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407. Martin Heidegger (1889-1976), - o Papa do existencialismo, - foi o mais notável existencialista
alemão, até seu tempo. Depois de conhecer a escolástica, tomou o caminho do pensamento subjetivo e
alógico, não conceptual, posicionando-se numa posição de prudente agnosticismo sobre o ser atingido
pela mente humana.
Nascido em Messkirch, Baden, de uma tradicional família católica, foi encaminhado para realizar os
estudos secundários num estabelecimento da Ordem dos Jesuítas. Ingressando em 1913 na Universidade
de Friburgo de Baden, frequentou por algum tempo a teologia, como noviço a ser jesuíta, o que entretanto
não consumou. Já antes de sua renúncia à vida religiosa conventual, conheceu a filosofia fenomenológica
de Bolzano e de Husserl. Ainda em 1913 completou seus estudos com um doutorado de filosofia.
Como Privat Dozent (livre docente) lecionou na Universidade de Friburgo em 1915 e 1916. Habilitado
em 1916 por Heinrich Rickert (1863-1936), o qual influenciou seu pensamento. Mas a guerra interrompeu
as atividades acadêmicas de 1917 a 1919. Prosseguiu lecionando em Friburgo até 1923. Passou à
Universidade de Marburgo (Prússia) em 1923, onde permaneceu até 1928.
Retornou, então, a Friburgo, como sucessor da cátedra de Husserl, que ali fora titular desde 1916. Fez
deste seu posto em Baden o quartel general do existencialismo. Reitor 4 meses, na passagem do ano
1933-1934, renunciou por não concordar em demitir seus colegas professores judeus; entretanto sua
indefinição frente ao nazismo deixou lugar a muitas interrogações futuras, em que entretanto é preciso
distinguir entre nacionalismo e nazismo.
Os países aliados que ocuparam militarmente a Alemanha vencida, da guerra iniciada em 1939, o
interditaram, em 1945, de lecionar. Foi restituído à cátedra só em 1950, aposentando-se em 1952. Depois
disto continuou a ocupar-se, por mais duas décadas, com seminários e cursos.
408. Realismo imediato. Situou-se Heidegger de pronto na fenomenologia realista de Franz Brentano
(1838-1917), interpretando, como este, a intencionalidade do conhecimento como um situar-se imediato
na realidade exterior, portanto na coisa em si. Não era pois um idealista. Nem um realista mediato, e sim
um realista imediato.
O estar no mundo define o ser humano. Isto não se prova por meio de argumento cursivo, mas é a
primeira intuição e acontece desde sempre. Heidegger faz a hermenêutica deste acontecimento e toma
cuidado com a linguagem ao descrevê-lo. Delimitando o uso dos termos, criou uma linguagem tecnicista
para a sua filosofia existencial. Definiu a transcendência como uma transpassagem. Aquilo que realiza a
transpassagem, transpassando, permanece. Trata-se de um acontecimento próprio deste ente, o do homem.
Não é apenas um modo do seu comportamento.
Pelo visto, a teoria do conhecimento de Heidegger começa por examinar fenomenologicamente o que nos
acontece. Surge o conhecimento como um processo intencionalístico, que se move entre o sujeito e o
objeto. Enquanto o sujeito transita intencionalisticamente para o objeto (o mundo), exerce uma função
peculiar, a transcendência. Define-se o homem (isto é, a sua consciência), como um ser a transcender para
uma direção exterior ao sujeito. Heidegger analisou esta transcendência, determinando uma série de
observações, que caracterizam o existencialismo.
Insistiu que a transcendência é essencial ao homem e não algo de eventual. Desta sorte, não há um
homem (como consciência), que seja primeiramente uma substancialidade consciente, que, em um
segundo tempo, adquire a qualidade de transcendente. O ser do homem está principalmente nesta
transcendentalidade intencionalística em marcha para o objeto, de tal modo que seu modo de existir é
uma inserção essencial vertida na direção do existente exterior a ele. Aumenta a importância do sujeito,
como transcendência; diminui-se, sua colocação como ente em si. Principalmente aumenta o conteúdo do
ente exterior. O ser humano é ex-cêntrico; o exterior é algo em si.
"A transcendência, consoante a acepção terminológica que aqui esclarecemos e justificamos, designa
alguma coisa que é própria do ser-aí humano, e não como um modo de comportamento possível entre
outros, de vez em quando realizado, mas como constituição fundamental deste ente, anterior a todo
comportamento" (Da essência do fundamento).
Desde que existamos, nosso existir acontece como imediatamente situado na realidade. Ainda que se diga
que a realidade é imediatamente alcançada, este é um modo de falar, porque na verdade a
intencionalidade existe como um todo de ponto a ponta, ligando sujeito e objeto.
Se, de uma parte, Heidegger admite o ponto de partida kantiano, que principia na consciência, não se
limita à esta consciência do surgir meramente formal da notícia. A consciência é presença existencial.
Portanto, Heidegger vê mais coisas na consciência do que o simples fenomenismo quer estabelecer. A
intuição da existência principia dentro de si mesmo, dentro consciência, como estrutura da própria
consciência. O Eu é um estar-aí, presente ao mundo.
Começa, pois, a filosofia da existência, de Heidegger, na própria existência singular, como um
acontecimento inicial, fenomenologicamente verificado.
409. Limites da ontologia. Manteve-se Heidegger vagamente agnóstico em relação a Deus, retido em uma
fenomenologia exigente sobre o ser e a existência. Concordando embora com a gnosiologia de
Kierkegaard, despojou-se de sua angustiante teologia, permanecendo com Nietzsche. Desenvolveu uma
filosofia da existência, notável pela meticulosidade e pela preocupação em dar a estes detalhes a
correspondente linguagem.
Construiu Heidegger uma filosofia do finito, portanto uma ontologia do ser particular, ou seja da
existência humana e terrestre, não vendo como caminhar mais longe. Seu existencialismo é o do ser-no-
mundo, como pura possibilidade, sem exigências ontológicas absolutas. Em última instância, é uma
interpretação imanentista da realidade, não sem alguma parecença com o idealismo.
Tentou Heidegger uma ontologia fundamental, neste sentido perguntando pelos existenciais e pelo ser do
ente. Depois de descrever o fato fundamental da realidade alcançada, a fenomenologia existencial de
Heidegger seguiu determinando outros e outros existenciais, entre eles o da vontade e o da liberdade.
A ontologia de Heidegger, apesar de mais sistemática que a de Karl Jaspers, não vai, todavia, muito longe,
e ficou sendo a ontologia de um ser particular, e portanto sem os universalismos da metafísica tradicional.
Ainda que ocorram tais limitações, a fenomenologia existencial penetra o mundo do ser, não se limitando
aos resultados menores do empirismo. Por esta razão diferenciam-se entre si os resultados das duas
filosofias, alinhando-se pois Heidegger ainda no campo da filosofia racionalista. Tratou de compreender o
ser, e não apenas a estudá-lo empiricamente.
A ontologia fundamental de Heidegger ocupa-se com a existência singular, mais precisamente, a partir do
indivíduo pensante. Em se tratando do ser singular, a ontologia de Heidegger se aproxima em alguns
aspectos da de Duns Scotus, a respeito do qual desenvolveu mesmo um estudo. Ainda que prometesse
para depois uma ontologia geral, dela chegará a oferecer apenas elementos. Numa e noutra evitou seguir
até conceitos generalizantes, peculiares à ontologia clássica.
Desde a sua ontologia fundamental, a linguagem de Heidegger é difícil, porque caracterizada com
tecnicismos, a primeira vista parecendo arbitrários. Ao homem chama existência, no sentido etimológico
de ex-sistência; ao mundo exterior denominou existente, com significado tomado ao particípio. A coisa
em bruto chamou ente; àquilo que se faz conhecer no ente, deu o nome ser, com uma acepção difícil de
aclarar. Ao homem denominou ser-aí (Dasein); a expressão alemã também foi traduzida por estar-aí, no
sentido que o verbo estar se refere à eventualidade da existência e do acontecer, diferente do verbo ser,
que sugere também a essência no sentido de ser isto, ou aquilo. Em qualquer caso, o sentido fundamental
de Dasein é o de estar presente, isto é, existindo ali.
Ao homem, visto como ser concreto, se diz existente; mas quando entendido como ser pensante, é
existência (no sentido de ex-sistência).
Esta linguagem está motivada nas diretrizes que assumiu a filosofia de Heidegger. Em virtude das
características do idioma alemão, notoriamente flexível, ela se apresenta mais fluente no texto original, do
que nas traduções em outros idiomas.