde, pautados. Um dia desses ela acabou
E ela foi sumindo, sumindo, foi branco e preto. e cada ponto era uma se lembrando de tudo que havia vivido
desaparecendo. Até que desapareceu ponta de lápis de cor. Na verdade, a e foi então que riram muito de tudo.
completamente, levando toda a estrela não era mais uma estrela. A – Acabou, tio?
luminosidade com ela. E ficou tudo estrela era um conjunto de cinco lápis – Acabou... eu fiquei com medo de
escuro, tão escuro quanto a boca do de cor. E agora estava bem mais decepcionar as crianças... Mas
lobo mau, ou tão escuro quanto os contente. Ela esqueceu aquela estória felizmente, ataquei com um chavão
olhos do dragão, que tem uns olhos boba de que incomodava as pessoas salva-vidas: ...e viveram felizes para
pretos, pretos. O lápis, que morria de com seu brilho e assustava quem não sempre.
medo de escuro, começou a chorar. E estava acostumado à luz forte, e
a berrar, enquanto chorava e soluçava. começou a curtir estes lápis nos quais
ela havia transformado.
E desenhou um monte de árvores com
o seu lápis verde. E grama também,
que nem essa aqui que a gente tá
sentada, criançada. E maçãs e bocas,

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 15


Equilíbrio Pontuado
Gilson E. Iack, Rodrigo da Cunha Bisaggio, Rui Sutton

Propomos especiações não graduais, Os “homeo box” reforçam também a


O pensamento evolutivo tem se que ocorreriam através de mutações hipótese dos “hopeful monsters” proposta
baseado nas idéias gradualistas, que em genes epistáticos, tornando os ge- por Goldschmidt (1940). Este autor
apresentam a especialização como uma nes alvo com comportamento neutral, definiu os “hopeful monsters” como
alteração morfológica gradual ao uma vez que estes não se expressa- produto fenotípico de pequenas
longo do tempo geológico. No entan- riam mais e portanto não estariam sob mudanças genéticas que alteram o
to, uma abordagem diferente tem sido a ação da seleção. O fenômeno início do desenvolvimento. Neste gru-
postulada (Eldredge e Gould 1972, poderia se amplificar em populações po de genes, pequenas mutações
Gould 1982), proposta inicialmente pequenas, pois estas sofreriam um podem acarretar, como já foi dito
para oferecer uma explicação diferente efeito mais intenso da deriva e uma anteriormente, grandes mudanças
para as tendências predominantes no fixação mais fácil de mutações em morfológicas sem necessariamente
registro fóssil (origem geológica súbita função do comportamento neutral dos comprometer a identidade do indivíduo
de novas espécies e uma subseqüente genes alvo. com sua espécie; o que aliás se torna
paralisação no sentido de mudanças Poderíamos ainda propor especiações necessário para que este possa
denominada estase entre os paleon- ocorridas em grupos de elevada es- transmitir as novas características para
tólogos). Essas tendências, segundo truturação eto-sociológica associadas o restante da população.
Eldredge e Gould, quando analisadas a genes epistáticos. Um caso citado na
como um padrão para os tempos literatura é o de um gorila albino que Em 1970 T. H. Frazzetta propôs em
“normais” (isto é, excetuando-se os era segregado pelo grupo em um trabalho publicado na American
períodos de extinção em massa) não zoológico. Extrapolando para a natu- Naturalist o surgimento de “hopeful
refletem uma história de progresso reza, indivíduos albinos discriminados monster” em Bolyerinae (subfamília de
adaptativo contínuo dentro de linha- formariam um grupo dissidente Boidae) num tempo relativamente curto,
gens. Isto se exprime para os autores potencialmente capaz de alterar sua tanto para a formação da espécie
como espécies originando-se em taxas frequência gênica e fixar alelos nesta proposta quanto para a transição des-
de velocidades rápidas numa perspe- população. contínua de Boidae para Bolyerinae. O
ctiva geológica e tendendo a perma- autor propõe que um progresso
neceram estáveis por um tempo A recente descoberta de genes do gradual evolutivo não poderia explicar
relativamente longo. tipo “homeo box”, controladores das um novo tipo adaptativo nas circuns-
Os períodos estáticos não seriam ina- vias de desenvolvimento abrem pers- tâncias citadas no trabalho. Este tra-
tivos evolutivamente, mas sim haveria pectiva para possíveis explicações de balho parece evidenciar a existência
um acúmulo de potencial para o salto alterações morfológicas rápidas. de “hopeful monsters” e também apóia
de especiação. Este potencial pode- “Homeo box” são genes que contro- a idéia do equilíbrio pontuado.
ria se traduzir como um acúmulo de lam a estruturação de um organismo, Apesar do grande potencial explicativo
mutações em genes de nenhuma ou sendo eles os responsáveis pela for- dos “homeo box” como uma das bases
pouco influência na morfologia ma final do mesmo, controle da do processo evolutivo saltatório
(quando tomadas isoladamente), logo, diferenciação de células, controle de mi- (Equilíbrio Pontuado), em alguns
sem evidência dessa variação no re- gração de células durante a embrio- mamíferos foi observado que tais ge-
gistro fóssil. Esse acúmulo de mutações gênese. Mutações nesses genes po- nes se encontram sob um controle mais
pode ser favorecido pelo cruzamento dem acarretar mudanças estruturais rigoroso em sua atuação. Esse
entre mutantes, o que originaria uma radicais no organismo e mesmo a “tamponamento” evita, através de
prole com maior conjunto de mu- troca de segmentos embrionários multicópias alocadas em diferentes
tações por indivíduo. (Gehring 1985). cromossomos, a modificação das vias

16 BIOLETIM 9
do desenvolvimento. Dessa forma maior “tamponamento” nos “”homeo a evolução se daria de um único
podemos observar nesses mamíferos box” de alguns mamíferos, servindo modo. Portanto, a questão não é de-
a existência de um maior grau de como um meio de evolução mais terminar quais padrões existem, mas
conservatividade. rápida nestes grupos. sim qual rege a maioria dos proces-
Além disso a neotenia (“sensu latu”) Um argumento forte desde os tempos de sos de especiação.
pode ser invocada como um caminho Darwin é considerar as descontinuidades
provável para uma evolução saltatória no registro fóssil (que se apresentam em Quando concebemos este texto,
relacionada a cronogenes, que gera- grande frequência) como falhas do re- Bisaggio, Sutton e eu nos detivemos
ria estágios larvares ou jovens gistro, já que o processo de fossiliza- ao aspecto básico do pensamento
reprodutivamente maduros e competi- ção necessita de diversas circunstân- pontualista: a estabilidade da estrutu-
tivos com a forma adulta. Diferenças cias ambientais específicas de forma- ra, a dificuldade de sua transformação
morfológicas entre os diversos estágios ção e conservação de sua integrida- e a idéia de mudança como uma
do ciclo de vida, extremariam as de ao longo do tempo. No entanto transição rápida entre estados estáveis.
divergências de qualquer estágio “pré- atribuir a quase constância das des- O equilíbrio pontuado foi proposto
adulto” com a forma adulta. Estes fa- continuidades do registro fóssil a fa- como um modo explicativo das
tos poderiam conduzir ou a uma for- lhas ocorridas ao longo do tempo e tendências do registro fóssil, no entanto
mação de duas subpopulações as dificuldades que implica a fossili- suas implicações se contrapuseram ao
(subadulta e adulta) independentes e zação seria pouco provável. modelo evolutivo tradicional: o modo
com destinos evolutivos possivelmente filético, no qual as tendências são
diferentes a partir deste ponto ou a O ponto central da hipótese do produtos de transformações anagené-
extinção de uma das duas fases equilíbrio pontuado é a existência de ticas dentro das linhagens.
reprodutivamente maduras. longos períodos de pouca ou nenhu- Entretanto, deixamos de considerar
Tais evidências têm sido encontradas, ma flutuação morfológica, definida por outros aspectos do modelo pontualista.
por exemplo, no caso de Sporophila estase, embora a seleção esteja atu- No Darwinismo estrito o indivíduo é a
bouvreulcrypta, na qual o indivíduo ante (Gould, 1982). Isto parece se única unidade de seleção, na qual
adulto mantém a plumagem caracte- contrapor com a idéia gradualista de operam e de onde resultam todos os
rística de um subadulto (lagoa feia, Sick, uma transformação gradual de uma processos evolutivos. Mas se as espé-
1968 in: Sick 1984). Outro caso espécie para outra. Os gradualistas cies são estáveis e apresentam uma
encontrado na literatura é o de explicam os períodos de estase por grande longevidade, então as tendê-
Caenorhabditis elegans (nematoda) meio de uma “seleção estabilizante” ncias no registro fóssil podem ser con-
com mutação no gen LIN-14, que (seleção normalizadora) que manteria sideradas como um resultado do
apresenta uma forma lavar reproduti- o padrão morfológico durante os pe- seu sucesso diferencial como entida-
vamente madura (N.J. Gehhing 1975). ríodos de estase. No entanto é pouco des. Uma origem rápida com um pe-
esperado que num período tão longo ríodo posterior de estabilidade permi-
Além dos fatos supracitados, deve- como os de estase, aproximadamente tiria que propriedades originárias do
mos levar em conta outros fatores que 4.9 a 10.8 milhões de anos para status de espécie estivessem sobre a
influenciam a evolução como a inteli- invertebrados marinhos fósseis (Raup influência da seleção. Se isto é correto,
gência. Segundo A. C. Wilson (1985) l978 e Stanley l979, in: Gould as tendências evolutivas estariam mais
a inteligência de um animal ajudaria l982) por exemplo, as condições correlacionadas à origem diferencial
esse a evoluir, pois o animal com maior ambientais permanecessem as mesmas do que à extinção diferencial. Sendo
capacidade de aprendizado e de modo que as pressões evolutivas assim, creio que a origem diferencial
“raciocínio” teria maior possibilidade mantenham uma conservatividade du- dentro de um clado tem um forte
de invadir outros ambientes, os quais rante todo este período. componente da seleção ao nível de
poderiam exercer sobre o animal Muito provavelmente os dois padrões espécie.
pressões evolutivas diferentes daque- de especialização ocorrem assim como
las que ele sofria no seu habitat origi- outros, sendo ingenuidade acreditar
nal. Tal fato poderia compensar o que um processo tão complexo como

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 17


Cladismo
Richard Sachsse

mentos: as semelhanças e diferenças teste seus métodos quanto à eficácia.


Biólogos podem ser divididos na forma (atributos intrínsecos sensu lato)
dos organismos, e a história dos
Como as soluções desses problemas
não são conhecidas (pois se o fossem
segundo as intenções de suas investi-
gações naqueles que buscam revelar organismos no tempo e no espaço. não careceríamos de um método para
a diversidade (Biologia Comparada) Embora muitas disciplinas contribuam descobri-las), a avaliação da metodo-
e naqueles que buscam revelar a à Biologia Comparada, seu núcleo é logia científica é tipicamente filosófica
uniformidade (Biologia Geral) da vida. constituído pela Sistemática e pela (i.e., metacientífica). Daí a importância
Estes últimos objetivam descobrir Biogeografia. A primeira se de os cientistas explicitarem seus
propriedades gerais, usualmente preocupa primariamente com a forma pressupostos filosóficos. Os cladistas tem
generalizadas a partir de estudos sobre e secundariamente com o tempo, e a uma aproximação à Epistemologia
uma espécie ou mesmo uma linhagem segunda com o espaço e, como a Popperiana que, sumariamente,
determinada, surgindo a diversidade Sistemática, secundariamente com o reconhece o conhecimento científico
como um obstáculo. Nota-se que tempo. Não obstante, a Sistemática como hipotético e enfatiza que o pa-
estudos subseqüentes freqüentemente tem uma preponderância lógica, já pel do cientista é o de propor solu-
revelam que tais propriedades se que a Biogeografia, a Embriologia, ções a problemas e testá-las do modo
aplicam a um grupo de espécies a Paleontologia, baseiam suas o mais rigoroso possível. Por conse-
apenas, sendo relativamente escassas hipóteses nas hipóteses da Sistemática. guinte, preferimos métodos que per-
mitam a geração de hipóteses testáveis
aquelas comuns a todas as espécies.
Assim sendo, os estudos de Biologia O Cladismo é um a escola de (ao invés de hipóteses irrefutáveis) e,
Geral resultaram em um acúmulo de Sistemática, surgida em 1950 com o entre estes, aqueles que resultem em
dados tanto sobre a uniformidade trabalho do entomólogo alemão Willi hipóteses mais severamente testáveis,
quanto sobre a diversidade dos Hennig. O desenvolvimento da por serem as de maior conteúdo
organismos. metodologia cladista se deu entretanto informativo.
À Biologia Comparada cabe a tarefa a partir da tradução da obra de Hennig O método cladista foi desenvolvido
de entender esse acúmulo de dados. para o inglês (Hennig, 1967). para responder a um problema
Inicialmente produziu-se a compilação Paralelamente ao cladismo existem específico, facilmente generalizável a
e o ordenamento dessa informação; duas outras escolas (cuja análise está casos mais complexos: dados três
o entendimento da natureza da mesma além do escopo deste artigo): a Sis- taxons, qual hierarquia explica melhor
exige outrossim uma interpretação de temática Evolucionista ou Gradista, a distribuição de suas similaridades,
tais dados. O advento da teoria da ligada ao Neo-Darwinismo, e a isto é, quais são os dois taxons que
evolução na segunda metade do Taxonomia Numérica ou Fenética, que compartilham um ancestral não
século XIX trouxe um meio: se a vida aceita a evolução mas duvida da compartilhado pelo terceiro (Figura 1.I).
evoluiu, os fenômenos biológicos possibilidade da geração de teorias Assim, polarizam-se os caracteres do
(entidades e processos) são diversos a seu respeito com um grau de certeza. grupo a ser analisado, chamado de
por terem se tornado diversos. De outro As três diferem ligeiramente quanto à grupo interno (ingroup). Esta pola-
modo, o estudo da diversidade da vida ontologia e substancialmente em seus rização (Figura 1.II) consiste na deter-
passa a ser equivalente ao estudo da métodos. minação para cada caráter, do es-
história da vida. Métodos são procedimentos que visam tado plesiomórfico (primitivo) e do
Para desenvolver esse estudo, a Bio- a solução de problemas. É fundamen- apomórfico (derivado), podendo
logia Comparada lida com dois ele- tal, obviamente, que qualquer ciência ser efetivada por comparação com

18 BIOLETIM 9
Figura 1 — (I) Cladograma com grupo interno a ser resolvido (A, B, e C). (II) Matriz de caracterese.
(III) Cladograma resolvido com representação das mudanças de estado dos caracteres.

grupos externos (outgroups) ou por mônia). Este princípio é metodoló- descendentes. Deste modo grupos
análise da ontogenia dos caracteres gico, não se afirmando jamais que a como Reptilia (amniotas menos Aves e
(o gradismo, como o cladismo, exclui evolução seja parcimoniosa. Verifica- Mamalia) não são reconhecidos por
as convergências, mas não dá grande se ainda que as relações de plesio/ serem artificiais. Há naturalmente
importância à distinção de caracteres apomorfia são hipotéticas, sendo a diversos outros modos de se elaborar
primitivos versus derivados; o feneti- congruência com as demais relações uma classificação. Deve-se entretanto
cismo usa todos os caracteres em seus a seu teste. Homologia, no sentido mostrar que contribuição uma classifi-
algoritmos de similaridade geral). Por evolutivo, passa a ser sinônimo de cação por exemplo fenética traria à bio-
grupo externo entenda-se taxons pro- sinapormorfia (apomorfia compartilha- logia se substituísse uma filogenética.
ximamente relacionados mas não in- da) e, consequentemente, testável. Uma questão freqüentemente coloca-
cluídos no grupo interno, correspon- Cladogramas representam a hipó- da é a importância de se evitar a
dendo o estado plesiomórfico àquele tese de relacionamento filogenético inclusão de pressupostos quanto aos
presente nos grupos externo e interno, entre os taxons em questão, e um processos que determinam a forma.
e o apomórfico àquele restrito ao grupo sumário da distribuição dos caracteres Com efeito, se fizermos um estudo do
interno (Figura 1.II & III). O método entre os mesmos. O tamanho das linhas padrão calcado nas teorias de pro-
ontogenético analisa a generalidade que interligam os taxons não tem cesso, não há como testarmos estas
dos estados de cada caráter, equiva- significado. teorias, já que cairíamos em uma
lendo o estado mais generalizado ao tautologia. São questões relevantes
plesiomórfico (sobre métodos de A partir do cladograma pode-se para estudiosos das teorias de
polarização veja Weston, 1988). estabelecer uma classificação, sendo processo; contudo, o que o sistemata
Cabe ainda notar que as relações de que as classificações cladistas são deve se perguntar é se as teorias de
plesio/apomorfia são relativas, isto é, isomórficas às hipóteses filogenéticas processo desempenham alguma
em um caráter, um estado a’ pode ser (o gradismo propõe uma classificação importância para o estudo do padrão,
apomórfico em relação a a e plesio- baseada frouxamente na filogenia, ao e se for o caso, qual importância.
mórfico em relação a a’’. usar como critério paralelo a similari- Em suma, o cladismo é um método de
Com os caracteres polarizados, dade genética e o argumento de análise filogenética, que reconhece
selecionam-se os estados apomórficos autoridade; o feneticismo a propõe apenas grupos monofiléticos
e determina-se a hipótese de relaciona- com base em algum índice de diagnosticados por sinapomorfias, e
mento filogenético (cladograma, similaridade geral). Isto implica na uma escola sistemática que provocou
figura 1.III) para o grupo interno que aceitação apenas de taxons monofiléti- uma rediscussão dos fundamentos da
implica no menor número de alterações cos sensu Hennig, i.e., aqueles que sistemática, e do papel da sistemática
destes estados (princípio da parci- incluem um ancestral e todos seus frente à biologia.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 19


Morte Celular Natural
Stevens Kastrup Rehen

meio ambiente ou de outros neurônios, de neurônios ou de suas conexões com


Como, quando e porquê as células transmiti-las sob a forma de impulsos outras células. O elevado grau de
e tecidos de plantas e animais morrem nervosos ao longo de sua membrana eficiência e precisão do sistema
são questões fundamentais e objeto de e finalmente transferi-las para outras quando plenamente desenvolvido é
estudo para um grande número de células. Por sua vez a célula glial alcançado através deste conjunto de
pesquisadores em todo o mundo. interage com os neurônios durante a transformações conhecido como
Entender o significado e os mecanismos embriogênese e é responsável pela Neurogênese (figura 3).
de morte de uma célula é essencial manutenção do metabolismo celular e
para a compreensão da própria constância do meio extracelular no A morte celular, como mencionado
biologia celular. animal adulto. anteriormente, é um processo que
Normalmente se associa a degenera- O número total de neurônios varia muito ocorre como parte do desenvolvimento
ção de uma célula a um processo pa- de organismo para organismo. São normal de vários tecidos e órgãos.
tológico, de lesão, mau funcionamen- 300 em rotíferos e nematódeos, 300 Durante o desenvolvimento do Sistema
to ou velhice. Paradoxamente tal milhões em alguns polvos e pequenos Nervoso isto não é diferente, e a
fenômeno está relacionado a onto- mamíferos e aproximadamente 200 degeneração dos neurônios é um
gênese normal dos mais variados tipos bilhões em baleias e elefantes. importante evento da Neurogênese no
celulares, ocorrendo no desenvol- Estimativas sobre o cérebro humano qual há uma drástica diminuição em
vimento de espermatozóides, tecidos afirmam ter este em média 85 bilhões seu número, fundamental para a
vegetais, na metamorfose observada de neurônios. elaboração do tecido nervoso (tabela
em insetos e anfíbios, e até mesmo O sucesso de muitas espécies animais 1). Já sabemos que o fenômeno de
durante a formação dos dedos na pata depende de formas variadas de morte celular natural é muito importante
de um vertebrado (figura 1) ou do respostas às diversas situações na fase de ajuste final do número de
palato secundário nos mamíferos. O ambientais com as quais se deparam neurônios. No entanto, dentre todas
fenômeno de morte celular é um durante suas vidas. Esta capacidade as células nervosas geradas quais as
importante processo que garante a de resposta é reflexo de um elevado que deverão sobreviver? Quais os sinais
homeostase de tecidos e órgãos desde grau de eficiência e precisão nas que provocariam ou regulariam a
etapas precoces do desenvolvimento conexões entre os bilhões de neurônios degeneração neuronal? Por quais me-
embrionário até estágios avançados que compõem o sistema nervoso. canismos as células seriam destruídas?
na vida de um organismo. E de que forma seriam desenvolvidas A princípio, é interessante analisarmos
estas complexas conexões ? a hipótese de que células específicas
Em todos os metazoários verdadei- Durante a transformação de estruturas seriam de modo irreversível progra-
ros, suas atividades comportamentais primárias do embrião na intrincada madas geneticamente para morrer em
são coordenadas por uma rede rede de comunicação celular em determinadas etapas da neurogênese.
especializada de células a qual questão são observados eventos que Isto entretanto é pouco provável já que
denominamos Sistema Nervoso. podem ser classificados em dois diversas manobras experimentais
O tecido nervoso é constituído por dois grandes grupos: os fenômenos realizadas em vertebrados modificam
componentes básicos: o neurônio e a progressivos e os regressivos. Nas fases o curso de degeneração natural e
glia (figura 2). O neurônio é uma célula progressivas ocorre um aumento do permitem a sobrevivência de um maior
especializada e altamente dife- número de células nas diferentes número de neurônios (figura 4).
renciada, incapaz de sofrer divisões regiões do Sistema Nervoso. As fases Poderíamos supor também que neurô-
celulares durante sua vida. Está apto a regressivas são de refinamento, onde nios degenerariam naturalmente caso
receber e codificar informações do se observa uma redução do número estivessem envolvidos em conexões

20 BIOLETIM 9
Figura 1 — Degeneração celular interdigital durante o desenvolvimento. Diagramas do membro
posterior do pinto, mostrando a escultura dos dedos por zonas de necrose localizadas (setas).

aferentes

axônio terminal axônio


terminal

dendritos

célula alvo
aferente

núcleo
corpo celular
pericárdio

dendritos
axônio

neurônio
neurônio

(b) aferentes
células alvo

nódulo de
ranvier bainha de mielina
(produzida por célula glial)
terminal
terminal fenda sináptica
pré-sináptico
dendrito pós-sináptico

dendrito
células alvo
(c)

(a) bainha de mielina

axônio

Figura 2 — (a) O neurônio. Principais características de um típico neurônio de vertebrados. Observe


seus dois tipos de processo, axônios e dendritos, fazendo conexões com células -alvo e aferentes.
(b) Aferentes e alvos de projeções do neurônio. (c) Célula glial (um oligodendrócito) formando
bainhas de mielina em vários axônios.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 21


anômalas. Existem evidências de
que isto realmente ocorre, porém
a fração de neurônios que produ-
a zem tais erros grosseiros e morrem
é muito pequena quando compa-
rada ao número total de células
nervosas que são eliminadas
durante o desenvolvimento.
c Se provavelmente a morte natural
b d dos neurônios não é programada
e se grande parte das células
nervosas eliminadas não fizeram
conexões irregulares, quais seriam
os neurônios sobreviventes e quais
seriam condenados?
Experiências realizadas em vários
laboratórios nos últimos 40 anos
f levaram à conclusão de que esta
e
sobrevivência depende da com-
petição pela oportunidade de for-
mar conexões, através de seus
axônios e dendritos (Figura 2).
No seu sentido mais amplo, se-
gundo Eugene P. Odum, competi-
ção refere-se à interação de dois
organismos que procuram a mesma
coisa. No caso dos neurônios, o
que exatamente estas células
procurariam através das conexões?
g h
Viktor Hamburger e Rita Levi-
Montalcini (Prémio Nobel de Me-
dicina e Fisiologia 1986) realiza-
ram nos anos 40 e 50 estudos
pioneiros com morte celular natural
Figura 3 — Principais etapas do desenvolvimento do sistema ner- em embriões de pinto e descobri-
voso em vertebrados. (a,b). Células precursoras neuroepiteliais ram uma molécula capaz de regular
passam por vários ciclos de mitose gerando uma população de a intensidade de degeneração
células-filha. (c,d,e). Estas migram para diferentes regiões do neuronal. Em trabalho publicado
sistema nervoso e se agregam em grupos distintos. As células em 1954, batizaram esta nova
nervosas perdem a capacidade de se replicar por divisão celular proteína, essencial para a sobre-
no início de sua diferenciação. (f) Os neurônios fazem conexões vivência de alguns tipos de célu-
(sinapses) com outras células. (g) Uma parte dos neurônios las nervosas, de Fator de Cresci-
degenera naturalmente, reduzindo a população. (h) As conexões mento Neural passando a designá-
começam a exibir seu padrão funcional característico.

22 BIOLETIM 9
la pelas iniciais NGF (nerve growth
factor).
A descoberta da NGF deu origem
à Teoria Neurotrófica. Esta sugere
que os neurônios competem por
agentes tróficos (do grego “trophé”,
nutritivo) liberados por seus alvos
ou aferentes com os quais são
feitas conexões através de seus
Tabela 1 — Percentagem de neurônios que d e g e n e r a
axônios e dendritos, respectiva-
naturalmente em diferentes regiões do sistema nervoso durante
mente. São considerados fatores
o desenvolvimento em vertebrados (E=dia embrionário, S=
tróficos moléculas que promovem
estágio, G=semana de gestação, P=dia pós-natal).
e regulam a sobrevivência neuronal
no tecido nervoso em desenvolvi-
mento. São caracterizados por
serem produzidos em quantidades
limitadas pelos quais os terminais
nervosos competem (figura 5).
Se bloquearmos o aporte de NGF
a uma determinada população
neuronal, sensível a esta molécu-
la, haverá um maior número de
neurônios eliminados.
Em várias regiões do Sistema Ner-
voso, novas moléculas neurotrófi-
cas foram isoladas a partir de al-
vos e outros tecidos. Seus efeitos
foram testados em culturas de cé-
lulas, entre elas podemos citar o Figura 4 — As barras do histograma indicam a percentagem
BDNF (brain-derived neurotrophic de neurônios excedentes em animais que tiveram o campo de
factor), a aFGF (acid fibroblast inervação aumentado, ou seja, células nervosas com maior
growth factor), o bFGF (basic possibilidade de formar conexões. Cada barra corresponde a
fibroblast growth factor), etc. Pro- um animal hiperinervado (implante de uma terceira pata).
vavelmente outros fatores tróficos
serão isolados a partir de alvos e
aferentes nos próximos anos.
Evidências obtidas em nosso
laboratório através de experimen-
tos realizados com neurônios de
retina de pinto sugerem que al-
guns fatores tróficos podem ter sua
liberação regulada pelo curso Figura 5 — Esquema mostrando a competição de neurônios por
temporal de desenvolvimento das moléculas tróficas liberadas por células com as quais serão feitas
células secretoras de tais molécu- conexões. As células nervosas que não tem acesso aos fatores
las (Figura 6). tróficos degeneram.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 23


Estudos indicam que a atividade
neural, ou seja, a atividade elétrica
presente nos neurônios e em suas
conexões também é relevante para a
regulação da degeneração neuronal.
é provável que a morte celular natural
no Sistema Nervoso seja um processo
metabolicamente ativo, iniciado e
sustentado pela expressão de genes
específicos e transcrição de produtos
que ativariam a degeneração da
célula. Os fatores tróficos agiriam
bloqueando esses genes cuja ex-
pressão resultaria na morte do
neurônio. As células nervosas que não
tivessem acesso aos agentes tróficos
Figura 6 — Percentagem de neurônios sobreviventes após teriam seus “genes suicidas” ativados
dois dias em cultura na presença de moléculas tróficas liberadas e proteínas “killer” (tanatinas) produ-
por retinas de pinto. Os meios com atividade neurotrófica foram zidas o que motivaria a morte neuronal
obtidos a partir de embriões de diferentes idades (E6, E8, etc). (Figura 7).
Observe que dependendo da idade do embrião a percentagem
de neurônios sobreviventes varia, sugerindo uma curva de libe- A vanços obtidos na compreensão
ração de fatores tróficos dependente do desenvolvimento. do desenvolvimento do cérebro e a
descoberta de vários fatores tróficos
abrem novas perspectivas clínicas no
tratamento de várias doenças dege-
nerativas e na possível regeneração
molécula trófica de diversos tecidos.
Recentemente dois cientistas suecos
? ?
deram início a uma nova terapia
?
receptor contra o Mal de Alzheimer, doença
citoplasma genes suicidas ativados
degenerativa também conhecida
genes
suicidas transcrição
DNA como “demência senil”. eles injetaram
ativados em uma paciente de 69 anos o NGF.
núcleo
DNA Liberada aos poucos a proteína
transporte para o citoplasma provocou o retrocesso da degenera-
núcleo ção das células cerebrais e foi
citoplasma proteínas killer registrada uma significativa melhora na
circulação sanguínea e na memória
morte celular
da paciente.
Figura 7 — Neurônios que tivessem acesso aos fatores troficos Muito se faz necessário no entanto,
teriam a sítese de proteínas “killer” bloqueada e se manteriam para conhecermos mais profunda-
vivos. Os que não obtivessem tais moléculas em determinado mente a natureza, estrutura e ação dos
período, teriam seus “genes suicidas” ativados e consequente- fatores tróficos e da própria morte
mente degenerariam. celular natural.

24 BIOLETIM 9
O Sono e o Sonho
Marília Zaluar

irregular, a temperatura do corpo ten- acordado tem sido amplamente


Até a década de 50 acreditava-se de a se igualar à do ambiente e há pesquisada. Um outro intuito destas
que dormir era um processo passivo, uma alteração nas ondas do EEG. pesquisas são as integrantes estimativas
ou seja, que o cérebro caía no sono Mas o que parece melhor caracterizar de que mais de 15 % da população
quando a estimulação sensorial era este período são movimentos rápidos de países industrializados apresenta
insuficiente para mantê-lo acordado. dos olhos, daí o nome REM (Rapid problemas sérios ou crônicos de sono.
Mas este conceito foi descartado por Eye Movements). Neste ponto é Entre estes problemas se destaca a
volta de 1960, quando o sono foi mais provável se acordar espontanea- insônia, que pode afetar 20 % dos
reconhecido como um processo ativo mente, sendo por este aspecto consi- cidadãos de uma grande metrópole.
caracterizado por uma sucessão derado o estágio mais leve de sono. Não existe uma quantidade ideal de
cíclica de fenômenos psicofisiológicos.
Esta fase possui inúmeras proprieda- sono, já que isto varia de pessoa para
O ciclo sono-vigília é um dos ritmos des e por isso tem sido alvo de muitos pessoa, mas deve ser algo entre 4 e
endógenos do nosso corpo que está estudos e será citada várias vezes no 10 horas. Pessoas que dormem
relacionado com a noite e o dia. decorrer deste artigo. Uma destas pe- menos (sem no entanto se queixar de
Outros biorrítmos do nosso culiaridades do sono REM é uma maior insônia), passam maior parte do sono
organismo são, por exemplo, o da possibilidade (74-95 %) de se recordar nos estágios 4 e REM, proporcional-
temperatura, o de alguns hormônios do sonho que estava tendo, caso se mente. Por isto é importante não só o
e o da imunidade. Outra descoberta acorde neste momento. Durante uma número de horas, mas também a pro-
importante sobre o sono, foi a de que noite de sono normal, os intervalos porção de cada fase para se definir
ele é composto por diferentes estágios,
entre sucessivos REM tendem a dimi- uma boa noite de sono. é interessante
sucessivos e previsíveis a cada noite.nuir, enquanto a duração do mesmo citar que, sob a ação de agentes
Os estágios do sono foram descritos aumenta. Ao mesmo tempo, os está- psicoativos como o álcool e alguns
através da monitoração por eletro- gios mais profundos tendem a não barbitúricos, o sono REM é suprimido.
encefalograma (EEG). Sete acontecer mais (figura 1). É por tudo Esta supressão parece causar distúrbi-
estágios foram numerados de 1 a 4, isto que quase sempre só acordamos os psicológicos graves no indivíduo.
sendo o primeiro mais leve, o segundo espontaneamente após algumas horas Ratos que sob um procedimento
já mais profundo e assim por diante. de sono, já que este está mais leve. experimental não atingiam o sono-REM
Na figura 1 pode se observar que as Uma propriedade importante do sono- se mostraram extremamente agressivos
ondas do EEG crescem em voltagem REM é a ereção espontânea nos e perturbados quando estavam acor-
e decrescem em frequência ao longo homens, que geralmente nada tem a dados. Num outro estudo revelou-se
destes estágios. quando uma pessoa ver com o que está sendo sonhado.
começa a dormir, ela passa por todas Apesar disto, o conteúdo do sono pode
as fases em 30-45 minutos e então às vezes até levar à ejaculação. Esta O sonambulismo e a enurese
retorna a estas em ordem inversa. capacidade do sono REM é utilizada são distúrbios que parecem
Durante o sono, várias funções do para se saber se um indivíduo estar associados e serem típi-
nosso organismo sofrem alterações impotente o é por motivos físicos ou cos de uma mesma família
que são características de cada psicológicos. (sugerindo algum fundo gené-
estágio (tabela 1). tico). Estes fenômenos ocorrem
Após mais ou menos 90 minutos de É indiscutível a importância do sono durante as fases 3 e 4 de sono,
não estão sob controle do indi-
sono, várias mudanças abruptas sobre nossas vidas. Por isto, a reper-
ocorrem no organismo. Entre elas, a cussão de privações das fases do sono víduo e quase nunca estaão as-
atividade respiratória aumenta e fica sobre o comportamento do organismo sociados ao episódio de sono.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 25


Figura 1 — Um padrão típico de cilcos de sono em um adulto jovem. Barras escuras equivalem a
sono REM. Cada linha à esquerda representa 30 segundos do registro do eletroencefalograma
referente a cada estágio de sono.

que se um indivíduo é privado do quantidade absoluta, cai de 8 a anterior, além de representar


REM e em seguida dorme sem 1,5 horas por dia na puberdade. pensamentos profundamente repri-
interrupção, o REM aumenta, suge- Veja na figura 2 como é esta midos, não disponíveis ao consci-
rindo uma atividade compensatória e variação. O tempo despendido no ente. Sob o aspecto fisiológico, foi
fornecendo uma evidência de sua estágio 4 cai exponencialmente ao descoberto que todos sonham em
necessidade. longo da vida e praticamente ciclos regulares a cada noite de
desaparece aos 60 anos de idade. sono. O sonho está profundamen-
Durante nossa vida, a quantida- Pela figura se observa que os idosos te relacionado com o sono-REM,
de e o tipo de sono variam. Um costumam acordar espontane- uma vez que estes movimentos dos
bebê dorme 16 horas por dia, amente várias vezes durante a olhos parecem ser controlados pelo
sendo metade deste tempo em noite. Talvez seja por isto que na mesmo mecanismo neuronal. Al-
sono-REM. A necessidade de REM terceira idade o ciclo seja bifásico, guns cientistas acreditam inclusive
começa no útero, já que foi obser- ou seja, existam dois períodos de que os olhos se movimentam
vado que em neonatos prematuros sono por dia (cochilo à tarde). acompanhando a imagem do so-
este ocupa 80 % de seu sono. A Em 1900 Freud propôs que os so- nho. Os sonhos são principalmen-
taxa de sono-REM vai decaindo até nhos permitiriam ao indivíduo des- te visuais, mas para os cegos con-
se estabilizar em 25 % por volta carregar estímulos psicologica- gênitos, são auditivos. Os que fo-
dos 10 anos. Porém, em termos de mente desagradáveis do dia ram privados da visão perdem
gradualmente a habilidade de
sonhar visualmente.

O que sonhamos é uma pergun-


ta que instiga muito a curiosidade
de psicanalistas e fisiologistas. Um
cientista catalogou mais de 10.000
sonhos de pessoas normais e veri-
ficou que 64 % eram associados
com tristeza, ansiedade e raiva.
Tabela 1 — Variação das atividades corporais ao longo de cada Apenas 18 % eram felizes e 1 % en-
fase do sono. volveram atos ou sensações de

26 BIOLETIM 9
prazer sexual. Nós também sonhamos durante as
outras fases do sono, mas raramente nos lembramos.
Caso lembrado, o sonho nestes outros estágios é na
maioria das vezes menos vivo e visual, menos emoci-
onal e mais prazeiroso. Existe, porém, uma exceção,
já que a maioria dos pesadelos ocorrem durante os
estágios 3 e 4. No entanto, em correspondência ao
tipo de atividade mental destas fases, estes episódi-
os não são relatados como uma narrativa do sonho,
mas sim apenas como a lembrança de uma situação
opressiva, como ser enterrado vivo.
Mesmo nos estágios mais profundos de sono, impul-
sos sensoriais externos penetram no córtex cerebral.
como quando estamos acorddos, há uma resposta
motora a estes impulsos. No entanto, esta resposta é
fortemente inibida. Da mesma maneira, não corre-
mos ou levantamos os braços quando sonhamos que
o estamos fazendo. Já são conhecidos alguns dos
mecanismos pelos quais há esta inibição. Experi-
mentalmente, se estes mecanismos são bloqueados
há a manifestação de movimentos e posturas durante
os sonhos. Um gato, através deste procedimento de
bloqueio, pode levantar-se, chiar, arreganhar os
dentes, dar patadas e locomover-se durante um so-
nho. é importante ressaltar que embora haja recepção
de estímulos externos durante o sono, estes dificil-
mente irão se reter na memória. De onde se conclui
que métodos de aprendizado de idiomas com fitas
para serem ouvidas dormindo não são eficazes. Isto
porque ficou comprovado em algumas investigações
que quando estamos dormindo só memorizamos uma
Figura 2 — Ciclos normais de sono em diferentes palavra se esta nos desperta.
idades. As barras escuras equivalem a sono REM.
É imensa a quantidade de conhecimento acumulado
sobre os mecanismos que regem este enigmático
estado em que mergulhamos diariamente, tomando-
nos quase um terço de vida. Veja na figura 3 as
regiões do cérebro cujas funções seriam controlar
este fenômeno. O núcleo supraquiasmático, por
exemplo, seria o relógio biológico do organismo.
Entretanto perguntas básicas permanecem sem
resposta. Por que dormimos e por que sonhamos?
Para que existem diferentes fases de sono? Por que
o cérebro necessita de episódios periódicos de sono
para poder funcionar perfeitamente quando estamos
acordados?
Figura 3 — Regiões do sistema a nervoso supostamente
envolvidas no sono.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 27


DNA FINGERPRINT
Diego Rodriguez

Com exceção de gêmeos monozi- pessoa A pessoa B pessoa C


góticos, nenhum indivíduo apresenta
um perfil genômico igual a outro. O
poliformismo existente na população
humana é muito alto e a exclusão da isolamento de um cromossoma por citometria a fluxo preparatória
identidade é facilmente detectada
através de técnicas desenvolvidas na
área de biologia molecular, como por
exemplo, DNA fingerprint. isolamento do DNA

O termo DNA fingerprint é utilizado


para demonstrar o padrão de bandas, isolamento do DNA
único, que cada indivíduo apresenta.
Esta caracterização individual foi
possível devido a descoberta de
marcadores de DNA denominados
RFLPs. Estes marcadores foram de
grande utilidade para o aconselha-
mento genético no que se refere ao
acompanhamento de certas enfermi-
dades (genetic linkage) e continuam
sendo amplamente utilizadas para separação dos fragmentos por eletroforese em gel de agarose
identificação individual dentro da
população.
Esta técnica começou a ser utilizada
no início dos anos 80 quando David
Botstein e colaboradores construíram
transferência dos fragmentos para nitrocelulose
uma biblioteca genômica utilizando-se
de poliformismos que se base-
avam na diferença de tamanho de
sequências quando clivados com hibridização com sonda de DNA marcada com 32P
determinadas enzimas de restrição.
Estes fragmentos foram chamados de
exposição em
RFLPs (Restriction Fragment Lenght filme de raio-x
Polymorphisms).
Com os avanços da biologia molecu-
lar foram descobertos outros marca-
dores do tipo RFLP existindo basica- Figura 1 — Esquema descritivo das técnicas utilizadas para a
mente dois tipos diferentes: um basea- obtenção do DNA fingerprint: eletroforese em gel de agarose
do nos sítios de restrição enzimáticos e Southern blotting. O esquema representa o caso de três
e outro baseado no número de repeti- indivíduos, dois deles (A e C) homozigotos para o locus marcador
ções de uma determinada sequência em questão e o terceiro (B) heterozigoto.

28 BIOLETIM 9
dentro de um fragmento de DNA. A Em 1987, Nakamura et alli, isolou
diferença entre os dois se deve aos sequências de DNA que continham
fenômenos biólogicos que os originam. estas repetições em série e que repre-
sentavam um único locus, designando-
Figura 2 — Identificação indivi-
A maioria das variações conhecidos as de “Variable Number of Tandem
na sequência do DNA era devida a Repeats” ou simplesmente VNTR.
dual usando DNA fingerprint de
mudanças de algumas bases que Este sistema de marcadores em
pequenas amostras de sangue.
criavam ou destruíam um sítio de oposição ao anterior, pode ser
Nove pessoas não correlatas
clivagem para uma enzima de altamente informativo na análise de
mais duas uniões. A sonda
restrição específica, causando uma ligação gênica e tipagem do DNA
utilizada foi a multi-locus 33.15
mudança no tamanho do fragmento por apresentar uma heterozigosidade
e o DNA digerido com Hinf I.
de DNA. Os marcadores originados muito maior podendo identificar com
por este fenômeno foram chamados mais facilidade, os polimorfismos
de Restriction Fragment Lenght Polymor- existentes na população sendo seu uso
phisms (RFLP). Um locus marcador extremamente confiável para traçar o
baseado em uma simples troca de perfil genômico de cada indivíduo.
bases produzirá somente dois alelos,
e a chance de serem alelos diferentes, A descoberta destes marcadores foi
em um dado locus, é sempre menor de grande importância para os estudos
que 50 %. A genotipagem com este de “linkage”, acompanhamento de
sistema de marcadores, que refletem algumas enfermidades, como
múltiplos sítios polimórficos, pode ser Fibrose Cística e Huntington, e
trabalhosa, requerendo análises com principalmente na determinação do
várias sondas moleculares e/ou padrão genotípico dos indivíduos.
amostras de DNA digeridas com Para se conseguir um padrão, como
Figura 3 — Padrão de DNA diferentes enzimas de restrição. na figura 2, utiliza-se a técnica do
fingerprint num caso de teste de Em contraste um sistema de marcado- Southern Blot. Esta metodologia
paternidade. Fragmentos de res desenvolvido por Jeffreys et alli em baseia-se na digestão do DNA
DNA hipervariável são compa- 1985, revelou que fragmentos de genômico com enzimas apropriadas,
radas entre (B) sangue e (S) es- restrição cujo tamanho era altamente na separação dos fragmentos por
perma no indivíduo 4 e entre variável dentro da população, podi- corrida eletroforética, na transferência
sangue e DNA isolado de linfo- am ser usados para análise de ligação para um suporte sólido e posterior
blastóides transformados deri- e tipagem do DNA. A sequência de identificação com as sondas marcadas
vados de indivíduos correlatos bases desta região hipervariável radioativamente (figura 1).
5 a 7 (6 filha e 7 tia materna indica que este fragmento de restrição Com a finalidade de exemplificar uma
da mulher 5). DNA fingerprint contém grupo de repetições em das inúmeras utilizações desta
de sangue de gêmeos idênticos cadeia de uma sequência de aproxi- abordagem metodológica, na figura
(9, 10) comparados com sua madamente entre 10 e 60 pares de 3, vemos um típico caso de disputa
mãe (8), pai (11) e dois homens base. O tamanho do fragmento é de paternidade. De acordo com os
não correlatos (12 e 13). Os função do número de cópias desta padrões de bandas da mãe, do filho,
fragmentos de DNA de gêmeos sequência dentro deste segmento, que dos irmãos e do suposto pai,
foram identificados eliminando pode ser originado por crossing-over consegue-se, com mais de 99,97 %
as bandas maternas não presen- desigual ou deslizamento da DNA de precisão, confirmar ou excluir a
tes e bandas paternas presen- polimerase durante a replicação. paternidade em questão.
tes nos gêmeos

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 29


DNA Recombinante
Mílton Ozório Moraes

de restrição (modificação, restrição e DNA cromossômico de bactéria, por


O primeiro encontro de um estu- especificidade) e clonagem (vetores, exemplo. Com a adição do brometo
dante de biologia com a tecnologia formação e estratégias). de etídeo na solução, que é um
do DNA recombinante é irreme- Não se pode falar de DNA recom- composto que se intercala entre as
diavelmente a famosa engenharia binante sem se comentar nada sobre bases diminuindo a sua densidade,
genética. Seja pelos jornais ou até a sua estrutura. A DNA é composto pode-se distinguir facilmente os dois
mesmo por professores do 2º grau, os pelos chamados nucleotídeos A, C, tipos de DNA porque o cromossômico
alunos se defrontam com esse termo G e T e sua forma foi definida quando se fragmenta originando moléculas
que virou jargão da mídia e definição Watson e Crick catalisaram dados lineares que possibilitam maior
dos menos atentos a todo o tipo de de difração de raios-X, com os de intercalação de BrEt, fazendo com que
pesquisa desenvolvida em laborató- quantificação dos nucleotídeos. No fiquem bem acima da posição dos
rio que envolva células, DNA ou seu primeiro experimento eles obser- plasmídeos, que por serem menores
qualquer coisa do género. E logo uma varam que os resultados da difração permitem uma menor quantidade de
palavra que pela própria origem se faziam com que houvesse uma maior BrEt entre os seus nucleotídeos e assim,
faz confusa: como uma engenharia possibilidade de A se parear ao T e se mantém mais densa.
pode ser genética? C ao G. Devido ao tamanho das
Então, é necessário que os biólogos moléculas, essa seria a única forma As enzimas de restrição são dividi-
que se defrontam com essa palavra de se manter uma estrutura coesa com das em três grupos. Como caracterís-
saibam sua verdadeira definição. pareamento compatível ao resultado ticas principais pode-se destacar a
Portanto, a intenção desse artigo é da difração. O segundo trabalho ve- modificação que ocorre no grupo I. É
esclarecer aos estudantes um tema tão rificou uma percentagem bastante se- a capacidade da enzima de reconhe-
em voga, discutido por políticos e melhante, onde A=T e C=G, porém cer uma seqüência e, se uma das
jornalistas, onde profissionais da área A+T ! C+G. Assim, se desenvolveu a fitas do DNA, houver um grupamento
se posicionam sempre um passo atrás. teoria da dupla hélice. metil em um dos nucleotídeos desta
A princípio pode-se elucidar o enigma mesma seqüência, a outra fita também
da engenharia genética restringindo- A partir do descobrimento da estru- recebe o seu grupamento. O fenôme-
a às técnicas empregadas na tura, ficou mais fácil o isolamento dessas no também é conhecido como meti-
tecnologia do DNA recombinante. A moléculas. Uma das técnicas mais lação. Porém, se nenhuma das duas
aplicação deste conceito envolve difundidas foi a de centrifugação em fitas estiver metilada, a enzima passa
conhecimentos variados e tem servido cloreto de césio (CsCI). O íon césio é a exercer uma outra função que é a
de base para o avanço da ciência um átomo muito pesado com um de restrição. Assim, quando uma
em diversos campos como: evolução, número atômico alto. Em contrapartida, enzima encontrar uma seqüência com
genética de procariotos e eucariotos o íon cloro é muito pequeno. Com a ausência de grupamentos metil, ela
incluindo humana que, por sua vez, centrifugação os íons formam um corta o feixe duplo de DNA. Em
possibilitam o aumento do vigor em gradiente onde o fundo do tubo é o primeiro lugar, essas enzimas são
outras áreas afins devido à amplitude lugar com a maior concentração de responsáveis pela defesa celular, já
gerada por toda essa pesquisa. íons. O DNA é também, impulsionado que, diante da invasão virótica, por
De forma básica e didática, podemos para baixo e, de acordo com a sua exemplo, com a conseqüente inserção
dividir toda a tecnologia do DNA densidade, vai encontrar o seu ponto do material genético, a enzima adere
recombinante em três tópicos princi- de equilíbrio. Essa técnica passou a ao DNA e com a ausência de
pais: estrutura do DNA (comple- ser utilizada para separar pequenas metilação ela cliva. Desta forma, fica
mentariedade e isolamento), enzimas moléculas circulares (plasmídeos), do impedida a replicação viral. Por outro

30 BIOLETIM 9
Figura 1 – A tecnologia DNA recombinante torna possível a introdução de sequências nucleotídicas delibera-
damente de um DNA de uma cepa ou de espécies diferentes de organismos dentro de outros DNAs. O DNA de
um organismo exógeno primeiramente é fragmentado de várias formas. Nesta figura, enzimas de restrição são
usadas para fragmentar DNAs exógenos e também para cortar o DNA circular do plasmídeo. Depois, o DNA
exógeno é recombinado com o DNA do plasmídeo, a ponto de restaurar a forma circular do plasmídeo, e essa
nova estrutura pode ser inserida dentro de um hospedeiro

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 31


sítio de clivagem
plasmídeo SC101

DNA exógeno

origem de
replicação

clivagem por enzima sítios de clivagem 1 2 3


de restrição EcoRI

clivagem pela EcoRI

anelamento

ligação (ação
da DNA ligase)

plasmídeo quimérico

Figura 2 — Método para a geração de um plasmídeo quimérico contendo genes derivados de DNAs exógenos.

32 BIOLETIM 9
do próprio indivíduo é metilado, du- Assim, de um DNA total com três sítios
rante a replicação, como apenas uma para Sma I obtém-se fragmentos tais O primeiro deve ser o dos vetores
fita se mantém com o grupamento como os que se vê na figura 3a. chamados assim por serem capazes
metil, as enzimas com capacidade Um exemplo de pontas adesivas é da de carrear fragmentos de DNA não
de modificação acrescentam na fita própria Eco RI. O DNA é cortado relacionados com eles mesmos. São
nova um outro grupamento. As enzimas gerando pontas que, por serem os plasmídeos, bacteriófagos e
mais importantes são as do grupo II, complementares, são chamadas de cosmídeos. Todos os três guardam as
que tem apenas atividade restritiva e adesivas, como visto na figura 3b. características básicas de poderem se
uma especificidade altíssima. Isso replicar utilizando o aparato celular,
porque tais enzimas reconhecem A partir da descoberta e do apri- poder receber DNA exógeno (supor-
sequências palindrômicas, que, assim moramento das pesquisas com tando a carga destes fragmentos),
como as palavras “amor” e “roma”, não enzimas de restrição e isolamento poderem ser introduzidos em seus
representam mais do que sequências de DNA, entre outros, atingiu-se um hospedeiros e poderem ser recupera-
que, se lidas de trás para frente são nível onde se tornou possível o estudo dos facilmente para o trabalho em
iguais a quando lidas normalmente. de organismos superiores com grandes laboratório.
O palíndromo GAATTC/CTTAAG ao moléculas de DNA. Isto porque, com Os plasmídeos são microssomas
longo de um feixe duplo de DNA, a possibilidade de fragmentação bacterianos, com características pró-
por exemplo, é o sítio de restrição da destas enormes moléculas para sua prias que fazem com que sejam esco-
enzima Eco RI (extraída de Escherichia análise, abriu-se um caminho para o lhidos para determinados experimen-
coli). desenvolvimento de experimentos com tos. Possuem genes de resistência a
A descoberta das enzimas de restri- pequenas moléculas isoladas. Assim, vários antibióticos, facilitando a
ção em 1970 foi um grande avanço consegue-se estudar a estrutura e a seleção das bactérias que têm esse
na manipulação do DNA, porque regulação de genes. A utilização de plasmídeo incutido. Além disso, alguns
resultou numa nova possibilidade de enzimas de restrição para fragmentar tipos de plasmídeo têm capacida-
mapeamentos e, em última análise, um DNA qualquer, seguida da de de infectar diferentes tipos de hos-
ajudou imensamente ao desenvolvi- inserção deste fagmento dentro de um pedeiros. São os chamados “shuttle
mento da clonagem. O corte de um vetor, permite a obtenção de um DNA vectors”, que se replicam tão bem em
DNA total gera fragmentos dos mais quimérico (relativo a quimera, que na bactérias quanto em células de mamí-
variados tamanhos, o que depende mitologia grega representa um mon- fero. Os plasmídeos também, pelo
da distância dos sítios. stro fabuloso com cabeça de leão, número de cópias (500 a 600 por
corpo de cabra e cauda de dragão). célula), são bons vetores. Desta forma,
Há uma particularidade decorrente Este, por sua vez, é inserido numa pode-se conseguir uma massa de DNA
da digestão: as pontas dos DNAs po- bactéria onde pode ser replicado e bastante significativa para pesquisa.
dem ser cegas ou adesivas. A enzima mantido para efeito de estudo (figura Porém, existe um empecilho, que é a
Sma I (extraída de Serratia marcensis) 1). Diante desse panorama geral é necessidade de serem colocados
tem o sítio CCCGGG/GGGCCC e conveniente desmembrar e analisar dentro de seus hospedeiros. É impor-
o corte exatamente no meio. cada detalhe. tante frisar que todos os vetores, inclu-
indo-se os plasmídeos que são utiliza-

Figura 3 — (a) Exemplo de clivagm


por enzima de restrição originando
fragmentos de DNA com pontas ce-
gas (b) Exemplo de clivagem por en-
zima de restrição originando frag-
mentos de DNA com pontas adesivas.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 33


dos em laboratórios, foram modifica- porque partes importantes dos genes as onde os segmentos de DNA são
dos, fazendo com que perdessem suas estudados são perdidas. amplificados e a isso se dá o nome de
características selvagens e pudessem A construção do cosmídeo, tanto clonagem.
servir para o trabalho nessa área. quanto as modificações nos plas- Com o estabelecimento da clonagem
Os bacteriófogos, ou simplesmente mídeos, são consequências da o próximo passo é entender as técnicas
fagos, são vírus que infectam ex- tecnologia desenvolvida com o DNA usadas para o reconhecimento de
clusivamente bactérias. Diferentemen- recombinante. Portanto, nota-se que os determinados genes ou sequências que
te dos plasmídeos, os fagos, quando vetores são ferramentas e objetos de se queira estudar.
encapsulados, têm a capacidade de pesquisa ao mesmo tempo. O experimento sugerido com T. cruzi
infectar uma bactéria pelo processo é chamado de banco ou biblioteca
natural, aderência na parede e inser- Após essa noção sobre os vetores, gênica, onde insere-se cada pedaço
ção do material genético. Devido a responsáveis pelo carreamento das do parasito em um vetor, podendo
sua estabilidade é muito fácil se man- moléculas de DNA exógeno, é impor- assim obter uma coleção completa de
ter um fogo e também recuperá-lo, tante saber como introduzir essas mo- partes do genoma do T. cruzi. A partir
bastando uma simples mistura de uma léculas nos vetores. Há diversas formas daí é necessário que se saiba detectar
solução de bactérias com uma de de se criar recombinantes, todas os clones de interesse. Uma das
fagos para haver amplificação. Tanto exploram as propriedades das técnicas mais difundidas é a da
plasmídeos quanto fagos têm pouca enzimas de restrição. Uma delas é a hibridização. Os clones podem ser
capacidade de suportar fragmentos de descrita na figura 2. Com o isolamento planeados e das placas podem ter o
DNA grandes. Os plasmídeos, pelo do DNA do organismo que se deseja seu DNA (em fita simples) transferido e
seu próprio tamanho, de 2 a 7Kb em inserir (por exemplo, Tripanossoma fixado em uma folha de nitrocelulose.
média. Os fagos porquê não conse- cruzi) e também do vetor escolhido (um Então sondas (pedaços de DNA ou
guem encapsular DNA com menos de plasmídeo da linhagem pUC), faz-se RNA alvo), representando as sequên-
75 e mais de 105 % de seu tamanho primeiro a digestão dos diferentes cias de interesse, são marcadas com
original (50 Kb). DNAs separadamente (a enzima p32, sendo utilizadas para identificar
Diante dessa dificuldade de se inserir utilizada no caso foi Eco RI). Com isso os clones com sequências de DNA
fragmentos maiores de DNA em obtém-se vários fragmentos de T. cruzi, complementares às das sondas.
vetores surgiu o cosmídeo, que é um devido ao grande número de sítios, Fazendo com que haja uma hibridi-
híbrido de plasmídeo e fago. É uma vez que neste experimento tra- zação que por ter marcação radioati-
pequeno como o plasmídeo, o que balha-se com o DNA total do orga- va pode imprimir um filme, permitindo
faz com que ele tenha possibilidade nismo. Todos esses fragmentos possu- a localização do clone de interesse.
de ter um fragmento grande inserido, em a mesma terminação adesiva. Os
mas comporta-se como fago, devido vetores que têm apenas um sítio de Com o advento da tecnologia do
a seu mecanismo de encapsulamento, restrição para Eco RI, mudam sua con- DNA recombinante revolucionou-se as
fazendo com que o DNA recombi- formação de circular para linear, com pesquisas em biologia molecular.
nante possa ser introduzido no hospe- as mesmas terminações que os frag- Onde havia dificuldades em se cultivar
deiro mais facilmente, já que, como mentos formados no corte do DNA de determinado microorganismo, a
plasmídeo, isso não seria possível em T. cruzi. Então as duas populações de tecnologia inovou criando uma possi-
função do grande tamanho. Outras DNA são colocadas juntas, havendo bilidade de se estudar tal parasito. Além
características são as de replicação e a possibilidade de união das pontas disso, pode-se desvendar mistérios
seleção, idênticas às do plasmídeo. complementares de DNAs distintos. O sobre a genética humana como a
O problema mais grave do cosmídeo experimento é completado com o au- hereditariedade, por exemplo.
é a sua estabilidade, enquanto xílio de uma enzima chamada ligase, O presente artigo tem o intuito de dar
recombinante. Como o fragmento que faz o que o próprio nome diz, uma visão geral, porém muito superfi-
exógeno é muito grande, o DNA sela a ligação estabelecida, gerando cial, sobre o assunto, para que surja,
perde pedaços durante a replicação. o DNA recombinante. Posteriormente, pelo menos, uma idéia básica.
Isso é extremamente inconveniente, este híbrido é introduzido em bactéri-

34 BIOLETIM 9
O Sistema de Whittaker
Ricardo A. R. Prado

de outra também se tentasse enquadrá- tica de assimilação de alimentos por


O sistema de classificação em dois los ou como plantas ou como animais. absorção e sua estrutura orgânica
reinos (plantas e animais), dominou As dificuldades do sistema de dois bastante bem adaptada a esta forma
o panorama da sistemática por mais reinos começaram exatamente aí, a de alimentação, parecem indicar um
de um século. Em 1969 R. H. partir do momento em que certos caminho evolutivo primordialmente
Whittaker publicou na revista Science grupos de organismos unicelulares diferente ao das plantas. Por outro lado,
o artigo “New Concepts of Kingdom foram enquadrados por alguns como a complexidade de sua organização
of Organisms”. Seu objetivo era não plantas e por outros como animais, sem quando comparada a dos demais
só propor um novo sistema de que, no entanto, tal sistema deixasse grupos protistas faz parecer estranho
classificação (em 5 reinos), mas de ser visto como um reflexo coerente sua caracterização como tal.
também discutir o sistema de dois reinos de duas direções evolutivas distintas. Os reinos Monera e Protista parecem
e seus desdobramentos, assim como Pouco a pouco as limitações desta razoalvelmente bem caracterizados
as características e limitações de um visão dicotomizada se trornaram mais (procariotos e eucariotos unicelulares,
outro sistema alternativo, o sistema de evidentes, levando a ocorrência de respectivamente). O que parece
4 reinos de Copeland. Neste texto nos propostas para novos reinos. inadequada é a subseqüente divisão
isentaremos de discutir o sistema de dos demais seres vivos em apenas
Copeland (apresentando-o a nível de Devido ao fato da mais evidente plantas e animais. Se olharmos do
curiosidade), para nos atermos com dificuldade ser a divisão dos unice- ponto de vista dos diferentes modos
mais atenção aos desdobramentos que lulares entre as plantas e animais, de alimentação não veremos dois, mais
levaram à proposta do sistema de alguns autores propuseram, por volta sim três opções”: ingestão (animais),
Whittaker. de 1860, um terceiro reino, generica- fotossíntese (plantas) e obsorção
Devido à mais que evidente dicotomia mente chamado de Protista. (fungos). A cada uma destas “opções”
entre as plantas e animais terrestres Uma linha considerou este terceiro reino estão associadas toda uma série de
superiores (em termos de modo de como composto apenas de orga- adaptações que caracterizariam linhas
vida, motilidade, ingestão de alimen- nismos unicelulares, enquanto outra evolutivas distintas. Tais linhas podem
tos, estrutura orgânica e evolução), foi acrescentou a estes qualquer organis- ser observadas, com um nível menor
em torno destes dois grupos que se mo que não possuísse o grau de de divergência, nos reinos “inferiores”.
desenvolveram os primeiros conceitos diferenciação histológica dos Embora ingestão não ocorra em
de reino. Musgos, hepáticas, algas organismos superiores, incluindo então monera, todas as três “opções”
macroscópicas e fungos, foram os fungos e as algas. apresentam-se continuamente ao longo
agrupados como plantas. Em resumo, As bactérias e cianofícias foram con- de diversas linhas evolutivas em protistas.
inicialmente o “reino das plantas” e o sideradas inicialmente como protistas
“reino dos animais” seriam resultantes sem núcleo, porém, com a caracteri- Podemos, então, divisar uma orga-
de um processo no qual qualquer zação da descontinuidade de nível de nização em 5 reinos: o reino Monera
organismo ou grupo de organismos organização entre procariotos e (procariotos), o reino Protista (euca-
poderia ser enquadrado, a partir dos eucariotos, muitos autores passaram riotos unicelulares), os eucariotos
conceitos centrais de plantas e animais a caracterizá-las como sendo perten- multicelulares se dividiram em 3 rei-
derivados dos organismos terrestres centes a um reino próprio, o reino nos, segundo o modo de nutrição,
superiores. A diversidade de caracte- Monera. sendo estes os reinos Animalia (in-
rísticas dos organismos unicelulares Os fungos não parecem muito bem gestão), Fungi (absorção) e Plantae
trouxe uma maior dificuldade, o que caracterizados nem como plantas, (fotossíntese).
não impediu que de uma maneira ou nem como protistas. A sua caracterís-

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 35


Figura 2. Aqui está representado o sistema de Copeland,
com as relações de filos a reinos e seus respectivos níveis
de organização. Alguns dos grandes grupos incluídos
no reino Protoctista estão indicados entre parênteses.
Somente os grandes filos animais estão indicados.
Abordagens alternativas para Clorophyta e Charophyta
estão indicadas pela inclusão destes grupos em Metaphyta
por Copeland, mas considerados como Protoctista por
outros autores.
Metazoa

oda
Annelid ta
a
a
Arthrop
Chord

ca
llus
Chaetognata

Mo
rmata
Metaphyta la
ta
a cu s
nt th e

Echinode
Te min
l
c he rtea
As me

Tracheophyta
N e

s
he
cota)

int
Bryophyta

Phaeophyta

elm
Figura 1. Um esquema evolutivo simplificado de

ata
(Basidiomy

tyh
(Ascomycota)

(Sarcodina) (Myxomycota)
(Zygomycota)

Porifera
Coelenter
um sistema de dois reinos, tal como ele pode ter

(Acrasiae)
(Charophyta)

Pla
Chlorophyta

Protoplasta

a
Opisthokonta

zo
sti gina)

so
aparecido no início do século. O reino Plantae

(Chrysophyta)
Rho

(Oomycota)

Me
a
or

Euglenophyta

(Cnidosporidia)
dop
ph

Pyrrophyta
compreende quatro divisões - Tallophyta (algas, ilio

Fungilli

(Zooma
hy
C

Inophyta
ta
bacterias e fungos), Bryophyta, Pteridophyta e
Spermatophyta. Apenas os grandes filos animais
Protoctista
estão indicados.

Archezoa

Monera

Plantae Fungi Animalia


Tra
ch

Basidiomycota
eo

da

Figura 3. Um sistema de 5 reinos base-


ph

ta
ca

po

rda
yta

us
ycota
Ascomycot

ro
oll
Bry

ado em três níveis de organização: o


a
o
ne Arth
M

at
Ch
op

m
a
lid
Zygom
hy

Tentaculata

er

procarioto (reino Monera), eucarioto


od
ta

An
Cha

hin
Aschelmintes

unicelular (reino protista) e eucarioto


Ec
Platyelminthes
rop

a
Pha

ot

Chaetognata
Ch

yc
hyta

multicelular e multinucleado. Em cada nível


eop
Ro

lom
lo

Chytridiomycota
Oomycota

ta
do

a
a
rop

ot
hyt

ra
ozo
hu

há divergência em relação aos três modos


ph

yc

te
a si o ota
hyt

nt
a

en
s
m
yta

yri

a
Me
yc
a

er
l
b

oe

principais de nutrição: por fotossíntese, absorção


m

rif
La

Po
M yx o

Zo ido zoa ta
Ac r
Pyrrop

C Spo yc ta
Chry

ro o

tig ia
m o

e ingestão. A nutrição por ingestão está ausente


a
or yc

as rid
in
ph m

o
Eug

soph

om p
o
hyta

io io

em Monera; e os três modos são contínuos ao longo


d
leno

od tri
yta

n
y

a
sm ch

din
das numerosas linhas linhas evolutivas nos Protista; mas
phy

Pla ho

r co
Sa
p

ra
ta

Hy

ho
Cil
iop
ao nível multicelular e multinucleado os modos de nutrição
Protista levam a diferentes tipos de organização que caracterizam os
três reinos superiores: Plantae, Fungi e Animalia. As relações
Bacte
evolutivas são mais simplificadas, particularmente em protista.
Cya

Somente os maiores filos animais estão representados e os filos


ria
no

bacterianos foram omitidos. O Coelenterata compreende Cnidaria e


ph
y
ta

Monera Ctenophora; o Tentaculata compreende Bryozoa, Brachiopoda e


Phoronida, e para alguns autores o Entoprocta.

36 BIOLETIM 9
Este sistema de divisão em cinco reinos esperado que se encontre alguma menor sucesso evolutivo que o sub-reino
tem como uma de suas grandes continuidade, refletida na existência de principal.
vantagens a simplicidade de seus formas intermediárias, entre quaisquer
critérios ou linhas divisórias: o nível de dois pontos extremos de uma caracte- Com a presente apresentação do
organização (procariotos, eucariotos rística (no caso o nível de organiza- surgimento, das características e das
unicelulares e multicelulares) e o modo ção). dificuldades do sistema de Whittaker,
de assimilação de nutrientes. é O sistema de Whittaker apresenta fica bastante claro que a divisão de
interessante notar que estes critérios como mais séria deficiência o fato de toda a diversidade de seres vivos en-
refletem ou acompanham “opções” seus 3 reinos “superiores” não serem tre plantas e animais foi uma conse-
evolutivas fundamentais, respeitando, monofiléticos (isto é, seus filos não quência de uma visão obscurecida
portanto, um critério filogenético (o possuem uma origem comum). Deste pela familiariedade com os conceitos
posicionamento dos taxa reflete o modo, pelo critério da monofilia, o de plantas e animais superiores. A
“parentesco” evolutivo destes). reino Plantae seria mais como um proposição de um sistema de 5 reinos,
No entanto, é justamente na fronteira agrupamento de filos (multicelulares e tal como o descrito, incorpora um
ou limite destas divisórias que se predominantemente fotossintezantes) critério de classificação mais “natural”
encontram as inconsistências do do que um reino propriamente dito. (filogenético). Porém, que fique claro
sistema de 5 reinos. No limite entre o Da mesma forma, os reinos Fungi e que qualquer sistema de classificação,
uni e o multicelular, por exemplo, o filo Animalia contém grupos provavelmente já criado ou que venha a ser criado,
Chlorophyta (algas verdes) poderia ser associados mais por convergência será inevitavelmente artificial, sendo na
enquadrado tanto como planta quanto evolutiva do que por monofilia. estas melhor das hipóteses, uma aproxima-
como protista, uma vez que inclui inconsistências estão indicadas na figura ção, baseada em informações parci-
formas unicelulares, unicelulares 3 pela separação dos filos em questão ais e incompletas, da bio-história
coloniais e multicelulares, assim como por uma linha pontilhada. evolutiva.
gradações intermediárias destas for-
mas. Por outro lado, os Myxomycetes P.S.: Os protistas pareciam ser um reino
se apresentam no limite, tanto em A monofilia é um critério fundamental monofilético, porém, em 1969 ainda
relação à organização quanto no que em sistemática, mas não deve ser não tinham sido exploradas as
tange à nutrição, podendo ser encarado como absoluto, e, deste consequências da aceitação do pro-
encarados como fungos aberrantes, modo, não será seguido ao custo do cesso de incorporação de cianofícias
protistas ou animais extremamente sacrifício de outros objetivos. O sistema (processo de endosimbiose, resultan-
peculiares. Do mesmo modo, muitas de classificação apresentado tem do nos cloroplastos) como possível
outras linhas filéticas freqüentam o limite como base, num sentido “vertical” origem do grupo. De qualquer modo,
entre o uni e o multicelular e/ou os (linear ao longo do tempo) os três níveis os protistas constituem um grupo
limites quanto aos modos de nutrição. de organização e, num sentido complexo, com várias linhas evolutivas
“horizontal” (paralelo ao longo do interconectadas, com desenvolvimentos
Os critérios de divisão em sistemá- tempo) os três modos de nutrição que lineares e em paralelo. Da época da
tica são artificiais, mesmo quando subdividem os três reinos multicelulares. publicação do artigo de Whittaker
procuram refletir a filogênia ou história Tal classificação vertical e horizontal, para cá, muito se descobriu acerca
evolutiva dos grupos em questão. parece mais adequada, por se propor de tais formas de vida, novos sistemas
Portanto, as dificuldades de “borda” a refletir e acompanhar o histórico de de classificação puderam ser desen-
que surgem ao se adotar como crité- opções evolutivas fundamentais. Pode- volvidas, estabelecendo um melhor
rio de divisão entre organismos “infe- se, então, considerar os reinos entendimento evolutivo acerca do
riores” e “superiores” a condição uni superiores (polifiléticos) como possuindo grupo e de sua origem. Tais sistemas
e multicelular, não invalida tal critério. um sub-reino principal (monofilético), de classificação serão apresentados
A partir do momento em que se consi- identificado como a linha dominante, em artigos subsequentes.
dera a origem da diversidade como e os demais sub-reinos seriam como
sendo um processo de evolução, é “experimentos” independentes, com

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 37


O Computador Aprafuliano
Ricardo A.R. Prado

Desde a revolução industrial, o espaço


da tecnologia na sociedade au-
mentou incrivelmente, assumindo um gumas das quais puxadas por elefan-
lugar de destaque no cotidiano da tes e outras ligadas a mecanismos que
vida moderna. Atualmente, a tecno- levantavam e abaixavam pequenas gens de madeira. Os Aprafulianos as-
logia não se apresenta apenas como bandeiras. A qualquer um de nós pa- sociavam tais dispositivos básicos para
meio de aumento da produção ou receria totalmente descabido imaginar formar circutios. Descobriu-se que um
como uma solução para problemas que tal mecanismo seria um computa- dos circuitos reconstruidos funcionava
básicos e fundamentais, mas permeia dor digital. Porém, de fato este com um multiplexer, circuito chave nos
cada pequena atividade humana. mecanismo é o mais antigo computa- computadores modernos capaz de
Chegou-se a uma situação tal que por dor digiral de que se tem notícia. controlar a passagem de dois ou mais
vezes, parece que a melhor solução O computador dos Aprafulianos, ha- sinais por um único fio. Da mesma
para qualquer problema, por menor bitantes da referida ilha, utilizava uma forma, descobriu-se bancos de
que seja, é aquela que se vale da base numérica binária, exatamente memória, formados por associaçães
tecnologia mais recente (e geralmen- como os computadores modernos. Em de flip-flops em colunas de oito. Os
te mais complexa). Há uma tendência vez de voltagens elétricas, 0 e 1 eram flip-flops são as unidades básicas dos
a se refutar soluções simples, por mais representados pela posição de cordas. circuitos de memória nos computadores
criativas que sejam, unicamente por Cada elemento do computador era atuais, assim como o eram no
não estarem permeadas da novidade ocnstiuído de uma caixa de madeira computador Apraufuliano.
tecnológica do momento. Ao que pa- fechada, com dois buracos de um lado Os Apraufulianos eram excelentes
rece, o homem moderno é muito orgu- e um do outro. Por estes buracos pas- navegantes que, provavelmente, se
lhoso de suas conquistas tecnológicas. savam cordas, ligadas ao mecanismo valeram de sua maestria com cordas
Os computadores digitais, por exem- interno da caixa. O 0 era representa- para desenvolver um dispositivo
plo, são capazes de ser programados do pela posição da corda “puxada” inteiramente composto por roldanas e
para cumprir as mais diversas funções para fora da caixa e o 1 pela posição molas, arrumadas em caixas de
possuindo um nível de flexibilidade que da corda “puxada” para dentro da madeira negra interconectadas por
nenhum outro dispositivo jamais pos- caixa. cordas, que funcionava exatamente
suiu. Pode-se pensar que seriam má- Recentemente, a reconstrução do como um moderno computador digital.
quinas exclusivas de nossa época. computador no Museu Tropical de A descoberta de tal máquina e seu
Imagine que de uma hora para outra, Antiguidades Marinhas, em Sumatra, posterior estudo, coloca questões muito
um de nós, homens do fim do século levou os archeo-analistas-de-sistema à intrigantes acerca da inventividade
XX, nos víssemos transportados para conclusão de que os mecanismos humana, suas forças motrizes e as
uma distante ilha, na costa noroeste contidos nas caixas pretas Aprafu- condiçães necessérias para seu
da Nova Guiné, há 1.100 anos atrás. lianas, funcionavam exatamente como desenvolvimento.
Presenciaríamos uma cena impressio- os dispositivos fundamentais dos Na pior das hipéteses, o computador
nante: uma enorme área, totalmente computadores atuais. Tais meca- Aprafuliano é o melhor exemplo de
tomada por uma imensa quantidade nismos seriam portões AND, portões como uma boa idéia pode ser
de caixas de madeira negra, conec- OR e flip-flops, no entanto, construí- implementada com um mínimo de
tadas umas às outras por cordas, al- dos unicamente de cordas e engrena- recursos e muita criatividade.

38 BIOLETIM 9
A porta “e” do computador aprafuliano
Neste mecanismo uma polia tem seu eixo ligado
diretamente à corda de saída, podendo girar livre-
mente sobre uma vareta curva. Quando as duas cor- 1 0

das de entrada estão na posição 0, a polia fica no


centro da vareta, que coincide com o arco de um
círculo centrado nas outras duas polias de saída.
Quando apenas umas das cordas de entrada é entrqda
1 0

deslocada para a posição 1, a vareta balança


para um dos lados fazendo a polia escorregar
saída

para o lado da outra corda de entrada, mantendo


assim a saída na mesma posição. Somente 1 0

quando ambas as cordas de entrada estiverem


na posição 1 é que a corda de saída será
deslocada para 1.

A porta “ou” do computador aprafuliano


1 0 O mecanismo consiste de duas cordas entran-
do na caixa. Cada uma delas passa por uma
polia, aproximando-se uma da outra, sendo
entrada finalmente ligados num anel onde também está
1 0
ligada uma corda de saída. Se qualquer uma,
saída ou ambas as cordas de entrada estiver na posi-
ção 1, a corda de saída também estará na
posição 1.
1 0

O flip-flop aprafuliano
Esse mecanismo é capaz de armazenar 1 bit “set”

de informação, constituindo a memória do


computador aprafuliando. A corda “set”, ao
ser puxada, desloca a barra deslizante que
pssui uma fenda na parte superior capaz de
travar o sistema, registrando o número 1.
Quando é puxado “resset”, a trava é liberada, “reset”

e o número 0 pode então ser “lido” na corda


de saída.

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 39


40 BIOLETIM 9
AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 41
42 BIOLETIM 9
Glossário
A C
absorção: 35 cladismo: 18
Escola de sistemática que visa (1) reconstruir a
aferente: 23 filogenia com base em apomorfias, (2) estudar a
Que conduz, que leva. Diz-se do nervo ou evolução dos caracteres, e (3) elaborar uma
neurônio que transmite o impulso nervoso ao classificação isomórfica com a filogenia.
centro correspondente.
cladograma: 19
alvo: 23 Diagrama ramificado (dendograma) que retrata
Ponto de convergência. para onde um neurônio o compartilhamento de estados apomórficos e
projeta suas conexões, pode ser um músculo, uma as relações de grupos-irmãos entre taxons.
outra célula nervosa, etc.
clonagem: 30
animalia: 35
cosmídeo: 34
área postrema: 27
Região do cérebro que parece modular o núcleo
do trato solitário. Uma característica importante D
desta região que ela não possui barreira-hemato
encefálica, podendo ser controlada por dendritos: 22
substâncias presentes no sangue. São ramificações de um neurônio que servem
como principal fonte de recebimento de
axônio: 22
informações vindas de outros neurônios.
Processo tubular com um diâmetro em torno de
0,2 a 20 !m que pode se ramificar e estender diferenciação histológica: 35
por mais de um metro. a principal unidade Existência de diferentes tecidos especializados em
condutora de um neurônio. funções distintas e formando órgãos.
difração de raios-x: 30
B DNA exógeno: 33
biogeografia: 18 DNA fingerprint: 28
Estudo da distribuição dos organismos no espaço
através do tempo. À sistemática interessa a DNA polimerase: 29
biogeografia histórica, que estuda as implicações DNA quimérico: 33
da evolução do espaço (e.g. tectônica de placas)
sobre a evolução dos organismos. DNA recombinante: 30
biorrítmos: 25
Atividades cíclicas características da vida animal. E
Um ciclo característico o sono-vigília que se
repete a cada dia. Daí ser chamado de rítmo eletroencefalograma (EEG): 25
circadiano (circa = cerca de, die = dia). Detecção da atividade elétrica do cérebro através
de eletrodos colocados sobre a pele da cabeça.
Equivale ao eletrocardiograma. O EEG utilizado
para a caracterização de diferentes níveis de

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 43


atividade do cérebro bem como a detecção de filogenético: 19
problemas no mesmo. Estas ondas elétricas são Relativo à filogenia, que o padrão de evolução
geradas no tálamo. da forma (caracteres e espécies) no tempo.
embriologia: 18 fotossíntese: 35
enurese: 25
Distúrbio do sono no qual se urina durante o G
mesmo.
genes epistáticos: 16
enzimas de restrição: 28 e 30
grupo monofilético: 19
epistemologia Popperiana: 18
Todo e somente aquele taxon que inclui uma
Teoria do conhecimento baseada no método
espécie ancestral e todos os seus descendentes.
hipotético-dedutivo, que considera todo o
conhecimento como hipotético, sendo as hipóteses
científicas caracterizadas pela falseabilidade, isto H
é, capazes de serem refutadas por testes
empíricos. hibridização: 34
Reação que ocorre entre as fitas de DNA (não
equilíbrio pontuado: 16
necessariamente do mesmo organismo) que
estado apomórfico/plesiomórfico: 18 apresentam complementariedade. Uma das fitas
Estado A1 derivado (apo) de um caráter em marcadas radioativamente, de modo a permitir
relação a um estado A0 primitivo (plesio). Estes o reconhecimento através de exposição em filme
conceitos são relativos, podendo o estado A1 de raio-X.
ser plesiomórfico a um terceiro estado A2.
hipotálamo posterior: 27
estase: 16 Região do cérebro que, quando estimulada, induz
à vigília. De maneira oposta, lesões nesta área
estrutura do DNA: 30 levam à sonolência.
eucariotos: 35 homeobox: 16
homeostase: 20
F Estado de equilíbrio de um organismo vivo em
relação às suas várias funções e composição
fagos: 34 química de seus fluidos e tecidos.
fenética: 18 homologia: 19
Escola de sistemática que visa uma classificação Relação de similaridade topográfica entre
baseada em critérios de similaridade geral, isto estruturas de dois organismos indicadora de
é, não polariza os estados (apo x plesiomórfico) ancestralidade comum; sinapomorfia.
dos caracteres.
hopeful monsters: 16
fibrose cística: 29
Huntigton: 29

44 BIOLETIM 9
I N
idéias gradualistas: 16 núcleo da rafe: 27
Demonstrou-se que esta região do cérebro é
ingestão: 35 essencial ao sono. Sua lesão causa insônia.
insônia: 25 Composta de neurônios serotonérgicos (que
Inabilidade de se obter a quantidade e/ou a contém serotonina).
qualidade do sono suficiente para se manter o núcleo do trato solitário: 27
comportamento diário normal. Esta região do cérebro, quando estimulada,
promove o sono profundo (estágios 3 e 4). Recebe
K informação das papilas gustativas da língua e
também do trato digestivo.
Kb: 34
Kilobases: 1.000 bases (1 base= 1 nucleotídeo) núcleo supraquiasmático: 27
Região situada acima do quiasma ótico,
responsável pelos rítmos circadianos. Recebe
L informações da retina.
linkage: 28
Loci gênicos localizados em um mesmo O
cromossmo e que se encontram tão próximos
que se dizem ligados. Nestes a probabilidade ontogênese: 20
de ocorrer “crossing-over” é baixissima. Desenvolvimento.

locus ceruleus: 27 ontologia: 18


Este núcleo do cérebro quando lesado elimina o Parte da filosofia que estuda os seres ou objetos
sono leve. Seus neurônios contém principalmente enquanto entidades reais.
noradrenalina e inervam o prosencéfalo, cerebelo
e medula espinhal. P
palato secundário: 20
M Formado pelos ramos palatais da pré-maxila e
mal de Alzheimer: 24 da maxila juntamente com os ossos palantinos.
Doença neurodegenerativa caracterizada pela O palato duro, correspondente ao céu da boca,
deterioração das funções mentais (demência) separa a boca das passagens nasais.
devido à morte de neurônios em diversas partes paleontologia: 18
do Sistema Nervoso Central. Evidências sugerem Estudo dos animais e vegetais fósseis.
que a degradação destes neurônios ocorra
porque determinados fatores tróficos diminuem nas plantae: 35
células nervosas ou porque estas se tornam menos
plasmídeos: 30
aptas a captar tais moléculas. São também
doenças neurodegenerativas a doença de Pick, polimorfismo: 28
o Mal de Huntington e o Mal de Parkinson.
ponte (formação reticular): 27
monera: 35 Esta região do Sistema Nervoso Central, quando

AGOSTO E SETEMBRO DE 1992 45


estimulada, leva ao sono leve (estágios 1 e 2) ou sistemática: 18 e 35
o indivíduo acorda. Estudo da diversidade dos organismos e da
história evolutiva dos padrões (caracteres e taxons)
princípio da parcimônia: 19 dessa diversidade.
Princípio de simplicidade de cunho metodológico
e não ontológico, isto é, a preferência pela sítio de clivagem: 29
hipótese mais simples não pressupõe uma
sonambulismo: 25
natureza parcimoniosa.
Distúrbio do sono onde o indivíduo pode chegar
procariotos: 35 a andar (se desviando dos obstáculos) e responder
monossilabicamente à perguntas.
protista: 35
sondas moleculares: 29
R sono-vigília: 25
(vigília=acordado). Biorrítmo circadiano que
reinos: 35 depende dos níveis de iluminação.
REM: 25 southern blot: 29
Rapid Eyes Movements. Fase do sono
caracterizada por inúmeros fatores, entre eles substância negra: 27
o movimento dos olhos. Neste estágio o sono é Esta região do cérebro possui várias funções, entre
leve e há uma forte associação com os sonhos. elas o início da atividade locomotora quando
acordamos. Lesões nesta região induzem o estado
retina: 23 de coma (que não é sono profundo). Composta
Constituída por várias camadas de células, se de fibras dopaminérgicas.
localiza na parte interna do olho. responsável
pela transformação da luz que entra pela córnea shuttle vectors: 33
em sinais elétricos que serão enviados para os
centros visuais do cérebro. Excelente modelo de
estudo, por ser de fácil manipulação e fazer parte T
do sistema nervoso central.
tautologia: 19
RFLPs: 28 Argumentação de lógica circular, em que o sujeito
e o predicado têm o mesmo conceito (e.g., as
teorias de processo determinam a análise do
S padrão que, por sua vez, justifica aquelas).
seleção estabilizante: 17 taxon: 18
seqêuncias palindrômicas: 33 Conjunto de organismos individuais ou de
espécies, geralmente com um nome próprio
sistema de Copeland: 35 associado.
sistema de Whittaker: 35
sistemática evolucionista: 18 V
Escola de sistemática tradicional, cujos métodos
se baseiam na intuição e, por conseguinte, em vetor: 33
argumentos de autoriadade. VNTR: 29

46 BIOLETIM 9

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