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Definindo Crise
Muito se fala sobre administração de crises hoje em dia, mas poucas organizações adotam os
princípios dessa prática, principalmente no que diz respeito à comunicação. Durante uma crise,
a empresa deve manter os colaboradores, clientes, acionistas, fornecedores, imprensa, grupos
de pressão, sociedade e governo informados sobre o problema ocorrido e as ações que estão
sendo tomadas para solucioná-lo. Qualquer falha nessa comunicação pode gerar novas crises
ou destruir a imagem da corporação.
De acordo com Lopes (apud FORNI, 2002, p.363), "qualquer coisa negativa que escape ao
controle da empresa e ganhe visibilidade" pode se tornar uma crise. Em entrevista a jornalista
Cynthia M. Luz, o consultor norte-americano John Birch, que assessorou a Union Carbide no
desastre de Bhopal, na Índia, quando morreram milhares de pessoas, definiu crise como "um
evento imprevisível, que, potencialmente, provoca prejuízo significativo a uma organização ou
empresa e, logicamente, a seus empregados, produtos, condições financeiras, serviços e à sua
reputação [...]" (LUZ, 1993, p.9-12).
"Em contraste com os desastres naturais, sobre os quais freqüentemente temos pouco
controle, falhas humanas provocam crises em função de ações ou de inações impróprias [...].
Em princípio, falhas humanas podem ser previstas e, exatamente por esse motivo, o público se
sente escandalizado quando ocorrem [...] (apud ROSA, 2001, p.21).
"No primeiro estágio da crise, acontece a simplificação do boato. Uma grande história
resumida. No segundo estágio ocorre o exagero. Os detalhes mais agudos são aumentados e
a história ganha dramaticidade. No terceiro estágio, a opinião pública interpreta o boato de
acordo com a sua visão de mundo, com os seus valores. Nesse momento, se não se gerenciou
a crise, os efeitos podem ser devastadores." (CALDINI, 2000, p.116-118).
Segundo Rosa (ROSA, 2001, p.132-134), as crises podem ser dos seguintes tipos:
Para Rosa, "[...] as crises só existem porque vivemos num mundo tão interligado que um
problema que, em princípio, diria respeito apenas a uma empresa ou a uma comunidade
distante pode adquirir imediatamente uma dimensão muito maior [...]" (ROSA, 2001, p.24).
Por conta desse aspecto global das crises, as empresas devem preparar um plano de
administração de crises também global, que permita informar todos os públicos envolvidos em
tempo real.
Outro fato comum às crises é que elas repercutem rapidamente na mídia, por conta do
sensacionalismo que podem representar para os veículos de comunicação e do espetáculo que
podem se transformar para a sociedade. Forni diz que as crises alimentam a pauta diária da
mídia (FORNI, 2002, p.367-368).
Nessa corrida por uma informação nova, ou simplesmente pelo melhor ângulo do espetáculo, a
imprensa acaba cometendo alguns erros, como, por exemplo, o famoso caso da Escola Base,
em 1994, e as denúncias sobre a compra de bicicletas superfaturadas pelo ministro Alceny
Guerra, no governo Collor.
Existe uma regra básica com a qual todos os autores concordam: prevenir ainda é a melhor
forma de administrar uma crise de imagem. O primeiro passo é criar um comitê de
gerenciamento de crise, de preferência antes que o problema aconteça. Esse comitê deverá
apontar os possíveis problemas aos quais a organização está vulnerável e as ações que
deverão ser tomadas caso aconteçam.
O comitê de gerenciamento de crise deve ser composto por representantes de diferentes áreas
da organização, ligados diretamente à diretoria. Durante a crise, é importante que as decisões
tomadas e, conseqüentemente, as ações necessárias sejam repassadas aos responsáveis das
áreas envolvidas rapidamente. A comunicação também deve ser feita de forma ágil.
A escolha das pessoas que formarão o comitê depende do perfil da organização. Uma indústria
química, por exemplo, deve acionar a área de segurança ambiental para resolver problemas
relacionados a vazamentos ou contaminações, assim como uma construtora deve acionar o
departamento de engenharia no caso de falhas nos empreendimentos.
Caponigro (apud ROSA, 2002, p.135) diz que o comitê de gerenciamento de crise deve ser
formado pelos seguintes integrantes da organização: presidente; coordenador; diretor de
relações públicas ou comunicação; diretor de recursos humanos; diretores das divisões
corporativas; representante da área de operações; representante da área de segurança,
segurança industrial ou segurança médica; representante da área de qualidade; gerente
industrial, e consultor externo.
Caldini relaciona algumas posturas que devem ser tomadas pelo porta-voz durante a crise
(CALDINI, 2000, p.116-118):
" Não falar sem antes saber de fato o que aconteceu. Se for o caso, declare à imprensa que
você vai se informar e logo voltará a falar.
" Volte e fale. Se você não falar, alguém vai falar por você, só que não necessariamente a
verdade.
" Efeito avestruz não ajuda. O que você prefere: um fim horroroso ou um horror sem fim?
" Nunca minta. Se você mentir e descobrirem que você mentiu, nada mais importa: você será o
culpado.
" Não negligencie seu público, principalmente a imprensa. Respeitados e bem informados, eles
podem ser seus aliados.
" Assegure-se de estar sendo compreendido ao falar com a imprensa. Cuidado com termos
técnicos e evasivos.
" Não especule, não brinque, não subestime. Trate de ser identificado como uma pessoa
honesta.
" Jamais diga "sem comentários", "nada a declarar", "estou sendo injustiçado", "não é problema
meu" e "me respeite". Isso só agrava a situação.
" Não ignore sinais de alerta. Resolva todos os problemas potencialmente graves antes de se
tornarem crises.
" Ter razão em crises não significa vencer. A questão é de imagem e não apenas de leis.
Em alguns casos, quando as organizações possuem várias plantas, é necessário montar uma
redação - com computador, fax, telefone, rádio, televisão - na diretoria onde as decisões estão
sendo tomadas para agilizar o processo de comunicação. Quando a empresa pertence ao setor
de prestação de serviços e a crise afeta o fornecimento, é conveniente contratar um call center
para fazer o atendimento ao público.
A imprensa deve ser bem atendida e abastecida. O porta-voz deve, na medida do possível e
dependendo do tamanho da crise, atender às solicitações de entrevistas dos veículos. Os
profissionais do departamento de comunicação devem atualizar os boletins e divulgá-lo
diariamente.
É importante monitorar a mídia e corrigir eventuais erros para que não haja novas crises. Os
demais públicos - colaboradores, clientes, acionistas, fornecedores, grupos de pressão,
sociedade e governo - também devem ser mantidos informados e suas reações,
acompanhadas.
Cases
O caso Tylenol
O caso Tylenol, ocorrido em 1982, é um bom exemplo de administração de crises até hoje. O
medicamento foi adulterado com cianeto, matando sete pessoas nos Estados Unidos. Apesar
do grave problema, a imagem da Johnson & Johnson não foi afetada.
Birch (apud LUZ, 1993, p.9-12) diz que o modo como a crise foi administrada pela empresa é
considerado um modelo a ser seguido. A diretoria assumiu a responsabilidade, auxiliou as
pessoas afetadas e não sonegou informações à imprensa, pelo contrário, tratou-a como
parceira na divulgação dos fatos.
" Recolheu todo o estoque do medicamento dos hospitais, farmácias e demais pontos de
venda.
" Deu subsídio aos hospitais caso algum caso de envenenamento fosse registrado.
" Ofereceu aos consumidores a opção de trocar o medicamento em cápsulas que tivessem em
casa pela versão em tabletes, que não podia sofrer sabotagem.
" Ofereceu prêmio em dinheiro a quem pudesse dar informações sobre o adulterador
Resultados: as explicações dadas pela empresa sobre o ocorrido foram bem aceitas pela
imprensa. "Comprovando a confiança que a Johnson & Johnson merecia, o setor de Relações
Públicas da empresa catalogou mais de 125 mil recortes de jornais, com notícias sobre o caso
Tylenol, todos eles favoráveis" (MORAES, s.d.).
Moraes lembra ainda que, na época do ocorrido, o Tylenol em versão cápsulas abastecia 35%
do mercado norte-americano de analgésicos vendidos em balcão. As vendas representavam
US$ 450 milhões por ano e 15% dos lucros da Johnson & Johnson. Foram recolhidos 31
milhões de unidades, um prejuízo de US$ 50 milhões.
O caso TAM
Na manhã do dia 31 de outubro de 1996 uma pane elétrica derrubou um avião Fokker-100 da
TAM segundos depois de decolar do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A aeronave caiu
a dois quilômetros de distância da cabeceira da pista, atingindo 20 casas. O acidente resultou
na morte de 99 pessoas, sendo 90 passageiros, sete tripulantes e duas pessoas que estavam
em terra (FALCO, 2003, p.35-68).
" Disponibilizou todas as linhas telefônicas da empresa, que geralmente recebiam reclamações
e sugestões, para atender as famílias das vítimas.
" Alugou um hotel próximo ao aeroporto para acomodar as famílias das vítimas, que receberam
também suporte emocional da companhia.
" Apurou rapidamente as causas do acidente: o problema foi detectado uma semana depois e o
resultado oficial, publicado um mês depois do acidente.
" A TAM não divulgou a lista com os nomes das vítimas, sem antes informar e confortar todos
os familiares.
" Para conter os boatos, a empresa divulgou boletins oficiais a cada 12 horas, mesmo que
tivesse que repetir 100% o conteúdo do anterior.
" Apesar de toda a assistência oferecida pela TAM às famílias das vítimas, algumas ainda
brigam na justiça por uma indenização maior.
Referências Bibliográficas
BREITINGER, Jacqueline. A arte de apagar incêndios. Exame. São Paulo, v.32, nº 15, p. 118-
119, julho 1998. O texto, acessado em maio de 2005, está disponível em:
http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/relacoespublicas/administracaodecrises/
0120.htm.
CALDINI, Alexandre. Como gerenciar a crise. Exame. São Paulo, v.34, nº2, p.116-18, janeiro
2000. O texto, acessdado em maio de 2005, está disponível em:
http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/relacoespublicas/administracaodecrises/
0087.htm.
CORREA, Cristiane. Para sair do pesadelo. Exame. São Paulo, v. 35, nº7, p.44-45, abril de
2001. O texto, acessado em maio de 2005, está disponível em:
http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/relacoespublicas/administracaodecrises/
0116.htm.
FALCO, Luiz Eduardo. Vencendo a turbulência. In: ROSA, Mário. A era do Escândalo - Lições,
relatos e bastidores de quem vivenciou as grandes crises de imagem. São Paulo, Geração,
2003, p.35-68.
FORNI, João José. Comunicação em tempo de crise. In: DUARTE, Jorge. Assessoria de
imprensa e relacionamento com a mídia - Teoria e técnica. 2a. ed. São Paulo, Atlas, 2003,
p.363-388.
LUZ, Cynthia M. Como sobreviver na crise sem crise. Propaganda. São Paulo, nº 486, p.9-12,
agosto de 1993. O texto, acessado em maio de 2005, está disponível em:
http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/relacoespublicas/administracaodecrises/
0088.htm.
ROSA, Mário. A Síndrome de Aquiles - Como lidar com as crises de imagem. São Paulo,
Editora Gente, 2001.
TORQUATO, Gaudêncio. A tragédia de Bhopal. Revista ADM. São Paulo, p. 12, fevereiro de
1985. O texto, acessado em maio de 2005, está disponível em:
http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/relacoespublicas/administracaodecrises/
0041.htm
Crises Empresariais
Prevenção, Administração e Recuperação Por: Waltemir de Melo
Sempre que possível procuramos fazer uma distinção conceitual entre o trabalho do comunicador e do advogado nos processos de administração de
crises. Enquanto os comunicadores fazem uma corrida de obstáculo de 100 metros, os advogados praticam uma corrida de fundo de 10.000 metros.
Enquanto este procura garantir, a qualquer custo, a vitória da organização em uma demanda jurídica, os comunicadores trabalham para manter a
harmonia dos relacionamentos das organizações com seus públicos preferenciais. Seu objetivo, nos momentos de crise, é garantir o menor dano à
imagem da empresa, evitando que aspectos negativos possam ferir seus principais quesitos de sobrevivência que são a credibilidade, a reputação e a
confiabilidade.
Esta conduta dos comunicadores nos processos de administração de crises coloca em dúvida a posição assumida por muitas organizações quanto à
suficiência do cumprimento dos procedimentos legais quando se deseja trabalhar preventivamente para evitar ou reduzir os impactos das crises
empresariais.
Certamente, o mínimo que se espera de qualquer organização é que ela cumpra todos os procedimentos legais de sua esfera de negócio. Contudo,
com a ampliação da vulnerabilidade das empresas registradas nos últimos anos, isto já não basta. A própria legislação, particularmente a ambiental, já
não dá esta garantia. A Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, de número 6938-81, estabelece que mesmo cumprindo os standards da utilização
de produtos nocivos ao meio ambiente, caso haja poluição, a empresa será responsabilizada civil e criminalmente, juntamente com seus gestores.
Os exemplos de que não basta apenas "andar na linha" têm aparecido com frequência. Um deles, que aconteceu no início de 2.003, foi o caso do
Grupo Saint-Gobain, o sócio majoritário da Eterbrás Tecnologia Industrial, "joint-venture" entre a Brasilit e a Eternit, para a produção de caixas d'água
e telhas de fibrocimento.
Com a proibição na Europa da utilização de amianto, produto altamente cancerígeno, o Grupo Saint-Gobain deu início à substituição desta matéria-
prima por outras, descontinuando fábricas em várias partes do país. Uma delas, localizada em um terreno de 300 mil m2, em Senador Camará, Zona
Oeste da cidade do Rio de Janeiro, teve sua produção paralisada em 1.992. Em 2.000, a empresa desenvolveu um projeto de manuseio dos resíduos
industriais, tendo contratado para isto a ERM Alpha, empresa de reconhecida reputação internacional.
Este projeto, aprovado pela Feema (Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente), consistiu na preparação de um aterro que ocupava 21 mil
m2 para armazenamento daqueles resíduos industriais. Uma vez terminado o trabalho, a área foi coberta, ajardinada e protegida por seguranças da
empresa. Tudo perfeito. Tudo atendendo a boa técnica. E tudo ficaria assim, como acontece em outras unidades da empresa, caso não ocorresse um
desencontro entre as autoridades municipais do Rio de Janeiro.
Com exceção da área do aterro de 21 mil m2, o terreno fora desapropriado pela prefeitura carioca para a construção de uma área de lazer. Contudo,
não se sabe porque, a atual administração resolveu desapropriar toda a área. Denúncias anônimas levaram policiais da DPMA (Delegacia de
Proteção ao Meio Ambiente) a fiscalizar o local. Tudo o que aconteceu depois demonstrou o despreparo da empresa em lidar com um problema que
era de seu domínio desde 1.992. O primeiro erro foi cometido pelos seguranças da empresa que não quiseram permitir o acesso dos policiais do
DPMA ao local. Eles foram algemados e imediatamente detidos. O segundo foi marcado pelo estado de surpresa do gerente da empresa responsável
pelo local. Sem saber o que fazer, foi filmado pedindo instruções pelo telefone celular. Deu entrevista para a TV demonstrando absoluta surpresa com
tudo o que estava acontecendo. Se não bastasse "atacou a Feema", como disse uma jornalista, para se defender, sem apresentar qualquer prova que
sustentasse sua correta argumentação.
Informações internas dão conta que a empresa somente conseguiu reagir ao fato organizadamente muito tempo depois quando encaminhou um
"press-release" às redações dos jornais do Rio de Janeiro. Esta ação, contudo, não teve a força suficiente para evitar manchetes como: "Terreno tem
60 mil toneladas de lixo tóxico" - O Globo, "Terreno tem material tóxico e cancerígeno" - Folha de São Paulo e "Amianto é achado na Zona Oeste -
Denúncia levou a material tóxico" - Jornal do Brasil.
Se tudo foi feito corretamente, seguindo as normas da legislação ambiental, porque tudo aconteceu como se a empresa fosse uma vilã?
As respostas estão em qualquer manual de crises minimamente bem preparado. A empresa não levou em conta que um passivo ambiental, mesmo
solucionado é como um esqueleto no armário. Um dia ele vai aparecer. Também não considerou que quem tem ou teve um passivo ambiental sempre
terá que responder por ele ou poderá ser refém de alguém se não tiver uma boa resposta corretamente elaborada e ensaiada. E, por fim, não avaliou
e não simulou, dentro de um cenário crítico, quais os problemas que poderia enfrentar junto aos seus públicos preferenciais caso o seu passivo
ambiental ultrapassasse as fronteiras de seus domínios. Ou seja, não previu e não preparou seus porta-vozes e outros profissionais, inclusive os de
comunicação e seus seguranças, para enfrentar uma crise junto a alguns de seus públicos preferenciais (imprensa, autoridades ambientais e
comunidade) de onde, certamente, partiu a denúncia.
Assim, com este exemplo esperamos mais uma vez ter contribuído para alertar que a administração de crises não é um evento, é um processo (tem
começo, meio e fim) que exige preparação prévia. Finalmente, é importante ressaltar, que muitas crises têm origem em pressupostos errados ou no
tratamento com displicência de assuntos graves que se supõe ter controle absoluto. Apenas seguir as recomendações legais, principalmente nos
casos dos passivos ambientais, é como se instalar ou criar uma zona de conforto sobre um vulcão. Certamente, um dia ele entrará em erupção
Alexandre Caldini
Jornalista
São duas e meia da manhã. Você é acordado pelo chefe de segurança de sua empresa. Uma
caldeira explodiu. Cinco mortos e dois feridos. A imprensa já está na porta da fábrica. Você está
preparado para enfrentar a opinião pública e os repórteres? Um problema, por mais grave que
seja, enquanto é interno à organização é apenas um problema. Quando atravessa os portões e
escandaliza, quando chega à imprensa e ao público, torna-se uma crise.
Uma crise não necessita de um fato. Pode se iniciar com um boato. No primeiro estágio da
crise, acontece a simplificação do boato. Uma grande história é resumida.
No segundo estágio, ocorre o exagero. Os detalhes mais agudos são aumentados e a história
ganha em dramaticidade. No terceiro estágio, a opinião pública interpreta o boato de acordo
com sua visão de mundo, com seus valores. Nesse momento, se não se gerenciou a crise os
efeitos podem ser devastadores.
Lembra-se do caso da suposta cocaína nas balas Van Melle? E de Waldemar, você se lembra?
O primo do cunhado do vizinho de meu amigo, que caiu e se dissolveu num tanque da Coca-
Cola? E das minhocas usadas para adicionar valor protéico aos Big Macs? E da empresa do
diabo? Sim, todo mundo sabe que ele dirige e imprime sua marca pessoal nos produtos da
Procter & Gamble. Esses são apenas alguns dos milhares de exemplos possíveis de como um
rumor alcança a proporção de uma crise.
Normalmente, não estamos preparados para gerenciar a crise, pois nunca acreditamos que
uma situação dessas irá nos atingir. Você tem um plano para gerenciamento de crise
desenhado para sua empresa?
O QUE FAZER
Algumas dicas para não ficar perdido quando a crise já está no portão de sua empresa.
Calma. Prepare-se
Não saia falando sem saber de fato o que aconteceu. Declare à imprensa que você irá se
informar e voltará a falar. E volte.
Não tema. Fale.
Se você não falar, alguém – o bombeiro, o faxineiro, a dona Maria – vai falar por você, só que
não necessariamente a verdade.
Mentir, jamais.
A mentira tem mesmo pernas curtas. E, quando alguém descobrir que você está mentindo, um
dos últimos e o mais precioso recurso que lhe resta, a boa vontade da opinião pública, estará
perdido. Daí para frente, nada mais importa: você será o culpado.
Assegure-se de estar sendo compreendido
Tudo é um problema de comunicação. Será que os jornalistas e a opinião pública estão de fato
entendendo e aceitando o que você está falando? Cuidado com termos técnicos e evasivos.
Não especule. Não brinque. Não subestime.
Via dar a impressão de que você é arrogante e age de má-fé.
Jamais diga "sem comentários" ou "nada a declarar".
Essas frases, antipáticas, dão a impressão de que você tem algo a esconder. São usadas por
gente como políticos do narcotráfico e juízes corruptos. Nesse momento, tudo o que você não
quer é ser associado a este tipo de figura.
Trate de ser identificado como crível, honesto.
A imagem e a credibilidade, no momento de crise, são decisivos. O que vale é aquele dito
popular sobre a mulher de César: não basta ser honesto, você tem de parecer honesto.
E ainda:
Monte um comitê para gerenciar a crise e sua comunicação.
Prepare press-releases, depoimentos, listas de perguntas e respostas, testemunhas favoráveis
etc.
Agende entrevistas e atenda bem a imprensa.
Publique um anúncio explicando a posição da empresa.
Monitore a mídia e corrija erros.
Mantenha ativos os canais de comunicação com o governo.
Se necessário, contrate os serviços de um call center para atender o público.
Monitore a reação dos diversos públicos afetados (clientes, acionistas, fornecedores, governo,
ONGs, comunidade e público interno), e cuide de mantê-los bem informados.
O QUE NÃO FAZER
Cuidado com sua postura na condução de uma crise. Evite agir desta forma.
"Estou sendo injustiçado."
Mesmo que você tenha feito tudo na boa-fé, não se julgue perseguido pela imprensa, pelo
governo, pela associação de consumidores, pelos ambientalistas e até por sua própria mãe.
Isso não resolve. Agrava a situação.
"Não é problema meu."
Não tente se preservar. Se seu medo é perder o emprego, saiba que tocar a crise com
competência, ao contrário, pode significar ganhar uma promoção.
"Me respeite."
Por mais envolvido que você esteja, a questão não é pessoal. Menos envolvimento emocional
facilita o raciocínio equilibrado.
"Não quero incomodar meus chefes."
Não demore. Comunique a crise imediatamente a escalões mais altos. Tempo é chave.
"Foi um episódio isolado. Não vai acontecer novamente."
Não ignore sinais de alerta. Resolva problemas potencialmente graves da primeira vez, antes
de se tornarem crises.
"Isso não vai dar em nada."
Efeito avestruz não ajuda. O que você prefere: um fim horroroso ou um horror sem fim?
"Seguimos todas as normas, padrões e regulamentos da companhia."
E quem se importa com isso?
"Legalmente estamos cobertos."
Ter razão em crises não significa vencer. A questão é de imagem e não apenas de leis.
"Foi um problema menor. Não há motivo para pânico."
Não se iluda. Uma pequena rachadura num dique pode significar catástrofe.
Não negligencie seu público
Respeitados e bem informados, eles podem ser seus aliados.
Companhias como a Lufthansa, British Airways, KLM, Air France e a própria TAM no Brasil já
passaram por isso. Infelizmente chegou a vez da Gol adotar medidas para a gestão de crises
decorrentes de acidentes aéreos.
Hoje, passado mais de um mês após o acidente, podemos analisar em mais detalhes as
medidas tomadas para mitigar os prejuízos de imagem e consolar as famílias que perderam
seus entes queridos no Boeing 737-800.
No Brasil já tínhamos a triste experiência da queda do Fokker 100 da TAM em 1996 em São
Paulo. O acidente completou 10 anos essa semana e ainda hoje as famílias lutam na justiça
pelas indenizações. As conseqüências imediatas para a TAM foram nefastas. A ocupação dos
vôos caiu cerca de 70% nas semanas seguintes ao acidente e pelo menos 10% das
comissárias de bordo pediu demissão nos três meses seguintes ao acidente. Após dois meses
as ações da companhia voltaram aos patamares iniciais e o faturamento da empresa foi 20%
maior que o ano anterior. A TAM se viu forçada a acelerar o processo de devolução de seus
aviões Fokker tidos como ultrapassados. Apesar da recuperação da empresa, ainda hoje a
TAM convive com as conseqüências da tragédia e com a ação contínua do grupo de “Viúvas
da TAM” criado para defender o direito de indenização das famílias e criticar publicamente a
postura da empresa.
Fica claro, no entanto, que o acidente da Gol é diferente da tragédia da TAM. A fatalidade do
dia 29 de setembro – até onde consta nas investigações não poderia ser evitada pela
companhia – e a Gol é ainda considerada a empresa aérea com a frota mais moderna do
país. A Gol, até então, vinda sendo elogiada internacionalmente como exemplo de sucesso e
nos últimos três anos viu seu lucro saltar de 39 milhões para 158 milhões de dólares.
Além das investigações que apontarão as reais causas do acidente, pode-se dizer que a
empresa tem agido de forma madura e notável ao tratar com a crise. A Gol Linhas Aéreas
demonstrou imparcialidade e sensibilidade à altura para uma companhia em situação de
crise. No meio aeronáutico, costuma-se dizer que existem apenas dois tipos de companhias
aéreas: as que tiveram acidentes aéreos e as que ainda vão ter.
Apesar da aflição e indignação dos parentes e amigos das vítimas, sobretudo nas horas
imediatamente posteriores ao desaparecimento, a Gol trabalhou corretamente ao tomar
todas as precauções com a verificação da lista de ocupantes e só então, tratar da notificação
de parentes. Só depois dessas medidas é que a Gol tratou de comunicar oficialmente à
imprensa o ocorrido. Desde então, a companhia colocou sistematicamente boletins que
informavam maiores detalhes sobre o acidente. O tom das mensagens oficiais foi adequado e
sensível à dor das centenas de pessoas envolvidas.
Como forma de mitigar os impactos da tragédia, a Gol tem se reunido com parentes das
vítimas e feito todos os esforços possíveis para minimizar a dor e o infortúnio. Por exemplo,
atendeu um pedido dos parentes de arcar com planos de saúde dos dependentes dos
passageiros do vôo 1907. Arcou com todos os custos de transporte, alimentação, despesas
de traslado das vítimas e seus parentes, bem como de suas cerimônias de sepultamento.
A atuação da Gol foi coroada com dois outros fatos simbólicos que mostraram o grau de
envolvimento da companhia na gestão da tragédia. O primeiro foi o emocionante minuto de
silêncio às 17h00 da quinta-feira, dia 5/10, nos aeroportos onde a empresa opera. Os mais
de 7.000 colaboradores da companhia pararam por um minuto e deram as mãos em
homenagem às vítimas, inclusive seus 6 tripulantes no vôo 1907, chamados de “heróis” pela
companhia em comunicado oficial.