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REDE DE INTRIGAS

(A Handful of Promises)
Jeanne Savery

Julia n° 1490

Inglaterra, 1860

Rara e preciosa paixão...

Isabel Marchand tem vários motivos para querer se casar com Jeremy Quinn, o
marquês de Pearl, e um deles é obter a custódia de seus sobrinhos órfãos. Não
importa que Jeremy tenha passado os últimos dois anos num presídio e que não tenha
respondido às suas cartas. O que importa é a confiança que ela anseia por conquistar
e o amor apaixonado que sempre sentiu por aquele homem e que deseja partilhar com
ele...
Assim que é libertado, Jeremy é informado de que há uma mulher à sua espera, para
desposá-lo, e fica intrigado ao se deparar com a ex-noiva. Por que Isabel quer se casar
com ele agora? Jeremy não tem resposta para essa pergunta, assim como não tem
idéia de quem arquitetou o esquema cruel que resultou em sua prisão. Apesar disso, é
difícil pensar em vingança quando tudo o que ele deseja são os doces beijos de
Isabel...

Disponibilizado por Rosangela Digitalização/Revisão: Nelma


Jeanne Savery morou na Grã Bretanha com seu marido, um professor americano de
política inglesa. Seu primeiro livro foi publicado em 1991 e desde então já publicou mais
de doze histórias. Jeanne se preocupa muito com os fatos descritos em seus romances e
por este motivo é cliente vip das bibliotecas da cidade onde mora. Tudo isso para
transmitir as suas leitoras, fatos e datas reais.

Querida leitora.
Vítima de uma conspiração, Jeremy Quinn é levado preso, deixando para trás sua noiva, Isabel
Marchand, e uma vida de felicidade.
Libertado anos depois, Jeremy está determinado a trilhar caminhos desconhecidos para
descobrir o responsável por sua prisão e a reencontrar seu grande amor.
Acompanhe a trajetória de Jeremy e Isabel nesta envolvente rede de intrigas!

Leonice Pomponio
Editora

Copyright © 1992 by Jeanne Savery Casstevens


Originalmente publicado em 1992 pela Kensington Publishing Corp.
PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP.
NY.NY-USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Proibida a reprodução, total ou parcial, desta publicação, seja qual for o meio, eletrônico ou mecânico, sem a permissão expressa
da Editora Nova Cultural Ltda.

TÍTULO ORIGINAL: A Handful of Promises

EDITORA
Leonice Pomponio

ASSISTENTE EDITORIAL
Patrícia Chaves Silvia Moreira

EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: Dorothy Sobhie
Revisão: Miriam Rachel Ansarah

ARTE
Mônica Maldonado

ILUSTRAÇÃO
Thomas Schlück

MARKETING/COMERCIAL
Silvia Campos

PRODUÇÃO GRÁFICA
Sônia Sassi

PAGINAÇÃO Dany Editora Ltda.

© 2008 Editora Nova Cultural Ltda.


Rua Paes Leme, 524 - 10- andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP
www.novacultural.com.br

Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley


Capítulo I

7 de março de 1860, Prisão de Marshalsea, Southwark, Inglaterra

O distinto som de chaves perturbou o silêncio como uma música tortuosa,


escarnecendo do homem trancado em uma cela da prisão. Em seguida, foram os passos
do guarda da noite descendo a escada de pedra e se aproximando.
Na estreita cama, Quinn ergueu a cabeça, curioso. Quase nada trazia o velho
Dickey até o interior da cadeia durante seu turno, depois que a sopa de aveia já tivesse
sido distribuída. Provavelmente, Dickey trazia outro infeliz para ocupar a cela vazia.
Passaria por Quinn com o novo prisioneiro, que também apodreceria naquela fétida
clausura.
Com esse pensamento, a amargura cresceu no peito de Quinn, sentimento familiar
demais, que ele desdenhava, mas pouco podia fazer para apaziguá-lo.
Naquele momento, o brilho de uma tocha fez com que piscasse, para afastar o
desconforto causado pela claridade, antes de fixar o olhar. Sabia ser tolice fazer aquilo.
Se fosse mais esperto, teria fechado os olhos, ignorando a comoção que o ruído
despertara. Porém, qualquer quebra na monotonia era bem-vinda. E, embora não quisesse
admitir, a esperança ainda vivia dentro dele. Como uma amante cruel.
Quem sabe, um dia, Dickey pararia na frente da sua cela, abriria a porta e o
deixaria sair para a liberdade novamente. É claro que não ocorreria naquela noite.
Prestou atenção à tocha que se aproximava cada vez mais brilhante, iluminando os
prisioneiros nas celas próximas e os tirando do habitual estupor.
— Ei, Dickey, o que está fazendo? — perguntou uma voz rouca. — Trouxe-me
uma garrafa?
— Que tal uma garota? — ouviu-se outra voz indagar, antes de irromper em uma
gargalhada.
— Calem-se, seus porcos — Dickey gritou. — Ou farei com que se arrependam de
terem aberto a boca.
Temerosos, os prisioneiros ficaram quietos e Quinn ergueu-se sobre os cotovelos.
Perscrutou entre as barras de ferro da cela na direção da luz, até que ouviu o som de outro
tipo de passos, que o fizeram lembrar-se do som das próprias botas de couro, sobre o piso
desgastado.
— Está longe? — perguntou uma voz modulada.
Quinn sentou-se, cada nervo de seu corpo em alerta.
— Ele está logo ali, milorde — foi a resposta de Dickey.
— Como pode saber? Este lugar é tão escuro. E o fedor...
— Winston? — Quinn questionou, mal podendo acreditar ser a voz de seu velho
amigo Winston Hill.
— Deus do céu, Jeremy. Onde está?
— Aqui está ele — Dickey falou e ergueu a tocha para iluminar a cela de Quinn.
O súbito calor e o rosto de Winston fizeram com que o rapaz respirasse fundo.
— Jeremy?
Com cautela, Quinn esticou as pernas para fora da cama, pôs as mãos sobre as
coxas e levantou-se. Certamente, estava sonhando. O rosto de Winston ia desaparecer e
Quinn despertaria na cela úmida que era seu lar, nos últimos dois anos.
— Deus do céu! — Winston exclamou. — O que fizeram com o senhor?
Quinn fitou o homem mais velho e viu os olhos úmidos de lágrimas, antes que
piscasse rapidamente.
— Paguei para que cuidassem de lorde Kendrick — Winston ralhou com o guarda.
— Sim — Dickey resmungou. — E ele tem uma cela só para ele, comida extra e
uma cama de verdade. Até uma cerveja de vez em quando, não é mesmo, milorde?
Winston tornou a olhar para Quinn, como se não tivesse escutado nada.
— Eu não tinha idéia...
Quinn estremeceu e fechou os punhos para controlar-se.
— O que está fazendo aqui? — perguntou, em um tom de voz mais frio do que as
paredes de pedra.
Em todo o tempo em que estivera encarcerado, Winston nunca o havia visitado.
Ninguém o visitara. E, embora necessitasse de companhia, a monotonia era preferível a
uma visita, naquele momento. Principalmente de uma pessoa que considerava um traidor.
Não tinha força para enfrentar tal tormento.
Em vez de responder à pergunta de Quinn, Winston olhou para ele e logo em
seguida para Dickey.
— Abra a porta! — gritou, a tocha revelando suas feições severas. — Vou levá-lo
para casa, rapaz — Winston informou.
Houve um silêncio profundo.
Quinn olhou para Winston, tentando entender o que estava acontecendo. Os
homens nas outras celas se puseram a murmurar. O som de pingos de água caindo no solo
da prisão parecia, aos ouvidos de Quinn, monstruosos sinos tocando. Sem se mover,
percebeu que prendia a respiração. Devagar, olhou para Dickey, para se certificar de que
ele ia obedecer à ordem de Winston.
Decerto aquele tinha sido o último gracejo do pai. O maldito, do outro mundo,
ainda conspirava contra ele para que sofresse mais.
Logo, Dickey diria:
Desculpe, é mais um gracejo do velho marquês. Estamos indo embora. E levaria
Winston para a escada novamente.
Para surpresa de Quinn, o carcereiro resmungou alguma coisa, enfiou a chave na
fechadura da cela e a girou.
Quinn deu um passo para trás quando a grade foi aberta.
— Vamos sair deste buraco imundo — Winston disse, enojado.
Quinn continuou imóvel. Devia ser uma cilada. Se desse um passo, a porta se
fecharia e Dickey e Winston cairiam na risada.
Passado um momento, Winston olhou para ele, com curiosidade.
— Quinn?
O rapaz continuava desconfiado. Winston o tinha abandonado. Seu irmão, John,
também. Isabel... Deus do céu, até Isabel o abandonara. O pai de Quinn havia tramado
tudo muito bem. Como podia acreditar que Winston o viera resgatar naquele momento?
— Jeremy Quinn? — Winston olhava para ele, irritado. — Vou levá-lo de volta à
sua casa.
O homem parecia mais velho do que se lembrava, os cabelos sobre as têmporas, a
barba e o bigode grisalhos, mas ainda se mostrava impecavelmente vestido e mantinha o
porte digno que Quinn conhecera anos atrás, quando procurava as respostas que
despertariam a ira do seu pai.
— O que quer dizer tudo isso? — Jeremy perguntou, com cinismo.
— Como assim? — Winston murmurou. — Já não sofreu o suficiente, rapaz?
Prefere permanecer neste lugar horrível por mais tempo?
— Está dizendo que serei libertado? — Jeremy notou o tom esperançoso da
própria voz e aquilo o irritou.
— Sim, meu rapaz. É hora de ir para casa.
Um entorpecimento tomou conta de Quinn, sensação de que até gostava. Era um
sentimento que o mantinha distante da traição do pai e da esperança de ser livre de novo.
Olhou ao redor da cela, a jarra sobre a mesinha raquítica, a cama estreita coberta por um
único cobertor, a pilha de livros aos pés da cama.
— Parece que é chegada a hora de nos deixar, velho companheiro — disse
alguém.
Quinn olhou para lorde Marrow, de pé, atrás das grades da própria cela. Era o filho
mais velho do conde de Pentrel e havia sido preso por dívidas de jogo. Não passava de
uma jovem alma impenitente. Quinn conversara muito com ele e o tinha escutado se
lamentar da boa vida que perdera e que amava tanto.
Jeremy Quinn, visconde Kendrick, renegado marquês de Pearl, não tinha tal vida
para onde retornar. A família e o futuro haviam sido arrancados dele no dia em que o pai
o ameaçara com a prisão, se não lhe obedecesse.
— Jeremy — Winston deu um passo à frente e estendeu a mão —, sei que está em
choque, mas é verdade. Vai para casa, rapaz. Pegue o que quiser e vamos sair deste lugar.
Quinn tentou se livrar do torpor, decidindo que seria melhor ouvir as palavras de
Winston e ir embora daquele ambiente fétido. Deu um passo e, sem olhar para trás, saiu
da cela. Tampouco olhou para ver se era seguido por Dickey e por Winston. Subiu a
escada em espiral, a umidade diminuindo, como também o mau cheiro e as vozes dos
outros prisioneiros pedindo ajuda para sair dali.
Não teve certeza se aqueles gritos iam enfraquecendo devido à distância que ia se
impondo ou à determinação de calá-los para sempre. Isso agora não importava mais.
Quando atingiu o andar principal, parou por tempo suficiente para ouvir Dickey
ofegando atrás dele.
— Espere. — O guarda tentava respirar. — Ande mais devagar ou os outros
guardas pensarão que está tentando fugir.
Com cautela, Quinn olhou para Winston, que, também ofegante, apoiava a mão na
parede de pedra. Mas Quinn não queria esperar. Dickey passou por ele e continuaram no
corredor iluminado por tochas. Logo adiante, havia dois guardas junto a uma pesada
porta de madeira. Eles questionariam Dickey?, Quinn pensou, tenso. Mas os guardas
apenas destrancaram a porta e a abriram. Ao atravessar para o outro lado, Quinn, atrás de
Dickey e na frente de Winston, olhou para os dois guardas, para se certificar de que não
iam atacá-lo.
Sentiu uma fisgada no estômago e o coração disparou quando viu as portas duplas
à frente e as janelas com grades que deixavam passar a claridade do sol. Havia mais dois
guardas diante das portas duplas. Mais duas ameaças. O corredor se alargava, e Quinn
sabia que aquelas portas levavam a salas reservadas, onde carrascos faziam de tudo para
tornar infernal a vida dos prisioneiros.
As mandíbulas do rapaz se contraíram ao pensar nas injustiças que ele e outros
haviam sofrido, mas manteve os olhos na porta que o levaria à liberdade. Ousava
acreditar naquilo?
De repente, Dickey parou e se virou para olhar para ele e Winston. O coração de
Quinn disparou.
— Acho que me deve alguma coisa, milorde — Dickey disse a Winston, piscando
os olhos pequenos.
— Sim — Winston resmungou, ao tirar várias moedas de ouro do bolso do paletó
e as colocar na mão do carcereiro. — Agora abra a maldita porta.
Com um sorriso no rosto manchado, Dickey deu um passo naquela direção. Os
guardas lhe endereçaram um olhar casual e abriram a porta, cujas dobradiças rangeram.
Quinn estava para sair quando outra porta se abriu à direita. Um homem surgiu,
dizendo em tom de escárnio:
— Vai nos deixar, lorde Kendrick? Espero que tenha sido bem tratado aqui. É
sempre um prazer servir a Coroa na tentativa de domesticar um dos seus lordes mais
geniosos.
— A única coisa que fazem aqui é em prol dos próprios interesses, Sarces. Estou
certo de que à Coroa ficará satisfeita ao saber como...
— Devemos ir, Quinn. — Winston pegou-o pelo braço e o fez caminhar para a
frente.
Sarces tinha as mãos apoiadas nos quadris, mas se afastou para deixá-los passar.
Logo Quinn transpôs a porta da prisão. Mal podia acreditar no que estava acontecendo.
Sentiu uma vertigem.
Quando Winston soltou um suspiro, Quinn olhou para ele, tentando manter o
equilíbrio.
— Sempre pronto para discutir, não é mesmo? — Winston disse em um tom de
reprovação. — Poderia ter arruinado todos os nossos esforços e ficado preso nesse
calabouço miserável.
Jeremy mal ouviu aquelas palavras. Em vez disso, respirou o ar da primavera,
longe do cheiro nojento de corpos sujos; apreciou a paisagem, as ruas, o céu azul e o
tépido sol que surgia. Havia apenas alguns minutos, estava na cama da cela, desiludido,
consciente das tentativas de lorde Marrow para atirá-lo em um jogo. E agora...
— Está livre — Winston afirmou. — Agradeça a Deus.
Quinn sorriu.
Winston cofiou a barba, confuso pela reação pouco entusiasmada do amigo. Então,
pigarreou.
— O cocheiro é meu primo distante. Está esperando por nós. Vamos nos afastar
daqui de uma vez?
— Aonde iremos? Acho difícil acreditar que meu irmão deseja me receber de
braços abertos na Mansão Pearl.
— Não, não. Também acho difícil. Mas fizemos um arranjo para o senhor.
— Um arranjo? Que tipo de arranjo? — Quinn apertou os olhos e retesou a
mandíbula.
Winston ignorou a expressão de Jeremy e sorriu.
— Vamos casá-lo, rapaz.

O banco da carruagem de aluguel, embora um tanto gasto, era mais confortável do


que qualquer coisa sobre a qual Quinn se sentara durante o tempo que tinha ficado
encarcerado.
O cocheiro desceu a rua e Quinn observava tudo, impassível. Quanto às emoções,
sentira ódio durante tanto tempo que mal olhou quando os muros altos da Prisão de
Marshalsea iam desaparecendo da vista. Então, pensou na declaração de Winston,
decidido a conter a ira até ouvir o que o homem tinha em mente.
— Planejou tudo, não foi? — Jeremy perguntou, afastando o olhar da janela para
fitar seu interlocutor.
— É muito simples, rapaz, posso lhe assegurar. — Winston recostou-se no banco
da carruagem, com um sorriso nos lábios.
Quinn não estava convencido. Nem apreciava a idéia de seu futuro ser manipulado
pelos outros.
— O senhor tem uma mulher ansiosa me esperando? Uma que saiba das minhas
circunstâncias? E também aceitável por mim?
— Sim. — As pontas do bigode de Winston tremeram.
Quinn não entendeu a causa do entusiasmo e virou a cabeça para novamente olhar
pela janela. A carruagem passava por um bairro repleto de lojas, com muitas pessoas
caminhando na fria tarde de primavera. A distância, ele ouviu o sino da catedral e ergueu
os olhos para admirar as construções altas. De súbito, sentiu o aroma agradável de pão,
ao passarem por uma padaria. Sua boca encheu-se de saliva e ficou ainda mais
amargurado.
O mundo continuara a rodar, enquanto sua vida tinha sido arrancada pelas pessoas
que deveriam amá-lo. E Winston era um deles.
Quinn deveria superar a raiva? O sentimento que tinha, vagarosa mas firmemente,
se apossado de sua alma? Deveria absolver Winston, agora que fora resgatado?
— Não vai acreditar, Jeremy — Winston falou, com um olhar decepcionado. — O
senhor mudou.
— Esperava que eu não tivesse mudado? — Quinn perguntou, ainda olhando para
a janela.
Com o canto do olho, viu Winston encolher os ombros.
— Eu esperava que perseverasse, rapaz, apesar das medonhas circunstâncias.
— Perseverar? — Quinn fechou os punhos para, logo em seguida, relaxar. Não
gostava de demonstrar suas emoções. — A perseverança me jogou na prisão para que eu
apodrecesse.
— Foi uma decisão do seu pai — Winston disse.
— Uma atitude que ninguém procurou retificar. Ouvi dizer que ele morreu dois
dias após eu ter sido preso. E, ainda assim, ninguém, nem meu irmão, nem minha noiva,
nem ao menos um amigo — ele ressaltou com amargura —, tentou me libertar.
Winston enrubesceu.
— Acha que a liberdade foi a única coisa que perdi na prisão?
Winston ficou em silêncio por algum tempo.
— Não. Estou certo de que tudo pelo que passou deixou marcas. Mas nunca
suspeitei de que estivesse sendo tão maltratado. Nunca suspeitei de que perderia suas
perspectivas, o desejo de viver. Perdeu também a paixão pela vida, meu rapaz?
O espírito decisivo de Quinn o tinha sustentado nos tumultuosos meses antes de o
pai, finalmente, vencer a batalha. Quinn sempre exortava Winston a não perder a
esperança, a nunca ceder diante da derrota.
De repente, Winston sorriu e esfregou as mãos, dizendo:
— Um banho, uma refeição quente e uma boa noite de sono o deixarão disposto.
Quinn pensava de outro modo. O que o afligia não ia ser lavado com água, nem
anulado por uma noite de liberdade. O rapaz ainda se ressentiu por Winston banalizar seu
sofrimento.
— Disse que vou me casar.
— É verdade. Amanhã, rapaz. Não pode se encontrar com sua noiva parecendo
um... — Fez uma pausa, um tanto embaraçado.
Quinn olhou para si próprio e viu a situação em que se encontrava. A camisa
escurecida pela sujeira, a calça manchada e as botas gastas. Passando a mão pelos
cabelos, percebeu que estavam longos e pegajosos. E não fazia a barba havia muito
tempo.
— Um condenado? — Quinn o desafiou. Queria que Winston continuasse a sentir-
se constrangido. Então acrescentou, antes que Winston pudesse responder: — E se eu não
concordar com esse plano de casamento?
— Mas assentirá. — Winston arregalou os olhos. — Tem que concordar.
— Por quê? Serei forçado a voltar a Marshalsea se não o aceitar?
— Sim. — Winston piscou.
A resposta desequilibrou Quinn, embora o chocalhar da carruagem servisse para
disfarçar a reação. Balançou a cabeça para clarear os pensamentos, encostando-se no
banco, a fim de conter o pânico. Agora que estava fora de Marshalsea, só voltaria para lá
de um jeito: morto. E, apesar de tudo, ainda não estava preparado para morrer. Mesmo a
idéia de se casar com uma estranha era mais atraente. Ela devia ter algum problema ou
defeito para também se casar com um desconhecido. Talvez fosse uma matrona de
quarenta ou cinqüenta anos de idade, que se sujeitaria a se casar com qualquer um que
tivesse uma linhagem nobre. Ou, de repente, achava que era uma sorte muito grande se
casar com o filho de um poderoso marquês.
Se a liberdade de Jeremy dependesse de um casamento...
— Vamos discutir isso mais tarde, está bem? — Winston propôs. — Conseguimos
sua liberdade e vamos conservá-la. Tenho certeza disso. Esta noite ficaremos na minha
casa. Depois que o senhor relaxar com um fino conhaque francês, explicarei nosso plano
e contarei a respeito de sua futura esposa.
Quinn olhou para a janela, considerando os fatos. A única esposa que ele queria ter
era Isabel. Ainda saboreava na memória o dia em que haviam se conhecido. Naquela
ocasião, com apenas quinze anos de idade, ela logo concordara com a união que os pais
de ambos tinham proposto. Isabel era um ano mais nova do que ele que, de imediato, fora
arrebatado pela graça e a beleza da garota. Mesmo jovem como era, Quinn tinha decidido
que a queria para sempre.
Nos anos que se seguiram, Jeremy a vira em ocasiões especiais. E, quando ela
completou dezoito anos, o namoro dos dois se formalizou. Eles se casariam no dia que
ela atingisse a maioridade.
Quinn esperava ansiosamente pelo casamento, desejando que os meses passassem
rápido. Mas, então, o pai e ele iniciaram a batalha. O marquês exigiu que Quinn
transferisse a atenção das obras de caridade para os negócios que herdaria. Diante da
recusa do filho, os planos para o casamento foram suspensos, com a ameaça de que
continuaria assim, até que o rapaz recobrasse o juízo.
Quinn não podia, em sã consciência, suspender a sopa dos pobres. Nem
interromper a obra de caridade que iniciara em memória da criança por cuja morte ele se
sentia responsável.
Desse modo, a guerra foi fomentada. O marquês cortou as verbas, deixando as
obras de caridade sem fundos para honrar os débitos. Além disso, o marquês fez com que
os credores apertassem Quinn para que pagasse as dívidas, e Jeremy acabou sendo
processado. No final do julgamento, a corte da rainha não teve alternativa, a não ser
enviá-lo para a prisão.
Como não recebera nenhuma carta de Isabel, Quinn acreditava que, a essa altura,
ela estaria casada com outro. O pensamento lhe provocou a ira. Sentia-se na carruagem
como se ainda estivesse na prisão. Respirou fundo e olhou pela janela, observando uma
carroça carregada de maçãs. A boca encheu-se de água mais uma vez só de pensar no
gosto da fruta. Seu estômago doeu.
— Estamos chegando — Winston informou. — Mudei-me depois da sua prisão
para perto da Cozinha de Rachel.
Aquelas palavras despertaram a atenção de Quinn, embora lutasse para não se
interessar por nada.
— Levamos algum tempo, mas conseguimos tocar a obra. Pensou que iríamos
desistir? Ah, a Cozinha prospera, rapaz. Ficará surpreso. Alguns se recusaram a continuar
fazendo doações, depois que o senhor se foi. Outros doaram ainda mais. — O homem
mais velho suspirou. — Não acredita em mim?
Quinn gostaria de assegurar a Winston que continuava a se preocupar com a
Cozinha de Rachel e com os pobres que assistia. Mas não podia. Sua ira o tornara
indiferente a tudo; tinha matado o que havia de bom nele, antes de ser encarcerado.
Ficara surpreso por Winston ter dado continuidade ao seu trabalho. Nada mais.
Outra coisa que a raiva havia lhe ensinado fora nunca adiar nada importante.
— Verei a mulher que será minha esposa, agora — Quinn afirmou. — Exatamente
como estou.
Isabel Marchand levantou-se da cadeira atrás da pequena escrivaninha ao ouvir
uma carruagem parar. Não era incomum acontecer isso, não naquela rua de residências
elegantes. Mas a jovem tinha um estranho pressentimento. Parecia que o veículo havia
parado à porta de sua residência. Aquilo tampouco era incomum, mas, naquele dia, em
particular, o mundo de Isabel se desequilibrara enquanto aguardava ouvir de Winston Hill
que tudo tinha corrido bem.
Esperava ter recebido um bilhete dele mais de uma hora atrás e começava a
acreditar que, de novo, a estratégia deles havia falhado.
Não. Nada podia dar errado. Não dessa vez.
Pressentiu que alguma coisa acontecera ao afastar a cortina da janela e ver
Winston descer rapidamente da carruagem. Uma máscara de preocupação tomou conta do
rosto de Isabel, geralmente alegre.
Ela largou a cortina e correu para fora do quarto. No momento em que atingiu o
final da escada espiralada, que levava ao andar inferior, Benns abria a porta para que
Winston entrasse.
— Sir Winston? — Isabel disse, passando a mão pela saia azul-clara. — O que
aconteceu?
— Bem, milady — Winston começou. — Nosso Jeremy não foi cuidado como
pensávamos. — Pigarreou. — Não obstante, posso dizer que fomos bem-sucedidos,
apesar de seu noivo...
— Vim fazer uma visita. — Quinn entrou atrás de Winston, o olhar arrogante e o
tom de voz impertinente.
Isabel não pôde deixar de estremecer ao vê-lo. Se o encontrasse na rua, jamais o
teria reconhecido. Estava sujo, imundo. Mas o pior era a raiva e o sarcasmo visíveis no
seu olhar. Quinn olhava para Isabel como se ela fosse a responsável pelo que lhe havia
acontecido.
Então, a expressão dele se suavizou, como se finalmente a tivesse enxergado.
— Isabel? — Quinn perguntou, surpreso.
— Ele insistiu em encontrar a noiva, agora — Winston explicou. — Tentei adiar...
Desculpe-me.
Os olhos de Jeremy não se afastavam do rosto da jovem.
— É a minha noiva? — A voz de barítono não era nem um pouco condescendente.
— Se tivesse confiado em mim, rapaz. Se tivesse esperado até de manhã... Eu
sabia que gostaria, quando descobrisse.
Os olhos de Jeremy examinavam Isabel. Mas, antes que ela pudesse responder,
ouviu-se um grito de criança atrás dela. Um momento depois, Max apareceu, esfregando
os olhinhos e balbuciando.
— Mamãe...
Isabel se virou e pegou o garoto no colo.
— Você deveria estar dormindo — ela ralhou com carinho. — Teve um pesadelo?
Max apenas apoiou a cabeça no ombro de Isabel, que lhe acariciava as costas.
— Voltarei logo — ela disse aos homens, que tinham o olhar fixo nela. — A babá
não deve ter percebido que ele despertou.
Antes que qualquer um pudesse responder, Isabel se afastou.
Fora do campo de visão, ela parou no corredor e respirou fundo. Tremia como
uma folha ao vento, e seus joelhos queriam se dobrar.
Aquele homem realmente era Jeremy? Senhor do céu, o que acontecera com ele?
As palavras de Winston martelavam em sua mente. O carcereiro não havia cuidado dele?
Todo o dinheiro que tinham dado de nada adiantara? Sentiu os olhos marejados de
lágrimas. Quantas noites, nos dois últimos anos, ela havia se preocupado com ele. E
estava certa, pôde ver.
Oh, céus, Jeremy!
Quando Max recomeçou a se lamentar, ela o beijou e o levou para o quarto. Lá
estavam Robin, de sete anos, e a srta. Griggs, a matrona babá das crianças, adormecida.
Isabel ninou Max até ter certeza de que ele adormecera e o colocou na cama. Seu coração
encheu-se de amor por ele e pelo irmão, Robin. Isso lhe deu coragem para descer a
escada e enfrentar o estranho em que Jeremy havia se transformado.
Encontrou apenas Benns no vestíbulo, e o mordomo anunciou que conduzira os
cavalheiros à sala de visitas. Isabel agradeceu e se dirigiu para lá.
Quinn se virou, quando ela entrou.
O menino havia chamado Isabel de mamãe e tinha pelo menos quatro anos de
idade. Teria Isabel o traído enquanto eram noivos?
Jeremy jamais imaginaria que sua noiva fosse Isabel. Aquela casa, na rua Curzon,
no elegante bairro de Mayfair, certamente não era dela. Nunca estivera ali antes.
Por um momento, seu coração havia fraquejado, ao vê-la. A possibilidade de
Isabel tornar-se sua esposa era muito remota para ele. Mas a criança a chamara de mãe, e
aquilo tinha dito mais do que muitas palavras. A pretensa noiva de Quinn não era uma
matrona nem uma condenada e, sim, uma mulher que precisava de um pai para seu
bastardo. Ele fora um tolo ao pensar que Isabel o tinha esperado. Porém, não seria
enganado de novo.
— Desculpem-me, cavalheiros — Isabel disse, com voz trêmula.
— Nós é que temos de nos desculpar — Winston se apressou a dizer. — Desculpe-
nos por vir sem avisar.
— Não fiz nada para ser desculpado — Quinn interrompeu, com fingida
compostura.
Devagar, caminhou até o sofá, ciente de que Isabel e Winston olhavam para ele.
Deixou-se cair ali e cruzou as pernas.
Winston parecia chocado e Isabel, confusa. Jeremy ficou satisfeito.
— Rapaz, acha que está limpo o suficiente para essa mobília? — Winston
questionou, sendo ignorado.
— Diga, Isabel, alguma vez planejou me enganar trazendo a bagagem de outro
homem para o casamento?
— Rapaz, está completamente... — Winston tentou intervir.
— O garoto a chamou de mãe — Jeremy o interrompeu.
Muito pálida, Isabel sentou-se em uma poltrona. Quinn manteve a mesma postura,
determinado a não sentir remorsos pelo que havia dito. Nem se deixar hipnotizar pela
beleza e graciosidade de Isabel. Ela era tão espetacular pessoalmente, como em suas
lembranças. Naquele dia, os cabelos escuros, quase negros, estavam puxados para trás em
um coque, mas alguns fios lhe caíam sobre o rosto. As feições pareciam mais definidas e
estava ainda mais bonita. Até a cor verde-esmeralda dos olhos e o tom rosado dos lábios
carnudos pareciam mais marcantes. As mãos bonitas o faziam pensar se as pernas eram
arredondadas e a cintura tão delgada quanto o vestido insinuava, e os seios... De súbito,
Jeremy desviou o curso dos seus pensamentos, façanha que aperfeiçoara na prisão, depois
de perceber que poderia enlouquecer, se permitisse que a mente fosse povoada com
imagens de Isabel.
— Eu teria contado a respeito de Max antes do nosso casamento.
Jeremy notou que ela juntara as mãos com graciosidade antes de apoiá-las sobre a
saia.
— Como também sobre Robin.
Quinn não ia perguntar quem era Robin, quando viu um olhar de desafio nos olhos
dela.
— Há uma explicação simples para a presença deles, milorde — Isabel
acrescentou.
— Tudo bem — Winston interrompeu, o bigode trêmulo. — Mas, no momento, o
que importa é que Jeremy foi resgatado e há um futuro pela frente. Não é certo, rapaz?
— Não sei.
Isabel levantou-se da poltrona e deu a volta nela, apoiando as mãos no encosto de
veludo.
— Meus modos a ofenderam? — Jeremy perguntou com renovado sarcasmo,
notando o constrangimento da moça. — Winston já me disse que estou mudado.
O olhar de Isabel era triste.
— Foi terrível, não foi? — ela sussurrou. — Pensei...
O olhar de Quinn endureceu. Imaginavam que ele havia participado de uma festa o
tempo todo?
— Terrível não é suficiente para descrever o inferno em que vivi.
— Mas como isso pôde acontecer?
— Realmente, Quinn — Winston interrompeu. — Está sendo severo demais com
lady Isabel.
Jeremy sorriu, sarcástico. Haviam-no abandonado e ele era severo demais? Isabel
tinha filhos sem o benefício do casamento e ele era severo demais?
— O que significa nosso enlace? — Quinn forçou-se a perguntar, em vez de
caminhar para a porta e sair dali. — Como isso se relaciona com a minha libertação?
Isabel ergueu os ombros e suspirou, arfando o peito. O rapaz sentiu um leve
perfume de lilás e o aspirou.
— Nosso casamento e a sua libertação coincidiram — Isabel respondeu.
— Veja, Jeremy, estamos tentando libertá-lo há muitos meses — Winston
acrescentou. — Cada vez que satisfazíamos as exigências do carrasco, ele as mudava,
forçando-nos a encontrar outras maneiras de tirá-lo de lá. Desta vez, por alguma razão,
não exigiu mais nada.
— Durante uma discussão com o sr. Sarces, sir Winston mencionou o fato de que
éramos noivos e que provavelmente nos casaríamos assim que você fosse libertado —
Isabel continuou.
— Isso pareceu satisfazer o carrasco. Ele então fez, do casamento, uma exigência
para soltá-lo.
— Então, para salvar meu pescoço, devo concordar com o casamento?
— Exatamente. Foi a única condição que ele impôs, desta vez.
Jeremy quase perguntou quais tinham sido as outras exigências.
— Essa condição é assim tão desagradável? — Isabel quis saber. — Pensei que...
— Que eu quisesse me casar com você? — Quinn concluiu.
Isabel ergueu os olhos para ele, confusa.
— Já quis — Quinn prosseguiu, antes que ela pudesse fazer algum comentário. —
Quando eu era o herdeiro do marquês de Pearl. O tempo passou e as coisas mudaram,
Isabel. Ou não percebeu?
Isabel torceu as mãos. Seus olhos verdes brilhavam, mas ela permaneceu muda.
— Jeremy. Devo insistir em que perceba que lady Isabel é muito sensível e o
senhor a está magoando. — Winston tentou amenizar a situação.
Quinn levantou-se do sofá e riu com sarcasmo, pondo-se a andar pela sala.
— Essa é muito boa, Winston, considerando que fui libertado da prisão depois de
dois anos e que sou obrigado a me casar com uma mulher que tem duas crianças
bastardas. Ainda assim, insiste em que eu seja educado? Temo ter que recusar seu pedido:
Parando de andar, Quinn fitou Isabel. As batidas do coração dele aceleraram. Não
podia negar que ela o perturbava. Sempre fora gentil e carinhosa. E, naquele momento,
sua beleza era um colírio para os olhos de Jeremy. Se não tivesse tido o infortúnio de
brigar com o pai, teria passado a eternidade admirando-a. Mas brigara e havia perdido.
Não existia mais amor dentro dele. Apenas ódio. Jeremy se forçou a ignorar a dor
que viu nos olhos de Isabel.
— Quer se casar comigo, hummm? — ele perguntou com rispidez.
Não era daquele modo que Isabel esperara a volta de Quinn. Ela não havia corrido
para os braços dele, nem tinha sido beijada com a promessa de nunca mais ser deixada.
Não lhe retribuíra os beijos até ficar ofegante, prometendo cuidar dele e compensá-lo por
todos os dias em que haviam ficado separados.
Aquele não era o homem que ela conhecera e amara desde a primeira vez que o
tinha visto.
Voltando a sentar-se na poltrona, Isabel tentou manter a compostura. Olhou para
Jeremy e soube que, apesar de todo o dinheiro que enviara para que fosse bem tratado na
prisão, ele havia sofrido horrores. Não poderia haver outra explicação para a
transformação que ocorrera com Quinn. E Isabel não podia lhe dar as costas. Tinha
falhado com ele.
Como Winston pudera se equivocar tanto? Ele havia lhe dito que Quinn estava a
salvo, desfrutando dos benefícios do seu título como todos os aristocratas que eram
enviados a Marshalsea por delitos menores. Quando manifestava vontade de ir à prisão
para vê-lo, Winston a persuadia, dizendo que seria impróprio. Ela enviara cartas. Quase
todos os dias. Sabia agora que a correspondência não havia sido suficiente. E que
Winston fora tão enganado quanto ela.
Por causa do erro dos dois, o jovem que Isabel tinha conhecido não mais existia.
Nem o filho que havia desafiado o pai para fazer as coisas certas, independentemente do
que lhe custaria. No seu lugar, surgira um homem cheio de amargura e ódio. E quem
poderia culpá-lo?
Isabel olhou para Quinn e piscou para clarear a visão turva pelas lágrimas.
— O tempo passou, é verdade, Jeremy, mas pensei que soubesse que, quando me
comprometi com você, anos atrás, foi para toda a vida.
— Não sou vidente, Isabel — ele resmungou. — Eu deveria me apegar a uma
promessa feita por uma adolescente, quando, durante dois anos, não recebi uma só
palavra sua?
— Nenhuma palavra? — Ela franziu o cenho. — Mas lhe escrevi regularmente.
Primeiro enviei as cartas para a Mansão Pearl, depois que meu pai comunicou que eu não
poderia me casar com você. E mais tarde para Marshalsea, quando soube da sua prisão.
Foi você que nunca respondeu às minhas correspondências.
— Escreveu para mim? Asseguro-lhe de que nunca recebi uma só linha. Não havia
nada para responder. Fui eu que lhe enviei um pedido, depois que meu pai anunciou que
não poderíamos mais nos casar. Implorei que você me desse tempo para ajeitar as coisas.
Seu silêncio foi a resposta que recebi.
— Por favor — Winston interveio, juntando as mãos como se estivesse orando. —
Estamos todos fatigados. Creio que já exigimos demais de lady Isabel. É melhor irmos
embora, Jeremy.
Quinn afastou os longos cabelos do rosto, os olhos fixos em Isabel.
— Ir embora é o melhor para mim — ele respondeu.
— Muito bem. — Winston caminhou até Isabel e lhe segurou as mãos. — Sei que
tudo isso está sendo muito angustiante para milady. Mas procure se acalmar.
Isabel levantou-se da poltrona, fazendo com que Winston se afastasse. Apesar das
boas intenções dele, percebeu, naquele momento, que não deveria tê-lo escutado. Não
podia deixar Quinn ir embora.
— Jeremy. Não quer voltar para Marshalsea, quer? — ela perguntou.
— É claro que não.
— Então se casará comigo?
Ele lhe lançou um olhar desconfiado.
— Por que deseja que eu me torne seu marido?
Isabel não ia confessar que o amava. Nem que se sentia na obrigação de
compensá-lo pelo que, involuntariamente, o fizera sofrer. Preferiu dizer outra coisa.
— Eu... Max e Robin... O avô das crianças ameaçou tirá-los de mim se eu não
providenciasse um pai para eles.
Jeremy esboçou um sorriso como se a tivesse pego mentindo. Isabel deixaria que
ele pensasse o que bem entendesse, caso servisse ao seu propósito.
— Bem, por fim, um pouco de verdade. — Jeremy fez uma pausa, como se
estivesse considerando a proposta. Então, curvou-se e acrescentou: — Já que me resignei
a casar com qualquer mulher, uma de pouca moral não faz diferença.
Isabel empalideceu.
— Quando nossa abençoada união acontecerá? — ele perguntou.
— Amanhã de manhã — ela sussurrou. — Na Igreja St. Paul, às oito. O bispo
estará nos esperando.
—Já estava tudo acertado? — Os profundos olhos azuis brilharam de raiva. —
Então, até amanhã.
— Até amanhã — Isabel respondeu, ainda com as mãos trêmulas.
Nunca houve cartas. Isabel podia lhe dizer o que quisesse. Quinn nunca
acreditaria. Não agora, que sabia o verdadeiro motivo de ela querer se casar com ele.
Max e Robin, Isabel dissera. Teria o pai dele tomado conhecimento de que Isabel os tinha
enganado? Decerto o marquês não permitiria o noivado do seu herdeiro com uma mulher
sem moral.
Olhou para a taça de conhaque francês que segurava. Winston enviara a bebida
para o aposento que Quinn ocupava. Sem dúvida, para lembrá-lo de que sua disposição
melhoraria depois de limpo e cuidado.
Mas, para que o humor de Quinn mudasse, o coração precisaria ser purificado
também, e sabia que aquilo nunca aconteceria. Especialmente depois daquele dia.
Max e Robin. Cartas imaginárias. A traição era mais potente do que o conhaque
francês. Ele tinha a alma destruída.
A despeito de Winston ter assegurado que nem Isabel nem ele o haviam
abandonado, Quinn não acreditava. Teriam que apresentar provas. E não estava disposto
a esperar por tais evidências. Depois da cerimônia do casamento, com a ameaça de
Marshalsea afastada, Quinn partiria.
Talvez fosse para a América do Norte ou a índia. Nada mais havia para ele, em
Londres.
Sem beber, pôs a taça do caro conhaque sobre uma mesa e caminhou até a janela.
Olhou para os postes iluminados da rua Essex. Winston fizera seu lar sobre a loja Boot &
Shoe, a poucos minutos da Cozinha de Rachel. Além disso, muitos dos benfeitores
moravam na vizinhança.
O apartamento era pequeno, apenas dois quartos, sala de visitas e sala de jantar
conjugadas. Mas os cômodos tinham janelas, o que satisfazia a necessidade de Quinn.
Será que um dia se veria livre da claustrofobia? Seu ódio se aprofundava quando pensava
naquilo.
— Jeremy? — alguém o chamou, batendo à porta.
— Entre.
Winston surgiu, sorrindo. Sempre fora uma pessoa jovial, um dos motivos de
Quinn tê-lo escolhido para assessorá-lo na missão de cuidar dos pobres. Winston fora
indicado por lorde Shaftesbury, um advogado das pessoas menos afortunadas. Winston
era um seguidor de Shaftesbury, e ajudou Quinn a iniciar a Cozinha.
— Está com um bom aspecto, meu rapaz.
— O que deseja? — Quinn perguntou, brusco.
— A sra. Galway preparou o jantar para nós. A comida está com um ótimo aroma.
Vamos nos servir?
Quinn gostaria de rejeitar a oferta, mas ansiava muito por uma boa refeição. Então,
aceitou.
— Aqui estão suas botas — Winston acrescentou, colocando o calçado no chão,
perto de Quinn. — O sr. Kane já estava fechando a loja, no andar de baixo, mas tirou
alguns minutos para consertar e lustrar-lhe as botas.
— Gentileza dele — Quinn resmungou, antes de calçá-las e acompanhar Winston.
Não havia corredor nem escada. Eles saíram do quarto e entraram na sala, dividida
em dois ambientes: sala de visitas de um lado com um sofá, duas poltronas e uma
modesta mesa de jantar com quatro cadeiras, do outro lado. A mesa estava posta para
duas pessoas e o alimento coberto.
— Uma prece para agradecer sua libertação — Winston disse, ao sentar-se. —
Depois pode se servir. Sem formalidades.
Fazia muito tempo que Quinn não orava. Desistira de acreditar que preces serviam
para alguma coisa. Desse modo, enquanto Winston curvava a cabeça, ele esperou em
silêncio até que o amigo terminasse.
Então, Winston se serviu de galinha, batatas, abóbora e pão com manteiga.
Quinn não precisou de encorajamento para se servir logo em seguida.
— A sra. Galway prepara a maioria das minhas refeições. Geralmente as pego no
restaurante quando volto para casa. Nunca me decepcionei.
Em silêncio, Quinn concordou. A fome era grande e a comida estava ótima. A sra.
Galway era uma excelente cozinheira.
— Ela é muito talentosa — Quinn a elogiou.
— Sim. E temos também torta de limão. — Winston descobriu outra travessa. —
Ela me pediu para lhe dar as boas-vindas.
— Boas-vindas a mim?
— A sra. Gaiway, assim como o sr. Kane, é beneficiária da Cozinha — Winston
explicou. — O estabelecimento do sr. Kane estava em ruínas e ele sempre foi sapateiro.
Então nos procurou e nós o ajudamos. Foi uma honra para o sr. Kane consertar suas
botas. A sra. Gaiway foi expulsa de casa pelo marido alcoólatra há mais de um ano. Foi
até à Cozinha, desesperada, e logo começou a nos ajudar a servir a sopa aos demais. Até
acrescentou um toque especial às receitas. E quanta diferença fez! Um dia, alguém
mencionou que ela deveria abrir o próprio restaurante. Nós a ajudamos, o
estabelecimento prosperou, e ela nos dá uma porcentagem do lucro. E uma mulher
adorável e está ansiosa para conhecê-lo.
Constrangido, Quinn levantou-se da mesa.
— Eu o verei às sete horas em ponto. Quero acabar logo com a ameaça de
Marshalsea sobre minha cabeça.
Em seguida, saiu da sala, deixando Winston com o garfo erguido e a boca aberta.

No quarto, Quinn deitou-se e esperou que os olhos se habituassem à escuridão.


Instintivamente, olhou para a janela, que ainda tinha as cortinas abertas. O céu
acinzentado da noite o saudava. Como também os sons da rua, carruagens passando, o
barulho dos cascos dos cavalos e as pessoas chamando umas às outras. Até crianças
rindo.
Quinn respirou fundo e jurou sentir o aroma de pão fresco, torta de limão e... o
perfume de lilás. Tentou adormecer.

Isabel deveria ter deixado Max na cama. Mas, depois do perturbador encontro com
Quinn, precisava do calor da criança. Aninhou-se ao corpinho do sobrinho, enquanto
tentava se acalmar.
Jeremy estava tão amargo! Estremeceu ao pensar nele, como fizera inúmeras
vezes, com ele ainda preso em uma cela úmida e escura. Winston havia lhe assegurado
que Quinn nunca seria negligenciado; como nobre, seria cuidado de forma apropriada.
Mas não fora assim. Os maiores receios de Isabel tinham se confirmado. Por que outra
razão Quinn mudara tanto? O que teria acontecido com as inúmeras cartas que havia lhe
enviado? Não tinham realmente chegado a ele?
Isabel passou a mão no rosto de Max e ouviu a respiração pausada e tranqüila,
sedado por sua inocência. Ela precisava agüentar até o dia seguinte. Casada, Robin e Max
estariam salvos, e o medo de perdê-los, afastado. Aí, teria tempo de lidar com Quinn e,
quem sabe... lhe reconquistar o coração.

O homem era impossível.


Chegara pouco depois das sete horas, tão rude como no dia anterior. Isabel havia
tentado ser educada, oferecendo-lhe chá e o generoso café da manhã da sra. Peale. Ele
recusara e tinha exigido que fossem para a igreja o quanto antes.
Com Winston erguendo os ombros, um simpático sorriso nos lábios, Isabel vestiu
um capote sobre o vestido creme que Quinn nem notara, e os precedeu na direção da
porta. Ele a ajudou a subir na carruagem; mas, depois de esperar que Winston se sentasse,
juntou-se ao amigo, no banco, em vez de ficar ao lado da noiva.
Pior exibição de suas maneiras rudes se deu na cerimônia do casamento.
Na igreja, Quinn parecia uma pedra; imóvel e sem expressão. As palavras eram
secas, a ponto de até o bispo reparar.
Isabel hesitou no momento de pronunciar seus votos. Olhou para o homem com
quem sempre sonhara: mais velho, confiante, bonito, os cabelos escuros, na altura do
pescoço, penteados cuidadosamente. No entanto, foram os profundos olhos azuis que lhe
tiraram o fôlego. Diziam muito.
Isabel sentiu-se insegura. E se Quinn tivesse a alma negra? E se não conseguisse
atingi-lo?
— Vamos logo com isso — Quinn resmungou.
— Lady Marchand. — Ela ouviu o bispo erguer a voz. — Aceita...
— Sim, sim. Aceito.
A cerimônia terminou e Quinn não se preocupou em beijar a noiva. Winston
tentou parecer alegre, cumprimentando o amigo e beijando a mão de Isabel, que
caminhou pela igreja como se estivesse envolta em um nevoeiro. O trajeto para casa foi
tenso e silencioso. Então, Winston se foi.
Isabel foi deixada com um marido que lançava, para ela, olhares frios e
interrogativos, como se perguntasse o que deveria fazer em seguida. Ela lhe deu uma
pista:
— Mostrarei a você nossos aposentos. — Começou a subir a escada, orando para
que Quinn a seguisse. — Chamaremos o alfaiate para que um novo guarda-roupa seja
providenciado. Creio que também vai querer adquirir os demais acessórios. A carruagem
da casa estará à sua disposição.
Isabel podia senti-lo atrás dela. Conduziu-o pelo corredor aos antigos aposentos da
irmã. Abriu as portas duplas e balbuciou:
— Bem, esse era... Ahn... Será...
Quinn atravessou a porta. Isabel sentiu-se sem jeito e constrangida. Mas ergueu o
queixo e o seguiu.
— Esses eram os aposentos da minha irmã e do esposo — ela falou, com voz
firme. — Agora serão nossos. Creio que você ficará confortável aqui.
Quinn continuou a andar pelo quarto de dormir, ligado ao banheiro, ao quarto de
vestir, e, em seguida, a outro quarto de dormir. A principal atração eram as camas
enormes, decoradas em azul e dourado. Havia outros itens como tapetes, cadeiras e
mesas. Cada cômodo tinha duas grandes janelas, uma dando para a rua e outra, para um
gramado bem cuidado que levava à garagem da carruagem. O quarto de vestir possuía
uma estante alta, repleta de livros, e duas confortáveis poltronas. Havia ainda armários e
uma escrivaninha de mogno esculpida.
Enquanto esperava que Quinn completasse o exame, Isabel o observava. Como
estava bonito, agora limpo e arrumado! Se ao menos pudesse acariciar as rugas profundas
que tinham se formado no meio de suas sobrancelhas espessas...
Ela se admirou ao ouvir o próprio suspiro. Caminhou até a escrivaninha e pegou
tinta e papel.
— Vou apresentá-lo aos criados antes do jantar. A sra. Peale nos espera para
completar o cardápio desta noite. Pensei que... talvez você desejasse alguma coisa
especial.
Quinn continuou parado no meio do cômodo, deixando Isabel alarmada.
— Jeremy?
Ao som do seu nome, ele se virou, emocionado. Ergueu os ombros e respirou
fundo.
Isabel deixou o papel cair ao chão.
— Conseguiu o que queria, Isabel, mas não serei uma marionete nas suas mãos.
Acha que Marshalsea me reduziu a ponto de eu aceitar qualquer migalha para me livrar
da prisão?
— Quinn... eu...
— Poupe suas palavras. Mas escute as minhas. Estamos casados para salvar nossa
pele. O que fizer agora com sua vida é problema seu e o que eu fizer com a minha é
problema meu.
— Mas não...
— Não eram esses seus planos? Casei com você para meu benefício, e não porque
manipulou os acontecimentos. Admito... — ele abriu os braços — é melhor do que ficar
encarcerado. Mas não pense que continuará a me controlar. Você tem um marido, seus
filhos estão salvos, e estou fora da prisão. Vamos deixar as coisas como estão.
Isabel fez um grande esforço para conter a raiva. Deu a volta na escrivaninha e
informou:
— Você deverá se apresentar comigo amanhã na mansão de lorde Barnabus
Ellerby.
— Sério?
— Será apresentado a ele como prova de que tenho marido.
— Mais alguma coisa?
— O conde é o avô de Robin e Max. E foi sogro de minha irmã até que ela e o
marido faleceram há três anos. Foi ele quem forçou meu casamento. Quer os herdeiros
com ele. Mas é um homem vil e traria muitos malefícios às crianças. Minha irmã...
Prometi a ela que os protegeria. Lorde Ellerby finalmente concordou em me dar a guarda
dos meninos sob a condição de eu me casar com alguém honrado.
Quinn franziu as sobrancelhas negras.
— Está me dizendo que Max e Robin não são seus filhos?
Nesse exato momento, ouviram passos e risadas de crianças no corredor. Logo em
seguida, os meninos entraram correndo, esbaforidos.
O garoto loiro que Isabel havia consolado na noite anterior tinha as faces
vermelhas pelo esforço e parou olhando da tia para Quinn. O outro menino, mais alto e
magro, tinha cabelos castanhos, que ele afastava da testa suada. Olhou para Quinn com
curiosidade, franziu o cenho e perguntou:
— Tia Isabel, esse é seu novo marido?
Ela foi até as crianças e apoiou as mãos nos ombros dos meninos.
— Milorde, apresento-lhe meus sobrinhos, Robert e Maximillian Ellerby.
Os meninos lhe fizeram uma reverência e Jeremy sentiu-se um tolo.
— Robert, Robin para nós, tem sete anos e é o herdeiro do avô. Ficaremos na casa
da cidade do conde até Robin alcançar a maioridade. Ellerby a cedeu para nós.
— Pensei...
— Max fez cinco anos na semana passada. — Isabel afagou os cabelos do menino,
sem dar atenção às palavras de Quinn. — O avô o presenteou com um pônei.
— Árabe — Max gritou. — O senhor gostaria de vê-lo?
Quinn estava tão estupefato que demorou a perceber que o menino falava com ele.
— Talvez mais tarde. Muito prazer em conhecê-los, Robin, Max. Para responder a
sua pergunta, Robin, sim, sou o... o marido de sua tia. Espero que tenham aprovado.
— Não sei — o menino mais velho respondeu prontamente. Tinha sardas no nariz
e um olhar cheio de sabedoria, que Quinn achou desconcertante. — Devo reservar minha
opinião até conhecê-lo melhor, senhor.
Quinn não pôde deixar de sorrir.
— Fala como um verdadeiro aristocrata.
Isabel fez os dois meninos olharem para ela.
— O que fizeram com a srta. Griggs?
— Estou aqui, milady.
Isabel olhou para a porta, e Quinn acompanhou o olhar da esposa.
— Eles fugiram de mim outra vez — disse a babá, sorrindo.
— Milorde... Essa é a srta. Griggs, a babá dos meninos.
— Muito prazer, srta. Griggs. — Quinn fez uma leve reverência e a matrona
corou.
— O prazer é meu, milorde — ela respondeu. — Agora vamos, meninos, é hora de
dormir um pouco.
— Ah, temos de dormir, srta. Griggs?
— Não estou cansado.
Os garotos continuaram a protestar pelo corredor, conduzidos pela babá.
Quinn sentiu o silêncio tomar conta do ambiente, enquanto Isabel continuava
parada perto da escrivaninha. Pela centésima vez naquele dia, seu coração disparou ao
olhar para ela. Estava linda. Os cabelos brilhando como seda, a pele clara. Os olhos
verdes emoldurados por cílios longos e curvos. Sim, era a mulher com quem sonhava. A
Isabel que ele conhecera e almejara tornar sua.
Ele tentava entender por que a tinha considerado imoral com tanta facilidade. Por
que não considerara alguma alternativa para o papel que as crianças teriam na vida dela?
— Max a chamou de mãe — Quinn disse alto, como se tivesse chegado a uma
conclusão.
—Ele o faz com freqüência. Duas das empregadas têm filhos pequenos e ele os
ouve chamá-las de mãe. Não entende a diferença. Tinha apenas dois anos quando minha
irmã faleceu.
— Por que não fui informado de que você estava criando seus sobrinhos?
Isabel ergueu os ombros.
— Meu pai era o guardião das crianças até que morreu, um ano atrás.
— E foi aí que lorde Ellerby tentou tirá-las de você?
Ela assentiu.
— Eu o convenci a dar-me um ano para que me casasse, depois do luto pela morte
do meu pai. O prazo se esgotou esta semana.
A brisa levou o perfume de Isabel até Jeremy, que a desejou intensamente.
Ele cruzou os braços sobre o peito. Muito tempo atrás, quando era outro homem,
teria se desculpado por ter pensado mal dela e a tomaria nos braços, pedindo-lhe perdão.
Agora, não queria correr o risco de ser magoado de novo.
— E não encontrou outro homem, Isabel? E se não tivesse conseguido minha
libertação? Ou tentou encontrar outro e fui seu último recurso?
Frustrada, ela suspirou.
— Quanto ao jantar, milorde — ela disse, sem responder à pergunta dele. — Tem
preferência ou posso decidir o cardápio do nosso casamento?
— Pode escolher — ele respondeu. — Enquanto eu permanecer aqui.
Deliberadamente, Quinn seguiu até a sala de leitura e fechou a porta, deixando
Isabel para fora.

Trancando-se no quarto, Quinn percebeu o que tinha feito. Olhou ao redor e


chegou à conclusão de que se encontrava em outra prisão. Só que dessa vez tinha o poder
de mudar as coisas, se quisesse. Poderia partir.
Ainda vestindo o colete preto e a calça branca com que Winston o presenteara
naquela manhã para o casamento, ele decidiu sair de casa para caminhar.
Uma vez do lado de fora, parou no caminho de pedra que levava à rua. Tudo ao
redor era pedra, tijolo e ferro trabalhado. Todas as casas da cidade possuíam pequenos e
belos gramados na frente.
Sentiu o perfume das flores e da grama. O cheiro da poluição ainda não se fazia
sentir. Quinn conhecia bem Londres. O rico bairro de Mayfair lhe era familiar, bem como
a maioria dos vizinhos de Isabel. Sabia também que a maior parte deles estaria na cama a
essa hora, depois de ter passado a noite na ópera e nos Jardins de Kensington.
No lado oposto da cidade, o lado dos menos afortunados, situava-se a Cozinha de
Rachel. Quinn não tinha vontade de rever os conhecidos de nenhum dos dois lados.
Desejava apenas estar ao ar livre, desfrutar dos raios solares no rosto e da capacidade de
caminhar, se assim quisesse. Na prisão, criara uma rotina de exercícios com o objetivo de
manter o corpo saudável. Mas hesitava em se afastar da casa e olhou para a janela onde
sabia ter deixado Isabel. Ela ainda estaria perto da escrivaninha, chocada com seu
comportamento? Ou apenas havia se sentado para organizar o cardápio do jantar,
ignorando-lhe os modos rudes?
Deveria voltar e pedir desculpas. Mas não conseguia. Não, sabendo que o único
motivo de ela ter se casado com ele fora dar um pai aos sobrinhos. Ainda estaria na prisão
se Isabel não precisasse dele?
Sentiu um certo desespero, que o deixou surpreso. Acreditava que seu coração
estivesse fechado e imune à aflição. Decidido, virou-se para se afastar da casa.
— Lorde Kendrick?
Quinn olhou e viu Robin parado à porta da frente.
— Pensei que estivesse dormindo — ele disse.
— Dormir a esta hora é para bebês.
— Ah, entendo... — Quinn abaixou-se um pouco. — E a srta. Griggs sabe que
você está aqui fora?
— O senhor nada dirá a ela, dirá? — Robin deu um passo na direção de Quinn. —
Eu o vi da janela do nosso quarto e pensei...
— Sim?
— É meu dever, acho eu, mostrar a residência e apresentá-lo ao pessoal.
Quinn endireitou o corpo.
— Não tem que se preocupar comigo por enquanto. Creio que conhecerei o
pessoal durante o jantar. Agora vou sair.
— Aonde vai? Não vejo a carruagem. O senhor não pode ir a pé.
— Não posso?
— Decerto que não.
— Novamente o dever? — Quinn perguntou.
Nesse momento, uma pequena parte dele queria sorrir para o menino. A outra
queria dizer que o dever precisaria começar em relação à própria pessoa.
— Tia Isabel diz que devemos ser um bom exemplo para os outros — Robin
respondeu, com orgulho.
— Verdade? Bem, gosto de caminhar e fui privado disso durante muito tempo.
Com sua licença, vou ter que deixá-lo agora.
— Quando estará de volta?
Quinn desejou gritar "talvez nunca", porém, permaneceu em silêncio, como se não
tivesse escutado o garoto. E se afastou.

Isabel suspirou, sentou-se à escrivaninha e tentou se concentrar no cardápio para a


sra. Peale, sem a ajuda de Quinn.
A ocasião exigia uma refeição festiva. Na verdade, desejava deitar-se e só acordar
quando aquele pesadelo tivesse acabado. Mas não era covarde. Não ia fugir de mais um
problema. Já sobrevivera a muitos. Apenas se sentia diferente. Mais triste. Por quê? A
morte do querido pai, depois de cuidar dele durante a doença, tinha sido difícil. Ocorrera
após a trágica morte de Katherine e antes da mãe delas. Tudo havia acontecido durante o
exílio de Quinn. Então, lorde Ellerby exigira a guarda de Robin e Max.
Entretanto, ser rejeitada por Quinn tinha sido mais devastador. Um arrepio lhe
percorreu o corpo ao lembrar-se de que aquela era sua noite de núpcias. Esperara aquela
noite durante tanto tempo. E agora...
Uma idéia surgiu em sua mente. Talvez quando Quinn e ela estivessem sozinhos...

Quinn viu lugares que tinha esquecido, desde as docas de Londres até a mais
espetacular vista da Catedral de St. James. Quando voltou à sua nova residência,
negociara seu colete por uma calça e uma camisa usadas; o cronômetro de ouro, ganho de
Winston, por um pastel de peixe. Depois de andar quilômetros e da cerveja que havia
tomado com o pastel, dormir não seria problema.
Chegou em casa agradecido ao mordomo que deixara acesa a luz sobre a porta
destrancada. Afinal de contas, era quase meia-noite.
Quinn entrou. A casa estava quieta e escura, havia apenas um candelabro aceso.
Fechou a porta e viu o mordomo à sua frente.
— Boa noite — ele disse.
— Boa noite, milorde.
— Esperava por mim?
— Ordens de milady. Agora apagarei a luz e trancarei a porta.
No andar superior, Quinn passou pela porta do quarto de Isabel e parou por um
segundo, lembrando-se do cardápio para o qual ela lhe pedira ajuda.
Tinha perdido o jantar. Isabel estaria irritada? Mas fora franco ao dizer que não o
incluísse na vida dela.
Seguiu para o próprio quarto e entrou. O fogo da lareira mantinha o aposento
aquecido e iluminado. Gostaria de saber se fora por recomendação de Isabel. Se fosse, ela
tinha mais certeza da volta dele do que ele próprio. Sentiu-se cansado e sentou-se na
beirada da cama para tirar as botas brilhantes, que não combinavam com o traje surrado.
Havia tentado negociá-las também por sapatos menos extravagantes, mas não encontrara
nada do seu tamanho.
Jogou-as sobre o tapete do quarto. Em seguida, levantou-se, tirou a camisa e
dirigiu-se ao banheiro, onde encontrou água fresca em uma bacia, sabonete, pijama e um
roupão.
Tirou a calça e esfregou a pele. Na noite passada, na casa de Winston, tinha
tomado um longo banho e, naquela manhã, antes de se vestir, tomara outro. Mas ainda
sentia como se carregasse toda a sujeira da prisão.
Estremeceu com a água fria, vestiu o roupão preto de seda e voltou ao quarto. Foi
até a lareira para se sentar ao pé do fogo, quando viu Isabel adormecida na poltrona, os
pés descalços apoiados em um banquinho; e a camisola e o roupão aberto exibiam os
tornozelos esbeltos. Ergueu a vista, a cabeça da jovem estava apoiada em um dos braços.
Quinn olhou para o rosto da esposa com atenção. Os cabelos longos estavam
presos, mas fios haviam se soltado sobre os ombros. Isabel parecia pálida e frágil. Ele foi
tomado pelo desejo de acariciar cada região desnuda do corpo dela para lhe sentir a
textura da pele. Então, ergueu-a nos braços e a carregou para a cama.
— Isabel — ele murmurou, com voz rouca.
Ela abriu os olhos e o fitou, os belos olhos verdes sombrios. Olhou ao redor e
sentou-se, apoiando os pés no chão.
— Você voltou.
— Parece que sabia que eu voltaria.
— Estava começando a duvidar.
— Eu tampouco tinha certeza.
Isabel começou a se levantar, mas ele lhe segurou o braço. Sabia que estava sendo
tolo, porém, não queria que ela se fosse. Ainda não.
— Por que me esperou?
Isabel o fitou.
— Precisa perguntar?
— Sim.
Os olhos de Isabel brilharam.
— Eu queria estar aqui quando voltasse. Para lhe dizer como é imbecil.
Quinn endireitou o corpo.
— Você decepcionou todo o pessoal esta noite.
— Não sou responsável por planos com os quais não concordei.
Ela caminhou até a poltrona. Dessa vez, ele não tentou impedi-la.
— Aceitou ser meu marido.
— Com o propósito de salvar nossos pescoços.
—Entretanto, existem certas situações inerentes a essa posição.
— Não tenho nada a ver com elas. Esqueceu-se de que evito as responsabilidades
da minha herança? Em que esse casamento vergonhoso altera isso?
— Este casamento não é vergonhoso. — Ela franziu o cenho. — E não pode evitar
seus deveres.
Quinn sentiu sua resolução começar a fraquejar. Isabel parecia tão frágil, de pé
perto dele, vestindo um roupão de renda branco. O perfume de lilás que emanava de
Isabel, o calor do fogo e o silêncio começaram a lhe minar as forças e ele desejou tomá-la
nos braços. Com determinação, deu um passo atrás para se conter.
— Não quero que este casamento interfira na minha liberdade — Quinn afirmou.
Ela corou.
— Não teria essa liberdade se...
— Se você não tivesse me libertado?
— Não era isso que eu ia dizer. — Isabel ergueu o queixo em desafio.
— Oh, mas era próximo demais. Se não necessitasse me libertar, eu ainda estaria
lá, não estaria?
— Realmente pensa assim? — perguntou, perplexa.
— Foram coincidências demais, minha querida. — Quinn lhe deu as costas. — Vá
dormir, Isabel.
O silêncio que se seguiu fez com que ele pensasse que a esposa saíra sem que
tivesse percebido.
— Sim, acho que vou — ela sussurrou, por fim.
Isabel atravessou o quarto, dirigindo-se ao outro aposento. Entrou e fechou a
porta.

Quinn realmente acreditava que a única razão para tê-lo libertado era por
necessitar de um marido?, lady Marchand pensava, encostada à porta de seu quarto.
Deus do céu, como chegara a uma conclusão tão ridícula? Precisava conversar
com Winston. Por certo ele seria capaz de explicar a Quinn quanto tempo haviam lutado
para libertá-lo.
Mas estavam no meio da noite. A noite do casamento.
Por que Quinn tinha tão pouca confiança nela? Isabel olhou para a porta que os
separava. O que Quinn faria se ela voltasse ao quarto dele? Não suportaria ser rejeitada
mais uma vez. Mas, ele a rejeitaria, caso se aproximasse dele como uma mulher procura
um homem?
Poderia reconquistá-lo? Fazê-lo perceber que não o abandonara na prisão? Que
havia tentado libertá-lo durante todos os dias da vida dela?
Isabel pôs a mão na maçaneta e a girou. Então abriu a porta que a separava do
marido. Tentou deixar de lado qualquer pensamento negativo e procurou se lembrar de
que aquele era o momento com que sonhara durante tanto tempo. Quinn estava ali.
Finalmente. Não podia desperdiçar nenhum minuto.
— Jeremy? — ela o chamou.
Capítulo II

Seu nome foi pronunciado em um sussurro? Quinn só teve certeza de que ouvira
bem quando se virou e deparou com Isabel à porta.
Envolta pela penumbra do quarto, ela parecia etérea. Um anjo que tinha vindo
resgatá-lo. Se isso ao menos fosse verdade...
Quieto, ele ergueu-se da cadeira e se aproximou dela.
Isabel havia voltado. E ele desejava o seu calor desesperadamente. Apesar das
diferenças e queixas, não podia rejeitá-la naquele momento.
— Jeremy... — ela disse mais uma vez. — Eu...
Quinn ergueu os dedos e tocou-lhe os lábios. Estava linda. E olhava para ele, cheia
de esperança.
— Isso é loucura, Isabel.
— Não. Não é...
Por um instante, ele quase acreditou. Queria muito acreditar.
— Você me quer quando nada tenho para oferecer, a não ser ódio dentro de mim?
— Quero o homem que conheci, com o qual me comprometi anos atrás.
— Aquele homem está morto.
— Não acredito. — Ela ergueu o queixo para mostrar segurança.
Tais palavras eram tudo que Quinn necessitava para tomá-la nos braços. Fitou os
olhos de Isabel e os viu se dilatarem. Seria choque? Medo, talvez?
— O homem que conheceu a seduziria com palavras gentis e ternura. Se ficar, o
homem que está diante de você tomará o que está oferecendo com fome e avidez.
— Mesmo assim, ficarei — Isabel sussurrou.
Notando que ela engolia em seco, Quinn hesitou, antes de dizer:
— Então é uma grande tola. Como eu. — Puxou-a contra si e a beijou.
Foi um beijo feroz, brutal e intenso. Queria o corpo de Isabel, seu gosto, seu
cheiro.
O gemido que ela soltou o fez perceber que estava sendo brusco demais. E
precisou de toda sua força de vontade para afrouxar o abraço. Levou as mãos aos ombros
da esposa e, depois de lhe acariciar os braços, fitou-a.
— Desculpe-me — murmurou, trêmulo. — Eu a avisei...
— Shhh — Isabel sussurrou, lançando os braços ao redor do pescoço dele. — Sei
que não me machucará.
— Isabel — Quinn gemeu.
— Faça amor comigo, Jeremy. Por favor.
Aquelas palavras lhe rasgaram o coração. Sentia a respiração ofegante, o sangue
fervendo, mas mesmo assim deu um passo para trás, atordoado.
— Eu... disse alguma coisa errada? — ela perguntou, insegura, deixando cair os
braços ao longo do corpo.
Se Quinn ainda tivesse bons sentimentos dentro dele, teria lhe assegurado que
fizera tudo certo. Seu corpo latejando era prova. Mas ele estava magoado demais para dar
a segurança que Isabel desejava.
Quinn estava morto por dentro. Morto demais para lhe oferecer qualquer coisa.
Morto demais para fazer amor com Isabel.
— É uma mulher sedutora — ele disse, dando mais um passo atrás. — No entanto,
fazer amor não faz parte do nosso acordo. Um coito rápido é tudo que posso oferecer.
Isabel olhou para Quinn, mortalmente ferida. A expressão se endurecera e os olhos
se estreitaram antes de ela se virar e pôr-se a caminhar. Entrou no próprio quarto e fechou
a porta. Naquele momento, Quinn soube que havia destruído qualquer afeição que Isabel
ainda sentia por ele. Mesmo assim, não impediu que ela se fosse.

Quinn fechou os olhos à cor rosada do amanhecer que surgia na janela. E tentou
não ouvir os sons da casa despertando: o abrir e fechar de portas, o ruído de uma das
criadas no corredor.
O que não conseguia evitar era o pensamento do que havia acontecido entre Isabel
e ele, na noite anterior. Permanecera acordado metade da noite. Frustrado, afastou as
cobertas e decidiu se levantar para enfrentar mais um dia. Porém, não sabia para quê se
levantar. O que tinha para fazer?
A uma batida na porta, ele respondeu:
— Quem é?
— Benns, milorde. Trouxe o cartão de visita de sir Winston Hill.
— Entre.
Benns obedeceu. Carregava uma bandeja com chá e pães, que depositou sobre a
mesa-de-cabeceira. E entregou o cartão de Winston.
— Sir Winston Hill gostaria de uma entrevista. Além disso, lady Isabel pediu-me
para oferecer ao senhor uma seleção de trajes que pertenceram ao cunhado dela, até que
os seus estejam prontos, para que possa receber seu convidado.
Quinn não tinha certeza de querer receber Winston. Mas acabou aceitando, por
achar que seria melhor do que ficar mergulhado nos próprios pensamentos.
Meia hora depois, entrou na sala de visitas, vestido com a roupa emprestada do
cunhado de Isabel: calça cinza, camisa branca e as próprias botas pretas.
Winston levantou-se para cumprimentá-lo.
— Rapaz, está com ótima aparência. A vida de casado lhe fez bem.
Jeremy apenas esboçou um sorriso.
— Eu queria lhe dar tempo para se adaptar à nova vida antes de vir visitá-lo —
Winston continuou. — Mas, infelizmente, todos na Cozinha estão tão excitados com o
seu retorno que me pediram para buscá-lo para uma visita.
A primeira resposta que veio à mente de Quinn foi um sonoro "não". O velho
Jeremy estava morto. A pessoa em que ele se transformara não tinha nada a ver com
filantropia. A mesma que o tinha atirado a uma vida de sofrimento.
Mesmo assim, relutou. Estava curioso. Winston contara como o campo de ação
deles havia aumentado. E, como Quinn se transformara em uma pessoa pobre, seria
benéfico entrar em contato com a nova classe social.
— Conversei com lady Isabel enquanto esperava o senhor — Winston prosseguiu.
— Ela me informou de que têm compromisso para esta noite, de modo que empenhei
minha palavra que o senhor voltará a tempo. Isto é, se concordar em me acompanhar à
Cozinha.
Quinn ergueu os ombros.
— Não tenho nada para fazer. Por que não?
Winston sorriu.
— Ótimo, rapaz. Então, vamos. Ou deseja informar lady Isabel a respeito de
nossos planos?
Não, Quinn não queria. Quanto menos contato com Isabel, melhor. Mas a cortesia
estava começando a atingi-lo de novo. Ou seria o fascínio que a jovem exercia sobre ele?
— Ela me disse que estaria no solarium — Winston informou.
Quinn notou que o amigo tinha percebido sua indecisão. Não apreciava ser
desvendado com tanta facilidade.
— Voltarei em um minuto — Quinn falou, por fim.
No vestíbulo, perguntou a Benns onde ficava o solarium. Quando o aroma das
flores chegou até ele, parou à porta e viu Isabel debruçada sobre um arbusto florido. Ela
vestia um traje diurno sob um avental branco, sujo de terra. O rosto e a ponta do nariz
também tinham terra. Ela parecia adorável.
Quinn retesou o corpo.
— Winston disse-me que falou com ele.
Isabel se assustou e olhou para Quinn.
— Por que tem que ser tão rude? Uma batida na porta ou um bom-dia seria mais
educado.
Ele vacilou. Sabia que a esposa estava certa.
— Teria preferido que eu saísse sem avisar? — Quinn perguntou, sem sentir
remorso.
— Vai sair? — Isabel parecia alarmada.
— Sim.
— E voltará?
— Winston lhe assegurou que voltarei.
— E você o que me diz? — Ela prendeu a respiração.
— Voltarei. — Ele notou que Isabel relaxou e começou a tirar as luvas.
— Oh, está bem. Obrigada por avisar-me. — Isabel hesitou. — Por favor,
cumprimente Anna por mim, se a vir.
Quinn não queria perguntar quem era Anna, apenas meneou a cabeça
afirmativamente. Então, sentindo que havia sido dispensado ao vê-la pegar o balde com
as ferramentas de jardinagem e se dirigir a outro arbusto, retirou-se.
Isabel suspirou, aliviada. Estava cansada das emoções confusas que ele lhe
despertava.
O marido a humilhara na noite passada. Droga! Por que ele não podia pelo menos
tentar superar tanta amargura?
Isabel havia perguntado a Winston o motivo de Quinn afirmar que não recebera
nenhuma carta dela enquanto tinha estado preso. Winston lhe assegurara não ter a menor
idéia, prometendo averiguar.
Ela queria, mais do que tudo, mostrar as cartas a Jeremy para lhe provar que tinha
sido fiel. Queria que ele acreditasse que ela tivera apenas intenções nobres e que, vendo
as correspondências, percebesse que o amava e que nunca o havia magoado
intencionalmente. Então, ele se daria conta de que também a amava e o antigo Quinn
ressurgiria.
Porém, a parte menos desprendida de Isabel desejava que ele lhe pedisse perdão
por não ter confiado nela.
Cortando a ponta do caule de uma rosa, ela suspirou. Não pretendia que seu amor
por Quinn morresse, mas não poderia viver ao lado dele, sabendo que não a queria.

Quinn parou na frente da Cozinha de Rachel. A fachada não era pior do que a das
outras lojas no bairro de East End. Talvez fosse até um pouco melhor. Em uma placa de
fundo branco, com letras pretas, pendurada sobre a porta dupla da entrada, lia-se:
"Cozinha de Rachel". E, na porta, estavam grafadas as seguintes palavras:
Alimento para o estômago,
Calor para o corpo,
Repouso para a fadiga,
A todos que entrarem por estas portas.

Quinn lembrou-se de tê-las escrito e de como, nas primeiras semanas de trabalho,


eram lidas com suspeita. Os que entravam, o faziam por desespero. E acreditavam que
iriam ser forçados a se dirigirem a um abrigo para pobres ou, ainda pior, a trabalharem
nas minas de carvão. Apenas com o passar do tempo os necessitados procuravam a
Cozinha para se aliviarem dos infortúnios. As doações aumentaram, bem como os
voluntários, os sorrisos e a gratidão. E Quinn sentira-se realizado.
Agora, olhando para o lugar, percebeu que havia alcançado seu objetivo. E aquela
sensação superou o que ele passara a sentir depois de encarcerado: desdém e ódio.
Parado à porta, Winston esperava que Quinn entrasse.
Calor humano e aroma de comida temperada impregnavam o ambiente. Perto de
quarenta pessoas estavam às mesas e, outros, atrás de grandes caldeirões, mexendo a
comida. Ainda havia os que carregavam bandejas de pães recém-saídos do forno.
Uma das mulheres, delicada e idosa, mexia um caldeirão de onde emanava um
vapor constante. Ela interrompeu o que fazia ao ver Quinn e correu para ele, gritando:
— Bem-vindo, milorde!
— É lorde Kendrick — falou alguém.
Várias pessoas começaram a se aproximar, sorrindo.
— Winston — Quinn resmungou. — Acabe com isso.
Hill ergueu os braços para o pessoal.
— Ouçam todos. Voltem para o que estavam fazendo. Sim, lorde Kendrick voltou.
Mas tenham calma.
A mulher de cabelos grisalhos sorriu, ao dizer:
— Não quis perturbá-lo, milorde.
— A senhora não me perturbou. — Quinn tentou sorrir.
— Ele apenas se sentiu embaraçado pela atenção, sra. Toll — Winston interveio
mais uma vez.
— Oh, sim — ela falou. — É que estamos tão felizes com a volta de milorde! E
também por estar livre, finalmente.
— Obrigado — Quinn resmungou, ignorando o entusiasmo da mulher.
A sra. Toll voltou ao seu caldeirão e Quinn suspirou, aliviado.
— Eles o consideram um presente de Deus, rapaz — disse Winston.
— Estão errados. O senhor deveria ter acabado com essa ilusão há muito tempo.
— Sim. Bem, tenho certeza de que fará um bom trabalho, agora que está de volta.
— Não estou de volta. Estou meramente matando o tempo.
Foi a vez de Winston suspirar.
— Vamos olhar as instalações? Estou ansioso para partilhar nossas realizações.
Quinn logo viu a área de alimentação, a de roupas usadas, a área médica onde
trabalhavam voluntários, como o dr. Moore, e o dormitório, reservado para as noites mais
frias, quando os sem-teto corriam perigo de morte.
Interiormente, Jeremy ficou maravilhado com o que haviam realizado na sua
ausência. Prova de que não fizera falta.
Mas, observando a sra. Toll e mais três voluntários servindo sopa e pão aos
assistidos, não pôde deixar de sentir-se satisfeito. O pai de Quinn não havia vencido. Ele
o aprisionara, tinha acabado com o filho, mas a obra de caridade havia prosperado.
Recordou-se da noite em que selara o seu destino e o de Rachel, a filha de uma indigente.
O bebê tinha morrido de frio em um das noites geladas do inverno londrino.
O pai recusara ajuda naquela noite, e Quinn havia perdido o respeito por ele, para
sempre. Pelo menos a morte de Rachel não fora em vão.
— Eu o cumprimento, Winston, fez um belo trabalho.
— Não fui eu, rapaz, e sabe disso. O senhor já tinha tudo pronto, quando foi preso.
Apenas orquestrei seus planos.
Quinn não quis discutir. Em vez disso, perguntou:
— Quem é Anna?
— É a mãe de Rachel. Não se lembra?
— A mãe de Rachel nunca foi voluntária.
— Ela nos encontrou depois da prisão de milorde. Contou-nos como o senhor
reagiu depois de seu pai ter recusado ajuda e ao encontrar Rachel, morta nos braços dela.
Contou-nos da dor que viu refletida nos seus olhos.
— Não quero me lembrar disso.
— Nunca mais a viu depois daquela noite, viu? Cerca de um ano atrás, Anna
voltou a nos procurar, quando estava com frio e fome. Perguntou à sra. Toll como se
chamava nossa casa, pois não sabia ler, e, quando ficou sabendo, ela disse que havia tido
uma filha chamada Rachel. Depois disso, é fácil concluir o resto da história.
Quinn sentiu-se inquieto ao lembrar-se de que Isabel mandara recomendações a
Anna.
— É hora de eu voltar à casa de Isabel — falou abruptamente, caminhando para a
saída. — Não precisa me acompanhar, conheço o caminho.
— Jeremy, espere — Winston pediu.
Mas Quinn passou por outro voluntário, apressado. Necessitava de ar fresco. E só
parou quando chegou ao lado de fora. Virou-se para caminhar até sua casa. Não, não era
sua casa. Era a casa de Isabel. Ele era um sem-teto, como as pessoas que havia acabado
de deixar.

Quinn desceu a rua sem olhar para trás. Quanto mais pensava, menos vontade
tinha de voltar para casa. Tendo ainda algum tempo antes do compromisso da noite com
Isabel, decidiu ir até o cais. Sentia um forte desejo de estar com estranhos. Pessoas que
não o conheciam e que nada esperavam dele. Um pouco de cerveja também parecia
convidativo. E havia muitas tavernas para escolher.
Continuou a caminhar, ignorando o olhar que lhe era lançado por um imigrante
chinês que varria a calçada e vários moleques que brincavam na rua. Finalmente, deixou
o esquálido bairro para trás, aventurando-se a um lugar mais agradável, perto da ponte
Knight. A rua larga estava repleta de carruagens, carroças e comerciantes. Ali, entretanto,
os olhares que lhe lançavam eram de desprezo. Aristocratas nunca andavam a pé.
Ao avistar um coche aberto, vindo na sua direção com três homens rindo, Quinn
esperou que fossem lhe dizer alguma pilhéria. Estava ansioso para entrar em uma rixa.
Então, reconheceu Darius Martin, o visconde de Lincolnshire. Martin disse alguma coisa
para os outros e todos riram. O homem era brilhante, um farrista de primeira ordem e um
notório jogador.
Naquele exato momento, Martin olhou para Quinn e abriu a boca:
— Kendrick? É o senhor? — perguntou, fazendo o cocheiro parar o veículo de
repente, quase o derrubando.
— Martin — Quinn respondeu. — Como vai?
— Por Deus, é o senhor, mesmo!
Martin era cerca de dois anos mais novo que Quinn e muito bonito. Pulou do
veículo com agilidade e se aproximou de Quinn.
— Como está? Por onde tem andado? É bom vê-lo.
— Faz tanto tempo... — Quinn murmurou.
— Não me diga que apenas não tivemos nossos caminhos cruzados?
— Não. Deixei a cidade por ocasião da morte do meu pai e acabei de regressar.
Martin pegou Quinn pelo braço e o conduziu até seus amigos.
— Este é o irmão de John — Martin o apresentou. Todos se cumprimentaram.
— John não tinha um irmão em Marshalsea? — um dos rapazes perguntou.
— Realmente, ouvimos rumores, Quinn — Martin acrescentou. Quinn sentiu o
sangue ferver. Seria inútil esconder a verdade, mas, naquele momento, era melhor achar
uma alternativa.
— Trata-se de boato — ele respondeu. — Alguém começou essa brincadeira.
Surpreende-me que esse rumor tenha perdurado. Estive em Yorkshire, em uma das
minhas propriedades.
— Então, seja bem-vindo. — Martin lhe deu um tapinha nas costas. — Estamos a
caminho da casa de lady Marietta Dowd, para uma festa nos jardins. Junte-se a nós.
Quinn hesitou.
— Vamos, homem. — Martin sorriu, revelando por quê as mulheres se
apaixonavam por ele. — Está sem coche; sendo assim, não ia a nenhum lugar importante.
Além disso, precisamos de outro cavalheiro para o jogo de croquet. E temos que
comemorar o seu retorno. — Enquanto falava, empurrava Quinn em direção ao coche. —
Não vai decepcionar um velho amigo, vai?
Quinn sabia que deveria declinar, mas o bom humor de Martin era contagioso. A
reunião também serviria de precursora para outras recepções e para que se inteirasse de
como seria recebido na cidade. Acabou concordando e subiu no coche. Um dos rapazes
pôs uma pequena garrafa de uísque na mão dele. Devolveu o frasco de bebida sem abri-lo
e perguntou a Martin:
— John também irá à festa?
— Seu irmão? — Martin indagou, surpreso. — Não. A não ser que retorne hoje.
Ele está em Paris, perseguindo lady Patience Webster. Não sabia?
— Ouvi dizer que poderá voltar logo. — Quinn recostou-se no banco de couro.
— Creio que não. Patience está se divertindo à custa dele.
O coche virou em uma esquina, na direção de Denmark Hill e da Mansão Dowd.
Lorde Dowd, conde de Pimberly, era convidado freqüente da Mansão Pearl. Será que o
velho conde sabia da verdade? Mas era tarde para se arrepender de ter aceitado o convite
do amigo. O coche já entrava nos jardins da mansão, onde diversas pessoas caminhavam
e conversavam alegremente. Quando viram o coche de Martin, muitos se apressaram para
cumprimentá-los.
Quinn notou que a maioria dos rapazes tinha a sua idade ou um pouco menos. As
moças eram mais jovens, ainda debutantes, todas vestidas de azul, verde e amarelo,
segurando sombrinhas para proteger a pele delicada do sol.
— Ei, Martin! — gritou uma voz masculina. — Está atrasado.
— Às vezes o dever nos chama, companheiro — Martin respondeu, rindo.
Todos riram também e o coche parou. Martin desceu como um rei.
— Quem é ele? — uma voz feminina perguntou.
— É lorde Kendrick! — disse outra.
— Acertou. — Martin se antecipou a Quinn. — Direto de Marshalsea.
Todos riram de novo, e Quinn conseguiu sorrir e fazer uma reverência.
— Direto de Yorkshire, Martin. Nada tão romântico como Marshalsea.
— Prometi a ele muita diversão se viesse conosco. Devem recebê-lo bem.
Seguido pelos dois amigos, Martin foi cercado pelas várias admiradoras, enquanto
caminhava pelo belo gramado dos jardins.
— Então, vai enfrentar Darius no jogo de croquet? — uma jovem questionou
Jeremy.
Ele a olhou. Era alta, magra, não devia ter mais de dezoito anos, os cabelos ruivos
iam até a cintura, e estava muito sedutora no traje verde-claro.
Jeremy passou a mão na nuca, satisfeito pelo grupo ter se dispersado, mas ainda
inseguro sobre o que pensar a respeito da garota.
— Creio que vou tentar — ele respondeu.
Ela sorriu, os olhos verdes brilhantes.
— Então, vou lhe trazer um copo de limonada. Tenho certeza de que está com
sede. O dia está quente. — A jovem se abanou com a mão enluvada.
— Lady Marietta... necessitam da sua presença na mesa de refrescos!
Quinn olhou, sobre os ombros da garota, para um rapaz que estava claramente
enfurecido. Tinha as mãos nos quadris, os cabelos penteados para trás e o rosto
avermelhado.
— Oh, Larson, seja bonzinho e diga a Clair para fazer isso, está bem?
— Mas Marietta...
Ela lhe acenou e voltou a fitar Quinn.
— Ele pensa estar apaixonado por mim — a moça sussurrou.
— Talvez deva dar-lhe atenção.
— Não. — Ela olhava nos olhos de Quinn. — Prefiro homens mais velhos. São
mais misteriosos.
— Ah, entendo.
— Entende, mesmo? — Marietta sorria, e Quinn percebeu que a moça flertava
com ele. — Vai ficar nesse coche a tarde toda?
— Acho que não. — Ele pulou do veículo.
A moça não perdia tempo, e Quinn logo sentiu seu perfume. Era forte, intoxicante.
Muito diferente da suave fragrância de lilás de Isabel.
— Lady Marietta Dowd, presumo?
— Ouvi falar a respeito do irmão de John. Um herdeiro muito malcriado, não?
Quinn deu de ombros.
— Jeremy! — Martin o chamou. — Venha.
— Oh. — Marietta fez beicinho. — Fomos interrompidos. Eu tinha esperança de
que Daríus o tivesse esquecido.
— É mesmo?
— Caminhar comigo seria mais prazeroso, não acha?
— Seria mesmo?
— Precisa perguntar? — Ela olhou para ele, girando a sombrinha.
— Duvido que esteja preparada para isso.
— Ficaria surpreso se soubesse como estou preparada — a dama sussurrou,
achegando-se a ele.
As intenções de Marietta eram claras e como seu casamento era tão falso como os
lábios vermelhos dela, Quinn não viu motivo para evitá-la.
Marietta permaneceu na frente dele, jovem, fresca e fascinante.
Logo, Quinn sentiu-se arrependido. A moça parecia adorável, mas não era Isabel.
— Sou convidado de Martin. — Ele deu de ombros. —Talvez em outra ocasião.
— Tem certeza? — Ela parou de rodar a sombrinha.
— Tenho.
— Pior para o senhor.
— Posso assegurar-lhe de que já estou arrependido.
— Avise-me se houver outra oportunidade.

Eram mais de seis horas quando Quinn voltou para casa. Não tinha intenção de
chegar tão tarde, mas o tempo passara rápido. Todos foram muito simpáticos no croquet,
um jogo agradável, como havia dito Martin. Mas, durante um intervalo, as perguntas
começaram a surgir. E Larson Hartford, o protetor de Marietta, desafiou-o para um jogo
de palavras. O homem foi logo colocado no devido lugar, porém, o dano estava feito.
Alguns dos participantes da festa lançaram olhares de desprezo a Quinn. Martin lhe
ofereceu carona no coche para voltar para casa. Mas Quinn preferiu caminhar.
Acabou se atrasando mais do que desejava. Não que devesse agir como um marido
responsável. Mesmo assim, Benns olhou para ele, desgostoso.
— Benns — Quinn disse, ao entrar em casa e se dirigir à escada.
Ao subir os primeiros degraus, parou, sentindo a presença das crianças. Viu Max
sentado no cimo da escada, a cabeça entre as mãos.
— Max? — ele perguntou, subindo mais alguns degraus. — Alguma coisa o está
preocupando?
— Não, senhor — o garoto resmungou. Quinn não acreditou.
— Brigou com seu irmão? — Sentou-se ao lado do menino, que meneou a cabeça,
em negativa. — A srta. Griggs ralhou com você?
— Não.
— Então, o que aconteceu?
— O senhor quer mesmo saber? — O menino ergueu a cabeça.
— Claro que quero.
— O senhor fez tia Isabel chorar.
— O quê?
— O senhor a fez chorar. Fui vê-la, mas ela não percebeu que eu tinha chegado e a
ouvi dizer: "Droga, Jeremy!", e atirou alguma coisa na parede do quarto. Depois, chorou.
O senhor não nos quer, não é?
Quinn engoliu em seco.
— Tia Isabel nos disse que um novo titio a ajudaria a nos criar. Como papai e
mamãe. Para não precisarmos morar com o vovô. — Max respirou fundo. — O senhor
deve ser o novo titio, mas nunca está aqui. Não deve querer a gente.
— Max, eu...
— Não quer ser meu pai?
Quinn ergueu-se e passou as mãos pelos cabelos. Droga! Como entrara em uma
situação daquelas?
— Onde estava? — Quinn ouviu Isabel perguntar, desafiante. — Disse que
voltaria logo. Esqueceu-se de que temos um importante compromisso esta noite?
Depois do dia que havia passado, o ataque de Isabel era tudo de que ele precisava
para ficar na defensiva. Ela não tinha o direito de questioná-lo ou de fazer exigências.
Nem de chorar na frente de Max.
Deveria ter ficado com Marietta Dowd!
— Aonde vou e como passo meu tempo são problemas meus, Isabel. Não quero
ser indagado toda vez que saio.
Max correu para a tia, sempre olhando para Quinn, e foi abraçado por ela.
— Você me garantiu que voltaria.
— E voltei.
Max pareceu assustar-se com o tom da voz de Quinn. Isabel resmungou:
— Temos que sair daqui a uma hora.
— Estarei pronto.
Dito isso, ele se afastou, com a imagem de Isabel e Max vívidas na mente.
Meia hora depois, Quinn entrou na sala de visitas, pronto para sair. Quase tinha
explodido em mil pedaços, depois de deixar a tia e o sobrinho. A prisão talvez fosse
preferível, aos problemas que sua libertação lhe causava. Os pobres na Cozinha de
Rachel o consideravam um santo. Max queria que ele representasse a figura de um pai e,
Isabel, de um marido. Não era nenhum dos dois e nunca seria.
No entanto, depois da cena transcorrida na escada, tinha mudado de idéia a
respeito de ser um marido exemplar. Naquela noite, faria o possível para ajudar Isabel a
manter a guarda dos sobrinhos. Não desejava ser a causa da ansiedade dela ou de Max.
Mas nunca permitiria que ela pensasse ter algum tipo de poder sobre ele. Tinha
deixado bem claro na noite anterior. No momento, não se importaria de ajudá-la no
encontro com o avô de Max e Robin. Depois, poderia partir. Sem remorso.
Foi até a garrafa de conhaque em uma mesa lateral, decidindo que talvez Winston
tivesse razão a respeito da bebida. Serviu-se de uma boa dose. O conhaque desceu pela
sua garganta suavemente. Foi como se despertasse de um longo sono. Da mesma maneira
como seu corpo havia reagido a Isabel na noite anterior. Os músculos se retesaram ao
lembrar-se da suavidade da pele dela. E, pela enésima vez naquele dia, afastou tal
pensamento de sua mente. Desejá-la era uma fraqueza que ele não podia ter.
Olhou ao redor.
— Boa noite, milorde.
— Benns — Quinn respondeu, ao virar-se e dar com o mordomo, que entrava na
sala.
— Perdoe-me por não ter percebido sua presença. Deixe-me preparar seu drinque.
Deseja mais alguma coisa?
Paz, Quinn queria dizer. Mas ficou quieto e entregou a taça ao mordomo.
— Não, obrigado. Estou esperando milady e os sobrinhos.
— Gostaria que eu trouxesse a carruagem? — Benns perguntou, fazendo uma
mesura.
A simples pergunta o tomou de surpresa. Devia ter pensando nisso. Entretanto,
fazia tempo que não desempenhava esse tipo de tarefa. Jeremy apoiou o cotovelo na
lareira e olhou para o homem.
— Sim. E do que mais eu deveria me lembrar?
— Não sei, milorde.
— Ora, vamos. Ambos sabemos que estou fora do meu elemento, mas não sou
cego nem surdo. Sua desaprovação e o desejo de trazer minhas inadequações à luz são
evidentes. Não me importo. O que mais estou esquecendo?
Benns ergueu o queixo, mas Quinn notou um brilho de aprovação nos olhos do
criado.
— Bolsa de água quente para os pés, milorde. Está frio e as crianças podem
precisar.
— Bolsas de água quente, é claro — Quinn concordou. — Providencie, então.
Chame também um outro criado para ir conosco. Não se pode facilitar, nas ruas de
Londres.
— Sim, milorde — Benns assentiu, o brilho dos olhos se intensificando. — E
talvez um pouco de chocolate quente para a volta. Alguma coisa para acalmar e ocupar os
meninos.
— Boa idéia, homem.
— Providenciarei suas ordens, milorde. — Estendeu a taça de conhaque a Quinn.
Após pegá-la, ele ergueu-a, como que saudando o mordomo, quando este se
preparava para sair da sala.
Ficando só, pôs-se a pensar nas coisas que não poderia mudar, como ele mesmo.
Nos momentos que não poderia controlar, como aquele com Max, na escada. E nos
sonhos que não conseguiria realizar. Ter Isabel de roupão branco de renda, por exemplo.
Não conseguia se esquecer da suavidade dela nem do perfume sedutor. Passara a
noite desejando-a. A Cozinha e a festa nos jardins o haviam distraído, mas não foram
suficientes para afastar Isabel do seu pensamento. Mesmo assim, ela o enlouquecia, com
suas exigências.
— Você se aprontou depressa — disse uma voz feminina.
Quinn ergueu a cabeça. Isabel estava parada à porta.
— Sim, como prometi. Podemos ir?
Ela continuou parada à porta, maravilhosa no vestido azul de organdi. A pele era
muito clara em contraste com os cabelos quase negros, presos no alto da cabeça por
pequenos anéis. E o odor de lilás impregnou a sala. Quinn pensou em Marietta e concluiu
que preferia a sutileza ao excesso de poder.
— A srta. Griggs trará os meninos em alguns minutos. Podemos ensaiar nossa
história no caminho. Eles adoram passear no Hyde Park, portanto, estou certa de que não
nos perturbarão.
Passear no Hyde Park era a última coisa que ele queria, muito menos com Isabel e
os garotos. Concordara em ajudá-la naquela noite, para obter a custódia dos sobrinhos,
contudo, manter-se afastado da esposa ainda era imperativo. Não queria que ela se
iludisse a respeito de um possível futuro entre eles.
— Não desejo ficar confinado em uma carruagem ao lado de duas crianças
inquietas e a babá. Creio que não seria bom sermos vistos juntos. Fofocas poderão advir.
Percebeu que Isabel havia ficado decepcionada e acrescentou:
— Mas prefiro a carruagem a ficar aqui sentado.
— Muito bem. Apressarei a srta. Griggs.
— Benns já foi buscar a carruagem, bem como bolsas de água quente e chocolate
para a volta — ele a informou.
— Você pensou em todas essas coisas? — Isabel perguntou ao virar-se para
encará-lo.
— É impressionante como se pode recordar certos detalhes.
— E como se pode esquecer, também — ela disse, antes de sair da sala.

Quando o relógio bateu sete horas, todos saíram de casa para tomar a carruagem.
Mas Quinn preferia a solidão do seu quarto, novamente.
Era evidente que Max se esquecera da conversa que haviam tido na escada.
Levava, nas mãos, vários soldadinhos de madeira pintados de vermelho, as cores do
exército da rainha. Robin, sentado ao lado de Quinn, detalhava o gosto do avô por
cavalos de corrida.
— Mostrarei ao senhor a égua favorita dele — prometeu Robin.
— Tenho mais cem soldados no meu quarto — Max gritou ao mesmo tempo.
— Sr. Robin, sr. Max, comportem-se ou se sentarão ao meu lado — disse a srta.
Griggs.
Os meninos se acalmaram para permanecer ao lado de Quinn, que garantiu a
Isabel não se importar com a conversa dos garotos. Não queria passar a imagem de uma
pessoa desagradável. Até gostava da vivacidade dos meninos.
Max achegou-se a Quinn e lhe ofereceu um soldadinho.
— Podemos fingir que estão no meio de uma batalha.
— Talvez fosse melhor você brincar com Robin—Isabel propôs a Max do banco
oposto, onde se sentara ao lado da srta. Griggs.
Quinn notou que ela parecia tensa, como por ocasião da conversa com Max, na
escada. Ele não a tinha tranqüilizado, dizendo que desempenharia bem o seu papel de
marido.
Isabel não merecia, mas, mesmo assim, não apreciava vê-la tão nervosa. Ela
precisava estar calma para enfrentar a situação.
— Pretendo cumprir minhas obrigações esta noite — ele disse, esperando ser
ouvido apenas por ela. — Não precisa ficar tão ansiosa.
Isabel aquiesceu, demonstrando confiança nele. Aquilo o deixou um tanto
apreensivo. Não queria que o interpretasse erroneamente.
— Mansão Dunton! — anunciou o cocheiro, minutos depois.
Todos ficaram quietos dentro da carruagem, inclusive Max e Robin. Isabel
suspirou e até a srta. Griggs parecia mais reservada do que o habitual.
Quinn lembrou-se dos comentários de Isabel a respeito de Barnabus Ellerby, mas
apenas naquele momento teve consciência de que o homem deveria realmente ser um
grosseirão. Observou Robin pegar a mão do irmão. Desceram da carruagem e
caminharam juntos pelas pedras que levavam à bela mansão do século XIV.
Quinn ofereceu o braço à Isabel. Diante da hesitação dela, ele disse:
— Parece apreensiva por estar prestes a entrar na mansão ou pela minha presença
ao seu lado? Asseguro-lhe de que ainda me lembro de como age um cavalheiro, Isabel.
Ela franziu o cenho e deu o braço a ele.
Quando se tocaram, Quinn foi percorrido por um longo arrepio. Tinha se
preparado para aquela situação, mas não para sentir o corpo de Isabel tão próximo ao
dele.
O casal seguiu os dois meninos, que já se encontravam no vestíbulo, conversando
com um senhor que deveria ser Ellerby.
O homem, de estatura média, tinha as mãos atrás das costas e o peito estufado.
Andava em círculos ao redor de Robin, inspecionando-lhe a aparência. O menino estava
parado e tenso. Quando ergueu o queixo de Robin com um dedo, para lhe corrigir a
postura, as grossas sobrancelhas grisalhas formaram um “V" sobre os olhos escuros e
severos.
— Mantenha-se ereto, Robin. Será de grande importância para você, quando
chegar a ocasião de exercer sua posição. É sinal de força e superioridade.
Ao lado de Robin, Max ergueu o próprio queixo.
Quinn sentiu as unhas de Isabel cravarem-se no braço dele. Olhou para ela,
notando a expressão constrita. Era óbvio que ela não gostara da aula de Ellerby. Mesmo
assim, fez-lhe uma mesura. Logicamente para afastar, de Robin, a atenção do avô.
— Milorde — ela cumprimentou o velho.
— Isabel — ele retribuiu a mesura.
— Robert, Maximillian e eu estamos felizes em vê-lo — ela continuou. —
Permita-me apresentar-lhe meu marido, Jeremy Quinn, lorde Kendrick, marquês de Pearl.
Quinn gostaria de corrigi-la. Ele não era mais o marquês. Porém, aquela não era
ocasião para fazê-lo.
— Marido? A senhora me disse na carta, mas confesso que não acreditei.
—Trouxe-lhe a certidão de casamento como prova. Assinada pelo bispo Marley.
Ellerby sorriu com menosprezo.
Quinn teve vontade de dar um soco na barriga do homem. Em vez disso, falou:
— Casamo-nos recentemente. — Sorriu para Isabel e acariciou-lhe o rosto. Então
continuou: — Esperei durante anos.
Isabel permaneceu quieta quando ele lhe beijou uma das faces. Ao olhar de novo
para Ellerby, Quinn enlaçou Isabel pela cintura, puxando-a para mais perto.
Sempre com o peito estufado, o sexagenário mediu Quinn, com os olhos. Os
meninos continuaram imóveis.
—Também fiquei feliz ao me casar com minha última esposa, Penélope. Por
algum tempo. Pouco tempo. Agora, ela descansa em paz na sepultura.
Isabel enfiou as unhas no braço de Quinn outra vez e Robin olhou para o avô,
desgostoso.
— Bem... — Isabel interveio. — Lorde Kendrick, este é o avô de Robert e
Maximillian, lorde Ellerby, conde de Dunton.
— Muito prazer, milorde. — Quinn fez uma mesura. — Entristece-me saber que
sua esposa é falecida. E é encorajador saber que o senhor cuidou dela até o fim.
Ellerby retribuiu a mesura.
— Sou eu quem precisa de cuidados — o conde respondeu, irritado.
Em seguida, fez um sinal para o mordomo os preceder em direção à sala de visitas.
Quinn notou que os meninos esperavam que ele dissesse mais alguma coisa ao
avô.
— Ele deve ter ficado terrivelmente triste para precisar de cuidados — Quinn
sussurrou.
Robin e Max concordaram e continuaram a caminhar atrás do conde. Quinn
endireitou as costas e olhou para Isabel. Os olhos dela brilhavam. Provavelmente por ver
que ele ia ajudá-la a conseguir a guarda dos sobrinhos.
— Está sendo generoso — ela murmurou.
Quinn deu de ombros, constrangido pelo elogio. Mas manteve o passo lento ao
conduzi-la até a sala de visitas.
— Ele é agradável, não é? — Quinn disse em um tom de voz que apenas Isabel
podia ouvir.
— O conde não tem coração e é conhecido pelas explosões. — Isabel suspirou.
— Dê algum crédito a Max e Robin — ele aconselhou. — São meninos
inteligentes e saberão avaliar o avô.
Era a primeira vez que os dois entabulavam uma conversa desde a libertação de
Quinn. Na realidade, Isabel ouvia o ponto de vista dele com atenção.
Quinn sorriu. Um sorriso genuíno que valeu o esforço.
— Não acha que Ellerby faria muito mal aos garotos se viessem morar aqui? —
Isabel perguntou.
— Concordo — ele respondeu. — Mas não acho que Robin e Max o permitiriam.
— Kendrick — Ellerby chamou. — Ouvi dizer que esteve f ora da cidade por
algum tempo. Por onde andou? — O homem estava sentado em uma poltrona, perto da
lareira.
Robin e Max se acomodaram nas cadeiras ao lado do avô.
— Eu conhecia seu pai do Parlamento. Soube que ele faleceu. Fiquei surpreso pelo
fato de o senhor não ter ostentado o título dele, até agora.
Quinn pôs a mão nas costas de Isabel e a conduziu a um sofá, também próximo da
lareira. Soltou-a com relutância, mas ficou de pé, atrás dela, com a mão apoiada
protetoramente no seu ombro. Então deu atenção a Ellerby
— Eu estava fora quando meu pai morreu. Fui enviado a Yorkshire em uma
missão para ficar a par de minha herança.
— Homem inteligente! Não se pode aprender muita coisa daqui, não é mesmo? E
por que voltou?
— Para me casar com Isabel, é claro.
— Não estou certo de entender essa decisão. — O conde recostou-se na poltrona.
Aquelas palavras puseram Quinn em guarda. Ficou tenso, embora aparentasse
calma.
— Milorde está nos insultando? O que há para entender? Minha esposa é uma
linda mulher.
— Bah! — Ellerby exclamou. — Ela tem um nome insignificante. Sei de alguns
homens de sangue azul que escolhem pobres para se casar. O que me leva a questionar
seus motivos.
— Srta. Griggs. — Isabel quase pulou do sofá. Virou-se e viu a babá sentada em
uma cadeira à entrada da sala. — Por favor, leve Robin e Max daqui. Tenho certeza de
que eles gostariam de brincar. — Isabel olhou para os sobrinhos. — Robin, Max, por
favor, acompanhem a srta. Griggs.
Nenhuma das crianças discutiu. Ambos se levantaram, fizeram uma mesura ao avô
e acompanharam a babá. Isabel sentou-se de novo no sofá. Quinn notou que ela tremia e
sentou-se ao lado da esposa, tomando-lhe a mão.
— Poucas pessoas questionam meus motivos, Ellerby — ele disse, sabendo que
estava arriscando despertar a ira da esposa. Mas havia percebido que o conde o estava
desafiando para um jogo diferente.
Barnabus não admitiria que uma pessoa fraca criasse seus herdeiros. E Quinn não
iria permitir que ninguém, nem o homem que detinha o poder de decidir sobre a criação
de Robin e Max, o tratasse daquela maneira.
— Se o fizerem, arriscam-se muito. Acho que só tenho que responder a mim
mesmo. Contudo, como meus motivos são simples, posso lhe dizer que apenas desejo
viver em matrimônio com a mulher que amo e assisti-la na educação de seus amados
sobrinhos. Tenho riqueza suficiente e Isabel também possui bens. São muitos, para
mencioná-los aqui. Se está preocupado com a herança dos seus netos, fique tranqüilo, não
necessitamos nem desejamos os bens das crianças.
Lady Marchand mal podia respirar, admirada com as palavras de Quinn. Sabia
tratar-se de mentiras, usadas apenas para pacificar lorde Ellerby, porém, quando Quinn
lhe apertou a mão, Isabel desejou muito que fossem verdadeiras. Obrigou-se a espantar
aquele pensamento e ater-se às circunstâncias. Quinn estava apenas fazendo a parte dele
no acordo, para que ela pudesse manter a guarda dos sobrinhos.
— Milorde Ellerby — Isabel interveio. — Lorde Kendrick e eu nos conhecemos
desde a juventude. Era desejo de nossos pais que nos casássemos. Infelizmente, alguns
eventos impediram nossa união...
— Até há pouco — Quinn acrescentou ao ver que ela não conseguia continuar.
Isabel olhou para ele, admirando-lhe o brilho do olhar.
— Sim. É verdade — Isabel concordou. — O senhor pode ver como nos amamos?
— O que isso tem a ver com a guarda dos meus netos?
— Podemos cuidar de Robert e de Maximillian da mesma maneira. Eles terão
amor e afeição.
— Bah! — Ellerby exclamou novamente. — O que Robert precisa é de disciplina.
— Ele também a terá, posso lhe assegurar. — Quinn se manifestou. — Não sou
um homem de modos brandos.
— E o que acontecerá quando tiverem os próprios filhos? — Ellerby os desafiou.
— Meus herdeiros serão ignorados.
— Isso nunca acontecerá a Robin e Max! — Isabel exclamou, espantada. — Eles
são como nossos filhos.
— O jantar está servido, milorde — o mordomo anunciou, da porta.
Isabel suspirou, tentando se acalmar. A noite havia apenas começado e já se sentia
insegura.
— Venha, querida — Quinn disse, sorrindo para a esposa. — Estou com fome e
imagino que a cozinheira do conde seja soberba.
— Sim, claro — Ellerby concordou, levantando-se, todos seguindo o mordomo até
a sala de jantar.
— Não entre em pânico, Isabel — Quinn falou em voz baixa. — A noite está
apenas começando.
— Ellerby não é um homem razoável.
— Mas somos mais sábios do que ele.
— Somos?
Quinn parou e a fez olhá-lo, acariciando os ombros dela.
— Tem tão pouca fé? — ele questionou.
Isabel ficou surpresa com a generosidade dele. Infundira-lhe coragem, mas tudo o
que ela podia pensar era na própria descrença no marido.
— Como pode me perguntar uma coisa dessas? — ela sussurrou.
— Não renego as minhas promessas.
Frustrada, Isabel suspirou, mas não pôde resistir a fazer uma carícia no rosto do
marido. Tenso, Quinn deu-lhe um beijo na mão.
— Guardem tais demonstrações de afeto para o quarto de dormir! — Ellerby
avisou.

Isabel dirigiu-se à escada em espiral que levava ao seu quarto. Tinha auxiliado a
srta. Griggs a pôr os meninos na cama e agora sentia o peso da longa noite e da incerteza
do resultado.
Ellerby não tomara uma decisão. E todos iam ter que suportar mais um dia na
companhia dele! Culpa de Quinn, por ter concordado com o conde em desafiar os
meninos a uma guerra de soldadinhos. Ellerby havia ficado intrigado com a aposta dos
garotos e insistira em se juntar a eles, na batalha, à uma hora da tarde do dia seguinte.
Para desespero de Isabel, ele tinha adiado a decisão até lá.
Desse modo, Barnabus marcara uma visita para a próxima tarde, e Quinn havia
dito não ter problema.
É claro que tinha problema. Ela precisava de uma resposta! Gostaria de saber se
Quinn percebera que teria que ficar mais um dia na companhia deles.
Ele havia ido para o quarto, depois de ter carregado Robin até a cama. Na
carruagem, não tiveram oportunidade de discutir o assunto.
Quinn poderia ter dito que um segundo ato "não fazia parte do acordo", como lhe
dissera na noite do casamento. Mas havia sido um perfeito cavalheiro, como o antigo
Jeremy.
Quinn seria tão cruel? Afinal de contas, instigara o desafio entre Robin e Max
durante o trajeto até a Mansão Dunton. Mesmo com toda a sua amargura, não poderia
prometer aos meninos um jogo e depois os abandonar. Ninguém o havia forçado, nem
sugerira que passasse algum tempo com os garotos.
Cansada, Isabel entrou no quarto fracamente iluminado pelo fogo da lareira. Jogou
a bolsa em uma mesa e tirou o colar de pérolas e os brincos. Colocou-os na mesa
também, notando como brilhavam. Teve a sensação de estar casada com a pérola negra.
Uma jóia rara. Ainda presa à concha e repleta de animosidade e veneno.
Seria ela capaz de anular a amargura de Quinn e ajudá-lo a encontrar seu caminho
novamente?
Sem querer perturbar Marisa, sua criada, àquela hora da noite, Isabel começou a
desabotoar as costas do vestido. Alguns minutos depois, tinha os braços doloridos e ainda
não conseguira se despir.
Subitamente, ouviu uma risada rouca. Virou-se e caminhou até o quarto de vestir,
entre o quarto dela e o de Quinn. A porta estava aberta e ele se achava sentado em uma
cadeira, observando-a.
— Precisa de ajuda? — ele teve a audácia de perguntar.
— Como se atreve... — Isabel resmungou. — Estava sentado aí o tempo todo?
— Não havia muito para observar, posso lhe assegurar.
Ela franziu o cenho e apoiou as mãos nos quadris.
— E o que teria feito se tivesse muito para observar?
— Observaria. — Quinn riu.
— Oh, seu... seu...
— Marido?
— Apenas no papel!
— Não pensava assim na noite passada.
— Como ousa me lembrar! Eu estava tentando... Era nossa noite de núpcias!
Ele se levantou e caminhou até o quarto dela. Isabel o olhava, apreensiva. Quinn
parou quando estava suficientemente perto para que ela lhe sentisse a morna respiração
no rosto, os maravilhosos olhos azuis mergulhados nos dela e a fragrância masculina
invadindo-lhe as narinas.
Então, sem uma palavra, ele a segurou pelos ombros e a girou. Admirada demais
para protestar, o corpo delicado tremeu quando Quinn se pôs a lhe desabotoar o vestido.
O corpete ficou solto e Isabel o segurou, para não se expor aos olhos dele.
Quinn deu um passo para trás e ela sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo.
Precisava do calor do corpo másculo. Permaneceu parada sem saber o que esperar e o que
fazer.
— Vou voltar para a minha cadeira. Quando estiver pronta, junte-se a mim.
O que ele teria em mente?, Isabel pensou, segurando o vestido aberto, enquanto
Quinn voltava para o próprio quarto.
Sentindo-se fora da visão dele e agradecida por não ter acendido as velas quando
entrara no quarto, ela se despiu. O farfalhar do tecido era o único som que quebrava o
silêncio. Além das batidas aceleradas do seu coração.
Ela fez uma pequena oração, pedindo sabedoria. Deveria se juntar a ele ou não?
Quinn fora bastante compreensivo e atencioso nas últimas horas; tanto que Isabel achava
ter sido fruto de sua imaginação. Fora perfeito na casa de Ellerby. Talvez o Quinn que ela
havia conhecido tivesse voltado.
Mas outra voz em sua mente lhe dizia que devia ser cautelosa. Ele já a havia
rejeitado, humilhado e acusado-a de ser desprezível. Irada, Isabel tirou o roupão de um
cabide, vestiu-o e endireitou as costas. Juntar-se-ia a ele, mas, sob suas condições. Não se
deixaria iludir, achando que ele continuaria a ser cordial.
Calçando chinelos, ergueu o queixo e caminhou até o quarto, onde Quinn a
esperava.
— É tarde, milorde — ela começou. — Estou muito cansada. Necessita de alguma
coisa?
Quinn a olhou e soube do que precisava. Isabel estava maravilhosa e era
tremendamente feminina. Respirando fundo, ele falou:
— Sente-se.
— Prefiro permanecer de pé. Estou certa de que não demorará. Creio que deseja
discutir os acontecimentos desta noite ou o dia de amanhã... Ou ambos. Deixe-me dizer o
quanto apreciei seu apoio. Espero que Ellerby mantenha a promessa de tomar uma
decisão. — Isabel passou as mãos pelas têmporas. — Espero também que não tenhamos
nos equivocado ao dizer que as crianças ficariam melhor na nossa companhia. Ele pode
ter se sentido ameaçado. Quanto ao dia de amanhã...
— Isabel...
— Sei que será aborrecido para você enfrentar mais um dia conosco, mas peço-lhe
que considere a situação. Pode imaginar o que seria a vida dos meninos com o conde,
se...
— Isabel...
— Sim? — Ela parou de falar e lhe deu atenção.
— Pedi que viesse aqui para lhe assegurar minha cooperação, amanhã. Não quero
que passe a noite preocupada. Estaria exausta quando o dia raiasse, um dia que será
decisivo.
Isabel fitou-o, boquiaberta.
— Ellerby chegará à uma hora — Quinn continuou. — Espero que logo depois já
esteja bêbado. Se você se juntar a nós por volta das três horas, forçarei uma decisão da
parte dele.
As palavras do marido a desarmaram, e Isabel sentou-se na beirada de uma
cadeira.
— Acha que dará certo?
— Sim, apenas chegue na hora certa.
Ela franziu o cenho. Tinha outra escolha a não ser confiar nele? Ambos sabiam
que não.
— Está bem.
— Agora vá para a cama.
Irritada com o tom autoritário do marido, Isabel pôs-se de pé e cruzou os braços
sobre o peito.
— Irei para a cama quando eu desejar.
Quinn levantou-se também.
— Se não se retirar neste instante, não garanto que poderá ir depois. — Tais
palavras foram seguidas pelo olhar de cobiça com que ele a mediu dos pés à cabeça.
Alarmada, Isabel lutou contra a sensação e endireitou as costas.
— Você me rejeitou na noite passada. Acha que agora suas palavras me
incomodam?
— Ontem à noite fui um tolo. Não o serei de novo.
Quinn percebeu que Isabel engolia em seco, como se estivesse indecisa se devia
acreditar nele. Para demonstrar que falava sério, ele deu a volta na mesa que os separava.
Ela ergueu o queixo e disse com voz rouca:
— Você não me quer.
— Tem razão — Quinn mentiu. — Mas quero o que tem para oferecer.
— Não estou oferecendo nada.
— Então, vá. Antes que eu me aposse de tudo.
Dessa vez ela foi. Quinn tremia. Havia tranqüilizado Isabel, afirmando que a
apoiaria no dia seguinte, mas a mesma afirmação o magoara. O que estava pensando?
Aquele dia deveria ter sido o último, antes da sua completa liberdade. Em vez disso,
desafiara Robin e Max para uma guerra com os soldadinhos. As crianças procuravam
tanto atrair a atenção dele que havia sido difícil ignorá-los. Mas era o que deveria ter
feito.
Desapontar Robin e Max não teria sido grande coisa. Tampouco deveria ter se
envolvido com Isabel e Ellerby. Tinha de ir embora. Porém, não era como os outros que o
haviam abandonado. Não podia partir antes que Ellerby confiasse a guarda dos meninos a
Isabel. A farsa devia continuar. Apenas mais um dia, disse a si mesmo.
Naquela noite, quase enlouquecera, fazendo-se passar por marido de Isabel. Tinha
se torturado, incapaz de evitar acariciá-la, beijá-la e chamá-la por palavras carinhosas.
Tudo era uma farsa, mas sentira-se bem, desempenhando aquele papel.
Sentou-se na cadeira e tirou as botas. Esperava poder dormir, entretanto, duvidava.
— Outro dia — murmurou.
Depois se libertaria, para sempre.
Capítulo III

Ofegante, Quinn entrou em casa. Tinha dormido pouco, como previra, e havia
aproveitado para fazer uma caminhada matinal, em busca de serenidade. Tudo que tinha a
fazer era enfrentar a tarde e convencer Ellerby de que seus herdeiros ficariam melhor sob
os cuidados de Isabel e dele.
Aquela seria a parte mais fácil da farsa. Fingir ser o marido apaixonado de Isabel
consistiria em uma agonia. Ela era uma mulher rara; encantara-o desde a juventude. Pena
ser traiçoeira.
— Tio Jeremy!
Quinn fechou a porta da frente e viu Max descendo a escada, correndo.
— Olá, rapazinho, cuidado... — disse, temendo que o menino caísse.
Um tombo não seria bom para começar o dia da visita de Ellerby.
Max riu e ignorou o aviso de Quinn, fazendo com que este tomasse medidas
decisivas para impedir que o garoto caísse. Com rapidez, ele subiu a escada e estendeu os
braços. Max se jogou contra ele, rindo alto.
— O senhor me pegou! — gritou, feliz. — Vamos fazer isso de novo!
— Acho que não — Quinn respondeu, ofegante.
No cimo da escada, Isabel e Robin olhavam a cena.
— Papai me pegava. — Max se contorcia no colo de Quinn. — Ponha-me no
chão!
Quinn concordou. Mas, antes que pudesse recuperar o fôlego, o menino subiu
cinco degraus, preparando-se para se jogar nos braços dele outra vez.
— Max, não! — Isabel gritou.
Pelo canto do olho, Quinn a viu descendo a escada rapidamente. Mas ele
continuou com os olhos fixos em Max e preparou-se para pegar o menino no ar.
— Opa! — Quinn agarrou o garoto.
A inocente risada de Max ressoava nos seus ouvidos, fazendo com que ele, apesar
do desconforto que sentia, sorrisse também. Então, ouviu um grito feminino.
— Tia Isabel! — Robin exclamou. — Cuidado!
As palavras vieram tarde. Quinn perdeu o equilíbrio e caiu no frio e duro piso de
granito. Max caiu sobre ele, seguido de Isabel, que deu outro grito.
— Tia Isabel! A senhora está bem? — Robin desceu a escada, aproximando-se
deles. — Lorde Kendrick? Max?
— Ohhhhhhh — Isabel gemeu no chão. — Max, você está bem? A risada do
garoto ressoou, enchendo o ambiente de alegria.
Quinn respirou fundo, e não conteve a própria risada. Olhou para Isabel, ao lado
dele, e ergueu a mão para tocar o rosto dela.
— Tudo bem com você? — ele perguntou.
— Oh... céus... — ela balbuciou.
Max riu ainda mais alto.
Quinn tentou abafar a própria risada, mas não conseguiu, ao ver que Robin
também começara a rir. Isabel estava completamente aturdida com o que acontecia. Por
fim, ele cedeu ao inevitável e riu muito quando Robin lhe pulou sobre as costas,
agarrando a todos.
— Maximillian Ellerby — Isabel conseguiu dizer. — É um garoto levado... — E
caiu na risada.
Os quatro no chão, Quinn ficou de joelhos e começou a fazer cócegas nos dois
meninos. Robin deu um soco no braço de Quinn, enquanto Max pulava sobre as costas
dele e o agarrava pelo pescoço. Isabel também passou a fazer cócegas nos garotos, e
Quinn a agarrou pela cintura, puxando-a de encontro a ele. Os três começaram a fazer
cócegas nela. Todos rolavam e riam, até ficarem ofegantes. De repente, viram Barnabus
Ellerby na porta, observando a cena.
— Milorde! — Isabel exclamou, enquanto os outros permaneciam estáticos.
Ela corou, os cabelos desalinhados, enquanto se desvencilhava dos outros e
tentava se pôr de pé.
— Nós estávamos... É que... — Isabel arrumou a saia e tirou as mechas de cabelo
que haviam lhe caído sobre o rosto.
— Nós estávamos lutando, Ellerby — Quinn falou, calmo.
Então, também se levantou e ajudou Robin e Max a se porem de pé.
— Max começou — Robin acusou o irmão.
— Você pulou em Quinn — Max disse. — Eu apenas voei para cima dele.
— Você fez com que ele caísse.
— Foi tia Isabel.
— Meninos — Quinn os interrompeu, apoiando as mãos nos ombros de ambos,
para que parassem de discutir. — Procurem a srta. Griggs e se recomponham. Temos uma
batalha de soldadinhos pela frente.
Os meninos riram de novo.
— Sim, senhor — Robin respondeu, pegando Max pela mão e subindo a escada.
— Peço desculpas por nosso comportamento — Isabel falou, quando os meninos
já haviam se retirado.
Quinn aproximou-se da esposa, enlaçando-a pela cintura.
— Não há necessidade de se desculpar, querida. Estávamos apenas nos divertindo.
Não é verdade, Ellerby?
O conde pigarreou.
— É verdade, Kendrick — ele respondeu.
— Bem, se me dão licença, vou me arrumar e localizar Benns... — Isabel parou e
olhou ao redor. — Ele deveria estar aqui para... Bem, mandarei trazer alguns refrescos.
— Acompanharei o conde até a sala de visitas, meu amor — Quinn se prontificou.
— Sim, obrigada.
Isabel fez menção de se retirar, mas Quinn a pegou pelo braço, puxando-a para
perto dele. Não se importava com que Ellerby os observasse. Não ia desperdiçar os
momentos que podiam partilhar, como se tudo estivesse normal.
Erguendo o queixo da esposa, notou uma mancha. Teria que perguntar a ela.
Talvez tivesse se machucado ao se chocar com Max. Ou batido nos degraus. Mas,
naquele momento, queria um beijo. Apenas um beijo.
Seus olhares se encontraram quando ele abaixou a cabeça e beijou os lábios da
esposa. Ela estava tão alarmada como quando levara o tombo.
Quinn gostou do que viu.

Encolerizada, Isabel fechou a porta do quarto e caminhou até a penteadeira.


Como Quinn ousara beijá-la na frente do conde? Ele não tinha boas maneiras?
Decerto Ellerby os consideraria incapazes de criar Robin e Max. Principalmente depois
de tê-los visto enovelados no chão. Nunca havia se sentido tão constrangida. Se Ellerby
não tivesse chegado, eles ainda estariam brincando. Esquecendo a raiva, ela sorriu. Quinn
tinha sido ótimo com os meninos. Poderia ter ralhado, mas, em vez disso, brincara com
eles. E Max o havia comparado ao pai.
Oh, céus!, Isabel se lamentou.
Ajeitando os cabelos, notou uma mancha no queixo, o pequeno ferimento que
Quinn acariciara. Saiu do quarto para encontrar Benns. Pretendia ficar fora de vista até às
três horas, e, se tudo desse certo, Ellerby anunciaria sua decisão.

A postura de Max tinha impressionado Quinn. Lutaram contra Robin durante


quase duas horas, e o garoto mais novo havia mantido a paciência até a maioria de sua
tropa ter sido capturada por um ataque-surpresa.
Quinn se preparara para consolá-lo, mas não foi preciso. Em vez disso, Max
elogiou o irmão pela astuta estratégia. Do mesmo modo, Robin mostrou brilhantismo ao
vencer. Claro que os dois contaram com a vantagem de receber ajuda de um adulto na
estratégia adotada, e Quinn tivera um motivo ulterior para permitir que o contingente de
Robin o enganasse.
Max havia sido o único adversamente afetado pela conclusão. Quinn tinha visto
oportunidades para a vitória várias vezes, mas se controlara para não agir contra os
adversários. Pena necessitar apaziguar o ego do conde, mas um dia, no futuro, Max
entenderia as razões de Quinn.
— Bem, Max — Quinn disse, por fim. — Parece que seu irmão nos venceu.
O garoto estava deitado de bruços no tapete do escritório, os pés para o ar, os
cotovelos apoiados no chão e o queixo descansando sobre a mão. Quinn estava em uma
posição similar. Robin, do outro lado da barreira que fora feita por duas colchas e
algumas almofadas, estava sentado com as pernas cruzadas perto do avô, por sua vez
sentado em um banquinho.
— Ah! — Ellerby gritou. — Eles estão admitindo a derrota, Robert.
Quinn olhou para o relógio da parede e notou que faltavam quinze minutos para as
três. Percebeu também que a taça de conhaque do conde estava, mais uma vez, vazia.
— O que acha, Max? Deveríamos reconhecer, como homens orgulhosos que
lutaram valentemente mas perderam, ou continuar a persegui-los até o fim? — Quinn
perguntou, no ouvido da criança. — Poderá ganhar bolinhos de canela extras.
Max sorriu, os olhos brilhantes. Era impossível não sentir afeição pelo menino.
— Você travou um bom combate — Quinn disse, dando um tapinha nas costas do
garoto.
Max se pôs de pé e fez uma reverência ao avô e ao irmão.
— Tivemos um bom combate — o menino falou. — Estamos orgulhosos, mas nos
rendemos.
— Eu sabia! Vencemos! — Robin exclamou. — Obrigado pela sua assistência,
vovô.
Ellerby parecia corado e sensibilizado pelas palavras do neto.
— Foi uma honra, Robert. Como também foi uma honra enfrentar oponentes tão
competentes. Deveríamos fazer isso mais vezes.
— Oh, podemos? — Robin perguntou, olhando para Quinn.
— Tentaremos — Quinn respondeu. — Agora, se arrumarem esta bagunça,
acompanharei seu avô à sala de visitas.
O conde levantou-se do banquinho, levemente cambaleante. Quinn pegou a taça
vazia e o conduziu à outra sala.
— Espero que tenha gostado, Ellerby.
— Não me divertia tanto há séculos — o conde falou. — Nem sabia que existia
divertimento desse tipo. Estou acostumado com clubes. Fico surpreso de saber como é
bom conviver com os meninos.
Ellerby continuou falando até chegarem à sala, onde Quinn voltou a lhe servir
conhaque.
— Minha opinião é de que deveríamos ter outras tardes iguais a esta — Quinn
propôs. — É claro que, se o senhor tivesse obrigações com os garotos o tempo todo,
provavelmente não iria querer jogar com eles.
— Sim, sim. Entendo o que quer dizer. — Ellerby sentou-se em uma poltrona de
couro, diante de Quinn. — Eles nunca tiveram tempo para brincar dessa maneira com o
pai. E eu nunca teria tido a idéia de jogar com meus netos, se não fosse pela sua aposta.
O conde tomou um gole da bebida e encarou Quinn.
— Mas brincar é apenas uma pequena habilidade que devemos ter para educar
crianças, não é? Na verdade, a menor delas.
— Porém, se uma criança está contente, fica mais predisposta a aprender as
habilidades necessárias para ocupar seu lugar no mundo — Quinn argumentou.
— Ah, sim — Ellerby afirmou. — Acha que Isabel e o senhor poderão fazer meus
netos mais felizes do que se vivessem comigo?
— Penso que todas as crianças, menina ou menino, necessitam de uma mulher na
vida delas — ele respondeu, sério.
— Pois é. Meu Robert adorava Penélope, mesmo quando eu a considerava terrível.
— Isabel faria um trabalho admirável cuidando do bem-estar de Robin e Max —
Quinn continuou.
— E o senhor? — Ellerby estreitou os olhos. — Tenho que admitir que sou cético
em relação ao relacionamento de ambos! O casamento foi abrupto, não concorda
comigo?
— Sim — Quinn assentiu, com o coração apertado. — Mas esperei anos para me
casar com Isabel. Não podia aguardar mais.
O conde de Dunton ergueu o queixo, piscou e tomou mais um gole de conhaque.
— Quase me faz acreditar. — Depositou a taça sobre uma mesa.
Quinn a encheu de novo e a colocou na mão de Ellerby, observando o conde beber.
— No entanto, não tenho certeza de poder criar meus netos!
— Ah, mas não há necessidade disso, milorde.
Quinn ouviu um ruído, virou-se, e avistou Isabel, parada à porta da sala.
Franziu o cenho, desejando que ela não tivesse entrado naquele momento.
Levantou-se para fazer com que ela se aproximasse e, para sua surpresa, Isabel fez uma
reverência e sentou-se em uma cadeira perto dele.
Sem perder tempo, Quinn pegou a mão da esposa.
— Eu explicava a lorde Ellerby, minha querida, que seria bom que ele participasse
da criação de Robert e Max.
— Sim? — Isabel perguntou, reticente.
O olhar dela era duro, quando enfiou as unhas na palma da mão do marido.
— Sim, de vez em quando — Quinn continuou, ignorando o constrangimento de
Isabel. — Quando forem apresentados à corte, por exemplo. Deixando a você a
responsabilidade do dia-a-dia. As discussões, as governantas e os professores.
Ellerby arregalou os olhos, como se não tivesse considerado aqueles aspectos.
— Isabel teria mais competência para esses assuntos — Quinn acrescentou. — O
que faria com que o senhor apreciasse a companhia deles, em vez de ficar entediado.
Fazendo uma pausa, ele observou o conde.
— Proponho que criem Robert e Maximillian — Ellerby disse, por fim.
Isabel suspirou, profundamente aliviada. — Com a condição... — Dunton
prosseguiu — de que eu seja convidado de vez em quando para participar da educação
deles.
— Sim, sim, é claro — Isabel concordou.
— Excelente! — Ellerby sorriu. — Mais um conhaque, Quinn, para selar nosso
acordo.
Jeremy soltou a mão de Isabel e serviu ao conde uma boa dose da bebida, o
coração cheio de satisfação. Conseguira ajudar Isabel e tinha feito o melhor para Robin e
Max. Talvez não estivesse com o coração tão empedernido.
Não. Não podia alimentar aquele tipo de pensamento. Tinha que ser duro e, até
cruel, para proteger-se de outra desilusão e de mais dor.
Ao erguer a taça para brindar com o conde, pensou no momento em que iria
embora. Para sempre, sem olhar para trás.
Mas Ellerby falava alguma coisa, e Quinn teve que prestar atenção.
— Então, quero que os senhores me acompanhem ao baile da duquesa de Charlton
depois de amanhã.

Quinn olhava, da janela do seu quarto, o belo gramado da residência, os


majestosos carvalhos e as árvores seculares que circundavam a propriedade. Tinha a
mandíbula tensa, a serenidade do lugar fazendo muito pouco para subjugar a tormenta
que reinava dentro dele.
Havia uma hora que Ellerby partira, depois de Quinn e Isabel terem concordado
em participar do baile da duquesa de Charlton.
Isabel havia sido a primeira a dizer que tinham outros planos e não poderiam
aceitar o convite. Mas, quando Ellerby ameaçou voltar atrás na decisão de conceder a
guarda dos meninos, Quinn assegurou que iriam.
Estaria fora de si? Deveria ter abandonado a farsa, naquele momento. Deveria ter
explicado que não era o marquês nem o marido amoroso que Ellerby imaginava. E que
não ficaria por perto para ajudar a criar os netos do conde. Porém, calara-se. Quinn estava
perplexo. Ele mesmo sabotava sua partida? Precisava ir embora. Max confiava nele a
ponto de se jogar nos seus braços. E o pior... ele tinha gostado...
Esquecera tão facilmente a falsidade de Isabel? Esquecera de que ela havia se
casado com ele apenas para conseguir a guarda dos sobrinhos? Que o traíra, apesar de
parecer frágil e nobre apesar das boas intenções em relação aos sobrinhos?
Sentiu ódio da própria idiotice. Tinha sido tão fácil fingir que Isabel era sua
querida esposa, que ambos desejavam criar Robin e Max e que a paixão entre eles era
verdadeira!
Afastou-se da janela, dizendo a si mesmo que vermes habitavam sob o belo
gramado, assim como o fingimento dominava a farsa em que ele se envolvera.
E que alternativa tivera? Concordara com que Isabel deveria criar os sobrinhos.
Não desejava que outra criança se tornasse vítima do destino, se ele tinha condições de
ajudar.
Uma batida na porta o afastou dos devaneios.
Por um instante, agradeceu a interrupção. Mas não queria enfrentar a esposa
novamente. Foi até a porta do quarto e a abriu. Isabel estava na frente dele.
— O que foi? — Quinn perguntou, sem se mover.
— Eu... eu... — Ela ficou surpresa com o ríspido tom de voz dele.
Da última vez que o vira, Quinn sorria, ao se despedir de Ellerby.
— Esqueceu que por hoje a farsa terminou?
—Eu... sei, milorde, mas pensei que, depois do que aconteceu esta tarde...
— Pensou errado — Quinn a interrompeu. — Foi tudo uma encenação. Não se
esqueça outra vez.
— Não me esquecerei — ela capitulou. — Apenas queria dizer que você foi muito
convincente, e vim até aqui porque concordou em ir ao baile da duquesa.
Quinn se afastou da porta e foi até a poltrona perto da janela, olhando para fora.
— Quer dizer que ficará um pouco mais?
Ele sentou-se, massageou as têmporas e suspirou.
— Não sei.
— Como assim? Você se comprometeu.
Quinn lhe endereçou um olhar triste. Estaria irritado novamente?, pensou Isabel.
Temeroso ou tentando puni-la?
— Não pode fazer isso agora — ela insistiu.
Ele passou a mão pelos cabelos.
— Se eu a acompanhar a uma festa, Ellerby descobrirá a verdade a meu respeito.
— Não considerei... — Isabel sentou-se na cama.
— Quanto tempo acha que esta farsa poderá durar? Muitas pessoas sabem da
minha prisão. Muitas até já me viram depois que fui libertado. Além disso, acredita que
John permitirá que eu circule por aí, quando ele é o verdadeiro marquês?
Isabel parecia perplexa.
— Por que acha que não é o herdeiro do seu pai? Recebeu alguma notificação a
esse respeito, quando estava em Marshalsea? Conversei com John sobre isso e ele não
disse ter recebido o título.
— Meu pai nunca permitiria que eu fosse seu sucessor.
— Não é verdade. — Isabel levantou-se e deu alguns passos na direção de Quinn,
o coração batendo forte. — John não é o marquês. Ele está furioso por você ser o
marquês.
Quinn permaneceu em silêncio e Isabel deu um passo atrás.
— Está com medo de mim? — ele perguntou.
— Talvez. Tenho boas razões. — Ela deu outro passo atrás.
— Realmente. — Quinn se levantou. Deu as costas a Isabel e olhou pela janela
mais uma vez, antes de acrescentar, em voz baixa: — Você sempre me temerá.
A dor que ele sentia era visível, e o coração de Isabel se compadeceu. Queria
desesperadamente abraçá-lo.
— Jeremy? — ela se atreveu a dizer. — Não quero ter medo de você. E sinto
muito por Ellerby ter nos colocado em outra situação difícil. Tampouco quero ir ao baile.
Mas imploro que vá. Por Robin e Max.
— Gostaria de saber — Quinn se virou para olhar para Isabel —, se você não
percebe que será ridicularizada, se participar do baile em minha companhia. Porém,
deveria ter pensado nisso antes de iniciar este jogo. Não estaríamos agora nesta situação
Ela cerrou os dentes.
— Não me importo de ser ridicularizada. Como pode pensar que eu seja tão
frívola? Minha preocupação é com os filhos da minha irmã.
— Sim, eu sei.
— E com você — ela acrescentou.
— Não necessito que se preocupe comigo. — Ele passou por ela e saiu do quarto,
batendo a porta.
Isabel enterrou o rosto nas mãos, percebendo que havia cometido um erro. Outro
erro.
— Gostaria de não amá-lo tanto — murmurou.

Quinn cavalgou bastante. Rápido e para longe. O rapaz que cuidava do estábulo
lhe dera uma égua lustrosa, que parecia precisar de liberdade, como ele. O animal lhe deu
o melhor, afastando-o de Londres. Se ao menos pudesse ter deixado seu rancor para trás...
Mas não... A dor e a revolta estavam no âmago de sua alma.
Fez a égua parar para admirar a Mansão Pearl, no vale abaixo, e as terras dos
Kendrick. O crepúsculo se aproximava, mas ainda era possível ver as campinas
verdejantes que cercavam a mansão e os velhos bosques que se alongavam a perder de
vista. Bosques nos quais ele brincara quando criança, correndo pelos canteiros de flores e
pescando no riacho.
O pomar de maçãs ficava à direita da casa e, à esquerda, os estábulos, que
abrigavam o gado e os puros-sangues.
Durante muito tempo, Quinn pensara que a propriedade era seu destino. E ficou
indeciso se devia continuar sua visita. Nem sabia se desejava voltar para casa. Seu pai
não estava mais lá e seu irmão, tampouco. Nunca tinha sido um lar feliz. Mas, Quinn
sempre sentira a presença da mãe, o brilho do sol nos quartos que ela havia decorado, o
profundo amor que lhe tinha dedicado. Ela lhe ensinara a ter fé, a acreditar nas coisas que
não se pode ver.
Fazia meses que Quinn havia lido a Bíblia e meses desde que virara as costas a
Deus, por tê-lo abandonado. Estaria errado? Por que não podia acreditar que Isabel
permanecera fiel a ele, fazendo o possível para libertá-lo, mesmo não conseguindo prová-
lo?
O demônio da desconfiança rugia como um leão, querendo devorá-lo. Quinn sabia
disso. Sofrimentos e tribulações eram bênçãos, significavam força e vigor. Por que, então,
não conseguia enfrentar seus demônios? As perguntas continuavam a importuná-lo, sem
respostas.
A noite se aproximava e começou a esfriar, lembrando de que ele estava no cimo
da colina.

Isabel batia o pesado tapete feito à mão com uma vassoura larga. A sra. Peale
avisara Isabel de que iam passar o dia limpando a casa e a olhava com o cenho franzido.
Isabel ignorava a mulher que havia dito às outras criadas que iriam começar
fazendo o inventário da roupa de cama, mesa e banho, dos candelabros de prata, que
iriam polir os metais de ouro e prata e os lustres, para então limpar os tapetes.
Tinham trabalhado toda a manhã e Isabel estava determinada a deixar o tapete,
pendurado a sua frente, sem nenhum grão de poeira. Pensar em Quinn lhe dava toda a
inspiração de que precisava. Ele e seu ódio. Quinn a humilhara, a rejeitara e a
abandonara. Bateu no tapete com mais força ainda. Quinn era realmente vil. E ela que
havia pensado estar apaixonada por ele! Riu sarcasticamente, fazendo a sra. Peale
arregalar os olhos. E Isabel continuou a bater no tapete, com a vassoura.
— Eu... acho que esse tapete já está limpo, milady — a governanta balbuciou.
Isabel parou, a vassoura no ar, antes de apoiá-la no chão.
— Muito bem, traga-me o próximo.
— Não, milady. — A sra. Peale tentou convencer a patroa, enquanto dois criados
removiam o tapete limpo para substituí-lo por outro. — Não acha que já trabalhou o
suficiente, por hoje? Posso terminar.
Isabel sabia que a boa mulher devia pensar que ela enlouquecera. Nunca tinha se
oferecido para cuidar dos afazeres domésticos. Mas, depois de esperar em vão pelo
regresso do marido, precisava de alguma coisa que a mantivesse ocupada. Ou realmente
enlouqueceria.
— Estou bem, sra. Peale. E não pretendo afastá-la dos seus encargos. Por favor,
pode continuar com o seu serviço.
— Mas... isso não é... Quero dizer, a senhora não tem outras coisas para ver?
Robin e Max já regressaram da visita ao museu.
— Já? É tão tarde assim?
— Sim, milady.
Isabel franziu o cenho.
— Então suponho que devo ir me arrumar.
A criada não perdeu tempo em tirar a vassoura das mãos da jovem.
— Faça isso, milady.
Isabel finalmente cedeu, entrando em casa a pensar em como o tempo passara tão
depressa.
Onde estaria Quinn? Tinha ficado o dia todo fora, sem avisá-la. Isabel passou pelo
vestíbulo e subiu a escada, pensando que talvez fosse melhor nunca mais vê-lo. Cansara
das artimanhas dele, de ficar sozinha. Encontraria outro modo de cuidar dos meninos.
Mas isso significaria abandonar seus sonhos e tudo o que ela mais queria: Jeremy.
Entrou no quarto, decidida a não mais pensar naquele impasse. Tomaria um banho
e passaria o resto do dia com seus sobrinhos. Prendeu os cabelos com uma tira de pano,
foi até o banheiro e tirou a roupa. Lá, refrescou-se em uma bacia de água fresca.
Ao ouvir passos abafados do lado de fora, a curiosidade levou a melhor e ela
entreabriu a porta. Arregalou os olhos ao ver Quinn sentado na beirada da cama, fitando-
a. Prendeu a respiração e apressou-se a se cobrir com um roupão, antes de entrar no
quarto de vestir.
— O que está fazendo aqui? — ela perguntou.
Quinn afrouxou o colarinho da camisa e suspirou. Ela parecia tão deliciosa e
perfumada depois do banho! Era uma visão à qual ele, cada vez mais, não conseguia
resistir.
— Necessito de uma razão para ver minha esposa?
— Sim, pois não temos um relacionamento normal. Supondo que terei que pôr
trancas nas portas.
Quinn não tinha voltado para brigar. Tinha perguntas, sim, mas se sentia no
controle da situação. E planejava permanecer daquela maneira.
— De hoje em diante, baterei antes de entrar.
— Verdade? — ela indagou, inclinando a cabeça para o lado.
— Se isso lhe agradar.
— Sim, é melhor.
Porém, Quinn não conseguiu afastar o olhar do ombro e do pescoço de Isabel,
quando o roupão se abriu um pouco.
— O que está fazendo aqui? — ela repetiu, ajeitando o robe.
— Pensou que eu não fosse mais voltar?
— Sim, isso me ocorreu.
Lentamente, Quinn tirou a gravata.
— Você continua a ser um estorvo para mim — ele afirmou.
— O quê? Não fiz nada.
Jeremy pôs a gravata no bolso do casaco.
— Ah, fez, sim — ele replicou. — Nas últimas vinte e quatro horas... Não...
Durante os últimos anos você importunou minha mente. Manteve minhas cordas
esticadas como as de uma pianola.
— O quê?
Ele se levantou.
— Onde estou, você também está. Não tenho paz.
Isabel engoliu em seco.
— Asseguro-lhe, Jeremy, que não é por minha causa que não tem paz. Talvez seja
por ter me abandonado.
— Abandonado você?
— Sim. — Ela cruzou os braços sobre o peito.
— Eu não a abandonei. Eu saí.
— Está bem... Saiu. — Ela largou os braços ao longo do corpo. — Qual é a
diferença?
— Há uma grande diferença. — Quinn franziu as sobrancelhas. — Apenas saí para
tentar me recompor.
— Ah, e eu deveria saber disso? Para se recompor é necessário tanto tempo? —
Isabel deu um passo na direção da cama e apontou o dedo para ele. — Ou tem outro
termo para isso também?
Quinn cerrou os punhos. O perfume de lilás lhe impregnava as narinas e fazia seu
sangue ferver.
— Sabe a razão de eu ter saído.
— Ah!... — ela exclamou, tentando parecer negligente. — Sei das desculpas para
sua saída.
— Isabel, está brincando com fogo.
Ela cutucou o peito dele com um dos dedos.
— É mais brasa do que fogo.
Quinn lhe agarrou o pulso, os olhos soltando faíscas.
Isabel ficou quieta e o encarou.
— Não — ela sussurrou e tremeu.
Mas o tremor não era de medo. E Quinn pôde sentir o desejo que a esposa nutria
por ele.
— Isabel — ele também sussurrou —, é tentadora demais para eu continuar a
resistir. Entende o que estou dizendo?
— Jeremy — ela disse, pondo a mão sobre o braço dele. — Não me deixe
novamente.
Quinn sentiu-se um tolo ao notar que também tremia. Largou o pulso de Isabel e
se afastou, recuperando o controle.
— Jeremy? — Isabel abraçou-o por trás, encostando a cabeça nas costas dele.
O autocontrole de Quinn desmoronou, com um gemido, ele a pegou pelos braços
e, antes que Isabel pudesse pronunciar uma só palavra, segurou-lhe o rosto entre as mãos
e curvou-se para beijá-la.
Isabel o enlaçou no pescoço para, em seguida, afagar-lhe os cabelos.
Quinn entreabriu os lábios e, quando suas línguas se encontraram, pensou ter se
rompido em dois.
— Isabel — murmurou, estreitando ainda mais o abraço. Passou a beijar o pescoço
dela, que se oferecia a ele.
— Faça amor comigo, Jeremy Quinn. Agora. Nem pense em se afastar e dizer que
não me quer.
— Não direi — ele sussurrou. — Não desta vez.
Quinn a pegou no colo e a levou para a cama, deitando-a com delicadeza. Sem
afastar os olhos dela, tirou os sapatos e a camisa, ficando apenas de calça. Tentando se
conter para não parecer brusco, deitou-se sobre Isabel.
— Esta noite você será minha.
— Sim, sim — Isabel gemeu.
Ele continuava a beijá-la com sofreguidão. Os lábios, o pescoço, o colo.
— Oh, Jeremy...
Pondo-se de lado, ele desamarrou o roupão de Isabel, expondo os seios aos seus
carinhos. Passou o polegar ao redor dos bicos túrgidos.
— Beije-me, Jeremy. Beije-me toda...
Quinn não discutiu e arrancou o roupão de Isabel.
— Você é linda — sussurrou, antes de beijar-lhe e sugar-lhe os seios, além de
passar a língua ao redor dos mamilos.
Ela se contorcia sob o corpo de Quinn. Então, ele a tocou por inteiro, beijou-a,
acariciou-a, de frente, de lado, de costas.
Quando Isabel gemeu mais intensamente, ele terminou de se despir e a beijou do
umbigo até o joelho e na parte interna das coxas.
— Jeremy...
— Isabel...
— Sinto dor pelo corpo todo.
Quinn gemeu e posicionou-se sobre ela.
Isabel gritou de prazer e de dor, quando ele a possuiu. Quinn silenciou-a com um
beijo, até que os dois se moveram juntos, como se fossem uma só pessoa.
— Isabel! — Quinn pronunciou o nome dela, enquanto a penetrava cada vez mais
fundo, até chegar ao orgasmo.
Ela gritou, atingindo o clímax ao mesmo tempo que ele. Em seguida, ficou imóvel
sob o corpo másculo, nua e saciada.
Após um momento, Quinn rolou para o lado e apoiou a cabeça no peito de Isabel.
Ele sentiu como se tivesse viajado a um mundo estranho.
— Você está bem?
— Nunca estive tão bem em minha vida — ela respondeu, com voz firme.
— Não a machuquei?
— Doeu um pouquinho.
— Perdoe-me por ter duvidado da sua pureza. Foi inconsciente.
— Sim, eu o perdôo. — Ela acariciou o peito de Quinn, que agora estava deitado
de costas. — Jamais teria me entregado a outro. Mas não posso aceitar suas desculpas, a
não ser que aceite as minhas. Por qualquer coisa que eu lhe tenha feito. Sinto muito, de
verdade. Eu nunca o magoaria.
Ele olhou para o dossel da cama e Isabel não lhe viu o olhar atônito. Céus, ela
estava se desculpando. Quinn já havia desistido de um dia ouvir um pedido de desculpa
da parte de Isabel, de John e de Winston, devido à atitude deles enquanto estivera preso.
— Por que está se desculpando?
— Não tenho certeza — ela balbuciou. — Mas pensou que eu o tivesse traído. Só
posso dizer que não o fiz, e sinto muito que tenha pensado que agi de maneira tão ignóbil.
Quinn se lembrou do primeiro encontro deles, depois da sua libertação. Ela havia
dito que lhe enviara cartas e ele não tinha acreditado. Agora não estava tão seguro. Se
Isabel houvesse lhe mandado cartas, o que teria acontecido com elas? Precisava descobrir
a verdade, mesmo querendo acreditar apenas nas palavras dela.
— Não precisa se desculpar — ele sussurrou. — Prefiro fazer seu corpo planar.

Isabel acordou ao sentir que Quinn não estava mais na cama. Abriu os olhos na
escuridão da noite e viu-lhe a sombra vestindo a calça e pegando as botas e a camisa do
chão.
— Vai sair? — ela perguntou.
— Preciso — ele respondeu, virando-se.
— É parte do seu plano? — Isabel ergueu-se, cobrindo o corpo com o lençol. —
Voltar por uma noite antes de sair novamente?
— Preciso de respostas — Quinn a informou, pondo a camisa.
— Eu também.
— Se eu encontrar as minhas, também terá as suas.
Insatisfeita, Isabel franziu o cenho. Não ia segurá-lo se ele quisesse partir, mas,
depois da noite de amor, tinha pensando que...
— Espero que as encontre — ela disse.
Já calçado com as botas, Quinn fitou-a mais uma vez, aproximou-se da cama e a
beijou. Um momento depois, Isabel estava sozinha.
Levantou-se. Não tinha nenhuma pista de para onde ele fora, especialmente
porque ainda não havia amanhecido. Mas estava determinada a segui-lo. Não ia permitir
que seu homem fosse embora sem lutar por ele, depois das horas que passaram juntos.
Correu para o guarda-roupa e tirou um vestido verde-claro. Amarrou os cabelos
com uma fita e esperou que ele saísse do próprio quarto. Então o seguiu, afastada o
suficiente para não ser notada pelo marido. Ou... amante.
Céus! Ela corou ao descer a escada. Que noite gloriosa tivera com o único homem
que podia amar! Quinn estaria se sentindo da mesma maneira?
Isabel o seguiu até o estábulo, agradecida por ele ter decidido cavalgar em vez de
caminhar. Em poucos minutos, Quinn selou o animal e partiu. Rapidamente, ela pediu a
um empregado que selasse o cavalo dela e seguiu o marido, enquanto o sol começava a
nascer.
Havia pouco tráfego nas ruas e, na junção da Park Lane, Isabel se dirigiu a
Piccadilly. Lá, carruagens de aluguel e carroças eram numerosas. Ela parou, quando um
vendedor de ovo e leite atravessou seu caminho. Incerta sobre qual direção tomar, viu
Quinn dirigindo-se para o leste. Instigou o cavalo a apressar o passo, até emparelhar com
do o marido.
— Bom dia — ela disse, prendendo a respiração.
Quinn inclinou a cabeça para o lado, calmo demais, para surpresa dela.
— Vai a algum lugar? — ele perguntou.
Isabel engoliu em seco antes de responder:
— Pensei em acompanhá-lo.
— Não me recordo de tê-la convidado.
— E não me recordo de ter pedido — Isabel respondeu, mantendo a cabeça
erguida. — Mesmo assim fui impelida a fazê-lo.
Quinn franziu o cenho, mas continuava a cavalgar, para alegria de Isabel.
— Levou um tempo considerável para me alcançar. E se eu não tivesse mantido o
cavalo a passo lento?
— Sabia que eu o estava seguindo? — ela indagou, incrédula. — Esperava-me?
Um ligeiro sorriso foi a resposta de Quinn.
Isabel se conteve para não xingá-lo. Não ia arruinar sua vitória.
— Aonde vamos? — ela questionou.
Ele ficou em silêncio durante algum tempo.
— Vamos a Pearl Hall — Quinn finalmente respondeu.
Então, Isabel entendeu a seriedade dele. Era evidente que o marido sabia que teria
que enfrentar o passado, se quisesse prosseguir seu caminho. Isso a deixou esperançosa.
Mesmo assim, sentia-se insegura. Não tinha certeza se ele estaria pronto para mais
uma decepção. E imaginava que John não seria útil ao irmão. Mais de uma vez, John
sugerira que a desejava. Por isso Isabel havia deixado de pedir auxílio a ele, passando a
recorrer a Winston.
Mas não havia nada de tangível para provar sua intuição. E ela olhou para Quinn,
esperando que tudo acontecesse da melhor maneira possível.
A estrada para Gravesend estava congestionada. Eles pararam para tomar chá e
comer torta de maçã, antes de continuarem a viagem. Sem trocar uma só palavra.
Quinn achava que deveria ter mandado Isabel para casa. Era tolice permitir que ela
o acompanhasse na primeira visita ao lar, pois não sabia o que iria encontrar.
Porém, na verdade, queria partilhar o trajeto com ela. No início, Quinn dissera a si
mesmo que queria que ela visse o fruto da sua traição. A porta da Mansão Pearl seria
fechada no rosto dele e Timmons, o mordomo da família havia mais de três décadas,
confirmaria que ele não era mais o sucessor de seu pai.
Naquele dia, Quinn queria ser sincero com ele mesmo. E queria Isabel com ele. A
esposa tinha a força que lhe faltava.
Poderia Isabel tê-lo traído e amá-lo como havia feito na noite anterior? Era
impossível mentir daquela maneira. E ele nunca se esqueceria daquela noite. Nunca
desejara tanto uma mulher. Seu coração nunca tinha sido tão terno, e a alma nunca
estivera tão satisfeita.
A aceitação fazia isso com um homem? Quinn sabia apenas o que era rejeição.
E o que era aceitação, senão amor?
Olhou para a esposa, cavalgando ao lado dele. Determinada. Firme. Se ele
encontrasse a prova que desejava, talvez pudessem ter um futuro juntos. Poderiam ter
Robin e Max e, quem sabe, mais tarde, um filho ou uma filha. Querendo afastar tal
pensamento, fez o cavalo parar e, de cima da colina, olhou para Pearl Hall, como fizera
no dia anterior.
Sempre tivera orgulho de sua herança e fora criado e educado para ser o sucessor
do pai. Teria errado? Deveria ter se rendido às exigências do pai? Devia ter abandonado a
Cozinha de Rachel e os pobres, para se ater às responsabilidades de um marquês?
Estaria William, o décimo marquês de Pearl, errado, ao esperar que o filho
cuidasse de sua herança?
Havia muitas perguntas que Quinn não sabia responder. Reconhecia que o pai
nunca brincara com ele, nem com John. Nem havia rolado com eles no chão, dando
gargalhadas. Mas tampouco tinha sido um tirano. E Quinn fora um filho obediente e
respeitoso, na maior parte da vida. Nem havia motivo para não ser, até o dia em que uma
mulher pobre colocara a filha nos braços dele, pedindo que cuidasse da criança. Tudo
havia mudado na vida de Quinn: suas perspectivas e o respeito pelo pai.
Com Isabel ao lado dele, dirigiram-se à entrada da portentosa mansão. Antes que
chegassem, um exército de criados se posicionara na frente da casa, cheios de
curiosidade. Quinn reconheceu Timmons pela cintura grossa e pelas pernas tortas, quando
o mordomo se afastou dos demais criados. Sua esposa, a governanta da casa, o seguiu,
mantendo certa distância. Não tinham certeza de quem eram os visitantes, até que, de
repente, o reconheceram. A sra. Timmons abriu a boca e a cobriu com a mão. Timmons
parou, atônito, antes de começar a andar novamente.
Quinn puxou a rédea do cavalo e esperou que o homem se aproximasse.
— Por Deus, não posso acreditar nos meus olhos — o mordomo disse, pegando a
rédea do animal. — É o senhor, mesmo?
Quinn meneou a cabeça, assentindo, mas não desmontou.
— Bem-vindo ao lar, milorde. — Abriu um largo sorriso.
O mordomo parecia mais velho do que Quinn imaginava, mas simpático como
sempre. Vestia o uniforme dos Kendrick: preto, azul real e branco, com o brasão da
família bordado na lapela.
Aliviado, Quinn apeou do cavalo. Em seguida, ajudou Isabel a fazer o mesmo.
Timmons entregou os animais a um criado.
Quando o mordomo olhou novamente para o patrão, seus olhos estavam úmidos.
Ele nunca fora um criado muito discreto, razão pela qual a mãe o tinha contratado.
Timmons agarrou a mão que o patrão lhe estendeu com firmeza.
— Eu já tinha perdido a esperança, milorde.
A sra. Timmons se juntou a eles, chorando.
— Oh, obrigada, meu Deus! — Ela abraçou Quinn, deixando-o embaraçado.
— Shhh... sra. Timmons. — O mordomo tentou acalmar a mulher, com um tapinha
nas costas. — Estamos aturdidos — desculpou-se.
Após alguns segundos, a governanta soltou Quinn. E passou o braço ao redor dos
ombros de Isabel.
— Preciso lhes dizer... — Quinn olhou para os criados—que não tinha certeza de
que seria tão alegremente recebido.
— Sentimos muito sua falta, meu rapaz. Como poderia ser de outra maneira?
Quinn sorriu e apresentou Isabel como sua esposa, o que deixou os criados ainda
mais atônitos. Aquela recepção calorosa o surpreendeu. Porém, John não se encontrava
em casa. Ele sabia que seria diferente se seu irmão estivesse presente.
— Desejo trocar algumas palavras com você, Timmons — Quinn disse, depois
que todos se refizeram da surpresa.
— Será um prazer para mim, milorde. — Timmons olhou para Quinn como se
soubesse de alguma coisa.
Os dois entraram na casa e Quinn parou para observar o vestíbulo e a imponente
escada. Havia uma mesa em frente à escadaria, com um vaso de cristal repleto de flores
frescas. O piso era coberto por um tapete de cores vibrantes e, as paredes, por quadros.
Um botão de rosa havia sido colocado na frente do retrato de sua mãe, como de costume.
— Que linda! — Isabel sussurrou.
Quinn sentiu-se orgulhoso.
— Minha mãe decorou toda a casa, antes de morrer. Ela adorava flores. Colocou
todos os quadros nas paredes, com exceção do retrato dela. Meu pai queria, mas ela
considerava exibicionismo. Ele o pendurou depois da morte dela.
— Seu pai deve tê-la amado muito — Isabel opinou.
— Sim, creio que sim. Venha.
Ele conduziu Isabel até a sala de visitas. Ela se sentou e ele continuou a olhar tudo
atentamente. Os retratos dos antepassados e do pai com o semblante muito sério. Alguma
vez o vira sorrir?
— Chá, sra. Timmons, por favor — o mordomo se apressou a pedir.
A governanta sorriu e se afastou.
Quinn sentou-se em uma das quatro cadeiras perto da lareira e pediu que Timmons
se juntasse a ele e Isabel.
O mordomo hesitou diante do convite incomum. Mas, à insistência do patrão,
obedeceu.
— Sabe onde estive? — Quinn perguntou.
O mordomo mexeu-se na cadeira, inquieto.
— Nunca disse a ninguém, mas sim, sei que o senhor estava em Marshalsea.
Entretanto, pelo amor do Todo Poderoso...
— Como descobriu?
— O senhor sabe que as paredes falam. — O homem baixou o olhar. — E seu pai
não era um homem quieto. Ele estava enfurecido.
— Conhece as circunstâncias da minha prisão?
— Ah, lorde Jeremy... não acreditei nem por um momento que seu pai ia deixá-lo
lá. Nem por um minuto.
— Por que diz isso?
— Simplesmente sei. — O criado bateu no peito. — Sei no meu coração. Mas
então ele morreu.
Quinn levantou-se e parou atrás da cadeira de Isabel, passando a mão na nuca.
— Em que cidade da França John está?
O mordomo permaneceu em silêncio.
— Onde? — Quinn insistiu.
— Ele não está mais na França, milorde. Lorde John chegou em casa na noite
passada. Nós deveríamos acordá-lo para receber o senhor, mas...
— John está em casa?
— Ele não ficará satisfeito comigo.
— O senhor não podia saber que eu chegaria.
— Eu deveria ter enviado um criado para despertá-lo.
— Por que não o fez? — Quinn sentiu a mão de Isabel sobre a sua.
— Milorde... Eu poderia?
— Dou-lhe permissão. Antes, conte-me o que sabe e, ainda mais importante, o que
pensa.
O mordomo suspirou.
— Estou aqui desde antes do seu nascimento. Sinto saudade da senhora sua mãe
até hoje, era uma santa mulher. E o senhor é como um filho para mim. O senhor e sir
John.
Quinn permaneceu em silêncio para que Timmons continuasse.
— Seu pai, milorde, embora às vezes ríspido, jamais o teria prejudicado. Sua
morte repentina foi após outra discussão com John. O médico disse que o coração dele
não suportou. Mas depois... — Fez uma pausa. — Depois, perguntei a lorde John se não
ia tentar libertá-lo, se ia deixá-lo naquele lugar horrível. Ele disse que eu me preocupasse
com meus afazeres. E que o senhor estava no lugar em que merecia estar.
— John disse isso?
— Não pude acreditar nos meus ouvidos, milorde. Então, entrei em contato com
sir Hill. E ele me assegurou estar fazendo todo o possível para obter sua libertação. Falei
com ele várias vezes.
Timmons ficou em silêncio. Isabel levantou-se e segurou no braço de Quinn. Ele
se esforçava para manter a compostura, mas estava tenso.
— Agradeço seus esforços, Timmons. Mais do que possa imaginar.
— Há mais, senhor. — O mordomo cofiou o queixo.
— Continue.
— Depois do funeral, o sr. Franklin leu os desejos finais do seu pai a lorde John.
Ele não ficou satisfeito ao saber que o senhor ainda era o sucessor. Assegurou a Franklin
que iria visitar o senhor para avisá-lo, mas, quando o advogado se foi, lorde John se
embriagou. Naquela mesma noite, nos fez levar os pertences dele para o quarto do pai. —
Timmons meneou a cabeça, inconformado. — Ele não é mais o rapaz que conheci... Não
meu pequeno John. Acho que está atormentado...
Um silêncio opressivo tomou conta do ambiente. Quinn e John nunca haviam sido
próximos, mas Quinn nunca poderia pensar que o irmão fosse capaz de sentir um ciúme
tão poderoso, a ponto de conspirar contra ele para mantê-lo encarcerado. Achava que o
pai fosse o único manipulador. Sempre pensara que John, Isabel e Winston não haviam se
esforçado o suficiente para libertá-lo. Mas John nem tentara?
Quinn olhou para Isabel, porém, não pôde interpretar as lágrimas que ela tinha nos
olhos. Seriam de culpa? Ou de tristeza
A sra. Timmons chegou com o chá.
— Cartas, Timmons — Quinn disse. — Viu alguma carta de lady Isabel para mim?
Ou de outros? Talvez na escrivaninha de John ou na mesinha-de-cabeceira?
— Cartas, milorde? Apenas as de milady para sir John.
— De Isabel a John?
— Sim — afirmou a sra. Timmons, servindo o chá.
— Para falar sobre você — Isabel explicou. — No começo encontrei John
pessoalmente, implorando que ele fizesse uma petição à rainha e ao parlamento. Ele me
assegurou estar fazendo todo o possível. Então sir Hill me livrou das cansativas visitas a
John e passou a fazê-las no meu lugar. Continuei enviando cartas a ele semanalmente e,
diariamente, a você, em Marshalsea.
Quinn tentou digerir tudo que ouvia. Não aceitou o chá e caminhou até a janela,
olhando para o vasto vale e para os bosques. Brincara naqueles bosques, quando criança.
Ele e John. Agora o irmão havia regressado da França. E dormia no quarto do marquês.
— Gostaria de ver John — Quinn disse. — Timmons, pode anunciar minha
chegada ou eu mesmo devo ir até o quarto? O que achar melhor.
Timmons era o mais sábio dos dois homens e desapareceu em direção ao quarto de
John, deixando Quinn e Isabel em silêncio. A sra. Timmons também saiu da sala.
Isabel observava as costas do marido, que continuava olhando pela janela. Queria
abraçá-lo, para acalmar sua angústia. E também desejava sair antes de John chegar. Em
vez disso, sentou-se e nada fez.
Momentos depois, John entrou na sala, apressado. Vestia um roupão. Ele não
notou Isabel sentada perto da lareira. Ao ver o irmão, seus olhos se arregalaram. Então
sorriu.
— Pensei que Timmons tivesse enlouquecido quando anunciou que você estava
aqui.
Ele era mais baixo do que Quinn e bonito, pelo padrão da sociedade.
Quinn, alto e digno, pôs as mãos atrás das costas. Isabel sentiu o coração disparar.
John atravessou a sala até o irmão.
— Estou chocado.
— Imagino — Quinn respondeu.
Seu tom era cordial, porém frio. Ele lançou um olhar para a esposa.
— Isabel? — John olhou para ela também. — Não a tinha visto. Como...? Quando
você foi libertado?
Quinn foi até a cadeira de Isabel e se posicionou atrás dela.
— Alguns dias atrás. Disseram-me que estava na França.
— Realmente. — John meneou a cabeça, concordando. — Uma viagem que não
devia ter feito.
— Por quê?
— Acho que viajei para nada.
— Perseguia Patience Webster?
— Sabe a respeito de Patience?
— Apenas que estava na França com ela.
O irmão mais jovem foi até o armário de bebidas, passando a mão pelos cabelos.
— Um drinque? — ele perguntou.
— É um pouco cedo — Quinn respondeu.
— Não para mim — John replicou, com sarcasmo.
Serviu-se de uísque, bebeu um grande gole e encheu o copo novamente. Quando
se virou, deu um profundo suspiro e sorriu de novo.
— Você está bem, Jeremy. Estou satisfeito que o dinheiro que mandei para a
prisão, a fim de assegurar seu bem-estar, tenha sido bem aplicado.
— A que dinheiro se refere? — Isabel perguntou, com animosidade.
Quinn olhou para ela, enquanto John enrubescia.
— Não sei do que está falando, querida Isabel. Mas nada disso importa, agora. Por
Deus, é bom vê-lo, Quinn. Sente-se e conte-me tudo.
Quinn permaneceu no mesmo lugar. Foi John que se sentou no braço do sofá.
— Fizemos o possível para libertá-lo. Alguém deve ter finalmente nos escutado.
Mas quem? Você sabe?
— O sr. Sarces — Isabel respondeu. — Talvez o senhor saiba o motivo.
—Eu, querida Isabel?—John cruzou as pernas com afetação — Por que eu
saberia?
—Talvez porque todos tenham conhecimento de sua ligação com ele — foi a vez
de Quinn responder.
John tinha as mãos trêmulas. Rapidamente, serviu-se de outra dose de uísque e,
depois de beber, pôs o copo sobre um mesa.
— Sua prisão foi uma atitude de papai. Sabe disso. Minhas mãos estavam atadas.
— Estavam?
— O desprezível carrasco se recusou a me receber. Então, implorei que alguns
nobres informassem à Coroa a respeito do fato de que papai não havia estipulado tempo
para a sua soltura, antes de morrer. Mais uma vez fui ignorado.
—Quem são esses nobres, posso perguntar? — Quinn o pressionou.
— Eu... — John franziu o cenho. — Os nomes estão registrados nos meus
documentos. Tenho que procurá-los. Mas por que se preocupar com isso, agora?
Devemos celebrar. — Fez menção de se levantar.
— Isabel e eu não ficaremos para celebrar.
— Não? — Os olhos de John brilhavam.
— Minha esposa e eu temos outros planos.
— Esposa? Como pôde... Assim, tão de repente?
Quinn rodeou a cadeira de Isabel e tocou no braço dela, indicando que devia se
levantar.
— Para compensar os dois anos em que fiquei encarcerado.
John também se levantou.
— Suponho que tenha razão. Está vivendo com sua esposa na cidade?
— Por algum tempo — Quinn respondeu. John sorriu de novo.
—Bem, é claro. Esta é sua propriedade, mas, na sua ausência, cuidei de tudo.
Devo continuar a fazê-lo?
— Por enquanto, nada deverá mudar.
— Ótimo. Tenho que saber quem conseguiu que o sr. Sarces finalmente o
libertasse. Para agradecer adequadamente.
Isabel teve vontade de esbofeteá-lo. Nunca ficara tão revoltada na vida. Afastou-se
dos dois homens, para poder se controlar. Ao chegar no vestíbulo, sentiu Quinn às suas
costas.
— Venham nos visitar de novo, milady — Timmons pediu, abrindo a porta.
— Sim, Timmons — Isabel respondeu, esperando que um dia pudesse viver ali
com seu marido e filhos.
Então, virou-se para olhar para Quinn e viu a dor que ele trazia no semblante.
Entendeu que aquilo seria improvável.

Na tarde seguinte, Isabel tentava manter-se calma. Quinn não aparecia desde o
retorno deles de Pearl Hall, vinte e quatro horas antes. Ele nunca prometera ficar, e ela
tinha que aceitar aquele fato. Quinn não era capaz de aceitar a traição de John. E achava
que também ela o havia traído. O pensamento lhe causou muita dor e sentiu raiva, por ele
não acreditar nela.
Com o coração pesado, entrou na Cozinha de Rachel e tentou tirar Quinn da sua
mente. Sentia-se bem, ali. Havia calor humano, solidariedade, além do aroma de
temperos e de pão recém-saído do forno. Diversos conhecidos a cumprimentaram e Isabel
se esforçou para responder, sorrindo.
— Milady! — alguém a chamou.
Virando-se, viu sir Hill deixar seu posto, ao lado dos outros voluntários e caminhar
na sua direção.
— Não a estava esperando. Imaginei que estivesse ocupada demais para servir de
voluntária, hoje.
Isabel não quis dizer que nada tinha para fazer. Que Quinn havia ido embora. Em
vez disso, entregou a Winston duas colchas.
— Perdi o meu turno? — ela perguntou.
— Quase todas as camas têm uma dessas, agora — Hill disse sorrindo, ao pegar as
colchas. — Agradecido pelo trabalho.
— Não precisa agradecer. Vou pegar meu avental. — Ela olhou para a sala, repleta
de gente.
Isabel era voluntária desde a prisão de Quinn. Adorava estar em um lugar onde ele
tinha estado. Adorava ajudar os menos afortunados. Conhecia a maioria dos assistidos
pela Cozinha, inclusive os recém-chegados. Também se informava a respeito da situação
dos pobres, em Londres. Doía-lhe saber que os operários que trabalhavam nas fábricas
não tinham o suficiente para cuidar das famílias. Felizmente, lorde Shaftesbury, o
fundador de uma escola para pobres, era outro reformador que, como Quinn, procurava
fazer alguma coisa pelo semelhante carente. Suas escolas em Bedfordberry e Charing
Cross nunca recusavam uma criança, na tentativa de mantê-las afastadas da pobreza.
Isabel era madrinha de vários órfãos e, uma vez por mês, os visitava.
Dirigiu-se ao lugar onde ficavam os aventais e voltou à fila de distribuição de
sopa. Então, levou um susto. Seu marido estava servindo um homenzinho curvado. Quinn
tinha um ótimo aspecto. Barbeado, bem vestido e calçava botas melhores do que as que
usava, desde seu retorno.
— O que está fazendo aqui? — Isabel perguntou, as mãos apoiadas nos quadris.
Muitas pessoas olharam para ela, incluindo Quinn.
Isabel não se importou que o mundo notasse sua raiva. O vilão não ia escapar, com
mais um pedaço do seu coração. Mesmo sentindo alívio por ver que ele estava bem.
— O que está fazendo aqui? — tornou a repetir.
O olhar de Quinn mostrou que ele também havia se surpreendido com a presença
dela, na Cozinha.
— Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta. — Ele a encarou.
—Sim, mas eu não responderia antes de ouvir a sua resposta.
Quinn ergueu as sobrancelhas, surpreso com a atitude da esposa.
— Ambos estamos irritados hoje? — ele perguntou. — De novo?
— Com razão — ela disse. — Detesto homens que ficam fora a noite toda, sem ter
a cortesia de enviar uma palavra.
Quinn se virou para o caldeirão, antes de dizer:
— Estou servindo sopa. Satisfeita agora? E parece que você vai fazer a mesma
coisa.
— É tão esquisito assim? — Isabel indagou, posicionando-se atrás de outro
caldeirão.
— Já fez isso antes?
— Costumo fazer uma vez por semana.
— Quando começou? — Quinn a observava pelo canto do olho.
— Quando Winston me contou tudo sobre a Cozinha. Coisa que você nunca fez.
— Ela pegou a tigela das mãos de uma garota, encheu-a de sopa e a devolveu, com um
sorriso. — Ele foi gentil o suficiente para visitar-me, depois de sua prisão. Eu não tinha
idéia do que havia acontecido entre você e seu pai. Winston me contou tudo e me trouxe
aqui.
Quinn resmungou e franziu o cenho.
Isabel sorriu para um homem e sua doentia mulher, enchendo as tigelas dos dois.
— Parece que sempre sou a última a saber de qualquer coisa relacionada a você.
Nem sei onde passa a noite. — Ela suspirou.
— Tenho minhas razões para não envolvê-la.
— Razões que não são mais válidas. Saber onde você está me pouparia horas de
preocupação. Este lugar permitiu que eu me sentisse mais perto de você, nos primeiros
meses de sua ausência.
— Este não é ambiente para você.
— Por que não? — Isabel se virou para ele. — Foi bom para você. Fiquei tão
orgulhosa quando soube do seu trabalho!
— Não me julgue tão nobre, Isabel.
— Como assim? — ela perguntou, perplexa.
— Deixa para lá. Discutiremos isso mais tarde.
— Talvez. — Ela ergueu o queixo. — Estou cansada desse assunto.
— Eu também. Por que não ficou em casa se preparando para o baile desta noite?
— O baile? Você disse que...
— Eu disse que ia lhe fazer mais esse favor.
Isabel largou a concha e pôs as mãos nos quadris.
— Do que está falando, Jeremy? Quando me informou a esse respeito?
— Você deveria saber.
— Verdade? — Ela quase riu.
— Verdade.
— Jeremy Quinn, é o mais... Oh, olá, sra. March. — Isabel se controlou e sorriu
para uma frágil senhora que se aproximava do caldeirão.
— Bom dia, lady Isabel. Eu não esperava encontrá-la aqui, hoje. Queria lhe contar
que meu filho me visitou ontem. Está vivo e bem.
— Oh, sra. March, isso é maravilhoso! — Isabel exclamou.
— Ele não pôde ficar muito tempo. Seu navio estava de partida. Mas foi bom vê-
lo.
— Sei o quanto a senhora sentia saudade dele.
— Cinco anos sem notícias.
Isabel encheu a tigela da mulher, olhando para Quinn, enquanto respondia:
— Tenho certeza de que ele entende como está difícil para a senhora. Talvez se
mostre mais sensível e lhe escreva de vez em quando.
— Ele prometeu. Se eu receber cartas, posso trazê-las aqui para que a senhora as
leia para mim?
— É claro, sra. March. Será uma honra ler a carta do seu filho.
A mulher meneou a cabeça, assentindo, e se dirigiu à mesa, onde todos comiam.
Satisfeita, Isabel lançou um olhar orgulhoso para o marido.
Quinn, por sua vez, passou a mão pelos cabelos e, quando notou que ninguém os
podia ouvir, disse:
— Nunca soube que tinha tantas facetas, Isabel. Doce, em um minuto, e obstinada,
no seguinte.
—Sempre fui muito previsível, até você entrar na minha vida — ela retrucou.
Querendo ou não, Quinn teve que admitir que Isabel tinha razão. Mas a resposta
dela fez com que ele derrubasse sopa na beirada do caldeirão. Resmungando, foi pegar
um trapo para limpar a sujeira, ao mesmo tempo em que anunciava:
— Nós iremos ao baile.
— Iremos? — Isabel olhou para ele, admirada.
—E eu gostaria que Max e Robin se juntassem a nós no jantar, antes de sairmos.
Por volta das seis.
— Quer mesmo?
Quinn sabia que a estava deixando confusa. Qualquer um ficaria. Após a
angustiante visita a Pearl Hall no dia anterior, Quinn tinha levado Isabel para casa e saíra
para procurar Darius Martin, a fim de ajudá-lo a matar sua poderosa sede. Havia levado a
noite toda para obter a informação que desejava.
De manhã voltara a Pearl Hall, tomou banho no próprio quarto e se vestiu com as
próprias roupas. Novamente com dinheiro no bolso, foi à Cozinha para falar com
Winston. O homem prontamente lhe entregou uma concha e o colocou atrás de um
caldeirão, para que servisse sopa.
Então, Isabel tinha chegado, indignada.
— Sim — Quinn afirmou. — Fiz alguns arranjos para que Timmons envie minhas
roupas para a casa da cidade. Jantaremos com os meninos, antes de enfrentarmos o baile,
juntos.
Isabel continuava a olhar para ele, incrédula, mas com um brilho diferente nos
olhos. E Quinn se pôs a pensar no que estaria fazendo. Ainda queria entender os detalhes
de sua prisão, como também encontrar as cartas e compreender a correspondência entre
Isabel e John. Estava cada vez mais difícil considerar a esposa suspeita. Era indiscutível
que ela poderia ter encontrado um homem mais apropriado para casar. E não o fizera. E
havia permanecido casta! Quinn sentia uma estranha pressão no peito. Como uma espécie
de dor, onde o coração pulsava. Queria ficar com Isabel. Pelo menos, mais aquela noite.
Um homem e uma mulher de meia-idade se aproximaram de Isabel. As roupas do
casal estavam sujas e puídas e o homem, ao sorrir, mostrava dentes quebrados e
manchados. Quinn tinha certeza de que não tomavam banho havia semanas.
Mesmo assim, Isabel os tratou com cordialidade, como se fossem queridos
amigos. Conversavam a respeito do filho, Dickey, e de como, aos dez anos de idade, ele
conseguia fugir dos policiais que o perseguiam por cheirar os pães doces e os peixes
defumados que os comerciantes vendiam.
— Pensam que ele é um batedor de carteiras. Mas não o meu Dickey — dizia a
mulher. — Eu o eduquei bem.
— Tenho certeza disso, sra. Bickerman — Isabel respondeu.
— Bem, temos que ir agora — a mulher acrescentou. — Deus a abençoe por ter
matado a nossa fome, mais uma vez. Tom vai começar a trabalhar no moinho e logo não
precisaremos voltar aqui.
— Que notícia maravilhosa! — Isabel exclamou.
Quinn estava encantado com a amizade deles. E com a confiança que depositavam
em Isabel.
— Emprego? — ele indagou, quando o casal já não o podia ouvir. — O que acha
que ele vai fazer?
— Tom Bickerman? Há meses ela diz que o marido vai começar a trabalhar.
— E ele nunca começa?
— É claro que não. Não que ele não queira, mas o pobre homem mal consegue
andar.
— Por que ela mente?
— Não sabe?
— Acho que não.
O orgulho era um demônio feroz, Quinn sabia disso. Largou a concha e pegou na
mão de Isabel.
— É hora de irmos para casa.

Isabel detestava compromissos demorados. Não gostava de bailes e tinha certeza


de que Quinn tampouco os apreciava. Teriam de ficar atentos; poderia haver fofocas,
além de não serem bem recebidos.
Na frente do espelho, Marisa ajudava a patroa a se vestir. Se tudo corresse bem
naquela noite, Ellerby ficaria satisfeito e Quinn estaria livre para partir.
Isabel tentava se convencer de que ficaria bem, com a partida dele. Estava exausta
de tantos desaparecimentos e reaparições. Não poderia continuar por muito tempo
enfrentando as constantes mudanças de humor do marido. Nunca sabia o que esperar
dele.
— Prenda a respiração — Marisa a avisou, antes de começar a amarrar o
espartilho. — Agora pode respirar.
Isabel exalou o ar e esperou que Marisa pegasse o vestido de cima da cama.
A criada passou o traje preto de seda francesa pela cabeça de Isabel. Ele se
moldava ao corpo dela com perfeição; fazia parte do enxoval, e Isabel o usava pela
primeira vez.
— O que acha? — perguntou a Marisa, enquanto se virava na frente do espelho.
— Está adorável, milady. O marquês também gostará.
— Acha mesmo?
O vestido era sóbrio, mas muito elegante.
Depois de vesti-la, Marisa começou a arrumar os cabelos escuros e sedosos de
Isabel, penteando-os com uma escova e deixando-os soltos sobre os ombros.
— Acha que devo aplicar um pouco de ruge? — Isabel interrogou.
— Não, está bonita sem nada — respondeu uma voz masculina.
Isabel virou a cabeça, o coração disparado.
Quinn estava encostado no batente da porta, sorrindo. Ele também estava belo.
Usava colete e a camisa branca acentuava a pele recém-bronzeada.
— Boa noite, milady. — Ele fez uma reverência. A voz rouca fez Isabel
estremecer.
— Boa noite — ela respondeu. — Novamente entrou no meu quarto sem que eu
percebesse.
— Fiquei hipnotizado, olhando para você.
Isabel corou e o coração disparou.
— Obrigada.
— É verdade. — Quinn deu um passo para dentro do quarto. — Está como sempre
a vi nos meus sonhos.
De tão chocada, Isabel nem podia falar. Nem se mover. E começou a tremer.
— Está com frio? — Quinn perguntou. — Onde está seu xale*
— Aqui, milorde — Marisa falou perto do guarda-roupa. Segurava um xale de
seda preta e olhava para Quinn com os olhos arregalados.
— Sua patroa não necessita mais dos seus serviços, obrigado! — Quinn informou
à criada, pegando a peça das mãos dela, antes de caminhar até a esposa.
Colocou o xale nos ombros de Isabel, que só então notou que ele segurava uma
pequena caixa. Quinn a abriu e apanhou um reluzente broche.
— As pérolas negras — ela sussurrou, quando ele prendeu o xale com o broche.
— Você sabia delas?
— Minha mãe me contou a respeito. Foi um presente do rei ao seu tataravô.
Quinn se afastou para admirá-la, antes de tirar outra jóia da caixa.
— Sempre está bonita, mas esta noite parece... estupenda!
Isabel piscou sem saber o que dizer quando ele pegou o colar e o colocou ao redor
do pescoço delicado, tocando-lhe a pele com os dedos. Em seguida, pegou os brincos e os
colocou nas orelhas dela.
— Tem certeza de que deseja que eu use...
— Pertencem à minha esposa — Quinn a interrompeu.
— Sim, mas...
— Espetacular! — ele sussurrou, admirando-a.
— Deixe-me ver. — Ela sorriu, afastando-o para se olhar no espelho. — Oh! —
exclamou ao se ver usando as admiráveis pérolas negras.
Quinn se aproximou de Isabel, os dois refletidos no espelho.
— Duvido que essas pérolas enfeitaram mulher mais linda do que você.
— Tem certeza de que devo usá-las?
— Não acha as jóias atraentes?
— É claro que acho, mas...
— São suas, Isabel.
— É uma honra para mim, Jeremy. Obrigada. São muito preciosas. — Ela então
beijou os lábios dele delicadamente.
Surpreso, Quinn se afastou por um momento. Seus olhos brilharam e ele retribuiu
o beijo. Isabel esqueceu-se do vestido, das jóias, de tudo, exceto do homem que a beijava.
O homem que ela amava.
Quando Quinn a soltou, ela estava ofegante.
— Acho que devemos descer — ele disse. — Antes que minhas boas intenções
desapareçam e acabemos na minha cama.
Isabel corou.
— É isso que quer de mim?
— Um cego não anseia por ver?
Ele a tomou pelo braço e a conduziu para o corredor. Isabel sorriu, feliz.
Capítulo IV

Quinn lembrou-se de que estava desfrutando da companhia de Isabel


temporariamente. Ainda pretendia partir. Mas antes queria saber como seria viver ao lado
dela. Decidira resgatar, nem que fosse por mais uma noite, o homem que ele havia sido
no passado. Não com o propósito de conquistar a confiança de Ellerby e, tampouco, por
estar desempenhando um papel, Isabel tornara a tarefa fácil. Ela, Robin e Max. O jantar
com os meninos fora agradável, mas, agora, já na carruagem de Ellerby, Quinn estava
novamente apreensivo.
Sentados de frente para o conde, esperavam na fila com outras carruagens, à
entrada da Mansão Charlton. A demora possibilitou que ele pensasse em tudo que estava
por acontecer. As coisas não haviam terminado bem na casa de Marietta Dowd e alguns
nobres poderiam pedir que Quinn se retirasse. Não que fosse incapaz de se defender ou
de defender Isabel, se algo acontecesse. Ela devia ter notado que ele estava tenso, pois
apertou-lhe a mão sutilmente. E Quinn conseguiu relaxar.
— Quando viajou ao continente? — Isabel perguntou ao conde.
— No ano passado — Ellerby respondeu, entusiasmado. — Irei novamente daqui
a dois meses. Deveria se juntar a mim em um safári, Kendrick.
— Talvez algum dia. — Quinn se esforçou para sorrir. Estava prestes a dizer que
já estivera em um safári, que havia sido caçado por bestas selvagens e pensara que fosse
morrer, quando sentiu Isabel tensa ao lado dele. Só então percebeu que tinha falado em
voz alta.
— Já fez um safári? — Ellerby perguntou, surpreso. — Quando foi?
— Oh, olhem, chegou a nossa vez — Isabel interveio.
— Bem... Sua história vai ficar para outra oportunidade, Kendrick.
Quinn olhou para Isabel, arrependido. Um criado abriu a porta da carruagem, para
que eles descessem.
Quinn segurou Isabel, permitindo que Ellerby descesse na frente.
— Perdoe-me — ele pediu quando ficaram sozinhos.
— Prefere voltar para casa? — Ela tocou de leve o rosto dele. — Alguma coisa o
está aborrecendo.
— Detesto lugares confinados.
— Ficaremos perto de uma porta. — Isabel pegou-o pela mão. Quinn sorriu,
agradecido por ela não ter caçoado dele. Desceram então da carruagem e caminharam
juntos até a porta da mansão.
Isabel nunca tinha passado uma temporada em Londres. Nunca tivera um motivo
para ser apresentada à sociedade. Aos dezoito anos, já estava noiva de um marquês.
Não que fosse uma reclusa. Havia estudado na Academia Milliard e participara de
chás com a mãe e a irmã em residências de prestígio. Tudo isso tinha mudado quando a
mãe adoeceu, terminando por morrer, vítima de gripe. O pai ficara arrasado com a súbita
morte da esposa e o cancelamento do casamento de Isabel, entregando-se à bebida, até
que foi encontrado embriagado no exótico lago da mansão do conde de Preston, depois
de uma noite de farra.
Por essa razão, Isabel não participava de um acontecimento social havia muito
tempo. E se sentia insegura de como entrar na mansão, quando o mordomo anunciou a
chegada do marquês e da marquesa de Pearl.
A multidão de convidados se virou, as expressões de surpresa nos olhos
arregalados. Até a duquesa de Charlton, a anfitriã, franziu o cenho. Mas se recobrou
rapidamente e sorriu, caminhando na direção do casal. Trajando um vestido cor púrpura e
uma pluma enorme na cabeça, ela teria, de todo modo, chamado a atenção para si.
— Minha graciosa milady — Ellerby a cumprimentou, ainda sem notar a comoção
que Isabel e Quinn haviam despertado.
Isabel ficou perplexa quando a duquesa cumprimentou o conde rapidamente,
parando na frente de Quinn.
Seu coração disparou. Iria a mulher expulsá-los?
Quinn foi o primeiro a quebrar a tensão ao fazer uma reverência, dizendo:
— Vossa Graça. Faz tempo, mas está mais bonita do que nunca.
A duquesa continuou seu exame. Apertou os lábios e franziu o cenho.
— Onde esteve esse tempo todo? — ela finalmente perguntou. — Decidiu voltar à
Inglaterra? Podia ter me avisado.
Isabel se deu conta, então, de que Quinn e a anfitriã se conheciam. O olhar da
mulher agora demonstrava algo mais que afeição.
— Quer a verdade? — ele questionou, rindo. — Ou a história que deverá contar a
todos?
A duquesa apertou os lábios mais uma vez e Isabel notou que ambos coraram.
— Oh, seu danadinho. Então eu decidirei.
Quinn parecia mais diferente do que nunca, deixando Isabel em dúvida se era o
mesmo homem que, havia pouco, parecia temeroso de entrar na mansão.
— Tenho certeza de que a senhora sabe muito bem que estive em Marshalsea —
ele falou, notando que o conde se distanciara para cumprimentar alguns conhecidos.
A duquesa empalideceu e toda sua extravagância desapareceu.
— Não me diga uma coisa dessas. John assegurou-me que o senhor já havia sido
libertado daquele lugar horrível. E que estava no exterior.
— Ele disse? — Quinn arqueou as sobrancelhas. — Talvez não quisesse preocupá-
la. Mas ele mentiu.
— Deus do céu! — a duquesa respondeu, chocada.
Quinn deu de ombros.
— Discutiremos isso em outra ocasião. Agora, proponho que justifiquemos minha
ausência dizendo o mesmo que eu falei a lorde Ellerby. Estive, a pedido do meu pai,
visitando nossas propriedades em Yorkshire. Fará isso?
A mulher forçou um sorriso e estendeu a mão cheia de jóias.
— Sabe que sim. Mas antes devo me acalmar para não romper em lágrimas. Sinto-
me confusa e furiosa, além de estar um pouco ocupada no momento, para considerar o
que acabou de me contar.
— Entendo — Quinn respondeu, apertando a mão dela com afeição.
— Teremos uma séria discussão a esse respeito logo, logo. Nesse meio tempo,
deixe-me dizer o quanto estou feliz de saber que está vivo e... O senhor está bem?
— Eu deveria dizer que não — Quinn respondeu, inclinando a cabeça para o lado.
— Mas vamos deixar isso para depois. Agora quero apresentá-la à minha esposa, lady
Isabel, marquesa de Pearl. Isabel, Sua Graça, a duquesa de Charlton, lady Júlia, minha
madrinha.
Isabel ficou perplexa. Madrinha? Quinn tinha uma madrinha? Por que não lhe
contara? Olhou para ele, furiosa, mas conseguiu fazer uma reverência a lady Júlia.
— Minha querida — a duquesa disse. — Lembro-me da senhora, é claro. E de
Clarisse, sua mãe. Recorda-se de mim?
— Certamente, Vossa Graça. Encontramo-nos no baile da rainha, antes de minha
mãe ficar doente.
— Sim, isso mesmo. Uma doce mulher. Embora sempre frágil. Ela me disse que a
filha estava noiva de Kendrick.
— Sim. Eu não sabia que era parente de Jeremy — Isabel falou em tom de
censura.
— Parente? Não, não. Eu era a amiga mais verdadeira da mãe dele. Sinto muita
falta dela. E agora, de repente, a senhora está casada com esse tolo que é meu afilhado.
— Suponho que sim, Vossa Graça.
— É verdade — Quinn disse, com mais convicção.
— Bem, então venham. Temos que enfrentar as más línguas que já devem estar
fazendo fofoca.
A duquesa pegou Isabel pelo braço e a conduziu à fila de recepção, colocando-a ao
seu lado esquerdo. Quinn ficou à direita.
— Eu lhe disse, Percy — Júlia falou em voz alta ao marido, que estava à esquerda
de Isabel. — Meu querido afilhado finalmente retornou de Yorkshire, depois de todos
esses meses. Meu querido marquês. Não posso entender o que o manteve longe por tanto
tempo. Por certo resolvia alguns problemas resultantes da súbita morte do pai.
— Agora está tudo em ordem, Vossa Graça — Quinn afirmou.
— Eu a admiro muito, lady Isabel, por ter esperado pacientemente a volta do seu
noivo. — A duquesa a fitou.
— Obrigada, Vossa Graça — Isabel agradeceu com suavidade. — Enquanto
milorde Kendrick esteve fora da Inglaterra, as cartas que trocamos sustentaram nosso
amor.
— Que afortunado ele é — a duquesa opinou. Então, sutilmente, estendeu a mão à
mulher que esperava ser recebida. — Lady Whiteheath, que felicidade vê-la! Oh, adoro a
cor do seu vestido. Conhece meu querido afilhado que acaba de retornar de uma longa
viagem a Yorkshire?
Isabel nunca rira tanto. Quinn também ria, quando a ajudou a descer da carruagem
na frente de casa. Ela se agarrou a ele, jovial demais para perceber o que estava fazendo.

— Ainda posso ver os olhos de lorde Ellerby e seu rosto pálido quando a jovem
Margaret caiu, derramando o ponche sobre ele — Isabel dizia, ofegante, em meio às
gargalhadas.
Quinn sorria, as mãos ainda enlaçando a cintura dela.
— Pensei que lady Drayton fosse estrangular Margaret ali mesmo.
— Oh, mas não foi culpa da moça. — Isabel enxugava uma lágrima que lhe
escorria pela face. — Ela tem apenas dezessete anos. A mãe não deveria ter feito sua
estréia em uma festa tão grande.
— Pelo menos nos livramos de Ellerby. — Quinn conduziu Isabel em direção à
porta.
— Sim. Foi perfeito. Ele teve de ir embora. Suas roupas ficaram molhadas e sujas.
Achei ótimo você ter dito que alugaria uma carruagem para nos trazer de volta. — Isabel
parou de repente e o fitou. — Ouvi Ellerby dizer que crianças só servem para perturbar os
adultos, depois, que Margaret derrubou o ponche. Foi bom. Desse modo, ele não mudará
a decisão de deixar a guarda dos meninos conosco.
— Tem razão! — Quinn exclamou.
Ele estava apreciando aquela conversa com Isabel. E o fato de possuírem um
objetivo comum tornava tudo mais excitante. Mas ficara com ela tempo demais no meio
de outras pessoas. Ansiava por tê-la nos braços e beijá-la. Aquela conversa, entre outras
coisas, poderia continuar no quarto.
Isabel não sabia de seus desejos. Estava excitada demais com as vitórias daquela
noite. Vitória contra Ellerby e a conquista do apoio de lady Julia. Além do mais, haviam
sido bem recebidos pelos nobres presentes no baile.
Quinn se questionou por que não contara a Isabel a respeito de seu relacionamento
com a duquesa. Talvez por não ter certeza de qual seria a atitude de lady Julia Percival,
apesar de ser madrinha dele. Teriam todos conspirado para mantê-lo na prisão? Ou, como
Julia tinha dito, acreditavam que ele já havia sido libertado? Teria que conversar a esse
respeito com a madrinha. Mas, naquele momento, desejava saborear cada momento com
Isabel. Celebrar o triunfo dos dois. Fazer amor com ela.
— O conde se gabou com lorde e lady Watterman de que levaria Robin à corrida
de cavalos da próxima semana. Creio que teremos de permitir que Ellertty desfrute da
companhia dos garotos — Isabel disse. — Imagino que, de vez em quando todos serão
beneficiados. O conde está ficando velho e muito sozinho. Não acha?
Quinn sabia bem o que era solidão.
— Acho que tem razão. Mas acredito que, a esta hora, ele esteja xingando toda a
humanidade.
— Oh, pobre Margaret! Jamais esquecerá esta noite.
— Nem eu — Quinn disse, os olhos brilhando.
Então, pegou-a nos braços, incapaz de disfarçar o desejo que o consumia.
— Estou levando-a para a cama, minha esposa. Alguma objeção?
— Não, milorde — Isabel respondeu, passando os braços ao redor do pescoço
dele.
Quinn não perdeu tempo. Benns abriu a porta da frente e eles entraram. Quinn
subiu os degraus de dois em dois e escolheu o quarto de Isabel, por ser o mais próximo.
Ficaria louco se tivesse que esperar mais tempo para despi-la. Beijou-a no pescoço e a
pôs na cama, deitando-se sobre ela.
— Isabel, quero você como nunca quis ninguém neste mundo — ele sussurrou,
tentando tirar a gravata.
A jovem ergueu-se para ajudá-lo.
— Sempre fui sua, Jeremy. Sempre.
— Esta noite. Seja minha esta noite. — Ele jogou a gravata longe e enterrou o
rosto no pescoço dela.
E Isabel gemeu.
Horas mais tarde, completamente exausta, Isabel olhava para o dossel da cama.
Nunca se sentira tão completa. Depois de tudo que havia lhe acontecido, depois de tanta
dor, tinha Quinn. O seu Jeremy Quinn, não o homem que fora libertado da prisão. Sentia
isso com todo o seu ser. Haviam feito amor várias vezes.
Isabel tinha o braço sobre o peito dele. Quinn lhe acariciava a mão, também
olhando para o dossel da cama. Os dois ficaram deitados, quietos e juntos, até o
amanhecer.
Naquele momento, Isabel virou-se de lado e olhou para ele.
— Em quê está pensando? — perguntou, apoiando a cabeça no peito do marido.
— Que não quero sair dessa cama — ele sussurrou.
— Hum. — Ela sorriu. — Podemos pedir que os criados tragam comida. Seria
simples.
— Parece perfeito.
— Exceto por Max. Ele adora entrar no meu quarto e se enfiar na minha cama.
— Vou me esconder debaixo das cobertas. Assim ele não saberá que estou aqui.
Isabel riu, deliciada, quando Quinn lhe fez cócegas. Então, ela afagou o cabelo
dele e os dois se aquietaram novamente. Se saíssem da cama, a realidade tomaria conta
de suas vidas. O conde não tinha mais exigências, e Quinn poderia partir.
— Jeremy? — Isabel se aventurou, não tendo nada a perder.
— Conte-me o que quis dizer quando declarou não ser um homem nobre. Que
outra razão teve para abrir a Cozinha?
Quinn não parecia satisfeito.
— Jeremy — ela disse, segurando a cabeça dele entre as mãos.
— Não se afaste de mim. Sinta. — Pôs a mão de Quinn sobre o coração dela. —
Meu coração bate por você. Forte e verdadeiro.
— Isabel — ele resmungou, sentando-se na cama. Passou a mão pelos cabelos e se
cobriu com a colcha. — Não sabe o que está perguntando.
Ela também se cobriu e descansou a cabeça no travesseiro.
— Considerar um projeto para ajudar os pobres é admirável, Jeremy. Colocar esse
projeto em prática é ainda mais notável. Certamente o torna nobre.
— Não — ele disse. — Faz-me sentir culpado.
— Culpado?
Quinn suspirou e também recostou a cabeça no travesseiro.
— Não comecei a Cozinha por desejo de ajudar os pobres — ele confidenciou,
relutante em abandonar a mais incrível noite de sua existência, mas consciente de que era
chegada a hora da verdade.
— Está dizendo que tinha motivos pessoais para ajudar os pobres? — Isabel
perguntou. — Não acredito.
— Não?
A imagem de uma mulher com a filha nos braços surgiu na mente de Quinn.
O dia tinha sido frio; ele e o pai esperavam a carruagem depois de terem passado a
tarde disputando uma partida no campo de tiro da mansão de lorde Faversham, quando o
grito de uma mulher chamou a atenção deles. Quinn se virou a tempo de ver a mulher
cair de joelhos, na frente dele. Aturdido, deu um passo para trás. Mas a mulher o segurou
pela roupa.
— Fique com ela, milorde. Imploro-lhe que fique com minha filha.
Com dezesseis anos de idade e inexperiente, Quinn pegou o fardo, sem saber o
que pensar. Achou que a mulher queria ajuda.
— Está maluco, menino? — o pai gritou. — Não toque nessa mendiga!
Quinn olhou para o marquês. Mendiga? Era apenas um bebê.
— Devolva-a! — o pai ordenou.
Quinn estendeu os braços para a mulher a fim de devolver a menina.
— Tenha piedade, milorde. O senhor pode alimentá-la e aquecê-la. Pode salvá-la.
— Que loucura, mulher! — gritou mais uma vez o marquês. — Cuide dela a
senhora. É sua filha! Entregue-a, rapaz — o marquês repetiu, antes de tirar a criança dos
braços do filho.
A mulher se levantou, meneando a cabeça, em negativa.
Os olhos azuis do marquês brilhavam de ódio, o rosto vermelho. Pôs a criança no
chão e virou-se para o filho.
Quinn continuou ouvindo os lamentos da mulher, enquanto o pai se afastava,
arrastando-o com ele. A pobre mulher dizia que a criança morreria de frio e fome. Nada
tinha para oferecer à filha. Por que os ricos não ajudavam?
Pai e filho se afastaram sem mais nenhuma palavra, a indiferença estampada no
rosto do marquês, sem nenhuma compaixão.
E Quinn jamais esqueceu o olhar derrotado da mulher com a criança nos braços,
olhando para ele à janela da carruagem.
Alguns dias depois, quando voltaram à propriedade de lorde Faversham, a mulher
estava agachada no portão da rica mansão. E sua filha estava morta. Chamava-se Rachel.
Quinn fechou os olhos.
— Não pude me conformar com minha atitude.
— Oh, Jeremy. — Isabel o abraçou. — A morte de Rachel não foi culpa sua.
— Eu poderia tê-la salvado.
— Como qualquer outra pessoa naquele dia. Você era jovem e nunca desafiara seu
pai, antes.
— Ah... Mas, se eu o tivesse feito, Rachel estaria viva.
— Ela está viva. Ela vive por meio da Cozinha.
— Não seja condescendente comigo, Isabel.
— Eu o admiro por tudo o que tem feito, Jeremy.
Antes que ele pudesse fazer qualquer comentário, Max entrou no quarto.
Quinn decidiu que iriam pescar, apesar dos trovões e da ameaça de chuva. Isabel
acrescentou um piquenique, ao plano. Ela suspeitava de que Quinn estivesse usando a
excursão para superar a dor da confissão. Quando ele propôs o passeio, ela perguntou:
— E quanto ao fato de que você poderia partir agora, neste minuto?
—É verdade. — Depois de o coração dela quase parar, Quinn acrescentou: —
Sempre haverá um amanhã.
Max adorou a idéia, e foi procurar Robin.
Agora estavam todos indo ao riacho em Pearl Hall: Robin entre ela e Quinn, Max
no colo da tia. Isabel ignorou as nuvens ameaçadoras, prestando atenção à conversa sem
fim dos garotos. Não pôde deixar de pensar em como aquela família era encantadora. Seu
sonho se realizaria. Não podia terminar.
— Mamãe, olhe quantos passarinhos — Max disse quando saíram dos arredores
de Londres.
— Estou vendo — Robin anunciou, apontando para o céu onde um bando de
pássaros azuis e vermelhos voava sobre eles.
— São chamados de tentilhões — informou a srta. Griggs. Max não parava de se
mexer no colo de Isabel. Então, as primeiras gotas de chuva começaram a cair. —Iremos
para casa e esperaremos o tempo melhorar — disse, quando os pingos ficaram mais
freqüentes e intensos.
— Mas a pescaria... — Robin choramingou.
— Pescaremos, eu prometo — Quinn respondeu. — Nem que for ao anoitecer.
— Oba, oba! — Max gritou.
Timmons os recebeu, entusiasmado, com a presença dos meninos. Estavam um
pouco molhados de chuva, mas ninguém reclamava.
O mordomo os fez entrar, sorrindo, e Quinn cuidou das apresentações. Isabel
informou ao mordomo que fariam um piquenique no chão da sala de visitas, enquanto
esperariam o tempo melhorar.
Ela e Robin entraram atrás de Timmons e Quinn esperava Max, quando o garoto
disse:
— Papai?
Os adultos estacaram. Quinn olhou primeiro para Timmons e então para Isabel,
antes de se ajoelhar na frente de Max.
— Sim, querido? — ele indagou, o coração batendo forte. Mas quando Max
colocou as mãozinhas rechonchudas nos ombros de Quinn e inclinou-se para falar no seu
ouvido, ele não pôde deixar de rir. Meneou a cabeça e olhou para os dois adultos
novamente.
— Max e eu pedimos licença por alguns minutos — disse, levantando-se e
pegando o menino pela mão.
— Desculpe-me, milorde, mas creio que eu deveria me juntar a vocês — Robin
interveio.
— Certamente, Robin. — Quinn estendeu a outra mão, que Robin logo pegou.
Quinn se emocionou e Isabel ficou com os olhos umedecidos.
— Com licença — Quinn disse, depois de pigarrear.
— Papai?—Max o chamou novamente, enquanto Isabel fungava e Quinn conduzia
os garotos pelo corredor.
— Sim, Max?
— O senhor morava aqui?
— Sim, toda a minha vida.

Isabel cantarolava enquanto arrumava as guloseimas do piquenique, quando ouviu


um barulho. Olhou e sentiu que a paz terminara.
Parado na soleira da porta, John sorria.
— Isabel, o que é isso? — ele perguntou.
— Bom dia, John.
— Deixou meu irmão? Espero que sim.
Ela ignorou o rude comentário.
— Íamos pescar no riacho.
— O quê?
— A chuva nos pegou.
— Verdade? Bebeu alguma coisa? — Ele olhou ao redor. — Não vejo mais
ninguém. Talvez tenha vindo me visitar.
Isabel estremeceu. Aprendera a ser evasiva às palavras de John havia muito tempo,
mas era óbvio que ele ainda não tinha desistido de ofendê-la.
— Estou com meu marido e dois sobrinhos — ela informou com altivez. — Eles
voltarão em um minuto.
— Ah... — John segurava um chicote na mão. — Eu sabia que seria ingenuidade
de minha parte pensar que Jeremy permaneceria na cidade e me deixaria em paz.
Isabel nada respondeu, desejando que ele se fosse. Em vez disso, John entrou na
sala. Para irritação dela, parou ao lado da colcha e examinou o lanche.
— Hum... Parece bom.
Isabel decidiu que não deixaria que ele estragasse o dia.
— Estamos tendo um dia esplêndido.
— Jeremy voltou dos mortos. Ainda estou tentando entender como isso aconteceu.
Isabel endireitou o corpo, ainda sentada na colcha.
— Intervenção divina, talvez — ela falou. — Deus sabia melhor do que nós que
Jeremy estava sofrendo. Injustamente.
John resmungou.
— Ele estava? Suponho que os responsáveis pela injusta situação dele irão pagar.
Pela primeira vez, Isabel concordou com ele.
— Acho que está certo.
— É pena.
— O quê?
—Perdoe-me. Ainda estou chocado. Especialmente pelo fato de estarem casados.
Sabe que eu gostaria de ficar com você. Teria apenas que pedir.
— Eu estava noiva de Jeremy — ela respondeu, furiosa.
— Tempos atrás.
— Para sempre, na minha mente e no meu coração.
— Ah... — Ele pegou um cacho de uvas e sentou-se em uma cadeira, batendo com
o chicote na perna.
Em seguida, jogou um bago de uva na boca e encarou Isabel,
— Querida Isabel, acha que Jeremy retribui sua lealdade?
Isabel manteve os olhos fixos nele, sem piscar.
— Ouvi dizer, de fonte limpa, que ele foi a uma festa nos jardins de lady Marietta
Dowd, há alguns dias. A conversa entre os dois foi... Não sabia? Mas, se Jeremy
realmente se importa com você, por que não lhe contou? Marietta me deu detalhes. E que
detalhes...
Isabel sentiu uma pontada no coração. Lady Marietta Dowd era uma das
debutantes mais belas daquela estação. Lembrou-se de tê-la visto no baile da duquesa.
Ela olhara descaradamente para Quinn.
Isabel ergueu o queixo, determinada a não deixar que John percebesse o que se
passava com ela.
— Estou ciente das ações de meu marido, John—ela mentiu. — Ele me contou os
detalhes e asseguro-lhe que não foram reprováveis.
— Que detalhes? — Quinn perguntou.
John olhou, viu o irmão e franziu o cenho.
— Nada, meu irmão — John respondeu, olhando para Max, que corria na direção
da colcha.
Isabel suspirou, aliviada por eles terem voltado.
—Papai morou aqui—o menino falou, jogando-se na colcha. — Vimos retratos
dos seus an-ce...
— Ancestrais. — Quinn veio em seu auxílio.
— Isso — Max concordou.
— Ouvi corretamente? — John perguntou.
Isabel observou os sobrinhos.
— Max e Robin são meus sobrinhos, filhos de minha irmã.
— Mas o menor chamou Jeremy de...
— Sim, estamos conscientes disso — Quinn afirmou. — Não tem a mínima
importância.
Quinn sentou-se ao lado de Isabel, que começou a servi-los, sem convidar John a
se juntar a eles.
— O que pretende fazer? — Quinn perguntou ao irmão.
John olhou para os dois durante alguns instantes, antes de começar a bater com o
chicote na perna novamente.
— Apenas cavalgar. — Ele se levantou da cadeira. — Aproveitem o piquenique.
Nunca se sabe o que pode acontecer no futuro.
— Detalhes do quê? — Quinn insistiu na pergunta, quando John desapareceu.
— Da festa de Marietta Dowd — ela confessou.
Isabel sabia que tinha o cenho franzido, mas não ia questionar nada. Apenas
esperava que ele não percebesse a dor que lhe ia na voz.
Um resmungo de Quinn lhe mostrou o contrário.

Quinn aparentou calma durante todo o trajeto de volta a Londres. Por dentro, a
realidade era outra. Enfrentava emoções mais poderosas do que a raiva com a qual vivera
durante o tempo em que tinha ficado na prisão.
Nunca pensara ser possível, mas fora assediado, nos últimos dias, por sentimentos
que iam, do orgulho e da alegria, ao terror. Naquele momento, era perseguido pelo
remorso. Nunca havia imaginado que Isabel acabasse sabendo da festa nos jardins de
Marietta. Nem que o irmão contasse a ela os "detalhes" do seu envolvimento com a
dama.
— Lady Marietta é uma pessoa agradável — ele disse, com se estivesse se
desculpando. — Entretanto, é franca demais suas tentativas de deixar o berço de ouro em
que nasceu.
Isabel apenas suspirou, sem nada comentar. No seu colo, adormecido, Max gemeu.
— Isabel — Quinn tentou de novo.
Mas ela o impediu de continuar.
— Não tenho necessidade de explicações, milorde. Seu relacionamento com
Marietta não é da minha conta. — Tirou cabelos de Max da testa, enquanto passava o
braço sobre ombros de Robin, para fazer com que ele apoiasse a cabeça nela.
— Robin, durma. Teve um dia cheio.
Quinn desistiu de tocar no assunto. Não faria bem a nenhum dos dois rememorar o
evento. Nem estava certo de que poderia explicar apropriadamente o que havia
acontecido.
Tinha a mente confusa. Seu desejo por Isabel era excessivo e a luta que travava
entre o homem que ele fora e o homem que era agora, intensa demais. Tinha consciência
de que o motivo de ter aberto a Cozinha fora aplacar a culpa que o atormentava! Teria
havido razões mais benevolentes, como Isabel sugerira? Ela tinha mais fé no caráter dele
do que ele próprio. Ou era a amargura que não o deixava ver com clareza? Quinn não
tinha certeza de nada. Não sabia se deveria ficar ou partir. Assumir sua herança ou
abandoná-la para sempre. Apenas tinha conhecimento de que poderia facilmente perder-
se nos braços de Isabel. Ela era como o sol depois da chuva, a primavera depois de um
longo e intenso inverno. Isabel até poderia fazê-lo se esquecer de Marshaisea. Mas seria o
maior tolo se permitisse que aquilo acontecesse.

Ao chegarem em casa, os dois meninos estavam dormindo. Isabel esperou que


Quinn levasse Robin até Benns, para depois pegar Max do colo dela. Eles cheiravam a
peixe, depois da ótima pescaria do final de tarde. Haviam apanhado vários peixes para a
cozinheira preparar.
Em silêncio, Isabel seguiu o marido e o mordomo até o quarto dos garotos e
esperou que os meninos fossem postos na cama. Passou por Benns, que já se retirava, e
foi até à cama de Max para trocá-lo, enquanto a srta. Griggs arrumava Robin.
O tempo todo Isabel tinha consciência da presença de Quinn, e desejava que ele
fosse para o quarto. Pela primeira vez desde o seu retorno, ela não queria estar na
presença dele. Sabia que era tolice, mas, tomar conhecimento de que o marido havia ido à
festa de Marietta Dowd a deixara muito infeliz. Ciúme era uma nova experiência. Não
sabia se estava no caminho certo para a felicidade de Quinn. Deveria deixá-lo partir. Ele
merecia toda a felicidade que pudesse encontrar. Mas não tinha coragem de lhe dizer. As
palavras ficaram presas na garganta dela durante todo o trajeto de volta para casa.
Terminando de trocar Max, Isabel se afastou, mas parou, ao ver Quinn
observando-a. Ele tinha na mão um dos soldadinhos de brinquedo do jogo que haviam
travado com Ellerby. O que estaria pensando?
Isabel endireitou o corpo e esperou. Como Quinn nada dissesse, ela apenas
suspirou.
— Foi um dia exaustivo — disse, por fim. — Agradeço-lhe, em nome dos
meninos. Sei que se divertiram muito.
Quinn continuou em silêncio.
— Bem, então... — ela continuou — creio que também preciso descansar.
— Isabel — ele chamou, antes que ela saísse.
Jeremy colocou o soldadinho na estante e foi até a esposa.
— Sim? — Ela engoliu em seco.
Nesse instante, Benns reapareceu à porta do quarto.
— Milorde, desculpe a intromissão, mas seu irmão acabou de chegar. Está
esperando pelo senhor.
— John? — Isabel estremeceu. — O que ele pode querer?
— É o que iremos descobrir. — Quinn pegou uma das mãos da esposa.
Isabel hesitou, mas não ia deixar Quinn enfrentar o irmão sozinho. Entrelaçou os
dedos aos do marido. A ligação foi reconfortante. Tinha laços com Quinn que ninguém
poderia destruir. Haviam passado por muita coisa juntos, e ela esperava que isso lhe
bastaria nos próximos anos, se Quinn decidisse partir.
Os dois seguiram o mordomo até a sala de visitas. John estava parado perto da
mesa de bebidas e se servia de uísque.
— Jeremy, Isabel... — Ele esboçou um sorriso e ergueu o copo, a mão trêmula. —
Nos encontramos novamente antes do esperado. — Tomou um gole da bebida.
Isabel notou que John não era o mesmo homem que enfrentara naquela manhã.
Tinha os cabelos revoltos e o cenho carregado.
— John, esta é uma visita social? — Quinn perguntou, soltando a mão de Isabel e
se aproximando do irmão. — Ou veio por outro motivo?
— Trata-se de um assunto de suma importância — John respondeu, passando a
mão nos cabelos, nervoso. — Timmons disse-me onde você estaria. Ele está preocupado,
também. Ambos achamos nosso dever localizá-lo.
Isabel sentiu uma forte dor no estômago. Se Timmons considerava o assunto
importante, não devia ser nada bom.
— Suponho que devo agradecer, então. O que é tão urgente?
John desviou o olhar, enquanto punha mais bebida no copo.
— Alguém foi procurá-lo, depois que deixaram Pearl Hall. Eu disse que você não
vivia mais lá e então ele exigiu que eu o deixasse examinar a casa. Não tive escolha. O
homem tinha uma ordem por escrito.
Isabel achou que fosse desmaiar. Não podia ser. John estaria falando do carrasco
que prendera Quinn dois anos atrás? Como poderia ter outra ordem?
Quinn apertou os olhos. A ruga que tinha entre as sobrancelhas e que havia se
suavizado na última semana surgira de novo.
— Sarces? — ele perguntou. — O que o desgraçado queria?
— Ele disse que novas acusações foram feitas contra você e que ia levá-lo de volta
a Marshalsea.
— Não! — Isabel gritou. — Todos os débitos de Jeremy foram pagos. O sr. Sarces
está enganado.
— Viu a nova ordem? — Quinn indagou, fechando os punhos. — Que tipo de
acusações? Quantas?
— Não perguntei. O homem estava ocupado, percorrendo a casa. Informei que
você não estava lá, mas ele não se intimidou.
— E depois?
— Sarces se foi, contrariado.
Quinn passou a mão na nuca e olhou para o irmão.
— Contou a ele onde poderia me encontrar?
— Eu disse que não sabia do seu paradeiro. Sarces não ficou nada satisfeito com a
minha falta de cooperação.
Isabel correu para o lado do marido e lhe agarrou o braço, com a mão trêmula.
Quinn a abraçou. Precisava do calor da esposa. Estava suando e tremendo, ao mesmo
tempo. Perscrutou o irmão, desejando saber se podia acreditar nele. John estava diferente
do cavalheiro que haviam visto naquela manhã. Parecia nervoso e Quinn não pôde
perceber se mentia. Sem o testemunho de Timmons, não poderia dar total crédito ao
irmão.
Porém, se as palavras de John fossem verdadeiras, o irmão lhe havia prestado um
bom serviço. Ele poderia ter conduzido Sarces à casa da cidade e não o fizera, o que
significava que havia julgado John erroneamente. Gostaria de ter tempo para sondá-lo
mais e descobrir a verdade. Mas, se Sarces o estava procurando, o tempo era escasso.
Sarces. Lembrar-se dele despertava muito ódio na alma de Quinn. Alma que ele
começava a acreditar não estar morta.
— Sarces disse quem fez as acusações contra mim? — perguntou.
John meneou a cabeça, negando.
— Temo ter sido outra falha da minha parte. O que pretende fazer?
Quinn trocou um olhar com Isabel, vendo a mesma pergunta refletida nos olhos
dela. Não queria fugir de Sarces, mas, voltar à prisão não era uma opção. Nunca mais
voltaria a Marshalsea.
Dessa vez não poderia confiar em ninguém, até ficar sabendo o que ia enfrentar.
Nem mesmo em Isabel.
— Jeremy? — ela o chamou.
Ele gostaria de lhe dizer que acreditava no seu amor e na sua lealdade e que sabia
que ela temia por ele. Mas, em vez disso, respondeu:
— Sarces vai demorar um pouco para encontrar-me, se o que John diz é verdade.
Tenho algum tempo para decidir o que fazer.
— Não posso acreditar que isso esteja acontecendo — Isabel murmurou.
— Alguém não gostou de que fui libertado. Essa mesma pessoa está por trás de
tudo.
— Sim — Isabel concordou. — No entanto, tenho declarações assinadas de todos
os seus credores, confirmando que todos os seus débitos foram saldados. Não pode haver
outras acusações, a não ser que sejam falsas.
— E como obteve tais declarações? — Quinn quis saber.
— O sr. Franklin atuou como meu advogado. — Isabel baixou os olhos. — Ele e
sir Winston.
— Continue.
— Foi até os credores de Quinn? — John perguntou a Isabel.
— Era a única coisa que deixaria o sr. Sarces satisfeito. — Ela olhou para Quinn.
— Ele tinha concordado com a sua libertação muitas vezes, mas nunca a efetuou, até
termos as declarações provando que seus débitos haviam sido saldados. Por isso levamos
tanto tempo para obter sua liberdade.
— Como pagou esses débitos? — Quinn perguntou, desconfiado.
Isabel baixou o olhar mais uma vez.
— Antes de meu pai morrer, foi impossível obter o dinheiro para pagá-los. Mas
depois, com a pequena herança que papai deixou para mim, consegui saldá-los. Não
tenho certeza de que poderia resolver o problema se não fosse por meu pai e pela ajuda
do sr. Franklin. Ele também queria muito a sua libertação, tanto quanto sir Winston e eu.
Uma vez pagos os débitos, sir Winston conseguiu a atenção de Sarces. Mas o carrasco
começou a fazer outras exigências. E um novo jogo começou. Foi terrível. Ele sempre
exigia mais.
— Como conseguiu o dinheiro para as novas exigências? — Quinn perguntou.
— Eu... — Isabel hesitou. — Sir Winston vendeu algumas coisas para mim.
— Que coisas?
Isabel mordeu o lábio antes de responder:
— As jóias da minha mãe. Eram as únicas coisas valiosas que eu possuía. Ainda
consegui ficar com um colar de pérolas.
Quinn se afastou dela, passando a mão pelos cabelos.
Isabel ficara sem nada, para libertá-lo. O que teria acontecido, não fosse pelos
sobrinhos? E se Ellerby tivesse tirado as crianças dela?
Quinn nunca poderia imaginar que Isabel houvesse lutado por ele com tanta
determinação. O que teria sido dele, sem a intervenção da esposa? Não restava dúvida
sobre a lealdade de Isabel. Ao contrário do irmão. Quinn suspirou, tentando se controlar.
— Deve ser um engano. Facilmente corrigível — ele disse, abraçando novamente
a esposa. — Encontrarei Sarces antes que ele o faça e corrigirei o erro.
— Não! — Isabel gritou.
— Não! — John gritou ao mesmo tempo. — Não é uma atitude inteligente. —
Começou a andar pela sala. — Sarces o prenderá de novo e tudo recomeçará. Não. Acho
que deve deixar a cidade até que eu possa colher mais informações. Creio que a cabana
de caça de papai é o lugar perfeito para você se esconder. Posso lhe levar suprimentos e
ver como você está.
— Pode dar certo — Quinn murmurou.
— Dará! — John exclamou. — Nesse meio tempo posso descobrir quais são as
novas acusações.
Isabel se soltou dos braços do marido.
— Jeremy, não pode estar falando sério. Eu...
— Esperarei até o crepúsculo para partir — Quinn a interrompeu. — Será pior
para Sarces me seguir no escuro. John, encontre-me na cabana de caça amanhã pela
manhã.
— Mas... — Isabel tentou protestar.
— Não diremos a ninguém onde estou — Quinn acrescentou. — A ninguém. —
Ele abraçou Isabel. — Confie em mim. Quando ela fechou os olhos, ele beijou-lhe a
testa.
— John — ele disse em seguida. — Conto com você para me livrar da prisão, pela
última vez.
John olhou para o irmão, a expressão sombria, e se serviu de mais bebida.
— Sim, sim. Pode contar comigo.

Um minuto depois de John ter saído, Quinn levou Isabel para o quarto. Pegou-lhe
o rosto entre as mãos e a beijou longamente. Seu corpo pedia por ela, como sempre. Mas,
ainda mais importante, seu coração se regozijava. Isabel não o havia abandonado.
Confusa e ofegante, depois que seus lábios se separaram, Isabel olhou para o
marido.
— Eu... não entendo — ela murmurou.
— Por que não me contou antes? — Quinn perguntou, afagando os belos cabelos
da esposa. — Só agora estou realmente livre.
— Como assim? — ela sussurrou. — John disse...
— Isabel... Se tivesse me contado que pagou meus débitos, lutou com Sarces e
vendeu suas jóias, eu saberia que não tinha se esquecido de mim.
— Mas eu lhe disse. Nas cartas. Todos os dias. Contei sobre cada vez que nos
aproximamos da sua libertação e cada vez que falhamos.
Quinn gelou. As cartas... Ela tinha tentado fazer com que ele acreditasse naquelas
cartas.
— Estou me referindo a depois da minha libertação.
Agora Quinn entendia a importância daquelas cartas. As informações deveriam tê-
lo fortalecido.
— Enviou as cartas diretamente para Marshalsea? — ele perguntou.
— No princípio, eu as entreguei a John. Ele me garantiu que as mandaria. Quando
perdi a confiança nele, comecei a dá-las a sir Winston. Ele, pessoalmente, as levava até a
prisão quando ia tentar persuadir Sarces a soltá-lo.
Quinn tocou os lábios de Isabel com dois dedos, para silenciá-la.
— Winston nunca as entregou para mim. Por quê?
Isabel suspirou, claramente irritada.
— Sir Winston me informou de que Sarces prometia entregá-las. E, todas as vezes
que ele pedia para vê-lo, o carrasco dizia que você estava comprometido.
— Comprometido?
Muitas famílias nobres pagavam uma quantia mensal para manter seu pródigo
estilo de vida. Quinn sabia que, em outro andar, nobres tinham as próprias camas, criados
vindos de casa e alimento de suas propriedades. Ele mesmo tinha alguns poucos
privilégios, prova de que alguém pagava uma mensalidade em seu favor. Sim, e,
enquanto ficava na sua cela, a raiva o corroendo, ele havia se esquecido daqueles fatos.
Por isso perdera a fé.
— Por que Sarces não exigiu mais nada, da última vez? — Quinn indagou.
Isabel meneou a cabeça, em negativa.
— Não sabemos. Sir Winston e eu ficamos surpresos. Sarces lhe disse que estava
cansado de esperar.
— Esperar o quê?
— Tampouco sabemos.
— Será que alguém o pagava para me manter encarcerado?
— O quê? — Isabel gritou.
Quinn esperou a própria raiva aflorar. A raiva o impedira de desistir de viver,
quando estava na prisão. Mas o que o atingia naquele momento era um sentimento de
perda. De ter sido privado da companhia de Isabel, de ter perdido a oportunidade de
ajudá-la nos momentos difíceis e solitários.
Era maravilhosa a liberdade que sentia. Pegando a mão da esposa, Quinn a levou
até uma cadeira perto da janela, onde sentou, colocando-a no colo.
— Obrigado — ele sussurrou. Isabel fitou-o, ainda perplexa.
— Ainda não entendeu, não é?
Quando ela meneou a cabeça, negando, ele sorriu.
— Não acreditar que você fazia todo o possível para me soltar escravizou-me.
Uma escravidão que nada tinha a ver com meu encarceramento.
— Eu teria feito qualquer coisa por você.
Quinn pôs Isabel no chão e ergueu-se da cadeira.
— Eu mostraria minha gratidão a você de centenas de maneiras diferentes, mas
agora temos uma nova ameaça a enfrentar.
— Como pôde confiar em John? Não percebeu que ele nada fez para libertá-lo?
Nada?
— Shhh. — Quinn sorriu. — É claro que não confio em John.
— Não? Então por que concordou com o plano dele?
Quinn afastou uma mecha de cabelo da testa de Isabel.
— Eu precisava de tempo. John só me espera na cabana amanhã. Quando eu não
aparecer, ele terá que vir à cidade a minha procura. Aí imagino ter algumas respostas.
— Mas, como, com Sarces em seu encalço?
Quinn a beijou, antes de responder:
— Explicarei mais tarde — ele sussurrou. — Agora quero apenas beijar seus
lábios.

Horas mais tarde, Quinn rodava em uma carruagem de aluguel, determinado a tirar
Isabel de sua mente e se concentrar no trabalho que tinha pela frente. Odiava deixá-la. Já
sentia saudade, e continuava maravilhado com a abnegação da esposa para resgatá-lo da
prisão. Mas não podia pensar naquilo, agora. Tinha de sobreviver a mais uma ameaça.
Depois de resolver o que estava pendente, talvez todo o resto se encaixasse nos devidos
lugares.
— Seu mau cheiro é terrível, rapaz — Winston disse, no banco oposto ao de
Quinn. — Não acha que exagerou no vestuário?
Quinn inalou o ar e olhou para as roupas esfarrapadas que estava usando, camisa
amassada e sapatos rotos. Seu disfarce de indigente fez com que o cocheiro olhasse para
ele de maneira irada.
Michael Rosengarten, primo de Winston, era o mesmo cocheiro que o trouxera de
Marshalsea, e Winston tivera quase que brigar para que o homem permitisse a entrada de
Quinn no coche.
— Não procurei roupas fétidas, Winston, mas acho que servem para o nosso
propósito. Pelo menos, ninguém vai querer se aproximar de mim, enquanto eu estiver
cheirando tão mal.
— E ninguém vai reconhecê-lo como o marquês de Pearl. — Winston sorriu, com
malícia. — Seu plano é bom, Jeremy. Tenho certeza de que será um sucesso.
— Tente não respirar fundo — Quinn disse ao amigo. Olhou pela janela, notando
que o cocheiro diminuíra a velocidade. — Chegamos ao escritório do sr. Franklin.
Winston sentou-se na beirada do banco, esperando que o cocheiro abrisse a porta
do coche.
— Direi a ele que você deseja uma entrevista.
Quinn meneou a cabeça, assentindo, e suspirou, com impaciência.
— Esperarei aqui.
Winston desceu para ouvir mais uma reclamação do cocheiro:
— Ele vai deixar meu coche cheirando mal. Por que seu amigo não se veste como
o senhor?
— Mick, tenha paciência. — Winston apertou o braço do primo. — É muito
importante.
— Melhor que seja. Agora, apresse-se.
Recostado no banco, Quinn olhou Winston entrar no pequeno escritório de
advocacia. Se o que Isabel e Timmons tinham dito fosse verdade, Franklin o receberia.
Caso contrário, falaria com o homem, de qualquer maneira. Apenas gostaria de saber até
que ponto ia a lealdade do advogado.
Em poucos minutos, Winston voltou.
— Venha, o sr. Franklin vai recebê-lo.
Rapidamente Quinn desceu do coche e entrou no escritório, onde um cheiro de
cera de abelha sobrepujava o fedor das suas roupas. Olhou para a mesa de mogno coberta
por pilhas de documentos, atrás das quais havia um recepcionista sentado. Atrás dele,
uma porta.
O recepcionista ergueu o rosto e recostou-se na cadeira.
— O senhor pode entrar, agora — ele disse.
Quinn agradeceu e entrou. Franklin levantou-se de trás de uma escrivaninha
também abarrotada de papéis para cumprimentá-lo. Logo, deixou de sorrir.
— Lorde Kendrick. — Franziu o nariz.
Quinn estendeu a mão para retribuir o cumprimento.
— Asseguro-lhe que minha mão está limpa. São apenas minhas roupas
emprestadas que cheiram mal. Achei o disfarce necessário, mas peço-lhe desculpas.
—Sir Winston me explicou brevemente, milorde—Franklin respondeu, antes de
pigarrear. — Apenas, bem... eu não esperava que sua aparência fosse tão...—Apertou a
mão que Quinn lhe oferecia.
— Entendo. — Quinn sorriu.
— Por favor, milorde, sente-se. — O advogado indicou uma cadeira. Franklin era
um homem alto, magro e calvo. — Permita-me lhe falar do meu alívio em vê-lo livre.
— Obrigado. — Quinn sentou-se diante do advogado, Winston ao lado. —
Infelizmente, não sei até quando gozarei dessa liberdade, pois, segundo meu irmão, estou
sendo procurado de novo.
— Faremos o possível para mantê-lo fora de Marshalsea.
Quinn confiava em Franklin e conseguiu relaxar.
— Estou certo de que há algumas medidas legais que o senhor pode tomar —
Quinn afirmou. — Eu o autorizo a fazer tudo o que for necessário. Mas, antes, quero
discutir a respeito do meu pai.
— Sim. — Franklin levantou-se da cadeira e foi até um armário. Abriu uma gaveta
e tirou uma pasta de papéis. — Aqui estão os documentos do seu pai. Como herdeiro, o
senhor tem direito a eles.
— Por que esses documentos nunca foram levados até mim, enquanto eu estava
em Marshalsea? — Quinn perguntou ao pegar a pasta.
— Garantiram-me que tinham sido entregues, milorde — Franklin respondeu. —
As cópias, é claro. Seu irmão me assegurou que os entregaria ao senhor.
Quinn franziu as sobrancelhas. Teria John enganado a todos com o propósito de
mantê-lo na cadeia?
Abriu a pasta, sabendo que deveria conter instruções de seu pai. Não tinha certeza
de querer ler a respeito da traição, mas começou a examinar os documentos. Escrituras
das propriedades dos Kendrick junto com decretos de sucessão de monarcas a respeito de
terras e outras propriedades. Um documento sobressaiu aos outros. O pergaminho era
mais novo. Quinn pôs-se a lê-lo.
— Como pode ver, milorde — disse o advogado. — As últimas instruções do seu
pai foram efetuadas durante o tumultuado período da desavença entre os dois. Mas ele
ainda o considerava seu herdeiro. Nunca pensou de outra maneira.
— Por que, então, ele deixou que eu fosse preso?
— Seu pai me disse que precisava lhe dar uma lição, lorde Kendrick. — Franklin
voltou a sentar-se. — Logicamente, não pretendia morrer.
— Papai ficava muito irritado com nossas desavenças?
— Uns dias mais, outros menos. — Franklin ergueu os ombros, sorrindo. — Havia
ocasiões em que ele achava o senhor um oponente valioso. Referia-se às suas diferenças
como um jogo de xadrez. E elogiava o modo com o senhor sabia manobrá-lo.
Quinn sorriu.
— Mas ele tinha de fazer a jogada final. O xeque-mate.
— Como disse, Marshalsea seria apenas uma lição. Nunca esperávamos que ele
fosse morrer. Jamais o compensaremos por isso, milorde. Peço-lhe mil perdões.
Quinn aceitou as desculpas do advogado. Não era culpa dele.
— Então, depois da morte de meu pai, eu, como seu herdeiro, deveria ter sido
solto para honrar minhas dívidas com a minha herança. Não havia nada que alguém
pudesse fazer? — Quinn parecia alarmado.
Franklin abaixou os olhos.
— Seu irmão poderia ter pago seus débitos, milorde. — Franklin apontou para um
trecho do documento na mão de Quinn. — Veja isto. A declaração atesta que, se o senhor
estivesse impedido por alguma razão, como doença ou ausência, John poderia agir como
responsável pelas propriedades dos Kendrick.
— E meu irmão sabia dessa cláusula?
— Eu mesmo a li para ele, milorde.
— Por Deus, é muita covardia — Winston opinou.
— Por certo — o advogado concordou.
Quinn jogou a pasta sobre a escrivaninha. Já ouvira e vira o suficiente. Era a prova
da traição de John. Mas devia haver uma explicação para tal conduta. John sentiria tanto
ódio por ele?
— Devemos ir a Pearl Hall — Winston propôs. — É necessário um confronto com
seu irmão. Devemos exigir satisfações!
Quinn ficou surpreso com a raiva de Winston, sempre muito reservado e calmo.
— Ainda não... Ainda não.
Capítulo V

Quinn havia contado a Isabel que ia se disfarçar de mendigo e começar a


investigação. Ela, por sua vez, ficaria em casa e o esperaria. De pronto, Isabel não gostou
da idéia. Mas, não querendo contrariá-lo, concordou. Entretanto, quanto mais pensava na
decisão de Quinn, mais a rejeitava.
Queria estar ao lado do marido, preparada para ajudá-lo, se necessário.
Então resolveu segui-lo. Agora o observava saindo do escritório do sr. Franklin,
acompanhado de Winston. Quinn parecia triste. Seu disfarce era realmente muito bom.
Por outro lado, Winston estava como sempre: elegante e refinado. Tampouco parecia
satisfeito.
Isabel queria se juntar a eles para saber o que havia acontecido no escritório do
advogado. Com muito autocontrole, conseguiu se reprimir até ver os dois amigos
entrarem no coche e desaparecerem. Imediatamente deu ordem ao cocheiro para que os
seguisse, na esperança de não perdê-los em meio à neblina.

A Cozinha estava repleta de gente, durante a refeição da tarde, quando Quinn lá


chegou. Satisfeito por não poder ser reconhecido, deixou Winston na porta e, sabendo
que demoraria algum tempo para que o dr. Laidlaw, o médico de seu pai, respondesse ao
seu pedido de audiência, decidiu comer.
Na fila, escutava as pessoas rirem à mesa, uma criança gritar com a mãe e, por um
minuto, esqueceu o próprio dilema. Pensou na lealdade de Isabel e sentiu-se rejuvenescer.
Ficou contente por não ter desistido de fazer caridade, quando a maioria das pessoas o
considerava um louco. Pela primeira vez, pensou nos meses posteriores à morte de
Rachel e em como ficara arrebatado pela situação da mãe dela e de outras pessoas em
semelhantes circunstâncias.
— Anna! Anna, venha sentar-se comigo!
Quinn se virou na direção da voz. Anna. A mãe de Rachel?
— Oh, obrigada, Millie, mas estou ocupada neste momento — Anna respondeu.
De costas para ele, Anna parou ao lado de Millie.
— Talvez mais tarde. Agora preciso me apressar — ela acrescentou, dirigindo-se
aos fundos do salão.
Quando Anna se virou, Quinn lhe viu o rosto envelhecido. Sim, era a mesma
mulher que ele abandonara anos atrás. Mas havia paz na expressão dela. A mulher sorria
e parecia feliz, ao se curvar sobre uma pilha de roupas e começar a selecioná-las.

Uma hora depois, cansada de esperar, Isabel espreitava a Cozinha, em meio à


neblina que havia se tornado mais densa lá fora. Quinn e Winston permaneciam lá dentro.
Se ela soubesse para onde os dois amigos iriam, teria voltado para casa. Mas Quinn
dissera que ia a vários lugares, não apenas ao escritório do sr. Franklin. O que ele estaria
esperando?
Decidida a suportar a ira do marido, Isabel se arriscaria a entrar na Cozinha.
Porém, naquele exato momento, viu Quinn sair do prédio. Pôde perceber que ele estava
agitado. Um momento depois, o coche de aluguel, que Quinn havia dispensado mais
cedo, retornou. O cocheiro parou o veículo e entregou um envelope a Quinn. Ele o abriu,
leu e, então, com um último olhar para a Cozinha, disse alguma coisa para o cocheiro e
entrou no coche.
Isabel endireitou o corpo.
— Siga-os — ordenou ao seu cocheiro.

O dr. Laidlaw, um respeitado médico entre os aristocratas, levantou-se da cadeira


quando Quinn entrou no escritório.
— Expliquei, na carta, que estaria disfarçado — Quinn disse.
— E está mesmo, lorde Kendrick. — O doutor curvou-se e apontou uma cadeira.
— Seu disfarce é muito bom. Conhaque?
— Sim, obrigado — Quinn aceitou, ao sentar-se.
Laidlaw lhe entregou o drinque e sentou-se também. Parecia mais jovem do que
seus sessenta anos, vastos cabelos grisalhos e penetrantes olhos azuis. Sua casa e a
mobília eram tão nobres quanto ele.
Talvez nobres demais para um médico, pensou Quinn.
— Também sou visconde — Laidlaw falou.
— Como? — Quinn fora pego desprevenido.
— O senhor pode estar pensando como um médico conseguiu ficar rico. Não é o
único que tem essa dúvida, e eu ficaria desapontado se não pensasse dessa maneira. Mas,
como disse, sou um visconde e recebi herança. Tornei-me médico porque quis.
Intrigado, Quinn relaxou.
— Sua família se opôs à sua escolha?
— Oh, sim. — Laidlaw cruzou as pernas. — Fizeram todo o tipo de ameaças.
Com medonhas conseqüências. Nenhuma tão severa quanto a sua, lorde Kendrick. Mas
conseqüências existem para tudo.
— Então, o senhor sabe da minha permanência em Marshalsea?
— Sim. Lugar horrível. Estive lá algumas vezes, atendendo a pacientes.
— O senhor atendeu ao meu pai antes da morte dele.
— Sim, e o senhor não estaria aqui se isso não houvesse acontecido.
— O que pode me dizer a respeito da doença de meu pai?
— O senhor se refere à causa da morte? O coração de seu pai não agüentou tanta
pressão. Creio que por brigar com um filho que, na cabeça dele, tinha se
desencaminhado, e o outro filho o desprezava.
— Ele lhe disse isso?
— Não no dia em que morreu. Antes, quando vinha se consultar comigo por causa
de dores no peito e do formigamento nos braços. Oh, estou convencido de que havia
outros fatores. Ele já sofrerá outras doenças, no passado. Mas, na minha opinião de
médico, os desentendimentos com o senhor, agravados pelos problemas com seu irmão,
minaram as forças de lorde Kendrick. Creio que esse é o preço que nós, filhos, somos
forçados a pagar, por escolhermos viver nossas próprias vidas.
Quinn aparentava tranqüilidade, mas por dentro, sentia-se tenso.
— O marquês disse alguma coisa a respeito da minha prisão?
— Não. Eu soube da sua prisão depois da morte de seu pai. E concluí, então, que
essa tenha sido a causa da morte dele.
Os ouvidos de Quinn zumbiram. Inquieto, levantou-se e pressionou as têmporas
com os dedos.
— Meu pai disse alguma coisa sobre John? A respeito de alguma discussão que
tiveram antes do seu colapso?
— Sim, é claro. Ele estava determinado a dar uma lição em John, e nada do que eu
disse o acalmou. Era muito teimoso. Creio que seja uma característica da família, não?
Quinn não estava disposto a brincadeiras. O doutor acabara de dizer que ele havia
sido o responsável pela morte do pai.
— Na verdade, o senhor não deve se culpar — Laidlaw prosseguiu.
— Por que não?
— Seu pai se matou. Ele foi avisado por mim, inúmeras vezes. Preferiu me
ignorar. E acabou morrendo.
— O senhor sempre age assim quando discute a vida de alguém, dr. Laidlaw? —
Quinn franziu o cenho e seu tom de voz era um misto de curiosidade e desdém.
— O senhor pediu a verdade, lorde Kendrick.
— Sim. Perdoe-me.
— Não precisa se desculpar, asseguro-lhe. Meu pai também preferiu não atender
aos avisos do médico e morreu da mesma aflição que seu pai, durante uma briga comigo.
Como lhe disse, é o preço que temos de pagar.

Dentro da carruagem, Isabel, mesmo sonolenta, percebeu que o marido saíra da


casa do médico mais abatido do que quando tinha chegado. Perscrutou a propriedade
mais uma vez.
Uma placa na porta confirmava o morador. O que o médico teria dito a Quinn?
Viu o marido caminhar até o coche. Mas, em vez de entrar no veículo, Quinn
continuou andando.
— Ei — o cocheiro gritou. — Aonde vai?
Quinn olhou para o homem, como se só então o tivesse visto. Tirou algumas
moedas do bolso do casaco e as deu a Rosengarten. Então, se afastou a pé.
Isabel estava mais confusa do que nunca. Quinn parecia muito abatido.
— Devo segui-lo? — o criado perguntou a ela.
— Bem devagar.

Quinn parou. O frio e a densa neblina davam à noite um aspecto surrealista.


Conferindo sua localização, percebeu que caminhara vários quarteirões, distraído pela
conversa que tivera com o médico. Não devia estar andando a pé, considerando que era
procurado por Sarces. Porém, as revelações do doutor o desanimaram.
Mas nada podia fazer para trazer o pai de volta. Talvez assumir seu título fosse
uma maneira de mitigar a parte que lhe cabia na morte do marquês. Ele tinha diversas
propriedades, que certamente haviam sido ignoradas por John, que preferia ficar em
Londres. Começaria visitando cada uma delas, para se certificar se seus arrendatários
estavam prosperando.
Entretanto, faria isso apenas depois que o tormento que enfrentava tivesse sido
solucionado. Nesse meio tempo, não podia perder seu objetivo de vista. Estava perto de
obter a informação de que necessitava.
Olhando ao redor novamente, o único veículo à vista era uma carruagem particular
a alguns metros longe dele. Decidido, continuou a caminhar na direção da casa de Darius
Martin.

Isabel suspirou, aliviada, quando Quinn voltou a andar. Achava que ele a tinha
visto. Deus, isso teria sido desastroso. Ele não iria gostar.
Avisou o cocheiro de que deveria continuar e, de quando em quando, olhava pela
janela enquanto Quinn continuava a caminhar pelo bairro. Ele andava a passos rápidos.
Devia ter assimilado o que o médico lhe dissera.
O que importava naquele momento era seu próximo destino e sua segurança.
Consciente da seriedade de sua missão, Isabel olhava para todos os lados, à procura de
sinais de perigo.
Winston percebeu a ausência de Quinn quando fez uma ronda pelas mesas,
cumprimentando freqüentadores da Cozinha.
Droga, Winston pensou. Teria que procurá-lo. Quinn estava muito perto da
verdade. E era teimoso demais para ouvir seus conselhos.
Não era um bom presságio.

Quinn quase adormeceu esperando a chegada de Martin. Entrara no quarto do


amigo por uma janela aberta e agora estava deitado na cama dele. Tinha certeza de que
Martin iria se demorar para chegar de uma de suas noitadas. Como havia dormido pouco
desde a noite que passara com Isabel nos braços, o descanso lhe faria bem.
Finalmente, sua paciência foi recompensada. Quando o relógio do vestíbulo bateu
três vezes, ele ouviu passos no corredor, seguidos de risadas. Femininas e masculinas.
Quinn levantou-se da cama. Seria melhor não se mostrar de imediato. Escondeu-se
atrás de um guarda-roupa. As risadas continuaram até que giraram a maçaneta da porta.
— Oh, amor — Martin murmurava. — Vou possuir seu corpo esta noite e nunca
mais desejará outro homem.
— Oh, Darius — a mulher gemeu. — É o homem que... Que cheiro é esse?
— Bom Deus, o que é isso? — Martin inalou o ar do quarto.
— Não vou ficar aqui — a mulher disse.
— Espere, meu tesouro! Tenho certeza de que não é nada. — Martin tossiu.
No seu esconderijo, Quinn sorriu.
— Vou abrir a janela — Darius informou. — O que for se dissipará.
A mulher também tossiu e respirou com dificuldade.
— Que cheiro terrível! Abrir a janela não será suficiente.
— Mas, meu amor...
— Vou para casa, Darius. — A mulher saiu do quarto. — Se pensa que vou ficar
aqui, está louco.
Quinn deixou o esconderijo assim que a mulher se foi. Martin, ainda parado à
porta, se virou ao ouvir um ruído.
— Kendrick? — Martin apertou o nariz. — Céus, este fedor vem de você? O que
está fazendo no meu quarto?
— Feche a porta, Martin. Precisamos conversar.
— Mas...
— A porta. Esqueça a moça. Poderá encontrá-la mais tarde e levá-la a um lugar
mais apropriado. Ambos sabemos que gosta mais da caçada do que da caça.
A risada de Martin foi arrogante.
— Mas, afinal, o que deseja? — Tentou parecer sério.
— Respostas para algumas perguntas. — Quinn sentou-se na cama.
Martin foi até a janela, abriu-a e aspirou o ar frio.
— Refere-se a John, não é? Sobre o papel dele na sua prisão?
— Esse assunto lhe é familiar, pelo que vejo. Então conte o que sabe.
Martin olhou para Quinn e encostou-se no parapeito da janela.
— Tenho um primo que me lembra John. Um homem amargo, infeliz com a vida.
E sem ânimo para buscar outro caminho. Quem pode culpá-lo? Eu... O senhor? Nunca
passamos um só dia sem a segurança de nossos títulos e de nossa riqueza.
Quinn poderia ter corrigido Martin, mas permaneceu em silêncio.
— Um dia, Stephen, meu primo, disse-me que daria tudo para ser como eu. Falou
com tanta convicção que decidi me precaver. E, como não queria ficar em alerta a vida
toda, convenci Stephen a ir à América do Norte no meu lugar e agir como se fosse meu
administrador, procurando novos negócios. Com o meu dinheiro para sustentá-lo, ele
prosperou.
— E de que maneira John é similar ao seu primo? — Quinn perguntou.
— Ora, Kendrick. É um homem inteligente e deveria ter pensando que seria mais
fácil satisfazer John antes que outra pessoa o persuadisse a fazer de você, sua vítima.
Outra pessoa?
— Todos os ingredientes necessários estavam ali. Você é sincero e caridoso. Fácil
de ser enganado. Se fosse um grosseirão, John não teria se arriscado tanto. Seu pai
também foi fácil de influenciar. A raiva dele foi o combustível para os planos de John.
Seu irmão deseja tudo que é seu.
A conversa não transcorreu como Quinn esperava. Ele saiu da casa de Martin com
apenas uma parte da verdade. E mais confuso, embora o motivo de John tivesse sido
confirmado. Ainda assim, era difícil pensar que o irmão fosse ambicioso a ponto de
destruir a própria família. Mas o fizera.
Saiu da propriedade rapidamente. Cauteloso, olhou ao redor, consciente de que
logo amanheceria e de que já havia visto aquele cocheiro antes. Mas não devia ser Sarces,
pois o teria detido. Quem mais poderia estar observando-o?
— Isabel! — resmungou.

Quinn atravessou a rua, furioso, e abriu a porta da carruagem.


— Isabel! O que pensa estar fazendo?
— Seguindo você. Protegendo-o — ela respondeu, bocejando e, em seguida,
pondo a mão sobre o nariz. — Precisa de alguém para lhe dar retaguarda. — E
acrescentou, com voz abafada: — Céus, que cheiro horrível é esse?
— Não tente mudar de assunto. Posso me proteger sem a sua interferência.
— Esse cheiro vem de você?
— Sim. É uma das razões de eu estar protegido. Ninguém quer se aproximar de
mim. Tenho sido precavido. Não preciso da sua...
— Oh, não posso respirar com você tão perto.
Quinn talvez tivesse se acostumado, pois o cheiro não o incomodava mais. Pensou
na possibilidade de se livrar do casaco fedorento, que estivera sobre uma pilha de estéreo.
A noite estava terminando e nenhum sinal de Sarces. Havia poucas pessoas nas ruas, e ele
ainda poderia se fazer passar por um mendigo.
Desabotoando o agasalho, Quinn o tirou e o jogou longe, sobre alguns arbustos.
— Satisfeita? — ele perguntou. — Agora, quero que volte para casa. Não devia ter
me seguido. Sou capaz de me cuidar. Não me pressione, Isabel. Pensei que estivesse em
casa. A salvo. Com os meninos.
— Não use os garotos para me repreender. Eles estão bem. Você precisa mais de
mim do que eles.
— Não, não preciso. — Quinn respirou fundo e olhou para o cocheiro. — Leve a
senhora para casa.
O homem meneou a cabeça, assentindo.
— Mais tarde discutiremos, Isabel.
— Quero que venha para casa comigo. Quero saber tudo o que fez.
— Ainda não terminei. E John virá me procurar assim que descobrir que não fui à
cabana de caça. Você tem que estar em casa para dizer a ele que apenas me atrasei, caso
ele apareça. Agora tenho outras coisas a fazer.
Isabel cerrou os dentes e Quinn acreditou que ela ia lhe desobedecer.
— Apenas quero ajudá-lo — ela sussurrou, asperamente. — Irei embora, mas, se
você se atrever a ficar ferido, não escapará da minha ira.
Quinn não perdeu tempo e fez um sinal para que o cocheiro partisse. Em seguida,
apressou-se a sair dali. Se tivesse sorte de pegar logo uma carruagem de aluguel, ele
chegaria a Pearl Hall, ainda disfarçado, e conseguiria a última prova de que necessitava.
Então, poderia enfrentar o irmão, antes de encarar a esposa.

* * *
Se Isabel tivesse mais ânimo, continuaria a seguir Quinn, apesar da raiva.
Qualquer um poderia receber John e fazê-lo voltar à cabana de caça. Mas não
desobedeceria ao marido outra vez. Ele precisava saber que podia confiar nela.
Desse modo, pôs-se a caminhar pelo quarto, desejando ter alguma atividade para
passar o tempo. Então, ouviu o som de uma carruagem parando na frente da casa. Correu
até a janela a tempo de ver Winston descer do veículo. Sentiu um arrepio na espinha ao se
lembrar da última vez que vira uma cena semelhante. Naquela ocasião, Quinn estava com
ele. Um Quinn diferente. Desafiador, amargo e abatido. Tanta coisa tinha ocorrido depois
daquele dia!
Isabel apressou-se a descer a escada, cumprimentando Winston, que entrava pela
porta da frente.
— Odeio me intrometer — ele disse, o cenho franzido. — Mas estive procurando
Jeremy a noite toda, sem sucesso. Então, pensei que talvez ele tivesse voltado para casa.
Isabel sorriu, os braços relaxados ao longo do corpo.
— Pensei que estivesse trazendo más notícias. Que Sarces tinha capturado Jeremy.
— Suponho, milady, que essa seja uma possibilidade. Ele estava na Cozinha e, em
seguida, desapareceu. Jeremy estava observando Anna e eu ia apresentá-lo a ela. Mas a
sra. Galway precisou dos meus serviços e quando fiquei livre, ele já tinha saído.
— Então por esse motivo ele saiu da Cozinha tão agitado!
— Como? — Winston perguntou.
— Eu esperava Jeremy do lado de fora da Cozinha ontem à noite. Quando ele saiu,
parecia perturbado. O senhor disse que ele observara Anna. Tenho certeza de que essa foi
a causa.
— E o que a senhora fazia, esperando-o do lado de fora da Cozinha?
— Bem, eu o estava espionando, se deseja saber a verdade. Queria protegê-lo.
— Minha querida milady. — Winston meneou a cabeça em desaprovação. — A
senhora correu perigo. Tenho certeza de que, se Jeremy souber disso, vai ficar irado.
— Ele já sabe — Isabel o admitiu, sem poder disfarçar um sorriso. — Ele me
pegou antes do amanhecer. Eu não devia ter cochilado, mas ele ficou muito tempo na
casa de Darius.
— Jeremy estava na casa de Darius Martin?
Isabel o confirmou.
—Eu o segui até lá depois de ter saído da casa do dr. Laidlaw.
Winston passou a mão pelo cabelo.
— Então ele foi sem mim. Pena.
Isabel estranhou as palavras de Winston.
— E onde ele está, agora? — o homem perguntou.
— Eu... — Isabel hesitou, subitamente desconfiada do homem que fora seu aliado
durante tanto tempo. Ele agia de modo diferente. Mesmo assim, contou o que sabia: —
Quinn está a caminho de Pearl Hall para conversar com o pessoal, enquanto John o
aguarda na cabana.
Winston suspirou e resmungou.
— Algum problema? — Isabel perguntou, ainda mais perplexa.
Depois de um momento, ele a encarou.
— Minha querida milady. Temo que Jeremy tenha caído em uma armadilha. O sr.
Sarces está indo a Pearl Hall. Devemos nos apressar.
— Mas e quanto a John? E se ele vier aqui?
— Duvido que isso aconteça. Acredito que ele esteja mentindo. Agora, venha
comigo e espero que não seja tarde demais.

Isabel observava a agitação de Winston, que batia com o dedo indicador no joelho.
Nunca o vira naquele estado. Mas não ia perguntar a ele se toda aquela preocupação era
devido à segurança de Quinn.
— Rosengarten! Acho que é ele! — Winston gritou ao cocheiro.
Isabel se assustou.
— O que há? — ela perguntou.
— O senhor está certo, milorde. E ele também nos viu — o cocheiro gritou.
— Pare, homem! Pare!
Isabel olhou para Winston, que não havia respondido à sua pergunta. Segurou-se,
tentando olhar para fora através da janela, quando sentiu um par de mãos segurar seus
ombros, impedindo-a.
— Fique onde está, Isabel — ele disse. — Não quero machucá-la.
Ela arregalou os olhos e seu coração disparou. Era a primeira vez que Winston a
ameaçava.
— O que está acontecendo? — perguntou, aturdida.
Winston a soltou, abriu a porta da carruagem e desceu.
Quando se virou para olhar para ela, Isabel viu o cocheiro em uma das janelas.
Eles haviam trancado as portas da carruagem.
— Fique aí dentro, ouviu? — Winston ordenou, deixando-a na escuridão.
— Sir Winston? — Isabel gritou, tentando abrir uma das portas, mas não obteve
sucesso. — Sir Winston, solte-me.
Frustrada, tentou pensar. Um momento depois, ouviu som de vozes. Baixas e
masculinas. Prestou mais atenção e ouviu passos na relva. Então, a porta se abriu.
— Jeremy? — ela disse, antes que um homem aparecesse na moldura da janela.
Isabel se afastou ao ver John.

Quinn andou pelas redondezas de Pearl Hall de cabeça baixa, para não ser
reconhecido pelos homens que trabalhavam nos estábulos nem pelos jardineiros. Quando
avistou a sra. Timmons varrendo os degraus da entrada de serviço, soube que a primeira
parte de sua estratégia estava completa. Ela e o marido eram leais e, se John estivesse em
casa, não lhe diriam nada sobre a presença de Quinn.
— Credo! — a sra. Timmons se assustou, ao vê-lo.
— Um copo de água para um velho mendigo, senhora? — ele disse, antes de a
mulher sorrir.
— Milorde? — ela perguntou, perscrutando-o.
— Sim, sou eu. Estou disfarçado. Pode encontrar seu marido para mim?
Quinn entrou na casa e sentou-se em uma mesa para descansar os pés. Alguns
minutos depois, Timmons atravessava a porta.
— Perdoe-me a intrusão — Quinn falou.
— Nunca se desculpe, milorde, nunca. A sra. Timmons disse que o senhor parecia
uma visão.
Quinn se esforçou para não rir. Poderia explicar a situação, mas naquele momento,
havia coisa mais importante a fazer.
— John está em casa?
— Saiu há uma hora.
— Ótimo. Preciso de um banho e das minhas roupas.
— É claro, milorde.
Quinn saiu da mesa mancando, devido à dor nos pés.
— Depois, meu amigo, quero a chave do quarto de John, da escrivaninha do meu
pai e da caixa-forte.
Timmons pareceu surpreso por um momento, mas logo sorriu com os cantos da
boca.
— Sim, milorde. Mandarei os criados levarem a banheira para seu quarto.
Depois de limpo e vestido, Quinn pegou as chaves que pedira ao mordomo.
— Quero que me acompanhe, Timmons. Seja mais um par de olhos e ouvidos para
servir de testemunha de minhas ações. Acredito que John tenha algo que me pertence.
Necessito dessa prova para me libertar completamente.
— Será uma honra para mim acompanhá-lo, milorde.
— Começaremos pelo quarto de John.
O mordomo girou a chave e os dois entraram. As cortinas estavam cerradas. Quinn
esperou que seus olhos se acostumassem à escuridão. Suspirando, abriu a gaveta da
mesa-de-cabeceira. Havia lenços, velas e uma pequena garrafa de óleo. Tinha até
biscoitos embrulhados em um guardanapo. Quinn fechou a gaveta, sentindo um misto de
decepção e alívio. Continuou a busca, sempre na presença de Timmons.
— Se eu fosse John e quisesse esconder alguma coisa, que lugar escolheria? —
Quinn murmurou para si mesmo.
— O sr. John fica no escritório durante muito tempo — Timmons informou.
— Então é para lá que vamos.
Quinn abriu a caixa-forte do pai. Havia muitas moedas de ouro, ações, uma cópia
do testamento. O que mais chamou sua atenção foi a Bíblia, presente da esposa ao
marquês, no dia do casamento. Quinn folheou o livro, perguntando-se se o pai alguma
vez a abrira. E ficou surpreso ao ver algumas páginas gastas pelo manuseio. Talvez o
homem tivesse lutado para tomar as decisões certas na vida adulta.
Devolveu a Bíblia ao lugar e trancou a caixa-forte, antes de ir até a escrivaninha.
Ainda podia ver o velho sentado ali na cadeira de couro. Agora, aquela escrivaninha
deveria ser sua.
Quinn sentou-se e destrancou todas as gavetas. Na primeira, havia o livro das
propriedades. Quinn o examinou, vendo as meticulosas anotações do irmão. Colocou-o
de lado e pegou outro menor. Abrindo-o, viu duas colunas na primeira página. Uma
coluna tinha a letra "S", no topo. E, abaixo, uma lista de números e datas. A segunda
coluna não era menos estranha. No alto estavam as letras "WH", e os números e datas
coincidiam com os da primeira coluna.
Percebendo que o tempo transcorria, passou para outra gaveta, onde encontrou
uma lista dos empregados e seus salários. Mas, quando ia fechá-la, alguma coisa chamou
sua atenção. Abriu-a de novo. A profundidade da gaveta de cima era muito menor em
relação à gaveta de baixo. Quinn removeu todo o seu conteúdo e passou a mão nas
laterais. Acabou encontrando um compartimento fechado. Tirou uma tampa falsa e olhou,
surpreso, para várias cartas.
Pegou um punhado, sabendo de antemão se tratar das cartas de Isabel.
— Encontrou alguma coisa, milorde?—Timmons murmurou.
Quinn leu a quem a carta era endereçada:
Lorde Kendrick, Prisão de Marshabea, setembro de 1858.
Trêmulo, abriu o envelope:

Quinn, meu amor,


Não tenho palavras para dizer como meu coração está aflito por você, por nós.
Papai se recusou novamente, na noite passada, a escutar minhas súplicas para que
pleiteasse por nossa causa junto ao magistrado. Pedi também a intervenção de lorde
John, mas temo ter sido ignorada. Não posso imaginar o motivo. Esses homens não têm
coração? Porém, não perca a esperança, meu querido. Encontrarei um modo de libertá-
lo.
Para sempre sua, Isabel

Quinn dobrou a carta e a colocou no bolso do paletó. Sentiu um aperto na garganta


e no coração e tentou superar os sentimentos controversos que o dominavam.
— Sim, Timmons. — Pigarreou. — Creio que encontrei o que procurava,
finalmente.
— Encontrou mesmo, querido Jeremy?
Quinn ergueu a cabeça para ver John parado à porta.
— Você sabia que eu acabaria encontrando — Quinn respondeu, recostando-se na
cadeira de couro.
John entrou e, com um suspiro que Quinn achou genuíno, disse:
— Não. Na realidade, não. Não fosse por um descuido, não estaria aqui me
importunando.
— Importunando-o? Essa é boa, John. — Quinn sorriu — Você não enviou as
cartas de Isabel para mim. Por quê?
— Simples. — John tinha os punhos cerrados. — Você receberia muitas
informações a respeito da luta de Isabel para salvá-lo.
— Foi prudente, John. Mas, como disse, houve um descuido.
— Isso agora não importa, Jeremy. Não há como atrasar o relógio, afinal de
contas.
— Que tal eu mesmo revelá-lo? — Quinn propôs. — Poderá me corrigir se eu
estiver errado.
— Pode ser, irmão. — John ergueu as sobrancelhas. — Vamos ver se é astuto.
— Seu erro foi ter ficado na França durante muito tempo.
John admirou-se.
— Esqueceu-se de pagar Sarces, não foi? Ele esperou, mas, como você demorou a
efetuar o pagamento, o carrasco decidiu pegar o pássaro que tinha na mão, no caso
Winston e Isabel.
Diante do silêncio do irmão, Quinn questionou:
— Estou certo?
— Quase.
— Caso contrário, eu ainda estaria na minha cela, pois meu irmão conspirou para
que eu lá permanecesse, pagando mais pelo meu encarceramento do que Isabel tinha
condições de fazer. — Quinn levantou-se da cadeira e se aproximou de John. — Creio
que entendo os motivos das suas ações. Disseram-me que você me desprezava, como
também, menosprezava sua condição na vida. Então tratou de agarrar a oportunidade que
lhe caíra nas mãos. Mas o pior foi o que fez a Isabel. Tirou a segurança dela. Isabel deu
tudo o que tinha a Sarces em meu benefício. Se não fosse pelo avô dos sobrinhos, ela
agora estaria vivendo na pobreza.
— Eu não teria deixado isso acontecer — John afirmou abruptamente.
— Ah... — Quinn encostou-se na escrivaninha. — Nutria sentimentos por ela?
Mas Isabel o rejeitou, não foi?
John virou-se na direção da porta.
— Ela escolheu o homem errado. Eu a teria feito feliz.
— E sua consciência permitiria que eu apodrecesse na prisão?
— O que está planejando fazer com suas descobertas? — John encarou o irmão.
— Acha que é a minha vez de enfrentar uma cela? Asseguro-lhe de que está enganado.
Tenho testemunhas que declararão que lutei pela sua libertação e paguei para que meus
esforços pudessem ser recompensados.
Quinn sorriu maliciosamente.
— Estou certo de que sim, John. Mas, não, não é a prisão que planejo para você.
— Não importa. Eu venci. E terá de fazer o que eu ordenar.
— Por que eu o faria? — Quinn interrogou.
— Porque tenho amigos mantendo sua preciosa Isabel na cabana de caça. Se eu
não chegar em uma hora, eles têm ordens para agir de uma maneira que você não gostará.

John desenrolou um pergaminho. Os ouvidos de Quinn zuniam. Nunca imaginara


que Isabel pudesse pagar pelos seus erros.
O que havia dado errado em seu plano? Isabel deveria apenas dizer a John que
voltasse à cabana.
E quem seriam os tais amigos do irmão? Quinn gostaria de saber. Mas precisava
parar de pensar e se ater ao que estava acontecendo.
— Assine isto — John ordenou. — Com a própria mão, renunciará ao seu título e
à sua riqueza em meu favor. Reza também essa declaração que você e sua esposa querem
partir da Inglaterra para escapar de perseguições da corte da rainha. Se voltar a este país,
Jeremy, será julgado por traição.
John colocou o pergaminho sobre a escrivaninha e pegou a pena e o tinteiro.
— Assine — repetiu.
Quinn permaneceu onde estava.
— Primeiro me leve até Isabel. Você terá o título e tudo o que sempre ambicionou,
se ela estiver bem.
John hesitou, mas ergueu o pergaminho da escrivaninha e o enrolou, guardando-o
novamente no bolso.
— Então, vamos à cabana de caça. Mas não tente me enganar, Jeremy. — Olhando
para o mordomo, acrescentou: — E como está envolvido, Timmons, terá de nos
acompanhar.

Caminharam quase cinco quilômetros em meio a campos e bosques, John atrás de


Quinn e Timmons. Quinn tentava imaginar um plano para salvar Isabel, porém, estava
preocupado com os reforços do irmão. Quem seriam?
Logo descobriria. Tentou se lembrar da cabana de caça. Tinha quase certeza de que
atrás dela corria um riacho. Talvez...
Timmons tropeçou, afastando Quinn dos seus pensamentos. Segurou o mordomo
pelo braço.
— Perdoe minha fragilidade, milorde — o criado se desculpou.
— Bobagem, Timmons.
— Quietos — John interveio. — Estamos quase chegando. Logo a cabana foi
avistada.
— Faça o que ele diz, Timmons — Quinn sussurrou. — Não tem que se ferir por
causa disso tudo. Darei um jeito, assim que estiver a par da situação.
— Tenho toda a confiança no senhor, milorde — Timmons murmurou.
Quinn meneou a cabeça, assentindo, esperando sobreviver para honrar a
expectativa do mordomo. Se houvessem machucado Isabel, ele os faria pagar por isso.
Olhando para trás, viu o rosto contraído do irmão. O peso da culpa era difícil de
carregar. Quinn diminuiu os passos e segurou Timmons. Aproximaram-se da cabana onde
o marquês ficava durante as freqüentes caças às raposas.
— Pare — John ordenou. — Esperaremos aqui por um momento.
— Como planeja dar o sinal, John?
— Pare de fazer perguntas! Não está facilitando as coisas.
— E o que eu deveria fazer?
John apenas suspirou. E Quinn notou as gotas de suor na testa do irmão.
— Timmons, vá até a cabana — John ordenou. — Diga aos homens que estão lá
dentro que tenho Jeremy comigo e que ele está cooperando.
O mordomo olhou para Quinn, buscando aprovação. Quando Quinn concordou, o
velho começou a caminhar na direção indicada.
Quinn observou que John não portava nenhuma arma. Mas ameaçara machucar
Isabel. Era o único recurso de que precisava.
Ao chegar à cabana, Timmons bateu à porta. Um momento depois, um homem
saiu, puxou o mordomo para dentro e, instantes depois, acenou.
— Vamos — John disse a Quinn. — Sem truques, entendeu?
— Com pressa de praticar mais atos condenáveis, John? Aposto que depois que se
começa a mentir e enganar as pessoas, não é mais possível parar.
— Se quiser continuar vivo, sugiro que modere sua língua. Não preciso dos seus
comentários.
— Talvez eu prefira morrer.
John olhou para ele, desconfiado.
— Levando você e seus amigos comigo. Afinal de contas, o que tenho a perder?
John empurrou o irmão para a frente.
— Seu senso de humor é desagradável.
— E se eu apenas os mutilasse, antes de serem trancados em Bedlam? Vocês estão
loucos.
— Cale a boca! Depende da minha misericórdia, Jeremy. É bom lembrar-se disso.
— John empurrou Quinn, que deu alguns passos em falso.
Quinn poderia ter mantido o equilíbrio, mas aproveitou a situação, jogou-se no
chão e rolou na grama, agarrando a perna de John e derrubando-o. Prendeu o irmão sob
seu corpo, de barriga para baixo.
— Ai! — John gemeu.
— Viu como foi fácil, John? — Quinn disse na orelha do ofegante irmão.
— Está se esquecendo de que tenho Isabel.
— Nunca me esqueceria disso. E vamos terminar este pequeno incidente que você
começou. Vai fazer as coisas do meu modo. Ouviu? Mostre-me Isabel e assinarei seu vil
documento. Pegarei minha esposa e Timmons e iremos embora. Aí poderá desfrutar de
sua riqueza e de seu título. Espero que possa explicar como os conseguiu. Mas preste
atenção ao que vou lhe dizer. Se você ou seus amigos se aproximarem de mim e da minha
família novamente, juro que pagarão com a vida. — Quinn ergueu o irmão, pondo-o de
pé.
John permaneceu no lugar, olhando para o chão.
— Bem, o que está esperando? — Quinn perguntou.
— Nunca... planejei que as coisas acontecessem dessa maneira. Não pensei...
— Você não deve ter pensado em nada — Quinn interrompeu, a raiva arrefecida,
quase sentindo pena do irmão pelo caminho errado que havia escolhido.
Porém, bastava lembrar-se dos anos que passara em Marshalsea, das noites longas
e frias, da solidão, do sentimento de traição, bem como da esposa feita refém, para a raiva
voltar.
A porta da cabana ainda estava aberta. Eles entraram.
— Jeremy! — Isabel exclamou.
Ele a viu de pé a um canto. Atrás dela, um homem que Quinn havia visto antes, a
segurava pelos braços. Era o cocheiro, primo de Winston. Rosengarten?
Ao lado de Isabel, Timmons, imóvel, e ao lado do mordomo, outro homem
segurava uma pistola: era Winston.
— John, o que significa isto? — Winston perguntou. — Por que trouxe Kendrick
até aqui?
John caminhou até o centro da cabana, atrás de Quinn. Desenrolou o pergaminho,
colocando-o sobre a rústica mesa.
—Não tive escolha. Ele queria ter certeza de que Isabel estava bem. — Olhou para
Quinn. — Agora, assine.
Quinn observou os dois homens. Winston apontava a pistola na sua direção. Era
ele o comparsa de John. Eram co-autores na conspiração contra ele. Winston, um dos
amigos de John! Difícil de acreditar, mas era a única conclusão. O outro homem,
Rosengarten, era obviamente o lacaio de Winston. O cocheiro o trouxera de Marshalsea e
tinha cruzado Londres com ele, naquela noite. Tudo planejado por Winston. Quinn
deveria estar irado. Deveria agarrar Winston pelo pescoço e matá-lo. Em vez disso,
sentia-se calmo, como nunca.
— Como assim, não teve escolha? — Winston indagou. — Eu lhe disse que
soltaríamos Isabel sã e salva se ele assinasse o documento. Não era para trazê-lo aqui.
— Não queria me enfrentar, Winston? — Quinn perguntou. — John está dizendo a
verdade. Recusei-me a assinar antes de ver minha esposa a salvo.
— Entendeu? — John ressaltou. — Ele não teria assinado. Além do mais, Jeremy
já sabe de tudo. E deixará o país no navio desta noite. — John olhou para o irmão mais
uma vez. — Assine.
— Como está, Isabel? — Quinn fitou a esposa em vez de assinar o documento.
De olhos fixos no marido, Isabel se contorcia, tentando se soltar.
— Solte-a agora — Quinn ordenou.
Rosengarten olhou para Quinn, desconfiado, mas obedeceu. Isabel observou o
homem, enojada, ajeitou a gola do vestido e deu um passo na direção do marido.
— Estou bem, Jeremy. Sir Winston é um traidor, disse-me que você cairia em uma
armadilha e acreditei. Ele e o cocheiro me trancaram na carruagem e me trouxeram aqui.
Quinn viu a dor estampada no olhar de Isabel. Ela confiara em Winston.
— Venha aqui e fique perto da porta.
— Não se mova, Isabel — Winston contradisse. — Sei que tudo isso foi terrível
para a senhora, mas necessário.
Quinn voltou a atenção para Winston.
— Necessário por quê? Não tinha intenção de soltá-la, não é mesmo? Nem de
fazer com que eu embarcasse esta noite.
— É claro que não, Kendrick. Acha que sou idiota? — Winston alisou a barba. —
Não cheguei até aqui para cometer um erro tão grave, apesar de achar tudo muito triste.
Oh, as teias que tecemos!
— Por que agiu de forma tão vil? — Quinn perguntou.
Winston encolheu os ombros.
— Eu desejava dar outro rumo à minha vida. Para isso precisava me livrar de
você. Nada mais.
Enquanto o homem falava, Quinn procurava uma maneira de escapar com
Timmons e Isabel. Vivos. Até o momento, Winston estava calmo. Quinn precisava mudar
aquilo. E qual a melhor maneira se não jogá-lo contra John?
— O erro de meu irmão, ao não pagar a mensalidade do último mês em que estive
preso, mudou fatos que não deveriam sofrer alteração? — Quinn provocou.
— Realmente — Winston afirmou. — Tudo estava indo bem. Até seu irmão
começar a perseguir mulheres. — Lançou a John um olhar de reprovação.
— E por que você não pagou? Tinha o dinheiro que Isabel lhe dava.
— O quê? — Isabel quase gritou. — O senhor roubava meu dinheiro? Nunca foi
dado na prisão para beneficiar Quinn?
— Querida Isabel, acalme-se — Winston disse, antes de olhar novamente para
John e apontar a arma para ele. — Seu infeliz. Sabe muito bem que era eu quem pagava a
cela privada de Kendrick.
— Sim, para facilitar a vida do marquês. Foi essa a razão de sua generosidade? Ou
por não levar as cartas de Isabel a ele?
— Teria sido mais prudente pagar aquela mensalidade. Acho que se tornou
ganancioso demais, Winston — Quinn voltou a provocar.
— É verdade — John resmungou. — Eu lhe disse a mesma coisa meses atrás
quando ele estava gastando o meu dinheiro e o de Isabel.
— Chega! — Winston gritou. — Não tenho que ouvir essa conversa fiada.
— Apenas não quer admitir que estamos certos — John vociferou contra o
parceiro.
— Como Winston o convenceu a agir contra mim, John? — Quinn perguntou. —
Ameaças? Promessas? Estou surpreso por ter deixado que ele controlasse esta farsa. Não
percebeu que, se Winston estava roubando Isabel, acabaria roubando você também?
— Já disse que chega, Kendrick — Winston gritou. — John sabia em quem
confiar, nunca falhei com ele. E não pretendo fazê-lo agora.
— Posso falar por mim, não preciso da sua ajuda. Confiança não tem nada a ver
com o que está acontecendo. Só a ganância o impeliu. — John olhou para Quinn. —
Depois que papai resolveu aprisioná-lo, Winston não perdeu tempo em me procurar.
— John — Winston bradou, apontando a pistola para o comparsa.
— Atire nele e nunca assinarei papel algum — Quinn ameaçou. — Seus planos
estarão perdidos.
— Já consegui tudo o que quero — Winston replicou, confiante. — Dirijo a
Cozinha e recebo grandes doações. John é quem deseja o título e as terras.
— Seu bastardo — John resmungou. — Pensa que vai me abandonar agora?
Depois de eu trazê-lo até aqui? Nunca esteve no controle. Apenas permiti que acreditasse
nisso por ser vantajoso para mim. Contarei tudo a Jeremy. Quero que ele saiba a verdade.
Não muda nada. Você e eu estamos envolvidos nessa sujeira, mas não me diga o que
fazer.
Winston nem piscava, ainda apontando a pistola para John.
— E quem vai me obrigar? Já chega de encenações. Você foi um espinho desde o
começo. Sempre se lamentando. Não vou ficar aqui o escutando. — Winston apontou a
pistola para Quinn. — Assine o documento.
Rosengarten agarrou os pulsos de Isabel, que imediatamente, lutou para se soltar.
Quinn foi até a mesa.
— Como já disse a John, podem ficar com tudo. Aprendi há muito tempo que um
homem vale pelo que é, e não pelos bens que possui.
— Acha que é melhor do que nós? Encontrei-o cheio de ódio quando fui a
Marshalsea para libertá-lo. Não podia acreditar que Sarces aceitava nosso pagamento, e
me fez entrar naquele buraco do inferno. Um homem mais valioso teria dado a outra face,
mas você não deu.
— Talvez — Quinn falou, pegando o pergaminho e assinando o documento. — A
traição aprisiona um homem. Ele perde a perspectiva.
Largando a pena na mesa, Quinn caminhou na direção da porta.
— Também a pobreza e a falta de respeito — Winston acrescentou.
— Agora fala por si mesmo? — Quinn jogou. — Nunca teve realmente pena dos
pobres? Nunca desejou ter uma vida modesta? Tudo foi uma farsa?
— Somos o que somos. — Winston deu de ombros.
— Por que fingiu? — Isabel perguntou. — Por que nos enganou?
Winston alisou a barba novamente.
— Apenas posso dizer, querida milady, que foram presas fáceis. Jeremy era jovem,
cheio de ilusões e boas ações. Roubar as doações foi fácil. Mas então o temperamento
dele começou a atrapalhar. Ele se recusou a cumprir os deveres da família. Acredite-me,
encorajei-o a fazê-lo. Para que eu pudesse tomar conta de tudo. Eu estava sentado em
uma fortuna. — Olhou para Quinn. — Quando se negou novamente, decidi deixar os
acontecimentos tomarem seu curso.
— Winston foi até papai, fingindo defender a sua causa — John acrescentou. —
Eu estava lá.
— Foi quando perceberam que tinham o mesmo objetivo? — Quinn perguntou.
— Tenho pago para atingir tais objetivos, desde então — John respondeu. —
Financiando o bem-estar de Winston, enquanto ele se assegurava de que você continuaria
preso.
Quinn lembrou-se do livro com as iniciais "S" e "WH" no topo da lista.
— Então Sarces arruinou tudo ao aceitar o pagamento?
— Uma coisa para a qual eu não estava preparado — Winston confessou.
— Mentiu o tempo todo? — Foi a vez de Isabel perguntar. — Nunca teve a
intenção de soltar Jeremy?
— É claro que não, Isabel. Finalmente, tenho propriedades e dinheiro para viver
toda a minha vida com considerável conforto. Não tem idéia da desgraça que é não ter
dinheiro e não poder freqüentar a sociedade.
— O senhor não era um seguidor de lorde Shaftesbury? Não era considerado um
batalhador? — Isabel o pressionou.
— Eu era apenas um dos colaboradores de Shaftesbury.
— Não sente remorso pelas suas ações diabólicas?
— Remorso não alimenta nem veste ninguém, milady. — Winston sorriu. — Creio
que já expliquei mais do que devia. Agora, vamos acabar com isto. Rosengarten, tenho
outra pistola debaixo do banco da carruagem. Vá pegá-la.
— Sim, primo — Rosengarten murmurou, largando Isabel e caminhando para a
porta.
Quinn percebeu a oportunidade e, com cuidado, fez um sinal para que Isabel e
Timmons fossem até a porta.
— John — Winston continuou. — Encontre cordas para amarrarmos nossos
convidados. Comece pelo seu irmão.
— Eles não poderão cavalgar se estiverem amarrados — John falou.
Quinn deu um passo para trás. Rosengarten tinha deixado a porta aberta e só
precisavam alcançá-la.
— Winston não planeja nos deixar sair daqui — Quinn disse ao irmão.
John olhou do irmão para o comparsa.
— Você nunca disse nada sobre matá-los — John gritou. — Apenas ameacei meu
irmão para forçá-lo a assinar o documento.
— Realmente acreditou que Winston nos deixaria livres? — Quinn continuou. —
Ele esperou demais por isso. Não arriscará deixar-nos vivos para irmos até as
autoridades.
— Mas e o documento que assinou? A rainha o enforcará se voltar à Inglaterra,
Jeremy. Traição é grave. — John parecia genuinamente surpreso com o esquema de
Winston.
— Ele não planejou nos soltar, John. Sugiro que pegue a corda, se não quiser se
juntar a nós.
— Boa sugestão — Winston interveio. — Sempre foi brilhante, embora teimoso
demais, Jeremy.
— Pelo fato de eu não ter acatado suas idéias? — Quinn perguntou. — Essa é a
verdade, não é, Winston? Não queria que eu tivesse idéias próprias. Aí, passou a controlar
os tolos.
Winston deu um passo na direção de Quinn. Pela primeira vez, Quinn viu ódio nos
olhos do pretenso amigo. Finalmente, Winston demonstrava suas emoções.
— Se tivesse cedido, Kendrick, todos ficariam satisfeitos. Nunca teria ido para a
prisão. John, pegue a corda. — Winston alisou a barba e continuou: — Você e Isabel
poderiam ter se casado há muito tempo. Seu pai ainda estaria vivo. E eu não seria forçado
a negociar com seu irmão.
— Sou um tolo, é o que está dizendo? Um ingênuo com o qual foi forçado a
negociar? — Irado, John sacou uma pistola da cintura. — Pois fique sabendo que não sou
nenhum idiota.
— John, espere — Quinn gritou.
Mas John disparou a arma, e Winston arregalou os olhos e pôs a mão no peito.
Isabel e Timmons encostaram-se à parede. John olhava para Winston com um
meio sorriso, que logo desapareceu, ao perceber o que havia acabado de fazer.
Quinn foi rapidamente até Winston e tirou a pistola da mão dele. Winston tentava
respirar.
Rosengarten veio correndo, mas Timmons o atingiu com um soco no queixo,
fazendo-o cair e dando chance para que tirasse a arma da mão do cocheiro.
Isabel correu até Quinn. Sangue fluía do peito de Winston, que olhava para eles
como que pedindo ajuda. De repente, ele vacilou e caiu.
— Ele... está morto? — John perguntou em um fio de voz.
Quinn e Isabel fitaram John, então Quinn se posicionou na frente dela,
protegendo-a com seu corpo.
John agora apontava a pistola para o casal. Uma comoção dominou o ambiente.
Quinn se virou e notou Rosengarten batendo com o cabo do chicote na cabeça de
Timmons. Ao agarrar a pistola, o cocheiro começou a gritar:
— Afastem-se todos. O que fizeram ao meu primo? — Atravessou a sala e foi até
Winston, agachando-se para examiná-lo. — Ele precisa de ajuda. Levem-no para a
carruagem. Agora!
John largou a pistola e ajudou Quinn a carregar Winston para fora.
— Para onde vai levá-lo? — Quinn perguntou a Rosengarten, que já estava com as
rédeas nas mãos depois de ter acomodado o primo dentro da carruagem e fechado a porta
com cuidado.
— Ele é um de nós. Cuidaremos dele — Rosengarten disse apenas, chicoteando os
cavalos e partindo.
— O que... vai... acontecer agora? — John balbuciou.
— O que deseja que aconteça, John? — Quinn perguntou.
— Quero que tudo isso termine — o irmão murmurou, a cabeça e os ombros
baixos.
— Você tem seu documento. Duvido que Winston volte a atormentá-lo. Acabou.
— Desse jeito? — John ergueu a cabeça. — Vai partir? Deixando tudo para mim?
— Não é esse o seu desejo?
— Sim, mas...
Uma rajada de vento se fez ouvir. John olhou para Quinn antes de caminhar para a
cabana. Pegou o documento e o rasgou em vários pedaços, jogando-os no chão. À porta,
Quinn, Isabel e Timmons o observavam.
— Faça o que quiser comigo, Quinn — ele disse.

Se Deus está ao seu lado, quem estará contra você?


A Sagrada Escritura veio à mente de Quinn enquanto ele admirava o pomar e os
prados da janela da sala de visitas de Pearl Hall. Sim, Deus trabalhara por ele quando os
outros conspiravam contra sua pessoa. No final, como sempre, a vontade de Deus havia
prevalecido.
Por favor, perdoe-me por ter perdido minha fé, Quinn orava, sabendo que seria
mais difícil perdoar a si próprio. Passaria a vida fazendo coisas maravilhosas e amando
Isabel. Se ela deixasse.
Naquele momento, a esposa estava com a sra. Timmons, cuidando do pequeno
corte na cabeça do mordomo, ferido por Rosengarten. Quinn o deixara com as mulheres e
tinha ido até a sala para aquietar sua mente. Ainda lutava para acreditar em tudo que
havia acontecido. A falsidade de Winston. A conspiração de John. Tudo porque ele e o pai
foram incapazes de superar as próprias querelas e se entenderem. Nunca mais pretendia
ser tão teimoso. Iria ensinar a Robin e Max que trouxessem para ele todas as suas
preocupações. E procuraria, pacientemente, entender seus pontos de vista e não forçá-los
a fazer algo que lhes desagradasse. Mal podia esperar para estar com eles e aprofundar o
relacionamento com os meninos, com Isabel ao seu lado.
Olhando para a porta, ele a viu entrar na sala. Sorriu e ficou surpreso ao notar o
semblante preocupado da esposa.
— O que foi? — Quinn questionou.
— Nada — Isabel respondeu.
Quinn não acreditou. Atravessou a sala e a segurou pelos braços. Sabia que
deviam estar feridos pelas ameaças de Rosengarten e os acariciou.
— Isabel?
— O que acontecerá agora?
— John está fazendo as malas. Concordou em mudar-se para a propriedade de
Cumbria. Permanecerá lá até superarmos tudo isso. Então, veremos o que fazer. Quanto a
Winston, acredito que não sobreviverá. Caso venha a se salvar, providenciarei para que
saiba como é viver atrás das grades de uma cela. E o primo será vigiado até eu ter certeza
de que não pretende se vingar.
— Que bom!
— Mas ainda há alguma coisa a perturbando. Posso sentir.
— Não. Tudo terminou bem, não é? Agora podemos seguir nossas vidas. Tenho
Robin e Max, e você está livre para ficar com Marietta.
— Quem?
— Marietta Dowd. Não ficarei no seu caminho, Jeremy. Quero que seja feliz. —
Isabel se afastou dele, piscando.
Quinn ficou chocado. Mas logo se recompôs e foi atrás da esposa.
— Isabel — ele sussurrou, pegando-a pelos ombros e virando-a para ele.
A jovem se recusou a encará-lo, e Quinn lhe ergueu o queixo com o dedo.
— Isabel, é a conclusão mais ridícula a que podia chegar. De onde tirou essa
idéia?
— Preferiu procurá-la a ficar comigo. — Enxugou uma lágrima.
Quinn não pôde deixar de sorrir.
— Escolhi ficar com você todas as horas e todos os minutos da minha vida. Mas
não podia. Eu a queria com paixão e teria sido fácil demais perder o controle. — Ele a
abraçou. — É você que desejo. Só você.
Isabel fungou, Quinn tirou um lenço do bolso e o entregou a ela.
— Diga-me. Acredita em mim?
— Eu... — Ela limpou o nariz com o lenço. — Eu...
— Acha que vou permitir que crie Robin e Max sem mim? Acha que não vou
encher Pearl Hall com a alegria deles e de muitos outros? Não vai fugir de mim, meu
amor.
Quinn sentiu a hesitação da esposa desaparecer.
— Oh, querido — ela murmurou, os olhos brilhando.
— Isabel, eu te amo. E a amarei e cuidarei de você por toda a eternidade.
— Oh, Quinn. Eu também te amo. Muito.
— Depois de tudo o que fez por mim, nunca voltarei a duvidar do seu afeto. E
ficarei feliz se passar a minha vida retribuindo esse amor.
Curvando-se, ele a beijou, e Isabel retribuiu o gesto com fervor.
Quinn estava exausto, devido aos eventos dos últimos dias. Mas, depois de ver
John tomar seu caminho, após ir à Cozinha para anunciar o afastamento de Winston e
assegurar a todos que a obra continuaria, que tinha grandes planos de expansão, então
levaria Isabel de volta à casa da cidade para se reunir a Robin e Max. Finalmente,
arrumariam seus pertences para se mudarem para Pearl Hall.
E Quinn poderia fazer amor com Isabel. Naquele momento, ele sentia a alma
renovada. A concha que o envolvia tinha se quebrado. E, no lugar dela, havia uma jóia de
intenso brilho.

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