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O final deste último século foi marcado pela publicação de dois extraordinários
livros que descrevem uma abordagem totalmente nova sobre a proteção e avaliação ambiental.
São publicações que, além de mostrar e discutir claramente o estado de degradação que os nossos
ecossistemas alcançaram no final do Século XX, apresentam um novo paradigma na avaliação de
risos e impactos ambientais que denega frontalmente o modelo vigente que levou ao ‘estado de
coisas’ que muito bem conhecemos.
O primeiro desses livros, cuja revisão se apresenta nesta Parte I, é o livro de Mary
O’Brien intitulado ‘Making Better Environmental Decisions’ (286 páginas) publicado no ano
passado pela Editora do MIT, EUA. O segundo livro ( Parte II desta revisão) é o livro de Theo
Colburn, Dianne Dumanoski e John Peterson Myers chamado ‘Our Stolen Future’ (316
páginas) publicado pela Plume Book em 1996, que já conta com edição na língua portuguesa.
O aprendizado básico que se alcança após ler o livro de Mary O’Brien é que a
definição de políticas públicas ambientais no mundo todo tem sido baseada no levantamento de
questionamentos equivocados sobre a avaliação de riscos e impactos ambientais aos
ecossistemas, biota e seres humanos. Nesse processo, quase nunca ou muito raramente,
questiona-se sobre a existência de alternativas ou opções sobre comportamentos humanos,
tecnologias e/ou processos (muitos dos quais, de domínio público) que permitem que atividades
antrópicas em geral sejam desenvolvidas com o menor dano e maior benefício possível aos
ecossistemas, sua biota e aos cidadãos.
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Montague, Peter (2000). Modern Environmental Protection. Part 3. Northland Reader. October, 12/2000. Vol. 4,
No. 85. pp. 8-9.
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câncer e a perda de inúmeras espécies da fauna devido a ação de compostos químicos sintéticos
que agem como interferentes ou ruptores endócrinos (ver Our Stolen Future’ de T. Colburn, D.
Dumanoski e J. P. Myers, Parte II desta revisão). Talvez caiba aqui uma ponderação de Blake e
Steinhart (1987)2: “corremos o risco de um dia termos de apreciar apenas uma grande planície
de concreto, asfalto e vidro e, descobrirmos que secamos os céus”.
E, o que é um processo de avaliação de riscos? É um processo de se estimar
danos que estão ocorrendo ou que podem ocorrer decorrente de uma substância ou atividade. E,
como funciona este processo? Em teoria é processo objetivo, na prática envolve a escolha dentre
numerosas estimativas (ou ‘chutes’ mesmo!), onde política e dinheiro (muito) tem o poder de
afetar as decisões a serem tomadas.
Esse processo se baseia fundamentalmente na avaliação de danos e exposição.
Dano é toxicidade de um material, i.e., sua capacidade de causar certos tipos de danos enquanto
que exposição é a quantidade de uma substância (i.e., dose) que é passada a um organismo vivo
sobre o qual o dano esta sendo avaliado, usualmente seres humanos.
Este livro examina por exemplo o que está errado com o processo de avaliação de
riscos e porque é preciso substituir este modelo por um modelo de avaliação alternativa de
riscos, sempre através de exemplos extremamente ilustrativos. Por exemplo, o caso da queima de
resíduos perigosos num incinerador localizado próximo a uma escola. A autora usa este caso
para descrever o que ela chama de ‘metas básicas e não-declaradas das avaliações de riscos’ que,
fundamentalmente existe para ‘garantir a permissão para funcionamento de uma atividade cujos
riscos está sendo avaliada’. Em vez de avaliar a permissão de exposições aceitáveis às crianças
da escola vizinha ao incinerador, deveríamos: (1) incentivar e desenvolver programas de redução
de resíduos tóxicos na indútrias; (2) trabalhar com as indústrias no desenvolvimento e uso de
tecnologias alternativas que não dependam tanto no uso de compostos químicos tóxicos; e (3)
escrever leis que obriguem as indústrias a manterem em seus pátios os resíduos gerados, o que
incentivaria as mesmas a reduzir e desenvolver tecnologias de atenuação da toxicidade dos
compostos químicos usados em seus processos industriais. Se, os consultores das indústrias,
empregados de governos e comunidades envolvidos neste caso do incinerador examinassem os
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Blake, Tupper e Steinhart, Peter 1987. Tracks in the sky: Wildlife and wetlands of the Pacific flyway. Chronicle
Books.
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isto e mais os prós e contras de grande número de opções e os possíveis riscos de cada uma,
bem como as relevantes vantagens físicas, sociais, econômicas e democráticas.
Pelo mundo afora, há um grande número de casos que justificam a implantação do
processo de avaliação de riscos ambientais, como por exemplo: (1) contaminação do ar;
contaminação da vida silvestre; (3) contaminação das águas subterrâneas; (4) níveis aceitáveis de
radiação nuclear; (5) extinção de espécies; (6) incorporação de compostos tóxicos em nossos
alimentos; (7) redução da vida silvestre; (8) direito de nações em estabelecer um alto padrão de
proteção à saúde pública.
Especificamente nos E.U.A são inúmeros os casos de usos de avaliação de riscos
como para: (1) alimentos: registro de pesticidas; resíduos permissíveis de pesticidas; resíduos
permissíveis de hormônios (2) água: níveis de de bombeamento permissível de água de rios e
aqüíferos; níveis permissíveis de contaminação de água potável (níveis máximos de
contaminantes); níveis de contaminação de águas subterrâneas; permissões de descarga de
substâncias tóxicas em rios. (3) atmosfera: permissões de descargas de particulados e substâncias
tóxicas no ar ambiente; aplicações aéreas de pesticidas; permissões para queima e incinerações.
(4) terra/oceanos: permissões para desmatamentos; análises de riscos ecológicos; permissões
para coletas de espécies ameaçadas; construção de estradas. (5) ambiente de trabalho: limites de
susbtâncias tóxicas (e.g., threshold limit values); intervalo de re-entrada de trabalhadores após
aplicação de pesticidas no campo; limites de radiação. (6) ‘cleanups’: padrões de ‘cleanups’ de
vazamentos, derramamentos, ‘superfund sites’ e sítios nucleares.
Nas avaliações quantitativas de riscos os danos podem ser causados por uma atividade ou
uma substância com por exemplo em rodovias, devido ao aquecimento global, radiação, bombas
químicas, corrida de motocicletas no deserto, etc. Os danos podem ser a morte, o aumento da
incidência de diferentes tipos de câncer, problemas neurológicos, redução da atividade
fotossintética das plantas, comportamento maternal alterado (e.g., em relação aos ninhos de
pássaros), perdas de audição, etc. Os experimentos são conduzidos em aminais, plantas,
ecossistemas modelos ou outros organismos experimentais. Outros casos podem ser fertilização
diminuída de ovos de sapos devido à ação da radiação UV em lagos (um fenômeno que, muito
recentemente, se suspeita ser o causador deste impacto negativo), intoxicação de bombeiros pela
ação de derramamentos químicos industriais, etc. Em síntese, estes experimentos procuram
determinar a exposição (quantidade ou intensidade - dose - de uma atividade ou substância que
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alguns seres humanos ou outras espécies podem experimentar) à estas atividades ou substâncias
que causem efeitos adversos.
Os avaliadores de riscos estimam o grau que alguém ou alguma coisa (e.g., sapos,
homem, comunidade ou um lagarto no deserto) pode ser exposto a esta atividade ou substância.
Estima-se a dose que esta espécie (usualmente um elemento médio de algum grupo)
experimentará. Estas estimativas são feitas em experimentos controlados ou medidas no lugar de
trabalho ou no campo ou ainda, em exposições acidentais. Muitas vezes, essas estimativas são
feitas em situação muito próxima ou afastada das situações relacionadas ou (no pior dos casos),
simplesmente escolhe-se para se ter um risco pré-estabelecido !!! Há, neste processo, todo um
alto grau de incertezas e de toda a sorte. A autora lista alguns principais que fazem com que as
exposições não passem mesmo de meras estimativas: (1) área da pele exposta a uma substância
química no ar; (2) % de composto químico absorvido pelo corpo através da pele; (3) % de
composto químico absorvido que atingirá um tecido ou órgão vital; (4) quantidade de alimentos
consumidos; (5) direção e velocidade dos ventos; (6) velocidade em que a chuva recarrega um
aqüifero; (7) número de horas ou dias que um organismo é exposto; (8) peso corporal;
etc...etc...etc. Inevitavelmente, muitos fatores são completamente ignorados neste processo: por
que eles nunca foram examinados ou porque sua inclusão tornaria o modelo de avaliação de
riscos muito complicado ou porque sua inclusão tornaria a exposição muito perigosa.
A quantificação da possibilidade de um organismo experimentar um dado dano
(risco) é feita tentanto-se responder às perguntas: será alguém exposto? quanto? Toma-se por
base as estimativas da habilidade de uma atividade ou substância em causar um dano em
particular e nas estimativas do grau de um certo organismo ser exposto àquele dano.
O EXEMPLO
• Organismo alvo: aplicador de orizalina (2,6-dinitroanilina)
• Orizalina: um herbicida da DowElanco (matar grama, pragas em várias plantações
nos EUA)
• Substância causadora de câncer das glândulas mamárias em ratazana, de pele e
tumores na tiróide de ratos e ratazanas
• U.S. EPA: considera esta substância como possível causador de câncer em seres
humanos (Grupo C)
• Potencial cancerígeno: 0,13 mg/kg/dia
• Suposições para cálculo de risco de câncer:
o Aplicador aplica 1 vez/ano na sua vida
o Usa bomba manual de baixa pressão
o Usa calça comprida, camisa de mangas compridas e não usa luvas
o Exposição dérmica: 52 mg/pound orizalina
o 0,094 pound orizalina/1000 pés quadrados
o Aplicação em 2 acres
• Dose diária no tempo de vida do aplicador
o (dose diária total X número de dias de trabalho X 35) / 70 anos
o resultado: 2,0 X 10-4 mg/kg/dia
RESULTADO
DANO (0,13 mg/kg/dia) x EXPOSIÇÃO (2 x 10-4 mg/kg/dia) = RISCO (2,6 x 10-6)
ou
2,6 casos de câncer/100.000 pessoas ou 26 vezes mais casos de câncer em 1 milhão de pessoas.